UNESP – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro CARLOS EDUARDO FÉLIX CORREIA O ESTRUTURALISMO EM LIVROS DIDÁTICOS: SMSG E MATEMÁTICA - CURSO MODERNO Rio Claro - SP 2015 11 UNESP – UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro CARLOS EDUARDO FÉLIX CORREIA O ESTRUTURALISMO EM LIVROS DIDÁTICOS: SMSG E MATEMÁTICA - CURSO MODERNO Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, omo parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Educação Matemática. Orientadora: Profa. Dra. Arlete de Jesus Brito. Rio Claro - SP 2015 12 CARLOS EDUARDO FÉLIX CORREIA O ESTRUTURALISMO EM LIVROS DIDÁTICOS: SMSG E MATEMÁTICA - CURSO MODERNO Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, omo parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Educação Matemática. Comissão Examinadora _______________________________________________ Profa. Dra. Arlete de Jesus Brito - orientadora - UNESP/RC _________________________________________________ Profa. Dra. Heloisa da Silva- UNESP/RC ___________________________________ Profa. Dra. Rosa Lúcia Sverzut Baroni - UNESP/RC __________________________________ Prof. Dr. Lafayette de Moraes - UNICAMP ___________________________________ Profa. Dra. Maria Ângela Miorim- UNICAMP Rio Claro, SP, 12 de Maio de 2015 13 AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos especiais à minha querida orientadora Arlete de Jesus Brito pela parceria impressindível neste trabalho. Neste percurso sua orientação foi a letra "a" que faltou no meu teclado, em muitos momentos. Agradeço aos professores Lafayette de Moraes, Maria Ângela Miorim, Rosa Lucia Sverzut Baroni e Heloisa da Silva pelas importantes contribuições para este trabalho, por ocasião da participação da Banca no Exame Geral de Qualificação no dia 24 de março de 2014 e posteriormente da participação da Comissão Examinadora na Banca de Defesa desta tese no dia 12 de maio de 2015. Aos professor Vicente M. Garnica e Wagner R. Valente por terem contribuido com a aquisição de materiais importantes para a pesquisa. Aos colegas do HIFEM - Grupo de Estudos em História e Filosofia da Educação Matemática, pelas oportunidades de debatermos este tema. À professora Alice Orrú, pela revisão de português. ao professor Paulo Carvalho, pela revisão de inglês. À minha esposa Cristiane e à minha filha Manuella pela compreensão, paciência e apoio nesta jornada. Aos professores Antonio Miguel, Rosana Giareta Sguerra Miskulin e Flávia dos Santos Soares, por terem se disponibilizados a participar da suplência da banca de defesa. À todos aqueles que direta ou indiretamente estiveram ao meu lado nesta trajetória e puderam acompanhar o desenvolvimento deste trabalho. 14 Foucault insistia na ideia nietzscheana de que tudo é histórico e, portanto, de que nada do que é humano deve escapar ao campo de visão e de expressão do historiador. (RAGO, 1995, p. 3) 15 RESUMO O objetivo desta pesquisa foi analisar como que o estruturalismo esteve presente nas propostas do ensino de Matemática de duas obras para os Ginásios brasileiro entre os anos de 1960 e 1970, quais sejam: o Volume 1 da coleção SMSG - School Mathematics Study Group - Matemática - Curso Ginasial e o Volume 1 da obra do Professor Osvaldo Sangiorgi Matemática - Curso Moderno para os Ginásios. Ambas começaram a circular no Brasil a partir de 1964. Tomamos por referencial metodológico a Hermenêutica de Profundidade proposto por Thompson (1995) em três dimensões de análise: análise sócio-histórica, análise formal ou discursiva e a interpretação/reinterpretação. Concordamos com Oliveira (2008) que os livros didáticos podem ser considerados como "formas simbólicas" e, portanto, são passíveis de diversas interpretações. Concluímos que o estruturalismo esteve presente nas duas obras analisadas. No livro do SMSG à luz do logicismo, pelo método de raciocínio para a construção dos conceitos matemáticos, neste os estudantes são conduzidos a um modo de estruturar o raciocínio para pensar a Matemática pelo princípio lógico da dedução. No livro de Sangiorgi à luz do formalismo, aproximando-se das ideias propostas por Bourbaki em sua obra Elementos de Matemática, as quais demonstravam a preocupação com o modo de exposição axiomático, que se procede do geral para o particular em uma apresentação depurada, uma profunda unidade que repousa sobre a Teoria dos Conjuntos e hierarquizada em termos de estruturas abstratas. A preocupação dos autores com os pré-requisitos conceituais, obedecendo às etapas da construção do conhecimento matemático e observando, sobretudo, valores, atitudes, ansiedades, habilidades e motivação, atesta também a presença do estruturalismo psicológico de Piaget nas duas obras. Palavras-chave: História da Educação Matemática. Estruturalismo. Textos Didáticos de Matemática. Movimento da Matemática Moderna. 16 ABSTRACT The goal of this research was to analyze how the structuralism has been present in the mathematics teachings proposal of two works for the Brazilian high school between the years of 1960 and 1970, being: the book 1 of the collection SMSG – School Mathematics Study Group – Mathematics for Junior High School Course and the book 1 of the work of Professor Osvaldo Sangiorgi Mathematics- Modern Course for Junior High School. Both began to diffuse in Brazil from 1964. We have taken by methodological referential the hermeneutics of profundity proposed by Thompson (1995) in three dimensions of analysis: Social-Historic analysis, formal analysis or discursive analysis and the interpretation-reinterpretation. We agree with Oliveira (2008) that the didactics books can be considered as Symbolic Forms and, thus, are passive of several interpretations. We have concluded that the structuralism has been present in the two analyzed works. In the book of SMSG, under the light of logic, by the method of reasoning to the construction of the mathematics concepts, in this, the students are led to a way of structuring the reason the think the mathematics by the logical principle of deduction. In the book of Sangiorgi, under the light of formalism, approaching the ideas proposed by Bourbaki, in his work Elements of mathematics which demonstrate the concern with the axiomatic exposition that proceeds from the general to the private in a depurated presentation, a profound unit that lies on the Theory of Sets and hierarchical in terms of abstract structures. The authors concerns with the conceptual pre-requisites, obeying the phase of the construction of the mathematical knowledge and observing, above all, values, attitudes, anxieties, abilities and motivation, attests also the presence of the psychological structuralism of Piaget in both works. Key-words: History of Mathematics Education. Structuralism. Didactic Mathematics Texts. Movement of Modern Mathematics 17 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AMPEP Associação Francesa dos Professores do Ensino Público BSCS Biological Science Curriculum Studies CADES Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário CBA Chemical Bond Approach CBPM Centre Belge de Pédagogie de la Mathématique CDI Cálculo Diferencial e Integral CECIS Centros de Ensino de Ciências CEEB College Entrance Examination Board CEEB College Entrance Examination Board CENP Centro de Estudos e Normas Pedagógicas CERHUPE Centro de Recursos Humanos de Pessoal do Ensino CIEAEM Comision Internacionale pour L´Etude L´Amelioration de L´Enseignement des Mathemathiques CIEM Comission Internationale de l´Enseignement Mathemathique CIES Conselho Interamericano Econômico e Social CPO Centro de Pesquisa e Orientação CSM Contemporary School Mathematics Project EDART Livraria e Editora Ltda - São Paulo ENS École Normale Supérièure EPCAR Escola Preparatória de Cadetes do Ar EUA Estados Unidos da America GEEM Grupo de Estudos do Ensino da Matemática GHEMAT Grupo de Pesquisa de Historia da Educação Matemática no Brasil 18 HIFEM Grupo de Estudos em História e Filosofia da Educação Matemática IBECC Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura IBECC/SP Comissão Estadual do IBECC de São Paulo ICMI International Commission on Mathematical Instruction IMUK Internationalen Mathematische Unterrichts Kommission INEP Instituto Nacional de Ensino Pedagógico MAA Mathematical Association of America MAS American Mathematical Society MEC Ministério da Educação e Cultura MME Midlands Mathematical Experiment MMM Movimento da Matemática Moderna NCTM National Council of Teachers of Mathematics NSF National Science Foundation OEA Organização dos Estados Americanos OECD Organization for European Cooperation and Development OECE Organização Europeia de Cooperação Econômica OEEC Organization for European Economic Cooperation PABAEE Programa Americano Brasileiro de Ajuda ao Ensino Elementar PPGEM Programa de Pós Graduação em Educação Matemática PSSC Physical Science Study Committee PUCRJ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro SEESP Secretaria de Educação do Estado de São Paulo SMP School Mathematics Project SMSG School Mathematics Study Group SOP Setor de Orientação Pedagógica 19 SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste UICSM University of Illinois Committee on School Mathematics UMMaP University of Maryland Mathematics Project UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USAID United States Agency for International Development 20 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 1.1 A trajetória deste trabalho.................................................................................... 1.2 Pressupostos Metodológicos....................................................................... 1.2.1 Primeira Dimensão da HP - Análise Sócio Histórica................................ 1,2,2 Segunda Dimensão da HP - Análise Formal ou Discursiva..................... 1.2.3 Terceira Dimensão da HP - Interpretação/Re-interpretação.................... 1.3 Levantamento dos Documentos e distribuição do Trabalho....................... 2 O CONTEXTO HISTÓRICO............................................................................... 2.1 O Movimento Modernizador em outros países............................................... 2.2 No Brasil: O MMM - Movimento da Matemática Moderna............................. 2.2.1 Bolsa Norte Americana para dois Professores brasileiros........................... 2.2.1.1 Osvaldo Sangiorgi..................................................................................... 2.2.1.2 Lafayette de Moraes................................................................................. 3 ANÁLISE INTERNA DAS OBRAS.................................................................... 3.1 Estrutura e Estruturalismo.............................................................................. 3.2 O Estruturalismo segundo Piaget................................................................... 3.3 O Estruturalismo do Grupo Bourbaki............................................................. 3.4 Breve descrição da obra da obra SMSG - Curso Ginasial ........................... 3.4.1 Breve descrição do Primeiro Volume.......................................................... 3.5 Breve descrição da obra Matemática - Curso Moderno para o Ginásio.................................................................................................................. 3.5.1 Breve descrição do Primeiro Volume ......................................................... 3.6 Análise sob a ótica do Estruturalismo Matemático........................................ 3.8 Análise sob a ótica do Estruturalismo Psicológico........................................ 