LUIZ EDUARDO RODRIGUES AMARO A PRESENÇA DE CAMÕES NA REVISTA COLÓQUIO LETRAS (SEÇÕES “ENSAIOS/ARTIGOS” E “NOTAS E COMENTÁRIOS”) E EM WEBSITES EM LÍNGUA PORTUGUESA. ASSIS 2006 A-PDF MERGER DEMO LUIZ EDUARDO RODRIGUES AMARO A PRESENÇA DE CAMÕES NA REVISTA COLÓQUIO LETRAS (SEÇÕES “ENSAIOS/ARTIGOS” E “NOTAS E COMENTÁRIOS”) E EM WEBSITES EM LÍNGUA PORTUGUESA. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis, para a obtenção do título de Mestre (Área de Conhecimento: Literatura e Vida Social) Orientadora: Dra. Rosane Gazolla Alves Feitosa ASSIS 2006 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP Amaro, Luiz Eduardo Rodrigues A485p A presença de Camões na revista Colóquio Letras (Seções “Ensaios/Artigos” e “Notas e Comentários”) e em websites em Língua Portuguesa Luiz Eduardo Rodrigues Amaro. Assis, 2006 184 f. il. + anexo Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. 1. Periódicos portugueses. 2. Literatura portuguesa – Sec. XX. 3. Camões, Luís de , 1524? – 1580. 4. Renascimento por- tuguês. 5. Crítica Literária. I. Título. CDD 056.9 869.09 DEDICATÓRIA Dedico este estudo à memória de meus avós paternos, Pedra Artal Amaro e José Manuel Ferreira Amaro. Pectus est quod disertos facit AGRADECIMENTOS A Deus, por ter me agraciado com capacidade intelectual e um tempo a mais de vida. Aos meus familiares, especialmente, aos meus pais Sirley e José, pelo suporte emocional, e a minha irmã Daiana. A Athena, Dafne, Apolo, Diana e Ísis, pelo companheirismo e poesia. A minha madrinha Ana Cristina Caroni Averoldi, aos meus tios Rogério e Liseth e aos meus avós Lázaro e Beatriz. Àqueles que galgaram comigo nessa estrada, rumo ao conhecimento concebido nesse trabalho, e que acreditaram em meu potencial: Dra. Maria Lídia Lichtscheidl Maretti, José Luiz Freire Bottino, Marcus Vinicius Garcia Triveloni, Dra. Tânia Celestino de Macedo, Dr. Rubens Pereira dos Santos, Dra. Cláudia Valéria Penavel Binato, Jacicarla Souza da Silva, Dra. Sandra Aparecida Ferreira, Dr. João Roberto Inácio Ribeiro, Dr. Carlos Eduardo Mendes de Moraes, Dr. Luiz Roberto Velloso Cairo, Lívia Turra Bassetto, Gustavo Ribeiro Croscato, Dra. Gisele Domingos do Mar, Helder da Rocha, Leia Patrícia Camargos, Paulo Mesquita, Maria Tereza Albani, Auro Mitsuyoshi Sakuraba e Dr. Odil José de Oliveira Filho. A Abel Barros Baptista (Diretor-adjunto da Colóquio Letras) e Ana Barata (Biblioteca de Arte - Fundação Calouste Gulbenkian). Ao Dr. Pedro Barbosa (Universidade de Coimbra), pelas excelentes orientações de leitura e aconselhamentos sobre a Literatura em Rede. Ao Dr. Aloíso Fávero (UEL), pelas indicações bibliográficas e esclarecimentos sobre Retórica e Filologia Românica, utilíssimos para várias análises dos ensaios de Colóquio Letras. A banca, composta pela Dra. Ana Maria Domingues de Oliveira, Dra. Elêusis Mirian Camocardi e Dra. Rosane Gazolla Alves Feitosa, minha orientadora, a qual devo agradecer pelo suporte metodológico e orientações científicas. A CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. A FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pelo suporte financeiro e orientações acadêmicas. Luiz Eduardo Rodrigues Amaro Ignoti nulla Cupido A Camões Quando n’alma pesar de tua raça A névoa da apagada e vil tristeza, Busque ela sempre a glória que não passa, Em teu poema de heroísmo e de beleza. Gênio purificado na desgraça, Tu resumiste em ti toda a grandeza: Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça O amor da grande pátria portuguesa. E enquanto o fero canto ecoar na mente Da estirpe que em perigos sublimados Plantou a cruz em cada continente, Não morrerá, sem poetas nem soldados, A língua em que cantaste rudemente As armas e os barões assinalados. (Manuel Bandeira) RESUMO O presente trabalho tem como tema a recepção Camões nas seções “Ensaios/Artigos” e “Notas e Comentários” da revista portuguesa Colóquio Letras (1971-2005) e dos websites, em Língua Portuguesa, sobre Luís Vaz de Camões. No caso de Colóquio Letras, a dificuldade de acesso à obra camoniana e aos textos que facilitam o seu estudo e a sua interpretação, pelo alto custo e por ser impresso, disponível apenas em poucas localidades e no caso do hipertexto, pela mídia em que se insere, acessível em domicílio a apenas 8,6% da população brasileira, segundo o I.B.G.E (tabela de valores absolutos e relativos de 2001-2004), levaram- nos a considerar que este estudo facilitará e colaborará, além de ser disponibilizado gratuitamente e estar presente em texto e hipertexto, para o estudo de Luís Vaz de Camões. Nossos objetivos finais são a catalogação e crítica dos textos da Colóquio Letras e seleção dos melhores websites sobre Camões, por meio de fichas catalográficas do programa Camões on-line. Para o primeiro tópico, as análises foram elaboradas de acordo com o texto ao qual se referem, visto que encontramos vários escritores, produzindo em décadas diferentes, inspirados por teorias distintas. Para o segundo, catalogar e indexar o conteúdo (hipertextual e textual), desenvolvendo uma tecnologia exclusiva para seu acesso e veiculação (website e programa Camões on-line); a partir deste conteúdo, traçar a recepção crítica de Camões, levando-se em consideração aspectos como ideário veiculado, teoria literária aplicada, abordagem do discurso, intertextualidade. Os escritores, cujas obras mais nos apoiaram teoricamente, foram Hernani Cidade, Jacinto do Prado Coelho, Carlos Reis, Antonio Freire, A.J. Saraiva e Oscar Lopes, para o primeiro e segundo capítulo e Pierre Lèvy, James Della Valle e Pedro Barbosa, para o terceiro. No primeiro e segundo capítulos, exclusivos para a análise do periódico Colóquio Letras, escrevemos sobre a história e descrição do periódico, para revelarmos o conteúdo pesquisado, por meio das fichas catalográficas e tecemos os comentários críticos para cada texto do conteúdo apresentado. No terceiro capítulo, abordamos aspectos teóricos sobre os hipertextos, indexamos o conteúdo pesquisado e, por fim, criticamos o conteúdo indexado. Os tempos modernos oferecem-nos recursos que nos auxiliam no estudo literário. Com o advento da Rede, nossas possibilidades de pesquisa se potencializaram: texto e hipertexto, livro impresso e eletrônico estão