UNESP UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA Antonio Sylvio Vieira de Oliveira O Ensino do Cálculo Diferencial e Integral na Escola Politécnica de São Paulo, no ano de 1904: uma análise documental INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Rio Claro 2004 Antonio Sylvio Vieira de Oliveira O Ensino do Cálculo Diferencial e Integral na Escola Politécnica de São Paulo, no ano de 1904: uma análise documental Dissertação de Mestrado elaborada junto ao curso de Pós-Graduação em Educação Matemática, Área de Concentração em Ensino e Aprendizagem de Matemática e seus Fundamentos Filosófico-Científicos, do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, da Universidade Estadual Paulista, para a obtenção do título de Mestre em Educação Matemática. Orientador: Prof. Dr. Marcos Vieira Teixeira Rio Claro 2004 510.09 Oliveira, Antonio Sylvio Vieira de O48e O ensino de cálculo diferencial e integral na Escola Politécnica de São Paulo, no ano de 1904 : uma análise documental / Antonio Sylvio Vieira de Oliveira. – Rio Claro : [s.n.], 2003 135 f. : il., tabs. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Marcos Vieira Teixeira 1. Matemática - História. 2. Análise de conteúdo. 3. Rodolpho de San Thiago. I. Título Ficha Catalográfica elaborada pela STATI – Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP Antonio Sylvio Vieira de Oliveira O Ensino do Cálculo Diferencial e Integral na Escola Politécnica de São Paulo, no ano de 1904: uma análise documental Dissertação de Mestrado elaborada junto ao curso de Pós-Graduação em Educação Matemática, Área de Concentração em Ensino e Aprendizagem de Matemática e seus Fundamentos Filosófico-Científicos, do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, da Universidade Estadual Paulista, para a obtenção do título de Mestre em Educação Matemática. Rio Claro, ____/ ____/____ Banca Examinadora Prof. Doutor _____________________________________- UNESP – Orientador Prof. Doutor _____________________________________ - UNESP – Examinador Prof. Doutor _____________________________________ - USP - Examinador Rio Claro 2004 AGRADEÇO Ao Professor Doutor Antonio Carlos Carrera de Souza, que me indicou o caminho das pedras. Ao Professor Doutor Roberto Ribeiro Baldino, pelo reforço teórico. Ao Professor Doutor Marcos Vieira Teixeira, pela orientação segura e paciência em debater minhas incontáveis dúvidas. Aos amigos que me incentivaram e, em particular, a Ana Maria, pelo carinho e presteza que atendeu os meus inconvenientes pedidos de auxílio. Á Universidade Guarulhos, pelo apoio financeiro e pela confiança em meu trabalho de pesquisa. RESUMO O objetivo deste trabalho é analisar o Curso de Cálculo Diferencial e Integral ministrado no curso básico da Escola Politécnica de São Paulo, no ano de 1904. .A proposta foi desenvolvida por meio de uma pesquisa histórico-documental realizada nas bibliotecas da Instituição e em outros Centros da Universidade de São Paulo. Inclui uma análise de conteúdo de um texto didático organizado por um aluno da disciplina nesse período, além de outras informações pertinentes sobre o Curso e a Escola. A intenção é investigar a produção de conhecimento e delinear o fazer matemático na Politécnica na época. Palavras-chave: Cálculo, análise de conteúdo, Rodolpho de San Thiago, Escola Politécnica, História da Matemática. ABSTRACT The purpose of this project is to analyse the undergraduate course on Differential and Integral Calculus as it was taught in the basic Engineering Course at “Escola Politécnica de São Paulo” in 1904. The study was developed by means of a historical and documentary research in different libraries and departments of University of São Paulo. The work unfolds the contents of an instructive text compiled by a student regularly enrolled in the mentioned course at the time. Moreover, it also brings about some relevant information and distinctive aspects of the course in question. In brief the project aims at investigating the knowledge production, as well as the learning and teaching procedures at “Escola Poltécnica” in the first decade of the XXth Century. Key words: Calculus, analysis of contents, Rodolpho de San Thiago, “Escola Politécnica”, History of Mathematics. SUMÁRIO Introdução .............................................................................................................. 07 Capítulo 1 – Uma história social formalizada ......................................................... 11 Capítulo 2 – Os cursos básicos da Escola Politécnica em seus primeiros anos..... 16 Capítulo 3 – O Cálculo Diferencial e Integral e a Análise da Escola Politécnica .. 22 Capítulo 4 – Conclusões ......................................................................................... 51 Referências ............................................................................................................. 56 Apêndice A – Exame de texto: Premiers Éléments du Calcul Infinitesimal ............ 59 Apêndice B – Exame de texto: Lezioni di Analisi .................................................... 69 Anexos ..................................................................................................................... 96 Anexo A – Decreto de criação da Escola Politécnica de São Paulo ....................... 97 Anexo B – Pessoal administrativo e docente da Escola Politécnica (1895,1900) ... 98 Anexo C – Horário de aulas do Curso Fundamental da Escola Politécnica ............104 Anexo D – Programas de Cálculo Diferencial e Integral (1899, 1903, 1930) .........105 Anexo E – Homenagens a Rodolpho Baptista de San Thiago ................................116 Anexo F – Curso de Cálculo de Rodolpho Baptista de San Thiago ........................121 7 INTRODUÇÃO O objetivo desta pesquisa é analisar o desenvolvimento do ensino do Cálculo Diferencial e Integral na Escola Politécnica de São Paulo, no final do século XIX até o início do século XX. Até o início da década de trinta, a Matemática Superior, em nosso País, era ministrada nas Escolas de Engenharia. Em São Paulo, o Cálculo Diferencial e Integral era disciplina dos primeiros anos dos cursos da Escola Politécnica, fundada em 1893. Na constituição de seu ciclo básico, de suporte para as disciplinas técnicas de formação do engenheiro, apareceram preliminarmente a Matemática Elementar, a Geometria, a Trigonometria e o Desenho, que atuavam como pontes do Ensino Médio para o Superior. Logo após, surgiu a Geometria Analítica no papel de gênese de fundamentação, com a metáfora básica: os pontos são números. Esta foi a Primeira Cadeira do Curso Fundamental. O Cálculo Infinitesimal, Segunda Cadeira do Curso Fundamental, estava localizado no segundo ano de curso. Era, como é, o modelo matemático de movimento1 para fenômenos previsíveis, tratando de taxas de variação de grandezas próprias para a Engenharia. Assumimos a análise dessa disciplina, por um caderno de aluno do Curso de Cálculo ministrado no ano de 1904 da Escola Politécnica, como uma busca do conhecimento de como era feita a Matemática na época. Esse manual foi escrito por um aluno, Adriano Goulin, que assistiu às aulas de Rodolfo Baptista de San Thiago, professor responsável pelo Cálculo Infinitesimal na Instituição. Nossa linha de pesquisa pertence a um tema voltado à interligação entre o conteúdo e sua aplicação educacional, pertencendo a uma frente denominada história de disciplina, nos termos de Baroni e Nobre (1999). 1 Segundo Zuin (2001, p. 13), “[...] na Matemática, através do Cálculo estuda-se a variação e o movimento”. 8 Optamos por uma perspectiva histórica da análise com dois focos de interesse, aos quais dedicamos a nossa atenção nesse estudo. O primeiro é o ambiente-época em que o ensino é desenvolvido. Um objetivo é o de explicitar as preferências existentes na Escola Politécnica, relacionadas com a Matemática e, em particular, com o Cálculo. Outro é o de analisar a disciplina em termos de conteúdos e necessidades. O segundo foco é uma reflexão sobre a historiografia e a integração da História da Matemática com a Pedagogia, pelo exame do discurso dos livros didáticos usados e dos documentos escolares vigentes. Essa reflexão está relacionada com o papel dos livros-texto de Cálculo, na forma das práticas educacionais, e com as influências exercidas por esses textos sobre alunos e professores. Acreditamos, seguindo Seiji Hariki (1992), que é relevante para a Educação a análise do discurso dos livros didáticos de Matemática: como os autores negociam significados, perspectivas e valores com os leitores. Ainda de acordo com Hariki, as leis da lógica formal governam as transmissões de informações, as regras da heurística controlam a construção do conhecimento matemático e a retórica domina a negociação de significados. Estão presentes, no texto matemático didático, as situações de conflito entre a lógica formal e a heurística, entre a lógica formal e a retórica ou, também, entre a lógica formal e a intuição. Cabem aos autores a habilidade e a criatividade suficientes no tratamento desses problemas, em proveito da exposição clara. A nossa análise do discurso matemático desses autores deve conter esses pressupostos como ponto de partida. Deve, também, incluir outros quesitos mais refinados de estilo matemático, de domínio do discurso, de época e de clareza de exposição. Pretendemos, especificamente, uma análise de conteúdo aliada à informação documental. Tomando por referência Laurence Bardin (1977, p. 45) [...] a análise de conteúdo tem por finalidade a descrição do conteúdo e de sua expressão, para ressaltar indicadores que levem à confirmação e infirmação de hipóteses e também conduzam a descobertas. [...] A análise documental é um conjunto de operações, visando representar o conteúdo de um documento de uma forma diferente da original, a fim de, num estágio ulterior, facilitar sua consulta e referenciação. 9 As duas análises objetivam evidenciar a axiologia subjacente aos manuais escolares de Cálculo. Dessa forma, indicarão o rastro histórico determinado que, apoiado na descrição epistemológica, levará à concepção de como se faz Matemática. Esse fazer é relevante, porque conduzirá a novas questões epistemológicas e, também, a questões metafísicas que terão ressonância no aprendizado da disciplina. A metodologia adotada foi a pesquisa histórica documental e oral. A investigação documental ocorreu nas bibliotecas da Escola Politécnica e no Centro de Apoio à Pesquisa em História Sergio Buarque de Holanda da Universidade de São Paulo. A oral foi realizada por meio de entrevistas com pessoas que, preferencialmente, estejam ou estiveram trabalhando em Cálculo. Optamos por uma divisão da dissertação em quatro capítulos. O primeiro trata do ambiente-época no qual a Escola Politécnica surgiu e dos fatores ligados à sua fundação. O segundo capítulo contém uma descrição da primeira organização didática da Escola e das alterações de sua estrutura curricular que influenciaram os cursos de Cálculo e Análise na Instituição. No terceiro capítulo aparecem as diretrizes por nós pretendidas com a análise do texto de Cálculo Diferencial e Integral de 1904, ministrado por Rodolpho Baptista de San Thiago, na Politécnica. Essa leitura é baseada em critérios atuais de análise de textos didáticos, mas não tem a finalidade de comparar os conteúdos dos livros de época com as direções assumidas pelo ensino do Cálculo Diferencial e Integral contemporâneo. Nossa preocupação é a de uma interpretação obtida à luz da Educação Matemática, preservando coordenadas espaço-temporais do texto, e mostrando um recorte do desenvolvimento da Matemática no Brasil e de seu Ensino. O quarto capítulo é reservado às conclusões. Ao final, encontram-se no apêndice as análises de duas obras ligadas ao curso de San Thiago: o livro por ele adotado, Premiers Éléments du Calcul Infinitesimal, de Hyppolite Sonnet2, e o texto Lezioni di Analisi, de Francesco Severi3, 2 Hippolyte Sonnet (1803-1879). 