THIAGO ALVES VALENTE MONTEIRO LOBATO NAS PÁGINAS DO JORNAL: um estudo dos artigos publicados em O Estado de S. Paulo (1913-1923) ASSIS 2009 2 THIAGO ALVES VALENTE MONTEIRO LOBATO NAS PÁGINAS DO JORNAL: um estudo dos artigos publicados em O Estado de S. Paulo (1913-1923) Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Doutor em Letras (Área de Conhecimento: Literatura e vida social). Orientador: Dr. João Luís C. T. Ceccantini ASSIS 2009 3 Folha de aprovação THIAGO ALVES VALENTE MONTEIRO LOBATO NAS PÁGINAS DO JORNAL: um estudo dos artigos publicados em O Estado de S. Paulo (1913-1923) Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Doutor em Letras (Área de Conhecimento: Literatura e vida social). Orientador: Dr. João Luís C. T. Ceccantini BANCA Dr. João Luís C. T. Ceccantini (orientador) Dra. Marisa Philbert Lajolo Dr. Carlos Erivany Fantinati Dra. Tânia Regina de Luca Dr. Jézio Hernani Bomfim Gutierre ASSIS 2009 4 AGRADECIMENTOS Ao Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa (CEDAP) e à Biblioteca “Acácio José Santa Rosa”, da UNESP de Assis; ao Centro de Documentação Cultural Alexandre Eulálio (CEDAE), da UNICAMP; ao Arquivo do Estado de São Paulo, pela disponibilidade do material pesquisado. Aos professores Carlos Erivany Fantinati e Tânia Regina de Luca pelas preciosas orientações na banca de qualificação. À Universidade Estadual do Norte do Paraná, pelo apoio para confecção do material; aos professores do Departamento de Letras, pela compreensão e apoio para a finalização deste trabalho. Ao professor João Luis. C. T. Ceccantini, alvo cada vez maior de admiração pessoal e profissional. 5 Para Marluce, “Acentua-se em mim o desejo de ancorar num porto. E que porto há para o homem, senão a mulher?” (Monteiro Lobato, A barca de Gleyre) 6 “O que atenta prudentemente para a palavra achará o bem, e o que confia no Senhor será bem- aventurado”. (Provérbios 16:20, A Bíblia Sagrada) “Aliás, ninguém desconfia mais do que lê nos jornais do que os próprios jornalistas, imaginando o que pode estar por trás de cada notícia”. (Gilberto Dimenstein, Nos bastidores do poder) 7 Resumo Este trabalho tem como objeto de análise os artigos de Monteiro Lobato publicados no jornal O Estado de S. Paulo, entre 1913 e 1923. Para constituição do corpus, foram consultadas todas as edições entre 1913 e 1930, período correspondente à fase de consolidação da imprensa no Brasil (Sodré, 1966; Bahia, 1954). Como objetivo central, tem-se a relação de Monteiro Lobato com o jornal O Estado de S. Paulo, procurando-se a identificação entre o discurso presente nos artigos do escritor e o discurso de um dos principais veículos da imprensa escrita da República Velha. O levantamento dos artigos no período de 1913 – ano do primeiro texto publicado por Lobato no Estado – e 1930 – data emblemática para a história do país e, portanto, para a imprensa de modo geral – desdobra-se ainda em outros focos de análise: a) abordagem das questões temáticas e formais dos textos de Lobato publicados no periódico; b) a participação do escritor nas atividades do Estado; c) a concepção de jornalismo e sociedade comuns ao jornal e ao articulista. A leitura dos textos e a análise sustentada tanto pelos estudos lobatianos quanto pelos estudos sobre a história brasileira revelam a sintonia de Monteiro Lobato com O Estado, ao menos na República recém-instaurada e tão precária no que diz respeito a um projeto de sociedade voltado aos brasileiros. O Estado é o espaço em que as idéias lobatianas dialogam intensamente com outros textos e autores, todos imbuídos da missão de, por meio da ciência e do desenvolvimento econômico, transformar o Brasil na potência americana dos trópicos. O conjunto de artigos comprova um posicionamento afinado entre o veículo midiático e Monteiro Lobato. Nesta simbiose emerge a figura de um Lobato jornalista, de quem os textos publicados em O Estado indicavam concepções de sociedade, imprensa, arte e dos mais diversos temas no sistema cultural brasileiro da primeira metade do século XX. Palavras-chave: Monteiro Lobato. O Estado de S. Paulo. Artigos. Imprensa. 8 Abstract This study aims to analyse Monteiro Lobato’s articles published on O Estado de S. Paulo (OESP) newspaper, between 1913 and 1923. For data collection, it was researched all editions between 1913 and 1930, a period when the printing press was established in Brazil (Sodré, 1966; Bahia, 1954). Our main objective is the Monteiro Lobato´s relation with OESP, searching for the identification between the writer´s articles and the speech of one of the main vehicle of the Old Republic printing press. The articles were researched between 1913 – when the very first Lobato’s article was published on OESP – and 1930 – a very important date for the history of the country and, therefore, for all the printing press - is organized in other analysis focus: a ) approaching of the theme and formal questions about Lobato’s published articles; b) the participation of the writer during the OESP activities; c) the conception of newspaper and society to news and writers. The reading of the texts and the analysis carried out for both Lobato studies and Brazilian History of the printing press show the proximity of Lobato and OESP, at least during the new established and so poor Republic dealing about a society project for Brazilian people. The OESP is the place where Lobato’s ideas dialogue deeply with other texts and writers, all impregnated with an objective of, through the science and the economical development, becoming Brazil the American power of the country. The articles appoint a very close position of Lobato with the mass media and Monteiro Lobato. In this symbiosis, a journalist picture of Lobato is shown, whose published articles on OESP revealed conceptions of society, printing press, art and many other themes in the Brazilian cultural system at the first half of the 20th century. Keywords: Monteiro Lobato. O Estado de S. Paulo. Articles. Printing press. 9 Sumário Introdução.......................................................................................................................................11 1. Monteiro Lobato e O Estado: convergências no tempo e no espaço..........................................15 1.1. Tempos eufóricos: o surgimento d’O Estado e Monteiro Lobato...............................15 1.2. Um articulista na crítica de arte...................................................................................28 1.3. Os artigos de Monteiro Lobato, apresentação e cotejo................................................35 2. A formação de um publicista: Monteiro Lobato por Lobato......................................................69 2.1. Um colaborador do interior.................................... .....................................................69 2.2. Um jornal imparcial: republicano e cientificista..........................................................86 2.3. O Estado como uma grande empresa.................................... ...................................111 3. Monteiro Lobato, “jornalista” ..................................................................................................123 3.1. O jornal como missão social de Lobato.....................................................................123 3.2. A América, para os brasileiros...................................................................................136 3.3. Ao encontro do American life....................................................................................145 3.4. Últimas notícias de um escritor d’O Estado..............................................................162 4. Os artigos (1913-1923): análise dos textos...............................................................................173 4.1. Lobato, um sapo na lagoa d’O Estado de S. Paulo....................................................174 4.2. A fisiologia dos artigos lobatianos.............................................................................189 4.2.1. Modernidade para o Brasil..........................................................................203 4.2.2. A república dos bacharéis...........................................................................220 4.2.3. A arte, a ciência e a narrativa: instrumentos textuais..................................236 4.3. Artigos, artigos à mão cheia......................................................................................249 Considerações finais.....................................................................................................................254 10 Bibliografia...................................................................................................................................265 Anexo I – Artigos transcritos de O Estado de S. Paulo (1913-1923)..........................................278 Anexo II – Cotejo dos artigos publicados n’O Estado e nas obras completas.............................510 11 Introdução A proposta de abordar a produção jornalística de Monteiro Lobato tem sua gênese nas leituras da obra infantil do escritor. Por ocasião de pesquisa realizada em nível de mestrado, o objeto abordado era A chave do tamanho (1942)1. Em meio às leituras da fortuna crítica da obra, evidenciou-se cada vez mais a relação que o escritor estabelecera entre o contexto vivenciado pela sociedade de sua época e uma obra que conseguia escapar à facilidade de se tornar “engajada”. A guerra surgiu, assim, como tema instigante para se pesquisar como a literatura infantil estaria dialogando com o assunto incorporado por Lobato em sua produção voltada para crianças. No entanto, à medida que as leituras avançavam sobre a obra do escritor de modo geral, a forma pela qual a guerra entrara na história de A chave do tamanho se mostrava pertinente como viés investigativo. Por meio do jornal, as personagens do Sítio do Picapau Amarelo entram em contato com os lances da Segunda Guerra. O jornal seria o veículo de informação presente como referência de leitura nas obras infantis, além de se mostrar como fonte para livros de sucesso do escritor paulista, como Problema vital (1927). A primeira indagação a partir dessas observações leva o leitor ao encontro do escritor de literatura Monteiro Lobato, o qual, por sua vez, também era um colaborador de jornais que se formara lendo os mais diversos tipos de textos, entre eles, muitos periódicos. A proposta inicial deste trabalho era justamente perceber a prática de Lobato como um escritor que via na imprensa escrita a oportunidade de se fazer reconhecido; que nela enxergava uma forma de angariar adeptos de suas idéias modernizadoras para o Brasil, atacando tudo o que considerava causa indelével das mazelas nacionais. Para isso, as obras biográficas e os relatos do escritor mostraram-se insuficientes, uma vez que o jornal detém características peculiares seja como gênero textual, seja como objeto histórico. Era preciso recorrer aos textos originais. A inviabilidade de se consultar todos os periódicos indicados por Lobato em seus escritos, já apontava a necessidade de um recorte. Diante disso, a escolha de O Estado de S. Paulo se deu 1 Uma chave para A chave do tamanho, de Monteiro Lobato. Assis: Unesp, 2004. Dissertação de mestrado. 247f. Objetivos do trabalho: 1) apresentação do levantamento sistemático da fortuna crítica de A chave do tamanho (1942), do escritor Monteiro Lobato (1882-1948); 2) cotejo entre a primeira edição desse título e a edição inserida nas “Obras completas” do escritor (1946/47); 3) nova leitura da narrativa, tomando como ponto de partida para sua análise e interpretação os dois objetivos anteriormente referidos. 