1 METÁFORAS, MEMÓRIAS E NARRATIVAS APROXIMAÇÕES E DISTÂNCIAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: “Uma análise de narrativas de Professores de Artes do Programa REDEFOR” UNESP – IA SÃO PAULO 2013 DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Silvana Lapietra Jarra Orientador: Prof.a Dr.a Luiza Helena da Silva Christov 2 UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Artes Programa de Pós-Graduação em Artes Mestrado METÁFORAS, MEMÓRIAS E NARRATIVAS APROXIMAÇÕES E DISTÂNCIAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: “Uma análise de narrativas de Professores de Artes do Programa REDEFOR” Silvana Lapietra Jarra São Paulo 2013 3 Silvana Lapietra Jarra METÁFORAS, MEMÓRIAS E NARRATIVAS APROXIMAÇÕES E DISTÂNCIAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: “Uma análise de narrativas de Professores de Artes do Programa REDEFOR” Dissertação submetida à UNESP como requisito parcial exigido pelo Programa de Pós-Graduação em Artes; Área de concentração em Arte e Educação; Linha de pesquisa: Processos artísticos e experiências Educacionais, sob a orientação da Prof.a Dra Luiza Helena da Silva Christov para a obtenção do título de Mestre em Artes. Comissão Examinadora ______________________________________________ Prof.a Dra. Luiza Helena da Silva Christov - UNESP – IA _______________________________________________ Prof.a Dra Eliane Bambini Gorgueira Bruno - UNESP – IA _______________________________________________ Prof.a Dra Ana Maria Di Grado Hessel – PUC - SP São Paulo 2013 4 Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP (Fabiana Colares CRB 8/7779) J37m Jarra, Silvana Lapietra, 1963- Metáforas, memórias e narrativas: aproximações e distâncias na formação de professores: uma análise de narrativas de Professores de Artes do Programa Redefor / Silvana Lapietra Jarra. - São Paulo, 2013. 146 f.; il. Orientador: Profa. Dra. Luiza Helena da Silva Christov Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, 2013. 1. Formação de professores. 2. Experiência. 3. Metáfora. I. Christov, Luiza Helena da Silva. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título 5 Ao meu marido Carlos, “ser rio” que fez encontro de amor com as águas da minha existência. Aos meus amados filhos, Carlos Eduardo e Giovanni, “seres rios de amor e de luz”, para que levem para o mar muitas memórias, metáforas e narrativas. Para que tenham sabedoria e respeito aos mistérios e à vida. Aos meninos e meninas do “Brejo da Cruz” para que eles se alimentem de experiências de conhecimento, de pão, de poesia e... de luz! 6 “Se estamos aqui reunidos estou contente. Penso com alegria que tudo quanto escrevi e vivi serviu para nos aproximar. É o primeiro dever do humanista e a fundamental tarefa da inteligência assegurar o conhecimento e o entendimento entre os homens. Bem vale haver lutado e cantado, bem vale haver vivido se o amor me acompanha.” PABLO NERUDA AGRADEÇO: À Luiza Helena da Silva Christov, minha professora “Jocotot”, amada mestra da emancipação e do partejamento, pela confiança e liberdade ofertadas; pela amorosidade e generosidade com as quais me orientou nessa pesquisa; pelo encontro da experiência de tombamento que alarga meu ser... Às professoras da Banca Examinadora, Eliane Bambini Gorgueira Bruno e Ana Maria Di Grado Hessel, pelo carinho, pelo respeito, pelo olhar atento, pelas valiosas e, também, generosas e especiais contribuições à pesquisa. Aos Professores Palma, José Leonardo e Carminda pelas aulas sobre educação, mar, sertão e invenção! Às professoras Marli Gandolfo e Yonne Khodor Laino, minhas queridas mestras de Freud e Lacan, pelo meu encontro com a Psicanálise, com o mundo do inconsciente, dos desejos e dos mistérios... À Marli pela leitura criteriosa do texto e suas intervenções na construção dos conceitos psicanalíticos. À Professora Miriam Perugini, professora de Português no Ensino Fundamental, por ter-me ensinado a arte das palavras e da língua. À Dna. Jocelei, professora da minha infância, de quem recebi um coração de estudante. Aos amigos do grupo de pesquisa Roda Língua pelo mergulho nos mistérios, pelo alargamento dos sonhos, das palavras e do mundo. Ao Programa REDEFOR, seus professores, cursistas e tutores por me ofertarem os contos analisados nessa pesquisa. À UNESP por oferecer a oportunidade de viver a experiência do mestrado. À minha família pelas memórias, pela poesia, pelas metáforas e por toda minha “duração”: Aos meus avôs, Mário e José, dos quais herdei muitas histórias e a vontade de continuar narrando-as. À minha avó Nadyr por ter feito minha infância mais doce. À minha avó Ignez por me ensinar a comer flores. Ao meu pai pelas histórias lidas e contadas na beira da cama, pelo encontro com a poesia, com a arte, com a música e com a literatura, pelos livros e enciclopédias comprados na porta de casa e por ter deixado a maior herança que alguém pode receber: a educação como valor máximo! 7 À minha mãe que me ensinou a ter força e coragem para enfrentar a vida com bravura, persistência e disciplina. À Márcia, minha irmã, pelo amor fraterno, pela cumplicidade e por colocar música em minha vida. Ao meu irmão Mário e aos meus primos, em especial à memória de meu primo Roberto, pelas experiências delirantes e rastejantes nos quintais da nossa infância. Ao meu marido e aos meus filhos pelas experiências de amor, pelo apoio e pela compreensão durante a pesquisa. Aos meus sogros Elza e Oscar pelas experiências de acolhida e por terem compartilhado comigo suas memórias e histórias. Aos alunos e colegas de trabalho da Rede Municipal de Ensino da PMSP, professores, coordenadores pedagógicos, diretores e supervisores escolares. Às professoras e funcionárias da EMEI Coronel José Canavó Filho por navegarem comigo na construção do Projeto Reencantar e por compartilharem comigo vida, sonho, paixão, poesia, desvario e esperança. Aos meninos e ao povo da Brasilândia, ao povo do “Brejo da Cruz”, por fortalecerem meu compromisso de educadora com a infância e a juventude pobre da cidade de São Paulo. Aos meninos e meninas especiais por me ensinarem que a educação pode ser “maluco beleza”! À Samantha e à Lucilene, companheiras de experiências de “formação épica”. À Eliana Pereira, amiga de vida e de profissão, pelo incentivo para viver a experiência do mestrado. À amiga Sueli pelo carinho, pelo cuidado e pelo Johrey ministrado nas horas de aflição e de doença. Ao Vinícius Munhoz pela revisão sensível do texto. A Deus e a Santo Antônio! “Bem vale haver lutado e cantado, bem vale haver vivido se o amor me acompanha!” 8 O meu impaciente amor transborda em torrentes, precipitando- se desde o oriente até o ocaso. Até minha alma se agita nos vales, abandonando os montes silenciosos e as tempestades da dor. Demasiado tempo sofri e estive em perspectiva. Demasiado tempo me possuiu a solidão. Agora esqueci o silêncio. Todo eu me tornei qual boca e murmúrio de um rio que salta de elevadas penhas: quero precipitar as minhas palavras nos vales. Corre o rio do meu amor para o insuperável! Como não encontraria um rio o caminho do mar? Sem dúvida há um lago em mim, um lago solitário que se basta a si mesmo; mas o meu rio de amor arrasta-o consigo para o mar. Eu sigo novas sendas e encontro uma linguagem nova; a semelhança de todos os criadores, cansei-me das línguas antigas. O meu espírito já não quer correr com solas gastas. Friedrich Nietzsche 9 RESUMO A presente dissertação analisa seis contos elaborados no âmbito de uma disciplina do Programa REDEFOR (programa de formação a distância, com alguns encontros presenciais, para professores da rede estadual paulista) e aborda a potência da Metáfora, da Memória/Esquecimento e da Narrativa de histórias pessoais e profissionais dos professores visando trazer à cena da formação a racionalidade imaginativa e o conhecimento como experiência. Neste sentido, promove aproximações entre Metáfora, Memória/Esquecimento e Narrativa com o conceito de experiência estética defendido por Dewey/Larossa/Paulo Freire. Faz emergir um pensamento vivo pela memória, pela metáfora e pela narrativa, concebendo a circularidade existente entre elas como possibilidade de alargamento da experiência de conhecimento. Reconhece o homem como ser de razão e de emoção e integra aspectos conscientes e inconscientes nos processos formativos. Utiliza como método de pesquisa a escuta psicanalítica (Freud e Lacan) e a intuição (Bergson). Faz interface entre a Arte – Educação – Psicanálise. Defende “a formação épica” (a formação pela experiência, pela metáfora, pela memória e pela narrativa) como possibilidade de romper a relação “embrutecedora” com a vida e com o conhecimento e como forma de emancipação dos “seres aprendentes e ensinantes”. Propõe uma formação que “erotize” o sujeito, produzindo sentidos que possam ser ampliados e compartilhados no encontro com o outro e com o mundo. Viver, narrar, trazer a experiência para o espaço da formação pelo viés estético, metafórico, rememorando-a, problematizando-a, reconstruindo-a, investigando-a, recriando-a, incorporando-a ou não no diálogo com outras narrativas, gerando deslocamentos no sujeito professor e, consequentemente, a transformação do currículo e da forma de conceber e ensinar artes. PALAVRAS CHAVES: METÁFORA – NARRATIVA – MEMÓRIA – EXPERIÊNCIA - FORMAÇÃO 10 RESUMEN Esta tesis analiza seis historias producidas bajo un Programa REDEFOR (programa de aprendizaje a distancia con algunas reuniones presenciales para los profesores del Estado de São Paulo) y se analiza el poder de la metáfora, de la memoria/olvido y de la narración de las histórias personales y profesionales de los profesores, para llevar a la escena de la formación de los mismos, la racionalidad imaginativa y el conocimiento así como una experiencia. En este sentido, promueve las similitudes entre la metáfora, la memoria/olvido y la narrativa com el concepto de la experiencia estética defendida por Dewey/Larossa/Paulo Freire. Saca um pensamiento vivo por la memoria, por la metafora y por la narrativa de manera a concebir la circularidade entre ellos, como la posibilidad de ampliar el conocimiento. Reconoce al hombre como un ser de la razón y la emoción e integra los aspectos conscientes y inconscientes em los procesos de formación. Se utiliza como método de investigación psicoanalítica escucha (Freud y Lacan) y la intuición (Bergson). Interfaces entre las Artes – Educación – Psicoanálisis. Defiende “el entrenamiento épico” (formación por la experiência, la metáfora, por la memoria y la narración) como una posibilidad de romper el vínculo “embrutecedor” con la vida y con el conocimiento, y como una forma de emancipación de los profesores y alumnos. Propone uma formación que “erotize” el sujecto, produciendo sentidos que se pueden extender y compartir en el encuentro com el outro y con el mundo. Vivir, recuento llevar la experiencia al sesgo entrenamiento espacio estético, metafórico, recordando que, hablando se él, lo reconstruyó, investigarlo, recrearlo, la incorporación o no, en el diálogo con otras narrativas generar cambios en el profesor de la asignatura y, em consecuencia, la transformación del plano de estúdios y la forma de enseñar artes. PALABRAS CLAVES: METÁFORA – NARRATIVA – MEMORIA – EXPERIENCIA - FORMACIÓN 11 SUMÁRIO Introdução............................................................................................................... p. 12 1. Capítulo 1 – As Narrativas Convocam o meu Narrar: “Um Mergulho na Vereda e no Rio das minhas Experiências”......................................................... p. 20 2. Capítulo 2 – As Metáforas, as Memórias e as Narrativas: “Onde Repousam os Pensamentos, os Conceitos e os Autores que Navegarão Comigo no Rio da Pesquisa”................................................................................. p. 32 2.1 – Sobre a Metáfora................................................................................. p. 36 2.2 – Sobre a Narrativa................................................................................ p. 55 2.3 – Sobre a Memória ................................................................................ p. 60 3. Capítulo 3 – Análise das Narrativas ou “As Narrativas Riobaldo”.............. p. 69 3.1 – Uma Experiência Inesquecível........................................................... p. 79 3.2 - O Sobrado Cor-de-Rosa..................................................................... p. 85 3.3 – Contemplação...................................................................................... p. 92 3.4 – Fazendo Arte....................................................................................... p. 98 3.5 – Conto de Emoção................................................................................ p. 105 3.6 – A Boneca de Mariana......................................................................... p. 111 Considerações Finais............................................................................................. p. 118 Referências Bibliográficas..................................................................................... p. 141 12 INTRODUÇÃO “Rio,voltei no curso revi o meu percurso, me perdi no leste. Vi minha alma renascer com flores de algodão no coração do agreste. Quando eu morava aqui, olhava o mar azul no afã de ir e vir. Aí, fiz de uma saudade a felicidade para voltar aqui”. (arquivo da autora) MOACYR LUZ/ALDIR BLANC Ao longo de trinta anos, aproximadamente, trabalho na Educação, ocupando vários cargos e exercendo várias funções. Iniciei como Professora de Educação Infantil e Professora alfabetizadora em 1982 e, nos últimos vinte anos, venho me dedicando à formação de gestores e professores. Atualmente, trabalho como Supervisora Escolar na Prefeitura do Município de São Paulo, acompanhando um grupo de onze escolas do Distrito da Brasilândia, na Diretoria Regional de Educação Freguesia/Brasilândia – SME/PMSP (Secretaria Municipal de Educação / Prefeitura do Município de São Paulo). Em minha trajetória profissional, percebi que a formação pela via do treinamento não funcionava. Quando muito, contribuía para o desenvolvimento da competência técnica, sempre insuficiente para lidar com a complexidade dos fenômenos humanos presentes nos processos formativos. Ao observar o crescente esvaziamento da ação pedagógica e intelectual 13 no fazer, no pensar e no sentir expressos nas narrativas dos educadores, fiz meu encontro com a Arte, com a Psicanálise e com outras Ciências Sociais por considerar que a Pedagogia não dava conta de responder a algumas questões que emergiam nestas narrativas. Historicamente, a ação supervisora vem se constituindo como força fiscalizadora e burocrática da implantação de políticas públicas de educação, gestadas em Secretarias e gabinetes, sem a efetiva participação dos educadores que atuam nas escolas. Partindo do pressuposto de que a formação deveria colaborar na construção de experiências e discursos mais autorais, percorri outros caminhos para além dos instituídos e institucionais. Nessa caminhada ou caminhadura (in “Drão” – Gilberto Gil), incluí a metáfora, a narrativa (enquanto descrição e recriação da experiência) e o reencontro/reconhecimento das memórias nos procedimentos de formação. Assim, os encontros de formação começaram a se tornar espaços em que os educadores eram convidados a falar, escrever e interrogar sobre os dados concretos de suas próprias experiências através de metáforas, resgatando suas memórias profissionais e pessoais. Poemas, contos, mitos, imagens, literatura, filmes, documentários, obras de artes visuais e musicais eram utilizados para abrir relatos, reabrir as gavetas da memória e problematizar práticas e concepções de educação. Cabe acrescentar que, ao assumir a dimensão estética e ética para além da política e da técnica na formação dos professores e gestores, assumi também a intuição e a subjetividade, porque a escuta dos relatos das narrativas e toda a sua problematização não se davam por um processo literal, mas por um viés metafórico que permitia deslocar o sujeito-professor, colocando-o em constante movimento de busca e trans-formar-a-ação. Neste sentido, o meu interesse pela pesquisa nasce da minha experiência como educadora e formadora, de tudo o que vivi com os meus alunos e com os meus professores. Esta experiência aguçou meus sentidos e provocou perguntas acerca do papel da metáfora, das memórias e da própria narrativa na formação docente. Em minha trajetória profissional, percebi a necessidade de investigar e problematizar os sentidos expressos e os sentidos latentes que coexistiam no discurso dos professores. A formação pela via da técnica e da explicação teórica e conceitual não dava conta dessas questões. Era preciso ler e narrar para além das aparências. 14 Em 2010, ainda como aluna especial na UNESP IA, conheci o Programa REDEFOR (Programa Rede São Paulo de Formação Docente). O referido programa faz aproximações com minha experiência de formadora por abordar a formação na interface entre a Arte – Educação – Psicanálise e abarcar a metáfora, a memória e a narrativa em seus planos de curso. O REDEFOR é um programa que resulta de um convênio entre a Secretaria Estadual da Educação de São Paulo (SEESP) e as três universidades estaduais, dentre elas a Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Trata-se de um Programa de Pós- Graduação para educadores do Ensino Fundamental II e Ensino Médio que pertencem ao quadro do Magistério da SEESP: supervisores, diretores, professores-coordenadores, professores. O objetivo é a formação continuada dos professores através de cursos de especialização, em nível de pós-graduação, na modalidade à distância e com alguns encontros presenciais. É preciso esclarecer que, ao assumir o desafio de analisar narrativas de professores do Programa REDEFOR, não tive como objetivo pesquisar o valor/contribuição dos cursos à distância contrapondo-os ao valor/contribuição dos cursos presenciais. Este, decididamente, não é o objetivo desta dissertação. As expressões “Aproximações e Distâncias - Distâncias e Aproximações” foram utilizadas em função da investigação do papel da metáfora, da memória e da narrativa com a experiência. Como a formação por essa via pode aproximar e distanciar da experiência do conhecimento? As atividades do Programa REDEFOR utilizadas nesta análise foram escolhidas por sua potência metafórica e por trazerem as memórias dos professores. Nelas, os cursistas do REDEFOR foram convidados a falar e interrogar sobre os dados concretos de suas experiências, simbolicamente e metaforicamente, sob a forma da elaboração de um conto. As memórias pessoais e profissionais foram utilizadas para abrir/fechar relatos, falar e pensar sobre as experiências, em um movimento de caminhar para si. Na presente dissertação, foram analisados seis contos, elaborados no âmbito de uma das disciplinas do Programa em questão, uma disciplina que abarcava como conteúdo a contribuição da Psicologia em geral e da Psicologia da Educação para o ensino de Artes, denominada “Emoção, Percepção e Criatividade: a Contribuição da Psicologia para Artes e Ensino de Artes”. Um dos conteúdos trabalhados referia-se especificamente ao conceito da emoção, tema sugerido para motivar a elaboração de um conto por parte dos cursistas, 15 professores de Artes da rede estadual paulista. A solicitação de um conto teve como fundamento provocar os cursistas a escreverem sobre o tema emoção por meio de um discurso de natureza estética/ literária para evitar o risco de serem produzidas sínteses conceituais, com reproduções das diferentes concepções sobre emoção apresentadas durante o desenrolar da disciplina, e para desafiar os cursistas a criarem situações cotidianas reveladoras de emoção as mais diversas. A opção por analisar os contos nesta dissertação foi associada ao objetivo de investigar o papel das metáforas, das memórias e das próprias narrativas na constituição da experiência formativa dos professores cursistas do Programa REDEFOR. Nesse encontro, nessa conversa com as narrativas dos cursistas do REDEFOR, realizei uma viagem sobre meu próprio percurso, narrando porque, quando e como comecei a me preocupar com esses conceitos e com o lugar que eles ocupam na formação docente. A narrativa é sempre uma tentativa de colocar a experiência em palavras, de transformar e se transformar... O contato com as narrativas dos professores cursistas convocou-me a pensar nas minhas próprias experiências. “Rio, voltei no curso; revi o meu percurso; me perdi no leste...” Penso então nos caminhos que percorri como professora e formadora. Mergulho no meu rio de histórias e experiências trazendo-as para o primeiro capítulo desta dissertação. Durante a pesquisa, utilizei a imagem do percurso do rio como metáfora da experiência de formação humana e docente. Desta maneira, o segundo capítulo traz os autores que navegaram comigo no rio da pesquisa e suas contribuições para explorar os conceitos de metáfora – narrativa - memória/esquecimento e suas implicações com a formação pela experiência. “A experiência, e não a verdade é o que dá sentido à escritura. (...) Escrevemos para transformar o que sabemos e não para transmitir o já sabido. Se alguma coisa nos anima a escrever é a possibilidade de que esse ato de escritura, essa experiência em palavras, nos permita liberar-nos de certas verdades, de modo a deixarmos de ser o que somos para ser outra coisa, diferentes do que vimos sendo” (LAROSSA/ KOHAN Apud RANCIERI, 2010, p. 05). Antes de elaborar um discurso, fundamos um lugar, vivemos uma experiência. Por mais que tentemos, as palavras não dão conta de falar sobre a experiência. Há que se fazer escolhas... Ao ler uma narrativa, temos fragmentos da experiência, fazemos algumas aproximações. Segundo Dewey (2010), a experiência é singular, é única. Não podemos 16 reviver a experiência do outro, nem tampouco reviver a própria experiência. Podemos rememorá-la, narrá-la, dialogar com outras narrativas e viver outras experiências promovidas com esse diálogo. Penso na metáfora, na memória e na narrativa como possibilidades de aproximações com a experiência. Que pistas as narrativas fornecem sobre a experiência de formação? O que armazenamos em nossa memória? O que trazemos em nossa bagagem de professores? Por que e para que trabalhar com as memórias pessoais e profissionais na formação de professores? E a metáfora? Pode ser ela um caminho para narrar e fazer pensar a quem narra e a quem lê? Narrar por meio de metáforas pode ampliar a potência de narrar e de escutar as narrativas? Pode contribuir para a construção de um discurso mais autoral? A circularidade existente entre memória, narrativa e metáfora pode ressignificar a palavra presente nos discursos dos professores? Pode trazer novos sentidos às palavras ditas e pensadas? Os autores do segundo capítulo ajudam a pensar na metáfora como forma de constituição do sujeito (Freud e Lacan), como forma superior de pensamento (Vigotski), como meio de atribuir à metáfora um status epistemológico (Lakoff e Jonhson). Nesse mesmo capítulo, trago os autores que ajudam a pensar na narrativa como possibilidade de formação e encontro com a experiência (Paulo Freire, Larossa, Imanol Aguirre Arriaga e Boff) e os autores da memória enquanto potência da duração e da memória/esquecimento (Bergson e Ricceur). Volto às palavras de Larossa e Kohan (2010, p. 05): o diálogo com as narrativas analisadas permitiu “testemunhar experiências de escrever na educação, de educar na escritura e, também, de educar-me na escritura”. No terceiro capítulo, analiso os contos sobre o tema emoção elaborados pelos professores do REDEFOR. Tal análise estabeleceu o desafio de conversar com os professores, conhecer suas experiências, suas memórias e suas histórias e de pensar no papel delas em seu processo de formação. A palavra conversa, do latim “conversare”, etimologicamente, significa viver em companhia, frequentar, ou seja, exige o estabelecimento do diálogo entre as pessoas. Já o vocábulo latino “convertere” - fazer mudar de partido, de parecer - significa voltar, revolver, mudar, reverter. Essas ações são acompanhadas do prefixo “com”; indicam uma interdependência que inexiste fora do encontro com os outros e com o mundo. 