UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro Dimensões Teórico-Metodológicas do Cálculo Diferencial e Integral: perspectivas histórica e de ensino e aprendizagem MARCO ANTONIO ESCHER Orientadora: Profa. Dra. Rosana Giaretta Sguerra Miskulin Rio Claro (SP) 2011 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro Dimensões Teórico-Metodológicas do Cálculo Diferencial e Integral: perspectivas histórica e de ensino e aprendizagem MARCO ANTONIO ESCHER Orientadora: Profa. Dra. Rosana Giaretta Sguerra Miskulin Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, área de concentração em Ensino e Aprendizagem da Matemática e seus Fundamentos Filosófico- Científicos para obtenção do título de Doutor em Educação Matemática. Rio Claro (SP) 2011 Comissão Examinadora Profa. Dra. Rosana Giaretta Sguerra Miskulin (orientadora) Universidade Estadual Paulista – UNESP – Rio Claro (SP) Profa. Dra. Maria Teresa Menezes Freitas Universidade Federal de Uberlândia - UFU – Uberlândia (MG) Prof. Dr. João Frederico da Costa Azevedo Meyer Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – Campinas (SP) Profa. Dra. Adriana Cesar de Mattos Universidade Estadual Paulista – UNESP – Rio Claro (SP) Prof. Dr. Marcos Vieira Teixeira Universidade Estadual Paulista – UNESP – Rio Claro (SP) Doutorando Marco Antonio Escher Programa de Pós Graduação em Educação Matemática UNESP – Rio Claro (SP) Rio Claro, 08 de junho de 2011. Resultado: Aprovado “Os gregos contam que Teseu recebeu de presente de Ariadne um fio. Com esse fio Teseu se orientou no labirinto, encontrou o Minotauro e o matou. Dos rastros que Teseu deixou ao vagar pelo labirinto, o mito não fala” Carlo Ginzburg Resumo Esta pesquisa descreve um Cenário de Investigação criado por algumas dimensões teórico-metodológicas, as quais apresentam, em duas perspectivas inter- relacionadas, as influências, limites e potencialidades do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no Cálculo Diferencial e Integral: (1) em uma perspectiva histórica, e (2) em uma perspectiva de ensino e de aprendizagem. O objetivo deste trabalho consiste em investigar as dimensões teórico-metodológicas presentes nas inter-relações do Cálculo Diferencial e Integral e as Tecnologias Informacionais e Comunicacionais (TIC). A pesquisa foi desenvolvida lançando mão de uma metodologia qualitativa, com a qual o pesquisador insere-se no contexto pesquisado e no desenvolvimento da coleta dos dados da pesquisa e, aos poucos, constrói o Cenário de Investigação, tendo, como pano de fundo, o Paradigma Indiciário de Carlo Ginzburg. Desta forma, delineamos uma Coda a qual nos fornece uma síntese conceitual das perspectivas (1) e (2), viabilizando-nos a percorrer um caminho teórico-metodológico em busca dos indícios que influenciam os processos de ensinar e aprender Cálculo no contexto das Tecnologias de Informação e Comunicação. Para tanto, delineamos possíveis respostas para a questão investigativa: Quais são as dimensões teórico-metodológicas presentes nas inter-relações do Cálculo Diferencial e as Tecnologias Informacionais e Comunicacionais no contexto de ensino e aprendizagem da matemática? Dimensões como: epistemológicas, da linguagem, formalista, sócio-cultural, metodológica, entre outras, emergem da revisão da literatura relativa ao uso das tecnologias no ensino e aprendizagem do Cálculo, da análise preliminar dos livros selecionados, das Entrevistas efetuadas com professores que lecionaram, ou que ainda lecionam Cálculo e da prática em sala de aula. As conclusões mostram-nos que as TIC adquirem uma característica forte o bastante para alterar todas as dimensões, assumindo, logo, seu caráter epidêmico, justificando assim sua característica revolucionária. Palavras-chave: Cálculo Diferencial e Integral, Paradigma Indiciário, História, Tecnologias de Informação e Comunicação. Abstract In this work we describe a scenario for research created by some theoretical and methodological dimensions which show influences, limits and potentialities of the use of Information and Communication Technology in Differential and Integral Calculus in two interrelated perspectives: (1) from a historical perspective, and (2) a teaching and learning point of view. The objective of this research is to investigate the theoretical and methodological dimensions present in the inter-relationships of Differential and Integral Calculus and Information and Communication Technology (TIC). Therefore, we are resorting to a qualitative methodology, in which the researcher is within the context of researching and developing data collection and research forms the Investigation Scenario in a step-by-step careful manner, with the backdrop of the Paradigm Sign of Carlo Ginzburg. Thus, we designed a Coda which provides a conceptual synthesis of perspectives (1) and (2), which makes possible a theoretical and methodological journey in search of clues that influence the processes of teaching and learning calculus in the context of Information and Communication Technology. To this end, we propose possible answers to the investigative question: What are the theoretical and methodological dimensions present in the inter-relationships of Calculus from the Information and Communication Technology in the context of teaching and learning of mathematics? Dimensions such as epistemological, linguistic, formalist, socio-cultural, methodological, among others, emerge from the literature review on the use of technology in teaching and learning of calculus and preliminary analysis of selected books, from the Interviews with the teachers who taught or still teach Differential and Integral Calculus and from classroom. The findings show that TIC acquire a characteristic strong enough to change all dimensions, thus assuming its epidemic character, justifying his revolutionary feature. Keywords: Differential and Integral Calculus, Paradigm Sign, History, Information and Communication Technology Dedicatória Aos meus pais. A uma nota musical... Agradecimentos A todos que estiveram presentes em momentos onde a vida parece nos tirar do rumo, mostrando novos caminhos para aprendermos a mais difícil tarefa... se compreender. Em especial a minha orientadora, professora Rosana Giaretta Sguerra Miskulin, amiga de pouco tempo, mas que nesses compartilhamos muita coisa boa. Aos membros da Banca, Maria Teresa Meneses Freitas, João Frederico Meyer (Joni), Adriana Cesar de Mattos e Marcos Vieira Teixeira pelas contribuições dadas no Exame de Qualificação e fora dele. As pessoas de minha família, sempre presentes. Aos amigos que revi ao voltar a UNESP, as funcionárias Ana, Elisa, Inajara, Lelê e Zezé, e professores, com os quais troquei muitas conversas. Em especial as informações e indicações bibliográficas sempre especiais do prof. Irineu Bicudo. Aos mais que amigos que revi em Rio Claro, Adriana, PB, tio Helio e Sir Wiliam X, sem os quais essa Tese nunca se realizaria. Aos amigos que fiz nessa volta, em especial a Lucieli, Carla, Roger, João Luis, Juliana e Rosilda, que muito me auxiliaram durante o doutorado. Aos colegas de orientação, Andriceli, Carol, Edinei, Ju e Vanessa, a profa, Miriam e membros do Grupo de Pesquisa de Formação de Professores e aos membros do LEM (Laboratório de Ensino de Matemática) da UNESP. A Valdecir Kuhl, por ver coisas no texto que eu não tinha visto. Super obrigado. A todos que compartilharam seus saberes para que este trabalho assim se apresentasse. A quem se sinta parte, muito obrigado. A todos que façam uso, antecipadamente agradeço. Sumário Introdução ................................................................................................................... 11 1. Cálculo e as Tecnologias da Informação e Comunicação ...................................... 20 1.1 Sociedade e Tecnologia: algumas reflexões ......................................................... 22 1.2 Escola no contexto das TIC .................................................................................. 27 1.3 Matemática e Tecnologia: algumas reflexões ....................................................... 30 1.4 CDI e Tecnologia: algumas reflexões ................................................................... 32 2. A Pesquisa em História ........................................................................................... 36 2.1 A história dos principais conceitos do Cálculo ...................................................... 40 3. Metodologia de pesquisa ........................................................................................ 49 3.1 O Paradigma...do método ..................................................................................... 57 4. Emergindo das Fontes ............................................................................................ 61 4.1 O fio do relato... dos professores .......................................................................... 63 Professor JB ..................................................................................................... 64 Professor J ....................................................................................................... 67 Professor B ....................................................................................................... 73 Professor S ....................................................................................................... 76 4.2 Os Sinais... nos livros ............................................................................................ 83 4.3 As pistas nas pesquisas ........................................................................................ 96 4.4 Os Indícios na Prática Docente ........................................................................... 107 4.4.1 O Mini-curso .......................................................................................... 107 4.4.2 Aulas de Cálculo .................................................................................... 110 5. Inter-Relações entre os processos de Aprender e Ensinar Cálculo e as TIC ....... 111 5.1 A Perspectiva histórica ........................................................................................ 114 5.2 A Perspectiva didático-pedagógica ..................................................................... 121 5.3 A Coda ................................................................................................................ 132 Considerações Finais................................................................................................ 135 Bibliografia ................................................................................................................ 138 Anexo A .................................................................................................................... 152 Anexo B .................................................................................................................... 153 Anexo C .................................................................................................................... 155 Anexo D .................................................................................................................... 156 Anexo E .................................................................................................................... 166 Anexo F ..................................................................................................................... 200 Anexo G .................................................................................................................... 207 Anexo H .................................................................................................................... 212 Anexo I ...................................................................................................................... 213 Anexo J ..................................................................................................................... 