12 por que: 1) parte representativa dos artigos publicados em livro tem O Estado como referência de fonte; 2) nos relatos autobiográficos bem como nas biografias sobre o escritor, o jornal em questão aparece como elemento relevante na vida pessoal e profissional de Monteiro Lobato; 3) havia disponibilidade de microfilmes no Centro de Desenvolvimento e Apoio à Pesquisa (CEDAP/UNESP-Assis) e no Arquivo do Estado de São Paulo, lembrando que a empresa “Estado” não autorizou consulta aos originais ali arquivados. O segundo recorte recaiu sobre a questão temporal. À medida que se consultavam os jornais microfilmados, ficava evidente que qualquer abordagem não deveria perder a relação dos textos então publicados no periódico, fosse quanto ao momento datado por fatos sistematicamente considerados pelos estudos históricos; fosse a respeito de um contexto ou co- texto inerente ao próprio jornal – este, dando-se em nível de diálogo entre os textos de cada edição e, também, com o jornal O Estado considerado historicamente como um todo. A fase compreendida pelos historiadores da imprensa como fase de consolidação ou profissionalização, início da República até a década de 30, correspondia à fase anterior à viagem de Lobato aos Estados Unidos. O fato de ser uma figura pública centralizadora de atenções no cenário cultural brasileiro nos primeiros decênios do século XX juntou-se à percepção de que a viagem de Lobato aos Estados Unidos seria uma ruptura na freqüência com que vinha contribuindo com os jornais brasileiros, destacando-se dentre eles O Estado. Procedeu-se, assim, à leitura dos periódicos publicados entre 1913 e 1930, chegando-se a um conjunto de textos datados entre outubro de 1913 e junho de 1923, com um lapso significativo em sua produção até 1930. Isso abriu diversas outras possibilidades de investigação: 1) Por cerca de sete anos após o último texto publicado em O Estado, com que veículos Lobato estaria contribuindo? 2) Por que o silêncio em O Estado durante esses anos? 3) Como Lobato passaria a se relacionar com a imprensa após seu retorno ao Brasil? 4) Ainda que publicando matérias sobre o petróleo e o ferro, na década de 30, Lobato manteria a mesma relação com O Estado? Como se nota, as questões abriam a possibilidade de pesquisas que fugiam à possibilidade de execução do trabalho no tempo hábil de um Doutorado. A opção, pois, de situar o trabalho na fase de consolidação da imprensa brasileira, marcadamente paulista, permitiria leituras mais atentas ao período histórico abordado, evitando-se construir um olhar simplificador sobre produção jornalística tão diversa nas páginas de O Estado. 13 O referencial teórico para a condução da investigação fez-se por duas vias. A primeira, ao realizar levantamento bibliográfico sobre o tema, ressaltou o estado da questão: parecia resolvido o lugar de Lobato no jornalismo brasileiro. O epíteto de jornalista mostrou-se estabelecido e veiculado, sem se levar em conta as peculiaridades da presença de Lobato em O Estado. A segunda, ao incidir diretamente sobre O Estado de S. Paulo como jornal cujas características o colocam como um dos grandes veículos publicitários do Brasil, levava a textos sobre a história da imprensa, sobre o fazer jornalístico, bem como sobre a história dos literatos e articulistas brasileiros. Contudo, a principal fonte que surgiu de modo pertinente foi o próprio jornal. Perceber como questões ideológicas se constituem por formas textuais correspondentes – compreendendo- se essas formas como o texto propriamente dito, a localização na página, a relação com outros textos, o tamanho da matéria – permitiu aproximar as visões que se tem sobre o escritor enquanto membro ativo do corpo editorial de O Estado e o discurso do jornal como meio em que escritores manifestam a individualidade de seus escritos, ao mesmo tempo que compactuam com as diretrizes de um veículo de ampla divulgação. Por meio dessa leitura, Monteiro Lobato revela-se, se não original, pelo menos em aspectos muitas vezes obscurecidos pela reiteração de imagens cristalizadas ao longo do tempo. Como veículo fugaz, o jornal apresentou-se como oportunidade para se rever uma faceta menos “literária” do escritor. Em suma, ao observar o conjunto de textos produzidos como artigos para O Estado entre os anos de 1913 e 1923, depreende-se um escritor em fina sintonia com o veículo do qual participava e ajudava a construir, fosse na esfera dos ideais, fosse no círculo das atividades exercidas dentro do jornal. Lobato é, com efeito, um jornalista participando ativamente dos ideais políticos e sociais de um grupo cuja influência extrapolava a tão autoproclamada neutralidade do jornal. Havia um projeto de país em boa parte comum a escritor e jornal, ou melhor, entre o publicista atento e o periódico bem sucedido. “Uma velha praga”, “Urupês” ou o quase não lembrado “Entre duas crises” são textos que, postos lado a lado e lidos na seqüência e freqüência que surgem em O Estado, compõem um mosaico esclarecedor da visão projetada por Lobato e o grupo de O Estado sobre o Brasil. O trabalho está dividido em quatro partes. Na primeira, busca-se apresentar a aproximação de Lobato com O Estado a partir do contexto histórico comum ao escritor e ao jornal, além de delimitar o objeto de pesquisa, por meio de exposição do cotejo realizado entre os 14 textos publicados em jornal e aqueles publicados nas obras completas organizadas pelo próprio autor entre 1946 e 1947. A segunda parte tem como foco aspectos ideológicos também comuns a Lobato e O Estado, com ênfase para o processo de constituição empresarial do veículo midiático e sua força centrífuga sobre vozes legitimadas socialmente, como portadoras do saber, caso de Monteiro Lobato. Na terceira, ressalta-se o discurso de Lobato como leitor e produtor de textos para jornal, tentando-se captar conceitos e idéias que norteavam sua produção para O Estado. A última parte apresenta o conjunto de textos publicados em jornal no período abordado, colocando em evidência os artigos posteriormente não publicados nas obras completas. Seguem ainda dois volumes de anexos. O primeiro traz a transcrição dos artigos encontrados no período pesquisado. O segundo corresponde ao cotejo realizado entre os textos publicados em jornal e aqueles editados em livro. Como método de trabalho, optou-se por identificar com sublinhado os trechos alterados nos respectivos conjuntos; a expressão em negrito “não consta” indica partes ausentes em qualquer um dos textos. Enfim, contrariando a prática jornalística, este texto não é tão breve quanto mereceria um legítimo escritor de jornal. Mas, para tratar de Lobato, às vezes é preciso contrariar suas indicações e inverter as regras do jogo: inicia-se, pois, a visita ao Lobato de O Estado. 15 1. Monteiro Lobato e O Estado: convergências no tempo e no espaço A roda que sempre freqüentara pertencia à oposição. Era um grupo pequeno, de elite, composto de intelectuais desejosos da reforma da cultura e dos costumes brasileiros, homens sobretudo de trato social apurado, moralmente íntegros. (Edgar Cavalheiro, Monteiro Lobato: vida e obra) Ao se adentrar as páginas de O Estado de S. Paulo em busca de um Monteiro Lobato intitulado como “jornalista”, porém frequentemente abordado como escritor de literatura, é inevitável que as primeiras impressões possam conduzir a julgamentos facilitados pelo entusiasmo do leitor de hoje. O envolvimento com as causas que defendia apaixonadamente, o texto crítico e corrosivo, as ironias finas e metáforas escatológicas possivelmente atraíssem também os leitores de seu tempo, mesmo aqueles cujos hábitos de leitura estavam enraizados no “francesismo” corrente. Para escapar à armadilha, é preciso recorrer a outros estudos que melhor situem os conceitos de jornal, jornalismo, história da imprensa, entre outros. Bem como se torna necessário voltar às obras que têm Lobato e sua obra como material de estudo. Também é preciso compreender a constituição do conjunto de textos abordados por esta pesquisa por meio da descrição do jornal e da comparação com os artigos publicados nas obras completas. Localizar, enfim, a presença de Monteiro Lobato no âmbito de suas relações com O Estado exige retomar os discursos sobre essa integração na bibliografia sobre o escritor. 1.1. Tempos eufóricos: o surgimento d’O Estado e Monteiro Lobato Juarez Bahia, em Jornal, história e técnica (1954), coloca O Estado em situação de destaque no processo de consolidação da imprensa brasileira. Em 1875 editam-se em São Paulo e no Rio de Janeiro “dois jornais que vão atravessar o marco de um século de existência, sendo que um deles se incluirá entre os de maior prestígio no país e na América Latina. Trata-se de A Província de S. Paulo, na idade republicana O Estado de São Paulo”. Como mercado, o Rio de 16 Janeiro apresentava grande número de jornais diários, revistas, tipografias e editoras de livros, concentrando-se ali a atividade literária com destaque na poesia, no romance, no ensaio e na filosofia – “a ação empresarial é menor agora no Norte e no Sul. Porém São Paulo e Minas demonstram um ativo processo editorial”, avançando numa forma de fazer imprensa muito diversa daquela preocupada somente com a divulgação desta ou daquela posição política, ou seja, a forma capitalista de fazer jornal: “singular é como, menos no Rio de Janeiro e mais em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia, um capitalismo que procede do interior se instala na cidade para investir na indústria cultural”. A Província de S. Paulo constituía, “por sua vez, o caso mais evidente dessa mobilização de proprietários rurais, interessados na imprensa” (p.80). Sinal de que, desde 1880, a imprensa entrava num estágio empresarial, como nos países mais avançados. Um espaço em que novos jornais “trazem, com seus títulos que se tornarão importantes, experiências e objetivos próprios das organizações industriais” (p.105), quais sejam, a preocupação com o leitor, a abertura a opiniões contrastantes, a preocupação com o produto jornal e, por que não, o produto notícia, como escreve (1954, p.108): O desenvolvimento do jornalismo no período que abrange o fim da primeira e o começo da segunda fase absorve as profundas mudanças econômicas que vive o país na passagem do Império para a República. A economia assinala, então, duas transições: uma, para o trabalho assalariado e, outra, para um sistema industrial. Compreendem os editores de jornais e empresários gráficos que o âmbito restrito de um jornalismo mais literário e mais político já não atende às exigências da sociedade, de um país em transformação, ávido por incorporar os avanços das comunicações. Uns e outros partem na direção da melhor qualidade de seus produtos. A esse respeito, A vida literária no Brasil (Broca, 1975, p.03), tem na sua abertura do primeiro capítulo colocação sumária: “a primeira década do século foi para o mundo ocidental um período de euforia de que a civilização brasileira participou vivamente”. Ainda que não se trate apenas dos anos de 1910, o fato é que a agitação editorial entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, no Brasil, demonstram a efervescência das mais diferentes 17 correntes intelectuais marcadas pelo ideário do desenvolvimento do mercado e da inserção do país no círculo dos países “civilizados”. Ainda segundo Bahia (1954, p.113), até 1908 circulavam no Rio e em São Paulo pequenos títulos, chistosos, polêmicos, como Bandalheira Eleitoral, O Diabo da Meia-Noite, O Pândego, A Metralha, O Sociocrata. Periódicos que seriam engolidos pela imprensa profissionalizada, a qual não pouparia nem mesmo jornais de personalidades