à nossa disposição. O presente trabalho trará esta característica: tanto no meio impresso, quanto no virtual, ele poderá ser consultado e utilizado para o estudo literário de Camões. PALAVRAS-CHAVE: Literatura Portuguesa; Camões; Colóquio Letras; hipertexto; Classicismo português, websites em Língua Portuguesa. ABSTRACT This paper has as theme the critical fortune about Luís Vaz de Camões in the sections “Essays/Articles” and “Notes and Comments” of the Portuguese magazine Colóquio Letras (1971-2005) and from the websites, in Portuguese, about the same author. In relation to Colóquio Letras, the difficulty to access Camões’ essays and texts that facilitate its study and interpretation is due to the high cost of this magazine and, being printed, it is only available in few localities. In the case of hypertext, which is inserted in the media, it is accessible in residences for only 8.6 per cent of Brazilian population, according to IBGE – an important Brazilian agency responsible for statistics and geographical researches – (chart of absolute and relative values of 2001-2004). These facts lead us to consider that this study will facilitate and collaborate for the studies about Luís Vaz de Camões, beside the fact of being availed for free and being present in texts and hypertext. Our final objectives are the catalogue and criticism of the texts present in Colóquio Letras and the selection of the best websites about Camões, through index cards of the program Camões on- line. For this first topic, the analyses were elaborated according to the text which is referred to, once we have met many writers, producing in different decades, inspired by different theories. Then, for the second topic, we catalogued and indexed the (hyper textual and textual) contents, developing an exclusive technology for their access and transmission (website and the program Camões on-line). Starting from these contents, our intention is to trace the critical fortune about Camões considering aspects such as transmitted idea, applied literary theory, discourse approach and intertextuality. The writers, whose works we base on more theoretically in the first and second chapter, were Hernani Cidade, Jacinto do Prado Coelho, Carlos Reis, A.J. Saraiva and Oscar Lopes. For the third chapter, Pierre Lèvy, James Della Valle and Pedro Barbosa. In the first and second chapter, exclusive for the analyses of the periodical Colóquio Letras, we have written about its history and description to reveal the researched contents through the index cards and to elaborate critical comments to each text of the presented contents. In the third chapter, we have approached theoretical aspects about the hypertexts, we have indexed the researched contents and, at the end, we have criticized the indexed contents. The modern times offer us sources that help us in literary study. With the advent of the Internet, our possibilities of research have got a greater potential: text, hypertext, printed and electronic books are at our disposal. This work will bring the following characteristic: as in printed environment as in the virtual one, it can be consulted and used for the literary studies about Camões. Key-words: Portuguese Literature; Camões; Colóquio Letras; hypertext; Portuguese Classicism; websites in Portuguese Language. SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................................................................. CAPÍTULO 1 Revista COLÓQUIO LETRAS: história e descrição do periódico 1 História e comentários............................................................................................................................ 1.2 Descrição do periódico........................................................................................................................... 1.2.1 Sobrecapa....................................................................................................................................................... 1.2.2 Capa............................................................................................................................................................. 1.2.3 Folha de Rosto............................................................................................................................................. 1.2.4 Sumário........................................................................................................................................................ 1.2.5 Miolo da Revista......................................................................................................................................... 1.2.6 Contracapa.................................................................................................................................................... 1.2.7 Periodicidade................................................................................................................................................. CAPÍTULO 2 Seções “Ensaios/Artigos” e “Notas e Comentários”: textos selecionados sobre Camões 2. Camões: eterno............................................................................................................................................. 2.1 Índices remissivos........................................................................................................................................ 2.2 Comentários dos textos selecionados........................................................................................... 2.2.1 Jorge de Sena e os números de Os Lusíadas...................................................................... 2.2.2 Os tempos verbais e a estrutura de Os Lusíadas............................................................... 2.2.3 Permanência de Camões....................................................................................................................... 2.2.4 Auto-retrato de Camões: o soneto O dia em que eu nasci........................................... 2.2.5 Auto-retrato de Camões: a hipertrofia do eu......................................................................... 2.2.6 Do Adamastor camoniano a Sala de Armas de Nélida Piñon.................................. 