221 Anexo K .................................................................................................................... 222 11 Introdução Esta pesquisa traz à discussão dois assuntos normalmente estudados separadamente na academia: relações históricas, neste caso referente ao Cálculo Diferencial e Integral e a implementação da tecnologia no contexto educacional. Parafraseando Carlo Ginzburg, um mesmo fio conecta uma das mais antigas ciências à filha mais nova da revolução industrial. De um lado a História, oriunda do grego antigo hitor, significando testemunho, no sentido daquele que vê, de Heródoto1 que se reportava à análise de processos e eventos ocorridos no passado, e de March Bloch que afirma ser a história a ciência que estuda o homem no tempo; e do outro, as Tecnologias de Informação e Comunicação, também chamadas de TIC, pertencentes às ciências exatas, aplicadas à tecnologia, as quais evidenciaremos, em nossa pesquisa, algumas dimensões de sua utilização no contexto educacional de Cálculo nos últimos 50 anos. O percurso direcionado às escolhas feitas para a composição dessa tese baseou-se na frase de Carlo Ginzburg, destacada na epígrafe deste trabalho: 1 Heródoto (em grego, Ἡρόδοτος - Hēródotos, na transliteração) foi um geógrafo e historiador grego, continuador de Hecateu de Mileto, nascido no século V a.C. (485?–420 a.C.) em Halicarnasso (hoje Bodrum, na Turquia). A sua criação deu-lhe o título de "pai da história" e a palavra que utilizou para o conseguir, hitor, que previamente tinha significado simplesmente "pesquisa", tomou a conotação atual de "história". Em http://pt.wikipedia.org/wiki/Her%C3%B3doto, acessado em 20/05/2010. 12 Os gregos contam que Teseu recebeu de presente de Ariadne um fio. Com esse fio Teseu se orientou no labirinto, encontrou o Minotauro e o matou. Dos rastros que Teseu deixou ao vagar pelo labirinto, o mito não fala. (GINZBURG, 2007) Inicialmente, os estudos direcionados às pesquisas em História constituíam-se como parte das atenções na realização desse trabalho. Porém, a leitura de autores como Ginzburg (1987, 1989, 2007), Prost (2008), Ricœur (2007) incorporando a leitura de Bloch (1997) trouxe uma nova perspectiva ao trabalho, transformando a pesquisa em História como delineadora e norteadora do olhar do pesquisador. A busca do querer ir além dos relatos históricos, de entender o processo pelo qual se faz a história como movimento, não sendo ela estática, faz-nos concordar com Ginzburg (1989) quando o autor menciona-nos os rastros deixados pelos atores dos episódios historicamente descritos, protagonistas ou coadjuvantes, e que pelas escolhas feitas por quem os descreve não são mencionados, em alguns casos. Desta forma, situamos o fio mencionado por Carlo Ginzburg, o qual metaforicamente denominamos por um Cenário de Investigação2, que começa a se constituir com documentos encontrados sobre o que hoje se identifica como a ciência Matemática. Em nosso trabalho, concebemos Matemática como uma prática social3 (ALTHUSSER, apud LOPES,1973), surgida como parte da vida diária do homem (BOYER, 1974) acompanhando praticamente todas suas ações, histórica e socialmente relatadas, suas práticas culturais (D’AMBROSIO, 1986) e suas descobertas, com indícios numéricos que puderam ser encontrados desde tão cedo, até a descoberta do fogo há 300.000 anos (BOYER, 1974), nas articulações feitas 2 Cenário de Investigação refere-se aqui ao sentido encontrado em Houaiss (2001), onde o termo cenário vem do latim scaenarium – lugar da cena, e pode significar o lugar em que se desenrola algum fato, conjunto do que se descortina à vista, panorama, paisagem, cena. Assumiremos então a expressão “Cenário de Investigação” no sentido do Lugar onde o processo investigativo, de pesquisa, descortina os dados. 3 Podemos incluir, sem perda de generalidade, a Matemática na definição de Prática Social dada por Althusser, citado no texto de Lopes (1973). O autor cita Althusser a partir de duas obras: Lire le Capital (LC) e Pour Marx (PM) e discute as definições de prática dadas por ele em PM e LC. Diz Lopes que “No primeiro, a prática é definida como «todo o processo de transformação de uma matéria-prima determinada num produto determinado, transformação efectuada por um trabalho humano determinado, utilizando meios [de produção] determinados». Para Althusser, «o momento (ou elemento) determinante não é nem a matéria-prima, nem o produto, mas a prática em sentido estrito». Esta definição de prática, acrescenta o autor, inclui em si a possibilidade da particularidade: existem práticas diferentes, realmente distintas, se bem que pertencentes organicamente a uma mesma totalidade complexa. A «unidade complexa» das práticas é designada prática social. A prática determinante é a produção, «a prática de transformação da natureza (matéria-prima) dada, em produtos de uso, pela actividade de homens existentes, trabalhando pelo emprego metodicamente regulado de meios de produção determinados, no quadro de relações de produção determinadas» (PM, pp. 167-168)” (LOPES, 1973, p. 656). 13 pelo homem pré-histórico quando parecia querer exprimir correspondências entre pequenas quantidades em seu dia a dia. Da mesma forma, chamaremos também o conjunto de afazeres do professor de Matemática dentro da escola, como prática social do professor e o definiremos “como um conjunto de ações de um indivíduo que, por terem sido realizadas com certa freqüência e por determinado tempo, tornam-se características de determinado grupo social” (MIGUEL, 2004). Como centramos nossas discussões na prática do professor de Matemática e de suas ações dentro do âmbito acadêmico, alguns dados históricos são utilizados para situar esse cenário, professor/disciplina/prática, mostrando alguns indícios do aparecimento de conceitos matemáticos tratados dentro do campo de estudo que se intitula Cálculo Diferencial e Integral, e também em sua integração com o ensino. Assim expomos alguns excertos de alguns livros de Cálculo do séc. XIX e séc. XX, compondo uma parte de nossos dados coletados nessa pesquisa, mostrando, desta forma, como os conceitos de Função, Limite, Continuidade, Derivada e Integral foram apresentados em livros antigos e como os são hoje em livros mais recentes que se referem ao Cálculo, fazendo ou não o uso das TIC. Para tal, selecionamos oito livros, os quais foram divididos em três períodos de acordo com a data de publicação: livros muito antigos, com mais de setenta anos desde sua publicação, livros antigos, utilizados entre as décadas de 50 e 80, e, por fim, livros novos, utilizados a partir da década de 90. Um detalhamento desse processo de escolha e dos conteúdos dos livros poderá ser encontrado no Capítulo 4 no item 4.2. desta pesquisa. Para auxiliar-nos na composição deste trabalho, utilizaremos um fio, o qual Teseu, na mitologia grega, teria recebido de Ariadne, filha do rei Minos, para guiá-lo pelo labirinto do Minotauro, metaforicamente, em nosso trabalho, a ter o sentido daquele que guia e norteia a pesquisa. Começamos a desenrolá-lo e delineá-lo por fatos e relatos encontrados nos livros mencionados a partir dos anos trinta, situando também esse cenário no Brasil, particularmente no estado de São Paulo. Agregando a esse cenário, nossa pesquisa se volta para os relatos e fatos coletados nesse período, em que podemos encontrar, com mais ênfase, depoimentos e registros de professores que lecionaram e lecionam a disciplina de Cálculo Diferencial e Integral, livros utilizados, e os relatos sobre a prática docente dos 14 professores pesquisados para ministrar a referida disciplina. Incluem-se, nessas práticas, para preparar e ministrar as aulas, os recursos didáticos, referências bibliográficas e estratégias didático-pedagógicas tecnológicas. O detalhamento da Prática Docente, ora comentada, está descrita no Capítulo 4.4 e as Entrevistas dos professores podem ser verificadas na íntegra nos Anexos, desta pesquisa. Acreditamos que esse mesmo trabalho poderia ser levado adiante com a escolha de outro componente curricular de cursos de graduação em Matemática, como Álgebra ou outro pertencente à área de Geometria. A escolha pelo Cálculo Diferencial e Integral se justificaria por fazer parte, hoje, da formação básica de vários cursos acadêmicos, desde o próprio curso de Bacharelado e Licenciatura em Matemática, os cursos de Física, Engenharias, passando ainda por cursos de áreas biológicas, tornando-a uma disciplina ministrada por um grande número de professores, majoritariamente formados em cursos de Matemática. A presente pesquisa apresenta uma Metodologia Qualitativa na qual o pesquisador insere-se no contexto pesquisado. Assim, no desenvolvimento da Coleta dos Dados da pesquisa, vamos construindo o Cenário de Investigação, o qual objetiva mostrar as possíveis inter-relações do Cálculo e as TIC na perspectiva histórica e de ensino e aprendizagem. As Entrevistas com professores que lecionaram e/ou lecionam esta disciplina, bem como a análise de alguns livros de Cálculos, novos e antigos, formam assim um primeiro conjunto de dados, relacionados entre si, como mostra, a seguir, o Diagrama 1. Diagrama 1: Procedimentos Metodológicos: a constituição dos Dados da Pesquisa Entrevistas com professores com mais tempo de carreira Entrevistas com professores com menos tempo de carreira Livros didáticos antigos Livros didáticos novos 15 As justificativas para tais escolhas serão detalhadas no Capítulo 3, bem como a relação escolhida entre os dados e as setas que interligam estes. Para compor a totalidade de nossa síntese crítica, que chamaremos de Coda4, buscaremos, por meio de um levantamento das pesquisas acadêmicas que trazem como foco a discussão da utilização das TIC no processo de ensino e aprendizagem desta disciplina, uma visão geral das pesquisas que relacionam TIC e os processos de ensinar e aprender CDI, não só em maior utilização de software, mas também na discussão de propostas metodológicas para a sua utilização em sala de aula. Nosso fio, portanto, fixa sua outra extremidade no dia a dia do professor de Cálculo e em sua prática docente com esta disciplina. As Entrevistas realizadas e a Análise dos Livros de Cálculo juntam-se ao conjunto de pesquisas que retratam a inserção das TIC no contexto educacional e, com a observação e descrição da prática docente, completando o Diagrama 1 e compondo o Diagrama 2, representado a seguir: Diagrama 2: Representação do Diálogo dos Procedimentos Metodológicos da Pesquisa com a literatura sobre TIC e CDI 4 Nesta pesquisa usaremos o termo Coda para denotar uma síntese crítica das dimensões principais presentes nas perspectivas que serão estudadas. Segundo Houaiss e Villar (2001), Coda significa seção conclusiva de uma composição, muito utilizada para descrever partes finais de uma composição musical em que há repetições. Pesquisas sobre a utilização de TIC em CDI Prática Docente incorporando as TIC Entrevistas com professores com mais tempo de carreira Entrevistas com professores com menos tempo de carreira Livros didáticos antigos Livros didáticos novos 16 Com esse diagrama, a pesquisa descreve um Cenário de Investigação, permeado de dimensões teórico-metodológicas, as quais apresentam as influências, limites e potencialidades do uso das TIC no Cálculo Diferencial e Integral em duas perspectivas inter-relacionadas: (1) em uma perspectiva histórica, e (2) em uma perspectiva de ensino e de aprendizagem no curso superior, como descrita a seguir: (1) perspectiva histórica: busca registros na história da ciência e da tecnologia relacionados a esta disciplina, Cálculo Diferencial e Integral, tendo o intuito de evidenciar a emergência das TIC; (2) perspectiva didático-pedagógica: investiga, interpreta e evidencia formas de ensinar e aprender os conceitos de Cálculo – a prática do professor - relacionada ou não às TIC, objetivando mostrar as