17 As narrativas analisadas convocam-me a pensar no meu encontro com elas e nos sujeitos que narram. O narrador é também um escutador, porque, ao narrar, este escuta sua própria experiência. No diálogo com o leitor, o narrador convida-o a escutar a experiência narrada e também convoca a o leitor a escutar as experiências do leitor. Recordo a obra Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa. Na obra há dois narradores: Riobaldo, personagem da história, e um segundo narrador, que não aparece. Trata- se de um narrador que, durante todo o enredo, escuta Riobaldo e as demais personagens: um narrador-escutador. Pergunto-me: será que a profundidade e a riqueza de Grande Sertão Veredas devem-se ao fato da obra ter um narrador que escuta? Por este motivo, passo a denominar os contos analisados de “Narrativas Riobaldo”, ou “rio vazio”, porque abrem espaço para a escuta, para a escuta de quem lê o conto e para a escuta de quem o escreveu, para o alargamento do pensamento e para a criação de outras narrativas. Os contos abriram espaço para que eu narrasse minhas experiências de formadora e formação: “Quando eu morava aqui, olhava o mar azul no afã de ir e vir. Aí, fiz de uma saudade, a felicidade, para voltar aqui”. As narrativas dos professores provocam pensamentos. Há estranhamentos; há aproximações; distâncias e lacunas entre as palavras. Espaços importantes, uma vez que o vazio permite que nele entrem outras narrativas... Entre pontes, abismos e corredeiras estão nossos pensamentos e palavras. Que palavras habitam nossos pensamentos? Que pensamentos habitam nossas palavras? Que palavras ou que linguagens aproximam-nos de nossas experiências? Quais são as experiências que deslizam no leito do rio da vida dos professores- cursistas analisados e no leito do rio de minha vida pessoal, profissional e acadêmica? Neste sentido, a metáfora foi utilizada também como procedimento de análise para que, como pesquisadora, eu pudesse proceder à categorização dos conceitos e concepções presentes nas narrativas dos professores-cursistas do Programa REDEFOR. A análise dos contos possibilitou pesquisar como a metáfora pode ajudar a reconstruir a memória e como a memória pode ajudar a reconstruir e ressignificar o sujeito que rememora; como a memória pode ajudar a construir novas histórias e tecer novas narrativas. Minha aposta foi sempre a de que nossas memórias estão nas metáforas – fragmentos das experiências vividas e narradas. Nossas memórias moram nos postais, fotografias, bilhetes, papéis de cartas e bombons; num quadro, num cheiro, numa flor, numa música, num poema. 18 O estudo dos autores e referências teóricas, assim como a análise dos contos, ampliaram o pensamento sobre a formação docente. Por este motivo, nas considerações finais, trago o mar como metáfora do território do formador. O formador é o mestre que não está mais diante de um único rio, é aquele que lida com a imensidão e a complexidade do mar. O mar é lugar onde deságuam muitos rios. A partir do vivido na pesquisa, trago a metáfora do mar para propor outro tipo de formação: “a formação épica”. Parafraseando Benjamin (2012), o formador das metáforas, da memória/esquecimento e da narrativa é um formador que se assemelha ao herói da poesia épica, porque é um formador que sonha sonhos para todo um povo e luta por eles. Nesse sentido, a dissertação defende “a formação épica” como possibilidade de romper com a relação embrutecedora com a vida e o conhecimento, tradicionalmente estabelecida nas instituições de ensino, propondo uma formação que “erotize” o sujeito, produzindo sentidos que possam ser ampliados e compartilhados no encontro com o outro e com o mundo. A formação pela metáfora, pela memória e pela narrativa reconhece o homem como ser de razão e de emoção; traz à tona os aspectos conscientes e inconscientes dos sujeitos e das relações presentes na formação. Faz emergir um pensamento vivo pela via da experiência estética e pelo relato aberto dos processos de criação, retomados pela memória e pelas histórias. Nesta abordagem, a experiência de formação convida os professores a construírem, desconstruírem e reconstruírem sua imagem de mestres de ofício ao longo de suas próprias histórias e narrativas. Portanto, escolhi como método de pesquisa e análise a escuta psicanalítica e a intuição bergsoniana. Foi “intuitivamente” que vivi, como pessoa e educadora, as experiências que escolhi narrar nesta dissertação e que residem no leito do meu rio, rio esse que fez afluentes, encontrou outros rios, andou por corredeiras, descansou em calmaria e que deságua no mar... A necessidade de encontrar um método que desse conta da complexidade humana para analisar os fenômenos e os verdadeiros problemas da formação docente, proporcionou o encontro da pesquisa com autores e mundos que falam do inconsciente, da subjetividade, enfim, dos mistérios da vida e da existência humana. Na perspectiva da “formação épica” proposta nessa dissertação, mais do que explicar e aperfeiçoar convenções, é necessário captar realidades e, a realidade da existência humana, é movente e misteriosa. Segundo Bergson (2011), quando percebemos o verdadeiro intuitivamente, nossa inteligência se corrige. A intuição é a própria duração. 19 “(...) Mas se em vez de pretender analisar a duração (ou seja, no fundo, fazer sínteses com conceitos), nos instalarmos primeiro nela por esforço de intuição, teremos a sensação de uma certa tensão bem determinada, cuja própria determinação aparece como escolha entre uma infinidade de durações possíveis. A partir daí, percebem-se quantas durações se quiser, todas muito diferentes umas das outras, embora cada uma delas, reduzida a conceitos, ou seja, considerada exteriormente dos dois pontos de vistas opostos, sempre se resume a mesma indefinível combinação de múltiplo e do um” (BERGSON, 2011, p. 35). Freud e Bergson invertem a lógica da compreensão dos fenômenos quando propõem outra forma de perceber/sentir/captar a realidade. Na verdade, a forma de compreender e dizer o mundo e a existência humana é, para estes autores, idêntica à dos poetas. Ao invés de tentar compreender, procuremos gerar; gerar é inventar e inventar é descobrir. A dissertação fala dos caminhos que percorri para inventar e descobrir outras possibilidades para a formação docente. O mar, território épico do formador, é mesmo muito grande! É difícil expressar o que ele comporta. Esta dissertação é uma tentativa de aproximar o formador da imensidão de seu território: o mar. É preciso muita escuta; é preciso usar muita intuição para captar o seu valor. Como afirma o poeta Tião Rocha (2002, p. 4): “Uma coisa é engarrafar a água do mar, outra é trazer consigo o azul das ondas. Esse é um permanente desafio, fazer com que o educador esteja atento a isso e saiba construir essa diferença”. Animada por este desafio, mergulhei no rio de minhas experiências, naveguei com os autores e referências teóricas e com eles mergulhei, também, no rio dos contos dos Professores do REDEFOR para problematizar e pensar a formação e o lugar do formador. Como diz Neruda: “Minha poesia não rechaçou nada do que pôde trazer em seu caudal; aceitou a paixão, desenvolveu o mistério, e abriu passagem entre os corações do povo. Aqui hoje terminam estas viagens nas quais me acompanhastes através da noite e do dia e do mar e do homem. De tudo quanto vos disse vale muito mais a vida!” (2001, p.77 e p. 83). 20 CAPÍTULO 1 AS NARRATIVAS CONVOCAM O MEU NARRAR: UM MERGULHO NA VEREDA E NO RIO DAS MINHAS EXPERIÊNCIAS Dentro do mar tem um rio... Dentro de mim tem o quê? Vento, raio, trovão As águas do meu querer Dentro do mar tem um rio... Lágrima, chuva, aguaceiro Dentro de mim um terreiro Dentro do terreiro o quê? (arquivo da autora) ROBERTO MENDES E CAPINAN Começo por situar onde começou minha curiosidade pelas memórias, pelas narrativas e pelas metáforas e retorno aos terreiros da minha infância. Cresci em casa com jardim, com direito a colecionar vagalumes em caixinha de fósforos nas noites quentes de verão e joaninhas na chegada da primavera. Penso que o encontro com as memórias e as metáforas começa aí, porque até hoje, para mim, um vagalume é metáfora de verão: cadeira na frente da casa e oportunidade para tomar sorvete, conversar e brincar com os vizinhos à noite. O mesmo ocorre com as joaninhas, metáforas de primavera... Iberê Camargo diz que a memória é a gaveta dos guardados... Nos quintais da minha infância, a memória eram as caixinhas de fósforos, as caixinhas em que eu guardava as experiências alegres e tristes porque, obviamente, os vagalumes e as joaninhas não duravam muito tempo nelas. 21 Minha pesquisa começa, então, como diria Manoel de Barros (2008), “nas experiências rastejantes e delirantes dos quintais da minha infância”. Lembro-me da minha mãe ensinando os filhos sobre moral e boas maneiras através de provérbios e ditados populares. Minha mãe ensinava a organizar o pensamento por meio de metáforas e colocava a gente na linha. Meus avôs, especialmente, meu avô materno, eram excelentes contadores de história. Quando a família se reunia, adorava ficar ouvindo as histórias que os mais velhos contavam. Cresci ouvindo muitas narrativas. Minha família não é estudada, meus avós mal frequentaram a escola e meu pai concluiu apenas o antigo ginásio, mas eles eram bons contadores de histórias. Aprendi as narrativas na oralidade. Deles herdei muitas histórias e as primeiras possibilidades de contar as minhas próprias histórias e, também, de continuar me interessando pelas histórias de outras pessoas. Deles herdei minha veia conversadeira e a vivência de narrar metaforicamente. Minhas avós e minha mãe ensinaram-me a poesia das panelas, a alquimia da cozinha. Minha avó materna era compoteira de primeira e a memória dos vidros coloridos de suas compotas é de uma beleza incrível! Se fosse hoje, acho que faria uma instalação com as compotas da vovó para expor na Bienal de Artes. Com minha avó paterna aprendi a comer flor de abóbora. Tive o privilégio de comer flores na infância... “Isso me alegra montão!” (ROSA, 2006, p.23). Mas as experiências mais poéticas foram vividas com meu pai que gostava de música e de ler histórias. Com ele vivi as primeiras aventuras com a música, a poesia e a literatura. Era uma época em que os livros e as enciclopédias eram trazidos às portas das casas por vendedores ambulantes e meu pai fazia questão de comprá-los. Tenho uma irmã música e pianista e um cunhado violeiro. Há sempre muita música nos encontros de família. Na escola, vivi muitas experiências de conhecimento. Perplexidade, padecimento, curiosidade, sentimentos e emoções. Fiz o Magistério e comecei a dar aula, em 1982, na mesma escola em que estudei todo o ensino básico. Era uma escola católica, na qual iniciei o meu contato com o marxismo, com as ideias de Paulo Freire e de Leonardo Boff, na efervescência da Pedagogia da Libertação. Lembro de como o currículo organizava-se em torno do tema anual da Campanha da Fraternidade e de como os movimentos sociais, sindicais e políticos manifestavam-se nela. Foi ainda no Curso de Magistério que comecei a me preocupar com a situação dos oprimidos, a discutir política e a participar de experiências 22 com as metáforas e as narrativas que começavam a transformar a minha curiosidade ingênua em curiosidade epistemológica. A liturgia, a celebração, os rituais católicos metaforizavam os anseios da época. Esse movimento dialético de anúncio e denúncia repercutia na escola. Em 1991, ingressei como Professora na Prefeitura do Município de São Paulo. Paulo Freire era o então Secretário Municipal de Educação. Conheci companheiras de sonho e de luta, professoras