como Joaquim Nabuco: “criado pela Sociedade Brasileira contra a Escravidão, liderada por Joaquim Nabuco, O Abolicionista é de 1880, mas não se mantém por mais de um ano. Não deixa, porém, de abrir caminho para jornais dedicados à causa dos escravos”. Porém, agora, as causas deveriam justificar o pagamento do leitor. No curso da Primeira Guerra Mundial, a imprensa percebe e absorve as mudanças sociais, principalmente a relação dos povos com o sistema de comunicação de massa. O jornal menos literário e mais noticioso se faz com as notícias vindas de bonde, de trem e de navio, além do emprego de escritores e publicistas consagrados, cujos textos eram publicados em oficinas com linotipos a motor elétrico, em substituição ao motor a gás. Para Süssekind (1987, p.72) não há como separar desenvolvimento técnico de produtividade intelectual: De um ponto de vista estritamente técnico, a grande transformação por que passa a imprensa brasileira na virada de século é o início do emprego dos métodos fotoquímicos de reprodução. E isto se dá, de fato, a partir de 1º de maio de 1900, quando começa a circular a Revista da Semana, de Álvaro de Teffé. Até então, os processos de reprodução mais comuns eram ou a litografia – que obrigava um Agostini, por exemplo, a desenhar “diretamente sobre pesadas pedras, às avessas, para que, na impressão, o resultado aparecesse natural” – ou a gravura em zinco ou cobre – onde o ilustrador deveria desenhar sobre papel gelatinado, “obedecendo ao tamanho exato que deveria ter o clichê, fosse ele de uma polegada”. Métodos substituídos desde 1900 pelo fotozinco e pela fotogravura. As autoras Tânia de Luca e Ana Luiza Martins, em Imprensa e cidade (2006, p.107), reiteram a idéia de Bahia sobre o momento histórico como uma fase de “consolidação”, “uma imprensa mais sólida, nos anos da Abolição e da República, está geralmente associada a uma 18 tipografia mais bem reaparelhada, renovada em relação aos anos pioneiros, graças à importação de tipos e prelos”. As empresas, então, tinham menos improvisação, buscando fixar posições de mercado mais duradouras, mediante a organização do negócio. A expansão territorial da imprensa seria inevitável, pois esta permitira criar uma base econômica mais sólida às empresas em crescente fortalecimento. Anunciava-se o corte do cordão umbilical com o Estado, embora ainda este fosse o grande patrocinador de boa parte do sucesso de muitos periódicos nacionais. Tal como a República, a imprensa haveria de “ser” alguma coisa para um público parco, irrisório, comparado a mercados amplos como o norte-americano. Gastão Tomás de Almeida, ao abordar a imprensa no interior paulista, Imprensa no interior: um estudo preliminar (1983, p.35), afirma que, voltando aos primeiros jornais que assinalam a entrada da imprensa nas cidades, podiam se destacar Sorocaba, Santos, Itu e Campinas, “a imprensa passou para o Vale do Paraíba, onde teve início em Guaratinguetá e depois chegou a Taubaté, Pindamonhangaba, Bananal, Areias e Caçapava. Foram quase dez anos em que a difusão se fez apenas nessa região”. A fase de consolidação indicava outros rumos em termos de visão de mundo das oligarquias. Ainda que orbitando ao redor dos detentores dos capitais, a imprensa vai se libertando à medida que o caráter empresarial firma-se em contraposição ao provinciano costume da encomenda de notícias. A fase de transição de uma imprensa panfletária para uma imprensa profissionalizada apresenta, segundo Bahia (1954, p.108), uma consciência dominante de que “a imprensa deve situar-se num plano de interesse público, de identificação com os sentimentos de valorização da ordem jurídica, de aperfeiçoamento das instituições e de conquistas sociais voltadas para o indivíduo”. Sobre as questões ideológicas desse jornalismo, Bahia relaciona o compromisso ideológico generalizado no Ocidente com um programa de ação gerador de iniciativas éticas, como códigos de conduta e manuais de redação e estilo somente na passagem do XIX para o XX. Isso, nos grandes centros ocorreu de modo mais intenso – nos jornais interioranos, porém, o compromisso com o verídico e a imparcialidade demoraria mais para chegar. Mesmo com as encomendas das opiniões por parte do governo, sem dúvida o jornalismo vivia um momento próspero, inédito na história da imprensa brasileira, como destacam Luca e Martins (2006, p.37-38): Essa fase próspera resultou da especial conjuntura vivida pelo país, definida pelo momento econômico de apogeu do café e diversificação das 19 atividades produtivas; pela nova ordem política republicana, com programas de alfabetização e remodelação das cidades; pela agilidade introduzida pelos novos meios de comunicação; pelo aperfeiçoamento tipográfico e avanços na ilustração, enquanto as máquinas impressoras atingiam velocidades nunca vistas. A imprensa mais profissionalizada passou a figurar como segmento econômico polivalente, de influência na melhoria dos demais, visto que informações, propaganda e publicidade nela estampadas influenciavam outros circuitos, dependentes do impresso em suas variadas formas. O jornal, a revista e o cartaz – veículos da palavra impressa — potencializavam consumo de toda ordem. Não é difícil imaginar que “virar” jornalista passa a ser uma ambição de jovens da capital e do interior. Embora não dominando o meio, indivíduos advindos das oligarquias agrárias do interior transformam-se em empresários, o que abre portas para profissionais em busca de alocação nas salas editoriais. Na versão de Nelson Werneck Sodré, em História da imprensa no Brasil (1966, p.315), é assinalado que a passagem do século trazia consigo a transição da pequena à grande imprensa. Os pequenos jornais, de estrutura simples, “as folhas tipográficas, cedem lugar às empresas jornalísticas, com estrutura específica, dotadas de equipamento gráfico necessário ao exercício de sua função”. Consequentemente, “se e é assim afetado o plano da produção, o da circulação também o é, alterando-se as relações do jornal com o anunciante, com a política, com os leitores. Essa transição começara antes do fim do século, naturalmente, quando se esboçara, mas fica bem marcada quando se abre a nova centúria”. Estava naturalmente ligada às transformações do país, em seu conjunto, à ascensão burguesa, ao avanço das relações capitalistas: a transformação na imprensa seria um dos aspectos desse avanço; o jornal seria, segundo o historiador, daí por diante, empresa capitalista, de maior ou menor porte. Decretava-se o fim do jornal como empreendimento individual, como aventura isolada nas grandes cidades, sendo esse tipo de imprensa relegada ao interior, onde sobreviveria com menor ou maior folga ao longo do tempo. Como conseqüência, ainda, “a redução no número de periódicos. Por outro lado, as empresas jornalísticas começam a firmar sua estrutura, de sorte que é reduzido o aparecimento de novas empresas”. Nesse momento, o mercado vai se reconhecendo livre da tutela governista, “é agora muito mais fácil comprar um jornal do que fundar um jornal; e é ainda mais prático comprar a opinião do jornal do que comprar o jornal”. 20 A relação do público com o jornal não mais se dá simplesmente por adesão a este ou aquele grupo político. Conta Bahia (1954, p.134) que, em 1915, por exemplo, a campanha germanófila contra O Estado de S. Paulo chegara a um ponto crucial. Nessa época, o número e a influência das empresas comerciais, industriais e financeiras alemãs eram maiores do que, por exemplo, na II Guerra. O jornal sofria prejuízos em publicidade e assinaturas, mas não em prestígio. O Diário Alemão, porta-voz dos poderosos interesses da colônia, acusava o jornal paulista de estar nas mãos dos ingleses, chamando-o de The State of S. Paulo. Porém, O Estado não se intimidou com o bloqueio dos alemães. Apesar da aguda crise de papel, ampliou a cobertura da guerra com despachos de três agências telegráficas e comentários semanais de Júlio Mesquita. Lançou, ainda, a edição da noite, conhecida como O Estadinho. À época, Mesquita explicava que O Estado de S. Paulo não tinha má vontade contra os alemães, mas apenas divergia “visceralmente” da política autoritária e militarista que desviara a Alemanha de sua “luminosa missão”. A posição antimilitarista do jornal não deixa de aludir à situação brasileira. Mesmo quando perdedores nos embates com o governo, os jornais saem fortalecidos pela identificação popular com suas posições ideológicas. Ainda que popular não significasse mais que uma camada letrada da cidade e dos leitores da oligarquia no interior paulista. É o contexto em que apareceria a marca de Monteiro Lobato, com a figura do Jeca Tatu, como relaciona Bahia (1954, p.178): Nesse período de quase quinze anos, contado a partir da primeira agência nacional, A Eclética, na década de 10, técnicas de outdoor, painéis de estrada, mala direta, house organ, promoções, se desenvolvem rapidamente com base em recentes processos de produção gráfica, geram empregos, formam novos especialistas. Esse surto de tecnologia da comunicação impressa coincide com o aparecimento do Jeca Tatu — o caboclo pobre, casado com mulher magra e feia, pai de crianças pálidas e tristes, vivendo no mato, numa casinha de sapé — de Monteiro Lobato, cuja história divulga as virtudes da Ankilostomina e do Biotônico Fontoura. O folheto (preparado por Lobato com o estímulo de Cândido Fontoura, ambos redatores de O Estado de S. Paulo) alcança em 1941 a marca de 10 milhões de exemplares. 21 Quanto às questões ideológicas, Eliane Dutra, em Rebeldes literários da república (2005, p.58), afirma que não é tarefa fácil definir de maneira precisa a orientação e coerências políticas das “várias tendências e acomodações que prevaleceram entre os grupos que se diziam republicanos, no Brasil do final dos oitocentos e começo do século XX”. Continua a autora: Isso nos reenvia às principais diferenciações no interior do grupo republicano. Assim é que, de um lado, temos os republicanos de extração liberal, com grandes afinidades com o modelo americano, interessados na organização do poder, no estabelecimento de uma ordem social e política capaz de assegurar a defesa dos interesses individuais. Partidários da solução federalista, eles são representados por homens como Alberto Sales e Quintino Bocaiúva. De outro, estão os chamados jacobinistas, afinados com o princípio da participação popular ampla e direta, a exemplo dos comitês de salvação pública e dos clubes republicanos que imperaram na Primeira República Francesa, com a defesa da igualdade e da liberdade dos cidadãos, e menos preocupados com a organização da liberdade em termos institucionais. Em sua obra sobre a história da imprensa, Sodré (1966, p.276) oferece algumas cenas da atuação de O Estado nos anos das agitações em prol da República: Euclides da Cunha era acolhido pela Província de São Paulo, como colaborador, na seção intitulada “Questões sociais”. O jornal de Rangel Pestana e Júlio de Mesquita apresentava-o assim: “É moço de muito talento e de vasta ilustração. Se quiséssemos ser indiscretos, diríamos que o seu nome, ainda há pouco, andou envolvido no grave incidente da Escola Militar do Rio de Janeiro, que se deu por ocasião da visita que o ministro da Guerra fez aquele estabelecimento”. A 22 de novembro, aparecia o primeiro artigo de Euclides: “A pátria e a dinastia”; o segundo foi “Revolucionários”, contendo a enfática afirmação: “o republicano brasileiro deve ser sobretudo eminentemente revolucionário”. A 27 de fevereiro de 1889, o jornal anunciava a ida de Euclides para o Rio: o “talentoso ex-aluno da Escola Militar” ia concluir o curso de Engenharia. Euclides espaçou a colaboração, assinada com o pseudônimo Proudhon. 