possíveis influências, limites e potencialidades nos processos de ensinar e aprender CDI. A partir dessas duas perspectivas, delineamos uma Coda – a qual fornece uma síntese conceitual das perspectivas (1) e (2) – mostrando um Cenário de Investigação teórico-metodológico, o qual nos viabiliza percorrer, em busca dos objetivos deste trabalho, um caminho entre a teoria e a prática, contextualizando as TIC nesse cenário, como visto no Diagrama 3, apresentado a seguir. Diagrama 3: Composição do Cenário de Investigação Cenário de Investigação Coda Fornece o aporte teórico da Pesquisa CDI Perspectiva Histórica CDI Processos de Ensinar e Aprender 17 Nesse movimento, delineamos possíveis respostas para a questão investigativa, descrita a seguir: Quais são as dimensões teórico-metodológicas presentes nas inter-relações do Cálculo Diferencial e Integral e as Tecnologias Informacionais e Comunicacionais em uma perspectiva histórica e de ensino e aprendizagem? Assim, podemos citar como objetivos da pesquisa, investigar e evidenciar as dimensões teórico-metodológicas presentes nas inter-relações do Cálculo Diferencial e Integral e as TIC, em uma perspectiva histórica e de ensino e aprendizagem no curso superior. Além disso, pretendemos oferecer, aos professores e pesquisadores em Educação Matemática, um cenário teórico-metodológico, envolvendo novas formas de ensinar e aprender conceitos de Cálculo Diferencial e Integral, evidenciando, por meio da perspectiva histórica, as influências, limites e possibilidades do uso da tecnologia no processo de ensino e aprendizagem. No presente trabalho, baseando-nos em uma abordagem qualitativa de pesquisa, procuramos tecer uma discussão acerca de algumas dimensões educacionais e tecnológicas relacionadas a esse estudo, tais como dimensões: epistemológicas, sócio-cultural, metodológicas e outras. Utilizamos, para tanto, uma Metodologia de Pesquisa Qualitativa, alicerçada nos preceitos da Pesquisa Qualitativa (BOGDAN e BIKLEIN (1998) e LUDKE e ANDRÉ (1986)), e também baseada no Paradigma Indiciário, implícito nas concepções de Ginzburg (1987, 1989, 2007). Nesse sentido, a composição desta obra pode ser explicitada a seguir: Na Introdução, procuramos dar uma visão geral do trabalho, contextualizando um cenário geral da pesquisa, apresentando os objetivos, a questão investigativa e a estrutura da Tese apresentada em seus capítulos. No Capítulo 1, intitulado: “Cálculo e as Tecnologias de Informação e Comunicação”, apresentamos uma discussão sobre as inter-relações da tecnologia e o contexto educacional. Para tanto, trazemos um cenário social da inserção das TIC na Sociedade, na Escola, em disciplinas do campo da Matemática e na disciplina Cálculo Diferencial e Integral. 18 No Capítulo 2, intitulado: “A Pesquisa em História”, expomos nosso conceito de pesquisa em história e apresentamos uma visão histórica a respeito dos conceitos de Cálculo que fazem parte do centro de nossas atenções nessa tese: Função, Limite, Continuidade, Derivada e Integral. No Capítulo 3, intitulado: “Metodologia de Pesquisa”, expomos nosso conceito sobre pesquisa e relatamos os preceitos da pesquisa qualitativa, baseada em algumas dimensões teórico-metodológicas, tendo, como pano de fundo o Paradigma Indiciário de Carlo Ginzburg (1987, 1989, 2007). No Capítulo 4, intitulado: “Emergindo das Fontes”, trazemos os dados coletados da pesquisa, compostos pelas Entrevistas com professores universitários, divididos em dois grupos: professores que trabalham há pouco tempo com a disciplina Cálculo Diferencial e Integral e professores que iniciaram sua vida acadêmica há mais de trinta anos, e que ministraram a disciplina de CDI. Também apresentamos, nesse quarto momento, uma análise de alguns excertos de livros usados na disciplina Cálculo Diferencial e Integral, mostrando como os conceitos de Função, Limite, Continuidade, Derivada e Integral foram e são apresentados em livros antigos e atuais de Cálculo. Apresentamos algumas pesquisas abordando aspectos teórico-metodológicos sobre a introdução e utilização da tecnologia no ensino e aprendizagem de Matemática, ressaltando seus limites e potencialidades no âmbito da Educação Matemática. Ainda completando o arcabouço de nossas fontes de dados para que possamos ter uma visão atualizada da Prática Pedagógica de professores e as possibilidades da utilização das novas tecnologias no ensino de Cálculo, relatamos a investigação e as observações de nossa própria Prática Docente incorporando as TIC em dois momentos de observação: um Mini-curso proposto no X ENEM (Anexo G) em que os conceitos de Cálculo explicitados nessa tese foram trabalhados, com alunos e professores de Cálculo, com o auxílio de software computacional e, em um segundo momento em aulas de CDI para alunos do curso de graduação em Ciência da Computação, UNESP, campus de Rio Claro. No Capítulo 5, intitulado: “Relações entre as TIC e os processos de Aprender e Ensinar Cálculo”, apresentamos a emergência das TIC no processo histórico, inter- 19 relacionando-as aos processos de ensinar e aprender Cálculo, constatando, dessa forma, como a prática do professor de matemática insere-se em uma prática social. As dimensões relativas à Análise dos dados colhidos nos livros didáticos novos e antigos, aos depoimentos dos professores, às pesquisas acadêmicas e às práticas do docente em sala de aula, foram analisadas sob as perspectivas de teóricos que estudam as inter-relações entre cultura social e as Tecnologias de Informação e Comunicação. As Considerações Finais deste trabalho foram elaboradas no sentido de mostrar ao leitor os cruzamentos dos dados obtidos com a teoria pesquisada e assim, possíveis caminhos e/ou rastros que levam à questão investigativa. Além disso, o texto apresenta a Bibliografia e os Anexos, nos quais o leitor poderá entrar em contato com as fichas de análise dos livros de CDI e com revisão bibliográfica e modelo de Entrevista utilizado. Apresentamos ainda, para conhecimento do leitor, as Entrevistas na íntegra, Proposta do Mini-curso, exemplos de exercícios utilizando softwares em aulas de CDI e algumas tabelas, já comentados anteriormente. 20 Capítulo I 1. Cálculo e as Tecnologias da Informação e Comunicação A sociedade não pode ser entendida sem as suas ferramentas tecnológicas...tecnologia é a sociedade (CASTELLS, 1999) Somos, sem dúvida, seres oriundos de uma época em que a presença da tecnologia na organização das práticas sociais, desde as ações mais elementares, como ligar e desligar aparelhos eletrônicos até as mais complexas, como a utilização de softwares específicos e computadores de última geração, é evidente. As mudanças têm agido como uma espécie de epidemia5, permeando todas as esferas da atividade humana. Ações consideradas complexas passam a ser acessíveis em 5 O termo epidemia tem origem no grego clássico: epi (sobre) + demos (povo) e sabe-se ter sido utilizado por Hipócrates no século VI a.C (http://pt.wikipedia.org/wiki/Epidemia, acessado em 27/02/2010). Embora muito utilizado ao se referir a doencas, Houaiss e Villar (2001) também o define como sendo uma generalização rápida e ampla de algo (uso, costume, método, etc.) por estar na moda. 21 relativamente pouco tempo. A esse tipo de propriedade inclusiva dos softwares e computadores, o que denomina “tecnologia6”, Castells cita um movimento maior, chamando de Revolução Tecnológica, justificando uma de suas características principais: a “penetrabilidade em todas as esferas da atividade humana” (CASTELLS, p. 43, 1999). Por conta dessa rapidez, outra característica interessante a se observar é a forma como as pessoas se “acostumam” com ela. Não é difícil encontrar alguém que, por volta do ano de 2008, solicitava a terceiros para realizar-lhe alguma tarefa em seu computador e que hoje, operando algum software computacional ou mesmo uma máquina, executa-a por si só. O que parecia ter relativo nível de complexidade, com o conjunto de atividades já exercidas pelo humano, homogeneíza-se, tornando-se menos complexa. Da mesma forma, presenciamos uma crescente utilização da tecnologia no âmbito escolar, no qual percebemos que essa inserção tecnológica é atingida pelos mais diversos apelos, seja no sentido do incentivo a sua utilização, seja em críticas contrárias ao seu uso. Por entender que esta discussão não pode ser composta em partes separadas, mostraremos que este debate se insere em uma discussão mais ampla, levando-se em conta não apenas sua utilização na escola, mas também o lugar em que está inserida, seu contexto social, até a sua utilização no Campo da Matemática. Apresentado esse cenário, apontaremos algumas pesquisas que mostram a utilização de tecnologias em aulas de CDI. Ao final, nossa discussão voltaremos ao início, mostrando a inter-relação do campo tecnológico que o Cálculo se encontra e seu espaço na sociedade. Nosso caminho segue o fio representado no Diagrama 4 a seguir: Diagrama 4: Tecnologia, da Sociedade ao contexto de CDI 6 Castells denomina por Tecnologia o “uso de conhecimentos científicos para especificar as vias de se fazerem as coisas de uma maneira reproduzível”. (CASTELLS, 1999, p.67) Sociedade e Tecnologia Escola e Tecnologia Matemática e Tecnologia CDI e Tecnologia 22 Situamos esses dois campos teóricos, Sociedade e Tecnologia, para que possamos contextualizar a Escola, a Matemática e o Cálculo em nosso Cenário de Investigação. Nosso caminho então percorrerá uma discussão que relaciona todos esses termos e a inserção da presença da tecnologia. 1.1 Sociedade e Tecnologia: algumas reflexões A presença da Tecnologia na organização das práticas sociais, enunciada anteriormente, sugere algumas discussões quanto à forma que entendemos sobre tal presença. Não se trata apenas da chegada de um componente diferente na sociedade, atingindo apenas parte dela como, por exemplo, a invenção da máquina fotográfica nos anos próximos a 1890, reconfigurando, momentaneamente, na época, a profissão dos retratistas, mas sim de um movimento com grandes proporções, participando do “processo de reestruturação do sistema capitalista a partir da década de 1980 (CASTELLS, 1999, p. 50), caracterizando o “sistema econômico e tecnológico como capitalismo informacional” (CASTELLS, 1999, p. 55). Completa Castells As novas tecnologias de informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. Usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa. Dessa forma, os usuários podem assumir o controle da tecnologia como no caso da internet. (CASTELLS, 1999, p. 69). Pode-se citar, como exemplo do que se afirma, o processo de criação de home-pages, antes estando nas mãos de técnicos e hoje considerado assunto corriqueiro para usuários mais jovens da internet. E continua Castells, Há, por conseguinte, uma relação muito próxima entre os processos sociais de criação e manipulação de símbolos (a cultura da sociedade) e a capacidade de produzir e distribuir bens e serviços (as forças produtivas). Pela primeira vez na historia, a mente humana é uma força direta na produção, não apenas um elemento decisivo no sistema produtivo. . (CASTELLS, 1999, p. 69). Ainda segundo Castells (1999), os usos das novas tecnologias de telecomunicações nas duas últimas décadas passaram por três estágios distintos: a 23 automação de tarefas, as experiências de usos e a reconfiguração das aplicações. Nos dois primeiros estágios, o progresso da inovação tecnológica baseou-se em aprender usando. No terceiro estágio, os usuários aprenderam a tecnologia fazendo, o que acabou resultando na reconfiguração das redes e na descoberta de novas aplicações. Embora tratando o assunto de forma mais cultural do que econômica, Santaella afirma que “estamos vivenciando uma revolução digital” (SANTAELLA, 2003), e completa: A entrada do século XXI deverá ser lembrada no futuro como a entrada dos meios de comunicação em uma nova era: a da transformação de todas as mídias em transmissão digital, como