3 Francesco Severi (1879-1961) – matemático italiano, professor das Universidades de Parma e de Roma, com contribuições em diversas áreas da Matemática, particularmente em Geometria. 10 utilizado no período imediatamente após a fase de San Thiago na Escola, quando foi criada a Universidade de São Paulo. 11 CAPÍTULO 1 UMA HISTÓRIA SOCIAL FORMALIZADA Com o título acima desejamos evocar as relações entre o sentido do passado e a história. O passado como uma função social, e a história analisando a sua natureza e localizando as suas mudanças e transformações nas sociedades. Segundo Hobsbawm (1997, p. 23), “o passado é e deve ser claramente uma seleção particular daquilo que é lembrado, ou capaz de ser lembrado”. Hobsbawm define o passado como dependente das circunstâncias de escolha nas sociedades. É construído pela relação de eventos que os homens consideram importantes e, portanto, incorporam para as gerações seguintes. Em geral, o passado social e formalizado fixa o padrão para o presente, tendo valor de registro, de costume, de lei como tradição, e de sabedoria. Isso não exclui a flexibilidade que permite transformações. A crença de que o passado modela o presente não é verdadeira. Mesmo as sociedades tradicionais não são estáticas ou imutáveis; inovações ocorrem, e o quadro de tradições torna-se flexível, embora a mudança histórica possa apresentar um ritmo lento. Grandes inovações sociais surgem quando as sociedades são lançadas em um contexto de mudança social drástica, em que sua estrutura normativa do passado é tensionada até a ruptura. A inovação constante é mais prontamente aceita em setores ligados à ciência e à tecnologia, em que o controle humano é exercido sobre a natureza e de forma vantajosa, até para os tradicionalistas. Nossa história social formalizada pertence a esse setor científico e tecnológico. Inicia-se com a criação da Escola de Engenharia em São Paulo, pelo Governo Estadual, no contexto das transformações da sociedade paulista e da brasileira ocorridas em fins do século XIX e início do século XX. Prossegue com a história da disciplina denominada Cálculo Infinitesimal, ministrada no início do século XX, nessa Escola, com uma fundamentação, que foi conservada por trinta anos. 12 A Escola Politécnica de São Paulo foi criada em 1893, sendo destinada à habilitação de engenheiros para atendimento da construção civil e do parque industrial em formação. Sua sede localizava-se no solar do Marquês de Três Rios, que ocupava o número 1 da Avenida Tiradentes, na cidade de São Paulo, e foi adquirido, no mesmo ano de sua criação, pelo Governo do Estado, para abrigar a Escola. O Brasil encontrava-se em processo de transformação de sua sociedade, de base econômica agro-exportadora para uma base urbano-industrial. Os engenheiros tinham grande importância para o desenvolvimento de empreendimentos relativos aos transportes, à mineração e aos desafios da urbanização que se processava, particularmente, no sudeste do país. Segundo Schneider (1996), a gênese industrial brasileira é encontrada no período entre 1886 e 1894. As indústrias têxteis, os moinhos, as cervejarias e os empregados metalúrgicos de indústrias leves cresceram durante os anos oitenta e aceleraram o seu crescimento na década de noventa, com o excesso de capital oriundo da exportação. Para exportar o café, o Estado de São Paulo, os fazendeiros e o capital externo fizeram investimentos prioritários nos transportes ferroviários. A malha ferroviária dobrou para 6 900 milhas em 1894 e excedeu 9 950 milhas na virada do século. A cidade de São Paulo, que possuía 20 000 habitantes nos meados do século XIX, chegou ao século XX com 240 000 habitantes. As plantações de café alcançaram desenvolvimento extraordinário trazendo a riqueza para a cidade. Sua topografia, no entanto, dificultava a sua expansão. Separando as freguesias da cidade, havia colinas, espigões, rios e várzeas alagadas, tornando necessárias várias obras de engenharia e saneamento. Os processos de industrialização e urbanização no país provocaram o crescimento acelerado da demanda social por escola e uma conseqüente mobilização das elites intelectuais em torno da reforma e da expansão do sistema educacional brasileiro. Dessa forma, na Educação, “as questões escolares eram examinadas em correlação com a definição histórica, sendo as oportunidades escolares tratadas de maneira articulada com as questões econômico-sociais e culturais”. (NORONHA; RIBEIRO; XAVIER, 1994, p. 122) A Escola Politécnica de São Paulo veio, assim, integrar, nos primeiros anos da República, o núcleo das Escolas de Engenharia, com a Escola Politécnica do Rio de 13 Janeiro, fundada em 1874 a partir da Escola Central, antiga Academia Real Militar, e com a Escola de Minas de Ouro Preto, de 1875. Esse conjunto foi acrescido, em 1896, da Escola de Engenharia Mackenzie, também sediada em São Paulo, e da Escola de Engenharia de Porto Alegre. O ato da fundação da Escola Politécnica deu-se, oficialmente, pelo projeto de criação de autoria do engenheiro Antonio Francisco de Paula Souza (1843-1917), quando era deputado estadual. Paula Souza era natural de Itu, cidade do interior paulista. Iniciou seus estudos na Escola Politécnica de Zurique e terminou-os na Karlsruhe, na Alemanha. Após um estágio de dois anos na construção de estradas de ferro nos Estados Unidos, voltou ao Brasil, onde continuou, por um período, na engenharia ferroviária. Tornou-se professor, escritor de livros sobre ciências e tecnologia, e organizador de políticas para essa área. Foi o primeiro diretor da Superintendência de Obras Públicas de São Paulo e ministro das Relações Econômicas, da Agricultura e da Aviação do governo Floriano Peixoto e dirigiu a Politécnica até a sua morte. Foi, também, professor na Escola das cadeiras de Resistência dos Materiais e Estabilidade das Construções, introduzindo o ensino do concreto armado nessas disciplinas, no Brasil. Criou, em 1899, o gabinete de Resistência dos Materiais da Escola Politécnica de São Paulo dedicado à pesquisa tecnológica e cujas atividades tiveram início em 1903. A partir do Gabinete de Resistência dos Materiais constituía-se um instituto de pesquisas em tecnologia, que se tornaria um respeitável centro de projetos e de ensaios voltado às necessidades da indústria. O Gabinete foi projetado pelo professor suíço Ludwig von Tetmayer, sendo seu primeiro diretor o alemão Wilhelm Fisher, auxiliado pelo politécnico Hippoliyto Gustavo Pujol. Supervisionava ensaios realizados pelos alunos sobre a resistência de materiais em uso corrente na construção civil, sendo, no início, um departamento essencialmente didático, que atendia a formação dos futuros engenheiros. Transformado em Laboratório de Ensaios de Materiais (1926), passou a atender as necessidades da pesquisa tecnológica, servindo às indústrias, sobretudo à de construção civil. O nome atual: Instituto de Pesquisas Tecnológicas, IPT, surgiu em 1934. 14 Alvim e Goulart (1994, p.48) afirmam que: o apoio tecnológico oferecido pela Escola Politécnica, pelo IPT e por outros institutos brasileiros abriu caminho para o País ingressar no setor de construção pesada, anos depois, com indústrias de base, hidroelétricas e grandes estradas, além de fornecer subsídios para a cidade de São Paulo, que ao longo da década de trinta obteve taxas de crescimento explosivas. Deve-se levar em conta que, nessa época, um novo ideário urbano era objeto de debates na capital federal brasileira de então, o Rio de Janeiro, e na emergente São Paulo. Os processos de infra-estrutura e urbanização em São Paulo adquiriam urgência e importância estratégica, já que se tratava da inserção do mesmo, e do Brasil, na economia mundial da chamada Segunda Revolução Industrial. Os fundamentos das propostas abrangiam a formação de um mercado de trabalho, a institucionalização de um mercado de terras, a ampliação de um mercado de consumo, enfim, assuntos relativos à industrialização e à urbanização das cidades. Nesse cenário de transformações é que entra a importância das Escolas de Engenharia e dos laboratórios de pesquisa, pois a indústria da construção enfrenta desafios econômicos e técnicos, ou seja, as obras necessárias às construções de uma infra-estrutura urbana, energética e de transporte ligam-se às origens da Engenharia e da Arquitetura no Brasil. Segundo Gitahy (apud COSTA, 2003, p. 69), “os processos que levaram à constituição do assim chamado ‘complexo cafeeiro’ no Brasil da segunda metade do século XIX são contemporâneos à difusão mundial do uso do concreto”. A riqueza do café marcou o enriquecimento de São Paulo nos fins do século XIX e no início do século XX. Nessa época, o engenheiro baiano Samuel Neves (1863 – 1937) tinha um escritório técnico especializado em cálculos de grandes estruturas em São Paulo. Seus calculistas, no entanto, eram alemães, por falta de brasileiros no ramo. Não se formara uma competência nacional, quer para o cálculo, quer para a pesquisa. Esse saber surgiu em São Paulo com o Gabinete de Resistência dos Materiais. O estudo experimental e os ensaios de material utilizados no primeiro edifício de concreto armado em São Paulo, o Guinle, de oito andares, na rua Direita, foram uma contribuição pioneira à cidade. Esse estudo esteve sob a responsabilidade de Hippolyto Pujol e Carlos Barbosa de Oliveira, engenheiros formados na Escola. 15 Segundo Costa (2003, p. 69), [...] todo processo de urbanização está calcado no desenvolvimento de conhecimento que, de uma forma ou de outra , busca se legitimar e se institucionalizar. Nesse sentido a fundação da Escola Politécnica de São Paulo surge no bojo do crescente processo de urbanização do Estado, retroalimentando-o. A fundação da Escola está articulada a um conjunto de medidas vinculadas ao projeto nacional que a burguesia cafeeira paulista de então impulsionava. No caso da Escola Politécnica, o desenvolvimento do conhecimento não é limitado apenas ao saber técnico científico, transcende para o sistema educacional como um todo e desemboca na pesquisa, como alavanca de reforma na cultura e na sociedade. Se nos limitarmos à ciência e à técnica, a Escola cristalizou a consciência sobre a realidade urbana em São Paulo, como um conjunto de obras a se realizar para o atendimento de sua expansão. Essa consciência não significou uma alteração real e imediata no quadro das realizações urbanas, por falta de recursos financeiros do poder público para assumir empreendimentos de grande vulto. Somente a iniciativa privada arriscava capitais em realizações, oferecendo propostas articuladas segundo o seu interesse. Quanto à Nação, o governo da República não possuía uma política para a ciência e para a tecnologia, “assunto que revelava ter uma compreensão simplória e algo deformada, fruto de uma cultura positivista e imediatista, de uma racionalidade rasteira”. (Revista Pesquisa FAPESP, 2000, p. 24) A atenção nacional pela ciência e tecnologia, pelos movimentos educacionais, pelos eventos culturais e outras questões da esfera cultural e sócio-política, surgiu lentamente durante as primeiras três décadas do século passado. Essa atenção não foi e não é ainda suficiente para determinar um sentido de futuro. É uma questão complexa, que envolve vontade política, estabilidade financeira, capacidade de implantação, imediatismo, dependência e outros problemas, que não é para ser discutida neste trabalho. 