22 Quando Lobato vem à luz no mundo da grande imprensa, esta já caminhara um trecho na conquista da solidez econômica e da liberdade política de opinião. Lobato está a caminho de sua profissionalização como colaborador de periódicos. Embora herdeiro, a partir de 1911, da Fazenda do Buquira, escrever para jornais corresponderia muitas vezes, conforme o escritor deixa registrado para a posteridade nas cartas aos amigos, ganhar dinheiro. Escrevem Luca e Martins (2006, p.40): Logo, o literato profissionalizou-se por meio do jornalismo, pois havia um fato real: pagava-se! Os jornais introduziram tabelas fixas para salários, contemplando com valores substanciosos nomes de expressão no panorama político e literário. Isso desencadeou muito questionamento e crítica. Intelectuais bem-sucedidos, que também atuavam com sucesso na propaganda, especialmente Coelho Neto e Olavo Bilac, tornaram-se alvos preferenciais dos ataques. Para Marisa Lajolo, em A formação da leitura no Brasil (1998), os dizeres de Lobato são exemplo da passagem de uma escrita dos “escolhidos” para uma escrita mensurável em valor de troca, o que é observado na carta de 07 de junho de 1909, a Rangel em A barca de Gleyre (Lobato, 1957, p.238-39): Nada sei de Ricardo. Estará no Comércio de S. Paulo? Suspeitei-o, encontrando por acaso um número desse jornal em que vinham os clássicos e nunca assaz republicados Elefantes do Lecomte de Lisle da sua tradução e também o meu Gens ennuyeux, que entra assim na quarta edição em jornal. A mim não convidou para colaborar. Donde recebi convite foi da Tribuna de Santos, jornal cor de rosa que o Valdomiro Silveira dirige, e já mandei como pano de amostra uma coisa cruel contra o Hermes. Prometem pagar a colaboração logo que concluam lá umas reformas. É preciso que a literatura renda ao menos para o papel, a tinta e os selos. A primeira coisa paga que escrevi foram artigos sobre o Paraná, coisa de oitiva. Renderam-me 10$000 cada, uma assinatura de Reveu Philosophique (33 francos), um Aristófanes completo e um belo canivete de madrepérola com saca-rolha. Não foi mau o negócio, e assim pilhemos tão alta remuneração para tudo quanto produzirmos. 23 Tratando da profissionalização no meio jornalístico, Bahia (1954, p.108) demonstra que o trabalho assalariado e o sistema industrial são características da imprensa-empresa do século XX, pois “compreendem os editores de jornais e empresários gráficos que o âmbito restrito de um jornalismo mais literário e mais político já não atende às exigências da sociedade, de um país em transformação” o que obriga uns e outros a partir “na direção da melhor qualidade de seus produtos”. Essa presença no ramo jornalístico indica, também, a adequação do escritor a um veículo que passava a exigir mais que literatura para vender bem. A transformação da pauta desse jornalismo acabou confinando o literato às páginas das revistas, as quais passavam à especialização nesta ou naquela área de interesse do público. Em relação a Lobato, o ano de 1914 marca-se pela aparição reconhecida num jornal de grande porte como O Estado, porém, não o surgimento de um literato a profissionalizar-se, pois que sua formação já vinha de anos se dando em outras folhas. O que acontece a partir de 1914 é a intensificação de um processo de participação no meio jornalístico de maior calibre tanto em número de leitores quanto em finanças. A compra da Revista do Brasil, em 1918, surgiria como a possibilidade de dizer tudo o que gostaria e como quisesse. Carmem Lúcia de Azevedo, Márcia Camargos e Vladimir Sacchetta, em Monteiro Lobato: furacão na Botocúndia (2006, p.119) comentam: Nascida em setembro de 1915 como uma sociedade anônima formada por sessenta acionistas, na sua maioria intelectuais, políticos e jornalistas ligados ao grupo do Estado, a Revista do Brasil é lançada em janeiro do ano seguinte. “A vingança da peroba”, no terceiro número, marcou a estréia de Lobato no periódico, onde colabora com contos, artigos e críticas de artes plásticas. Há algum tempo Lobato já se considerava um dos donos da Revista, conforme confessou, em tom de gracejo, ao amigo Rangel. Agora, com disponibilidade financeira, começava a pensar seriamente na hipótese. Apesar dos conflitos entre o literato e o jornalista, Lobato não via os periódicos com ceticismo – mesmo porque considerar-se um dos donos é forte indício de uma presença de liderança no grupo, não de simples colaborador. Em 1918 efetiva a compra “através de escritura passada no 1º Tabelionato da capital, de Filinto Lopes”, e, apontam ainda, o valor do negócio 24 Azevedo, Camargos e Sacchetta (2006, p.120): “por cinco contos de réis Lobato adquiria o seu ativo — incluindo móveis, o estoque de exemplares e o título, avaliados em torno de três contos —, além de um passivo que girava por volta dos dezessete contos”. A cerca desse ambiente de negociações, afirma Sodré (1966, p.393-394): A imprensa paulista vinha em grande desenvolvimento: a 2 de fevereiro de 1912, Plínio Barreto lançara a Revista dos Tribunais, quinzenário que logo conquistou prestígio; em 6 de março de 1914, Gelasio Pimenta punha em circulação A Cigarra, revista ilustrada; em 1915, começava a circular o escandaloso semanário de Benedito de Andrade, O Parafuso. Por essa altura, irritado com as queimadas dos caboclos nas fraldas da serra da Mantiqueira, que destruíam os capoeirões próximos de sua fazenda no Buquira, município de Caçapava, um fazendeiro enviou à seção “Queixas e Reclamações” do Estado de São Paulo o trabalho “Velha Praga”, a que o jornal, inteligentemente, deu destaque, publicando fora daquela seção. Assim estimulado é que o fazendeiro José Bento Monteiro Lobato foi enviando ao jornal o que tinha na gaveta e novas coisas que escrevia, contos e artigos, e o público se foi habituando a admirar o seu estilo fácil, correntio, simples, claro, muito diferente do dos escritores que colaboravam nas folhas da época. Quando deu por si, o fazendeiro estava em S. Paulo, “a dirigir a Revista do Brasil, a escrever e a editar livros, e sobretudo a revolucionar, sem pensar na coisa, a produção, comércio e distribuição de livros em todo o país. Na Revista do Brasil, realmente, Monteiro Lobato começa, preludia o movimento modernista. Ainda em 1918, Lobato se envolvia com o problema do saneamento básico brasileiro. Ao se posicionar em mais uma causa nacional, o jornal O Estado de S. Paulo demonstrava sua capacidade de mobilização e influência no cenário sócio-político. A presença de Lobato, por sua vez, implicava algo semelhante. Viajando com a equipe de Artur Neiva, conferiu in loco o problema e sua pena era posta a favor da causa. Conforme escreve Edgar Cavalheiro, Monteiro Lobato: vida e obra (1955, p.235), “antes de findar o ano de 1918, são os artigos reunidos em volume, por decisão da ‘Sociedade Eugênica de São Paulo’ e da ‘Liga Pró-Saneamento do Brasil’”. Nas palavras de Azevedo, Camargos e Sacchetta (2006, p.102), “o escritor confundia-se com o jornalista, o homem de imprensa virava publicista, e ambos lançavam mão dos meios de 25 comunicação na época – o livro, o jornal e a revista – para tentar despertar a consciência social e criar novos padrões de comportamento coletivo”. Disso, chega-se à conclusão de que Lobato efetivamente tornara-se “um nome” no jornalismo da primeira metade do século XX, um nome que embora indique seu papel de jornalista, também indica um diferencial em relação à categoria profissional em franca ascendência. Como várias vezes anunciara por cartas a Godofredo Rangel, o jornal havia propiciado a janela de que precisava para se transformar em escritor. Comandando a Revista do Brasil, está a um passo de editar a si mesmo, o que faz rapidamente nos anos de 1917 e 1918, respectivamente: (Azevedo; Camargos; Saccheta, 2006, p.122-124): Com a experiência bem-sucedida de duas primeiras publicações autofinanciadas — O Saci-Pererê: resultado de um inquérito e Urupês — Lobato desenvolve ali mesmo, paralelamente ao comando da Revista do Brasil, o embrião de uma seção editora. Dado o êxito junto ao público — a primeira edição de Urupês, de mil exemplares, esgotara-se em surpreendente velocidade, assim como as três posteriores, consumidas com igual rapidez —, ele repete a experiência com outros autores. E, na contramão das práticas editoriais, prioriza os novatos, lançando gente praticamente desconhecida. “Naquele tempo, para alguém editar um livro tinha que possuir um destas qualidades: ser rico, ter prestígio junto a um medalhão, ou ser filho de pai ilustre”, explicaria mais tarde. A figura de Monteiro Lobato envolvido com causas defendidas abertamente nas páginas do Estado não se contrapõem a práticas empresariais mais vigorosas. O que se explica também em relação ao Estado; para Maria Helena Capelato e Maria Lígia Prado, em O bravo matutino (1980, p.26), o jornal insurgiu-se contra a tendência centralizadora da política brasileira desde sua fundação, dado que “em seu projeto político, fazia-se presente uma concepção de Estado que se fundava na teoria evolucionista, no princípio liberal de autonomia dos Estados e na experiência prática de alguns países, como, por exemplo, os Estados Unidos da América do Norte”. 26 Para Carlos Silva2, em O adiantado da hora (1991, p.76), as relações com a imprensa americana se intensificaram nos anos 20. As datas são importantes para se compreender tanto a atuação da imprensa brasileira no cenário internacional, quanto o próprio contexto em que se inseria Lobato como ativo membro do grupo: “Do Primeiro Congresso Panamericano de Jornalistas, em maio de 1926 na cidade de Washington, participaram 14 representantes brasileiros”. Entre eles, nomeia o autor, “Gilberto Freyre, que representou o Diário de Pernambuco, Edgar Leuenroth, que compareceu por conta própria”. Embora Nestor Rangel Pestana, de O Estado de S. Paulo, Herbert Moses, de O Globo, não pudessem comparecer, não deixavam de se fazerem presentes, tanto por meio dos telegramas, quanto da aproximação que se dava de modo oficial entre os países. No caso do congresso, o ponto principal era “a ampla liberdade de imprensa”. No quadro de internacionalização, Monteiro Lobato seria peça chave para convencer o público jornalístico – produtores e leitores – dos benefícios dessa aproximação: Entre intelectuais que exerciam a profissão jornalística de forma intermitente, mas que ainda assim tinham grande ascendência sobre a categoria e sobre a opinião pública, a maioria continuava contrária à influência dos americanos. Entre estes, Alceu Amoroso Lima, Antonio Torres e Agripino Grieco. Mas um passaria a defendê-la com entusiasmo crescente: Monteiro Lobato, que em 1927 foi nomeado adido comercial do Brasil em Nova York, onde morou por quatro anos e meio. “Sinto-me encantado com a América. O país que eu sonhava. Eficiência. Galope. Futuro. Ninguém andando de costas.” O poder de Lobato não deve ser medido apenas pela influencia que possa ter exercido sobre seus contemporâneos. É impossível contabilizar, mas não é desprezível, o que ele transmitiu ao longo das gerações seguintes de valores compatíveis com o modo de pensar americano a milhares de crianças que se tornariam jornalistas e responsáveis pelas redações dos mais importantes diários do país. Para o pesquisador, Bahia e Sodré não haviam conseguido abarcar a realidade do contraste americano com o brasileiro, perdendo pontos fundamentais; “a importação de 2 É importante ressaltar que não há homegeneidade na abordagem sobre a relação da imprensa americana com a brasileira. Para esse autor, por exemplo, a influência se dá muito mais pela política imperialista americana que por outros mecanismos de apropriação, como sugerem Bahia (1954) e Sodré (1966). 