3.9 As diferenças entre as coleções de Osvaldo Sangiorgi antes e depois do MMM..................................................................................................................... 3.10 As diferenças entre a coleção nova de Osvaldo Sangiorgi e a coleção do SMSG.................................................................................................................... 4 (RE) INTERPRETAÇÕES................................................................................. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... BIBLIOGRAFIA CONSULTADA........................................................................... ANEXOS............................................................................................................... 10 10 16 23 24 27 29 35 61 63 69 69 77 83 83 89 94 98 107 122 124 133 166 189 196 204 218 223 225 21 1 INTRODUÇÃO 1.1 A trajetória deste trabalho Em 2009 concluímos o Mestrado em Educação com tema na área de Educação Matemática pelo Programa de Pós-Graduação do Instituto de Biociências, departamento de Educação da UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Nossa Dissertação intitulou-se Formação Continuada de Professores Polivalentes: O Potencial da Análise de Erros no processo Ensino/Aprendizagem da Matemática, sob a orientação da Professora Dra. Arlete de Jesus Brito. Pesquisamos a análise dos “erros” em Matemática cometidos pelos alunos de terceira e quarta séries do ensino fundamental. O trabalho contou com o levantamento de erros dos alunos de quatro professoras que exerciam a docência nas séries iniciais. Uma delas era formada em Pedagogia e, na época, as outras três estavam completando o curso de Pedagogia. Os erros dos alunos em uma atividade por elas aplicada em sala de aula, configuraram um corpus que após análise retornou para as professoras em sessões interativas com o pesquisador com o objetivo de interpretação e (re)significação da atividade docente e do exercício de poder com o qual a cultura avaliativa acomete os professores. Propusemos, por meio da análise dos erros, uma (re)orientação como guia da avaliação e da ação docente de modo a vislumbrar, pela práxis, uma possibilidade de formação continuada do Professor Polivalente1. A partir dessa pesquisa foram publicados alguns artigos em revistas da área e um livro pela Editora Porto de Ideias com o título: Matemática, Análise de Erros e Formação Continuada de Professores Polivalentes, lançado oficialmente no X ENEM 1 Para mais detalhes, ler CORREIA, C. E. F. Formação continuada de professores polivalentes: o potencial da análise de erros no processo ensino/aprendizagem da matemática. Dissertação de Mestrado. PPG Educação. Rio Claro: Unesp, 2009. 22 - Décimo Encontro Nacional de Educação Matemática na cidade de Salvador, Bahia, em 2010. Com os resultados alcançados e com essa "experiência", na perspectiva de Jorge Larrosa, como "aquilo que nos passa", no contato com essas professoras, fomos acometidos por vários questionamentos, os quais, poderiam originar uma outra pesquisa, como por exemplo, a verificação a posteriori se a prática dessas professoras teriam sido re-significadas a partir deste novo recurso metodológico, o olhar para os erros como algo a ser corrigido na trajetória docente. Entre os questionamentos, algumas falas das professoras, nas entrevistas e nas sessões interativas, apontaram novas questões para investigação. Em nossas transcrições, nos pareceu claro a deficiência na formação Matemática das professoras envolvidas na pesquisa, uma deficiência menos centrada na metodologia que nos conteúdos desta ciência, uma formação que se iniciava no final da década de 1970 (pelo menos, no caso de três professoras que já lecionavam há vinte anos, contados no momento da pesquisa em 2009). As professoras afirmaram que, enquanto estudantes, sempre tiveram um "bom" relacionamento com a Matemática durante o ensino primário2, entretanto, desde o início do Ginásio3, ao se depararem com as disciplinas fragmentadas e professores "especialistas", cada qual lecionando uma matéria diferente, perceberam um distanciamento, uma quebra no elo entre elas e os assuntos tratados como temas isolados. A queixa, geralmente, acenava para a introdução de fórmulas vazias, sem significado na vida cotidiana, alto grau de rigor na apresentação dos conteúdos, sem motivação alguma, despertando um "desgosto" pela Matemática. A opção pelo Curso de Magistério, nos relatos, pareceu ser uma "fuga" dessa Matemática, trazendo consigo uma preocupação para nossa investigação: como ensinar às crianças aquilo que não se sabe e de que, paradoxalmente, se tenha tentado fugir o tempo todo? Em nossa investigação intensificamos esses questionamentos e propusemos uma possibilidade de formação continuada, justamente a partir desta deficiência de conteúdo na formação inicial, a fim de minimizar essa proliferação negativa em relação ao conhecimento matemático. 2 Atualmente Ensino Fundamental do Primeiro ao Quinto Ano. 3 Atualmente Ensino Fundamental do Sexto ao Nono Ano. 23 Uma observação que fizemos nos relatos das professoras aponta para um passado mais distante, o período em que as mães delas estudaram, indicando que o ensino primário era considerado mais "forte" e, naquela época, muitos paravam neste nível, os que continuavam, eram submetidos aos exames de admissão para o ginásio e/ou para o ensino Normal e, tinham "base" para tal. As professoras afirmaram que indagavam suas mães em muitos momentos para sanar certas dúvidas em relação à conteúdos e procedimentos, como por exemplo, a divisão por números de dois ou três algarismos. Segundo as professoras, suas mães possuíam perfeito domínio das quatro operações fundamentais e suas variantes, apenas tendo concluído o chamado "Grupo Escolar"4. A partir dessas novas inquietações, como membro do HIFEM grupo de estudos em História e Filosofia da Educação Matemática, ao qual pertence também minha orientadora, e do fato de trabalharmos as relações entre História e Educação Matemática no Brasil e em outros países, despertou-me o interesse no aprofundamento das questões relacionadas:  Aos conteúdos de Matemática e às formas que eram apresentados aos alunos do nível Ginasial5, na década de 1970;  Às Estruturas Matemáticas que, aparentemente, tanto complicaram o entendimento e a apreensão desta disciplina por parte dos alunos;  Aos objetivos de uma reforma, dita necessária, visando a melhoria da aprendizagem Matemática em vários países do globo. Estas questões nos remeteu especificamente à História da Educação Matemática no Brasil configurando um novo limiar no campo da nossa pesquisa acadêmica, cujo lócus de desenvolvimento se deu no PPGEM - Programa de Pós Graduação em Educação Matemática do Câmpus de Rio Claro, da Unesp - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tal pesquisa está inserida na linha de pesquisa "Relações Entre História e Educação Matemática" sob a orientação Professora Dra. Arlete de Jesus Brito. Seus resultados se materializaram nesta tese que, a princípio, tinha como título "O Estruturalismo na História da 4 Atualmente Ensino Fundamental de 1º ao 5º ano. 5 Na década de 1970, entrou em vigor a Lei de Diretrizes e Base da Educação nº 5692 e a terminologia "Ginásio" deixa de ser usada. 24 Educação Matemática: O SMSG e o Ginásio no Brasil", mas ao longo do desenvolvimento da pesquisa, em virtude do caráter dinâmico da mesma, alguns "leques" foram se abrindo, redirecionando o foco para além do que havíamos, de início, vislumbrado. Assim sendo, nosso percurso nos conduziu à alteração do título proposto inicialmente, o qual passou a configurar como "O Estruturalismo em Livros Didáticos: SMSG e Matemática - Curso Moderno". A sigla no título aponta para uma investigação acerca das propostas de um Grupo formado no final da década de 1950 nos Estados Unidos, o SMSG - School Mathematics Study Group, que visava a melhoria da aprendizagem Matemática naquele país, produzindo livros didáticos de Matemática que teriam influenciado o ensino de Matemática em vários países, inclusive no Brasil. Iniciamos nossa investigação pela história dos Movimentos Modernizadores do Ensino da Matemática ao redor do mundo no contexto marcado pelo período da Guerra Fria e da formação de alguns grupos constituídos para propor reformulações da Matemática em alguns países. Destacamos alguns personagens, dentre eles, Jean Dieudonné (1906-1992), membro do Grupo Bourbaki, constituído em 1934 na França, o qual produziu um total de onze livros apresentando uma Matemática única, com base na “estrutura”; e Edward Griffith Begle (1914–1978), diretor do SMSG - School Mathematics Study Group, constituido em 1958, financiado pela NSF - National Science Foundation, na Universidade de Yale nos Estados Unidos da América, responsável pela produção de livros de Matemática para serem testados e utilizados nas escolas norte americanas. Em colaboração com a Pan American Union e financiados pela NSF - National Science Foundation, o Brasil, na década de 1960, enviou dois professores aos Estados Unidos para tomarem conhecimento da proposta de reformulação do ensino que estava sendo empreendida naquele país. Com o objetivo de fazerem os cursos do SMSG, conhecer sua filosofia, adaptá-la e implantá-la no Brasil. Foram para os EUA, os professores Osvaldo Sangiorgi e Lafayette de Moraes De acordo com Valente (2008) o professor Osvaldo Sangiorgi participou do "Summer Institute for High School and College Teachers of Mathematics" - Curso de Verão para Professores de Cursos Secundário e Superior de Matemática, realizado pelo Departamento de Matemática da Universidade de Kansas, na cidade de Lawrence, nos Estados Unidos, no período entre junho a agosto de 1960. Quando retornou ao Brasil, empunhou a bandeira da Matemática Moderna, promoveu uma 25 campanha na mídia em favor do Movimento e reformulou por completo sua coleção de livros didáticos para o Ginásio. Fundou o GEEM, o qual teve sua proposta inspirada na existência do SMSG e passou a ser o propulsor do Movimento6 Modernizador do Ensino da Matemática no Brasil. Autor consagrado de livros didáticos de Matemática para os ginásios pela Companhia Editora Nacional, em meados de 1963, Osvaldo Sangiorgi lançou sua nova coleção com o título Matemática - Curso Moderno para os ginásios, com a qual obteve ainda mais sucesso editorial e foi um dos vetores de divulgação do MMM no Brasil. Também na década de 1960, o professor Lafayete de Moraes foi para Nova York na Fourdan University e fez o curso diretamente no SMSG, onde estavam sendo desenvolvidos os livros didáticos do Grupo e voltou ao Brasil com o compromisso de debruçar-se na tradução e na divulgação dos textos do SMSG, contando com o apoio, nas traduções, da professora Lydia Condé Lamparelli. De acordo com Valente (2008), naquele período, no Brasil, propôs-se uma nova estruturação do ensino de Matemática a partir do primeiro ano do curso secundário (ginásio)7, o que resultou em uma transformação da matemática enquanto disciplina escolar. Entretanto, para esse autor, a iniciativa de introduzir a Matemática Moderna no Brasil, a partir do ginásio, criou expectativas em relação a outro nível escolar: o colégio. Assim sendo, esse autor pesquisou o que ocorreu nas séries finais do ensino secundário brasileiro relativamente à introdução do MMM, tratando da investigação da trajetória da coleção “Matemática – Curso Moderno – 2º. Ciclo” escrito pelos professores Osvaldo Sangiorgi, Renate Watanabe e Jacy Monteiro. Valente (2008) considera que a análise do caminho seguido por essa coleção permitiu iniciar uma problematização de como se deu a configuração de uma nova matemática escolar para as últimas séries do ensino secundário (colégio). 6 No Brasil, o Movimento Modernizador de New Mathematics foi denominado "Movimento da Matemática Moderna" e ficou conhecido pela sigla MMM. Expressou-se a partir do ginásio, na época, as quatro primeiras séries do ensino secundário. Com a criação do grupo GEEM – Grupo de Estudos do Ensino da Matemática, sob a liderança do Professor Oswaldo Sangiorgi, autor pioneiro de livros didáticos de Matemática para o ginásio, os quais incorporaram o MMM entre os anos de 1960 e 1970. 