2.2.7 Sobre a cultura de Camões.................................................................................................................. 2.2.8 O auto camoniano de El-Rei Seleuco........................................................................................... 2.2.9 Celebrar Camões.......................................................................................................................................... 2.2.10 Camões e Góngora.................................................................................................................................. 2.2.11 Sôbolos rios, uma estética arquitectônica.................................................................................. 11 16 22 23 23 24 25 26 27 28 29 35 52 53 57 68 69 73 78 83 84 87 89 93 2.2.12 Uma versão francesa até hoje ignorada de Os Lusíadas............................................. 2.2.13 Jorge de Sena, camonista..................................................................................................................... 2.2.14 Os Lusíadas e Os Maias: um binômio português?.............................................................. 2.2.15 Camões e a épica de um povo.......................................................................................................... 2.2.16 Uma leitura antropológica do soneto de Camões Sete anos de Pastor Jacó servia...................................................................................................................................................................... 2.2.17 Zé Povinho e Camões: dois pólos da prototipia nacional.............................................. 2.2.18 Adamastor, o pesadelo de um ocidental..................................................................................... 2.2.19 Sobre o cânone lírico de Camões................................................................................................... 2.2.20 Função e significado do maravilhoso n’Os Lusíadas........................................................ 2.2.21 A mulher na obra camoniana.............................................................................................................. 2.2.22 Cesário e Camões: uma leitura complementar de O sentimento dum ocidental.............................................................................................................................................................................. 2.2.23 A insuperável modernidade de Camões.................................................................................... CAPÍTULO 3 A presença de Camões em websites em Língua Portuguesa: considerações teóricas e pesquisa em Rede sobre Camões 3.1 Real, digital e virtual........................................................................................................................................ 3.2 A virtualização do texto.................................................................................................................................. 3.3 Base de dados camoniana...................................................................................................................... 3.4 Lista de websites indexados..................................................................................................................... 3.5 Apreciação crítica do conteúdo pesquisado................................................................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................................. REFERÊNCIAS............................................................................................................................................................. ANEXO A Sobrecapas das edições do periódico Colóquio Letras................................ ANEXO B Biografia de Luís Vaz de Camões por Pedro de Mariz................................. ANEXO C Sumários da revista Colóquio Letras.......................................................................... ANEXO D Textos integrais de Colóquio Letras (referentes ao Capítulo 2) ............ ANEXO E Prefácio da primeira edição: “Duas palavras de apresentação”............ 97 98 103 109 110 114 117 122 127 130 134 141 144 149 151 157 161 176 180 185 199 206 237 414 ANEXO F Biografias dos diretores da revista Colóquio Letras........................................ APÊNDICE A Carta da Polônia: Camões na cultura polonesa................................. APÊNDICE B Ferramentas desenvolvidas: Website Camões on-line................. APÊNDICE C Ferramentas desenvolvidas: Programa Camões on-line............. 416 426 430 438 11 INTRODUÇÃO Luís Vaz de Camões viveu durante o Renascimento, época de crise de valores de toda a ordem, traduzida em conflitos de ruptura e de continuidade. O movimento é entendido, em Portugal, como a época dos Descobrimentos, da grandeza imperial e fatídica, que transformou a face do mundo. Dessas viagens decisivas, a empreita de Vasco da Gama é uma das mais admiráveis: o caminho para as Índias, tão desejado na Península Ibérica, somente poderia se eternizar na maior epopéia lusitana, por seu mais alto representante. Esse povo, guerreiro e desenvolvido – científica e literariamente, respeitando a realidade da época, atingira o ápice. O Renascimento, que se consolidou como época cultural autônoma, apresenta tantas facetas que qualquer conceito simplificado que dele se queira dar será, necessariamente, insatisfatório. Diante desse mundo de difícil conceituação, dentre as manifestações artísticas do homem do Renascimento, a literatura pode explicitar as diversas fases do processo cultural. Para podermos ter uma compreensão mais completa dessa época é preciso buscar entre os vários gêneros literários aquele que, pela própria natureza, melhor se ajuste ao conceito de totalidade. Lukács (1962, p.63) esclarece: “É no verso épico que se ordena a totalidade da vida na qualidade de existência feliz, segundo uma harmonia pré-estabelecida;[...]”