se o mundo inteiro estivesse, de repente, virando digital (SANTAELLA, 2001, p.1). Sendo assim, exporemos nossas concepções sobre a presença tecnológica em nossa sociedade, auxiliando, dessa forma, no entendimento das mudanças provocadas na escola. Parte da comunidade acadêmica atribui à própria tecnologia certa autonomia. Nesse sentido, ao comentarmos a noção de Impacto Tecnológico7, concordamos com Benakouche (2005) ao comentar esta noção. A autora é enfática em afirmar que muitos pesquisadores, ao se referirem à tecnologia durante a década de 70, atribuíam à mesma uma autonomia ou uma externalidade social que ela não possui; erroneamente, supunha-se uma dicotomia na qual de um lado estaria a tecnologia - que provocaria os ditos impactos - e do outro, a sociedade - que os sofreria (BERNAKOUCHE, 2005). Como podemos atribuir à tecnologia o poder de influenciar a sociedade? Esta questão baseia-se no fato de que, quem determina qual tecnologia deve provocar os impactos e mesmo quem as controla é a própria sociedade e, além disso, esses impactos, caso ocorram, não são necessariamente os mesmos em todos os grupos sociais, o que retira totalmente essa intencionalidade da máquina. Igualmente importante, a autora, embora não descartando uma possibilidade para que a dicotomia tecnologia/sociedade não seja levada à frente, arrisca-se a dizer que, baseando-se em três abordagens, é capaz de descrever, para destacar a íntima 7 A noção de Impacto Tecnológico, ou Impacto Social Tecnológico é um termo muito utilizado principalmente nas grandes corporações industriais e empresas de tecnologia, normalmente manifestando a influência da tecnologia na sociedade, retratando que a mudança tecnológica traz mudanças sociais, sejam elas positivas ou negativa, e evidenciando o caráter autônomo desta. 24 e heterogênea relação entre técnica e sociedade, uma teoria a qual intitula de estudo da técnica8, ou sociotécnica. A sociotécnica, segundo a autora, baseia-se na abordagem (A) que evidencia o conceito de sistema, cuja característica é o uso da noção de grandes sistemas técnicos (LTS9) para nomear o conjunto de elementos sociais, políticos, econômicos e técnicos envolvidos nas várias etapas da criação, desenvolvimento e difusão de uma dada tecnologia, (B) a que insiste em seu caráter socialmente construído, também designada por SCOT10, que critica o essencialismo da técnica e (C) a que privilegia o conceito de rede, na qual a análise integrada da tecnologia tem como base a idéia de que a mesma envolve uma rede de atores ou uma “actor-network”11. Justificando a partir de outros argumentos, Castells (1999) coloca que o grande avanço da indústria tecnológica, inicialmente impulsionado pelo financiamento militar e dos mercados, anos de 1940 a 1960, acentua-se, após essa década, possivelmente relacionado à “cultura da liberdade”, inovação individual e provavelmente relacionada à cultura estadunidense empreendedora da década de 1960. Castells (1999) afirma que isso estaria em oposição à figura conservadora do Vale do Silício12, exceto por afastar-se de padrões sociais do mundo dos negócios. Segundo o autor, as tecnologias, inicialmente impulsionadas pelas pesquisas militares, foram amplamente utilizadas pelo setor financeiro, justamente em um momento de necessidade de reestruturação do capitalismo. Castells afirma que nem a sociedade escreve o curso da transformação tecnológica, uma vez que muitos fatores, inclusive criatividade e iniciativa empreendedora, intervêm no processo de descoberta científica, inovação tecnológica e aplicações sociais, de forma que o resultado final depende de um complexo padrão interativo. (CASTELLS, 1999, p. 43) Baseando-se em tal afirmação e indo além do que afirmou Bernakouche, Castells enuncia que “o dilema do determinismo tecnológico é, provavelmente, um 8 Seu marco inicial se dá com a publicação de “The Social Construction of Technological Systems. New Directions in the Sociology and History of Technology, organizado por Wiebe E. Bijker, Thomas P. Hughes e Trevor Pinch, publicado em 1987. 9 Para maiores informações sobre essa teoria, ver “Networks of Power. Eletrification in Western Society, 1880- 1930, publicado em 1983, escrito por Thomas Hughes, seu principal representante. 10 Social Construction of Technology, representada principalmente por Wiebe Bijker e mostrada no livro “On Bicycles, Bakelites and Bulbs. Towards a Theory of Sociotechnical Chance, de 1985. 11 Seus principais representantes são Bruno Latour (Jamais Fomos Modernos, 1994, entre outros), Michel Callon e o inglês John Law. 12 O Vale do Silício, na Califórnia, nos EUA (em inglês Silicon Valley), é uma região na qual está situado um conjunto de empresas implantadas a partir da década de 1950 com o objetivo de gerar inovações científicas e tecnológicas, destacando-se na produção de Chips, na eletrônica e informática. 25 problema infundado, dado que a tecnologia é sociedade, e a sociedade não pode ser entendida sem suas ferramentas tecnológicas” (CASTELLS, 1999, p. 43). Castells afirma também que a Revolução Tecnológica tem seu início na década de 70, com a invenção do chip, que possibilitou a construção de micro-computadores pessoais, chamados mais tarde de PC (Personal Computer). Afirma o autor que “de fato, parece que o surgimento de um novo sistema tecnológico na década de 1970 deve ser atribuído a dinâmica da descoberta e difusão tecnológica, inclusive aos efeitos sinérgicos entre todas as varias principais tecnologias. Assim, o microprocessador possibilitou o microcomputador, os avanços em telecomunicações possibilitaram que os microcomputadores funcionassem em rede, aumentando assim o seu poder e sua flexibilidade (CASTELLS, 1999, p. 97) Segundo ele, o paradigma tecnológico que estamos vivendo, o qual sustenta as características de uma revolução tecnológica, e no qual adicionou, aos processos sociais, as dimensões econômicas, possui 5 características: 1) A informação é sua matéria-prima, ou seja, “são tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação para agir sobre a tecnologia” (CASTELLS, 1999, p. 108); 2) Penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias, o que coaduna com nossa hipótese do caráter epidêmico da tecnologia, pois como “a informação é uma parte integral de toda atividade humana, todos os processos de nossa existência individual e coletiva são diretamente moldados (embora, com certeza não determinados) pelo meio tecnológico (CASTELLS, 1999, p. 108); 3) A lógica das redes, conceito esse que permeia seu livro e no qual procura explicar, com a morfologia de redes, uma configuração topológica da complexidade do aparecimento das inovações na atividade humana. 4) A flexibilidade, como afirma Castells, “Não apenas os processos são reversíveis, mas organizações e instituições podem ser modificadas, e até mesmo fundamentalmente alteradas, pela reorganização de seus componentes” (CASTELLS, 1999, p. 109). 5) A crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado, “no qual trajetórias tecnológicas antigas ficam literalmente impossíveis de se distinguir em separado” (CASTELLS, 1999, p. 109). Assim, conclui Castells, “a dimensão social da revolução da tecnologia da informação parece destinada a cumprir a lei sobre a relação entre tecnologia e a sociedade proposta algum tempo por Melvin Kranzberg” (CASTELLS, 1999, p. 113). 26 De acordo com o autor, “A tecnologia não é nem boa, nem ruim e também não é neutra” (KRANZBERG, apud CASTELLS, 1999, p. 113). O autor completa ainda que a mesma “é uma força que provavelmente está, mais do que nunca, sob o atual paradigma tecnológico que penetra no âmago da vida e da mente” (CASTELLS, 1999, p.113) Em nossa pesquisa, traremos a discussão destes cinco itens, enfatizando o aparecimento da utilização da tecnologia em sala de aula, local privilegiado para que essa epidemia adentre, por, assim como afirma Castells, ser um local em que a transmissão e manipulação da informação faz-se constantemente. Em uma discussão inicial, a qual será aprofundada no decorrer da tese, podemos encontrar, na escola, as características supracitadas, como, por exemplo, ao se referir a “tecnologias para agir sobre a informação”. A escola, sendo um espaço mais que propício, é repleta de dados a serem trabalhados, em todas as áreas do conhecimento. Por exemplo, Castells, ao referir-se à “penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias,”, faz com que observemos uma similaridade em nossa discussão sobre o caráter epidêmico, mostrando-nos como as TIC adentram “sem pedir licença” no dia a dia escolar, atropelando, ou não, a discussão sobre sua aceitação e incorporando-se como parte do dia a dia escolar. No caso da característica topológica “lógica das redes”, embora entendendo a maneira como a tecnologia “movimenta-se” dentro da sociedade, incorporaremos a escola como participante dessa rede, não tecendo discussões sobre como isso se configura. Já a característica “flexibilidade”, à medida que ela se configura novamente, é-nos bastante presente como, por exemplo, a maneira em que o Cálculo é apresentado nos livros didáticos, e, por último, a característica “convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente integrado”. Podemos perceber esse fato claramente no surgimento dos softwares acadêmicos ligados ao Cálculo, em que os sistemas vão integrando-se e novas tecnologias e possibilidades de apresentação vão configurando-se. Essas discussões serão aprofundadas no decorrer de cada capítulo. Em conjunto a essas modificações, aparece, junto a esse movimento, para dar referência as Tecnologias de Informação e Comunicação, uma terminologia denominada TIC. Martins relata a esse respeito que a terminologia "Tecnologias da Informação (TI)" ou "Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)" passa a ser um termo guarda-chuva, 27 popularizado na década de 90 e utilizado para nomear as tecnologias requeridas para o processamento, conversão, armazenamento, transmissão e recebimento de informações, bem como o estabelecimento de comunicações pelo computador. A terminologia TIC resulta da fusão das tecnologias de informação, antes referenciadas como informática, e as tecnologias de comunicação, relativas às telecomunicações e mídia eletrônica. As tecnologias de informação e comunicação, referenciadas na atualidade, envolvem a aquisição, o armazenamento, o processamento e a distribuição da informação por meios eletrônicos e digitais, como rádio, televisão, telefone e computadores, entre outros. (MARTINS, 2003, p. 70) Veremos, no caso da educação, que, da mesma maneira que revolucionariamente a tecnologia adentra epidemicamente o dia a dia das pessoas, ela rompe os muros da tradicional escola. 1.2 Escola no contexto das TIC Pudemos, principalmente a partir da década de 80, acompanhar algumas ações da política pública orquestrando a inserção da tecnologia em escolas. Encontramos ainda, na literatura, um histórico de medidas e programas governamentais que, envolvendo o uso da informática, evidenciam maior disseminação de programas educacionais. Borba e Penteado afirmam que Em nível nacional, umas das primeiras ações no sentido de estimular e promover a implementação do uso de tecnologia informática nas escolas brasileiras ocorreu em 1981 com a realização do I Seminário Nacional de Informática Educativa, onde estiveram presentes educadores de diversos estados brasileiros. (BORBA e PENTEADO, 2001) Completam que, a partir daí, surgiram outros projetos como, por exemplo, o EDUCOM (COMputadores na EDUcação) estabelecido em 1983, o projeto FORMAR I em 1987 e FORMAR II em 1989, o PRONINFE (Programa Nacional de Informática na Educação, lançado em 1989 e o PROINFO lançado em 1997. Esses programas governamentais são exemplos de projetos que objetivavam implementar o uso de calculadoras e computadores nas escolas públicas. Paralelo a esses fatos, as escolas particulares utilizaram-se, principalmente durante a década de 90, do discurso da implementação de computadores nas escolas como marketing, propagandeando uma escola “voltada ao futuro”, aparelhando, principalmente em uma época em que o acesso a computadores pessoais ainda era difícil, suas dependências com modernos laboratórios de informática. 