7 Para situar o leitor, estabelecemos aqui uma comparação entre os níveis educacionais do ensino americano da época, a qual estamos recortando na história, e os níveis educacionais do Brasil, incluindo modificações a partir de 2010:  Elementary School - 4º ao 6º graus - Equivale ao Ensino Fundamental Ciclo I - 1º ao 5º anos  Junior High School - 7º e 8º graus - Equivale ao Ensino Fundamental Ciclo II - 6º ao 9º anos  High School - Equivale ao Ensino Médio - 1ª a 3ª séries. 26 Entretanto, constata que o professor Oswaldo Sangiorgi não obteve sucesso editorial, pelo menos como autoria individual, no colégio, como o obteve no Ginásio. Concomitantemente, a iniciativa de introduzir a Matemática Moderna no Brasil, a partir do Colégio, se deu por meio das traduções dos livros norte americanos produzidos pelo SMSG, trazidos pelas mãos do professor Lafayette de Moraes por ocasião da sua ida aos Estados Unidos no ano de 1963. Com auxílio da Professora Lydia Condé Lamparelli, as traduções objetivavaram a adaptação das obras da série Mathematic for High School - Volumes I e II, os quais, nos Estados Unidos, eram destinados aos 9º, 10º, 11º e 12º graus. No Brasil, estas traduções foram configuradas em três livros que compuseram o Ensino Colegial e foram denominados Matemática - Curso Colegial, Volumes I, II e III. Posteriormente, foram traduzidas as obras da série Mathematics for Junior High School - Volume I, parte I, Volume I parte II, Volume II parte I e Volume II parte II, sucessivamente. Estas traduções foram configuradas em quatro livros que compuseram o Ensino Ginasial e foram denominados Matemática - Curso Ginasial - Volumes I, II, III e IV. Os materiais traduzidos e adaptados foram produzidos pelo IBECC - Instituto Brasileiro de Educação Ciência e Cultura e começaram a circular no Brasil a partir de 19648. Em nossa pesquisa, optamos pelo nível ginasial por entendermos que para abranger todo o projeto do SMSG, bem como das obras de Osvaldo Sangiorgi, incluindo o curso colegial, seria demasiado para um recorte conciso e claro. Ademais, Valente (2008) já realizou trabalho com as obras do SMSG - curso colegial. A decisão de analisar apenas o primeiro volume de cada uma das duas coleções, os quais correspondem à primeira série do Ginásio, foi proveniente de acordo comum entre os membros que compuseram a Banca do Exame Geral de Qualificação ao qual este trabalho foi submetido, pelo mesmo motivo. Nossa pesquisa, portanto, se limitou às Coleções Brasileiras:  SMSG - Matemática - Curso Ginasial - traduzida e adaptada pelo professor Lafayette de Moraes;  Matemática - Curo Moderno para os Ginásios - elaborada pelo professor Osvaldo Sangiorgi. 8 De acordo com Oliveira Filho (2009, p.54) foram traduzidos cerca de treze Volumes produzidos pelo SMSG. 27 Com a intenção de analisar as propostas do ensino de Matemática do primeiro Volume do SMSG - Matemática - Curso Ginasial e do primeiro Volume do Matemática - Curo Moderno para os Ginásios, pretendemos verificar de que maneira o estruturalismo esteve presente nestas obras. Assim, esta tese tem como objetivo:  Analisar de que modo o estruturalismo esteve presente no primeiro Volume da obra SMSG - Matemática curso ginasial e no primeiro Volume da obra Matemática - Curso Moderno para os Ginásios. 1.2 Pressupostos Metodológicos Entre as várias metodologias para a análise de livros didáticos, uma que tem sido destacada e adotada em alguns trabalhos recentes se define como Hermenêutica9 de Profundidade, convencionalmente denotada por (HP). Entre os trabalhos já desenvolvidos que utilizam essa metodologia ressaltamos a dissertação de mestrado defendida por Oliveira (2008), a qual apresenta um mapeamento, do ponto de vista metodológico, das produções em Educação Matemática que enfocam a análise de textos didáticos. Esse autor apresenta um estudo com a intenção de se constituir em um referencial que possa dar suporte à análise de textos didáticos, caracterizando essa modalidade de texto escrito como “forma simbólica”, conforme as diretrizes enunciadas por Thompson (1995). A partir desse estudo, Oliveira (2008) explicita uma elaboração histórico-filosófica do conceito de “formas simbólicas” e apresenta algumas conjecturas teóricas para, a partir da Hermenêutica de Profundidade (HP), discutir possibilidades metodológicas para a análise de livros didáticos10 voltados ao ensino de matemática. No capítulo em que ele denomina "Estudo Três", com o título A produção sobre livros didáticos a partir de alguns grupos de pesquisa em história e educação matemática o autor ressaltou a importância no processo de análise de livros didáticos, evidenciando os traços que são homogêneos às produções desenvolvidas e assumidas por esse coletivo que é 9 Segundo Abbagnano (2007) o termo hermenêutica refere-se à qualquer técnica de interpretação. Essa palavra é frequentemente usada para indicar a técnica de interpretação da Bíblia. Dicionário de Filosofia Nicola Abbagnano (2007, p. 497). Cardoso (2013, p.3) define Hermenêutica de Profundidade (HP) como um referencial metodológico desenvolvido por Thompson (2000) especialmente para analisar discursos veiculados em meios de comunicação de massas. Trata-se de uma análise cultural – análise de formas simbólicas. 10 O autor denomina esses livros didáticos como manuais. 28 denominado de “grupo". A partir desses princípios, procurou compreender o que grupos de pesquisa em Educação Matemática entenderam por análise de textos didáticos e como desenvolveram suas investigações já finalizadas e tornadas públicas. Para identificar tais grupos, o autor recorreu à base de dados do “Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil” do CNPq utilizando as palavras-chave “História”, “Educação Matemática” e “Livro Didático”, “Livros Didáticos” (no plural), encontrou sete Grupos que, trabalhando em Educação Matemática, se inseriam numa linha de pesquisa que tinham, dentre seus temas, a análise de livros didáticos de matemática. Das fontes selecionadas emergiram 22 trabalhos entre Teses, Dissertações, Artigos e Livros, os quais, o autor considera uma amostragem relevante do que foi produzido no Brasil sob o enfoque da análise histórica de livros didáticos de Matemática. Como resultado de sua pesquisa, Oliveira (2008), embora afirme não ter a pretensão de julgar os trabalhos estudados, sente a necessidade de expor algumas compreensões possibilitadas por seu estudo. A primeira diz respeito à homogeneidade das referências bibliográficas apresentadas nos trabalhos de cada um dos grupos por ele estudados. As repetidas referências a autores como Gert Schubring, Circe Bittencourt, Wagner Valente, Maria Ângela Miorim, Antonio Miguel, Roger Chartier e Alain Choppin, aponta para uma tentativa de desenvolver pesquisas que se enquadram num viés “mais contemporâneo” de concepção de História, enfocando questões próprias da cultura e da sociedade. Nos textos de Gert Schubring, assim como em trabalhos de História da Matemática, como as obras de Carl Boyer, os pesquisadores têm buscado informações acerca do contexto em que as obras didáticas foram produzidas, as questões culturais que envolvem a transmissão do conhecimento e a relação entre a História da Matemática e a Educação Matemática. Roger Chartier, Alain Choppin e André Chervel também são citados. A abordagem histórica11 abarca quase todos os trabalhos estudados. A segunda é uma crítica que se direciona aos tipos de análise frente ao livro didático de matemática que o autor identificou: a pragmática e a histórica. Esse autor 11 A expressão “Abordagem histórica” Segundo Oliveira, (2008, p. 206) merece alguns cuidados. Todo trabalho acadêmico, segundo ele , é histórico já que demarca e representa um tempo específico (estando nele enraizado), tem temporalidade. Caracteriza uma abordagem histórica (ou viés histórico) em um trabalho, a postura assumida pelo seu autor. Enquadram-se nesse viés, pesquisas que se proponham considerar, preponderantemente, elementos historiográficos, estudando resquícios do passado a que temos acesso, ou que contribuam para a constituição de uma narrativa histórica em sentido estrito. 29 explicita o termo "pragmático" e o termo "histórico" alinhando-se aos seus objetivos de pesquisa. De modo algum caracterizar uma análise como pragmática significa, aqui, caracterizá-la como técnica ou como dissociada de uma reflexão. Por “pragmático” entendemos, sim, algo que visa a um objetivo específico, até mesmo direto, mas que não necessariamente negligencia um pensar teórico, reflexivo, de natureza filosófica. Uma análise será chamada “pragmática” quando for desenvolvida visando, mais diretamente, à utilização do material analisado (no caso deste nosso tema, a análise pragmática do livro didático de matemática visa fundamentar alguém – um professor, um leitor, um estudante, um pesquisador – quanto ao uso do material analisado para suas experiências cotidianas, sugerindo possibilidades de utilização e/ou complementações). O adjetivo “histórico”, que nomeará outra forma de abordagem nas análises de livros didáticos, evidencia que onde há temporalidade e registro há, de alguma forma, história, portanto, todas as análises de livros didáticos são “históricas”. (OLIVEIRA, 2008, pp.207-208). Para Oliveira (2008), os trabalhos que apresentam uma função “pragmática” têm por objetivo, a sala de aula. Seu interesse é intervir no processo de ensino- aprendizagem e considera o livro didático um instrumento importante, se não o principal, desse processo. Alguns trabalhos reconstituem o histórico de uma abordagem, ou ainda, de um tema ou conteúdo matemático, com a finalidade de propiciar subsídios didáticos para seu ensino. Normalmente, porém, os trabalhos que têm esse objetivo, pouco articulam as informações acerca da História da Matemática e da Educação Matemática com o conteúdo dos livros didáticos e não são estabelecidas conexões entre os conteúdos apresentados nas obras com as condições sociais e educacionais vigentes à época de sua produção ou utilização. Os trabalhos que apresentam uma função “histórica” têm por objetivo contribuir para a escrita de uma História da Educação Matemática. Nesse sentido, esse autor constata em seus estudos as possíveis contribuições da análise de livros didáticos: estudo do ensino em uma instituição, a matemática escolar praticada por uma comunidade em determinado período, a escolarização de uma disciplina, a disciplinarização de um conteúdo, as mudanças provocadas por uma reforma educacional, a caracterização de um período da escolarização e os que reconstituem as diferentes abordagens para o ensino de um conteúdo matemático propostas no decorrer do tempo para ser fonte de recursos didáticos para o ensino atual. 