16 CAPÍTULO 2 OS CURSOS BÁSICOS DA ESCOLA POLITÉCNICA EM SEUS PRIMEIROS ANOS A criação da Escola Politécnica inicia-se com a eleição de Antônio Francisco de Paula Souza para deputado estadual, em 1892. Em suas funções legislativas, o engenheiro dedicou-se à organização do ensino superior de ciências e tecnologia em São Paulo, apresentando o Projeto de Lei nº 9 à Câmara de Deputados de São Paulo, autorizando o Estado a criar o “Instituto Polytechnico de São Paulo” – o qual combinaria um aprendizado técnico ao de ciências aplicadas às artes e às indústrias. Vargas (1994, p. 16) descreve a constituição da nova Escola Politécnica na forma seguinte: Este instituto seria composto de um curso preliminar, capaz de preparar técnicos para a indústria, topógrafos e projetistas; e cursos especiais, a serem criados posteriormente de engenharia civil, mecânica, arquitetura, química industrial, agricultura e, também, de ciências matemáticas e naturais. O projeto sofreu críticas na imprensa, em artigos assinados por Euclides da Cunha, e, na própria Câmara, forte oposição do deputado Gabriel Passos. Alfredo Pujol encarregou-se de sua defesa na Casa, apresentando substitutivo que autorizava a criação de uma Escola de Engenharia e uma outra de Agricultura. Ao final, o projeto foi aprovado, e a Politécnica foi inaugurada sob a direção de Paula Souza, sendo vice-diretor Luiz Anhaia Mello. Além destes, são fundadores os 17 lentes Francisco de Paula Ramos de Azevedo1 e Carlos Gomes de Souza Shalders2, que se tornaram, posteriormente, diretores da Escola. A Escola Politécnica de São Paulo foi criada pela lei nº 191, de 24 de agosto de 1893, assinada pelo presidente do Estado de São Paulo, Bernardino de Campos. Esse dispositivo legal aprovava o Regulamento da Escola, que, de acordo com o “Diario Official” do Estado de São Paulo, de 7 de setembro de 18933, estipulava em seus dois primeiros artigos: Artigo 10. Fica creada na cidade de São Paulo uma escola superior de mathematicas e sciencias applicadas às artes e industrias, que se denominará “Escola Polytechnica de S. Paulo”. Artigo 20. A Escola Polytechnica compor-se-á dos cursos especiaes que forem creados por lei, opportunamente, alem dos seguintes: 10 Curso de engenharia civil 20 Curso de engenharia industrial 30 Curso de engenharia agricola 40 Curso annexo de artes mechanicas. O artigo 30 do decreto lei estipulava a distribuição das cadeiras e aulas nos cinco anos de estudo de cada um dos cursos. O primeiro regulamento da nova Politécnica foi a Lei Estadual de 24/08/1893, na qual a Escola foi definida como uma instituição superior de Matemática e de Ciências aplicadas às artes e indústrias, caracterizada pelo desenvolvimento do ensino experimental e da instrução prática. Determinava condições de matrícula, a aceitação de alunos ouvintes, o regime de freqüência livre e a existência de bagagem. Essa era uma forma de expressão referente ao aproveitamento de cursos anteriores realizados pelos alunos. Segundo Loschiavo dos Santos (1985, p. 273), um ano após a sua criação, o programa de ensino da Politécnica foi transformado pelo seu segundo regulamento, o decreto estadual nº 270-A, de 20/11/1894, que estipulava uma divisão desses programas em Curso Fundamental, transmitindo matérias básicas, e Cursos Especiais, para formar Engenheiros Civis, Engenheiros Arquitetos, Engenheiros Industriais, Mecânicos e Maquinistas. 1 Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928) – vice-diretor, no período 1900-1917, e diretor, no período 1917-1928, na Escola Politécnica. 2 Carlos Gomes de Souza Shalders (1863-1963) – diretor da Escola Politécnica, no período 1931- 1933; professor de Matemática Elementar, Trigonometria Retilínea e Esférica e Álgebra Superior, na mesma Escola. 3 Anexo A, p. 97. 18 O Curso Fundamental era composto de duas partes: Curso Preliminar, com um ano de duração, e Curso Geral, com dois anos de duração. A primeira distribuição das disciplinas nesses cursos, em 1894, foi a seguinte: Curso Preliminar Cadeiras : Matemática Elementar (revisão e complementos), Trigonometria Retilínea e Esférica, Álgebra Superior. Rudimentos de Geometria Analítica e Geometria Descritiva. Aulas : Escrituração Mercantil. Desenho à mão livre e Geometria Elementar. O Curso Preliminar tinha a função de curso de nivelamento para os iniciantes, com a revisão do Ensino Médio acrescida de uma complementação, que auxiliaria o acompanhamento das disciplinas futuras. Curso Geral. Primeiro Ano Cadeiras : Geometria Analítica a duas e três dimensões. Geometria Superior. Cálculo Infinitesimal. Geometria Descritiva. Física Geral e Meteorologia. Aula: Desenho Geométrico e Ornamentos. Curso Geral. Segundo Ano Cadeiras : Mecânica Racional. Topografia, Elementos de Geodésica e Astronomia. Aplicação de Geometria Descritiva. Química Geral e Noções de Ciências Naturais. Aula : Desenho Topográfico e de Arquitetura. Era no Curso Geral que se iniciavam as disciplinas pertinentes de um ciclo básico do Curso, em particular o Cálculo e a Física, com a Mecânica Racional como uma disciplina específica, dada em separado da Física Geral. A Descritiva, a Topografia e o Desenho de Arquitetura surgiam como disciplinas aplicadas. 19 O mesmo decreto, que organizava a parte básica, estipulava que a habilitação nas matérias do Curso Fundamental dava direito aos títulos de contador, agrimensor e engenheiro geógrafo. O título de contador era conferido ao aluno devidamente habilitado nas disciplinas do Curso Preliminar (um ano), o que constituía novidade didática e profissional. Segundo ainda Loschiavo dos Santos (1985, p. 280): [...] este é um aspecto extremamente importante da organização didática da Escola Politécnica de 1894 pois, além dos cursos básicos constituírem a base comum de vários cursos de Engenharia, foi através deles que se instituiu o primeiro diploma de contador do País, evidenciando assim a contribuição da Politécnica para o desenvolvimento do ensino da Economia e Contabilidade, desde o final do século passado. As primeiras escolas de Comércio no Brasil só vieram a ser instaladas em 1902: a Academia de Comércio de São Paulo e a Escola Prática de Comércio de São Paulo. O título de Agrimensor era conferido ao aluno habilitado nas matérias do Curso Preliminar, nas cadeiras do Curso Geral de Física Geral e Meteorologia e de Topografia, Elementos de Geodésica e Astronomia, e na aula de Desenho Topográfico e Elementos de Arquitetura. O título de Engenheiro Geógrafo era conferido ao aluno habilitado em todas as cadeiras do Curso Preliminar e Geral. Essas qualificações eram um atrativo para o aluno adquirir um trabalho sem se afastar da profissão que escolhera. Mais tarde, em 1897, um decreto estadual agrupava o curso profissionalizante da Escola em duas secções, da seguinte forma: o decreto estadual nº 485, de 30/9/1897, agrupou os Cursos Especiais de formação do Engenheiro em duas divisões. A primeira integrada pelos cursos de Engenheiros Civis, Arquitetos, Industriais e Agrônomos. A segunda divisão agrupava os cursos de Mecânicos, Condutores de Trabalhos, Agrimensores, Maquinistas e Contadores. A partir dessas regulamentações iniciais, o programa de ensino das disciplinas da Escola Politécnica sofreu modificações, nos anos referidos neste trabalho, por leis federais e estaduais e por decisões de seu corpo administrativo e docente. As alterações principais das disciplinas básicas dizem respeito à Geometria Analítica, que era dada no Curso Preliminar, de uma forma introdutória e no Curso Geral, na forma vetorial, oficialmente após 1925. A Geometria Analítica era uma disciplina 20 independente, com a sigla de Primeira Cadeira do Curso Geral, e esteve ligada ao Cálculo Infinitesimal por um período de dezesseis ou dezessete anos. Em 1901, foram reunidas em uma só cadeira as disciplinas de Geometria Analítica e Cálculo Infinitesimal. Essa junção durou até 1918, quando, em nova reforma, foram separadas. Durante essa união, as disciplinas ficaram sob a responsabilidade de um só professor. No ano de 1911, os Complementos de Matemática Elementar passaram a constituir duas cadeiras do Curso Preliminar, uma das quais abrangia a Trigonometria Esférica, que era dada em Astronomia e Geodésica. Em 1918, em uma mudança mais abrangente, os Complementos de Matemática Elementar e a Álgebra Superior concentraram-se em uma só cadeira, e a Física Experimental passou a ser dada em três anos. O título de Contador foi extinto, pois a aula de Contabilidade foi deslocada do Curso Fundamental para o último ano dos cursos especiais. Outra mudança ocorreu em 1925: uma Introdução de Elementos de Geometria Analítica passou a ser uma disciplina do Curso Preliminar. Introdução de Vetores e Nomografia começou a ser ministrada na Primeira Cadeira do Curso Geral. Essa foi uma transformação importante, porque o Curso Preliminar voltou a ter um curso introdutório de Geometria Analítica, e a Primeira Cadeira cuidava da Geometria Analítica Vetorial. Em 1932, o Cálculo Vetorial desligou-se da Geometria Analítica e Projetiva, figurando como parte introdutória da cadeira de Mecânica Racional. A Primeira Cadeira passou a reunir Complementos de Matemática Elementar, Álgebra Superior, Elementos de Geometria Plana e no Espaço. A Geometria Analítica e a Nomografia, que pertenciam à Primeira Cadeira, foram reunidas ao Cálculo Diferencial e Integral. Em 1934, foi criada a Universidade de São Paulo, sendo a Escola Politécnica a ela incorporada. O ensino de matérias básicas passou a ser ministrado no Colégio Universitário, agora com dois anos de duração e destinado à preparação dos candidatos aos cursos das Faculdades ou Escolas integrantes da USP. O órgão era dividido em cinco seções; a terceira seção era destinada à preparação para a Escola Politécnica e para as Ciências: Matemática, Física e Química, da nova Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. 21 Os anos 30 marcaram mudanças na estrutura da Escola Politécnica. As revoluções de 30 e 32 derrotaram “a política do café paulista e do leite mineiro e marcaram o fim de um primeiro período da Escola”. (VARGAS, 1994, p. 20) Vargas cita a criação da Universidade de São Paulo, em 1934, como o evento que transformou a formação dos engenheiros de São Paulo, representando o início de um novo período da Politécnica. Seria o professor Teodoro Augusto Ramos (1895-1936) – catedrático de Mecânica Racional e Cálculo Vetorial – “o mentor desse novo aspecto, em que a engenharia vai buscar a solução de seus problemas não só nas ciências aplicadas mas, também, nas próprias ciências então ditas puras”.4 Essa visão é dirigida à atuação de Teodoro Ramos, como um dos organizadores da Universidade, que trouxe para os cursos básicos os professores europeus especializados em Matemática e Física. Tais cursos eram ministrados em conjunto com a Seção de Ciências da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade. Apresentamos, no Anexo B5, os quadros do pessoal docente e administrativo responsável pelos cursos da Escola Politécnica, e, no Anexo D6, os programas de disciplina desse curso que são do nosso interesse. Tais programas da cadeira de Cálculo Infinitesimal são referentes aos anos de 1899 e 1900, do início da Escola. 4 VARGAS, op. cit., p. 20 5 p. 98-103. 