27 máquinas, a adoção de técnicas, a compra de serviços de agências, a incorporação de valores do jornalismo americano são todos sinais importantes de um desejo de fazer do jornal um negócio” em território nacional, contudo, “a falta de condições na economia local de sustentar essa vontade faz com que ela se frustre, embora alguns jornais consigam sobreviver”, dentre estes destacam-se o Jornal do Brasil e O Estado de S. Paulo: “A fragilidade dessa ‘aventura industrial’ até a segunda metade deste século é inquestionável” (1991, p.64). O entusiasmo de Lobato com a América estaria em consonância com sua visão de mercado para a literatura. Cristiane Costa, em Pena de aluguel (2005, p.75), chega a afirmar que “Monteiro Lobato foi o primeiro escritor brasileiro a conceber a literatura como mercadoria. Não teve o menor pudor de enviar uma carta aos donos dessas casas comerciais propondo: quer vender também uma coisa chamada livro?”. Evidentemente, porém, conceber a literatura como produto não justificaria tão simplesmente a aproximação do escritor com o jornal. São, pois, as questões ideológicas, concepções de mundo no contexto das quais o mercado é um dos fatores, que fazem de Lobato um “sapo” permanente da lagoa do Estado. “Sapo de redação”, título que, atribuído aos partidários das idéias do jornal, poderia ser um nome mais chistoso, suave, para a presença intensa de personalidades fortemente atadas às concepções de sociedade e política do periódico. É justamente a conjunção de funções, característica do momento vivenciado pelo jornalismo no Brasil, que permite ao escritor paulista fazer de seus textos publicados em jornais livros em que os artigos vinham a público organizados segundo critérios do próprio autor. Se isso tem a vantagem editorial e literária de registrar de modo mais pertinente a obra de um escritor, também contribui de modo relevante para se obscurecer o “jornalista” Monteiro Lobato. Reconhecido como tal, é a obra editada em livro, fruto da organização realizada como “obras completas” em 1947, que tem sido objeto de análises e demais pesquisas. O apagamento do “escritor de jornal” se deu pelo próprio autor que, apesar dos reveses vivenciados na busca de dar ao país riqueza das mais diversas formas, legou à posteridade um conjunto de textos por ele selecionados como representativos de sua produção, muitos dos quais retirados das páginas d’O Estado e reescritos pelo experiente autor e editor para suas obras “completas”. Assim, como conseqüência imediata, o contato com o Lobato das folhas saídas do prelo e postas diariamente nas ruas apaga-se diante da figura do escritor de livros, obras cujos artigos “são” o que ele escreveu como jornalista. Textos, aliás, geralmente considerados como 28 prenúncios ou indícios do que viria a escrever como livro – e isso já merece um olhar mais atento. O Lobato de Problema vital, por exemplo, sem dúvida é um escritor muito mais cuidadoso, seja com a ortografia, seja com a exposição do tema, que o Lobato do jornal. Mas, voltar às páginas de O Estado e procurar o Lobato editado em meio às estreitas colunas de uma folha que, com doze páginas, era um “grande jornal” – em termos de material editado e expansão de vendas – é encontrar um contexto bem diverso daquele em que se deu a publicação dos artigos sobre saneamento, nas obras completas. Se é impossível reviver o contexto em que se dava a publicação dos textos, é possível, contudo, perceber o próprio jornal como contexto em que se efetivava a edição dos artigos de Lobato. Contexto importante para colocar em destaque o profissional da imprensa. 1.2. Um articulista na crítica de arte Dentre os estudos sobre Lobato, é Um jeca nos vernissages (1995), de Tadeu Chiarelli, exemplo relevante de pesquisa voltada cuidadosamente aos artigos do escritor. Nele aborda-se o papel crítico de Lobato, demonstrando como sua produção voltava-se de modo coeso para a defesa de uma arte compreendida então como “nacional”. Nacionalismo que, por sua vez, para existir como “defesa”, pressupõe a existência de uma “desnacionalização” das artes no Brasil. Segundo Chiarelli, “na crônica ‘Uma palestra de arte’, publicada em novembro de 1920, Del Picchia tocou pela primeira vez no caso ‘Malfatti versus Lobato’, a propósito de uma exposição que a artista realizava na cidade”. Picchia destacava que neste artigo “ficara com uma má impressão da pintura de Malfatti, mesmo sem ter visitado a Mostra” (p. 25). Ao escrever sobre o artigo de Lobato, o declarado modernista afirmaria que se tratava de um ataque aos “futuristas”, não especificamente a Malfatti. Tal colocação munia Mário de Andrade e demais representantes do Modernismo para desautorizarem Lobato como crítico, ainda que mesmo Picchia o reconhecesse como tal – impiedoso, injusto, cruel, iconoclasta, “mau pintor”, porém, crítico. Para Chiarelli, a História do Modernismo Brasileiro, de Mário da Silva Brito, demonstra como essa desautorização se cristalizou: “Brito sugere que o texto sobre a artista teria sido uma ‘tradução’ da opinião d’O Estado sobre as obras da artista, e não propriamente um juízo formulado a partir das reflexões do autor”. O que seria uma opinião desprovida do 29 conhecimento sobre as relações do escritor paulista com o jornal: “Brito começa a ampliar o processo de desautorização de Lobato como crítico, sem analisar detidamente o texto e, muito menos, as obras expostas por Malfatti e seus colegas, preferindo insinuar que Lobato, para escrever, teria sido guiado pelo ‘dedo’ do principal redator do jornal”, isto é, Nestor Pestana. Tal opinião desprezava deliberadamente a informação de que aquele texto não era a estréia de Lobato como crítico de arte, “não necessitando, portanto, que alguém lhe ditasse o que escrever sobre o assunto”. Afirma Chiarelli: “no final de 1917 Lobato já possuía um sistema de pensamento sobre arte devidamente consolidado para refletir sobre a mostra” (p.30-31). Lobato, no início de sua inserção como intelectual no panorama brasileiro do século XX, apresentava-se como crítico engajado num projeto de arte brasileira, no qual o produto ou manifestação artística, para ser vista positivamente, deveria estar imbuída das proposições estéticas naturalistas e marcadas por um desejo de captação do ambiente local. O caráter militante e a linguagem original rompiam com o discurso extremamente formal do jornalismo de arte da época, significando uma ruptura no contexto cultural paulistano e abrindo um espaço de dissidência em relação ao status quo, “espaço este que nos anos 20 seria assumido pelos modernistas”. Acrescenta o autor: “por outro lado, suas propostas de arte nacional serviram de base para que o intelectual, aos poucos, expandisse sua visão para um projeto que retirasse o Brasil de seu atraso, impelindo-o a concentrar o interesse nas mais diversas áreas problemáticas do país” (p. 43). Portanto, o projeto de arte de Lobato era engajado a uma causa maior, ao desenvolvimento brasileiro. Sua singularidade, segundo Chiarelli (p.93), brotaria mais do caráter de seu discurso que propriamente de idéias já anteriormente encontradas na crítica local. Com o intuito de entender essa crítica, o autor comenta como ela era posta a serviço de jornais como O Estado: “a crítica de serviço do Estado, com seu apoio à busca do nacional, marcou o posicionamento de um setor da burguesia paulistana em relação ao assunto, criando, inclusive, as condições para a eclosão da crítica nacionalista militante na segunda metade dos anos 10”. Com ênfase, o autor acrescenta: Porém, a preocupação com o nacional no Estado não estava restrito apenas às artes plásticas. O jornal — forte opositor do governo estadual no início do século, como atesta Paulo Duarte — estendia seu interesse pelo nacional a outras áreas da cultura e do social, transformando-se, aos olhos de hoje, no maior 30 núcleo nacionalista existente em São Paulo nas primeiras décadas do século. Foi no Estado, por exemplo, que Waldomiro Silveira publicou contos regionais paulistanos entre 1900 e 1905. Em 1912 era fundada “A Sociedade de Cultura Artística”, primeira associação paulistana fortemente marcada pela necessidade ética de valorizar o nacional, criada por jornalistas e intelectuais ligados ao Estado, entre eles, Amadeu Amaral, Arnaldo Vieira de Carvalho e Nestor Pestana. Essa sociedade organizava saraus lítero-musicais ligados ao culto da música brasileira. Sob sua orientação foram realizadas inúmeras palestras sobre temas nacionais como idioma nacional, Gregório de Matos, arquitetura colonial brasileira, etc., proferidas por intelectuais como Afonso Arinos, Amadeu Amaral e Plínio Barreto. É importante também lembrar de outra associação de caráter nacionalista, “surgida no âmbito da influência do Estado”, a “Liga Nacionalista”, criada em 1917, “a partir da ‘campanha patriótica’ desencadeada por Olavo Bilac no Brasil, motivada pela Primeira Guerra Mundial” (p. 94). Seguindo como foco de análise o nacionalismo, Chiarelli (p.109) acaba retornando aos artigos de 1914, “Uma velha praga” e “Urupês”. Embora tomando aquele equivocadamente como primeiro artigo de Lobato, aponta no escritor um exemplo de profissionalização da escrita: Se seu primeiro artigo foi imediatamente reproduzido em vários jornais brasileiros, “Urupês” já lhe concede um reconhecimento oficial junto à intelectualidade paulistana, com o convite para a conferência na Sociedade de Cultura Artística de São Paulo. Em outra carta, comenta com Rangel que Pinheiro Jr. havia lhe dito que na redação do Estado todos eram unânimes em considerá-lo “novo na forma” e uma verdadeira “revelação” como articulista. Contava também que o jornal, assim que resolvesse certos problemas financeiros, pretendia contratá-lo como colaborador. Era o começo da profissionalização. Com uma temática muito bem definida, a obra de Chiarelli (p.111) ainda é importante por apontar algumas questões do estilo lobatiano merecedoras de análise mais apurada. O autor relaciona seu reconhecimento no Estado tanto pelo que dizia quanto pelo modo de dizer: 31 Fazendeiro e intelectual, Lobato, resgatando o “verdadeiro” homem do campo, descrevendo-o como ele era na “realidade”, abria a possibilidade para o público pensar o Brasil e seus problemas por um ângulo até então inusitado. Além de denúncias contundentes de alguns graves problemas brasileiros, Lobato trouxe em seus dois artigos uma linguagem, um modo de expressar seus pensamentos bastante diferente do discurso bem-comportado do Estado, que, por sua vez, era o discurso-padrão dos textos jornalísticos da época. Seu estilo, portanto, também surgia como uma novidade na cena intelectual, o que, como foi visto, contribui para o reconhecimento quase que imediato de seu autor pelos intelectuais ligados ao Estado. Mesclando frases longas a frases curtas, buscando e abusando de metáforas criadas a partir de sua experiência como fazendeiro e entremeando ao texto frases e/ou parágrafos extremamente irônicos – até perversos –, Lobato conseguiu com maior eficácia chamar a atenção do leitor sobre a situação nada romântica do trabalhador do campo. Segundo o autor, Lobato, colaborando n’O Estado e em outros periódicos, levava para a insossa linguagem jornalística uma outra, “vibrante de significações potenciais, estruturada (mas não calcada) em padrões de linguagem de Machado, Camilo e outros escritores que lhe eram caros”. Seu caráter de “novo na forma”, definido pelo grupo d’O Estado seria proveniente disso. “Ele era novo na forma do jornalismo, de fato, porque não se utilizava de estilemas lingüísticos próprios da imprensa, tratando