30 Oliveira (2008) assevera que a maioria dos trabalhos por ele analisados não apresenta explicitamente discussões metodológicas - aqueles quando o fazem, baseiam-se, normalmente em Laurence Bardin, Seiji Hariki e Eni Orlandi - e o fato de todos se utilizarem de descrições (de partes) das obras didáticas e não de análise é uma constatação. Percebe também uma estrutura estável nas teses e dissertações, nas quais os capítulos são desarticulados, essencialmente descritivos, sendo apenas um deles acerca da “Análise de Livros Didáticos”. Nas “Considerações Finais”, por fim, são apresentadas, algumas vezes, relações entre o histórico e a “análise”. Essa desarticulação se deve ao fato de os pesquisadores não considerarem o histórico como parte da “análise”. Com os resultados alcançados por Oliveira (2008) e consequentemente com as críticas por ele estabelecidas, vislumbra-nos o desafio de atingir os objetivos de nossa pesquisa, assim, situamos a (HP) como uma alternativa metodológica para fundamentar nossa pesquisa, concebendo nosso objeto de análise (os Livros Didáticos do SMSG, traduzidos para o português com o título - Matemática curso ginasial e os Livros da Coleção Matemática - Curso Moderno para os Ginásios) como "Formas Simbólicas", segundo definição de Thompson (1995)  As formas simbólicas são construções carregadas de registros de significados produzidos em condições espaço-psíquico-temporais específicas – e impossíveis de serem identicamente reproduzidas – de um autor. Cardoso (2013) define Formas Simbólicas como ações, falas, imagens e textos produzidos e reconhecidos como significativos para os sujeitos envolvidos nos contextos de produção, emissão e recepção. De acordo com Oliveira (2008), os livros didáticos “[...] são tidos como detentores de muitas informações acerca do ensino de matemática àquela época, sendo, portanto, de grande importância para a compreensão do ensino de matemática do período em que foram utilizados". (OLIVEIRA, 2008, p.58). Para analisar livros didáticos, Oliveira, (2008) considera pertinente mobilizar o referencial metodológico apresentado por Thompson, o da análise das Formas Simbólicas. Segundo esse autor as formas simbólicas são caracterizadas por cinco aspectos: 31 1º - Aspecto Intencional: As formas simbólicas são produzidas por e para um sujeito e/ou uma comunidade específica, obedecendo a conjuntos de regras específicos carregados de intenções. Para Thompson (1995) as Formas Simbólicas podem ser percebidas como produzidas por alguém com uma intencionalidade. Dessa maneira, considera que mesmo fenômenos naturais podem ser considerados como formas simbólicas, desde que os sujeitos que as recebem considerem a existência de um sujeito que as produziu. Assim, toda produção humana – dentre elas os livros didáticos – pode ser considerada como Forma Simbólica sendo, portanto, passível de interpretação. Os livros didáticos, nesse sentido, são produzidos por um autor com determinadas intenções, que podem ser passíveis de várias interpretações, como por exemplo, auxiliar no processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Os livros didáticos do SMSG, nesse sentido, foram produzidos por um Grupo de professores dos Estados Unidos da América com a intenção de melhorar e fortalecer o currículo de Matemática das escolas americanas e apresentar uma proposta metodológica para auxiliar no processo de ensino e aprendizagem desta ciência. As traduções feitas pelo Professor Lafayette de Moraes, da obra do SMSG, carregam o ideal americano na intenção de adaptá-lo à realidade educacional brasileira, com os mesmos objetivos de intervir na melhoria do currículo e no processo ensino e aprendizagem da Matemática. Os livros produzidos pelo Professor Osvaldo Sangiorgi, além destas mesmas intenções, traziam consigo a intenção de se tornarem referência no mercado editorial brasileiro e, portanto, a intenção financeira. 2º - Aspecto Convencional: Uma forma simbólica é uma expressão humana que se dá por meio de técnicas que obedecem a convenções para possibilitar sua comunicação, ou seja, que outras pessoas as compreendam. Segundo Thompson (1995), A produção, construção ou emprego das formas simbólicas, bem como a interpretação das mesmas pelos sujeitos que as recebem, são processos que, caracteristicamente, envolvem a aplicação de regras, códigos ou convenções de vários tipos. (THOMPSON, 1995, p.185). 32 No processo de interpretação para a tradução da obra SMSG, o conhecimento profundo da língua original do livro foi um aspecto importante para que o Professor Lafayette pudesse compreender a obra, concordamos com Oliveira (2008), que, No processo de interpretação, o aspecto convencional é parte da análise que poderíamos chamar de “análise interna” da obra. No caso dos livros didáticos estrangeiros, por exemplo, que tanto influenciaram o início da escolarização no Brasil, o conhecimento profundo da língua original do livro é um aspecto importante para a compreensão da obra. A própria linguagem matemática possui sua convenção bem estruturada que requer habilidade para ser interpretada. (OLIVEIRA, 2008, p.35). 3º - Aspecto Estrutural: Os elementos internos de uma forma simbólica são estruturados, possibilitando a compreensão e a relação entre os mesmos, As formas simbólicas possuem elementos internos que são convenientemente estruturados e não simplesmente justapostos. “O livro didático possui aspectos estruturais de apresentação dos conteúdos, da resolução de exemplos e da proposta de exercícios, de metáforas e de ilustrações, de métodos didáticos e pedagógicos que são importantes para a análise” (OLIVEIRA, 2008, p. 36). Além destes, enunciados por Oliveira (2008), a maioria dos livros didáticos possui aspectos estruturais de diagramação, uso de cores, forma de apresentação da ficha catalográfica, do autor, da editora, dos prefácios, do índice, do conteúdo distribuído em capítulos, estes em tópicos, gráficos e ilustrações, sessões de exemplos, de exercícios propostos, de resumo da matéria estudada, de problemas desafios, de respostas aos exercícios propostos e referências bibliográficas. 4º - Aspecto Referencial: As formas simbólicas se referem a algo e junto à intenção do autor está sempre o objeto de sua manifestação. A estrutura do objeto pode, porém, induzir o leitor a um determinado rol de possibilidades interpretativas que, segundo Oliveira (2008), O objeto matemático compõe o referencial do livro didático, mas é apenas uma de suas faces. Unidos a ele, os aspectos pedagógicos e didáticos compõem a matéria a que se referem os livros didáticos. O livro didático se refere ao conteúdo matemático e às possibilidades metodológicas para o seu ensino. Dessa forma, o objeto referencial 33 do livro didático de matemática é, ou é por nós pensado como sendo, a educação matemática (OLIVEIRA, 2008, p.36) O referencial das coleções do SMSG e do Osvaldo Sangiorgi é, portanto, o conteúdo matemático e as possibilidades metodológicas para o seu ensino na primeira série ginasial na época. 5º - Aspecto Contextual: Para Thompson (1995) o contexto social em que a forma simbólica está inserida influencia na sua produção e para compreendê-la é necessário entender os aspectos contextuais do espaço e do tempo em que as mesmas foram produzidas. Dessa forma, para fazer uma leitura plausível de uma forma simbólica é necessário considerar o contexto em que a mesma foi produzida e/ou apropriada. No caso dos livros didáticos, além dos aspectos social, político e cultural, devem ser consideradas as teorias e políticas educacionais da época em que a obra foi elaborada e/ou publicada. Pelos aspectos descritos acima, concordamos com Oliveira (2008) o qual defende que os livros didáticos podem ser considerados como formas simbólicas e que são passíveis de diversas interpretações, além da obra em si, dos seus aspectos internos, os fatores sociopolíticos, econômicos e culturais da época em que tal livro foi publicado devem ser analisados. Com essa mesma metodologia, Silva (2013) desenvolveu sua Dissertação de Mestrado intitulada Os movimentos matemática moderna: compreensões e perspectivas a partir da análise da obra Matemática - Curso Ginasial do SMSG, junto ao Departamento de Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp, campus de Rio Claro - SP, concebendo os livros didáticos como formas simbólicas, mobilizando o referencial metodológico da Hermenêutica de Profundidade para interpretá-los. A autora também considera os aspectos formais e o contexto sócio-histórico em que foi produzida a obra que ela focou em seu estudo, buscando compreender e tecer considerações sobre como o contexto pode ter influenciado a elaboração da obra e vice-versa. Essa autora ressalta, ainda, que o processo hermenêutico se dá ciclicamente, ora se apropriando da abordagem discursiva, ora da abordagem sócio-histórica e a todo o momento o hermeneuta interpreta e reinterpreta a forma que tomou como seu objeto de investigação. Ressalta, ainda, que as duas abordagens (contextual e formal) não são, em si, a 34 análise da forma simbólica, mas sim o que ela denomina pré-análises, pois os movimentos analíticos que compõem a HP não ocorrem de forma linear e, portanto, não se pode afirmar que um ocorre após o outro. Assim, a autora utiliza o termo pré- análises para se referir aos momentos de escrita e organização dessas análises que, ao serem “problematizadas” e “interligadas” pelo hermeneuta, formarão uma análise possível do objeto interpretado. Uma análise possível, pois, segundo a autora, uma forma simbólica possibilita diversas interpretações e mobilizações plausíveis, que dependem de quem, quando e como lê-la. Cardoso (2013), em suas investigações, aponta que as metodologias Hermenêutica de Profundidade e Paratextos Editoriais mostraram-se bastante profícuas para a compreensão de documentos relacionados à Educação Matemática. Segundo essa autora, a Hermenêutica de Profundidade teve uma participação bastante tímida na Educação Matemática até o momento em que sua tese foi elaborada, em 2009. A autora levanta alguns trabalhos que foram realizados com essa metodologia, no âmbito do Grupo de Pesquisa “História, Filosofia e Educação Matemática – HIFEM” da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, orientados pelo professor Antonio Miguel: Cardoso (2009), Gomes (2008), Bonetto (2008). Outros foram desenvolvidos no Grupo História Oral e Educação Matemática - GHOEM, orientados pelo professor Antonio Vicente M. Garnica, na UNESP, nos câmpus de Bauru e de Rio Claro: Rolkouski (2006), Oliveira (2008)12, Silva (2010)13, Andrade (2012), Oliveira (2011) e a pesquisa de doutorado de Rafael Montoito, concluída em 2013, que elaborou uma tradução crítica da obra Euclid and His Modern Rivals, de Lewis Carroll. Cada um deles se apropriou da HP de uma forma diferente, construindo um referencial de análise e de interpretação próprio. O referencial metodológico da Hermenêutica de Profundidade consiste em três movimentos analíticos, os quais Thompson denomina "dimensões": a dimensão sócio-histórica, a dimensão formal ou discursiva e a interpretação-reinterpretação. 12 Já citado 13 Já citado 35 1.2.1 Primeira Dimensão da HP - Análise Sócio-Histórica A primeira dimensão é chamada de "análise sócio-histórica" e tem como objetivo reconstruir as condições sociais e históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas, em outras palavras, se concentra no estudo do contexto em que as formas simbólicas (as obras) foram produzidas e apropriadas. Formas simbólicas não subsistem num vácuo, elas são produzidas, transmitidas e recebidas em condições sociais e históricas específicas. (...) O objetivo da análise sócio-histórica é reconstruir as condições sociais e históricas da produção, circulação e recepção das formas simbólicas. (THOMPSON, 1995, p.366). Na Análise Sócio-Histórica, Thompson (1995) destaca alguns pontos a serem observados, bem como seus objetivos:  Situações Espaço-Temporais: Identificar e descrever as situações espaços-temporais em que as formas simbólicas são produzidas e recebidas.  Campos de Interação: Analisar o campo de interação das formas simbólicas: trajetórias que determinam como as pessoas têm acesso às oportunidades de usar as formas simbólicas - emprego dos recursos disponíveis, esquemas tácitos de conduta, convenções, conhecimento próprio inculcado nas atividades cotidianas.  Instituições Sociais: Analisar as instituições sociais, isto é, as regras e os recursos em uso nas relações sociais. Examinar as práticas e as atitudes das pessoas que agem a favor da instituição social.  Estrutura Social: Analisar as estruturas sociais: estabelecer critérios e categorias para examinar as diferenças da vida social.  