6 p. 105-115 22 CAPÍTULO 3 O CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL E A ANÁLISE DA ESCOLA POLITÉCNICA A estrutura curricular da Escola Politécnica, em seu primeiro período de funcionamento, incluía as disciplinas do Curso Fundamental como básicas para os cursos específicos das Engenharias que se constituíam como parte principal. Loschiavo dos Santos (1985) ressalta o papel propedêutico da Matemática e das demais disciplinas do Curso Fundamental, bem como a importância do ensino da Matemática, da Física, da Química e das Ciências Naturais para a formação do Engenheiro. A Matemática, em particular o Cálculo Infinitesimal, exerceu o seu papel de disciplina de serviço na educação dos estudantes de engenharia. Tinha a finalidade de atender às necessidades dos estudantes em seu Curso, capacitando-os para o exercício de suas futuras funções. A Matemática é considerada, por muitas vezes, a serviço de atividades técnicas ou de outras ciências. Aparece como indispensável – no caso da Engenharia e áreas científicas afins – ou como muito útil, de uma importância complementar no caso de profissionais em geral. É uma necessidade cultural que une dois aspectos: modos matemáticos de pensar e um domínio de conhecimento essencial. Assume um estatuto que transcende a Matemática Pura, que exige a competência do saber, conjugando-a com a habilidade do saber fazer da Matemática Aplicada. Após essa ressalva, relativa ao papel do Cálculo Infinitesimal na Escola de Engenharia Politécnica, retomamos o seu início para focalizar a organização dos programas da disciplina nessa época. 23 O desenvolvimento dos programas de Cálculo, desde os primeiros anos da Escola até a década de 30, estava a cargo dos lentes catedráticos: Urbano Vasconcellos1 e Rodolpho Baptista de San Thiago2. Vasconcellos foi o primeiro professor a assumir a disciplina na Escola, em 1895, permanecendo no cargo até a sua morte prematura, em 1901. San Thiago, seu substituto, era professor da disciplina de Geometria Analítica e Secretário da Escola Politécnica. Acumulou as funções administrativas e assumiu o Cálculo Infinitesimal, que se fundiu com a Geometria Analítica compondo uma única disciplina. Essa reunião das duas disciplinas foi estabelecida pelo decreto nº 924, de 29/07/1901 e durou até 1918. Os dois professores apresentaram, cada um em seu tempo, programas idênticos para o Cálculo, que constam dos anuários de 1901 e 1906 da Escola. Uma cópia desses programas encontra-se transcrita neste trabalho.3 A disciplina iniciava com a noção de função, considerada como básica e seguida de três métodos para a fundamentação do Cálculo: o Método dos Limites, apresentando o que chamavam de “concepção de Newton”; o Método Infinitesimal, apresentando “a concepção de Leibniz”; e o Método das Derivadas, com a “concepção de Lagrange”. Esses métodos eram as idéias preliminares que fundamentavam o Curso de Cálculo desses professores. Conduziam o assunto diretamente ao Cálculo Diferencial, estabelecendo a noção de derivada, seguida de suas aplicações analíticas: desenvolvimento de funções em séries de potências e as fórmulas de Taylor para funções de uma e de duas variáveis. Também apareciam as aplicações geométricas das derivadas: a determinação da reta tangente a uma curva em um ponto, as diferenciais, as análises de curvas planas e de superfícies. Em seguida, constituía-se o Cálculo Integral, com a definição de integral, os processos de primitivação e o cálculo aproximado de integrais.Tudo com as devidas aplicações geométricas. No final, apareciam métodos de resolução de equações diferenciais de primeira ordem e de ordem superior, incluindo equações diferenciais lineares. Os programas não mencionam equações diferenciais a derivadas parciais. 1 Urbano de Vasconcellos (1864-1901) – Engenheiro civil, formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1886. Dentre suas atividades, destacamos, além do magistério, as funções de Secretário Geral na Escola Politécnica de São Paulo (1894 a 1896). 2 Rodolpho Baptista de San Thiago (1870-1933). 3 Anexo D, p. 105-110. 24 A introdução original, com os três métodos de fundamentação para o Cálculo, persistiu até 1932, sob a orientação de San Thiago, como pode ser comprovada pelos programas elaborados para a disciplina até esse ano. O estatuto de discursos fundadores, no sentido de Orlandi (2001), que esses métodos possuíam, manteve-se por mais de trinta anos na disciplina. Vasconcellos foi o iniciador dessa metodologia de trabalho, seguida por San Thiago após sua morte. Nomeado para o cargo de lente catedrático do Cálculo Infinitesimal, San Thiago ocupou-o até 1933, amparado pelo regime vigente de cátedra vitalícia. Por essa razão é uma personalidade central de nosso trabalho. Natural de Vassouras, Estado do Rio, San Thiago diplomou-se engenheiro civil pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1893. Nesse mesmo ano, alistou- se no Batalhão Acadêmico, lutou ao lado de Floriano Peixoto e, em seguida, trabalhou como engenheiro ferroviário no Ceará e como engenheiro de saneamento no interior e na capital de São Paulo. Entrou para o corpo docente da Escola Politécnica em 15 de outubro de 1898, primeiramente como professor substituto, chegando a catedrático. Em 1902, foi nomeado Secretário da Escola, cargo que ocupou por 26 anos, até 1928, quando se tornou Diretor, com a morte de Ramos de Azevedo. Faleceu em 29 de setembro de 1933. O anúncio de sua morte e uma homenagem ao professor San Thiago, proferida pelo professor Vitor da Silva Freire, que o sucedeu como diretor da Escola, mereceram publicações na revista O Politécnico. Encontram-se no Anexo E4. O livro adotado no início do Curso de Cálculo foi o Premiers Éléments du Calcul Infinitesimal, de H. Sonnet. Sua 6a edição, de 1902, era dirigida à carreira de engenheiro e fundamentava o Cálculo com a noção de infinitésimo, mantendo distinções em relação ao discurso de San Thiago. Esse discurso aparece em suas Notas de Aulas do Curso de Cálculo, de 1904, organizadas por Adriano Goulin, aluno da Politécnica na época. Sua análise constitui o principal objetivo deste trabalho. A fundamentação da disciplina, que serve de base para a construção do Curso de San Thiago, é apresentada por Goulin e foi incluída no Anexo F.5 4 p. 116-120. 5 p. 121-135. 25 Encontram-se, nos apêndices, as análises do livro de H. Sonnet, mencionado acima, e a obra de Francesco Severi: Lezioni di Analisi, que foi usada no curso da Politécnica, logo após o falecimento de San Thiago. Com a criação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em 1934, da Escola de Ciências da Universidade do Distrito Federal, em 1935, e da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, em 1939, apareceram os professores formados em Matemática e os centros principais de pesquisa dessa ciência no Brasil, transformando o cenário do ensino da Matemática em nosso Estado e no País. Na ocasião, o governo paulista designou o professor Theodoro Ramos6, da Escola Politécnica, para a tarefa de escolher os professores estrangeiros que deveriam lecionar no Curso de Matemática da Faculdade de Filosofia e em outras disciplinas científicas da Universidade de São Paulo. Theodoro Ramos cumpriu a incumbência eficientemente. Convidou o matemático italiano Luigi Fantappié7 para a cadeira de análise matemática, trazendo para a nova faculdade o seu prestígio e a sua determinação de trabalho. Fantappié era um matemático jovem, que já apresentava um currículo respeitável, com trabalhos relativos à Teoria dos Funcionais Analíticos. Segundo Oliveira Castro (1992, p. 63), em referência à sua passagem pela USP: Fantappié estimulou e promoveu a pesquisa na Universidade de São Paulo, criou a primeira biblioteca especializada em Matemática no país, organizou cursos e seminários, conseguindo bolsas para estudantes brasileiros no exterior; enfim, desenvolveu atividade intensa em favor da habilitação do matemático. Além da menção de Oliveira Castro, também Ubiratan D’Ambrosio (2000, p. 251) retrata esse período de desenvolvimento da Matemática no Brasil: 6 Theodoro Ramos (1895-1935). Engenheiro civil, formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1917. 7 Luigi Fantappié (1901-1956). 26 Com a inauguração da Universidade de São Paulo em 1934, novas possibilidades foram abertas para a matemática no Brasil. Podemos afirmar que o acontecimento representou o início da pesquisa sistemática em matemática no país. Luigi Fantappié e Giácomo Albanese8, renomados matemáticos italianos contratados pela Universidade de São Paulo, respectivamente nos campos de análise funcional e geometria algébrica foram os responsáveis pelo início de uma importante escola de pesquisa em São Paulo. A atividade de Fantappié no Brasil não esteve limitada ao Curso de Matemática. Inicialmente foi contratado para dar aulas na Escola Politécnica, tendo sob sua responsabilidade o curso de Cálculo Infinitesimal. O texto utilizado em complemento às suas aulas foi o livro de análise de Francesco Severi. Vargas (1994, p.20) relata com entusiasmo o desenvolvimento dos cursos básicos da Politécnica dessa época: O sucesso desses dois cursos básicos: o de Matemática, dado pelos italianos Luigi Fantappié e Giácomo Albanese, e o de Física, pelo ítalo-russo Gleb Wataghin9, é explicado pela superior capacidade didática desses excelentes professores e pelo fato que eles estavam conscientes de estar lecionando também para futuros engenheiros. Foi notável a influência dessa nova maneira de encarar a formação dos politécnicos. Eles ocorreram exatamente no momento em que a evolução da tecnologia começou a exigir o emprego da alta matemática e física avançada na solução de problemas tecnológicos. Até hoje, notam-se, no ensino da engenharia da Politécnica paulista, os ecos daquela grande revolução promovida por Fantappié, Albanese e Wataghin. Acreditamos que a relevância dos cursos básicos mencionados reside, do ponto de vista formativo, no fato novo do perfil pretendido para o engenheiro nessa época. Pensar na sua formação não apenas delineada por ciências aplicadas ou pela tecnologia, mas pensá-la também, assegurada pelo conhecimento matemático e físico. Um outro dado relevante, este de interesse para o nosso trabalho, é a mudança ocorrida na fundamentação do curso de Cálculo a partir dessa época. Os fundamentos do Curso de Fantappié, dados com a adoção do livro de Severi, produziam um envolvimento matemático diferente da fundamentação de San Thiago. Daí a importância de uma análise epistemológica e comparativa dos dois cursos. É o que pretendemos fazer, após a leitura dos textos correspondentes. 8 Giácomo Albanese (1890-1947). 9 Gleb Wataghin (1899-1986). 