de seu texto como um espaço de criação original, sabendo dosar à objetividade desejada para um artigo de imprensa, a criatividade formal que se esperava de uma peça literária”. Apesar de pensar o escritor como intelectual “compelido” pelo sucesso dos artigos de 1914 a aceitar o papel de escritor, fato questionável para alguém de tanto interesse na vitrine- jornal, o autor é ciente das influências literárias do escritor, afirmando que este não se adequava ao discurso padrão da época. “Utilizando-se criativamente da agilidade e da ironia apreendida em seus autores prediletos, e acoplando a elas um ímpeto original na escolha e no tratamento dos assuntos sobre os quais escrevia”, Lobato quebrava a placidez da imprensa da época e impressionava “não apenas os intelectuais do Estado, mas, como será visto, grande parte do público leitor paulistano e brasileiro” (p. 127). Chiarelli, pois, apreende nos artigos do escritor um projeto de Brasil, porém, mantém a idéia de certo posicionamento mais radical de Lobato na imprensa. Ainda que não possa ser 32 apontada como idealização, é fato que a imagem do intelectual revelado pelo engajamento espontâneo por meio de um artigo escrito no “calor da hora” perpassa tanto o texto de Um Jeca nos vernissages quanto a de outros estudos cujo objetivo seja abordar os artigos de Lobato. Diante desse quadro, perde-se a dimensão de integração do escritor com um grupo como o d’O Estado, quando não correndo o risco de reduzir o papel daquele a um funcionalismo empresarial interpretado de forma contrastante com os relatos do próprio Lobato. É o caso de Pena de aluguel (2005, p.73), quando a autora afirma que “em 1917, Lobato vendeu a fazenda e se mudou para São Paulo. No ano seguinte, o ‘sapo’ alcançaria altos cargos no Estado por pura obra do acaso” . Em que pese o pitoresco do caso, Lobato não alcançaria “altos cargos” simplesmente porque as relações apontadas em seus registros e também nas correspondências dos interlocutores demonstram um grupo unido em função de ideais para os quais a questão do mercado era apenas uma face, não necessariamente a dominante. Lobato não alcançou um cargo durante a gripe espanhola que derrubava o alto comando, exerceu apenas individualmente o papel que os “sapos” exerciam diariamente em conjunto. A respeito dessa integração, escreve Ênio Passiani, em Na trilha do Jeca (2003, p.129-30): A nova investida de Lobato, em julho de 1918, foi o lançamento de Urupês, oficialmente seu primeiro livro, uma vez que o inquérito sobre o saci não trazia o seu nome. No livro, o autor reúne, além dos bombásticos artigos “Urupês” e “Velha Praga”, contos que em sua maior parte já havia publicado na Revista do Brasil. A estratégia de Lobato em relação ao seu primeiro livro revela a sagacidade do escritor-editor. Primeiro, na escolha do título. Inicialmente havia pensado em batizar a obra de “Dez mortes trágicas”, mas, segundo seu biógrafo Edgar Cavalheiro, Artur Neiva, chefe do Serviço Sanitário do Estado, sugere a mudança para “Urupês”, título do artigo no qual traçara o retrato do Jeca. Lobato aceita imediatamente o conselho. E por razões óbvias: em termos literários, foi justamente esse artigo que abriu as portas do campo para Monteiro Lobato e tornou-o mais conhecido no ambiente intelectual da Paulicéia. Portanto, o título do livro constituía um poderoso chamariz para os possíveis leitores. Segundo, a inclusão dos artigos anteriormente publicados n’O Estado: ora, se os prováveis leitores não conheciam o Lobato-contista, já conheciam o (ou pelo menos já haviam ouvido falar do) Lobato-articulista, polêmico e 33 contundente nas suas opiniões, o que funcionava como um atrativo a mais para o livro. Passiani ainda oferece reflexão acertada sobre a escrita de Lobato e o veículo em que ela se dava: “como escrevi, em algumas linhas anteriores, a vida como fazendeiro acabou por trazer uma ressonância literária mais ou menos inesperada. Mais ou menos porque a reação de Lobato, travestida sob a forma do Jeca Tatu, não representava apenas a reação individual dele”, ou seja, Lobato representava todo um setor consideravelmente importante da sociedade paulista, a oligarquia rural em crise. “O fato de agir despropositadamente como porta-voz de parcela da aristocracia rural de São Paulo é também um fator a ser levado em conta no sucesso da recepção dos dois artigos já referidos”, afinal, “é por ser representante de todo um conjunto social específico que Lobato foi tão bem aceito nas páginas d’O Estado, e não devido apenas ao seu ‘talento’ literário” (2003, p.122-23). Mais importante, porém, que as deduções a respeito do relacionamento de Lobato com a imprensa, ainda que sejam fundamentadas nos relatos do autor, são as leituras possíveis do fazer jornalístico propiciadas pelo conjunto de artigos. No entanto, para esse tipo de análise, é preciso pensar, também, como o jornalismo se coloca na complexa rede de relações característica da grande empresa: público, finanças, governo, política. Para Juvenal Zanchetta, em Imprensa, escrita e telejornal (2004, p.12), “credibilidade é uma das palavras centrais para a imprensa. Para que um veículo de imprensa se consolide, é fundamental que ele seja respeitado pelo público que pretende atingir”. Isso explica o prestígio de O Estado em situações tensas com a política das primeiras décadas republicanas: perdiam-se assinaturas, mas ganhava-se espaço como jornal “imparcial”. O autor também comenta (2004, p.43-44) a relação da literatura com o texto jornalístico, apontando a crônica como o texto por excelência fruto dessa combinação: A influência da literatura no perfil do texto jornalístico foi significativa. O teor opinativo permaneceu, às vezes incisivo, mas tornou-se menos desabrido. Aos poucos, a opinião deu lugar à informação comentada, sobretudo do cotidiano da política e da vida urbana, das necessidades de modernização ou adequação das instituições a tal ou qual corrente ideológica. Ganhavam espaço as novidades da política, os jornais e correspondências que chegavam de navio (paquetes) da Europa e, mais tarde, dos EUA, as informações e opiniões de 34 outros periódicos nacionais, da própria Corte ou de outras cidades eram comentados com detalhe e alinhavados sob a forma da crônica, um gênero textual que permitia combinar a freqüente fragmentação da informação disponível e a atualização contínua dos acontecimentos por meio do encadeamento cronológico. O correio era lento, a informação que chegava pelos navios era intermitente, a rede telegráfica ainda precária trazia notícias curtíssimas e muitas vezes truncadas, dificultando a compreensão das situações noticiadas. Mas a modernização do veículo, bem como o contato com um modelo empresarial bem sucedido e no vigor de sua atuação, o americano, levava a imprensa brasileira a um caminho sem volta quanto à concepção do fazer jornalístico. Isso, agregado à defesa da república pelo viés cientificista, corresponde ao ataque direto às concepções mais literárias de se escrever para o jornal. Em um manual de jornalismo como o de Natalício Norberto, Técnicas e princípios do jornalismo moderno (1959, p.17), apresenta-se uma concepção de jornalista já distanciada razoavelmente do intelectual do entre-séculos: “o repórter é o jornalista na acepção do termo. É o homem-base da informação; o sujeito que persegue e obtém as notícias e as transmite ao leitor. Faro da notícia, precisão, brevidade”. Uma vez que a materialidade do objeto mantém estreita relação com o texto que comporta, o leitor do jornal não comprava “o Serva” ou “o Lobato”. Ele adquiria na banca O Estado em que autores e obra dialogam intensamente trazendo uma leitura do mundo ao homem paulista e, por extensão, brasileiro. Para Chartier, em “O mundo como representação” (1991, p.178), os leitores “não se confrontam nunca com textos abstratos ideais, separados de toda materialidade: manejam objetos cujas organizações comandam sua leitura, sua apreensão e compreensão partindo do texto lido”. Contrariando uma definição “puramente” semântica do texto, o lingüista afirma que é “preciso considerar que as formas produzem sentido, e que um texto estável na sua literariedade investe-se de uma significação e de um estatuto inéditos quando mudam os dispositivos do objeto tipográfico que o propõem à leitura”. Assim, ler os artigos de Lobato no contexto das páginas de O Estado oferece outra fonte de abordagem, uma vez que, como afirma Chartier (1991, p.186), “os dispositivos formais – textuais ou materiais – inscrevem em suas próprias estruturas as expectativas e as competências do público a que visam organizando-se portanto a partir de uma 35 representação da diferenciação social”; além disso, “as obras e os objetos produzem sua área social de recepção, muito mais do que as divisões cristalizadas ou prévias o fazem” . É preciso encontrar um Lobato que permanece nas páginas dos jornais. Isso para que se encontrem muitos outros registrados, sugeridos ou obscurecidos nas rotativas famintas de um Estado imbuído de dar ao Estado os melhores caminhos para a nação – paulista e brasileira. 1.3. Os artigos de Monteiro Lobato, apresentação e cotejo A fim de se compreender a dimensão das alterações posteriormente realizadas nos textos publicados no Estado entre 1913 e 1923, o cotejo entre os artigos publicados em jornal e a versão das obras completas ainda em circulação pode elucidar alguns pontos a respeito da produção lobatiana para jornal. Para este trabalho, foram usados os livros da 9ª edição, de 1957, da Editora Brasiliense. Na impossibilidade momentânea de se rastrear as modificações ocorridas em cada artigo – lembrando que o mesmo texto possivelmente foi publicado em periódicos diversos – o intuito recai sobre questões específicas das escolhas do escritor quanto a cortes ou alterações realizadas por ocasião das obras completas. Mesmo com a consulta das edições de A Província de S. Paulo, título d’O Estado até a proclamação da República, e das edições anteriores a 1913 de O Estado, a leitura dos jornais bem como a indicação da bibliografia especializada3 apontaram este ano como o momento em que Lobato inaugura sua participação como articulista com o artigo “Entre duas crises” (30/10/1913). Na tabela a seguir, registram-se os títulos, as datas e a página4 dos 45 artigos encontrados: Título Data Número(s) da(s) página(s) 1. Entre duas crises 30/10/1913 03 2. Uma velha praga 12/11/1914 03 3. Urupês 23/12/1914 06 3 A informação aparece somente em Monteiro Lobato – furacão na Botocúndia (2006). 4 Para melhor localização do texto. 