28 Porém, observamos que desses muitos programas públicos e privados, alguns tiveram êxito e outros não, entretanto todos mantiveram certo distanciamento entre a implementação e a efetiva utilização e aproveitamento por conta da clientela estudantil. Sempre ficavam as perguntas: Os computadores chegaram, e agora? O que fazer com eles na escola? Além disso, muitas outras inquietações surgem nesse cenário como, por exemplo, as precárias instalações dos laboratórios, a não existência de mão de obra especializada para manutenção dos equipamentos e suporte aos usuários, a necessidade de cursos efetivos aos professores, etc. Como afirma D’Ambrósio, É muito comum que os professores tenham receio de utilizar calculadoras, como também computadores. Outras vezes, mesmo estando dispostos a utilizá-los, as máquinas não estão disponíveis ou são de difícil acesso. Os professores não recebem, em sua formação, preparo para utilizar tecnologia na sala de aula. E não têm tempo de se preparar para isso. (D’AMBROSIO, 2009, p. 10) A nosso ver, as situações geradas juntavam-se a discursos contrários a respeito de sua utilização, criando uma polêmica sobre o tema. De um lado, pesquisadores universitários, grandes empresas de desenvolvimento de tecnologia em hardware e software, e iniciativas governamentais, não necessariamente juntos, trabalham no sentido de comprovar a eficácia e os benefícios de sua utilização em sala de aula. De outro, uma realidade econômica, dificuldades físicas de implementação de projetos, bem como uma “reação” às mudanças, atribuída a vozes dos professores e pais de alunos, dizendo que “a escola sempre esteve sem a tecnologia e, por isso, pode passar sem ela”, à medida que os próprios conteúdos escolares, ministrados hoje em sala, são os mesmos de há cinqüenta anos, época em que esse apelo tecnológico não existia, a não ser pela descoberta de algum material um pouco menos alérgico que o sulfato de cálcio usado na confecção do giz, significando claramente que, até então, tudo fora feito sem o auxílio da tecnologia computacional. ou até mais contundentes, do tipo “computadores fazem mal ao aluno”. As justificativas de que a escola não está preparada para usar os computadores é uma teoria que se sucumbe ao contexto. Provida do jargão e do discurso simplista, dizer que a tecnologia não adentra na escola pela falta de preparo dos agentes do ensino alimenta a tese de que mais pesquisas na área devem ser 29 realizadas para que a escola possa usufruir de um “baú” de exemplos de como isso deve ser feito. Segundo Papert (1994), quem se utiliza desse argumento “está fundamentalmente errado” (PAPERT, 1994, p. 42). E completa que “é evidente que a pesquisa aumentará a variedade e a eficácia do uso dos computadores, porém, não é isso que mudará a natureza do uso do computador nas escolas” (PAPERT, 1994, p. 42). É nesse quadro que estabeleceremos nossa discussão. Sabemos que, historicamente, com a introdução, disseminação e apropriação das tecnologias digitais em nossa sociedade, tem havido uma utilização maior das Tecnologias da Informação e Comunicação no contexto educacional; gerando, portanto, novos comportamentos e novas ações humanas (MISKULIN, 1999) como resposta e frente às mudanças provocadas em várias dimensões de nossas vidas. Embora não se trate ainda do que poderíamos dizer uma massificação da utilização de meios tecnológicos computacionais dentro da esfera escolar, e sim do início da configuração de um cenário de transformações tecnológicas (CASTELLS, 1999), podemos notar que várias pesquisas têm sido elaboradas no sentido de evidenciar e discutir a viabilidade de sua utilização no meio acadêmico. Nesse cenário, encontramos também o desenvolvimento de novos equipamentos que podem ser utilizados dentro do âmbito educacional, como projetores, mesas digitalizadoras e lousas eletrônicas, além de sua popularização e facilitação ao acesso, colocando a comunidade acadêmica em discussão a respeito da necessidade de novas práticas educacionais, que possam gerar, como resposta a essas novas implementações, um nível diferente de informação, resultando em condições que permitam aos alunos integrarem-se nessa nova “configuração social” (CASTELLS, 1999). Como afirma Miskulin, “os educadores devem estar atentos para essas novas formas do saber humano, novas maneiras de gerar e dominar o conhecimento” (MISKULIN, 1999, p. 33). Atenção essa motivada pela própria condição de ser inserido na revolução tecnológica (CASTELLS, 1999), do mesmo modo que a discussão de novas formas de produção e apropriação do saber científico, possibilitando, com essa nova configuração social, um ensino condizente. 30 1.3 Matemática e Tecnologia: algumas reflexões Diversos softwares são desenvolvidos e adaptados à utilização, na escola, em diversas áreas do conhecimento presentes nas disciplinas ali contidas. Em especial, podemos encontrar, na matemática, muitos softwares que acompanham essa diretriz. Várias pesquisas acadêmicas têm mostrado a utilização de softwares no ensino e aprendizagem de geometria, álgebra, gráficos de funções, simulações numéricas, trigonometria, enfim, em quase todos os conteúdos matemáticos normalmente trabalhados no ambiente escolar, desde a Educação Básica, até a formação acadêmica superior. Alguns desses softwares, como poderemos verificar nas entrevistas, tornam-se peça fundamental à realização de algumas atividades acadêmicas. Com o aparecimento desse tipo de tecnologia, uma série de outras ações necessitam ser repensadas, desde o aperfeiçoamento de instalações físicas até a formação das pessoas envolvidas com esse “novo”. Assim, como em todo processo educativo, a premissa paulofreireana: “educar não é treinar pessoas” está presente, o educar, em uma sociedade de informação, é muito mais do que “treinar” pessoas no uso das novas tecnologias, tratando-se de formar indivíduos de forma a prepará-los à contínua e acelerada transformação do conhecimento tecnológico (MISKULIN, 1999). Tal afirmação torna-se importante no sentido de que o uso de tecnologia pode confundir-se com o trabalho mecânico, vide, como exemplo, linhas de produção ou ainda outros tipos de trabalhos autômatos. Nesse sentido, o educador matemático, à medida que compatibiliza os métodos de ensino e teorias de trabalho com as Tecnologias de Informação e Comunicação, assume papel fundamental no processo educativo, tornando-as partes integrantes da realidade do aluno. Quando nos propomos a introduzir as TIC na educação, faz-se necessário pensarmos cuidadosamente sobre a escolha da tecnologia e, conseqüentemente, do software a ser utilizado na sala de aula, devendo também esta escolha atender e contemplar os objetivos projetados pelo professor ao mediar o processo educativo. Miskulin (1999), em sua tese de doutorado, afirma existir duas maneiras de se utilizar computadores na educação. Uma delas seria promover atividades projetadas para se ensinar, da mesma forma, o que já se ensinava na escola tradicional, porém 31 usando tais equipamentos apenas como um novo instrumento na sala de aula, já a outra, e mais adequada, segundo a autora, seria proporcionar, explorando os recursos que a tecnologia possui, novas atividades, atingindo novas maneiras de visualização e representação do conteúdo trabalhado. Nessa perspectiva, Carvalho e Pereira propõem que “o professor precisa conhecer as limitações e as potencialidades do software escolhido” (CARVALHO e PEREIRA, 2004, p.52), conhecendo essas limitações e potencialidades, poderá criar situações de ensino, nas quais os conceitos matemáticos poderão ser trabalhados com a mídia computacional. Muitas pesquisas retratam a utilização de softwares como, por exemplo, Cabri13, Logo14, Derive15, além de muitos outros. Ressalta-se, nesse campo, a existência de grande variedade de softwares comerciais e livres, o que nos leva a perceber claramente que dispomos de uma série de ferramentas e recursos tecnológicos possíveis de se utilizar dentro do campo de conhecimento da Matemática, objetos que, até então, não nos eram acessíveis. Por outro lado, vemos também uma realidade, no que tange a escola, em relação às adequações necessárias à efetiva implementação desses recursos tecnológicos e à formação das pessoas que se utilizam ou devem utilizar-se dessas ferramentas. Infelizmente há um déficit na demanda de cursos de formação ou formação continuada que contemplem essas discussões. Uma questão importante é tentar medir as velocidades com que esses dois lados atuam. 13 O Cabri-Geómètre é um software que permite construir todas as figuras da geometria elementar que podem ser traçadas com a ajuda de uma régua e de um compasso. Uma vez construídas, as figuras podem se movimentar conservando as propriedades que lhes haviam sido atribuídas. Essa possibilidade de deformação permite o acesso rápido e contínuo a todos os casos, constituindo-se numa ferramenta rica de validação experimental de fatos geométricos. Ele tem outros aspectos que vão muito além da manipulação dinâmica e imediata das figuras. Pode ser encontrado em http://www.cabri.com.br/index.php 14 Logo é uma linguagem de programação interpretada, voltada principalmente para crianças, jovens e até adultos. É utilizada com grande sucesso como ferramenta de apoio ao ensino regular e por aprendizes em programação de computadores. Ela implementa, em certos aspectos, a filosofia construtivista, segundo a interpretação de Seymour Papert, co-criador da linguagem junto com Wally Feurzeig. 15 O Derive é um software que trabalha algébrica e numericamente problemas matemáticos. Pode ser encontrado em http://www.chartwellyorke.com/derive.html 32 1.4 CDI e Tecnologia: algumas reflexões O avanço tecnológico e a permanente modificação e aprimoramento das ferramentas contidas nos softwares fazem com que, a cada dia, novas possibilidades de aplicações computacionais, visualização e manipulação de dados possam ser executadas, dentro dos assuntos tratados no CDI. Embora esse fato possa ser extremamente positivo, em relação à qualidade da interação homem/máquina, acompanhar essas modificações é uma tarefa também difícil e nova. Sendo assim encontramos presente, no ensino da disciplina CDI, a existência de elementos tecnológicos, desde o aperfeiçoamento da edição dos livros didáticos, a presença de alusão ao uso de softwares específicos de matemática, até a utilização, em muitos cursos já estabelecidos, de computadores em sala de aula. A disciplina Cálculo Diferencial e Integral, assim como outras relacionadas ao ensino e aprendizagem da Matemática, dispõe de uma série de softwares e aplicativos que tratam dos diversos assuntos que integram esse componente curricular. Podemos citar, entre muitos, alguns softwares especializados, como Mathematica16, MatLab17, Maple18, MathCad19, Scientific Workplace20, Derive21, Reduce22, wxMaxima23, Winplot24, Octave25 e Scilab26, além de outros com interface mais visual, possuindo menor número de ferramentas, sendo igualmente bem 16 O fabricante do Mathematica é a Wolfram Research. A empresa foi fundada em 1987 por Stephen Wolfram e lançou a primeira versão de seu produto carro-chefe, o Mathematica, em 23/07/1988. Em 2009 foi lançada a versão 7.0. Mais informações podem ser encontradas em http://www.sia.com.br/mathematica.htm acesso em 01/03/2010. 17 MATLAB (MATrix LABoratory) é um software interativo de alta performance voltado para o cálculo numérico. Mais informacoes podem ser encontradas no site http://www.mathworks.com acesso em 01/03/2010. 