. Era o momento do grande poema épico, que exaltaria a magnitude “diva” dessa civilização. Era o momento de surgir, sustentado pelas mãos sempiternas das Tágides, O Poeta, aquele ser capaz de sintetizar o passado e a cultura do seu povo, de forma singular, artística e engenhosa. Era o momento de Luís Vaz de Camões e de sua obra prima, Os Lusíadas. Em Os Lusíadas, cantar as descobertas é cantar suas origens, e elas estão ligadas a um mundo que se transforma, subvertendo a ordem feudal; é cantar o homem, agente da história e transformador do universo. Camões viveu e escreveu Os Lusíadas em uma época em que já se tornam visíveis os sintomas de declínio da expansão ultramarina e a experiência lhe demonstrava a precariedade histórica dos valores que exaltou. Os Lusíadas não são, exclusivamente, o canto do nacionalismo - que então se estruturava, como também uma meditação sobre os valores. Camões duvida das possibilidades ilimitadas do homem e é por isso que verificamos, 12 concomitantemente, uma euforia antropocêntrica com o worm-like-feeling (“[...] bicho da terra tão pequeno” I, 106). O momento de euforia e riqueza pelas novas rotas de comércio não está refletido na lírica camoniana, que se apresenta em contradições, paradoxos, tensões e visões de mundo antitéticas: seus poemas tradicionais na medida velha (redondilhas, canções, pastorelas e outras formas) e os renascentistas na medida nova (sonetos, odes, éclogas, elegias, em que aparece a idealização da mulher petrarquista; expressão autobiográfica; efemeridade das emoções e da vida; predomínio de paradoxos, antíteses, hipérboles). Nesse sentido, poderíamos dizer que a época camoniana é uma totalidade, por abranger a problemática do pensamento do Homem de Quinhentos. As contradições do poema são as contradições do seu século, e, deste prisma, podemos inferir a marca de sua universalidade, pois no seu “[...] lirismo há uma sondagem em torno dos paradoxos interiores ao homem. Há uma dramática reflexão sobre os mistérios da condição humana [...]” (ABDALA JR., 1982, p.39) A presente dissertação tem como objetivo principal analisar a recepção de Camões no periódico português Colóquio Letras e em websites. No Capítulo 1, descreveremos o periódico estudado; no Capítulo 2, faremos uma apreciação biobibliográfica de Camões e indexaremos os textos de Colóquio Letras, para fazermos, por fim, as devidas análises; no Capítulo 3, discutiremos sobre o texto virtual, indexaremos a pesquisa sobre Camões na Rede e, como fizemos anteriormente com os ensaios de Colóquio Letras, faremos o mesmo para apreciarmos o conteúdo hipertextual indexado. A valorosa produção ensaística sobre Camões revelará a sua importância para a Literatura Portuguesa, portanto, será desnecessário nos estendermos em considerações sobre o valor de Camões. O próprio corpus desempenhará nitidamente esse papel. Os textos críticos sobre Camões, encontrados em periódicos, são uma fonte de pesquisa de grande utilidade na bibliografia de qualquer pesquisador. Em vista disso, consideramos que a crítica encontrada na revista Colóquio Letras é uma preciosa fonte de acesso ao estudo de Camões, ressaltando-se o fato de este material ficar disponibilizado on-line, por meio do nosso estudo. O periódico Colóquio Letras foi criado em março de 1971, em Lisboa, pela Fundação Calouste Gulbenkian, tendo sido publicado até o presente momento o número 161/162- jul./dez.- 2002 (publicação regular, não incluindo edições 13 especiais). Seus artigos versam sobre teoria e crítica literária de literaturas de várias nacionalidades, predominando as de literatura portuguesa, o que tem possibilitado a divulgação desta de maneira universal. São textos de excelente qualidade literária, a que poucos estudantes têm acesso. A coleção está completa e em ótimo estado de conservação na biblioteca “Acácio José Santa Rosa”, da Faculdade de Ciências e Letras “Júlio de Mesquita Filho”. Disponibilizá-la-emos, como um resultado prático de nossa pesquisa, por meio de nossos textos críticos, no website desenvolvido, especialmente, para esse fim: Camões on-line, hospedado no endereço eletrônico http://www.camoesonline.com. Disponibilizar tal conteúdo é, sobretudo, democratizar o acesso ao conhecimento e incentivar o estudo da Literatura Portuguesa. Após tecermos considerações sobre a revista Colóquio Letras, explicitaremos o nosso corpus para, em seguida, elaborarmos os comentários sobre cada um dos textos indexados. Essa pesquisa será disponibilizada on-line. Pensando no público que acessa a Internet e na dificuldade de saber o que há nos sites, que têm como tema a fortuna crítica e literária de Camões, foi realizada uma pesquisa, para auxiliar na busca de informações sobre Camões, em nível de Iniciação Científica, “A recepção crítica e literária de Literatura Portuguesa na Internet: catalogação de sites (em Língua Portuguesa) sobre Camões”, financiada pela FAPESP e que se encontra disponível para consulta no site http://www.assis.unesp.br/camoesonline/. O programa Camões na Internet v.1.0, os bancos de dados e informações podem ser acessadas pelo hyperlink supracitado. A partir das constatações de dificuldade de acesso à obra camoniana e aos textos que facilitam seu estudo e sua interpretação, consideramos que o impresso se tornou, sob determinado ponto de vista, um complicador no acesso à obra de Camões, na medida em que o alcance do texto impresso é reduzido, se o compararmos com o eletrônico. Partindo desta premissa, achamos imprescindível que as pesquisas, na medida em que respeitem as leis de direitos autorais, sejam divulgadas na Rede, possibilitando uma democratização do acesso a tais textos e, conseqüentemente, do conhecimento. Antes de entrarmos na apreciação do conteúdo hipertextual camoniano, é necessário que nos questionemos sobre as significações teóricas de crucial 14 importância para a compreensão desses hipertextos indexados: o que é o virtual? O que é potencialização, digitalização, virtualização? As respostas para estas questões ajudarão no entendimento dos comentários, que teceremos quando analisarmos os websites indexados. Isso posto, revelaremos o conteúdo indexado e o analisaremos. Somente após estas considerações, poderemos estabelecer uma apreciação crítica do conjunto, da totalidade. A metodologia empregada para a análise das críticas foi estabelecida de acordo com os seguintes procedimentos: tornar o ideário nelas presente o mais acessível possível ao receptor, clarificar os termos