27 O ensino do Cálculo Diferencial e Integral e da Física pelos professores Fantappié e Wataghin, na Politécnica, durou pouco. Ainda na década de trinta foram estabelecidas as cátedras dessas disciplinas, sob a regência dos professores José Octavio Monteiro de Camargo e Luís Cintra do Prado. As diretrizes da análise dos textos Nosso objetivo é estabelecer modelos de percepção nas análises de conteúdo dos livros adotados e seguidos no curso de Cálculo Diferencial e Integral da Escola Politécnica, no período que se inicia com a sua criação, em 1893, e vai até a fundação da Universidade de São Paulo, em 1934. As obras em questão são: o Curso de Cálculo, manuscrito das aulas de San Thiago, organizado e litografado por Adriano Goulin, e os livros: Premiers Éléments du Calcul Infinitésimal, de Sonnet e Lezioni di Analisi, de Severi. Esses últimos foram analisados para comparação com o manuscrito de Goulin e encontram-se no apêndice. A ação é limitada ao período determinado e não pretende comparações com a matemática contemporânea existente na organização dos livros didáticos atuais, ou aceita e aprovada pela comunidade matemática de nossos dias. As comparações existentes referem-se unicamente a essas obras e ao tempo em que as mesmas foram abordadas nas aulas da Politécnica. Nesse trabalho seguimos Bardin (1977, p.9), para quem a análise de conteúdo é “um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis, que se aplicam a ‘discursos’ (conteúdos e continentes) extremamente diversificados. É uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência.” É um conjunto de técnicas de análise das comunicações, com diferentes possibilidades de categorização, entre as quais, a investigação dos temas: a análise temática, e a investigação dos processos de produção e organização dos discursos. Usaremos primordialmente, a análise do discurso. A análise do discurso procura reconhecer suas características: seus traços ou marcas lingüísticas, propriedades responsáveis pelo funcionamento do discurso. Isso tem que ver com as condições de produção, seu funcionamento, suas formas 28 discursivas, suas formações ideológicas, “conceitos mediadores do discurso entre o lingüístico e o ideológico”.10 Assim, de acordo ainda com Orlandi (1996, p.15), “os conceitos fundamentais dessa análise de discurso (há outras) são: processo e produto, contexto histórico- social, interação, trabalho, formação discursiva, formação ideológica”. O nosso interesse está no discurso matemático, o discurso que molda o conhecimento matemático. Trataremos do discurso dos autores dos livros didáticos de Matemática, que combina o discurso científico com o pedagógico. O processo de produção do livro texto de Matemática é encaminhado por três propósitos: a transmissão de informações, a construção do conhecimento e a negociação de significados. Dessa forma, suas formações discursivas refletem os conflitos entre as tendências filosóficas: a lógica, que trata da matemática formal, organizando os axiomas, as definições e os teoremas e contribui para a argumentação matemática das demonstrações; a heurística, que organiza a construção do conhecimento matemático dos leitores pelas atividades matemáticas: exercícios e problemas; e a retórica, que organiza a negociação dos significados: motivação, aceitação, exemplos, figuras, aplicações, notas históricas. Hariki (1992), analisando o discurso matemático, considera esse processo dialético, afirmando que os livros didáticos de matemática são campos de batalha, em que lutam lógica, heurística e retórica, e lugares de negociação, também de lógica heurística e retórica, tornando a apresentação rigorosa, compreensível e aceitável. Ao final de seu trabalho, Hariki afirma que as técnicas de análise de discurso podem auxiliar os educadores e professores de matemática a entenderem o ato de ensinar e aprender matemática como um processo de negociação entre professores e alunos ou entre autores e leitores. Neste trabalho associamos a análise de discurso, entendida como acima, com a análise temática das obras para observar a existência de abordagens distintas e de situações relevantes. 10 ORLANDI, 1996, passim 29 Um olhar observador torna-se necessário para orientar o exame e, nessa linha, o tratamento metodológico do Cálculo, nos livros didáticos, caracteriza-se por duas apresentações: uma primeira, cujo processo de produção “fornece uma revelação do Cálculo”, aparece “sistematizado, formal e logicamente organizado”; uma segunda, na qual a disciplina “apresenta uma seqüência temática que não obedece necessariamente à estrutura lógica, mas muito mais ao desenvolvimento do Cálculo ou à sua contemporaneidade. O Cálculo em construção”. (BARUFI, 1999, p. 53, 57) Além do que dissemos, a verificação da existência de notas históricas foi acrescida ao esquema, em proveito de uma análise epistemológica sobre a construção do conhecimento científico. Dessa forma, o olhar dirigido promoverá uma interpretação do plano da obra, do estilo do autor na organização do discurso, de suas pretensões visíveis e de suas contribuições para o conhecimento matemático. Essas diretrizes nortearão o exame do texto das aulas de San Thiago, organizado, em 1904, pelo politécnico Goulin. 30 Curso de Cálculo Rodolpho Baptista de San Thiago Notas de aulas por Adriano Goulin Organização de conteúdos (1) Funções (2) Método de exaustão (3) Método de Leibniz (4) Método de Newton (5) Método de Lagrange (6) Cálculo Diferencial (7) Aplicações analíticas e geométricas do Cálculo Diferencial (8) Cálculo Integral (9) Métodos de integração (10) Integrais definidas (11) Aplicações geométricas do Cálculo Integral 31 Análise das notas de Aula Trata-se de uma interpretação das aulas expositivas, do ano de 1904, do professor San Thiago, responsável pela disciplina Geometria Analítica e Cálculo Infinitesimal da Escola Politécnica de São Paulo, no início da Escola Politécnica, permanecendo à frente do Cálculo Diferencial e Integral até a década de 1930. Essa interpretação foi organizada por um seu aluno Goulin, na forma de um caderno, que foi litografado e encontra-se na Biblioteca Central da Escola. Dessa forma, quando comentamos o discurso de San Thiago nesse texto, devemos entendê-lo como uma reorganização de sua fala, que Goulin realizou e nela introduziu suas percepções e ideologias. O caderno contém o Curso de Cálculo, em um total de 182 páginas, das quais as 16 primeiras tratam da fundamentação do curso. As restantes dividem-se entre o Cálculo Diferencial, com 120 páginas, e o Cálculo Integral, com 46 páginas. Apresenta uma longa e interessante introdução com as noções de função e continuidade, acrescidas de explicações e orientações sobre os denominados métodos especiais da análise infinitesimal: o método de exaustão; empregado por Arquimedes, o método de Leibniz, dos infinitésimos; o de Newton, das primeiras e últimas razões, e o método de Lagrange, chamado das derivadas. A forma de expressão e as explicações detalhadas do texto revelam o discurso de San Thiago, assimilado na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Existem diferenças de forma de expressão entre o discurso do livro adotado no Curso de Cálculo, Premiers Èlements du Calcul Infinitesimal de Hyppolite Sonnet, e o discurso das aulas de San Thiago, compiladas por Goulin. Uma delas manifesta-se nas idéias fundamentais que serviram de base para a introdução do Cálculo, ao longo de sua história. Sonnet introduz o Cálculo usando infinitésimos e a noção de limite, tratados intuitivamente na obra. A introdução de San Thiago é ligada a processos que privilegiam as idéias de infinitésimo, de limite e de séries de potências.Uma comparação dos três métodos leva o autor a afirmar que qualquer deles conduz ao mesmo resultado: a noção de derivada. Conclui, então, pela sua identidade, induzindo o aluno a usá-los de acordo com a sua preferência, nas diversas circunstâncias. 32 Seu discurso mistura a formalidade matemática com a retórica da linguagem corrente. Alguns conceitos têm caráter definitivo, outros refletem a preocupação de convencer o aluno, discutindo dificuldades possíveis e mostrando caminhos. A organização do texto envolve, então, uma apresentação pronta e definitiva do Cálculo, com outra que apresenta a disciplina em construção. Não é um texto estruturado na forma da lógica, mas as generalizações e as formalizações aparecem naturalmente, quando necessárias. Existem poucas figuras no texto, que surgem na determinação da reta tangente a uma curva e na definição de integral. O leitor pode visualizar nelas os argumentos propostos. Não aparecem exemplos ou problemas motivadores para chegar à construção de conceitos, mas a sua introdução é enriquecida por dados históricos. O curso é centrado inteiramente no professor, que é o detentor do conhecimento. Inicia o Curso de Cálculo com uma definição de função: “Funcção de uma ou mais quantidades é uma expressão analítica em que entram estas quantidades, combinadas ou não com outras que têm valores certos e determinados, ao passo que as primeiras podem ter valores quaisquer. Essas quantidades que têm valores certos e determinados denominam – se constantes e, as outras, variáveis”. (GOULIN, 1904, p. 3) O texto não oferece explicações sobre o significado do termo “expressões analíticas” utilizado na definição, mas dá exemplos dessas funções. Nossa opinião é retirada desses exemplos, em que as funções incluem as fórmulas contendo adições, subtrações, multiplicações, divisões e raízes, bem como expressões que envolvem funções exponenciais, logaritmos, funções trigonométricas. Posteriormente, são apresentadas funções definidas por séries de potências. Assinalamos, também que a função, vista como uma expressão analítica apenas, é uma fase da evolução desse conceito, atualmente mais amplo e abrangente. A organização de Goulin do discurso de San Thiago fornece, então, exemplos de funções definidas por expressões analíticas, seguidos de comentários sobre a existência de uma série de classificações de funções: implícitas, na forma f(x,y,z) = 0, e explícitas, como z = f(x,y); racionais e irracionais, em concretas e 33 abstratas; simples, quando uma só operação dá o valor da função, e compostas, quando é necessária mais de uma operação; e em algébricas e transcendentes. Assim aparecem: y = a + x função soma y = a – x função subtração y = ax função produto y = x a função quociente y = xa função potência y = x função raiz y = logx função logarítmica y = senx função circular direta y = arcsenx função circular inversa y = ax função exponencial O texto distingue as funções algébricas, em que figuram apenas as operações da Álgebra das demais, que chama de transcendentes. Declara, ainda, que o Cálculo Diferencial se resume em dar regras para diferenciar essas funções. São apresentadas, em seguida, as noções de continuidade e de limite de variável. O primeiro conceito é introduzido na forma: “uma quantidade se diz continua, quando não pode passar de um valor a outro, sem passar por todos os valores intermediários”. (GOULIN, 1904, p. 4) A definição de continuidade é generalizada para as funções f, representadas no texto por seus gráficos, em um sistema de eixos coordenados. Goulin escreve que, quando x varia de modo contínuo entre dois valores a e b e, a função também, varia de modo contínuo nesse intervalo, ela é contínua. Desse modo, a continuidade é vista de uma forma descritiva no texto, mas possui uma semântica visual geométrica essencialmente simples. A idéia de limite é colocada a seguir como: “limite de uma quantidade é a quantidade fixa da qual uma quantidade (variável) se approxima, sem jamais atingi- la”. (GOULIN, 1904, p. 6) O texto fala em limite de quantidade variável, não propriamente de limite de função. Dá a característica da sua noção de limite: para a quantidade fixa ser o 34 limite, é preciso que a diferença entre ela e a variável possa tornar-se menor que qualquer quantidade dada. Essa é uma definição retórica de limite, que pertence a um dos estágios da evolução do conceito. O texto recorre ao exemplo visual geométrico do polígono inscrito na circunferência, cujo número de lados é sempre duplicado. O perímetro do polígono tenderá para o perímetro da circunferência, e este é o limite daquele. Goulin disserta, em seguida, sobre os métodos da análise infinitesimal, também denominada, por ele, de transcendente. O primeiro método exposto é o Método de Exaustão, usado por Arquimedes para calcular áreas. Esse processo estende para os círculos a propriedade na qual as áreas dos polígonos inscritos são proporcionais aos quadrados dos diâmetros das circunferências circunscritas. Essa extensão é alcançada com o uso da continuidade. Goulin define a circunferência como um polígono de número indefinido de lados infinitamente pequenos. À medida que o polígono tem seu número de lados aumentado, ele “vai se exaurindo”, daí a denominação de método de exaustão. Segundo Goulin (1904, p. 7), San Thiago afirmava que “os antigos, embora o previssem, não podiam confirmar esse facto e, por isso elles, empregavam o methodo do absurdo”. Conta, ainda, que San Thiago comentava que o método de exaustão era um processo de análise infinitesimal, usado sem a utilização de uma notação adequada. Nossa opinião é que os exemplos do campo semântico11 geométrico reforçam o entendimento das definições essencialmente retóricas (não operacionais) que aparecem. Esses exemplos realçam o modo de produção de significado da primeira estipulação local presente no texto: a noção de limite. Goulin continua o assunto com uma informação sobre Cavalieri e Descartes. Explica que os dois matemáticos usaram o processo com denominações diferentes. Cavalieri chamava-o de método dos indivisíveis e Descartes, que para ele era o precursor da Análise, falava em método dos indeterminados. 