diletantes e desejantes com as quais compartilhei a experiência de pensar e viver a interdisciplinaridade, o encontro com Vigotiski e a teoria sócio-construtivista (primeira possibilidade de pensar sobre a estreita relação entre pensamento e linguagem). Li Miriam Celeste e Emília Ferreiro. Queria viver outras experiências e ansiava por outra forma de fazer a educação. A partir das provocações estéticas de Miriam Celeste, procurava, na problematização do quadro temático e do tema gerador da sala, ler para além das aparências o registro das falas das crianças da EMEI Profa. Olga Calil Menah, escola onde fiz meu ingresso na PMSP. Em 1999, assumi o cargo de Coordenadora Pedagógica na EMEI Coronel José Canavó Filho e, com ele, o desafio de fazer a formação das professoras. Penso que foi lá que vivi profissionalmente “a” experiência, “aquela” experiência de conhecimento. Juntamente com as valiosas, corajosas, comprometidas e ousadas professoras que me acolheram e se aventuraram comigo na construção e na escritura do Projeto Pedagógico da escola denominado “Projeto Reencantar”, vivi a formação, por meio das metáforas, das narrativas e das memórias. Estas experiências alimentam até hoje minha ação como Supervisora Escolar na formação de gestores das escolas que, atualmente, acompanho no Município de São Paulo. Larrosa (2002) afirma serem três as possibilidades de encontro com o outro: o encontro do reconhecimento, o encontro da apropriação e o encontro da experiência. Pelo reconhecimento, vemos a nós mesmos no outro. Pela apropriação, dominamos o outro. No encontro da experiência, tombamo-nos ao outro, aprendemos com o outro, na pluralidade que ajuda a alargar nosso ser. Penso que o encontro com as professoras e funcionários da EMEI Canavó tenha se configurado como encontro da experiência, pois pude me tombar às narrativas das professoras e à comunidade escolar. A EMEI Coronel José Canavó Filho está localizada no Jardim Carumbé, Distrito da Brasilândia, lugar de muita pobreza e miséria, com problemas sérios de infraestrutura urbana (faltam escolas de Educação Infantil e creches, postos de saúde, saneamento básico etc). Contudo, é lugar de muita solidariedade e compaixão, onde aprendi muito com as crianças, 23 com as funcionárias que também moravam na comunidade, com os pais e com as professoras. Lugar de riqueza humana, da riqueza do encontro, do encontro das experiências de tombamento. Quando cheguei lá, as professoras não queriam permanecer, iniciavam na escola por concurso e pediam remoção para escolas mais centrais. Somente as professoras substitutas e adjuntas permaneciam por mais tempo. Era preciso criar outra marca identitária para a escola e procurar parceiras que assumissem um Projeto, que desejassem ficar por um tempo maior e realizar um trabalho. Algumas professoras permaneciam por falta de opção, outras demonstravam carinho e respeito pela comunidade e estavam lá já há algum tempo. Como coordenadora e formadora, não poderia me furtar a conversar sobre essas questões. As indagações, apostas, caminhos inventados e trilhados no percurso de formação fomentaram a reflexão e a pesquisa sobre a relação entre a formação dos educadores e o currículo efetivamente vivido no interior das escolas e todas as suas implicações com o entorno da Unidade Educacional. Fui percebendo que, apesar da profusão de programas e treinamentos, do estabelecimento de metas tecnicamente mensuráveis, das análises diagnósticas, de referenciais, parâmetros, cadernos e guias curriculares, as políticas educacionais voltadas para a formação docente, a partir de modelos calcados no racionalismo instrumental, pouco afetavam os profissionais da educação, comprometendo a eficiência e eficácia de sua atuação. “Transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador” (FREIRE, 1996, p. 37). Na cartografia dessas inquietações, algumas questões destacavam-se: como promover conhecimento no interior das escolas? Como ensinar e aprender? O que colocava os educadores em movimento e promovia sentido aos processos formativos? Como afetar educadores despertando-lhes desejos, saberes, sabores e necessidades? Quais desafios estavam postos na cena do formador/mediador? Como instaurar o compromisso político, ético e estético para além do técnico na profissão docente? Como romper com o estado de anestesia em que se encontravam alguns educadores, promovendo a “estesia”? O que garantiria autoria e sentido na formação? Que encontros e experiências poderiam mudar a vida profissional e pessoal das professoras e poderiam fazer a diferença naquela comunidade? Como envolver a 24 equipe da escola na construção de um Projeto Pedagógico autêntico, gestado coletivamente e de forma mais autoral? “Todo amanhã, porém, sobre o que se pensa e para cuja realização se luta implica necessariamente o sonho e a utopia. Não há amanhã sem projeto, sem sonho, sem utopia, sem esperança, sem o trabalho de criação e desenvolvimento de possibilidades que viabilizem a sua concretização. É nesse sentido que tenho dito em diferentes ocasiões que sou esperançoso por imperativo existencial” (PAULO FREIRE, 2001, p. 85 e 86). Em 1996, fiz o curso para coordenadores pedagógicos para iniciantes nas escolas municipais da Prefeitura de São Paulo. O referido curso foi organizado em convênio entre a SME – SP e a Faculdade de Educação da USP e tinha na sua coordenação os Professores José Cercchi Fusari e Selma Garrido Pimenta. Neste curso, tomei contato com as ideias de Antônio Nóvoa, dentre as quais destaco: “O professor é pessoa. E uma parte importante da pessoa é o professor” (NIAS Apud NÓVOA, 1992, p. 25). O pensamento sobre a importância da pessoalidade do professor na sua profissionalização começou a tomar corpo nas experiências vividas com o grupo de professoras. Assim, começamos a trazer para os encontros formativos as histórias, as memórias e os desejos da pessoa de cada professora. Conversamos sobre as memórias dos cheiros e dos aromas, sobre as músicas que marcaram as vidas das professoras, sobre as imagens e os lugares de sua predileção... As memórias, as histórias e os desejos das professoras eram trazidos ao grupo sob a forma de metáforas. “Os momentos de balanço retrospectivo sobre os percursos pessoais e profissionais são momentos em que cada um produz a ‘sua’ vida, o que no caso dos professores é também produzir a ‘sua’ profissão” (NÓVOA, 1992, p. 26). Na mesma medida em que trazia a pessoalidade das professoras como forma de produzir a profissão docente, procurava imprimir o triplo movimento sugerido por Shön (Nóvoa, 1992, p.26) no processo de formação: conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a ação e sobre a reflexão na ação. Nesse sentido, a prática docente foi transformando-se em práxis, porque, enquanto as professoras “faziam” a aula e experimentavam uma forma de viver projetos e a interdisciplinaridade das linguagens da infância com as crianças, apropriavam-se, pessoal e profissionalmente, de novos conceitos e conhecimentos e de uma nova forma de conceber a própria profissão e a Educação Infantil. 25 Mas era preciso mais. Era necessário instaurar uma mudança mais abrangente e significativa que afetasse a escola ou um grupo maior de professoras. Era necessário construir um projeto político-pedagógico para a escola. Era necessário pensar a prática docente em dimensões mais coletivas. “(...) Falar de formação de professores é falar de um investimento educativo dos projectos de escola. (...) Práticas de formação que tomem como referência as dimensões coletivas contribuem para a emancipação profissional e para a consolidação de uma profissão que é autônoma na produção dos seus saberes e dos seus valores” (NÓVOA, 1992, p. 27 e 29). A estreita relação estabelecida por Nóvoa sobre formação – projeto de ação – inovação – opção e transformação - apresentava-se como possibilidade de viver a experiência de formadora de professores e nutria minhas esperanças. “Toda formação encerra um projecto de acção. E de trans-formação. E não há projecto sem opções. As minhas passam pela valorização das pessoas e dos grupos que têm lutado pela inovação no interior das escolas e do sistema educativo. Outras passarão pela tentativa de impor novos dispositivos de controlo e enquadramento. Os desafios da formação de professores (e da profissão docente) jogam-se nesse confronto” (ibidem, p. 31). Com Nóvoa, aprendi a importância da pessoa do professor, da pessoalidade. Como trazer as memórias? Como abrir o diálogo para o outro trazer sua narrativa? Incorporar emoção e sentimento nos processos formativos exigia outro tipo de razão. Era preciso instaurar uma razão mais sensível e o caminho encontrado foi o caminho de falar e pensar a experiência pela metáfora. No encontro com a arte, a poesia, a música, as imagens, a literatura, o pensamento “aparecia” emergindo de experiências corpóreas e sensoriais. “(...) A arte como parte do saber pensar e cuidar, não tanto para equipar as pessoas de habilidades clássicas ou nobres, mas principalmente para abrir o horizonte da estética da vida (...). É fundamental para o ser humano saber expressar-se esteticamente (...). Dar asas à imaginação e às utopias, viver fantasias, ver o lado belo das coisas, em nome da alternativa que alimenta nossa vontade imorredoura de mudar (...). É mister recuperar a ideia que a vida é em seu centro, arte. Depois, pode até ser ciência” (DEMO, 2000, p.62). Entender “conhecimento científico como tudo o que for discutível” (DEMO, 2000, p. 109) e, portanto, humanizar o homem, os tempos e os espaços, consistia em outra forma de pensar e viver a formação. Fui então provocando o grupo, metaforicamente, a falar sobre suas 26 origens, suas histórias e seus pensamentos acerca da educação e da profissão docente pelas músicas, pelos cheiros, pela representação poética e vivência estética das lembranças. As devolutivas dos registros, da leitura do semanário e o “com”- partilhamento das narrativas, nos horários coletivos de formação, ocorriam por meio de poesias e metáforas. O primeiro registro do Projeto da escola – “Projeto Reencantar” – foi feito totalmente por metáforas, metáforas essas que, depois, passaram a abrir e compor os capítulos do referido Projeto Pedagógico. Como coordenadora e formadora, sentia a necessidade e o desejo de provocar aquelas educadoras a escreverem e criarem coletivamente um projeto para aquela escola, escola da periferia da Brasilândia, na cidade de São Paulo. Era preciso amar e admirar os meninos e meninas do Jardim Carumbé para lá permanecer e realizar um trabalho, escrever uma história. Algumas perguntas acompanhavam-me: quais sonhos alimentavam aquelas educadoras? Que sonhos era necessário instaurar? Como nascem os sonhos? “O sonho é o momento sagrado em que o espírito está livre e em que ele realiza várias tarefas: purifica o corpo físico, sua morada; viaja até a morada ancestral; muitas vezes, voa pela aldeia; e, algumas vezes, através de WAHUTEDEWÁ, o Espírito do tempo, vai até as margens do futuro, assim como caminha pelas trilhas do passado. Era o sonho que alimentava uma aldeia xavante” (JECUPÉ, 1998, p. 56). Começamos o registro do projeto pelos nossos sonhos, pela escrita de nossas utopias, pois, à medida que vivíamos experiências e refletíamos sobre as concepções de homem, mundo e educação, percebíamos que o estabelecimento de metas não era suficiente. Sendo a escola um espaço privilegiado de construção e reconstrução de conhecimento científico e sistematização do conhecimento historicamente acumulado, era fundamental definir a nossa querência: os sonhos e esperanças que imprimíamos em nossa experiência diária. Percebi que era preciso falar desses sonhos e desejos, trazê-los para uma compreensão mais profunda, aprofundar o olhar e a escuta: “Sermões e lógicas jamais convencem” (WHITMAN Apud ALVES, 1999, p.18). “Só se convence fazendo sonhar” (BACHELARD, ibidem, p. 18). Assim, vivi com as professoras e funcionárias da escola a experiência de fazer/pensar/viver a formação pelas memórias, pelas narrativas das histórias e pelas metáforas. Ao mesmo tempo em que escrevíamos nossas histórias pessoais e profissionais, escrevíamos o “Projeto Reencantar”. 