Meios Técnicos de Construção e Transmissão: Examinar os meios técnicos de constituição de mensagens e como eles são inseridos na sociedade. 36 1.2.2 Segunda Dimensão da HP - Análise Formal ou Discursiva A segunda dimensão é chamada "análise formal ou discursiva" e leva o hermeneuta a considerar os aspectos “internos” da obra analisada, seu conteúdo bem como os paratextos. Para entendermos o termo paratexto recorremos à obra intitulada Paratextos Editoriais (2009)14 originalmente em francês Seuils [1987], na qual Gérard Genette procede ao estudo das relações transtextuais e define uma dessas categorias, a paratextualidade ou transcendência textual do texto, como “aquilo por meio de que um texto se torna livro e se propõe como tal a seus leitores, e de maneira mais geral ao público” (p.9). Tal conceito compreende o texto em íntima ligação com uma estrutura que o envolve e contribui para que tome forma e produza sentidos. A palavra paratexto é composta do prefixo grego para, que designa, semanticamente, uma modificação da palavra texto. Conforme a etimologia de origem, tal prefixo indica algo que se coloca perto de, ao lado de; pode ser usado para exprimir a ideia de tempo, duração. Algo que acontece paralelamente a outra coisa. Na composição da palavra paratexto tem-se uma organização textual que se coloca ao lado de uma outra, com a qual mantém uma relação direta, não de dependência, mas de continuidade. Para Genette (1982), os elementos constitutivos do paratexto são: Título, subtítulos, intertítulos; prefácios, preâmbulos, apresentação, notas marginais, de rodapé, de fim; epígrafes; ilustrações; dedicatórias, tira, entre outros. O paratexto caracteriza-se por possuir uma força discursiva que pode ser determinada em cada caso específico. Um elemento do paratexto pode comunicar uma simples informação, uma intenção ou mesmo uma interpretação. A instância cuja força ilocutória é mais rica e imediata é o título, mas, também o prefácio se oferece, muitas vezes, como um dispositivo criador de regras, de compromissos, de expectativas e até de interpretações fornecidas previamente que condicionarão a leitura. De acordo com Cardoso (2009), as formas simbólicas têm uma estrutura interna articulada que facilitam ou não a mobilização do significado. A análise formal ou discursiva pode ser feita por uma análise semiótica ou pela análise do discurso. 14http://www.pgletras.uerj.br/palimpsesto/num10/resenhas/palimpsesto10_resenhas01.pdf, acesso em 09/07/2013. 37 Na análise semiótica estuda-se as relações que compõe o signo e as relações entre o signo e o sistema mais amplo em que ele está inserido. Na análise do discurso estuda-se as características estruturais do discurso, por meio da:  Análise da conversação  Análise sintática: analisa como as formas gramaticais atuam no cotidiano nos processos de nominalização e / ou passivização  Análise da estrutura narrativa: identifica os padrões de um conjunto de narrativas  Análise argumentativa: identifica as cadeias de raciocínio que levam um tema a outro. Mapeia as afirmações de um discurso em termos de operadores lógicos: implicações, contradições, pressupostos, exclusões, entre outros. A análise do discurso envolve a reflexão acerca das condições de produção dos textos analisados, as quais, de acordo com Orlandi (1987), o situam em um contexto histórico-ideológico mais amplo. Essa autora defende que a análise de discurso busca desvendar os mecanismos de dominação que se escondem sob a linguagem, não se tratando nem de uma teoria descritiva, nem explicativa, mas com o intuito de constituir uma proposta crítica que problematiza as formas de reflexão anteriormente estabelecidas. Para nossa análise interna, formal ou discursiva, estamos concebendo os textos matemáticos na sua forma escrita, seus enunciados, como discursos. Entendemos discurso, como queria Foucault (1972, pp.108-109 e p. 135) apud Brito (1999, p. 10) como sendo “um conjunto de enunciados que provém de um mesmo sistema de formação” e enunciado como sendo “uma função de existência que pertence, em particular, aos signos, e a partir da qual, pode-se decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se ‘fazem sentido’ ou não, segundo que regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra efetivado por sua formulação (oral ou escrita)”. Ainda pode-se entender que “discurso” não se limita à fala, mas se estende a toda forma de comunicação possível, seja um texto escrito, uma pintura, uma obra de arte, uma música e, em particular, no nosso caso, o discurso Matemático contido nos livros traduzidos das 38 produções originais do SMSG, e nos livros da coleção Matemática - curso moderno, com seus enunciados e proposições específicos. Esse material constitui os documentos de nosso trabalho. Para definirmos documento, recorremos à Michel Foucault, mais especificamente em A Arqueologia do Saber, em que o autor inicia seu texto mencionando que os historiadores começaram a dar uma preferência à longa duração há algumas dezenas de anos antes de 1970 (com os Annales), sobrepondo assim, suas pesquisas em relação aos tradicionais objetos da escola metódica15, tais como os acontecimentos políticos e seus episódios. Há, segundo esse autor, uma distinção que precisa ficar muito clara para o historiador, esta mudança deve residir na relação entre o documento e o monumento. Se antes, os historiadores viam no documento, algo dado, pronto, factual, é preciso que se mude a postura, e que se questione o documento. Digamos, para resumir, que a história, em sua forma tradicional empreendia “memorizar” os monumentos do passado, transformá-los em documentos, e fazer falar estes traços que, por si mesmos, raramente são verbais, ou dizem em silêncio coisa diversa do que dizem; em nossos dias, a história é o que transforma os documentos em monumentos, e o que, onde se decifravam traços deixados pelos homens, onde se tentava reconhecer em profundidade o que tinha sido, desdobra uma massa de elementos que se trata de isolar, de agrupar, de tornar pertinentes, de estabelecer relações, de constituir conjuntos (FOUCAULT, 1971, p.14). A postura em relação ao documento deve ficar muito clara, este deve ser “organizado, recortado, distribuído, posto em séries, desconstruído”. Para esse autor, o material principal do historiador é o documento e este não é mais esta matéria inerte a partir da qual a história trata de reconstruir pelo que os homens tenham dito e feito, agora se busca definir o tecido documentário segundo suas unidades, seus conjuntos, suas séries e suas relações. Entendemos que nossos documentos, os livros didáticos do SMSG e os livros didáticos de Osvaldo Sangiorgi, podem ser considerados, na perspectiva da hermenêutica da profundidade, como "formas simbólicas", como queria Thompson (1995) 15 Segundo Dosse (2001, p. 213) para Michel Foucault, a historiografia metódica é aquela que investiga e visa memorizar os monumentos, que são, nada mais do que, grandes feitos, eventos importantes, episódios do passado, de tal forma que, os transformam em documentos oficiais (livros, textos, narrações, registros). 39 1.2.3 Terceira Dimensão da HP - Interpretação/Reinterpretação Nesta terceira dimensão de análise, concebendo os livros didáticos analisados como formas simbólicas, de certa forma estamos considerando que eles sejam veículos de comunicação de massa, no sentido de atingir pessoas específicas situadas em contextos sócio-históricos específicos e, portanto, carregados de ideologias. É neste momento que tentamos entender o que foi dito pelas formas simbólicas tentando também desvendar as construções simbólicas e as relações de poder, como queria Thompson. A terceira dimensão é a interpretação/reinterpretação e se configura mais em uma síntese do que em uma fase da análise propriamente dita, é o movimento que se promove por meio da reflexão sobre os dados obtidos anteriormente, das convergências e divergências detectadas entre os elementos construídos pela aplicação dos movimentos analíticos anteriores, a análise sócio-histórica e a análise formal ou discursiva. É nesse momento que as relações entre a produção e as formas de produção, as influências do contexto sociopolítico que interferiram no produto final, o livro didático, devem ser construídas. Não apenas nessa fase, mas muito fortemente nela, as relações ideológicas, as formas como o sentido é empregado para estabelecer e sustentar relações de poder, podem ser identificadas. (OLIVEIRA, 2009, p.43). Para Silva (2013), esse é um momento da análise que se faz na relação entre as análises anteriores, podendo ser, ainda, um arremate do processo interpretativo. No caso dos livros didáticos, é nesse momento que se devem evidenciar as intenções manifestadas pelo autor e o modo como, segundo as compreensões do hermeneuta, essas intenções chegaram aos seus leitores e se transformaram em práticas escolares. A análise da forma simbólica, no processo metodológico da HP, constitui-se quando olhamos para os seus aspectos internos e contextuais e conseguimos tecer relações entre eles, valendo-nos de um para compreender o outro. Esse movimento de análise desenvolve-se durante a Interpretação/Reinterpretação, que, por sua vez, não ocorre de forma independente dos outros movimentos, nem é meramente posterior a eles, mas percorre todo o processo analítico. (SILVA, 2013, p.30). 40 Essa autora considera esse momento como sendo o diferencial metodológico das investigações que mobilizam a HP em relação às pesquisas que, apesar de ressaltar o contexto das obras que analisam, não tecem relações entre o contexto e os aspectos internos das obras. Para Cardoso (2013) nesta terceira dimensão tem-se a síntese, a interpretação ou reinterpretação. Trata-se de construir / reconstruir os significados do discurso. É entender o que foi dito através das formas simbólicas. É desvendar a conexão entre as construções simbólicas e as relações de poder. De acordo com Cardoso (2013), a mobilização da metodologia apresentada acima tem se mostrado eficiente para a análise de livros didáticos, entretanto, Thompson (1995), ao discorrer e defender o referencial que propõe, comenta que o modo de operacionalização das fases de análise e a eficiência dessa operacionalização depende do pesquisador. Coloca ainda que, apesar de recomendar e defender esse referencial, acredita que ele, por si só, em alguns casos, não dá conta de responder perguntas a priori e que, no decorrer do exercício interpretativo, outros métodos podem surgir, sendo alguns mais adequados que outros, dependendo do objeto específico de análise e das circunstâncias da investigação. 