18 O Maple é um software comercial de Computação Algébrica de uso geral que possui inúmeros recursos numéricos, gráficos, fazendo cálculos avançados e resolvendo equações algébricas, além de também funcionar como uma linguagem de programação. Ele vem sendo desenvolvido no Canadá desde 1981 pela Waterloo Maple Inc. Em 1988 foi criada a Maplesoft, uma divisão da Waterloo Maple Inc para desenvolver as novas versões do Maple. Em 2009 foi lançada a versão 13. Mais informações podem ser encontradas no site http://www.maplesoft.com acesso em 01/03/2010. 19 Mathcad é um entorno de documentação técnica com prestações de cálculo numérico e simbólico, que permite explorar problemas, formular idéias, analisar dados, modelar e verificar cenários, determinar a melhor solução, assim como também documentar, apresentar e comunicar os resultados. Site: http://www.ptc.com/products/mathcad (acesso em 01/03/2010). 20 Criado pela Maskichan em 1993. Software comercial encontrado no site: http://www.mackichan.com/ (acesso em 03/01/2011). 21 Site: http://staff.science.uva.nl/~christof/Derive/about.html acesso em 03/01/2011. 22 Site: http://www.reduce-algebra.com/ acesso em 03/01/2011. 23 Site: http://wxmaxima.sourceforge.net/wiki/index.php/Main_Page acesso em 11/01/2011. 24 Site: http://math.exeter.edu/rparris/winplot.html Acesso em 11/01/2011. 25 Octave é um software livre. Site: http://www.gnu.org/software/octave/ . Acesso em 11/01/2011. 26 Scilab é um software livre, algébrico, que pode ser encontrado no site www.scilab.org na versão 5.2. 33 interessantes como, por exemplo, Geogebra27. Muitos aplicativos mais simples também estão disponíveis na internet, podendo ser encontrados, consultando a web, diversos sites, blogs e fóruns sobre o assunto. A utilização, em aulas tradicionais das disciplinas de graduação, de novas dinâmicas e/ou ferramentas tecnológicas auxiliam a desvendar algumas dificuldades que os alunos enfrentam ao se depararem principalmente com novos conteúdos não trabalhados no Ensino Fundamental e Médio. Vários autores da comunidade de educadores matemáticos citam, na disciplina Cálculo, principalmente a alunos ingressantes, essas dificuldades de compreensão, aquisição e aplicação nos/dos conceitos de Função, Limite, Continuidade, Derivada e Integral (BEAN, 2004; OLIMPIO, 2006). Nesse sentido, apresentaremos as fichas para realização da revisão bibliográfica28 de trabalhos acadêmicos que se utilizaram de softwares computacionais no ensino de Cálculo Diferencial e Integral. As fichas foram produzidas para visualizar melhor os itens de interesse em cada uma e encontram-se, na íntegra, nos Anexos A e D. De acordo com essa leitura e os excertos elencados29, visualizamos um cenário acadêmico que mostra uma relação entre o CDI e o uso das tecnologias, mesmo quando mencionadas algumas considerações sobre dificuldades de implementação ou o relato sobre posturas dos professores frente a estas implementações. Podemos notar como as pesquisas incentivam, no ensino de Cálculo, a utilização de softwares computacionais, estabelecendo algumas práticas e ou tomando como base o discurso dos professores que ensinam CDI. Inter-relacionando os resultados dessas pesquisas com nossa discussão inicial, podemos esboçar alguns indícios, pistas e sinais sobre algumas questões relacionadas às mudanças nos modos de ensinar e aprender os conteúdos presentes na disciplina Cálculo Diferencial e Integral, e sobre a utilização de softwares. 27 O software Geogebra é um software livre de geometria dinâmica criado por Markus Hohenwarter em 2002 para ser utilizado em ambiente de sala de aula. O programa reúne recursos de geometria, álgebra e cálculo. O GeoGebra possui todas as ferramentas tradicionais de um programa de geometria dinâmica: pontos, segmentos, retas e seções cônicas além da possibilidade de se trabalhar com equações e coordenadas, que podem ser inseridas diretamente. Assim tem a vantagem didática de apresentar, ao mesmo tempo, duas representações diferentes de um mesmo objeto que interagem entre si: sua representação geométrica e sua representação algébrica. O software está disponível no site: http://www.geogebra.org/cms, acesso em 01/03/2010, em sua versão 3.2. 28 A escolha metodológica e os pressupostos que justificam a revisão bibliográfica estão inseridos no Capítulo II, se baseando nos pressupostos da Pesquisa Qualitativa. 29 Os excertos estão colocados no Capítulo 4.3. 34 Algumas questões podem ser levantadas: 1) Qual é a necessidade da utilização de computadores no processo de ensino e aprendizagem dos conceitos de Cálculo? 2) Há algum conhecimento matemático que só pode ser compreendido por meio da utilização dos computadores? 3) Pode-se afirmar que as novas maneiras de representar conceitos de Cálculo (gráfico, applets e planilhas) favorecem o entendimento do conceito em relação ao modo tradicional? 4) Podemos explicitar motivos pelos quais a comunidade escolar se ampara para, de certa forma, negar a utilização dos meios computacionais na escola? 5) A velocidade da implementação das novas tecnologias no processo educacional é proporcional à velocidade das adequações físicas dos espaços escolares e da capacitação dos profissionais da área educacional para sua utilização? 6) A implementação das novas tecnologias, enquanto componente da revolução tecnológica, necessita do aceite das pessoas envolvidas nesse processo? Embora voltemos a discuti-las na totalidade da pesquisa, com relação ao cenário tecnológico esboçado neste capítulo, podemos tecer algumas considerações. A observância de que a entrada da tecnologia na sociedade faz-se dentro de um panorama de uma sociedade capitalista, sendo o próprio mercado aquele que se apropria do movimento que intitulamos de epidemia, citada no início deste capítulo, à medida que, antes mesmo da comprovação ou estudo da “eficácia” ou não de determinada tecnologia, esta adentra na estrutura permeável da sociedade de consumo, justificada pela melhoria do ensino ou pela modernização da escola. Os objetos tecnológicos são igualmente transformados em mercadoria dentro do sistema capitalista e, portanto, em objetos de consumo. Segundo Marx e Engels, no Manifesto Comunista, todas as coisas viram mercadoria. O mercado, através da “burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então reputadas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio fez seus servidores assalariados.” (MARX e ENGELS, 1995). Não se trata mais em afirmar se o uso de um determinado objeto ou método é, do ponto de vista acadêmico, bom ou não. A discussão sobre benefícios da implementação de 35 um determinado meio para ser usado em aula ou mesmo na vida cotidiana, passa a saber se o mercado o acolheu. De outro lado, observamos, na escola, um desejo de melhorar o ensino em suas diversas instâncias. A ideologia30 da melhoria do ensino, ou também chamada de “ideologia da melhora” baseia-se no fato de que, “Como nunca se diz para quem vai ficar melhor, essa ideologia, como qualquer outra, reforça a concepção religiosa de um bem comum, universal, irmanando as pessoas que se reconhecem adeptas da melhora” (BALDINO, 1992). Continua o autor, dizendo que “a inobservância a perguntas básicas como: Se tem que melhorar, é por que deixou de estar bom? Já esteve? Quando vai estar bom? faz com que a ideologia se perpetue, e não se discuta os verdadeiros motivos, mantendo o quadro de fracasso escolar”. (BALDINO, 1992). Neste sentido, a simples implementação da tecnologia ou a implementação de novas práticas de ensinar pode comprometer sua própria utilização, deixando espaço a críticas negativas de suas verdadeiras potencialidades. Como citamos no início deste capítulo, Castells afirma que “A sociedade não pode ser entendida sem as suas ferramentas tecnológicas...tecnologia é a sociedade” (CASTELLS, 1999). O caráter epidêmico que foi evidenciado corrobora, do ponto de vista de uma análise da própria sociedade, para a indissociabilidade do ser humano e suas ferramentas tecnológicas. Procuramos, com isso, descrever um primeiro cenário em que esteja colocado, exatamente, o professor de Cálculo Diferencial e Integral. Por entender que sua presença em sala de aula, frente a alunos de um curso de graduação e ministrando essa disciplina, está inserida em um ambiente mais amplo, nossas discussões sobre a emergência da tecnologia nas aulas de Cálculo passam obrigatoriamente pelas discussões a respeito das mudanças que a sociedade, a escola e os próprios modos de ensinar e aprender Matemática também passam ao presenciarem os efeitos do aparecimento das tecnologias computacionais. As Entrevistas e as pesquisas que retratam a utilização de computadores nas aulas de Cálculo, bem como os novos livros didáticos de CDI e a observação da prática do professor em sala de aula, irão corroborar com essa afirmação. 30 Ideologia aqui será entendida a partir de Althusser, 1985, onde define como sendo um conjunto de representação de relações imaginárias com as condições reais de existência. 36 Capítulo II 2. A Pesquisa em História ...uma intrincada marchetaria... (Ginzburg, 2007) Como citado na epígrafe e comentado na Introdução deste trabalho, Carlo Ginzburg inicia seu último livro com uma metáfora, comentando a respeito de uma lenda grega, o Minotauro. Nela, Teseu teria recebido de presente de Ariadne um fio com o qual se orientou no labirinto de Creta, encontrando, mais tarde, o Minotauro e matando-o. A quem já conhece essa lenda, ela não surpreende, desde que a compreendamos como um processo de criação de um mito, muito utilizado para criar situações de medo ou admiração a pessoas ou a situações que não deveriam ser desrespeitadas. O que nos chamou a atenção foi a maneira como Ginzburg completa o texto: “Dos rastros que Teseu deixou ao vagar pelo labirinto, o mito não fala” (GINZBURG, 2007, p. 7). Tomamos então essa metáfora para criarmos um caminho, um trilhar dentro da pesquisa. Buscar informações daquilo que não se fala, 37 transformando-o no fio condutor de nosso trabalho. Um fio histórico que entrelaça as discussões apontando nossa trajetória de pesquisa, a qual nos evidencia a atenção, o olhar do pesquisador frente a seus dados e ao seu objetivo maior. Como já citado, esse fio compõe nosso caminho, orientando-nos a formar o Cenário de Investigação, iniciado com os primeiros documentos encontrados sobre o que hoje identificamos como Matemática, uma prática social31 (ALTHUSSER, apud LOPES, 1973), surgida como parte da vida diária do homem (BOYER, 1974) acompanhando praticamente todas as ações humanas histórica e socialmente relatadas, suas práticas culturais (D’AMBROSIO, 1986) e suas descobertas, com indícios numéricos desde tão cedo quanto à descoberta do fogo há 300.000 anos (BOYER, 1974), que puderam ser encontrados nas articulações feitas pelo homem pré-histórico quando o mesmo parecia querer exprimir correspondências entre pequenas quantidades em seu dia a dia. Corroboramos, desse modo, com Prost no fato de que a História é concebida como sendo uma “prática social” (PROST, 2008). Da mesma forma, como já mencionamos anteriormente, chamaremos também o conjunto de ações do professor de Matemática dentro da escola, de prática social do professor de Matemática, definindo-a em consonância com Miguel “como um conjunto de ações de um indivíduo que, por terem sido realizadas com certa freqüência e por determinado tempo, tornam-se características de determinado grupo social” (MIGUEL, 2004). Ou ainda de uma maneira mais abrangente, Miguel refere-se à prática social como a Toda ação ou conjunto intencional e organizado de ações-físico-afetivo- intelectuais realizadas, num tempo e espaço determinados, por um conjunto de indivíduos, sobre o mundo material e/ou humano e/ou institucional e/ou cultural, ações estas que, por serem, sempre, e em certa medida, e por um certo período de tempo, valorizadas por determinados segmentos sociais, 31 Conforme já mencionado anteriormente, podemos incluir, sem perda de generalidade, a Matemática na definição de Prática Social dada por Althusser, citado no texto de Sergio Lopes. O autor cita Althusser a partir de duas obras: Lire le Capital (LC) e Pour Marx (PM) e discute as definições de prática dadas por Althusser em PM e LC. Diz Lopes que no livro LC “a prática é definida como «todo o processo de transformação de uma matéria- prima determinada num produto determinado, transformação efectuada por um trabalho humano determinado, utilizando meios [de produção] determinados». Para Althusser, «o momento (ou elemento) determinante não é nem a matéria-prima, nem o produto, mas a prática em sentido estrito». Esta definição de prática, acrescenta o autor, inclui em si a possibilidade da particularidade: existem práticas diferentes, realmente distintas, se bem que pertencentes organicamente a uma mesma totalidade complexa. A «unidade complexa» das práticas é designada prática social. A prática determinante é a produção, «a prática de transformação da natureza (matéria-prima) dada, em produtos de uso, pela actividade de homens existentes, trabalhando pelo emprego metodicamente regulado de meios de produção determinados, no quadro de relações de produção determinadas» (PM, pp. 167-168)” (LOPES, 1973). 