estritamente literários e propor um diálogo crítico entre a bibliografia deste trabalho com a cosmovisão emanada dos textos resenhados. Por que esta preocupação em tornar o texto crítico o mais abrangente possível? A crítica literária não faz parte dos gêneros, ela é a ferramenta para o estudo destes. Exige capacidade de análise por parte do crítico, muita atividade reflexivo- intelectual, seguindo o raciocínio lógico-interpretativo, por meio de um rigoroso método preestabelecido. Esta interpretação nos revela quão laborioso e metódico é o fazer crítico. A crítica sempre estará em segundo plano, segundo T.S. Eliot, em relação à obra literária, que é a cosmovisão de um escritor, inserido em uma sociedade que se representa no texto, geralmente, ou pensamentos, hábitos, acontecimentos, inerentes àquela, em tempo determinado (para a maioria dos textos em prosa) ou um tempo determinado que possa ser universalizado, sempre visando o leitor. Se nos lembrarmos de Saussure, diríamos que o emissor é aquele que escreve a mensagem (a obra) e o destinatário, o leitor. É, portanto, uma comunicação escrita em que há a veiculação de um sentido ou, no caso, vários sentidos (plurisignificação). Nesse aspecto está inserida uma das principais colaborações do crítico: ajudar os leitores a interpretar melhor os signos e, desta forma, haver uma apreciação adequada da obra literária ou, ao menos, mais abrangente. Para tanto, o crítico se mune de armas poderosas: a metodologia, a ideologia e a argumentação para observar a obra, interpretá-la e, por fim, construir uma 15 análise. Análise esta que, muitas vezes, constitui-se em um juízo de valor, ou seja, em um julgamento. Nossas análises seguem o seguinte padrão: as críticas são interpretadas, uma a uma, sempre que possível, acompanhadas pelas palavras do próprio autor. A fim de respeitarmos a lei dos Direitos Autorais, os textos integrais de Colóquio Letras, por nós indexados, estarão contidos no Anexo D do presente trabalho, mas apenas os nossos comentários estarão disponíveis para consulta on-line em www.camoesonline.com. Sempre que nos depararmos com aspectos que necessitem de melhores explicações ou que conflitem com os ideários, que serviram de base teórica para a nossa análise, as inserções críticas e direções alternativas para leitura serão realizadas. Há, ainda, aspectos muito técnicos e informações pesquisadas que não estão presentes neste estudo, por motivo de coesão, coerência e relevância ao campo das Letras, mas que fazem parte e podem ser acessadas por um dos produtos desse projeto: o website Camões on-line (http://www.camoesonline.com) e o seu subsidiário, Biblioteca Camões on-line (http://biblioteca.camoesonline.com). Outro de nossos objetivos principais é colaborar com o estudo da Literatura, especificamente de Luís Vaz de Camões, por meio do desenvolvimento de duas ferramentas tecnológicas: o website e o programa Camões on-line. O website trará informações sobre o projeto, desde a Iniciação Científica até a pesquisa de Mestrado, além das críticas produzidas, do texto completo que nessa dissertação se encontra, glossário sobre os termos herméticos e passagens em língua estrangeira, que os ensaios de Colóquio Letras possuem, além de opções de acessibilidade e pesquisa, como e-mail, motor de busca e índices analíticos. O programa é, essencialmente, um indexador. Poderá ser atualizado, diretamente, pelo website, como também, manualmente, pelo usuário. Não só a pesquisa sobre Camões: quem o usa, pode adicionar pesquisas próprias, o que aumenta, potencialmente, a capacidade indexatória do mesmo. 16 CAPÍTULO 1 Revista COLÓQUIO LETRAS: história e descrição do periódico 1 História e comentários A revista Colóquio Letras é uma publicação da Fundação Calouste Gulbenkian, voltada para o estudo da literatura em Língua Portuguesa, em que o caráter crítico e ensaístico prevalecem, além de comentários, recensões críticas e informações literárias. Iniciado em 1971, o periódico conta com um riquíssimo acervo de ensaios, no qual grandes nomes da crítica portuguesa estão presentes, tais como Hernani Cidade e Jacinto do Prado Coelho, que foram os seus primeiros diretores, inclusive. Com a queda de D. Manuel, em 1910, começa a república em Portugal, que adota leis liberais e anticlericais. A instabilidade econômica se estende até 1926, ano em que o golpe militar instaura a ditadura. Em 1932, Salazar toma o poder como “primeiro ministro”. Inspirada no fascismo italiano, a Constituição de 1933 institui a União Nacional como o único partido político do país. É a primeira fase do Salazarismo. Em 1955, Portugal passa a integrar a ONU, que o pressiona para libertar as colônias africanas, as quais já se manifestavam por meio de movimentos guerrilheiros de libertação em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. A resistência colonial provoca a intensificação da presença militar portuguesa na África, em 1961, gerando vários conflitos armados. O governo se desgasta e a aceitação do ditador, por parte da nação portuguesa, torna-se mais tênue. É a segunda fase do Salazarismo. Em 1968, Salazar, devido a uma queda, que o levou ao derrame e, por conseguinte, ao óbito poucos anos depois, foi substituído por Marcelo Caetano, ex- ministro das Colônias, agora dono do poder, que permitiu o funcionamento dos partidos de oposição. Há uma abertura na rígida censura da ditadura portuguesa. É a terceira fase do Salazarismo, que compreende os fins da década de 60, até a morte do ditador, em 1968. Colóquio Letras inicia-se, justamente, durante o governo provisório de Marcelo Caetano, mas já a partir de 1962, quando os estudantes começaram a se opor ao regime (estudantes estes da Universidade de Lisboa) o descontentamento crescia na população. Não é por acaso o nascimento de uma revista de cunho artístico-literário neste período. Aqueles alaridos libertários, até PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 17 certo ponto, criaram condições para que ela pudesse ser publicada: com a censura já desgastada, novos horizontes se abriram. A divisão em dois periódicos com dois focos distintos era inevitável. Segundo o prefácio da primeira edição, o periódico julga concorrer com mais um