1.3 Levantamento dos Documentos e distribuição do trabalho A primeira fase da pesquisa consistiu em um levantamento bibliográfico acerca dos temas nesta envolvidos. Essa coleta de literatura específica se deu por meio de incursões em bibliotecas, centros de memória, bibliotecas de obras raras; por indicações dos participantes do nosso Grupo de estudos HIFEM - História e Filosofia da Educação Matemática, do Professor Wagner Rodrigues Valente16, coordenador do GT-8, por ocasião da apresentação do Projeto de Pesquisa no XV EBRAPEM - Encontro Brasileiro de Estudantes de Pós-Graduação em Educação Matemática realizado em 2011; por indicação da Professora Ivete Baraldi, parecerista do Projeto de Pesquisa apresentado ao PPGEM por ocasião da 16 O Professor Wagner Rodrigues Valente, na ocasião, me presenteou com o texto "original" do Professor Wiliam Wooton, de 1965, o qual conta a história dos quatro primeiros anos do SMSG. Wiliam Wooton participou da primeira sessão de escrita do SMSG, na Universidade de Yale nos Estados Unidos no ano de 1958. Este texto muito contribuiu para a confecção da primeira parte do segundo capítulo desta tese. 41 atividade inaugural em março de 2012 e, obviamente, indicações da minha orientadora Arlete de Jesus Brito. Feito esse levantamento e focando nosso objetivo, o qual a essa altura já se iluminava, fomos remetidos aos nossos documentos específicos para futura análise, a saber, primeiramente aos textos da coleção brasileira Matemática Curso Ginasial, os referidos volumes:  Matemática Curso Ginasial – Volume I  Matemática Curso Ginasial – Volume II  Matemática Curso Ginasial – Volume III  Matemática Curso Ginasial – Volume IV Os quais foram traduzidos integralmente dos títulos originais, produzidos pelo SMSG - School Mathematics Study Group e publicados pela Yale University Press, New Haven, EUA, respectivamente:  Mathematics for Junior High School, Volume I, Student's Text, Part I  Mathematics for Junior High School, Volume I, Student's Text, Part II  Mathematics for Junior High School, Volume II, Student's Text, Part I  Mathematics for Junior High School, Volume II, Student's Text, Part II No início da nossa pesquisa, não tínhamos esses livros originais em mãos. Depois de decorridos três anos do Doutorado, tivemos a notícia que a Professora Lourdes de La Rosa Onuchic havia doado a coleção completa do SMSG ao Professor Antônio Vicente Marafioti Garnica, mais especificamente para o GHOEM, pelo qual, tivemos acesso às obras que nos interessava, os quatro livros da coleção americana "Mathematics for Junior High School". Posteriormente, fomos remetidos aos textos da coleção Matemática - Curso Moderno para os ginásios, do professor Osvaldo Sangiorgi e editada pela Companhia Editora Nacional.  Matemática Curso Moderno – 1º Volume  Matemática Curso Moderno – 2º Volume  Matemática Curso Moderno – 3º Volume 42  Matemática Curso Moderno – 4º Volume Trabalhando com este “corpus”17, os resultados alcançados estão aqui distribuídos em capítulos, os quais, metodologicamente, seguem a ordem das três dimensões de análise da (HP) Hermenêutica de Profundidade propostas por Thompson (1995). O primeiro Capítulo intitulado "O CONTEXTO HISTÓRICO" se apropria da primeira dimensão da HP, a análise socio-histórica, incursionando pelos fatos ocorridos no período que marcaram os eventos do final da Segunda Guerra Mundial. Denominado de Guerra Fria, esse período foi caracterizado por um conflito ideológico entre os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, conflito que se iniciou em decorrência das tentativas das duas potências influenciarem outros países acerca de seus sistemas políticos, econômicos e militares. O período da Guerra Fria foi marcado pelo progresso associado às tecnologias de guerra contribuindo para uma maior desconfiança na ciência e na tecnologia como portadoras do progresso para a humanidade. Entretanto o mesmo episódio que assombrou o mundo e quase acabou com o planeta foi o motivador de grande parte do avanço científico e tecnológico do século XX, consequentemente, a mesma ciência que continuaria desenvolvendo armas, também beneficiaria a humanidade com muitos de seus subprodutos. Nos Estados Unidos, na década de 1950, despertou-se a necessidade de investimentos no ensino de ciências de nível médio em face da aparente superioridade dos soviéticos nas ciências. Houve uma movimentação em favor do currículo da escola secundária norte americana, em particular, nas disciplinas de Física, Química, Biologia e Matemática, com o objetivo de preparar melhor os estudantes, promovendo mudanças no conteúdo e nas metodologias de ensino. Os pensadores da comunidade matemática estavam descontentes com o quadro do ensino de Matemática nas escolas secundárias dos EUA, com base nos conteúdos dos cursos oferecidos e o no modo como tais conteúdos eram apresentados, para eles, os conteúdos oferecidos estavam em descompasso com a realidade. 17 Uma definição apresentada por Barthes do conceito de corpus segue na direção de "uma coleção finita de materiais, determinada de antemão pelo analista, com (inevitável) arbitrariedade, e com a qual ele irá trabalhar”. (BARTHES, 1967: 96) In: BAUER, M. W. E GASKELL, G. (2004. P.44). 43 Neste contexto começaram a surgir projetos em todo o país com o objetivo de melhorar o ensino de Matemática nas escolas, sobretudo as de segundo grau, a fim de elevar o nível dos que ingressam nas universidades. O maior e mais conhecido entre estes projetos desenvolvidos nos Estados Unidos foi o SMSG - School Mathematics Study Group, fundado em março de 1958 com o total apoio do governo americano e da National Science Foundation, o qual tinha como propósito a melhoria do ensino de matemática nas escolas norte americanas. O professor Edward Griffith Begle (1914–1978) foi diretor do SMSG para a origem e para as produções deste grupo, por ocasião dos encontros de verão, os quais ficaram conhecidos como "sessões de escrita". O SMSG produziu, ao longo de vários anos, livros-texto para vários níveis, os quais tiveram grande aceitação por parte dos educadores e foram traduzidos para diversos países. O tópico “O Movimento Modernizador em outros países” aponta que outros países se envolveram na movimentação em prol das reformas do ensino da matemática que em cada país se tornou conhecido por uma denominação semelhante, por exemplo, nos EUA, pela denominação New Mathematics, enquanto que, no Brasil, ficou conhecido pela expressão Movimento da Matemática Moderna e identificado pela sigla MMM. Esse é o assunto do tópico seguinte, o qual denuncia que o Brasil também se rendeu, aos "encantos da modernização". Ressalta a criação do IBECC - Instituto Brasileiro de Educação Ciência e Cultura e da "Aliança para o Progresso", um programa dos Estados Unidos da América, efetuado entre 1961 e 1970, com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico mediante a colaboração financeira e técnica em toda a America Latina. No Brasil. o grande financiador da Aliança para o Progresso foi a USAID - United States Agency for International Developement. Os acordos entre a USAID e o MEC - Ministério de Educação e Cultura no Brasil ficaram conhecidos pela sigla MEC/USAID. O tópico “Bolsa Norte Americana para dois Professores brasileiros”, relata as condições em que os professores Osvaldo Sangiorgi e Lafayette de Moraes foram enviados aos EUA por intermédio da NSF – National Science Foundation e da Pan American Union para fazerem Cursos de Verão, conforme já mencionamos. No segundo capítulo intitulado "ANÁLISE INTERNA DAS OBRAS" é empregado o segundo movimento analítico do referencial metodológico da Hermenêutica da Profundidade, a análise formal ou discursiva, a qual, leva o hermeneuta a considerar os aspectos internos da obra analisada. Como nosso 44 objetivo é verificar de que modo o estruturalismo esteve presente nestas duas obras, introduzimos este capítulo com o tópico fundamental "Estrutura e Estruturalismo" com uma aproximação das definições dos construtos "estrutura" e "estruturalismo", perpassando por alguns autores, cada qual em seu domínio, bem como pelas aplicações do estruturalismo nas áreas do conhecimento como a linguística, a antropologia e, sobretudo, a psicologia e a Matemática. O tópico "O estruturalismo segundo Piaget" evidencia as aproximações que Jean Piaget (1896-1980) traz entre as estruturas da mente e as estruturas da Matemática. Segundo esse autor, é impossível consagrar-se a uma exposição crítica do estruturalismo sem começar pelo exame das estruturas Matemáticas e vários dos conceitos adotados no estruturalismo de Piaget vieram da matemática, principalmente os desenvolvidos pelo grupo Bourbaki. Para Bourbaki, o princípio ordenador de seu trabalho era a concepção de uma hierarquia de estruturas, que vai do simples ao complexo. Portanto, adentrando, sobretudo, no estruturalismo da Matemática, o tópico "O Estruturalismo do Grupo Bourbaki" evidencia os grandes tipos de estruturas, as quais o Grupo denomina estruturas mães: as estruturas algébricas, as estruturas de ordem e as estruturas topológicas. Focamos aqui os "documentos" de nosso trabalho que, pela necessidade de um "recorte18", se limitam nos primeiros volumes de cada coleção. Em um primeiro momento, nos propusemos a uma análise interna do Volume I da Coleção brasileira do SMSG - Curso Ginasial, editada pela EDART - Livraria e Editora - São Paulo, em 1967, traduzida integralmente do Volume I - parte I da Coleção norte-americana SMSG - Mathematics for Junior High School, editada em 1960/1961 pela YALE University Press, New Haven, EUA. Em um segundo momento, nos propusemos a uma análise interna do primeiro volume da Coleção Matemática - Curso Moderno para os Ginásios, do professor Osvaldo Sangiorgi, editada em 1969 pela Companhia Editora Nacional, considerando os aspectos “internos”, seus conteúdos, bem como seus paratextos editoriais, nosso objetivo foi interpretá-los e verificar de que modo o estruturalismo esteve presente nestas duas obras. 18 Em nosso Exame Geral de Qualificação ficou estabelecido que trabalharíamos apenas com os primeiros volumes de cada coleção por entendermos ser impossível fazermos uma análise de cada um dos oito volumes e encerrá-los nesta tese. 45 Para tanto, separamos o corpus em subitens cuja apresentação não obedece à sequência linear na distribuição do conteúdo das obras analisadas. São elas:  Breve descrição de cada coleção seguida de breve descrição do Primeiro Volume correspondente,  Análise sob a ótica do Estruturalismo Matemático;  Análise sob a ótica do Estruturalismo Psicológico;  As diferenças entre as duas coleções de Osvaldo Sangiorgi e a coleção do SMSG. Finalizando este trabalho, o terceiro capítulo com o título "(RE)INTERPRETAÇÕES", apropria-se da terceira dimensão de análise do referencial metodológico da Hermenêutica da Profundidade, a Interpretação- reinterpretação, estabelecendo uma reflexão acerca das convergências e divergências dos dados obtidos pela aplicação dos movimentos analíticos anteriores. Thompson (1995) apresenta a HP para analisar a ideologia da comunicação de massa, isto é, analisar as formas simbólicas em seu aspecto ideológico, o que nos dá uma dimensão crítica, cuja finalidade é revelar como o significado das formas simbólicas serve para estabelecer e sustentar relações de dominação. Estruturalmente, este trabalho foi pensado para ter apenas três capítulos, os quais seguem estritamente a ordem das três dimensões de análise propostas por Thompson (1995). Portanto, neste último, subentendemos conter, implicitamente, uma conclusão acerca das nossas investigações, tendo na sua sequência, as referências bibliográficas e a seção de anexos. 46 2 O CONTEXTO HISTÓRICO19 De acordo com Kline (1976), no início dos anos 1950 havia um concenso mundial acerca da insuficiência do ensino de matemática. O nível dos estudantes em matemática era mais baixo que nas outras áreas do conhecimento. A aversão estudantil pelas matemáticas estava consolidada e os adultos não recordavam quase nada das matemáticas que haviam aprendido e não sabiam realizar operações simples com frações. Para esse autor, quando os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial, os militares descobriram que os homens estavam mal preparados em matemática e tiveram que organizar cursos especiais para elevar o nível de conhecimentos. Segundo Abrantes (2008) os eventos da Segunda Guerra Mundial despertaram em muitos cientistas de países centrais a responsabilidade de uma ação mais ativa no ensino de ciências e no papel que esta teria para o bem estar da humanidade. Segundo esse autor, o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945 foi marcado pelo limiar de uma nova era, o período da Guerra Fria, caracterizado por um conflito teórico entre os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Esse conflito se iniciou em decorrência das tentativas das duas potências influenciarem outros países acerca de seus sistemas políticos, econômicos e militares. A União Soviética buscava implantar o socialismo em outros países para que pudessem expandir a igualdade social, enquanto que os Estados Unidos tentavam influenciar outros países com o sistema captalista que se baseava na democracia e na economia de mercado. Hobsbawm (2003) corrobora com essa visão em sua obra Era dos extremos, dividindo-a em três partes: Parte Um “A Era da Catástrofe”, que vai 1914 até 1945, abordando principalmente as duas primeiras guerras mundiais; Parte Dois “A Era de Ouro”, que vai do fim da Segunda Guerra Mundial até a década de 1970; e a Parte Três “O Desmoronamento”, que vai de 1970 até 1991, com o fim da União Soviética. Essa divisão ajuda a compreender a análise do autor para os acontecimentos que quase levaram a humanidade à extinção, comprometeram irremediavelmente a 19 Primeira dimensão da (HP): Neste capítulo, é empregado o primeiro movimento analítico do referencial metodológico da Hermenêutica da Profundidade, a análise sócio-histórica, a qual se concentra no estudo do contexto em que as formas simbólicas foram produzidas e apropriadas. Estamos interessados, portanto, no contexto da educação estadunidense que as obras do SMSG (nossas formas simbólicas) foram produzidas, bem como a influência dessas obras no Brasil. 