11Campo semântico, segundo Lins (1994), é um modo de produção de significado. Em seus trabalhos, Lins criou um modelo epistemológico que permite uma maior proximidade do processo de produção de significados: o Modelo Teórico dos Campos Semânticos (MTCS). Sad (1998, p. 128-129) utilizou o MTCS em seus estudos de produção de significados no Cálculo Diferencial e Integral. Para Sad, as estipulações locais do Cálculo vão constituir os núcleos dos modos de produção de significados. A pesquisadora destaca os núcleos básicos usados em seu trabalho: estipulações locais a respeito de limites, a respeito de infinitésimos, visuais geométricas e do tipo algoritmo. 35 Método de Leibniz O texto afirma que Leibniz introduziu os infinitamente pequenos ou diferenciais das quantidades: Leibnitz, para resolver as questões, introduziu os taes infinitamente pequenos ou differenciais das quantidades. Elle suppunha as quantidades compostas de elementos infinitesimaes, estabelecia relações entre estas e, partindo dessas relações, chegava a determinar as relações entre as quantidades das questões”. (GOULIN, 1904, p. 7) Mostra dois exemplos desse método, sendo o primeiro referente à determinação da área sob uma curva, que, em nossos termos, assume a forma: a área sob uma curva é dividida ou composta por uma série de retângulos de alturas infinitesimais. A área total é dada por A = y α + y’α2 + y”α3 + ... , na qual a altura α é infinitamente pequena e as bases y, y’, y”, ... são ordenadas e obtidas a partir de pontos do eixo x. O segundo exemplo refere-se à decomposição de um movimento variado de um móvel de tal forma que, em subintervalos infinitamente pequenos, o movimento seja considerado uniforme. A seguir, trata do produto de uma quantidade finita por um infinitésimo e do conceito de ordem infinitesimal. Trabalha a reta tangente a uma curva y = f(x) em um ponto M(x,y), supondo um ponto M’(x + dx, y + dy ) infinitamente próximo a M, e escrevendo: )xX( xdxx ydyyyY − −+ −+ =− com dy infinitesimal )xX( dx dyyY −=− Finalizando, fala sobre o Cálculo de Leibniz: Leibniz dividiu o seu Calculo em duas partes: uma, que chamou de Calculo Differencial, que tem por fim determinar as relações entre as quantidades infinitamente pequenas , e outra, inversa desta, e que tem por fim eliminar essas quantidades, por elle denominada Calculo Integral. (GOULIN, 1904, p. 11) 36 Com essa frase, é completada a exposição sobre o método de Leibniz no texto. Nossa opinião é que o método de Leibniz trata de convenções locais infinitesimais, distintas da aproximação local por limites. Enquanto os infinitésimos realçam as mônadas, com a noção de infinitamente próximo, o limite destaca as diferenças entre a quantidade variável e a fixa, isto é, a tendência de movimento da variável, na direção da quantidade fixa. Método de Newton O texto afirma que Newton apresentou seu método sob duas formas : método dos limites ou das primeiras e últimas razões e método das fluxões. San Thiago- Goulin procuram explicar o que são as primeiras e últimas razões: Para compreender em que consiste o primeiro vamos mostrar como entender a sua denominação. Supponhamos ter as quantidades A, B, C, D,... que supporemos fixas e determinadas e que x, y, z, t, .... sejam outras quantidades que tendam ou se approximem de modos differentes das fixas e ao mesmo tempo. As quantidades A, B, C, D,... suppostas fixas e das quaes x, y, z, t, ... se approximam simultaneamente chamam-se, como sabemos, limites dessa quantidades ou seus últimos valores.” As relações entre x e y, y e z,... tendem, portanto, para as relações entre A e B, B e C, .... . As relações entre as fixas chamam-se por isso ultimas razões das relações entre as variáveis. Supponhamos, agora, o inverso, isto é, que, em vez de x, y, z, ...se approximarem de A, B, C,... se affastem. Podemos, então, dizer que A, B, C, ... são, por assim dizer, os primeiros valores das quantidades x, y, z, .... As relações entre esses primeiros valores serão as primeiras razões das quantidades x, y, z, ... Dahi a denominação de método das primeiras e ultimas razões. (GOULIN, 1904, p. 12) O método de Newton das primeiras e últimas razões é, portanto, um processo dinâmico de aproximações, em que quantidades variáveis, chamadas primeiras razões, se aproximam de quantidades fixas, suas últimas razões, ou os seus limites. O texto menciona, a seguir, a razão entre os “acréscimos” de Newton indicando-a por x∆ y∆ e o seu limite por lim x∆ y∆ . Com eles determina, à maneira de Newton, a equação da reta tangente à curva y = f(x) em M(x,y), Considera-a como o limite de todas as secantes da forma MM’, onde M’(x + ∆x, y + ∆y). 37 Assim tg x∆ y∆ = β, é o coeficiente angular da reta secante, onde β é a inclinação da secante MM’. O lim tg x∆ y∆ = α , em que α é a inclinação da tangente em M, é o coeficiente angular da reta tangente. Conta, também, que a velocidade de um ponto em movimento sobre uma linha foi denominada fluxão, e o arco de curva, fluente. Newton dividiu o Cálculo em duas partes: na primeira introduziu os limites e as fluxões, com o mesmo fim do Cálculo Diferencial e, na segunda, o Cálculo dos fluentes tem a finalidade do Cálculo Integral. A abordagem de Goulin das aulas de SanThiago na descrição dos processos de Newton, privilegia a intuição, reforçando o significado proposto para os limites, como aproximação da variável, tendendo à quantidade fixa. Isso ocorre na explicação das primeiras últimas razões, uma apresentação aritmética, e na tendência das secantes na direção da reta tangente, com a perspectiva visual- geométrica. Método de Lagrange Goulin inicia este item contando que Lagrange instituiu o método das derivadas em substituição aos limites de Newton e aos infinitésimos de Leibniz, considerados por ele como processos que introduziram elementos estranhos à análise: os infinitésimos e os limites. Lagrange partiu da fórmula de Taylor, que aplicou a f(x + h), em que h é o “acréscimo” dado a x: f(x + h) = f(x) + p.h + ... 3 hr 2 hq 32 ++ Estudou os coeficientes e verificou que os mesmos se formavam como as derivadas de f em x. Assim, indicando: p = f’, q = f”, ..., construiu um processo analítico para o Cálculo. Lagrange denominou o método de cálculo das funções derivadas. O processo de eliminar essas quantidades era o cálculo das funções primitivas. O texto de Goulin informa sobre o trabalho de Lagrange de forma breve, em apenas uma página, sem contar como pode ser obtida a expansão de f em séries de 38 potências. Leva em conta que se está dirigindo a um público iniciante no Cálculo, e que haverá um estudo posterior da série de Taylor nas aplicações de derivadas que cuidam das aproximações de funções. Apesar de breve, a inclusão do método de Lagrange como fundamentação do Curso de Cálculo da Politécnica é, na nossa opinião, uma decisão importante do autor. O método de Lagrange não consta do livro do Sonnet, adotado para o seu curso, embora fizesse parte do programa anterior de Urbano de Vasconcellos. Sua manutenção foi um ato de vontade de San Thiago, que reconheceu a importância do método para o desenvolvimento do Cálculo como disciplina. O trabalho de Lagrange apresentou uma concepção diferente de derivada, contribuindo para a transformação do Cálculo em uma teoria de funções e de suas derivadas. Comparação dos métodos Goulin afirma, em sua organização que o método que apresenta maiores facilidades é o de Lagrange, “porque não introduz elementos estranhos ao Calculo”, porém o mais usado é o de Leibniz, por ser mais simples no “jogo das quantidades”. (Goulin, 1904, p. 14) Afirma, ainda, Goulin que a finalidade dos métodos é facilitar o estabelecimento das equações e pergunta se os métodos conduzem aos mesmos resultados. Explica que vai mostrar, com o auxílio da fórmula de Taylor, que a resposta à sua pergunta é afirmativa. Inicia a sua justificação com o desenvolvimento de f(x + dx) – f(x) em série de potências, na indeterminada dx . p dx dy e dy... 3 dxr 2 dxqpdx)x(f)dxx(f 32 ==+++=−+ No cálculo anterior, leva em conta que p é uma quantidade finita e as outras, à sua direita, são infinitamente pequenas, por serem infinitésimos de ordem superior. Não são consideradas, por esse motivo. Assim (x)dxf'dy e )x('f dx dy == 39 A última relação é explicada com a frase: “a differencial de uma funcção é igual ao producto da derivada pela differencial da variavel independente”. (GOULIN, 1904, p. 16) A seguir, Goulin retorna ao desenvolvimento em série, na indeterminada ∆x e usa o método dos limites de Newton, obtendo o mesmo resultado. p x∆ y∆lim e y∆... 2 x∆qx∆p)x(f)x∆x(f 2 ==++=−+ Menciona, então, que a identidade dos três métodos é verificada com a igualdade )x('f x∆ y∆lim dx dy == Termina com a definição: “Derivada de uma função é o limite da relação do acréscimo da função para o da variável, quando este último tende a zero”.12 (GOULIN, 1904, p. 16) Comentários sobre a introdução A comparação entre os métodos, realizada por Goulin, em sua organização das aulas de San Thiago, conclui que todos eles conduzem ao mesmo resultado. Nossa opinião é que esses métodos conduzem, de fato, ao mesmo resultado, isto é, produzem a idéia de derivada. Seus modos de produção, porém, são diferentes, porque partem de semânticas diferentes. Assim não podem ser denominados equivalentes, frente a uma análise epistemológica. Quanto aos outros aspectos do texto, a abordagem dos fundamentos do Cálculo favorece a compreensão do aluno. Aparecem três direções para o seu desenvolvimento, o que enriquece as possibilidades de tratamento dos assuntos e facilita as deduções e as manipulações das fórmulas. Por outro lado, a falta de uma concepção de número real, de uma evolução do conceito de função, de uma idéia clara de convergência e da teoria dos conjuntos limita o desenvolvimento e obscurece os resultados. 12 No texto aparece o termo acréscimo. Consideramos que o termo apropriado é incremento. 40 O discurso envolve o texto com explicações excessivas; o que, de início, produz surpresa no leitor atual. Não existe um formalismo na linguagem, e sim comentários que procuram auxiliar o desenvolvimento harmonioso das noções e das conclusões. Durante os comentários de Goulin, aparecem perguntas de autoria de San Thiago dirigidas aos alunos, com o objetivo de elucidar alguns aspectos ou possíveis dúvidas não declaradas. “O que se dará?” A resposta também é dada pelo mestre: “A secante irá tender a tangente, cuja posição ocupará no limite”. Essa questão é levantada em outro trecho do discurso: “Todos os methodos conduzirão aos mesmos resultados?” O mestre responde em seguida: “Sim; é o que indica o problema das tangentes”. O discurso de San Thiago assume, então, as interrogações, em momentos diversos: “Se o infinitamente pequeno de primeira ordem tende a zero, poderá haver uma quantidade infinitamente pequena em relação a elle?” A resposta é apresentada na forma: “Sim. Supponha um número α que tenda a zero. À medida que α tende a zero, α2 decresce com maior rapidez”. Apesar dos excessos, essas explicações ocorrem em instantes oportunos. O discurso flui rapidamente, não tendo um nível de saturação excessivamente denso e fechado em si mesmo, o que favorece o entendimento. O texto privilegia a retórica em detrimento do formalismo e da heurística, esta é inexistente nessa apresentação de fundamentos. Há, portanto, um desequilíbrio entre as tendências que são apresentadas pelo autor em seu discurso pedagógico na construção dialética do conhecimento matemático: o formalismo, a heurística e a retórica, conforme Hariki (1992). Apresentamos, nos anexos finais, uma reprodução dessa introdução e passamos, no momento, à análise de uma segunda parte das notas de aula de San Thiago. 