poderoso instrumento para a realização dos seus fins culturais na sociedade portuguesa. Está de acordo com as diretivas essenciais da Fundação: fomentar iniciativas ou auxiliar empreendimentos suscetíveis de dilatar as fronteiras do espírito humano – atividades humanísticas, já comentadas parágrafos acima. A revista, em tese, como veremos no prefácio da primeira edição, de Hernani Cidade, procura ser independente de escolas, de sectarismos ou proselitismos, tornando-se uma espécie de “espelho da sociedade do tempo”, refletindo ideários e preocupações de várias gerações, cuja síntese representa o momento histórico vivido. Colóquio – Artes e Letras é mais voltada para as artes em geral. Os primeiros números de Colóquio Letras não possuem, praticamente, nenhuma ilustração. A partir do número 127/128, esse aspecto artístico da revista antecessora retornou, com belíssimas ilustrações, interferindo na estrutura do periódico. A partir do número supracitado, eles possuem a sobrecapa artística. Colóquio – Artes e Letras cindiu-se, como dissemos, gerando a Colóquio Artes, bimestral, cujo conteúdo está relacionado às artes audiovisuais e a Colóquio Letras, cuja maior periodicidade foi bimestral, dedicada à literatura. Segundo Hernani Cidade, em prefácio da primeira edição do novo periódico: “As razões do desdobramento são óbvias: por um lado, a necessidade de consagrar maior atenção às artes que a Fundação tem fomentado num ritmo crescente, como o teatro, o cinema, a música e o bailado; por outro, o desejo de acompanhar e estimular o dinamismo da nossa vida literária, a traduzir-se pela existência dum público cada vez mais numeroso e exigente. Colóquio Letras vem, com efeito, preencher uma lacuna que se tornava sensível: será, em Portugal, a única revista especificamente literária - com textos de poesia e de ficção, mas, na maior parte. destinada ao estudo da literatura de modo não puramente erudito, não polemico, não meramente divulgativo, antes serenamente reflexivo. problemático. ensaístico. Naturalmente vinculada ao Colóquio dos últimos doze anos, cuja ação se propõe prolongar, obedecerá às mesmas diretrizes gerais: sem dependência de escolas, de sectarismos ou de proselitismos, apenas fará uma discriminação: a de qualidade; apenas imporá uma norma: a da tolerância, do respeito mútuo. Aberta assim a todos, procurará no entanto ser uma revista viva, em que o passado, como o presente, seja encarado à luz duma problemática de hoje, em que a literatura seja analisada e interpretada segundo perspectivas atuais, com métodos atuais. O pensamento dos seus diretores busca os mais novos, aqueles onde germina o futuro, no estudo e na criação.” (CIDADE, 1971, p. 08) PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 18 Elaborou-se uma ordenação original, a saber: ensaios (filosofia e teoria da literatura; literaturas estrangeiras; literatura brasileira; literatura portuguesa, seriados os artigos pela ordem cronológica dos temas tratados), documentos (inéditos de escritores notáveis ou documentos ignorados para o estudo da sua vida ou obra), ficção, poesia, crônicas de teatro (considerado não tanto do ponto de vista espetáculo como do ponto de vista literário), notas, comentários e inquéritos; cartas do Ultramar, do Brasil e do estrangeiro; crítica de livros; informação literária. Os interesses veiculados abrangem os valores e problemas portugueses, principalmente, além de espanhóis e de países que têm a língua portuguesa como idioma, temáticas, discussões e inserções críticas acerca da literatura produzida nesses países, desde os tempos remotos até o presente. A revista é constituída pela colaboração e ideologia de cada escritor, português, brasileiro ou lusófono, constituindo-se em uma publicação cuja ideologia não pode ser definida, pois aquilo que a guia é justamente a plurificação de textos sobre vários conteúdos, escritos por vários autores. Como bem finalizou Hernani Cidade, no mesmo prefácio da primeira edição: “A revista será o que dela fizerem os seus colaboradores - portugueses. brasileiros, lusófilos estrangeiros-, a quem desde já agradecemos cada pedra que trouxerem para a construção da obra comum.” (CIDADE, 1971, p. 09) Segundo Clara Rocha, em seu trabalho Revistas literárias do século XX em Portugal, uma publicação periódica coletiva surge devido a duas razões principais: para afirmar uma geração ou grupo (sociologia da criação) ou para preencher uma lacuna, satisfazendo uma necessidade cultural do público (sociologia da recepção). No primeiro caso, temos Orpheu como exemplo; no segundo, encontramos o nosso objeto de estudo como referência. Diferentemente do que ocorre com revistas como Orpheu e Presença, Colóquio Letras não possui uma tendência estética (ideológica) definida: por esta razão, encontramos textos que, em teoria, seriam conflitantes, bem como autores de variadas linhas e escolas. “Mas pode ainda verificar-se nas revistas e nos jornais um fenômeno a que vamos chamar a marcação ideológica ou literária. Queremos com isto dizer que há certas revistas marcantes e certos colaboradores de revista marcados. Autores menos motivados ideologicamente, como por exemplo Antonio de Sousa, David Mourão-Ferreira, Vitorino Nemésio, Luís Amaro PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 19 ou Matilde Rosa Araújo, colaboraram em revistas de tendências diversas. Há outros mais marcados ideologicamente que só colaboraram em algumas” (ROCHA, 1985, p.60-61) Depreendemos que Luís Amaro e David Mourão-Ferreira, nomes importantes para o periódico Colóquio Letras, pelo fato de serem “menos motivados ideologicamente”, tenham contribuído para a construção de uma marcação ideológica volátil, ou seja, que muda de acordo com os textos que a compõem, representando, dessa forma, uma ideologia individual, de cada texto, e não da revista em sua totalidade, não integrada, direta e explicitamente, a movimentos sócio-políticos, diferentemente do observado em revistas como Orpheu, cujo caráter é sócio-político, não estritamente literário, segundo Clara Rocha. As ideologias existem, porém, estão distribuídas ao longo do periódico, como dissemos. Colóquio Letras é eclética na seleção de seus textos: eles são escolhidos