27 Viver a experiência, registrá-la, refletir e pensar sobre ela; criar. No “Projeto Reencantar”, o currículo organizava-se na forma de uma mandala. A mandala foi escolhida, como imagem representativa do currículo, por favorecer a circularidade entre as temáticas, as linguagens da educação infantil e o tema-problema do projeto de cada sala. Por ser um instrumental visual, possibilitava uma maior compreensão de como o Projeto de cada turma constituía-se e tinha a função de orientar a professora na localização do tema-problema de sua sala e na tecitura da rede de contextualização que estabelecia as relações entre o tema-problema e as temáticas, bem como entre o tema, os conteúdos das temáticas e as linguagens da Educação Infantil. É importante dizer que o trabalho com projetos, nesta perspectiva, exige um diálogo com a infância. Exige estudo sobre cultura e “culturas” de infância. Os projetos de cada turma nasciam dos problemas, das indagações, da curiosidade, da perplexidade das crianças frente aos fenômenos. A escuta do tema do projeto exigia uma problematização que possibilitasse uma escuta para além das aparências. As professoras eram convidadas a registrar as falas das crianças, as quais eram lidas, coletivamente, nos momentos de formação para se chegar ao tema do projeto. Para problematizar o tema do projeto e toda a sua pesquisa, as professoras utilizavam, como procedimentos formativos, a metáfora, a descrição (registro detalhado da narrativa das crianças), a escuta psicanalítica e a intuição. “(...) E não há como negar que a experiência dessas relações envolve, de um lado, a curiosidade humana, centrada na própria prática relacional, de outro, a curiosidade alongando-se a outros campos. O envolvimento necessário da curiosidade humana gera, indiscutivelmente, achados que, no fundo, são ora objetos cognoscíveis em processo de desvelamento, ora o próprio processo relacional, que abre possibilidades aos sujeitos da relação da produção de inter-conhecimentos. O conhecimento relacional, no fundo interrelacional, “molhado” de intuições, adivinhações, desejos, aspirações, dúvidas, medo a que não falta, porém, razão também, tem qualidade diferente do conhecimento que se tem do objeto apreendido na sua substantividade pelo esforço da curiosidade epistemológica” (PAULO FREIRE, 2001, p. 53). Constituímo-nos, enquanto sujeitos na relação com o outro e com o mundo, mediados pela linguagem e pela cultura. Se desejarmos romper com a lógica instaurada no interior das escolas, precisamos criar novas simbologias, recriando a cultura existente. Isso só é possível pela corporificação de nossas criações e invenções em novas obras. “A arte denota um processo de fazer ou criar” (DEWEY, 2010, p.126). 28 A construção do currículo e do “Projeto Reencantar”, bem como minha própria experiência como coordenadora e professora, foram uma invenção, uma criação; no dizer freireano: a reinvenção de uma ética de rebeldia. Como toda experiência de conhecimento, foi também acompanhada de muito padecimento. Os primeiros registros do Projeto foram feitos em folha de papel almaço, porque sequer tínhamos computador disponível para a coordenação e professores na escola. Além disso, fazer inovação implica em ruptura, deslocamento, mudança, separação. Trilhar caminhos para além dos instituídos significa questionar o institucional, e isso sempre gera problemas de natureza funcional. Quem se mete a inovar nas instituições tem que ficar provando que existe rigorosidade na inovação; deve buscar e construir os referenciais teóricos que dão sustentação à experiência; pesquisar muito; problematizar e desconstruir valores e práticas cristalizadas. Porém construir, também, redes de apoio e solidariedade, e isso não se faz sem conflito. Para inovar e transformar, é preciso viver, permanentemente, a experiência tensa da democracia. A inovação requer grande esforço e trabalho para além dos tempos e espaços institucionalmente estabelecidos. Assumi com o meu grupo de professoras este desafio. Audácia pura? Sonho? Desvario? Não tenho todas as respostas... Como diz Cazuza: “O nosso amor a gente inventa”. Aprendi com a Psicanálise que, entre a necessidade e a demanda do outro, estão os nossos desejos. Os desejos se realizam na liberdade da escolha: “Sou um amante fanático da liberdade, considerando-a como único espaço onde podem crescer e desenvolver-se a inteligência, a dignidade e a felicidade dos homens; não esta liberdade formal, outorgada e regulamentada pelo Estado, mentira eterna que, em realidade, representa apenas o privilégio de alguns, apoiada na escravidão de todos (...). Só aceito uma única liberdade que possa ser realmente digna desse nome, a liberdade que consiste no pleno desenvolvimento de todas as potencialidades materiais, intelectuais e morais que se encontrem em estado latente em cada um (...) A liberdade do outro estende a minha ao infinito” (www.http://pt.wikiquote.org/wiki/Mikhail_Bakunin, 26/05/2013, 15:58). A experiência do conhecimento não produz significados fechados. Ao contrário, a experiência estética, na abordagem proposta por Dewey e pelo relato aberto das experiências, produz sínteses que devem ser compreendidas dialeticamente, posto que as mesmas abrem para novas teses e antíteses, promovendo novas experiências. Até hoje, estas experiências inspiram-me em minha atuação, agora como supervisora e formadora de diretores de escolas e coordenadores pedagógicos. Nesta atual função, procuro viver a experiência de fazer a 29 supervisão e formação utilizando as metáforas, as memórias e as narrativas, visitando outros tempos e espaços... Fernando Pessoa (2001, p. 28), nas palavras de pórtico, diz: “navegar é preciso; viver não é preciso; o que é necessário é criar” (g.n.). Penso que a vida e minha profissão de educadora sejam sempre uma possibilidade de viver a criação. Assumir esse desafio implicou- me viajar por outras paragens, percorrer outros caminhos. Ao perceber que a Pedagogia por si só não tinha respostas para todas as minhas questões, realizei meu encontro com a arte, com a dança, com a poesia, com a literatura. Dialoguei com os pensadores anarquistas. Conversei com outras culturas. Fui estudar Psicanálise porque uma das utopias do Projeto Reencantar era lutar contra toda e qualquer forma de exclusão. Assim, iniciei o meu percurso na educação especial para lidar com a singularidade das subjetividades dos meninos “especiais”. Participei de grupos operativos e de um grupo de estudos em Psicanálise Lacaniana por, aproximadamente, sete anos. Quero afirmar aqui que a “loucura” dos nossos meninos fez com que eu pensasse nas minhas próprias loucuras e na loucura do sistema educacional. Ampliei meus pensamentos através do diálogo com outras ciências: a Teologia, a Antropologia, a Estética, a Filosofia, a Sociologia. Penso que a escola e o currículo da experiência apostam na capacidade infinita do ser humano de sempre “ser mais”. Promovem a humanização dos homens, dos espaços e dos tempos. Em minha experiência como formadora, fui aprendendo a mediação como possibilidade de encontro, diálogo, ampliação de conhecimento, abertura para o novo, constituindo-se em espaço intercultural e inter-relacional, como experiência estética. Ao longo desses anos, aprendi a escutar e deixar fluir a minha intuição. Mais recentemente, cursando as disciplinas do Mestrado e participando do Grupo de Estudo da Profa. Dra. Luiza Christov, na UNESP, comecei a ler Bergson. Minha curiosidade ingênua vem se transformando em curiosidade epistemológica... Tomo a intuição como método. Não como “insight”, mas como algo qualificado, porque nasce da experiência de conhecimento e de nossa capacidade de pensar sobre ela. Volto, então, à metáfora do rio... O rio corre, caminha, segue contornando troncos e pedras, despencando em abismos, descansando nas planícies. Mas segue... Pensar na vida e na formação implica conceber o tempo de outra forma. Como afirma Bergson (2011, p.08): “O universo dura”. A vida dura! 30 Trago as minhas experiências com as memórias, as metáforas e as narrativas para ampliar a análise das narrativas dos cursistas do REDEFOR. Por outro lado, as narrativas analisadas, ou as “Narrativas Riobaldo”, provocam novos pensamentos. Para contar as minhas histórias, tive que esvaziar um pouco o leito do meu rio. Quando o rio está cheio não há como incorporar outras experiências, fica difícil ver em sua profundidade as próprias experiências vividas. Bergson (2011, p. 24) indaga: “Há mais na garrafa de vinho cheia ou na garrafa bebida pela metade?” Provocada por estas e outras idéias, penso que a educação deva fazer o movimento de esvaziar o pote. Tradicionalmente, a educação e seus mestres explicadores fazem exatamente o contrário: enchem o pote de informação, embrutecem a vida e a relação com o conhecimento. (arquivo da autora) Penso nas narrativas dos professores do REDEFOR... Todos esses professores trabalham na educação básica. O que é verdadeiramente fundamental na educação? Qual a finalidade da educação básica? Para que serve? A serviço de quem a educação está? Lembro- me da Profa. Terezinha Azeredo Rios dizendo que ser original é ir às origens. Busco respostas na etimologia das palavras: básico e fundamental: BÁSICO - base – tudo quanto serve de apoio ou fundamento. Do latim basi-is, derivado do grego bási-eõs – ato de andar, marcha, cadência, ritmo (CUNHA, 2010, p. 83); FUNDAMENTAL – aquilo que serve de fundamento, do latim funda, arma de lançar pedras, catapulta; fundeiro - o que fabrica fundas ou atira com elas; fundir – do latim 31 fundere – derreter, liquefazer, juntar, unir; fundo, do latim fundus – profundo, a parte mais baixa e sólida em que repousam e correm as águas, cavidade, âmago, capital, lastro (ibidem, p. 304). Os sentidos provocados pelas palavras inspiram-me a pensar na formação dos professores do REDEFOR, a tomar o percurso da educação básica e da formação como o percurso do leito de um rio. A vida “dura” segue como um rio. Não é seriada, nem vai do mais simples ao mais complexo. Nada é pré-requisito para nada. Simplesmente, a vida segue seu fluxo. A pesquisa aposta em que as metáforas, as narrativas e as memórias possam ajudar a compreender o básico, o fundamental na formação; possam servir de catapulta para novos pensamentos, novas narrativas, novas experiências. Por isto, quero perguntar: O que coloca os educadores em marcha, em movimento, em busca de novas experiências? O que funda a experiência e o que funde as diferentes experiências de formação? As metáforas, as memórias e o relato aberto das experiências ajudam a fabricar e/ou lançar fundas? Permitem eles um mergulho na parte mais baixa e sólida em que repousam e correm as águas da formação? 