47 saúde do planeta e transformaram o mundo, rompendo com a esperança no futuro que reinou durante o século XIX. Para esse autor, assim como o século XVIII é chamado de século das luzes, o século XX poderia ser chamado de século da guerra. Segundo Hobsbawm (2003), não é possível compreender o século XX se não se compreender as suas guerras. Por elas podemos explicar a ascensão dos EUA ao posto de maior economia do mundo, a chegada do nazismo de Hitler ao poder e a Guerra Fria. No Breve Século XX sintetiza-se o conhecimento das ciências básicas, a química e a física, para a execução das duas guerras. Também nesse século o ideal de progresso como um elemento de aumento de conforto e melhoria da qualidade de vida foi derrotado e substituído pelo progresso associado às tecnologias de guerra, que permitiram não só o desenvolvimento de armas teleguiadas, como também o desenvolvimento de armas de destruição em massa, a exemplo da bomba atômica, contribuindo para uma maior desconfiança na ciência e na tecnologia como portadoras do progresso para a humanidade. Para Hobsbawm (2003), se por um lado o socialismo soviético ajudou a resgatar do atraso muitas nações agrárias, como a própria Rússia e a Alemanha; por outro, o capitalismo pode trazer um grande avanço entre as nações que compartilhavam desse modelo. Para o autor o período que vai do lançamento da bamba atômica (1945) até o fim da União Soviética (1991) é denominado de “A Era de Ouro”, tendo como marco divisor a “Guerra Fria”, uma guerra ideológica, sem confrontos bélicos, embora pairasse ainda a possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial na qual não haveria vencedor, uma vez que tanto os EUA como a União Soviética possuíam bombas atômicas capazes de destruir todo o planeta Terra. Havia, portanto, uma temeridade por parte de ambas as nações pela presunção da força oposta. O grande aparato tecnológico oriundo dos esforços de guerra no campo da aviação, das telecomunicações, da informática, entre outros, trazia consigo a esperança das nações desenvolvidas usufruírem desse progresso com segurança, em contrapartida observou-se que: A crença ocidental tinha como bastante natural após a Segunda Guerra Mundial, de que a Era da Catástrofe não havia chegado ao fim, de que o futuro do capitalismo mundial e da sociedade liberal não estava de modo algum assegurado. HOBSBAWM (2003, p. 228). 48 Dessa situação surgiu uma política de confronto de blocos, de um lado a URSS, consciente da sua precariedade e insegurança da sua posição diante de um poder mundial dos EUA, e de outro, os EUA consciente da precariedade e insegurança da Europa Central. Ainda que nos primeiros anos de pós-guerra não se questionasse a hegemonia dos EUA, “cuja riqueza e poder, eram simplesmente óbvios demais”. A postura da URSS era mais defensiva que ofensiva. (HOBSBAWM, 2003, p. 230). Entretanto, Hobsbawm (2003) analisa que o conflito entre essas duas nações teria ocorrido mesmo sem a ideologia oposta das duas nações, cuja tese, adotada por alguns diplomatas americanos, como George Kennan, era de que os EUA teriam que conter a Rússia mesmo que esta não fosse comunista, devido à sua intenção de conquistar o mundo. Durante esse período de 45 anos o mundo assistiu a diversos pequenos conflitos, alguns com envolvimento dos EUA, como a guerra do Vietnã, e outros com o envolvimento da Rússia, como na guerra no Afeganistão. Apesar de todos eles não nos remeteram a uma guerra de alcance mundial, tivemos consequências políticas da guerra fria, com cada um dos líderes do bloco tentando controlar o maior número de nações, atraindo-as às suas causas. Como resultado prático estão a criação das Nações Unidas, a partir da Liga das Nações, e da Comunidade Europeia, que em certa medida, funcionariam como uma blindagem à possibilidade de crise econômica de alcance internacional. (HOBSBAWM, 2003, p. 236). Segundo o autor, a Guerra Fria transformou o cenário mundial em três aspectos: primeiro, “eliminou ou arrefeceu as rivalidades e conflitos que moldavam a política mundial antes da Segunda Guerra Mundial”; segundo, “congelou a situação mundial, trazendo uma estabilidade maior ao sistema”; e, terceiro, “encheu o mundo de armas que desafia a crença”, não apenas armas de destruição em massa, como também fuzis e metralhadoras, o que levou o mundo a um envolvimento em exportação e tráfico dessas armas, alimentando guerras nos países periféricos ao bloco hegemônico. As consequências da queda do Muro de Berlim e do fim da União Soviética foram acontecimentos dramáticos que encerraram uma era para todo o mundo, no entanto, as incertezas do que viria a seguir ainda estariam presentes. (HOBSBAWM, 2003 p. 252). 49 Entretanto, essa mesma tensão gerada pelo conflito entre capitalistas e comunistas também impulsionaria a ciência e a tecnologia de um modo jamais visto durante toda a história humana, beneficiando não apenas a indústria bélica. Sem a ameaça do bloco adversário, o desenvolvimento de satélites e foguetes se daria em outro ritmo. Deslumbrados pelo grande poder destrutivo da bomba, demonstrado em Hiroshima e Nagasaki, os militares americanos concentrariam esforços, e dinheiro, no desenvolvimento de artefatos nucleares, deixando descobertos outros setores de pesquisa. Mas os avanços dos foguetes soviéticos mudaram significativamente essa postura e a primeira ação dos americanos foi o teste nuclear no Atol de Bikini, no Pacífico em 1946. Em resposta, a URSS testou o seu primeiro artefato nuclear em 1949. Na década de 50, a disputa ganhou o espaço sideral e em agosto de 1957, os soviéticos lançaram o R7, o primeiro míssil balístico intercontinental e com a mesma tecnologia, em outubro daquele ano, o mesmo foguete levou o Sputnik, que entrou em órbita espalhando um sinal intermitente pelo espaço, tornando-se o primeiro satélite artificial do mundo. Em dezembro de 1957, os EUA responderiam com o Minuteman, produto de uma safra de mísseis intercontinentais desenvolvidos na América. Beneficiária do investimento americano na corrida espacial, de acordo com Guerra e Ciência (2002)20 uma das principais contribuições científicas da Guerra Fria viria em outubro de 1958 com a criação da NASA - National Aeronautics and Space Administration, responsável pelos principais feitos espaciais do ocidente, entre eles o projeto Apolo que levou o primeiro homem, o astronauta Neil Alden Armstrong, à Lua, em 1969 em resposta aos soviéticos pelo feito, em 1961, do cosmonauta soviético Iuri Alekseievitch Gagarin ter sido o primeiro homem a viajar pelo espaço a bordo da Vostok 1. É também da NASA o primeiro satélite de comunicações do mundo, o Echo 1, que girou em volta de nosso planeta em 1960 repassando sinais entre duas estações de rádio no solo e, em 1964, os Jogos Olímpicos de Tóquio entraram para a história como os primeiros a serem transmitidos para o mundo via- satélite. Os satélites atuais utilizados na agricultura, meteorologia e em diversas outras áreas devem muito à Guerra Fria que, investindo na espionagem, foi a maior incentivadora das tecnologias de sensoriamento remoto. No campo da eletrônica, 20 GUERRA E CIÊNCIA. A corrida tecnológica - como a Guerra Fria impulsionou a ciência, 2002. Disponível em: . Acesso em 14 de Dez. 2014. 50 desde 1948, as enormes válvulas utilizadas nos computadores foram substituídas pelos transistores. Só que, com o aumento da complexidade dos circuitos e com a miniaturização cada vez maior dos equipamentos, tornava-se cada vez mais difícil fazer a conexão entre os transistores. Para tanto, o investimento pelo Departamento de Defesa americano em empresas de eletrônica, teve como objetivo aumentar a precisão dos sistemas que guiavam armas de longo alcance, como mísseis e torpedos. Em 1958, a empresa Texas Instruments patenteou uma invenção revolucionária: o circuito integrado. Todos os transistores ficavam conectados em uma única lâmina, o chip, componente atualmente presente em relógios digitais, walkmans e estações espaciais. Em 1962, o chip de silício recebeu incentivo financeiro da Força Aérea americana, interessada em aprimorar o sistema de direcionamento de seus mísseis balísticos. Por volta de 1970, a Força Aérea já contava com chips em seus mísseis e o mundo com a base tecnológica para o surgimento do microcomputador pessoal. De acordo com Guerra e Ciência (2002), são tantas as invenções oriundas da Guerra Fria que seriam necessárias várias páginas para enumerá-las. Os personagens envolvidos na Guerra Fria que assombrou o mundo e quase acabou com o planeta, poderiam imaginar que esse episódio seria o motivador de grande parte do avanço científico e tecnológico do século XX e, consequentemente, a mesma ciência que continuaria desenvolvendo armas, também beneficiaria a humanidade com muitos de seus subprodutos. Neste contexto da Guerra Fria e da corrida armamentista, Abrantes (2008) baseado em Barra e Lorens (1972) afirma que nos Estados Unidos e Inglaterra, intensificou-se a necessidade de investimentos no ensino de ciências de nível médio em face da aparente superioridade dos soviéticos nas ciências. Os Estados Unidos, na década de 1950, segundo Wooton (1965), testemunhou uma movimentação em favor do currículo da escola secundária norte americana, em particular, nas disciplinas de Física, Química, Biologia e Matemática, com o objetivo de preparar melhor os estudantes. Um exame minucioso foi feito por especialistas de cada área com o propósito de fornecer "recomendações" de mudanças no conteúdo e nas metodologias de ensino dos mesmos. Com relação à este período, afirma Wooton, 51 É difícil encontrar outra década na historia da educação em que tenha sido dedicada tanta atenção a uma parte tão pequena do currículo por tantas autoridades reconhecidas em todos os níveis de pesquisa e áreas da ciência. (WOOTON,1965, p.v, tradução nossa)21. A partir destas "recomendações", muitos livros textos foram produzidos por comitês, comissões e grupos, os quais trabalharam correntemente em favor de uma reforma curricular nos Estados Unidos. Os objetivos de cada um deles são os mesmos, ou seja, uma modificação do currículo existente ao nível do ensino secundário, e inferior, na área do tema com o qual eles estão preocupados. Além disso, a maioria deles já descobriu que a melhor maneira de realizar essa modificação é fornecer um modelo do tipo de melhoria no currículo que desejam, e fornecer este modelo na forma de livros didáticos de amostra. (WOOTON, 1965 p. v- vi, tradução nossa)22 . No início do século XX, nos Estados Unidos, o setor educacional foi alvo de severas críticas e necessitou ser revisto. Em 1914, The National Education Association, nos Estados Unidos, nomeou uma Comissão para atuar na reorganização do ensino secundário, que tinha como função reconsiderar os objetivos da educação secundária nacional. Quatro anos depois, a Comissão elaborou um relatório centrado em sete princípios: saúde, vocação, cidadania, ética, apreciável uso do lazer, vida familiar merecida e domínio dos processos fundamentais. Estes princípios ficaram conhecidos como os "sete princípios cardeais da educação secundária". Para a Comissão estes eram fatores que consideravam o básico para a vida em uma sociedade democrática do século XX. Segundo Wooton (1965, p.2), este relatório teve um efeito profundo sobre o projeto subsequente do currículo das escolas secundárias do país e foi considerado o documento de maior impacto na história da educação americana. 