de acordo com o tema e com a qualidade em si. Cada um se manifesta como um diálogo entre o leitor e o artigo. Não se ouve nela uma voz uníssona, que prega uma determinada vertente literária ou posição política, pelo contrário, plurificam-se idéias e variam-se os diálogos. Esta intimidade entre as idéias manifestadas oferece ainda, radiada pela leitura da revista em pauta, uma espécie de blindagem ao autor do artigo, devido à autoridade consagrada que Colóquio Letras possui. Consagrada e incontestável, segundo Clara Rocha: “Mas a publicação periódica coletiva pode ainda oferecer vantagens de protecção e publicidade ao jovem autor que se estréia nas letras, quando é uma revista com autoridade, consagrada. É o que acontece, por exemplo, com Colóquio/Letras: conseguir publicar na Colóquio (e isto vale tanto para os criadores como para os críticos literários) é uma espécie de , um para o reconhecimento público...” (ROCHA, 1985, p.92) Posto que o periódico literário estudado não se engaja, explicitamente, em nenhum movimento sócio-político específico, qual a importância que ele teria para a literatura e crítica literária em sentido lato? Primeiramente, resgatando o pensamento anterior, sobre a valoração e consagração de autores, Colóquio Letras exerce, exemplarmente, essas funções. Percebemos que, desde o primeiro número, e já confessadamente admitida por Hernani Cidade no prefácio da primeira edição, citado anteriormente, a preocupação PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 20 em resgatar o velho (tradição, escritores canônicos) e abrir espaço ao novo (contemporâneo), é uma característica importante da revista. Peguemos, como exemplos, três periódicos, um de cada década: 70, 80 e 90. No número 05 de janeiro de 1972, temos um texto de Maria Vitalina Leal de Matos, Jorge de Sena e os números de Os Lusíadas, outro de Eduardo Lourenço, Literatura e interioridade/A propósito de Peregrinação Interior de Antonio Alçada Baptista, ao lado de um conto inédito de Urbano Tavares Rodrigues, Mesmo na água estagnada e poesias de Natália Correia, Materna matemática e Mãe acto único absoluto. No número 67, de maio de 1982, a seção Ensaio é totalmente dedicada ao conceituadíssimo crítico literário Jorge de Sena. Na parte literária, temos o conto de Jorge de Melo, A formação da terra e poetas que não pertencem (ou não pertenciam na época da publicação) ao cânone, como Maria da Saudade e Nuno Júdice, ao lado do consagrado poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto. No número 125/126, de julho/dezembro de 1992, temos Massaud Moisés em Serão inquieto: anti-Nietzsche?, A mulher na obra camoniana, de Olga Ovtcharenko, e na seção Artigos (equivalente à seção Ensaios), encontramos críticos menos conhecidos, como Christine Zurbach, em M. Teixeira-Gomes: um universo do teatral e Anna Klobucka, em Teoricamente phalando. Outra função relevante exercida por Colóquio Letras é o arquivamento, diretamente relacionado à abertura dada aos escritores contemporâneos e à produção crítica realizada nas seções Ensaios (Artigos) e Notas e Comentários. Grande parte dos exemplares traz textos, poesias ou contos, até então inéditos ou recentemente veiculados, formando um acervo que, perfeitamente, poderia ser agrupado em uma ou duas antologias. Tais textos, de excelente qualidade literária, demonstram que a revista não se preocupa, exclusivamente, com a crítica literária, o que nos leva a uma terceira grande função do periódico: a recreação. Se, por um lado, os textos críticos são, majoritariamente, densos e herméticos, seções como Poesia, Contos (Ficção) e Cartas, por exemplo, são lúdicas, essencialmente. Têm o caráter de registro, sim, ao mesmo tempo em que possuem a característica de entreter o leitor, principalmente na ficção. Por fim, uma quarta função, informativa, em menor intensidade, é encontrada. As seções Informações Literárias e Críticas de Livros, principalmente a primeira, são PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 21 intencionalmente elaboradas para manter o leitor de Colóquio Letras atualizado sobre as produções artístico-literárias e obras lançadas recentemente. Observamos, desta forma, que a revista, pluralística em seu conteúdo, busca não somente intelectualizar, problematizar, como também entreter o leitor. Ao mesmo tempo em que informa, forma conceito novo, retifica ou reitera os antigos. Um dado importante foi constatado por nós durante a pesquisa: Luís Amaro, desde o primeiro número até a edição 142, de outubro/dezembro de 1996, foi um assíduo colaborador da revista, como secretário, consultor adjunto e, posteriormente, diretor adjunto, quando Abel de Barros Baptista assumiu. Em contrapartida, nunca esteve no cargo de direção do periódico. A revista não possuiu muitos diretores. De março de 1971, quando foi lançada, até o número 07/08, os editores eram Hernani Cidade e Jacinto do Prado Coelho. Do número 09/10 até o número 23/24, Hernani Cidade como diretor e Jacinto do Prado Coelho passou a ser “Diretor Adjunto”. A partir do número 25, a revista ficou a cargo somente de Jacinto do Prado Coelho, até julho de 1984, quando David Mourão-Ferreira assume o posto. Ele permanece na chefia da revista até o número 142, de outubro/dezembro de 1996, sob a direção de Joana Morais Varela. Hernani Cidade nasceu em 1887, em Redondo, distrito de Évora e faleceu em 1975. Professor, historiador, ensaísta, biógrafo, crítico literário. Foi aluno exemplar no Seminário de Évora, onde completou a primeira etapa de sua formação. Seguiu os estudos na Universidade Gregoriana de Roma. Em 09 de novembro de 1914, Cidade tomou posse do cargo de professor efetivo no Liceu de Leiria, ministrando as aulas de Língua e Literatura Portuguesa. No ano de 1919, Cidade inicia a docência na Faculdade de Letras do Porto, até 1930, data fatídica em que Salazar silenciou as vozes inovadoras, libertárias e realistas, emanadas por aquela instituição. Ele era colaborador na Revista Águia e no movimento Renascença Portuguesa. Após sua estada no Porto, lecionou na Faculdade de Letras de Lisboa e, a partir de então, afastou-se da luta política. Em 1934, a condenação, no Diário Liberal, gerou, por parte de amigos e de alunos, a