32 CAPÍTULO 2 AS METÁFORAS, AS MEMÓRIAS E AS NARRATIVAS: ONDE REPOUSAM OS PENSAMENTOS, OS CONCEITOS E OS AUTORES QUE NAVEGARÃO COMIGO NO RIO DA PESQUISA. “O que vou lhes propor aqui é que exploremos juntos outra possibilidade, digamos que mais existencial (sem ser existencialista) e mais estética (sem ser esteticista), a saber, pensar a educação a partir do par experiência/ sentido”. JORGE LAROSSA BONDÍA Assim como Dewey, Larossa ajuda-nos a pensar no conhecimento como experiência estética. Partindo do par produto/processo estabelecido por Dewey e experiência/sentido proposto por Larrosa, trago para a pesquisa a concepção de que o conhecimento e a formação acontecem pela experiência. Pensar na circularidade existente entre metáfora, memória e narrativa como possibilidades de alargamento da experiência de conhecimento e, consequentemente, alargamento da experiência de formação. Considerar as narrativas, as memórias e as metáforas para que a experiência de formação seja criação e criadora de sentido, abra para novos sentidos e proporcione novas experiências de “formar-a-ação e de trans-formar-a-ação”. “(...) Temos um experiência singular quando o material vivenciado faz o percurso até a sua consecução. Então, só então, ela é integrada e demarcada no fluxo geral da experiência proveniente de outras experiências” (DEWEY, 2010, p. 109). É a experiência que dá sentido à existência e, se a experiência é essencialmente estética, é também algo que nos toca, algo que nos atravessa e que nos transforma pela perplexidade, pelo padecimento, pelo sentimento e pela emoção. A presente dissertação analisa as narrativas dos professores cursistas do Programa REDEFOR, investigando as 33 contribuições das metáforas, das memórias e das próprias narrativas “no” e “para” o processo de formação dos professores envolvidos. Retomo as perguntas: O que coloca os educadores em marcha, em movimento, em busca de novas experiências? Como recuperamos nossa memória e como a mesma contribui para o reconhecimento “da” experiência? Pode a memória colocar os educadores na busca de novas experiências? O que funda a experiência e o que funde as diferentes experiências de formação? Podem as metáforas, as memórias e as narrativas ajudar a viver/ narrar/pensar/viver as experiências de conhecimento e formação? Permitem elas um mergulho na parte mais baixa e sólida em que repousam e correm as águas da formação? “Começarei com o significado da palavra experiência. Poderíamos dizer, de início, que a experiência é, em espanhol, ‘o que nos passa’; em português, diria-se que a experiência é ‘o que nos acontece’; em francês a experiência seria ‘ce que nous arrive’; em italiano, ‘quello che nos succede’ ou ‘quello che nos accade’; em inglês, ‘that what is hapenning to us’; em alemão, ‘was mir passier’. “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca, não simplesmente o que se passa, não o que acontece ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada aconteça. Walter Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza das experiências que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara” (LAROSSA, 2002, p. 21). Penso nas metáforas, nas narrativas e nas memórias como aproximadoras da experiência; como possibilidades de dizer sobre a experiência e pensar sobre ela; como alargamento do pensamento; como possibilidade de encontro com outras experiências. “Os contornos do padrão comum são ditados pelo fato de que toda experiência é o resultado da interação entre uma criatura viva e algum aspecto do mundo em que ela vive” (DEWEY, 2.010, p.122). Realizei o encontro com a arte ao compreender que os processos formativos calcados na razão linear, cartesiana, garantiam, quando muito, informações, mas não transformavam o 34 currículo e a experiência de conhecimento. No dizer de Larrosa (2002, p. 21): “Passavam, não afetavam, não aconteciam”. Ao analisar as experiências de formação que acontecem por meio da metáfora, das memórias e das narrativas, a dissertação coloca em questão a “poética” dos educadores. Busca trazer para a cena da formação o relato aberto de suas histórias e experiências, estudar os processos artísticos, a “formatividade” das experiências educacionais, entendendo como formatividade “o tal fazer que, enquanto faz, inventa o por fazer e o modo de fazer” (PAREYSON, 1997, p.26). “A arte é, portanto, um fazer em que o aspecto realizativo é particularmente intensificado, unido a um aspecto inventivo. Nela a realização não é um só ‘facere’, mas propriamente um ‘perficere’, isto é, um acabar que interroga, de tal modo que é uma invenção tão radical que dá lugar a uma obra absolutamente original e irrepetível. Mas estas são as características da forma, que é, precisamente, exemplar na sua perfeição e singularíssima na sua originalidade. De modo que, pode dizer-se que a atividade artística consiste propriamente no ‘formar’, isto é, exatamente num executar, produzir e realizar, que é, ao mesmo tempo, inventar, figurar, descobrir”. (PAREYSON, 1997, p. 26). Neste sentido, estudar a “formatividade” das experiências educacionais significa o reconhecimento de que, enquanto “faz” a aula, o professor “faz-se” nela e por meio dela. Um programa de ensino, quando transformado em poética ou programa de arte, pode intensificar seu caráter inventivo, pode descobrir novas formas de fazer, pensar e viver a educação e a experiência do conhecimento. Segundo Larossa (2002, p. 21), não pensamos com os pensamentos, pensamos com as palavras, isto é, quando narramos nossa experiência é que pensamos sobre ela. Quando fazemos coisas com as palavras é que damos sentido ao que somos e ao que nos acontece. É preciso viver a experiência para falar sobre ela, e é falando da experiência, colocando-a em palavras que pensamos. Mas como correlacionamos as palavras com as experiências? Que palavras ampliam a escuta e a conversa? As metáforas podem contribuir para essa analogia? (...) Num tempo em que dominava a quimera do rigor científico, um sociólogo como Gabriel Tarde propunha uma progressão de pensamento essencialmente elaborada à base de analogias, ‘procedimento favorito de todos os pensamentos intuitivos’. Pondo em jogo uma série de similitudes e comparações, ele consegue fazer análises que possuem uma inegável força demonstrativa. É o que, segundo Bergson, faz com que ele tenha podido tirar tão maravilhoso partido de um raciocínio por analogia, o qual ele havia eleito como procedimento essencial de seu método” (MAFFESOLI, 1998, p.149). 35 A pesquisa aborda a potência da metáfora para trazer à cena da formação a racionalidade imaginativa e a inteligência reflexiva. Criar e conhecer são processos indissociáveis. “Num pequeno texto de grande finura, Fernando Pessoa imagina ou recria um diálogo fictício entre duas pessoas em um salão de chá. Ele conclui dizendo que, sendo “um romancista, meu trabalho é o de um historiador. Eu reconstruo, contemplando.” Pode ser que tal intenção não convenha ao cientista, mas nem por isso ela deixa de traduzir a força da vida imaginativa, que não cria a partir de nada, porém contenta-se em fazer sobressair a lógica interna de um fenômeno. Continuando com Fernando Pessoa, em O Livro do Desassossego: ‘Há metáforas que são muito mais reais do que a gente que anda na rua. Há imagens nos recantos de livros que vivem mais nitidamente que muito homem e muita mulher’” (idem, ibidem, 1998, p.157). No relato das narrativas analisadas, é possível perceber as experiências entrecruzadas da vida pessoal e profissional dos educadores. Neste sentido, a formação abarca questões objetivas e subjetivas. Ao assumir a intuição, o inconsciente e a subjetividade na pesquisa, realizei um mergulho na Psicanálise e na Psicologia. “(...) Daí tornar-se compreensível o importantíssimo sentido independente da educação artística como criação de habilidades permanentes para a sublimação do subconsciente. Educar esteticamente alguém significa criar nessa pessoa um conduto permanente e de funcionamento constante, que canaliza e desvia para necessidades úteis a pressão interior do subconsciente. A sublimação faz em formas socialmente úteis o que o sonho e a doença fazem em formas individuais e patológicas” (VIGOTSKI, 2010, p.338 e 339). As metáforas abrem caminhos para pensar a experiência de conhecimento na perspectiva de Dewey, contribuindo para que a perplexidade, o padecimento, o deslocamento, a sublimação, a criação e a invenção - atributos da experiência - manifestem-se na memória e nas histórias das narrativas analisadas. As narrativas são carregadas de memórias, sendo que o que permanece na memória é a experiência que produziu sentido. E é a memória dessa experiência, muitas vezes esquecida, que movimenta a vida e a busca do sujeito. As metáforas ajudam a fazer o reencontro com a memória. Criar uma metáfora para narrar uma história, significa fazer um recorte da mesma, vasculhar no baú das memórias tudo aquilo que ficou no esquecimento profundo e buscar o seu mais valioso tesouro. Por isto mesmo, a memória ganha um estatuto de esquecimento. É a memória “esquecediça” que interessa à pesquisa e à experiência. É no esquecimento ou, como diria Bergson (2011), é na “lembrança pura” que podemos realizar nosso encontro com nossas experiências mais significativas porque, embora as coisas e experiências que caíram no 36 esquecimento não sejam facilmente acessadas, são elas que, misteriosamente, colocam a vida em movimento. Para construir referências teóricas sobre os conceitos subjacentes à metáfora, à memória e à narrativa, procurei abordar cada uma delas, separadamente, com finalidade meramente didática. É importante esclarecer que tais conceitos devem ser vistos em constante diálogo e relacionados ao conceito de experiência anteriormente descrito. 2.1. SOBRE A METÁFORA “Uma lata existe para conter algo, mas quando o poeta diz lata pode estar querendo dizer o incontível. Uma meta existe para ser um alvo, mas quando o poeta diz meta pode estar querendo dizer o inatingível. Por isso não se meta a exigir do poeta que determine o conteúdo em sua lata, na lata do poeta tudo-nada cabe, pois ao poeta cabe fazer com que na lata venha caber o incabível. Deixe a meta do poeta, não discuta. Deixe a sua meta fora da disputa. Meta dentro e fora, lata absoluta. Deixe-a simplesmente, metáfora.” GILBERTO GIL A pesquisa propõe-se a pensar no papel da metáfora na formação dos professores, especialmente, dos professores cursistas do REDEFOR em contraponto ao racionalismo instrumental. Usar as linguagens da arte para falar simbolicamente, através de projeções metafóricas, pressupõe o encontro da arte/educação com a vida, trazendo autoria e sentido à formação. Na lata do arte/educador/poeta, onde tudo-nada pode caber ou conter, deixar a formação simplesmente, metáfora. A metáfora é entendida como potencializadora da narrativa, porque permite um pensamento aberto, um pensamento de acompanhamento, uma “metanóia” (que pensa ao lado), em oposição à “paranóia” (que pensa de modo impositivo), próprio da modernidade. Algo como uma sociologia da carícia, sem mais nada a ver com o arranhão conceitual (MAFFESOLI, 1998, p.19). Um pensamento que não fecha as palavras em signos e significados, mas abre os sentidos e se realiza com sentimentos e emoções. 