36 4. A caricatura no Brasil I 27/01/1915 04 5. A caricatura no Brasil II 28/01/1915 05 6. Como se formam lendas 16/02/1915 04 e 05 7. A hostefagia 11/04/1915 04 8. O “problema nacional” 26/05/1915 03 e 04 9. A propósito de Wasth Rodrigues 09/01/1916 05 10. A conquista do nitrogênio 15/01/1916 03 11. Pensionamento dos artistas 16/01/1916 03 12. Cidades mortas 29/02/1916 03 e 04 13. Os subprodutos do café 29/11/1916 03 e 04 14. O aproveitamento integral da laranja 13/12/1916 03 15. A estátua do patriarca 25/12/1916 10 16. A grande oficina-escola (I) 01/01/1917 04 17. A grande oficina-escola: a exposição anual (II) 05/01/1917 04 18. A criação do estilo (III) 06/01/1917 05 19. A questão do estilo 25/01/1917 03 20. O saci 05/12/1917 03 21. A questão do estilo 11/02/1917 03 22. O problema do trigo no Brasil 07/04/1917 02 23. Saneamento do Brasil: A ação de Oswaldo Cruz (I) 18/03/1918 03 24. Saneamento do Brasil: 20 milhões de opilados (II) 19/03/1918 04 25. Saneamento do Brasil: Três milhões de papudos e idiotas (III) 20/03/1918 03 26. Saneamento do Brasil: Doze milhões de impaludados (IV) 21/03/1918 04 27. Saneamento do Brasil: Diagnóstico (V) 22/03/1918 03 37 28. Saneamento do Brasil: Reflexos morais (VI) 23/03/1918 03 e 04 29. Problema do saneamento: Primeiro passo 05/04/1918 03 30. O saneamento: “Déficit” econômico, função do “déficit” de saúde 07/04/1918 03 31. O problema do saneamento: Um fato 12/04/1918 03 32. A fraude bromatológica 14/04/1918 03 33. Rondônia: Visão do futuro e visão do passado (I) 19/04/1918 03 34. Rondônia (II) 23/04/1918 03 35. O problema do saneamento: Início da ação (I) 12/05/1918 03 36. O problema do saneamento: Iguape (II) 15/05/1918 03 37. Saneamento e higiene: As novas possibilidades das zonas cálidas 03/06/1918 04 38. Exposição Georgina – Lucílio de Albuquerque 25/02/1919 03 39. A revolução do ensino 18/11/1920 04 40. Estradas 02/04/1921 03 41. O cinema científico 26/05/1921 03 42. Um grande artista 16/11/1921 04 43. O teatro brasileiro 14/10/1922 03 44. Oswaldo Teixeira (pintura) 18/05/1923 04 45. A futura essem do sertão 06/06/1923 03 Tabela I É importante lembrar que as datas revelam a periodicidade relativa à presença de Lobato na edição matutina de O Estado – a “oficial”. Deduzir, pois, que o autor vinha a público somente nas datas apontadas pode levar à conclusão de que Lobato mantinha uma produção com ritmo 38 muito variável: fato que exige outros estudos, como por exemplo, acompanhar a publicação desses mesmos artigos entre os periódicos com os quais o escritor contribuía à época. “Paranóia ou mistificação – a propósito da exposição Malfatti”, publicado em 20 de dezembro de 1917 não compõem o corpus de análise deste trabalho. Contudo, a freqüência de contribuição do escritor n’O Estado, entre outros elementos, aponta a necessidade de pesquisas que cotejem a produção lobatiana na edição vespertina do jornal, o conhecido “Estadinho”, com a matutina. Isso certamente contribuiria para a compreensão de muitos dados aqui levantados. Ainda como exemplo, pode-se levantar a hipótese, no caso da acirrada contribuição de 1918, que Lobato também se fizera amplamente conhecido pela polêmica com Anita Malfatti e os modernistas, de modo geral, no ano anterior. O desencontro histórico entre Lobato e os modernistas comentado por Lajolo5 (2000, p.27) pode ter lançado mais luz sobre a assinatura “Monteiro Lobato” como elemento de instigação ao leitor de O Estado. Observa-se pela localização que os artigos situam-se entre as páginas 02 e 05, isto é, no “miolo” do jornal; nunca na primeira página – geralmente dedicada a relatos sobre problemas políticos de dimensão nacional ou internacional, nem passando da quinta, pois que as posteriores eram voltadas para os anúncios das demais publicações comerciais. Oscilando entre 12 a 16 páginas, o jornal mantinha a configuração básica por meio dessa divisão. As estreitas colunas, regularmente oito, eram preenchidas conforme a necessidade sem muito cuidado para com os olhos dos leitores. Por vezes, uma notícia iniciada no meio de uma coluna passava à outra, inserindo-se entre anúncios publicitários, apresentação certamente habitual para o leitor que tinha n’O Estado um dos melhores jornais em circulação. A seguir, procura-se quantificar a produção do escritor em cada ano, apontando os livros das obras completas em que o artigo aparece publicado a partir de 1947: 5 “De um ponto de vista oposto ao de Monteiro Lobato, outro jovem – Oswald de Andrade – em outro jornal (o Jornal do Comércio) elogia o modernismo de Anita. Foi o que bastou: esse desencontro de opiniões explica as relações de ignorância e de desconfiança mútuas que entre si mativeram, de um lado, a turma de Oswald, líder do modernismo paulista de 22 e, de outro, Monteiro Lobato, da turma do eu sozinho nos explosivos arredores da Semana de Arte Moderna” (Lajolo, 2000, p.27). 39 Título Data Livro das obras completas e data de publicação Entre duas crises 30/10/1913 Não publicado. Subtotal – 01 Uma velha praga 12/11/1914 Urupês (1918) Urupês 23/12/1914 Urupês (1918) Subtotal – 02 A caricatura no Brasil I 27/01/1915 Idéias de Jeca Tatu (1919) A caricatura no Brasil II 28/01/1915 Idéias de Jeca Tatu (1919) Como se formam lendas 16/02/1915 Idéias de Jeca Tatu (1919) A hostefagia 11/04/1915 Idéias de Jeca Tatu (1919) O “problema nacional” 26/05/1915 Não publicado Subtotal – 05 A propósito de Washt Rodrigues 09/01/1916 Idéias de Jeca Tatu (1919) A conquista do nitrogênio 15/01/1916 Idéias de Jeca Tatu (1919) Pensionamento dos artistas 16/01/1916 Idéias de Jeca Tatu (1919) Cidades mortas 29/02/1916 Cidades mortas (1919) Os subprodutos do café 29/11/1916 Não publicado O aproveitamento integral da laranja 13/12/1916 Não publicado A estátua do patriarca 25/12/1916 Idéias de Jeca Tatu (1919) Subtotal – 06 40 A grande oficina-escola (I) 01/01/1917 Não publicado A grande oficina-escola: a exposição anual (II) 05/01/1917 Não publicado A criação do estilo (III) 06/01/1917 Idéias de Jeca Tatu (1919) A questão do estilo 25/01/1917 Idéias de Jeca Tatu (1919) O saci 05/12/1917 Idéias de Jeca Tatu (1919) A questão do estilo 11/02/1917 Idéias de Jeca Tatu (1919) O problema do trigo no Brasil 07/04/1917 Não publicado Subtotal – 07 Saneamento do Brasil: A ação de Oswaldo Cruz (I) 18/03/1918 O problema vital (1918) Saneamento do Brasil: 20 milhões de opilados (II) 19/03/1918 O problema vital (1918) Saneamento do Brasil: Três milhões de papudos e idiotas (III) 20/03/1918 O problema vital (1918) Saneamento do Brasil: Doze milhões de impaludados (IV) 21/03/1918 O problema vital (1918) Saneamento do Brasil: Diagnóstico (V) 22/03/1918 O problema vital (1918) Saneamento do Brasil: Reflexos morais (VI) 23/03/1918 O problema vital (1918) Problema do saneamento: Primeiro passo 05/04/1918 O problema vital (1918) O saneamento: “Déficit” econômico, função do “déficit” de saúde 07/04/1918 O problema vital (1918) O problema do saneamento: Um fato 12/04/1918 O problema vital (1918) A fraude bromatológica 14/04/1918 O problema vital (1918) Rondônia: Visão do futuro e visão do passado (I) 19/04/1918 Idéias de Jeca Tatu (1919) 41 Rondônia (II) 23/04/1918 Idéias de Jeca Tatu (1919) O problema do saneamento: Início da ação (I) 12/05/1918 O problema vital (1918) O problema do saneamento: Iguape (II) 15/05/1918 O problema vital (1918) Saneamento e higiene: As novas possibilidades das zonas cálidas 03/06/1918 O problema vital (1918) Subtotal – 15 Exposição Georgina – Lucílio de Albuquerque 25/02/1919 Conferências, artigos e crônicas (póstuma) Subtotal – 01 A revolução do ensino 18/11/1920 Não publicado Subtotal – 01 Estradas 02/04/1921 Não publicado O cinema científico 26/05/1921 Idéias de Jeca Tatu (1919) Um grande artista 16/11/1921 Idéias de Jeca Tatu (1919) Subtotal – 03 O teatro brasileiro 14/10/1922 Conferências, artigos e crônicas (póstuma) Subtotal – 01 Oswaldo Teixeira (pintura) 18/05/1923 Não publicado A futura essem do sertão 06/06/1923 Não publicado Subtotal – 02 Tabela II 42 Como se nota, a produção dos artigos cresce de modo exponencial entre 1913 e 1918. Da presença única de “Entre duas crises” de 1913, tem-se em 1918 a ostensiva campanha sanitarista empreendida pelo Estado na qual Lobato atuou de forma marcante – os quinze artigos publicados ao longo do ano permitiram enfeixá-los tanto no livro O problema vital quanto, como atestaria o próprio escritor, ver seus textos comentados e republicados nos mais diversos periódicos do país. Pela comparação das datas dos artigos com as obras completas, nota-se que alguns textos foram posteriormente agregados aos livros da coletânea – os artigos de 1921 aparecem em Idéias de Jeca Tatu (1919) na edição atualmente em circulação. O que não invalida a hipótese de ter sido primeiramente publicado em livro e posteriormente em jornal, embora este não fosse o caminho mais comum dos artigos de Lobato. Ao se refinar a tabela, percebe-se que dos 44 textos, 11 não foram publicados em livro: Título Data Entre duas crises 30/10/1913 O “problema nacional” 26/05/1915 Os subprodutos do café 29/11/1916 O aproveitamento integral da laranja 13/12/1916 A grande oficina-escola (I) 01/01/1917 A grande oficina-escola: a exposição anual (II) 05/01/1917 O problema do trigo no Brasil 07/04/1917 A revolução do ensino 18/11/1920 Estradas 02/04/1921 Oswaldo Teixeira (pintura) 18/05/1923 A futura essem do sertão 06/06/1923 Tabela III Do total do conjunto, destacam-se mais uma vez os textos de 1918, os quais foram integralmente aproveitados em publicações posteriores. Se isso se deve ao sucesso da campanha e do mercado editorial em que Lobato se encontrava, não se pode deixar de notar que os textos de O problema vital, livro do mesmo ano da série sobre saneamento e saúde estampada n’O Estado, 43 incorporou o calor da hora e veio a público como “resultado” do trabalho investigativo empreendido pelos intelectuais – principalmente Lobato – envolvidos na campanha sanitarista. Quanto aos temas, os artigos podem ser assim categorizados: Título Data Tema (assunto principal do texto) 1913 Entre duas crises 30/10/1913 Economia (café). 1914 Uma velha praga 12/11/1914 Queimada. Urupês 23/12/1914 Homem do campo. 1915 A caricatura no Brasil I 27/01/1915 Arte. A caricatura no Brasil II 28/01/1915 Arte. Como se formam lendas 16/02/1915 Arte. A hostefagia 11/04/1915 Guerra. O “problema nacional” 26/05/1915 Economia. 1916 A propósito de Washt Rodrigues 09/01/1916 Arte. A conquista do nitrogênio 15/01/1916 Ciência. Pensionamento dos artistas 16/01/1916 Arte. 44 Cidades mortas 29/02/1916 Sociedade. Os subprodutos do café 29/11/1916 Ciência. O aproveitamento integral da laranja 13/12/1916 Ciência. A estátua do patriarca 26/12/1916 Personalidade. 1917 A grande oficina-escola (I) 01/01/1917 Educação. A grande oficina-escola: a exposição anual (II) 05/01/1917 Educação. A criação do estilo (III) 06/01/1917 Educação. A questão do estilo 25/01/1917 Arte. O saci 05/12/1917 Arte. A questão do estilo 11/02/1917 Arte O problema do trigo no Brasil 07/04/1917 Economia. 1918 Saneamento do Brasil: A ação de Oswaldo Cruz (I) 18/03/1918 Saúde pública. Saneamento do Brasil: 20 milhões de opilados (II) 19/03/1918 Saúde pública. Saneamento do Brasil: Três milhões de papudos e idiotas (III) 20/03/1918 Saúde pública. Saneamento do Brasil: Doze milhões de impaludados (IV) 21/03/1918 Saúde pública. Saneamento do Brasil: Diagnóstico (V) 22/03/1918 Saúde pública. Saneamento do Brasil: Reflexos morais (VI) 23/03/1918 Saúde pública. Problema do saneamento: Primeiro passo 05/04/1918 Saúde pública. O saneamento: “Déficit” econômico, função 07/04/1918 Saúde pública. 45 do “déficit” de saúde O problema do saneamento: Um fato 12/04/1918 Saúde pública. A fraude bromatológica 14/04/1918 Saúde pública. Rondônia: Visão do futuro e visão do passado (I) 19/04/1918 Literatura. Rondônia (II) 23/04/1918 Literatura. O problema do saneamento: Início da ação (I) 12/05/1918 Saúde pública. O problema do saneamento: Iguape (II) 15/05/1918 Saúde pública. Saneamento e higiene: As novas possibilidades das zonas cálidas 03/06/1918 Saúde pública. 1919 Exposição Georgina – Lucílio de Albuquerque 25/02/1919 Arte. 1920 A revolução do ensino 18/11/1920 Educação. 