38 adquirem uma certa estabilidade e realizam-se com certa regularidade. (MIGUEL, 2004, p.27) Como afirmamos no início deste texto, preocuparemo-nos em, ao esboçar uma descrição do surgimento da Matemática, e de sua utilização pelo professor em sala de aula, citar alguns dados históricos, mostrando alguns indícios do aparecimento do Cálculo, no âmbito do ensino, a fim de situar nosso cenário, expondo excertos de livros de Cálculo do séc. XIX e séc. XX, compondo assim uma parte de nossos dados. Nesta pesquisa, observamos indícios de mudanças nos componentes velocidade e diversificação gráfica, desde épocas em que a disseminação das descobertas era lenta e feita utilizando-se impressões com poucos elementos gráficos (desenhos) ou também com a utilização de uma edição monocromática, como vemos em Bouchalart (1838) ou ainda em livros mais antigos, já com referências aos conteúdos tratados no Cálculo, caminhando até os nossos dias, quando os livros apresentam uma diversidade gráfica de cores e de elementos representativos e mesmo a utilização de CD-ROM, com animações dos conteúdos tratados, como em Stewart (2008). Objetivamos relacionar alguns indícios de algumas mudanças que ocorreram durante o processo histórico da Matemática, o que nos leva a olhar a um “presente histórico” conciso, porém repleto de sinais e pistas que nos impulsiona a resgatar, no passado histórico, fatos, problemas e relatos, os quais nos ajudam a compreender esse próprio presente. Ao se falar da Matemática, no presente, faz-se necessário dizermos o que entendemos sobre esse campo de conhecimento. Parece-nos, todavia, que nem o presente é tão claro assim, sendo, por educadores, a todo momento, “platonizado” por meio de concepções, como – “o que não tem esse formato, não pode ser definido como Matemática”. Tal concepção transparece também em alguns aspectos da História da Matemática, ou melhor, nos livros que sugerem retratar, em seu vasto sentido, do exato à racionalidade técnica, a História da Matemática, “clara”. Assim encontramos, em alguns livros de História da Matemática, uma matemática internalista, na qual seus objetos mostram uma natureza estritamente simbólica (LINS, 2004), compreendida e repreendida dentro dela mesma, cuja natureza cambiante faz momentos de unidade orgânica. 39 A “clareza” com que conceitos e fórmulas são relatados como, por exemplo, em livros como Boyer (1949), Eves (1987) ou mesmo nos livros mais contemporâneos de Cálculo não revelam a possibilidade de que conceitos anteriores participassem ou não na influência dos mesmos, e esses com o seu próprio entorno. Vemos capítulos estanques de uma história de muitos momentos. Em relação ao Cálculo Diferencial e Integral, podemos dizer que este campo da Matemática também apresenta essas mesmas características. Nesse sentido, Miskulin postula que: um dos aspectos mais importantes da História da Matemática é lançar luz sobre a natureza da Matemática. A escolha da ordem lógica como uma ordem de ensino não deveria ser apenas encarada como uma questão metodológica, mas, acima de tudo, uma decisão que tem subjacente uma concepção educacional abrangente. (MISKULIN, 1994, p. 65) Com relação a mudanças de concepções sobre os objetos matemáticos, a mesma autora comenta ainda que: A partir da década de 30, foi tentada uma unificação da Matemática, através da reconstrução de vários de seus ramos, utilizando-se a Teoria dos Conjuntos, ou seja, procurou-se dar uma explicação da Matemática de modo a torná-la compreensível aos olhos dos matemáticos. O entendimento da Matemática passou assim a se dar através das estruturas e teorias algébricas. Essa visão estruturalista estava em consonância com o pensamento dominante da época. No currículo enfatizou-se a Álgebra em detrimento da Geometria Euclidiana. Instaurou-se a Matemática Moderna. Porém, a unidade Matemática não foi encontrada na Teoria dos Conjuntos (MISKULIN, 1994, p. 65). A história, nessa perspectiva, assume um papel importante, agregando ao fato o todo que a circunda. Assim os estudos do acontecimento histórico não são apenas percebidos pelo fato em si, mas também por tudo que se passa em sua volta, em seu entorno, em seu contexto. E a busca dos indícios, sejam eles registros dos livros, transcrições de depoimentos, observação de possibilidades de impressões gráficas, observância das possibilidades tecnológicas contemporâneas, forma nossa arca de dados que compõem nossa pesquisa, ou ainda nosso Cenário de Investigação. March Bloch define a história como a “ciência que estuda o homem no tempo” (BLOCH, 1997, p. 89), o que revela a importância do entorno do fato, explicitando que, na apuração da veracidade ou não dos depoimentos, “para que o erro de uma testemunha se torne o de muitos homens, para que uma má observação se transforme num falso rumor, é preciso também que o estado da sociedade favoreça tal difusão” (BLOCH, 1997, p. 140). Esse mesmo autor, ao tratar da 40 legitimidade de registros escritos e textos, enfatiza que, para termos a veracidade de um fato, precisamos compreendê-lo em seu contexto, ou seja, Cada termo importante, cada talhe característico de estilo, se torna num verdadeiro elemento do conhecimento – mas somente quando confrontado com o seu ambiente, restituído ao uso da época, no meio ou do autor (BLOCH, 1997, p. 178). Portanto se fundem dois campos, Matemática e História, numa mesma esfera de discussão, socialmente construídos, cujos elementos compõem agora outro campo, o da História da Matemática, da qual faremos um breve recorte histórico com relação ao tema Cálculo para situarmos nossos elementos. Citaremos algumas referências históricas sobre o Cálculo, tomando, como base, alguns livros de Cálculo e História da Matemática, os quais nos ajudarão na composição de nosso Cenário de Investigação, proporcionando um contraponto com a Análise dos dados. 2.1 A história dos principais conceitos do Cálculo Sabemos que o que hoje conhecemos como o Cálculo Diferencial e Integral, por muitos creditado principalmente a partir dos estudos de Newton32 e Leibniz33, é também obra de incansáveis mudanças e contribuições de muitos matemáticos e, da mesma forma, as possibilidades e maneiras que possuímos hoje para ensinar e aprender o Cálculo também passam por essas mudanças e descobertas da sociedade como um todo. 32 Isaac Newton nasceu no dia 25 de dezembro de 1642 (pelo calendário gregoriano), 04 de janeiro de 1643 de acordo com o calendário atual, mesmo ano da morte de Arquimedes, em meio à efervescência política (guerra civil) e intelectual (Galileu, Kepler, Copérnico) da Inglaterra. A partir de 1663 se dedica a Matemática no Trinity College em Cambrige, sob orientação de seu professor Isaac Barrow (1630-1677), do qual teve suas maiores influências em suas proposições. (BARON (a), 1985, p. 6) Sobre Barrow, o historiador Boyer afirma que “De todos os matemáticos que anteciparam partes do cálculo diferencial e integral, nenhum chegou mais perto da nova análise que Barrow.” (BOYER, 1974, p. 285). Morreu em 1727. 33 Gottfried Wilhelm Leibinz nasceu em 1645 na cidade alemã chamada Leipzig. Aos 20 anos recebe o titulo de doutor em direito pela Universidade de Altdorf (titulo não conferido pela sua primeira universidade, de Leipzig por ser considerado muito jovem). Em 1672, em uma missão diplomática conhece o matemático holandês Christiaan Huygens, da Academia Real de Paris, considerado o primeiro cientista natural e matemático da Europa, que o influencia nos seus estudos em Matemática e na visita a Sociedade Real em Londres. (BARON (a), 1985, p. 40). Morreu em 14 de setembro de 1716. 41 Especificamente para alguns conceitos matemáticos diretamente relacionados a este conteúdo, podemos identificar, principalmente a partir do ano 300 a.C, a influência mais direta de matemáticos com os métodos de Integração para o cálculo em áreas de regiões delimitadas por curvas de Arquimedes. Como afirma Baron e BOS, o desenvolvimento do Cálculo Infinitesimal seguiu um caminho longo e irregular, que se estendeu das especulações filosóficas dos antigos gregos e das demonstrações clássicas de Arquimedes até o século XVI, quando mudanças significativas ocorreram – tanto na quantidade de trabalho realizado quanto na natureza dos métodos utilizados (BARON e BOS, 1985, p. 05). A afirmação da exatidão dos acontecimentos históricos que se relacionam ao aparecimento dos conceitos estudados hoje no Cálculo, bem como a existência ou não de outros personagens nesse caminho é uma tarefa bastante difícil e, diria, impossível. Como todo fato a ser relatado, as escolhas são feitas em relação às fontes que são acessadas e de acordo com as influências sofridas, seja pelo local em que o historiador se encontra, pelo acesso as fontes, pela formação acadêmica e até por opções políticas. Como centro de nossas atenções, essa pesquisa referencia-se aos conceitos de Função, Limite, Continuidade, Derivada e Integral. Limitarmo-nos a esses conceitos, dando uma visão histórica de como foram propostos, se apresentaram e apresentam-se. Os livros modernos, como Stewart (2005), Leithold (1972) e tantos outros trazem, em seu conteúdo, uma ordem que apresenta inicialmente o conceito de Função, em seguida o de Limite, Continuidade, Derivada e, por último, o conceito de Integral numa seqüência dependente, isto é, o conceito posterior necessita obrigatoriamente do anterior. O interessante é que historicamente essa não foi a ordem formalmente apresentada. Esses conceitos tiveram quase que uma “vida” própria, não dependendo de outro para existir, entretanto, como toda descoberta científica, é bastante difícil precisar o momento exato de sua primeira formulação, dado que muitas outras pessoas, formas e práticas sociais podem ter contribuído para que determinado conceito fosse formulado, ou mesmo, pode-se ainda supor a existência de uma descoberta científica com resultado semelhante sendo apresentada em outra época e lugar no mundo e que não tenha sido relatada. 