21 It is difficult to find another decade in the history of education where so much attention has been devoted to such a narrow part of the curriculum by so many recognized authorities all the research level in the various sciences. (WOOTON, 1965, p. v-vi). 22 The goals of all of them are the same, namely, a modification of the existing curriculum at the high school level and below in the subject area with which they are concerned. Moreover, most of them have discovered that the best way to accomplish this modification is to provide a model of the kind of improved curriculum they desire, and to provide this model in the form of sample textbooks.(WOOTON, 1965. p. v-vi). 52 A escola secundária norte americana era um veículo de preparação para o ensino superior, praticando o ensino de álgebra, geometria, trigonometria e geometria dos sólidos. Estes conteúdos eram considerados impróprios para uma formação humanística. Após a declaração dos sete princípios ocorreu uma mudança, lenta mas constante, no currículo, diminuindo a quantidade de matemáticas que cada aluno deveria estudar. Ao longo dos anos 1920-1950, a matemática ensinada nas escolas secundárias dos Estados Unidos refletia a influência de uma filosofia societária e utilitarista. Na maioria dos cursos de matemática, a ênfase foi dada aos procedimentos matemáticos utilizados por consumidores, governo, indústria e comércio, e cada vez menos tempo foi dedicado às considerações teóricas em que se baseiam tais procedimentos. A atenção foi dedicada em grande parte para o estabelecimento das habilidades - a capacidade de executar determinados cálculos comuns. (WOOTON, 1965, p. 3-4, tradução nossa)23. Outra consequência desse ponto de vista utilitarista da Matemática foi a mudança dos livros textos utilizados em sala de aula. Wooton (1965) afirma que os livros textos produzidos entre o final dos anos 1800 e início dos anos 1900 foram escritos para uma seleta população. Como as matrículas na escola secundária mudaram em número e em necessidades, a Matemática incluída nos livros textos teve que ser selecionada e foi reduzida a um mínimo absoluto por causa das dificuldades reais de leitura por parte dos estudantes. Uma aula típica deve consistir de dois ou três exemplos resolvidos seguidos por uma sequência de exercícios práticos, e espera-se que os estudantes apliquem as regras expostas nos exemplos para obter respostas em exercícios. (WOOTON, 1965, p.4, tradução nossa)24. Segundo esse autor, os estudantes que se utilizavam destes textos desenvolviam uma habilidade para identificar o problema pelo tipo, e posteriormente 23 Throughout the years 1920-50, then, the mathematics offerings in the secondary schools of the United Sates reflected the influence of a societal, utilitarian philosophy. In most mathematics courses, emphasis was placed on mathematical procedures of use to consumers, government, industry, and commerce, and less and less time was devoted to the theoretical considerations on which such procedures were based. Attention was devoted largely to the establishment of the skills - the ability to perform certain routine computations. (WOOTON, 1965, p. 3-4). 24 A typical lesson might consist of two or three solved samples followed by a sequence of practice exercises, and students were expected to apply the steps exhibited in the samples to get answers in exercises. (WOOTON, 1965, p. 4). 53 aplicar a regra apropriada para obter a resposta designada. Portanto, o único requisito para alcançar o sucesso no ensino secundário era, em muitos casos, uma boa memória. Isso pode estar relacionado ao fato que, entre os anos de 1930 a 1950, houve uma mudança na qualificação dos professores de Matemática e a demanda de professores formados em Matemática ultrapassou a oferta. O mercado de trabalho oferecia melhores empregos e melhores salários em outras áreas, consequentemente, houve uma migração de profissionais de outras áreas para a atuação na docência, sobretudo, da Matemática. Estes eram considerados despreparados para tal tarefa, formando mal e inculcando atitudes negativas relativas à Matemática nos estudantes americanos. Em 1950, muitos professores de matemática do ensino secundário estavam ensinando no limite ou além do nível que tinham completado como estudantes. As pessoas cuja formação tinha sido em Educação Física, Inglês, História, ou em serviços domésticos, passaram a atuar como professor de Matemática. (WOOTON, 1965, p.5, tradução nossa)25. De acordo com Oliveira Filho (2009), os pensadores da comunidade matemática estavam descontentes com o quadro do ensino de Matemática nas escolas secundárias dos EUA, com base nos conteúdos dos cursos oferecidos e o no modo como tais conteúdos eram apresentados. Para eles, os conteúdos oferecidos estavam em descompasso com a realidade e o quadro para o futuro era alarmante. Havia ênfase desnecessária na utilidade imediata do que era ensinado. Antes mesmo de 1950, um grupo pequeno de escolas secundárias e faculdades, segundo Wooton, (1965), começou a trabalhar com o CEEB - College Entrance Examination Board, com o objetivo de estabelecer um programa avançado de Matemática para oferecer aos estudantes. Tal programa, denominado "Estudo para Admissão a Posições Avançadas"26, teve como resultado a reorganização do currículo de Matemática na escola secundária. Segundo Soares (2001), a partir de 1950, começaram a surgir projetos em todo o país com o objetivo de melhorar o ensino de Matemática nas escolas, 25 By 1950, many high school mathematics teachers were teaching at or beyond the level that they had successfully completed as students. Persons whose training had been in Physical Education, English, History, or homemaking were pressed into service as teacher of Mathematics. (WOOTON, 1965, p.5). 26 School and College Study for Admission with Advanced Standing. 54 sobretudo as de segundo grau, a fim de elevar o nível dos que ingressam nas universidades. Segundo essa autora, a criação do grupo de estudos da Universidade de Illinois com a sigla UICSM - University of Illinois Committee on School Mathematics, dirigido por Max Beberman27 (1925-1971), em 1951, foi protagonista de uma das primeiras iniciativas para a elaboração de um novo currículo para o ensino de matemática nas escolas secundárias. O UICSM produziu, testou e publicou uma sequência de livros didáticos experimentais, com novos métodos de ensino, com ênfase na precisão da linguagem, nos conceitos e na compreensão, como base da habilidade matemática. Soares (2001) corrobora com Kline (1976), o qual afirma que em 1952 o UICSM começou a elaborar o novo e moderno plano de matemática que, a princípio somente havia sido concebido para o ensino secundário e foi testado em um grupo experimental. Mais adiante, o Comitê começou a confeccionar um plano que gradualmente se estendeu para a escola primária. Os textos experimentais, fotocopiados, foram finalmente publicados como textos comerciais. De acordo com Wooton (1965), em 1955 o Comitê de Exames do CEEB recomendou que fosse escolhida uma Comissão de Matemática, composta de professores das escolas secundárias, de faculdades e pesquisadores matemáticos com a tarefa de realizar um estudo sobre as necessidades matemáticas da juventude. A Comissão foi composta por28:  Carl B. Allendoerfer , University of Washington  Edwin C.Douglas , The Taft School, Watertown, Connecticut  Howard F.Fehr, Columbia University  Martha Hildebrandt, Proviso Towship High School, Maywood, Illinois  Albert E. Meder, Jr., Rutgers University  Morris Meister, Bronx High School of Science, New York City  Frederick Mosteller, Harvard University 27 Max Beberman, um educador da Escola Secundaria (High School), e professor da Universidade de Illinois, desempenhou um papel central no desenvolvimento de um novo currículo de matemática durante as décadas de 1950 e 1960, e como resultado ajudou a elevar os padrões nacionais de matemática. Nasceu em 1925, no Brooklin, Nova York, e morreu aos 45 anos, em 1971, em Illinois. Chefiou o UICSM (University of Illinois Committee on School Mathematics), que alterou significativamente os programas de matemática nos Estados Unidos. Os programas do UICSM foram utilizados depois como ponto de partida para a escrita dos livros do SMSG. 28 WOOTON, 1965, p. 145. 55  Eugene P. Northrup, University of Chicago  Ernest R. Ranucci, Weequahic High School, Newark, New Jersey  Robert E. K. Rourke, Kent School, Kent, Connecticut  George B. Thomas, Massachusetts Institute of Technology  Albert W. Tucker, Princeton University  Henry Van Eugen, Iowa State Teachers College  Samuel S. Wilks, Princeton University Depois de três anos de intenso trabalho, sob o comando de A. W. Tucker, da Universidade de Princeton, tal Comissão publicou um extenso relatório. Nele, A Comissão concluiu que a maior parte do currículo tradicional era tanto necessário quanto desejável no mundo moderno, mas outras partes dele eram vestígios inúteis de uma época passada. Além disso, a Comissão observou que o espírito em que a matemática era ensinada na maioria das escolas de ensino médio deixou muito a desejar na compreensão da matemática que está sendo desenvolvida e nas atitudes em relação à matemática, que calam na mente dos alunos. (WOOTON, 1965, p.8)29. Segundo Kline (1976), em 1959 tal Comissão distribuiu seu informe, o Program for College Preparatory Mathematics contendo uma série de apêndices com exemplos de temas recomendados mostrando em detalhes a visão da Comissão acerca do que seria um currículo de Matemática satisfatório. Segundo esse autor, durante os anos de 1955 a 1959 e também durante vários anos depois, os membros da Comissão viajaram o país fazendo propaganda do plano que propunham em seu Programa. Nesse mesmo tempo, o Governo Federal passou a se preocupar com a educação secundária, o que, nos Estados Unidos, normalmente era função dos estados, disponibilizando maior apoio financeiro para a criação de projetos para a renovação e melhoria do currículo e do ensino de Matemática e Ciências nas escolas secundárias. 29 The Commission found that much of the traditional curriculum was both necessary and desirable in the modern world, but other parts of it were useless vestiges of a bygone era. In addition, the Commission noted that the spirit in which mathematics was being taught in most high schools left a great deal to be desired in the understanding of mathematics being developed and in the attitudes toward mathematics being in stilled in the minds of the students. (Wooton, 1965, p.8). 56 De acordo com Kline (1976), a AMS - American Mathematical Society criou em 1958, um grupo de estudos dirigido por Edward Grifth Begle. Em 1959, o NCTM - National Council of Teachers of Mathematics apresentou sua proposta para a renovação e melhoria do currículo, a qual foi publicada na revista Mathematics Teacher. Outros grupos tais como o Ball State Project, o University of Maryland Mathematics Project, o Minesota School Science and Mathematics Ce