1921 Estradas 02/04/1921 Estradas. O cinema científico 26/05/1921 Arte. Um grande artista 16/11/1921 Arte. 1922 O teatro brasileiro 14/10/1922 Arte. 46 1923 Oswaldo Teixeira (pintura) 18/05/1923 Arte. A futura essem do sertão 06/06/1923 Economia. Tabela IV O problema de definir os temas: a tentativa de categorização sobre “o que escrevia Lobato” leva ao impasse da produção lobatiana como um todo n’O Estado. “Uma velha praga” trata de sociedade? De economia? Ou de representação do homem brasileiro? O tema central é realmente a queimada, ou apenas o mote para expor as inumeráveis pragas do Brasil? Ou se quer apenas tratar de uma praga, o caboclo ignorante francamente oposto à imagem do homem festejado como ideal no país ideal? A proposta de se definir do que tratam os textos de Lobato falha à medida que eles dialogam com temas recorrentes, reiterados ao longo de toda produção, mesmo quando o autor se debruça sobre algo aparentemente tão ameno como a caricatura. O atraso brasileiro em relação aos países desenvolvidos, a ausência de iniciativas para alçar o Brasil a um estado de desenvolvimento requerido tanto por Lobato quanto por aqueles que compartilhavam desse ideário em O Estado, constituem o assunto que perpassa e permanece no conjunto. Depreender o discurso sanitarista da série publicada em O problema vital (1918) é tarefa sem qualquer dificuldade para o leitor de hoje, e possivelmente o fora ao leitor de 1918; mas, um texto como “Os subprodutos do café” (29/11/1016) coloca em xeque qualquer categorização mais simplista: abordam-se questões econômicas por meio da ciência? Ou a ciência é abordada sobre uma visão econômica? Busca-se a valorização do saber científico? Ou é crítica implícita ao ensino de cunho bacharelesco no Brasil? O mesmo se dá com “O teatro brasileiro” (14/10/1922) – entre a crítica ao modo de fazer teatro e a viabilidade econômica, o leitor depara com um texto otimista em relação ao teatro nacional. Otimismo que se dá pela via da projeção de uma arte para todos, a preço baixo, com qualidade e, sobretudo, visceralmente nacional. É Arte ou Economia? Sociedade ou Educação das 47 massas? Tudo converge para um ponto: dar caminhos para um Brasil construído nos textos de Lobato e dos demais companheiros d’O Estado. Assim, de modo geral, a categorização proposta apenas aponta de forma precária aquilo que se pode apreender superficialmente como assunto central do texto. Em outros termos, podem ser vistos como temas geradores os quais Lobato toma para conduzir o leitor por outras perspectivas, ainda que se tenha à frente um texto ainda menos pretensioso como “O saci” (05/12/1917), o qual, no seu contexto, equivale nada menos a uma proposta brasileira para a arte brasileira – o intuito do escritor parece contar justamente com a “leveza” do tema para cooptar as mentes a seu favor. Quanto ao cotejo dos textos publicados em jornal e as edições das obras completas, há alterações de vocábulos e estruturas frasais em todo o conjunto de artigos transpostos aos livros. Porém, para o leitor atual seria muito arriscado afirmar, por exemplo, que este ou aquele vocábulo foi substituído por ser mais acessível ao leitor do jornal ou do livro da época. Além disso, são os cortes ou acréscimos de trechos que oferecem material mais rico para a observação da relação do escritor com o texto em circulação em O Estado. Para melhor compreensão do tipo de alteração realizada em cada artigo, a tabela a seguir mostra sumariamente as diferenças mais importantes entre as versões dos mesmos textos: Texto no jornal Texto em livro Modificação 1914 Uma velha praga (12/11/1914) Velha praga – Urupês No jornal, o texto apresenta mais sete parágrafos a partir do ponto em que é concluído na edição em livro. Urupês (23/12/1914) Urupês – Urupês Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos 48 cortes e acréscimos no texto em livro. 1915 A caricatura no Brasil I (27/01/1915) A caricatura no Brasil II (28/01/1915) A caricatura no Brasil – Idéias de Jeca Tatu O segundo texto é bem mais sintético na fusão, em livro. Como se formam lendas (16/02/1915) Como se formam lendas – Idéias de Jeca Tatu Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos para o texto em livro. Supressão de um parágrafo no texto em livro. A hostefagia (11/04/1915) A hostefagia – Idéias de Jeca Tatu Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. 1916 A propósito de Wasth Rodrigues (09/01/1916) Estética oficial – Idéias de Jeca Tatu O texto do jornal compõe a primeira parte do texto em 49 livro, intulado “Estética oficial”. A conquista do nitrogênio (15/01/1916) A conquista do azoto – Idéias de Jeca Tatu Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. Pensionamento dos artistas (16/01/1916) Estética oficial – Idéias de Jeca Tatu O texto do jornal compõe a segunda parte do texto em livro, intitulado “Estética oficial”. Pelo menos nove parágrafos da parte final do texto do jornal não foram aproveitados para publicação nas obras completas. Cidades mortas (29/02/1916) Cidades mortas – Cidades mortas Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. A estátua do patriarca (26/12/1916) Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. 50 1917 A criação do estilo (III) (06/01/1917) A criação do estilo – Idéias de Jeca Tatu Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. A questão do estilo (25/01/1917) A questão do estilo – Idéias de Jeca Tatu Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. O saci (05/12/1917) O saci – Idéias de Jeca Tatu Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. A questão do estilo (11/02/1917) Ainda o estilo – Idéias de Jeca Tatu Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. 51 1918 Saneamento do Brasil: A ação de Oswaldo Cruz (I) (18/03/1918) Ação de Oswaldo Cruz – Problema vital6 Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. Saneamento do Brasil: 20 milhões de opilados (II) 19/03/1918) Dezessete milhões de opilados – Problema vital Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. Saneamento do Brasil: Três milhões de papudos e idiotas (III) (20/03/1918) Três milhões de idiotas – Dez milhões de impaludados – Problema vital Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos para o texto em livro. Saneamento do Brasil: Doze milhões de impaludados (IV) (21/03/1918) Dez milhões de impaludados – Problema vital Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. 6 Título da primeira edição (1918) – O problema vital; nas obras completas é Problema vital (1957). 52 Saneamento do Brasil: Diagnóstico (V) (22/03/1918) Diagnóstico – Problema vital Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. Saneamento do Brasil: Reflexos morais (VI) (23/03/1918) Reflexos morais – Problema vital Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. Problema do saneamento: Primeiro passo (05/04/1918) Primeiro passo – Problema vital Na série sobre saneamento, é o texto que apresenta maior trecho suprimido na publicação em livro. O saneamento: “Déficit” econômico, função do “déficit” de saúde (07/04/1918) Déficit econômico, função do déficit da saúde – Problema vital Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. O problema do saneamento: Um fato (12/04/1918) Um fato – Problema vital Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto 53 em livro. A fraude bromatológica (14/04/1918) A fraude bromatolófica – Problema vital Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. Rondônia: Visão do futuro e visão do passado (I) (19/04/1918) Rondônia (II) (23/04/1918) Rondônia – Idéias de Jeca Tatu Na publicação em livro, os artigos originais formam um só texto, cuja maior alteração é o corte de um trecho final do segundo. O problema do saneamento: Início da ação (I) (12/05/1918) Início de ação – Problema vital Na edição em livro, três parágrafos são suprimidos integralmente. O problema do saneamento: Iguape (II) (15/05/1918) Iguape – Problema vital Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. Saneamento e higiene: As novas possibilidades das zonas cálidas (03/06/1918) As grandes possibilidades dos países quentes – Problema vital Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto 54 em livro. 1921 Um grande artista (16/11/1921) Um grande artista – Idéias de Jeca Tatu Pequenas alterações de vocabulário e estruturas frasais para publicação nas obras completas. Pequenos cortes e acréscimos no texto em livro. Tabela V Na seqüência cronológica, o primeiro texto submetido ao cotejo é “Uma velha praga” (12/11/1914). Após comentar sobre a justiça para o responsável pelas queimadas – “é uma justiça sumária que não pune, entretanto, dado o nomadismo do paciente” – o artigo do jornal acrescenta: “nas leis do país não há penas, nem meios de colher nas malhas da justiça tais réus, e tolo será quem recorrer às autoridades: os escrivões redobrarão os prejuízos da queimada”. Entendendo “autoridade” como os representantes da justiça, Lobato ataca uma instância fundamental para a constituição da sociedade democrática que defendia. Mas, é ao final do texto, no ponto em que o artigo publicado em livro é encerrado, que se faz apelo ao poder público quanto à prática das queimadas. Lobato aponta o problema das inspetorias, demonstra ineficiência do Estado e da União para intervir, restando às câmaras municipais a única saída: Há uma postura adotada em quase todos os códigos municipais, prescrevendo, sob pena de multa, um aceiro de tais e tais dimensões em redor de todos os roçados destinados à queima. Como, entretanto, se não curou dos meios de lhe fiscalizar a execução, tão sábia providência dorme no cemitério da letra morta. É mister, é urgente tirá-la daí completando-a de modo a extrair dela todo o benefício de que é capaz. E isso se conseguirá facilmente. Um meio prático seria atribuir aos inspetores de quarteirão a tarefa de verificar se os aceiros 55 obedecem às condições exigidas, proibindo-se terminantemente, sob fortes penas, o deitar fogo às roças sem a prévia inspeção dessa autoridade. Avultado como é o número de tais inspetores, ramúsculos terminais que são da árvore da Autoridade, o serviço se organizaria facilmente, com grande eficácia, sem despesas, sem barulho, sem burocracia. Só das Câmaras é lícito esperar alguma coisa neste sentido. A União cuida de casos políticos, e mesmo que voltasse a atenção para este problema, viria com uma dessas máquinas pesadas, complicadas, matracolejantes, caríssimas, como a Defesa da Borracha de papeluda memória, caranguejolas que só funcionam nos relatórios e nas folhas do Tesouro. O Estado... Só as Câmaras, só as Câmaras poderão providenciar eficazmente, só eles conhecem de perto as necessidades locais, só delas poderão sair a medida prática e simples capaz de acalmar o funestíssimo fogo de Agosto. A elas, pois, o brado de misericórdia da legião de prejudicados. Deixando, pois, ao texto das obras completas a denúncia de tal prática prejudicial à qualidade do solo, no texto jornalístico Lobato fazia da conclusão apelo direto e irrefutável ao poder municipal. Já em “Urupês” (23/12/1914) as alterações são bem menores. No entanto, em meio aos comentários nada elogiosos ao caboclo, o escritor não contém uma espetada nos “figurões”: “note-se o orgulhoso entono com que respeitáveis figurões batem no peito exaltando comovidos: sou raça de caboclo!”. Dos textos sobre caricatura, “A caricatura no Brasil – I” (27/01/1915) e “A caricatura no Brasil – II” (28/01/1915), é o segundo que sofreria modificação significativa. A segunda parte da matéria, no dia 28, tem a arte caricatural em terras nacionais como objeto de análise. O primeiro corte perceptível contribui para a diminuição do descritivismo – “não raro chicoteava uma flecha no galo da igreja matriz – porque já as havia com o galo de lata a cantar ventos na torre. Celerados, meirinhos, e preto d’Angola ‘intra-muros’: ‘extra-muros’ sertão, papagaios, jaguares e aimorés sanhudos: era isso o país” – os parágrafos recortados da seqüência demonstram a agressividade alcançada por um texto cuja pretensão de colocar a sociedade brasileira caricaturalmente em letras de jornal não pode ser negada: Sobretudo depois que o Brasil se naturalizou cidadão francês. 56 O riso nosso é uma careta muscula