37 A Filosofia sempre ocupou-se da metáfora, investigando a distinção entre o significado literal e o significado metafórico. “(...) Os problemas filosóficos relativos à metáfora incluem a questão de saber como se deve estabelecer a divisão entre o significado literal e o significado metafórico (Nietzsche, por exemplo, considerava que a verdade literal não era mais do que uma metáfora morta ou fossilizada); como conseguimos interpretar as metáforas com a rapidez e a certeza com que frequentemente, conseguimos fazê-lo, e se as metáforas podem por si mesmas ser veículos de compreensão, ou se devem apenas ser vistas como meros remetentes para verdades e falsidades literais acerca do assunto em questão” (BLACKBURN, 1997, p.246). A palavra metáfora, do latim “metaphora”, deriva do grego methaphorá, ou metaphoré, que quer significar “eu transporto” (CUNHA, 2010, p. 423). Desde suas origens, a metáfora é concebida como um pensamento que transporta, desloca, coloca em movimento. A metáfora funda, aprofunda, transporta e alarga o pensamento. Se tomarmos a experiência de conhecimento como algo que nos toca, atravessa-nos e, portanto, transforma-nos, a linguagem metafórica passa a se constituir na linguagem potencializadora da experiência estética, da experiência de conhecimento. “(...) Um rio, como algo distinto de um lago, flui. Mas seu fluxo dá a suas partes sucessivas uma clareza e interesse maiores do que os existentes nas partes homogêneas de um lago. Em uma experiência, o fluxo vai de algo a algo. À medida que uma parte leva a outra e que uma parte dá continuidade ao que veio antes, cada uma ganha distinção em si. O todo duradouro se diversifica em fases sucessivas que são ênfases de suas cores variadas” (DEWEY, 2010, p.111). Mudar significa deslocar, transfigurar, transpor, transportar-se. Esta é a potência do pensamento metafórico que coloca a narrativa e a experiência em seu fluxo, como o rio. Recentemente, vivi a experiência de mudar de casa. Trago a narrativa dessa experiência pessoal para ajudar na compreensão da metáfora enquanto transposição. Em uma mudança, organizamos o nosso comportamento com vistas ao futuro. Projetamos e, também, vivemos o dolorido movimento de ruptura, de esvaziar os armários, escavar as lembranças... Retiramos “entulhos” e memórias dos armários. O que nos leva a guardar tantas coisas? O excesso de coisas nos impede de pensar e de mudar. Se não nos livramos do excesso não conseguimos mudar. É necessário abrir espaços... O que vai e o que fica? A experiência fica conosco e é ela que, essencialmente, carregamos quando mudamos. As coisas, os objetos e o mobiliário são fragmentos, metáforas 38 das nossas experiências. Eles acabam indo para o caminhão de mudança devido sua utilidade e, também, pelo valor simbólico que atribuímos a eles. Algumas coisas inúteis são carregadas de sentido porque são genuinamente inúteis. Por isso não abri mão dos meus livros, das fotografias, dos quadros pintados pelos filhos, de alguns móveis e objetos, da minha caixa de metáforas e memórias recheada de cartas, folhas secas, conchinhas, desenhos e bilhetinhos dos filhos, dos amigos, dos colegas professores, dos alunos... Apesar da dor e do padecimento pelo qual passei para me desprender de muitas coisas, gosto de olhar os espaços vazios dos armários e ambientes da casa nova. Às vezes, o vazio dá angústia, mas abre espaço para outros objetos, para uma mobília nova, para novas experiências... Penso novamente no rio... Quando ele está cheio fica mais difícil ver o seu fundo... Na completude não conseguimos enxergar em profundidade. Isto é tão verdadeiro que Guimarães Rosa fez o seu Grande Sertão na “vereda”, no caminho aberto pelo rio após a seca; na aridez do sertão. (www.google.com.br/search?q =imagens+de+rio+na +seca&rlz, 14/06/2013, 15h10) O movimento tradicional da educação e dos processos de formação de professores tem sido o de encher a lata, encher o pote. Este tem sido, tradicionalmente, o movimento dos mestres explicadores, como bem disse Rancière (2010). Ao trazer a metáfora como figura de pensamento, como forma privilegiada de cognição e maior possibilidade de expressão/narrativa da experiência, a proposta é de fazer o caminho inverso: o caminho metodológico percorrido pelo mestre ignorante. Isto implica assumir a presença do incontível, do incabível e do inatingível no discurso dos professores. “(...) Todas as interações que afetam a estabilidade e a ordem no fluxo da mudança são ritmos. Existem o influxo e o refluxo, a sístole e a diástole: a mudança ordeira. Esta se move dentro de limites. 39 Ultrapassar os limites estabelecidos equivale à destruição e à morte, a partir das quais, entretanto, se constroem novos ritmos (...). O contraste entre a falta e a plenitude, a luta e a realização ou o ajuste depois da irregularidade consumada constituem o drama em que ação, sentimento e significado são uma coisa só (...). Há dois tipos de mundo possíveis em que a experiência estética não ocorreria. Em um mundo de mero fluxo, a mudança não seria cumulativa, não se moveria em direção a um desfecho. A estabilidade e o repouso não existiriam. Mas é igualmente verdadeiro que um mundo acabado, concluído, não teria traços de suspense e crise e não ofereceria oportunidades de resolução. Quando tudo está completo, não há realização. Só contemplamos com prazer o Nirvana e uma bem- aventurança celestial uniforme porque eles se projetam no pano de fundo de nosso mundo atual, feito de tensão e conflito (...). Mas a felicidade e o gozo são um tipo de coisa diferente. Surgem por meio de uma realização que alcança as profundezas de nosso ser – uma realização que é uma adaptação de todo o nosso ser às condições de vida” (DEWEY, 2010, p. 79 e 80). Analisar o incontível, o inatingível para mergulhar nas profundezas do ser implica incorporar a subjetividade implícita no discurso das narrativas. Por este motivo, trago as contribuições da Psicanálise, da Psicologia e da Filosofia, fazendo articulações entre as teorias de Freud e seu discípulo Lacan com Vigotski e outros autores que falam sobre o conceito de experiência, como Dewey, Paulo Freire, Maffesoli e Larossa. Além disso, trago as contribuições de Lakoff e Johnson, os quais abordam o conceito de metáfora como cognição. É impossível narrar toda a experiência, apreender o mundo em palavras. Segundo esses autores, abocanhamos um pouco mais do mundo real e simbólico por meio das metáforas. “Quem não compreende um olhar, tampouco compreende uma explicação. Sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo. Nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão” (MARIO QUINTANA- http: // pensador.uol.com/frase/NTQwMjQ1, 02/09/2012, 23:27). As contribuições da Psicanálise para o entendimento da arte e das metáforas como fundamentais na formação do sujeito podem ser observadas em “Escritores Criativos e Devaneios” – artigo produzido por Freud, pronunciado como conferência em 1907, com versão completa publicada pela primeira vez em 1908, num periódico literário de Berlim – e nos conceitos de “metáfora materna” e “metáfora paterna”, produzidos por Jaques Lacan a partir da década de 50. 40 Em Escritores Criativos e Devaneios, Freud (1996) realiza uma investigação sobre a fantasia, comparando o ato criativo ao brincar infantil. Na verdade, ao tratar dos mistérios inerentes ao ato de criação, Freud investiga o lugar da arte, da poesia, da obra literária como possibilidade de o homem transcender o seu próprio tempo e a sua realidade pela fantasia e pelo devaneio. No referido artigo, Freud destaca que a própria linguagem literária estabelece uma relação direta entre o brincar infantil e a criação poética: “(...) A linguagem preservou essa relação entre o brincar infantil e a criação poética. Dá [em alemão] o nome ‘Spiel’ [peça] às formas literárias que são necessariamente ligadas a objetos tangíveis e que podem ser representadas. Fala em ‘Lutspiel’ ou ‘Trauerspiel’ [‘comédia’ e ‘tragédia’: literalmente, ‘brincadeira prazerosa’ e ‘brincadeira lutuosa’], chamando os que realizam a representação de ‘Schauspieler’ [‘atores’: literalmente, ‘jogadores de espetáculo’]” (FREUD, 1996, p.136). É importante destacar que, da mesma forma que a criança que brinca, o artista, quando cria, faz a distinção entre a sua obra e a realidade. Ocorre que, apesar do reconhecimento daquilo que é real e daquilo que é fantasia, a brincadeira e a criação de uma obra promovem algo mais. A imaginação presente num processo de criação e na brincadeira infantil funciona como um “plus”. No ato criativo há algo a mais, através do qual o sujeito transcende a realidade e realiza seus desejos. “Ao crescer as pessoas param de brincar e parecem renunciar ao prazer que obtinham do brincar. Contudo, quem compreende a mente humana sabe que nada é tão difícil para o homem quanto abdicar de um prazer que já experimentou. Na realidade, nunca renunciamos a nada; apenas trocamos uma coisa por outra. O que parece uma renúncia é, na verdade, a formação de um substituto ou sub-rogado. Da mesma forma, a criança em crescimento, quando para de brincar, só abdica do elo com os objetos reais; em vez de brincar, ela agora fantasia. Constrói castelos no ar e cria o que chamamos de devaneios” (FREUD, 1996, p.136). Segundo Freud, pela criação artística o sujeito não só fantasia, mas consegue aproximar-se mais da realização dos seus desejos mais fundamentais. Na criação, o artista concretiza suas fantasias, transformando-as em obras de arte. Em Escritores Criativos e Devaneios, Freud procura desvendar o mistério do ato criador e estabelece uma relação entre criação/devaneio/fantasia com o tempo. Segundo o autor, alguma coisa da situação presente aciona a criação, despertando um dos desejos principais do sujeito, fazendo com que a pessoa retroceda à lembrança de uma experiência 41 anterior na qual este desejo realizou-se. O sujeito, pelo ato criativo, volta a realizar o desejo. A obra, então, representa a realização do desejo e projeta o seu criador para o futuro. Partindo do pressuposto de que toda a obra ou criação (seja ela um conto, um poema, uma música, uma escultura ou uma pintura) consiste numa metáfora, podemos afirmar que as metáforas conectam o sujeito com os seus desejos. Por meio da obra (ou criação metafórica), o artista realiza seus desejos enlaçando passado, presente e futuro. Com a contribuição de Freud, é possível inferir que o pensamento metafórico, por ser potencialmente criativo e criador, aciona e realiza desejos. As metáforas fazem com que os indivíduos transcendam as suas realidades, integrando aspectos conscientes e inconscientes. Os poetas e artistas conseguem, numa obra, apreender e dizer muito do seu tempo, dos seus desejos e de seus anseios, porque podem expressá-los metaforicamente. Pela experiência de criação, reencontram-se com os seus desejos primordiais inconscientes e conseguem, de certa forma, satisfazê-los. “A irrealidade do mundo imaginativo do escritor tem, porém, consequências importantes para a técnica de sua arte, pois muita coisa que, se fosse real, não causaria prazer, pode proporcioná-lo como jogo de fantasia, e muitos excitamentos que em si são realmente penosos, podem tornar-se uma fonte de prazer para os ouvintes e espectadores na representação da obra de um escritor” (FREUD, 1996, p.136). A partir das contribuições de Freud, podemos afirmar que a educação pela metáfora é uma educação que se realiza por analogia; é uma educação que não se pauta pelo mero exercício e pela mera repetição. Educar por metáforas exige a experiência estética da criação. Neste processo de formação, o sujeito tem a possibilidade de criar suas próprias obras e, ao fazê-las, tem a possibilidade de se transformar e de se transmutar, transformando também a realidade que o cerca. A educação pela metáfora promove movimento e transfiguração, uma vez que a experiência estética permite um deslocamento do sujeito. No dizer de Larossa (2002), a experiência estética do ato criador não é algo que acontece, mas algo que acontece “no” e “com” o sujeito. Lacan, em seu retorno a Freud, explica que a constituição do sujeito ocorre por meio de dois processos: a “alienação” (ou “metáfora materna”) e a “separação” (ou “metáfora paterna”). Tais processos estão intimamente relacionados à experiência de encontro do indivíduo com os objetos por meio dos quais os seus primeiros desejos se realizaram e, por 42 conseguinte, cunharam as primeiras marcas de prazer. Os processos de “alienação” e “separação” relacionam-se, também, com o movimento de busca permanente do sujeito em sua tentativa de se reencontrar com o objeto perdido, fonte dessa primeira marca de prazer. Embora busque incessantemente reviver a experiência original de prazer, o sujeito não pode mais reencontrar o objeto perdido, mas pode encontrar objetos substitutos e o faz por meio das representações simbólicas: por meio das metáforas. Ao procurar substitutos simbólicos para realizar os seus desejos, o sujeito salta, transmuta, segue o percurso de seu próprio rio, cria e trilha seus próprios caminhos... Para fundamentar a importância da linguagem na formação do inconsciente, Lacan utiliza-se da metáfora e da metonímia para explicar como o sujeito constitui-se e como se instaura o desejo que o movimenta. Pela Psicanálise, o homem é um ser desejante. Nossa estrutura de base é uma estrutura desejante e o desejo é uma marca da cultura e da linguagem. Discípulo de Freud, Lacan avança na construção da teoria psicanalítica ao tomar o inconsciente enquanto uma construção de linguagem. O inconsciente não é um lugar geográfico, específico. Não pré-existe no corpo, no mundo ou na alma. O inconsciente é uma construção de linguagem que se desenvolve na relação do sujeito com o mundo e