41 Cálculo Diferencial Goulin inicia o Cálculo Diferencial na página 17, após os métodos. É dada a definição de derivada como o limite da razão dos acréscimos. dx dy = lim x∆ y∆ , quando ∆x → 0 e a diferencial é obtida fazendo: dx dy = f ‘(x) e dy = f ‘(x) dx. O texto denomina a construção passo a passo da taxa de variação de uma função explícita y = f(x) de “marcha”. Refere-se à construção da seguinte forma: Dá-se a x um certo acrescimo ∆x e, como a funcção y depende de x, ella experimentará um certo acrescimo ∆y, que pode ser positivo ou negativo, assim como ∆x, tambem, pode sel-o. Resulta, pois, y + ∆y = f(x + ∆x). Mas, qual será o acrescimo da função? É (y + ∆y) – y e, temos y + ∆y – y = ∆y = f(x + ∆x) – f(x) Tomemos os limites, isto é, supponhamos que o acrescimo ∆x se torne infinitamente pequeno. Antes disso, porem, dividamos ambos os membros por ∆x. Vem x∆ )x(f)x∆x(f x∆ y∆ −+ = No limite, a relação do primeiro membro torna-se dx dy e, o segundo a derivada da funcção. Logo (x)dxf' dy )x('f dx dy =∴= É esse o modo de obter a differencial de uma funcção: multiplica-se a derivada pela differencial de variável independente. (GOULIN, 1904, p. 17) Nesse trecho, percebemos a argumentação organizada por Goulin a partir das explicações e da escrita simultânea de San Thiago. Essa forma aparece ao longo de todo o texto, compondo o assunto com perguntas que, a nosso ver, foram lançadas por San Thiago, à medida que escrevia na lousa ou ditava a matéria. A definição é ilustrada com o cálculo da derivada de f(x) = ax. O autor detalha os passos do cálculo da forma seguinte, citando novamente a “marcha” e escrevendo: y + ∆y = a(x + ∆x) = ax + a∆x ∆y = a∆x e a x∆ y∆ = 42 Passando ao limite, temos : a dx dy = e dy = adx Após o exemplo, Goulin prossegue no assunto, não mencionando que toda função derivável é contínua. Essa seria uma informação importante para a análise das funções deriváveis. Sua preferência, porém, é a demonstração do teorema das funções inversas, propriedade comum a uma classe de funções deriváveis: as funções bijetoras. Esse teorema poderia vir em seguida às propriedades mais gerais, comuns às funções deriváveis, como soma, produto, quociente, quando o estudante já tivesse mais contato com as operações de derivadas. Sua demonstração inicia com a função implícita F(x,y) = 0, que resolvida em y, transforma-se em y = f(x) e, cuja resolução em x, é escrita na forma x = ϕ(y). É ressaltado o caráter essencial dessas funções f e ϕ : a um acréscimo ∆x a x, resulta um acréscimo ∆y a y. Inversamente, a um acréscimo ∆y a y, resulta o acréscimo ∆x a x. Não são discutidas as condições para que f possua inversa e para que tais acréscimos ∆ x e y∆ ocorram. Trata, em seguida, da regra da cadeia, usada na composição de funções. A propriedade surge sem uma demonstração ou explicação preliminar a respeito de sua utilização. A derivação de uma função composta é tratada, no texto, nas condições: “Supponhamos que se trate de uma funcção y que dependa, immediatamente, de uma outra quantidade u que, por sua vez, dependa de v , que supporemos funcção de x, isto é, sejam : y = f(u) , u = ϕ(v) e v = ψ(x).” (GOULIN, 1904, p. 18) Com essas premissas e uma argumentação sobre as diferenciais de cada uma das funções, consideradas como infinitésimos, obtém- se a regra: )u(f dx dy '= ϕ’(v)ψ’(x) A regra da cadeia na notação de Leibniz dx dv dv du du dy dx dy = não aparece nesse momento, surgindo, no entanto, na página seguinte, quando San Thiago- Goulin generaliza a questão para a derivação de funções de duas ou três variáveis y = f(u,v,z), sendo u, v e z funções deriváveis de x. 43 Nesse caso, San Thiago-Goulin estabelece os acréscimos parciais )v,u(f)v∆v,u(fy∆ e v)f(u,-v)u,∆f(u y∆ vu −+=+= , para o caso de duas variáveis, e constrói a taxa de variação total x∆ y∆ . Com a passagem ao limite, obtém a regra da cadeia: dx dv dv dy dx du du dy dx dy += Nessa passagem ao limite, surge, como explicação, que o acréscimo ∆x é suposto infinitesimal e, assim sendo, ∆u, ∆v, ∆z transformam-se em dx, dv e dz. Essa última operação expõe o Cálculo de limites, associado a argumentos relativos a infinitésimos. Nesse item, portanto, Goulin define derivada de uma função de uma variável e estabelece regras para as derivadas das funções compostas e inversas. Não aparecem discussões sobre o porquê do conceito, suas interpretações geométricas ou físicas e seu desdobramento. No parágrafo seguinte: “Differenciação e derivação das funcções de funcções” é que surgem as regras de derivação das funções. São demonstradas as operações gerais de derivadas de soma, produto, quociente, potência e raiz de funções. Os exemplos dados são relacionados com as funções algébricas. Destacamos, para verificação, o procedimento de cálculo da derivada do quociente de duas funções de x, u(x) e v(x), designadas no texto por y = v u . Aos acréscimos ∆x, dado a x, resultam os acréscimos ∆u, ∆v e ∆y, a u, v, e y, nesta ordem. Subtraindo fica: v∆vv v∆uu∆v v∆vv v∆uuvu∆vuv v u v∆v u∆uy∆ 22 + − = + −−+ =− + + = Tomando os limites, tem-se vdvv udvvdudy 2 + − = e, por ser vdv “abandonável” em presença de v2 , 2v udvvdudy − = . Esse é o cálculo da derivada do quociente, exposto nos termos do texto organizado por Goulin. Também aparece aqui uma passagem ao limite, 44 acompanhada pelo abandono do produto vdv, considerado infinitesimal. Coexistem, portanto, dois métodos: o dos limites e o de Leibniz. Há um parágrafo à parte para as funções transcendentes, em que são construídas, pela definição, as derivadas e diferenciais do logaritmo, das funções circulares e de suas inversas. A diferencial do logaritmo é obtida de y = lgu, com u função de x, partindo das condições: “Dando a x um acrescimo ,x∆ resulta um acrescimo ∆u para a variável u e para y o acrescimo ∆y. y + ∆y = lg(u+∆u) ∆y = lg(u + ∆u) − lgu (GOULIN, 1904, p. 24) O texto trabalha, a seguir, da forma como descrevemos: Como a diferença de dois logaritmos é igual ao logaritmo do quociente, vem: ) u u∆1lg( u u∆ulgy∆ += + = Fazendo m 1 u u∆ = e substituindo, resulta, após dividir por ∆u ambos os membros: u ) m 11lg( u ) m 11lg(m u∆ y∆ m+ = + = Sabemos que, quando m cresce, o numerador tende para lge. Tomando os limites teremos: elg u du dy ou u elg du dy == O texto conclui: “Logo, a differencial de um logarithmo é igual a differencial da quantidade, dividida pela mesma quantidade e multiplicada pelo logarithmo de e na base dada”.(GOULIN, 1904, p. 24) Nas diferenciais e derivadas sucessivas analisam-se as derivadas de y = senx que se reproduzem na mesma ordem, depois de quatro derivações. Para melhor compreender essa periodicidade, o texto propõe “levar a questão puramente de Cálculo para uma questão de trigonometria”. (GOULIN, 1904, p. 40) 45 Achamos, para a primeira derivada , xcos dx dy = . Ora, sabemos que cosx = sen( )x 2 π − porque x e x 2 π − são dois arcos complementares. Logo )x 2 π(sen dx dy −= . Porem, como x 2 π e x 2 π +− são arcos supplementares, teremos ) 2 πx(sen dx dy += . (GOULIN, 1904, p. ) O texto procede da mesma forma para chegar até a quinta derivada, evidenciando a periodicidade: xcos) 2 πxπ2(sen) 2 π5x(sen =++=+ Aparecem, então, as propriedades gerais das derivadas. A primeira propriedade é enunciada na forma: “Uma funcção cresce ou decresce, a partir de um certo valor da variavel independente, conforme sua derivada é positiva ou negativa, para esse valor.” (GOULIN, 1904, p. 40) Acreditamos que o final, com a citação “para esse valor”, seja um erro do organizador, mas a citação, como um todo, não é correta. É necessário que f’(x) seja positiva em um intervalo para a função crescer nesse domínio. A função tangente, por exemplo, tem derivada, sec2x, positiva, mas 1 4 π3tg 1 4 πtg e 4 π3 4 π −=〉=〈 . Isto porque ⎥⎦ ⎤ ⎢⎣ ⎡ 4 π3, 4 π não é um intervalo do domínio da tangente. O defeito é devido à ausência de condições. O texto não se preocupa com uma formalização adequada sobre a continuidade das funções. Sob o título de “Propriedades Geraes das Derivadas”, são apresentadas as proposições relativas à variação das funções contínuas em um intervalo fechado [a, b], entre as quais, o teorema de Rolle e do Valor Médio, juntamente com os critérios de determinação de máximos e mínimos . A continuidade não é mencionada de forma explícita nos enunciados das proposições. Os intervalos são citados, embora o texto não mencione se os mesmos são fechados ou abertos para as proposições serem válidas. Esse procedimento ocorre, inclusive, no Teorema do Valor Médio, que é enunciado para um “certo 46 intervallo”. Sua demonstração é a mesma dos livros atuais, com a omissão da continuidade. Inicia-se com a função 0 0 00 xX )x(f)X(f)xx()x(f)x(f − − −−− , que se anula para x = X e x = x0 e aplica-se o teorema de Rolle. O texto apresenta, também, a forma de Lagrange do Valor Médio e generaliza-o na forma de Cauchy. Nesse parágrafo, estão ainda incluídos teoremas sobre as funções constantes, que têm derivadas nulas, e sobre as funções de derivadas iguais, que têm diferenças constantes. Em outro parágrafo, são apresentadas as derivadas e diferenciais das funções de várias variáveis. Essa parte mostra notações e ensina fórmulas para as derivadas parciais e totais de diversas ordens. Não há a preocupação com conceitos ou contextualizações. O parágrafo termina com mudanças de coordenadas. Retornam, a seguir, as funções de uma só variável, aparecem as aplicações analíticas e a série de Taylor, agora com o resto nas formas de Lagrange e de Cauchy. São desenvolvidas em série as funções: seno e cosseno, logarítmica e exponencial, arco - tangente e o binômio. Há uma avaliação de formas indeterminadas e o cálculo de máximos e mínimos de funções, pelo sinal da derivada. As aplicações geométricas cuidam das tangentes e normais às curvas planas, da análise dessas curvas, com o auxílio da série de Taylor, e de derivadas de diversas ordens, das noções de curvatura, de evolutas e envolventes. Há uma parte final em que aparecem as curvas reversas. Os assuntos nas aplicações geométricas são tratados de uma forma geral, sempre considerando uma curva y = f(x), qualquer. Não constam as aplicações para curvas específicas que possam auxiliar a visualização dos métodos. No início, aparece a equação da reta tangente em um ponto M(x,y) de uma curva y = f(x): Y – y = dx dy (X – x) com dx dy = tg α O cosseno diretor da reta tangente relativo ao eixo dos x : 47 cos α = 2 2 ) dx dy(1 1 αtg1 1 + = + O cosseno diretor relativo ao eixo y é : cos α = cos( 90 0 – β) = senβ = 22 dx dy1 dx dy αtg1 αtg ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛+ = + É dada também a equação da normal em M : (Y – y) dx dy + X – x = 0. O capítulo continua calculando os “comprimentos” da tangente e subtangente, da normal e subnormal e termina com uma rápida interpretação de assíntotas seguida de uma aplicação desses conceitos à parábola y2 = 2px. Cálculo Integral O Cálculo Integral é resumido em quarenta e seis páginas no texto elaborado por Goulin. Inicia com o conceito de integral, introduzido pela sua interpretação geométrica de área sob o gráfico de uma função y = f(x), entre os valores a e b da variável x. É construído pela divisão do intervalo [a,b] em n partes iguais e pelos retângulos inscritos e circunscritos à curva, com