42 Não havendo, porém, o registro e a difusão, esse conhecimento não existe para a academia, até que alguém possa fazê-lo. Um dos parâmetros para isso são os momentos do reconhecimento acadêmico, dando uma existência formal e o reconhecimento dentro da comunidade científica, o que não deixa de admitir a possibilidade de existência se outros matemáticos que possam ter proposto semelhante conceito, mas que apenas não possuem, até o momento, o mérito acadêmico. Marafon afirma que o reconhecimento acadêmico é a constituição de códigos de prestígio exercido através da vigilância. É produzido em instituições como as universidades, centros de pesquisa, academias, sociedades científicas, entre outros. (MARAFON, 2001, p. 44) Portanto iremos citar alguns personagens e datas academicamente reconhecidos, sem negar a possibilidade de existência de outros que não são aqui citados. Isso corrobora com a afirmação da dificuldade em personificar os acontecimentos. E quais tópicos são considerados importantes dentro do Cálculo Diferencial e Integral? Quais escolhas foram historicamente feitas? A esse respeito, Richard Courant afirma que, “a parte principal da Matemática moderna gira em torno dos conceitos de função e de limite” (COURANT e ROBBINS, 2000), como se fossem conceitos centrais e como se dessem uma base para todos os outros. Segundo Courant e Robbins (2000), o alemão Leibniz, com formação inicial em direito mas que se interessou muito pela Matemática, “foi o primeiro a utilizar a palavra função” (COURANT e ROBBINS, 2000, p. 332). Segundo o autor, “para os matemáticos do Século XVIII, a idéia de uma relação funcional estava mais ou menos identificada com a existência de uma fórmula matemática simples expressando a natureza da relação.” (COURANT e ROBBINS, 2000, p. 332). Porém, semelhante ao processo que acompanhou a formalização de vários conceitos matemáticos, as situações físicas necessitavam de outro enfoque, mais amplo, dado que os textos anteriores ao séc. XVIII faziam referências a alguns casos particulares de situações. A “idéia” de Função pode também ser verificada nos resultados de Newton sobre os fluentes e fluxões34, mesmo sem ser explicitada. Segundo Baron e Bos 34 Inspirado por Napier e Cavalieri, Newton fundamentou suas idéias em duas noções básicas: a de fluente e a de fluxão . Em suas próprias palavras: “Vejo as grandezas não como formadas de partes infinitamente pequenas, mas como descritas por movimento contínuo: linhas (descritas pelo movimento contínuo de pontos), superfícies 43 (1985) foi Leibniz quem primeiro utilizou a palavra “função” na Matemática. Segundo a autora ele “chamava de “funções” as quantidades geométricas variáveis relacionadas a uma certa curva, tais como coordenadas, tangentes, subtangentes, normais, raios de curvatura, etc”. Porém, a partir de cartas entre Leibniz e Bernoulli35, a noção de Função incorpora uma definição mais geral, por meio de uma expressão analítica, e veio a público por um artigo em 1716 publicado por Bernoulli, e mesmo assim, algumas idéias foram “lapidadas” por Euler36, aluno de Bernoulli, que publicou um artigo tratando da notação de função em 1748 chamado Introductio in analysin infinutirum37. Segundo Correia (1999), “em 1755, no prefácio de Institutiones Calculi Differentialis, Euler deu ao conceito de função uma forma mais universal e abstracta”, e enunciou da seguinte forma: Se algumas quantidades dependem de outras quantidades, de modo que se estas variam as primeiras variam, então chamamos às primeiras quantidades funções das últimas. Esta designação é da natureza mais ampla e compreende qualquer método por meio do qual uma quantidade pode ser determinada por outras. Se, por conseguinte, x denota uma quantidade variável, então todas as quantidades que dependem de algum modo de x, ou por ele são determinadas, são chamadas funções de x. (EULER apud CORREIA, 1999, p. 65) De acordo com essa formulação, vemos que Euler não exigia que uma função tivesse uma apresentação analítica. Outro nome reconhecido nesse tema é do alemão Dirichilet38 que contribui com uma conceituação mais moderna de Função. Isso mostra como um determinado conceito passa por transformações e é reconhecido em épocas diferentes, tornando muito difícil a tarefa de precisar datas e personificá-los ao ponto de afirmarmos que foi tal matemático que “criou” o conceito. Exemplificando, em Courant e Robbins(1963, p. 14) uma função é definida da seguinte maneira: (descritas pelo movimento contínuo de linhas), ângulos (descritos pelo movimento contínuo rotacional de seus lados) e o tempo por um fluxo contínuo. O que determina o valor de uma grandeza é a velocidade de seu crescimento”. Em termos mais objetivos: os fluentes eram as grandezas geradas e as fluxões as velocidades de movimento dessas grandezas. Ou seja: o fluente corresponde a integral e a fluxão a derivada. (http://www.mat.ufrgs.br/~portosil/newton.html acessado em 31/05/2010) 35 Johann Bernoulli, matemático suíço, nascido em 27 de julho de 1667 em Basileia. Morreu em 1748. 36 Leonhard Euler (1707-1783) 37 Afirma Boyer (1974) que “no quarto parágrafo da Introductio define função de uma quantidade variável como qualquer expressão analítica formada daquela quantidade variável e de números ou quantidades constantes”. (BOYER, 1974) 38 Johann Peter Gustav Lejeune Dirichlet, 1805-1859 44 Conceito de Função Fixamos idéias sobre um intervalo definido do eixo dos números, digamos o intervalo compreendido entre os números a e b, e consideremos a totalidade dos números x pertencentes a este intervalo, isto é, que satisfaz a relação Se considerarmos o número x como designando. À vontade, qualquer dos números deste intervalo, chamá-lo-emos uma variável no intervalo. Se a cada valor de x neste intervalo, corresponder a um único valor definido para y, e se x e y forem ligados por uma lei qualquer, diremos que y é uma função de x e escrevemos, simbolicamente y=f(x), y=F(x), y=g(x) ou outra expressão semelhante. Chamaremos, então, x de variável independente e atribuímos a y a denominação de variável dependente. Essa também não é a única forma de apresentação do conceito de Função, assim como os próximos conceitos a serem apresentados, e uma das pretensões deste trabalho é justamente mostrar como a apresentação desses conceitos podem ter sido influenciados dentro do processo histórico e apresentados nos livros didáticos utilizados pelos professores em suas aulas. Enfoques diferentes, recursos tipográficos e o aparecimento de recursos tecnológicos computacionais vão contribuir para a mudança de apresentação dos conceitos nos livros. Nesse sentido, escolhemos então apenas um dos autores para exemplificar os conceitos principais do Cálculo neste capítulo, deixando para os próximos capítulos a apresentação e Análise de suas outras formas de apresentação nos livros didáticos. Prosseguindo na exposição dos conceitos de Cálculo, a proposição do conceito de Limite não poderia trilhar caminhos diferentes. Segundo Baron e Bos (1985), o matemático britânico Robins39 acentuou o fato de que as razões últimas e as quantidades últimas de Newton são, geralmente, limites. Ele deu a seguinte explicação sobre o que entendia por limite:...nós...definimos uma grandeza como sendo o limite do qual uma grandeza variável pode aproximar-se, embora ela nunca possa tornar-se absolutamente igual a ele. (ROBINS, apud BARON, 1985, p. 27) Ainda segundo Baron e Bos (1985), na Europa, “o uso do conceito de limite para fundamentar as bases do Cálculo foi defendida por Jean Le Rond d’Alembert (1717-1783), matemático, cientista e filósofo francês” (BARON e BOS, 1985). Uma proposição mais formal e próxima ao conceito com o uso dos épsilons e deltas é creditada ao matemático francês Cauchy40. 39 Benjamin Robins (1707-1751) 40 Augustin-Louis Cauchy (1789 -1857) 45 Segundo Courant (1963, p. 46) o conceito de Limite de uma função pode ser definido da seguinte maneira: Conceito de Limite Estabelecemos que o valor da função f(x) tende para um limite , à medida que x tende para ξ, ou, em símbolos , Se todos os valores da função f(x), para os quais x está situado bastante perto de ξ, diferirem arbitrariamente pouco, ou ainda Dada uma quantidade positiva ξ, arbitrariamente pequena, podemos determinar, em torno de ξ, um intervalo |x- ξ|< ε tão pequeno que, para cada ponto x deste intervalo, num intervalo, difere do próprio ξ, verifica-se a desigualdade |f(x) - |< ε. Segundo Courant (1963, p. 50) o conceito de Função Contínua pode ser definido da seguinte maneira: Conceito de Função Contínua Diz-se que uma função é continua no ponto ξ, se o valor de f(ξ) for se aproximando, com um grau de precisão ε, preestabelecido de todos os valores de f(x), para os quais x estiver suficientemente próximo de ξ.41 Courant afirma que o conceito de derivada, assim como o de integral é de origem intuitiva. Suas fontes são (1) o problema da construção da tangente a uma curva dada, num ponto determinado, e (2), a pesquisa de uma definição precisa, para a velocidade, num movimento arbitrário. (COURANT, 1963, p. 88). Uma das contribuições de Leibniz nesse campo foi a notação, utilizada até os dias de hoje. Segundo Courant (1963, p. 88) o conceito de Derivada42 de uma função pode ser definido da seguinte maneira: Conceito de Derivada Seja P um ponto sobre uma curva dada (ver figura). Definiremos a tangente à curva no ponto P, de acordo com a intuição comum, por meio do seguinte processo limite. Marquemos, além de P, um segundo ponto, P1, sobre a curva. Façamos passar uma reta pelos pontos, reta esta secante à curva. Se o ponto P1 se mover sobre a curva, dirigindo-se para P, a secante tenderá para uma posição limite, a qual é independente do lado pelo qual P1 se aproxima de P. A posição-limite da secante é a tangente, e a afirmação de que tal posição-limite existe é equivalente à hipótese de que a curva possui tangente definida ou direção definida no ponto P. 41 O autor ainda se refere ao conceito de duas formas, uma delas semelhantes ao conceito encontrado nos livros atuais. 42 Iremos apresentar aqui a sua apresentação para a derivada como reta tangente. Courant apresenta ainda a forma da derivada enquanto velocidade e demais conceitos necessários. 46 Imaginemos o ângulo que uma linha reta l faz com o eixo x, como sendo aquele que a parte positiva do eixo deve girar, na direção positiva da rotação, a fim de ficar paralelo, pela primeira vez, à reta l. Seja 1 o ângulo que a secante PP1 faz com a parte positiva do eixo dos x (fig.) e o ângulo que a tangente forma com o mesmo eixo. Se pusermos de lado o caso da tangente perpendicular, temos: = Onde o significado dos símbolos é perfeitamente compreensível. Se x,y [=f(x)] e x1, y1 [=f(x1)] forem coordenadas dos pontos P e P1, temos imediatamente e, assim, o processo-limite estudado será representado pela equação A expressão Será denominada quociente das diferenças da função y=f(x). A tangente de , é portanto , igual ao limite para qual tende o quociente das diferenças da função considerada, quando x1 tende para x. Chamaremos este limite a derivada da função y=f(x) no ponto x, e, de acordo com a notação de Lagrange, empregaremos para representá-la o símbolo y’ = f’(x), ou , ou , de conformidade a Leibniz. Segundo Courant (1963, p. 88) o conceito de Integral de uma função pode ser definido da seguinte maneira: Conceito de Integral Definida Seja f(x) uma função positiva e contínua no intervalo (de extensão ). Imaginaremos o intervalo dividido por (n-1) pontos x1, x2,..., xn-1, em n partes iguais ou desiguais, e faremos x0=a, xn=b. Em cada intervalo escolheremos um ponto arbitrário, ξ1 no primeiro, ξ2 no segundo, ..., ξn no último, ponto este que pode estar situado no interior ou mesmo num extremo do intervalo. Se o numero de pontos de divisão crescer sem limite e se, ao mesmo tempo, o comprimento do maior intervalo tender para zero, a soma anterior tende para um limite. Este limite é independente da maneira particular pela qual os pontos de divisão x1, x2, ..., xn-1 e os pontos intermediários ξ1, ξ2, ..., ξn forem escolhidos. O valor limite é denominado integral definida da função f(x) que, por sua vez, é dita integrada entre os limites a e b. Embora possamos evidenciar um maior conjunto de resultados propostos que se referenciam ao Cálculo durante o séc. XVII, podemos ainda notar a influência de 47 pessoas do século XIX, como Dedekind43 e no séc. XX Shannon44 com contribuições mais refinadas ao Cálculo, o que mostra ser um campo de conhecimento da Matemática que, como era nosso objetivo, se baseou em conceitos da influência grega do período antigo até os tempos atuais. Trabalharemos com indícios históricos e epistemológicos que poderã