com os outros. Decorre da busca eterna e incessante do sujeito constituir-se como tal, em seu processo de subjetivação. Tal processo de subjetivação só se concretiza pela mudança, pela substituição do objeto de prazer original por outro, resultante de uma criação simbólica, por uma obra ou metáfora. Pelo próprio contexto em que nasceu e se desenvolveu a Psicanálise, Freud organizou e escreveu sua obra em um momento histórico da prevalência da razão científica e das teorias desenvolvimentistas e darwinistas. A originalidade de sua obra que, fundamentalmente, rompe com a razão científica trazendo o inconsciente, é também influenciada por esse discurso. Da mesma forma que recorreu à mitologia grega, Freud utilizou-se da anatomia em suas explicações teóricas. A rigorosidade de Lacan, como seu discípulo, consiste em retornar ao mestre para nele encontrar e fazer sobressair o inconsciente como linguagem. Assim, a corrente psicanalítica criada por Lacan, na década de 50, avança para além dos muros da clínica, fazendo interlocução com a arte, a literatura, a filosofia, a estética, a dialética marxista, a linguística e a antropologia. Crítico dos psicanalistas pós-freudianos, incluindo a própria filha de seu mestre - Ana Freud (LACAN, 1998, p.14) -, afirma, referindo- 43 se ao seu retorno a Freud: “Eu não procuro. Eu acho”. Lacan é médico; todavia, estuda Literatura, Linguística (Saussure), Filosofia (Heidegger) e aproxima-se dos surrealistas (Salvador Dalí e Picasso). Freud já havia fundado o lugar da linguagem no inconsciente, posto que, para ele, “a cura se fazia pela palavra”, abdicando das técnicas de hipnose e fazendo nascer a clínica psicanalítica pautada pela associação livre. Mergulhando na teoria freudiana e afirmando: “Não procuro em Freud. Eu acho”, Lacan reconstrói a teoria psicanalítica, partindo de seu mestre e afirmando que “a lei do homem é a lei da linguagem e que o inconsciente é a condição da lingüística” (LACAN Apud CESAROTTO, s.d., n.04 p.24). A contribuição lacaniana é retomar a teoria freudiana para nela reencontrar a marca da linguagem. Eis que Lacan capta os sentidos expressos em Freud, explicitando-os por meio dos conceitos de “metáfora materna” e “metáfora paterna”, destacando aquilo que o mestre já estabelecera: que a arte e a imaginação são as grandes possibilidades de satisfação dos desejos originais e que, portanto, o inconsciente é uma construção de linguagem que se dá na relação do sujeito com o outro e com o mundo. Para Lacan, o esquema mental não é um dado natural, mas antecipado para o bebê por um “grande outro”, antes mesmo que se estabeleça a capacidade motora para que o bebê possa se expressar. Esse “grande outro” é o “tesouro dos significantes”, representado pelo mundo da cultura e da civilização, pelo mundo simbólico, pelo mundo da linguagem. Antes mesmo de um bebê nascer, ele já existe em uma cadeia de filiação. O bebê possui um nome e está imerso numa cultura que o atravessa e é a ele apresentada, primeiramente, pela sua mãe. As primeiras experiências do bebê com o mundo são mediadas pela mãe ou por alguém responsável pelo processo de “maternagem” (“metáfora materna”). A primeira marca que perpassa o corpo do bebê pode ser simbolizada pelo seio da mãe e produz um prazer a ser perseguido por toda a sua vida. Esta marca constitui o primeiro significante, denominado por Lacan de “significante mestre” - também representado como ‘S1’. O S1 inaugura a estrutura de base do sujeito – sua estrutura desejante. O prazer vivido e representado pelo “significante mestre” passa a ser perseguido pelo sujeito por toda a sua existência, colocando-o em movimento no mundo simbólico. Esse processo é denominado por Lacan de “metáfora materna”, também denominada “alienação”. É devido a essa marca inaugural de linguagem que caminhamos sempre em busca da satisfação de nossos desejos. 44 “Sempre pensei em ir a caminho do mar. Para os bichos e rios, nascer já é caminhar. Eu não sei o que os rios têm de homem e do mar. Sei que se sente o mesmo e exigente chamar” (MELO NETO, 2008, p.09). Mas estamos condenados a nunca mais reencontrar o objeto ou experiência promotores da satisfação de nossos primeiros desejos, porque essa marca (significante mestre – S1), cunhada no nosso inconsciente pela primeira experiência, não pode mais ser reproduzida. Como afirma Dewey: toda experiência é singular. Podemos rememorá-la, reconhecê-la, mas não podemos revivê-la. Se para Freud o desejo possui base empírica, representando um tempo mítico dos desejos satisfeitos pela mãe, para Lacan, “o desejo é a necessária relação do ser com a falta” (LACAN Apud BATAGLIA, s.d., n. 04, p. 18). O sujeito está condenado a não se reencontrar com o objeto de desejo perdido e precisa lidar com a falta deste objeto. Assim sendo, o sujeito desliza na cadeia de significantes em busca da satisfação de seus desejos. O “significante mestre” (S1) inicia uma cadeia metonímica que pode ser assim representada: [S1.....S2.....S3.....S4.....S5.....]. Como o significante mestre ou “S1” não pode ser reproduzido, o sujeito marcado pelo “S1” (significante mestre) acaba por substituí-lo por outros objetos: [...S2.....S3.....S4.....S5.....]. Os significantes dialogam entre si, revelando um sentido expresso e outro sentido latente. Na metonímia1 existe uma relação de contiguidade, de deslizamento; o emprego de uma palavra no lugar de outra que a sugere. “O bem dizer não diz onde está o BEM” (LACAN, Apud CESAROTTO,s.d.,p.24). O S1 marca, instaura no bebê o desejo, a fome, a fome de cultura e de linguagem. Sujeito desejante tem fome do outro, deseja o outro, deseja a palavra, assim como o bebê, no momento da maternagem, deseja engolir o seio materno. Contudo, o sujeito desejante está impossibilitado de engolir toda a cultura. Esse gozo absoluto é impossível. Lacan nomeia “gozo” a busca pela plenitude, e não a plenitude. ________________________ 1. Metonímia ou sinédoque - Consiste na substituição de um termo por outro termo com o qual mantém uma estreita relação de significado (o continente pelo conteúdo, o que está fora pelo que está dentro, a parte pelo todo ou o todo pela parte): Qual branca vela n’amplidão das nuvens. (barco) – CASTRO ALVES. Antologia poética. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996./O bonde passa cheio de pernas. (pessoas) – DRUMOND DE ANDRADE, Carlos. Poesia completa e prosa. R.J.: Aguilar, 1973. In SARMENTO, Leila Lauar. Gramática em textos. São Paulo: Moderna, 2005, p. 573. 45 O “outro”, representado pela mãe ou pela pessoa responsável pela maternagem/alienação, não só fornece a imagem ideal de corpo para o bebê, mas o marca, perpassando-o pela libido; penetra, fura o sujeito. Na Psicanálise, o corpo não é meramente um corpo biológico, é objeto do outro e, ao mesmo tempo, lugar onde os próprios objetos e desejos se particularizam. Por isso, há um drama marcado pelo conflito entre a imposição do desejo do outro versus o desejo de sustentar o próprio desejo. O desejo é sempre outra coisa que não complementa a imagem, não satisfaz as pulsões. Para Lacan, ficar com o “significante mestre” (S1) significa parar no percurso de constituição da subjetividade. Esta é uma situação em que o sujeito fica petrificado no desejo do outro, não sustenta o próprio desejo. É o que Lacan denomina de alienação. Na Psicanálise, a “alienação” tem um sentido bem diferente da Filosofia. Para a Psicanálise, a “alienação” é um destino, pois não sobreviveríamos, nem tampouco entraríamos no mundo da cultura, se não passássemos pela maternagem (pela experiência de “alienação”). A “alienação” é o primeiro momento da entrada do sujeito no mundo da cultura e da civilização, constituindo-se em um processo de grande importância. A “alienação” é a primeira forma de contato com a linguagem que ocorre por meio da mãe ou por um outro responsável pela “metáfora materna”. Trata-se de uma relação prazerosa e confortável; uma relação imaginária de completude. Bebê e mãe se completam (uma sensação mítica de completude em que o bebê permanece alienado no desejo da mãe). Este é um momento singular e importante para a sobrevivência do bebê. Mas o sujeito tem que seguir seu caminho, fazer suas escolhas, não pode ficar petrificado no desejo da mãe. Para evitar a petrificação no S1 (“significante mestre”), faz-se necessária a “metáfora paterna” ou “separação”, a qual acontece pela experiência da “castração”. A “castração” é a lei que interdita o incesto ou a ilusão da completude imaginária entre a mãe e o bebê. Fundamenta-se pela falta do objeto imaginário, ou seja, a “castração” é uma ação simbólica que rompe com a ilusão de uma satisfação plena proporcionada por um par complementar. 46 O agente que opera este corte é um agente real, que introduz na relação criança/mãe outro elemento que lhes servirá de intermediário e marcará que entre um e outro haverá sempre um abismo de incompreensão. Este elemento é “o nome do pai”. A mãe deixa de ser plena. A experiência de “maternagem”, definida por Lacan como processo de “alienação”, importante e constitutiva do sujeito como um destino ligado à linguagem, dá lugar ao verdadeiro amor; dá lugar à falta, dá lugar à “castração”. Na experiência de “castração”, o sujeito reconhece que não há um par complementar e nem tampouco existe a possibilidade de recuperar o objeto de desejo perdido. É preciso transformá-lo, criar um objeto substituto ou um sub-rogado para prosseguir. O sentimento de falta promovido pela castração movimenta o sujeito para a construção de novas metáforas que façam sentido para a sua existência. A falta proporcionada pela castração possibilita uma construção simbólica e é uma prova de amor. Segundo Lacan, “Amar é dar aquilo que não se tem. É dar a falta” (LACAN Apud CESAROTTO, s.d., n. 04, p. 24). A castração permite saltos na cadeia metonímica, substituindo essa figura de linguagem pela metáfora2, através da qual o sujeito, por meio de uma ação simbólica, transmuta, transpõe a realidade. Na metáfora, observamos substituição, mudança, transposição, transmutação, transfiguração. O emprego de uma palavra no sentido diferente do próprio, por analogia ou semelhança. “(...) Totalmente outro é o caminhar incerto do imaginário. Isso culmina num saber raro; um saber que, ao mesmo tempo, revela e oculta a própria coisa descrita por ele; um saber que encerra, para os espíritos finos, verdades múltiplas sob os arabescos das metáforas; um saber que deixa a cada um o cuidado de desvelar, isto é, de compreender por si mesmo e para si mesmo o que convém descobrir; um saber de certa forma iniciático. (...) Nessa busca do Graal, a metáfora tem um papel privilegiado, por integrar os sentidos à progressão intelectual” (MAFFESOLI, 1998, p. 21). A Psicanálise ajuda-nos a compreender que se apropriar plenamente do “grande outro”, de toda a cultura, é absolutamente impossível. O “grande outro” não pode ser 2. Metáfora – Consiste no emprego de uma palavra fora do seu sentido próprio, tendo como base uma comparação subentendida, já que a conjunção comparativa não aparece claramente: Em praias [como se fossem] de indiferença navega meu coração. MEIRELES, Cecília. Obra poética. R. J.: Aguilar, 1972. Ó mar salgado, quanto do teu sal são [como se fossem] lágrimas de Portugal! PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: FTD, 1992. In SARMENTO, Leila Lauar. Gramática em textos. São Paulo: Moderna, 2005, p.573. 47 apreendido pelo sujeito em toda sua totalidade. Porém, aproximamo-nos do “tesouro dos significantes” e retiramos algumas de suas preciosidades quando criamos substitutos para nosso objeto perdido; quando metaforizamos. Ao passar pelo processo de castração, o sujeito rompe com a ilusão de encontrar o objeto perdido ou encontrar um par complementar que o forneça, saltando da cadeia metonímica para a cadeia metafórica. Quando isso acontece, deixa de buscar outro significante e acaba por produzir suas próprias marcas simbólicas no “grande outro”. Ao invés de retirar um objeto ou