bases nos subintervalos da divisão. Os limites das áreas desses retângulos, quando comparados com a área sob a curva, determinam a integral. A amplitude do intervalo [a,b] é representada por nh, sendo h a amplitude de cada um dos subintervalos da divisão escolhidos todos iguais As ordenadas correspondentes aos diversos pontos da divisão são indicadas por: y0, y1, y2, . . ., yn Dessa forma, a área U, limitada pelo gráfico de y = f(x), pelo eixo x e pelas ordenadas y0 =a e yn = b, é maior que a soma das áreas dos retângulos de bases h 48 inscritos em y = f(x) e é menor que as áreas dos retângulos correspondentes de mesma base circunscritos no gráfico de f. y0h + y1h + y2h + . . . + yn – 1h < U < y1h + y2h + . . . + ynh Neste ponto, Goulin apresenta uma explicação nos termos seguintes: Em virtude do que acaba de ser feito, se infere que existem dois limites entre os quaes está comprehendida a area procurada. Ora, a differença entre esses dois limites, entre os quaes se acha comprehendida a area que se quer determinar é (yn – y0)h. Ora, yn e y0 são as ordenadas extremas e não mudam . Nessa differença, pois, a única quantidade variavel é h. Porem h pode ser tomado tão pequeno quanto se queira, e mesmo nullo. Logo, os dois limites, para valores de h cada vez menores, tendem para a area e, no limite, a area poderá ser substituida por um qualquer dos dois limites. Todas as parcellas são o produto de uma ordenada por h. Sendo y uma ordenada qualquer, yh será um dos rectangulos (interno ou externo) e, como U, no limite, é a somma, escreveremos , de um modo geral e mnemonicamente, U = limΣyh. [...] Quando se escreve sómente Σ, quer se dizer que se trata de uma somma de quantidades que não variam de modo continuo. Portanto, Σ indica a somma de parcellas que variam de um modo descontinuo. Ora, quando é que esse rectangulo de variação pode ser considerado constante? É quando h é infinitamente pequeno ou dx. Teremos, então, limΣ = ∫ Não se deve, pois, confundir o signal Σ com o signal de integral ∫ que é um signal que indica a somma de quantidades que variam de um modo continuo. Se h = dx temos, por conseguinte, U = ∫ ydx . Porém y = f(x). Logo U = ∫ f(x)dx. Uma integral, portanto, não é mais do que a somma de elementos que variam de um modo contínuo. (GOULIN, 1904, p.3) Apesar da linguagem informal, por vezes imprecisa e até prolixa, é possível obter conclusões importantes. Em primeiro lugar, é visível a preocupação de Goulin, ou de San Thiago , ou de ambos, com as explicações de seus resultados. Essa preocupação, a nosso ver, favorece a vinda do leitor para o texto, impõe uma leitura atenta e ajuda a compreensão da exposição. Por último, o discurso e os argumentos do texto, relacionados com a definição de integral, são próximos dos livros de cálculo de Lacroix13, de 1867, e de Duhamel14, de 1876. 13 Sylvestre-François Lacroix (1765-1843) – matemático francês; professor de Cálculo Infinitesimal na École Polytechnique e do Collège Royal. Autor de Traité Élémentaire de Calcul Différentiel. 14 Jean Marie Constant Duhamel (1797-1872) – matemático francês. Autor de Éléments de calcul infinitesimal. 49 As integrais indefinidas são aquelas em que não se determinam valores da variável independente, e as definidas, quando os valores de a e b das abscissas são determinados. Aparecem algumas propriedades operatórias das integrais, uma tabela sobre as integrais imediatas, que se resume às integrais de potências, das funções polinomiais, das funções logarítmica e exponencial, das funções trigonométricas e das suas inversas. Com o título de “Theoremas fundamentais”, são enunciadas, na página 4, as propriedades: (1) Se a é uma quantidade constante, “ ∫a . . . = a∫ ...” (2) “∫ (du + dv + dz – dt) = u + v + z – t” Quanto à passagem do primeiro para o segundo membro, o texto argumenta da forma: “Ora, evidentemente, u = ∫du, v = ∫dv, z =∫dz, e t =∫dt.” Para continuar, o leitor deverá concluir por conta própria que, quando, em geral, a ∫f(x)dx é igual a F(x) + C, com C constante, tem-se F’(x) = f(x) e o integrando f(x)dx é dF. Esse fato é comentado somente na página 29, sendo citado apenas que a integração é a operação inversa da diferenciação. O Teorema Fundamental não é visto, sendo a fórmula F(a) - F(b) dx)x(f b a =∫ justificada como uma diferença de áreas. Também não são desenvolvidos outros teoremas sobre as integrais, principalmente os relativos às condições de integrabilidade das funções. Dessa forma, o Cálculo Integral das notas de aula de Goulin contém um mínimo de teoria, e o leitor exigente deve procurar conhecimento fora do texto. Sua prática na integração das funções e nas aplicações da integral é também limitada pela falta de exemplos e de exercícios. Os métodos de integração iniciam a partir da página 8 e terminam na página 25. São dados o processo de substituição de variáveis, a integração por partes, a integração das diferenciais algébricas racionais e as diferenciais algébricas irracionais. A possibilidade de integração de funções por séries é apenas comentada. Todos os processos são revelados, não havendo exercícios para o aluno construir seu conhecimento. É visto apenas um exemplo de cada caso. O processo 50 de integração por partes, para explicitar, é explicado unicamente com o cálculo da ∫ x2 ex dx . O problema da simplificação dos conteúdos é evidenciado, também, nas Applicações geometricas do Calculo Integral. A retificação de curvas planas surge por meio da integração do elemento de arco: 22 dydxds += . Esta fórmula é revelada ao leitor, e o texto apenas comenta que “com a integração da expressão virá ∫ += 2 1 x x 2) dx dy(1dxS “. (GOULIN, 1904, p.35) A quadratura das superfícies e a cubatura de volumes, denominações dadas no texto ao cálculo de áreas e de volumes por integração, são tratadas da mesma maneira. Sempre “aparece” a fórmula que o aluno deve usar em cada caso, com a afirmação que o processo é o mesmo: “tomar elementos e comparal-os com as áreas e os volumes”. Não há exemplos ou exercícios para o leitor. O texto chega ao final, deixando a sensação da pressa que acompanhou o tratamento do Cálculo Integral. O principal motivo deve ter sido o final do ano letivo. Aspectos gerais do texto Tendo em vista os critérios escolhidos para a análise, o texto apresenta as idéias fundamentais que propiciaram o desenvolvimento do Cálculo, acompanhadas de dados históricos. Existe motivação para a introdução de alguns conceitos e o uso de linguagem corrente como retórica, além da linguagem matemática. A presença de algumas falhas deve-se à evolução do conceito de função, não presente no texto, à falta da teoria dos conjuntos e à ausência de uma definição precisa de número real. 51 CAPÍTULO 4 CONCLUSÕES O texto do Curso de Cálculo de San Thiago, de 1904, apresenta uma dificuldade para a análise. Tendo sido organizado pelo politécnico Adriano Goulin, encontra-se impregnado de suas concepções e linguagem, tornando impossível, principalmente, uma análise confiável das definições e de enunciado de teoremas. Quanto às bases e pontos de partida para a sua organização, o programa da cadeira nº 2: Geometria Analítica e Cálculo Infinitesimal indica como San Thiago planejava o seu curso. A seqüência do texto de Goulin segue esse programa. Partindo de uma concepção de função e da descrição do método de exaustão usado pelos gregos da Antigüidade, fundamenta a sua história nos três métodos que sustentam o seu curso de Cálculo: o método dos limites, o método dos infinitésimos e o método das derivadas. No primeiro, apresenta as primeiras e últimas razões, os fluxões e os fluentes, como Newton; no segundo, o Cálculo por infinitésimos, como Leibniz; e, no terceiro, as derivadas retiradas dos desenvolvimentos em séries de potências das funções, à maneira de Lagrange. Ao longo de todo o texto de Goulin, não são considerados princípios ou axiomatizações. A organização segue de forma descritiva e informativa, num “estilo quase formal”. (HARIKI, 1992, p. 153) Aparecem, apenas, as definições necessárias e o raciocínio dedutivo essencial para o andamento do curso. A informação matemática é acompanhada das negociações entre autor e leitor, negociação da verdade, das intuições, das perspectivas e dos valores. O texto de Goulin possui “mais retórica do que lógica”.(HARIKI, 1992, p. 41) O sentido de seu texto transcende os limites matemáticos e deve ser encontrado em um referencial lingüístico. Seu estilo tem um enfoque fundador; um gerador semântico que dá identidade ao curso. Um discurso fundador, no sentido de 52 Orlandi (2001, p.12), “que ‘funda’ ou ‘re-funda’ diversas falas, é capaz em si de muitos sentidos”. Um deles é o que liga a formação do Cálculo a uma ordem que o identifica. Seu Cálculo Diferencial é desenvolvido com as idéias resumidas no esquema: LIMITE INFINITÉSIMO DERIVADAS SÉRIES DE POTÊNCIAS A derivada de uma função é definida como: “o limite da relação do acréscimo da função para o da variável, quando este último tende a zero”. A diferencial da função é um infinitésimo associado a ela. (GOULIN, 1904, p. 16). O processo de diferenciação é executado por um cálculo híbrido, que envolve limites e infinitésimos simultaneamente, a critério do autor. Seu Cálculo Integral é introduzido pelo limite da soma de retângulos infinitesimais, inscritos e circunscritos no gráfico da função em questão. O discurso completa-se, novamente com o referencial lingüístico, com a intertextualidade, conceito que mobiliza a relação entre textos diferentes. “A enunciação de um texto se relaciona com a enunciação de outros textos efetivamente realizados, alterando-os, repetindo-os, omitindo-os”.1 Esse relacionamento se dá porque “a língua funciona, ao ser afetada pelo interdiscurso”,2 trazendo historicidade3 ao processo discursivo. San Thiago foi persistente em fundamentar seu curso dessa forma. O programa de 1930 de Cálculo Diferencial e Integral, retirado do Anuário de 1932 da Escola Politécnica, mostra uma introdução sobre séries, citando a convergência e as expansões das funções logarítmica, exponencial e circulares em séries de potências. É uma abertura para o método de Lagrange, que aparece no segundo tópico introdutório. Estão também presentes, nesse programa, os métodos de Newton e Leibniz, após os trinta anos do professor à frente da disciplina. 1 GUIMARÃES, 2001, p. 28 2 GUIMARÃES, 2001, p. 28 3 Segundo Ferreira (1999, p. 1056), “atuação do homem como agente no processo histórico-literário”. 53 O livro adotado no curso de San Thiago, conforme programa do Anuário de 1903, foi: Premiers Éléments du Calcul Infinitesimal, de Hyppolite Sonnet. Sua 6ª edição foi objeto de análise, para distinguir semelhanças e diferenças do Curso organizado por Goulin. Sonnet tem o texto prático e organizado para o engenheiro civil, ferroviário ou agrícola do século XIX. Inicia sua exposição com a noção de função e seu discurso fundador diz respeito a infinitésimos. Esses aparecem ao longo do livro, principalmente no item II, “Principes de Differentiation”, no desenvolvimento da derivada e da diferencial. A derivada é definida como o limite da razão incremental de uma função f, com uma ressalva do autor, dizendo que, nas aplicações, as funções usadas serão sempre contínuas. O termo limite surge sem uma definição adequada no texto, apresentando problema para o leitor iniciante, que deverá perguntar de onde saiu a palavra e o que ela significa. Os infinitésimos aparecem na noção de diferencial e são as quantidades que tendem a zero, consideradas em “um estado muito próximo ao seu limite”. Sonnet, 1902. A frase estabelece uma ligação de dependência dos infinitésimos em relação à operação de limite. Sonnet passa a usar as duas idéias para compor o Cálculo Diferencial, oper