publicação do livro Homenagem a Azevedo Gomes, Hernani Cidade, Joaquim de Carvalho (Universidade de Coimbra). O professor Cordeiro Ramos interveio, solicitando que Salazar retirasse o nome de Hernani Cidade da lista dos professores universitários demitidos. O apelo surtiu efeito e, a partir desse momento, Cidade consagrou-se inteiramente à vida acadêmica. O que PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 22 mais impressiona na obra desse crítico é a modernidade que nela se revela, o estudo e a reflexão singular, a manifestação sociológica, características tão evidenciadas em Tendências do Lirismo Contemporâneo (1939), Conceito de Poesia como Expressão de Cultura (1945), Portugal Histórico-Cultural (1947) e Literatura Autonomista sobre os Filipes (1848). Além destas obras, destacamos as duas grandes produções sobre Camões: Camões Lírico e Camões Épico. Jacinto do Prado Coelho nasceu em 1920 e faleceu em 1984 em Lisboa. Licenciou-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Por quarenta anos, exerceu o magistério. Doutorou-se com menos de 27 anos, com um estudo sobre a obra de Camilo Castelo Branco. Em 1951, para o concurso de Professor Extraordinário, apresentou um amplo trabalho sobre Pessoa, demonstrando a riqueza da fortuna literária que ele, já naquela época, detinha; em 1953, ascendeu a Professor Catedrático. Foi integrante da Sociedade Portuguesa de Escritores, Academia das Ciências, Academia Brasileira de Letras, Real Academia Galega, Hispanic Society, Associação Internacional de Críticos Literários, além de colaborar na publicação de várias obras e inúmeros estudos. David Mourão-Ferreira, a exemplo de Prado Coelho, é natural de Lisboa, professor (técnico, do liceu e universitário), poeta, crítico, romancista e ensaísta. Licenciado em Filologia Românica em 1951, manteve-se afastado das atividades acadêmicas entre 1963 e 1970, por motivos políticos, retomando as atividades em 1990. Durante esse período, no qual esteve afastado, dirigiu o jornal A Capital, após o 25 de abril, foi Secretário da Cultura entre 1976 e 1978 e responsável pelo Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas, da Fundação Calouste Gulbenkian, a partir de 1981. Como vemos, em termos de equipe, o periódico é conservador. Pouca variação de diretores e de colaboradores. O que, geralmente, nos veículos de mídia impressa, garante a coerência da linha redacional e o bom nível dos textos que compõem o exemplar. 1.2 Descrição do periódico A revista segue a seguinte estrutura: a partir do número 127/128, foram inseridas sobrecapas (artísticas), os números anteriores possuem somente a capa; folha de rosto; sumário; corpo da revista e contracapa. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 23 1.2.1 Sobrecapa As sobrecapas são em papel couchè, com impressão em off-set colorida. Eis um modelo: Todas as ilustrações foram catalogadas e indexadas. Elas se encontram disponíveis no Anexo A dessa dissertação. 1.2.2 Capa As capas (duras) são confeccionadas em variadas cores e seguem um padrão preestabelecido: elas contêm o nome da revista, os autores que fazem parte daquele exemplar, o número e a data. Estas informações estão dispostas segundo a ilustração que segue: PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 24 Na orelha desta capa, há dados biográficos de cada autor do número referente. Estes dados foram transferidos às nossas fichas catalográficas, para que os pesquisadores tomem conhecimento dos autores, sem a necessidade de consultar o exemplar. Possuem sobriedade, poucas cores, menos tecnologia, são essencialmente informativas. 1.2.3 Folha de rosto Na folha de rosto temos o nome do periódico, o número e a data. No verso, novamente o nome do periódico, seguido pela equipe que o compõe e, logo abaixo, dados de marketing e distribuição. Veja a ilustração: PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 25 1.2.4 Sumário Pelo sumário, temos acesso ao conteúdo da revista. Indexamos todos e verificamos algo semelhante aos hipertextos: eles são mutáveis. No entanto, algumas seções permanecem as mesmas, o que nos leva a uma divisão categórica com estas seções mais recorrentes: Ensaios (ou Artigos); Notas e Comentários; Crítica de Livros (ou Recensões Críticas) e Informação Literária. Além das seções fixas, supracitadas, temos as variáveis, que são: Documentos; Ficção; Poesia; Cartas; Textos; Livros sobre a mesa; Letras em Trânsito; Revista de revistas. Estas classificações variam de periódico a periódico, ou seja, ocorrem no número 67, mas não necessariamente estarão presentes no número 68. A seguir, a ilustração de um dos sumários: PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 26 1.2.5 Miolo da Revista Caracterizamos o miolo da revista como os textos que a compõem, dos quais os Ensaios ou Artigos formam o nosso corpus, focado em Luís Vaz de Camões. O predomínio é justamente dos Ensaios ou Artigos, parte mais densa e de maior valor conteduístico, tanto pela sua natureza textual quanto pela extensão ocupada no impresso. Observamos que essa parte da revista não se prende a uma determinada categoria: temos teorizações (os textos de Maria Vitalina Leal de Matos, por exemplo); análises semântico-lingüísticas de textos camonianos (Uma leitura antropológica do soneto “Sete anos de pastor Jacó servia”); análises morfológicas e estruturais (Os tempos verbais e a estrutura de Os Lusíadas); textos de cunho laudatório (Permanência de Camões), textos que comentam trabalhos realizados – PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 27 essencialmente informativos, com inserções críticas ou sobre grandes nomes da crítica camoniana (como, por exemplo, Jorge de Sena, camonista), dentre outros. Isso nos leva à conclusão de que não podemos estatizar ou traçar um perfil para esta parte da revista, se pensarmos no conteúdo abordado, que é deveras variável. Há, por outro lado, alguns instantes em que um artigo retoma ou complementa o outro, como no caso de Auto-retrato de Camões: o soneto “O dia em que eu nasci” e Auto-retrato de Camões: a hipertrofia do eu. Atentar-nos-emos a cada um destes ensaios, detalhadamente, páginas adiante. 1.2.6 Contracapa A contracapa tem o caráter mercadológico, de divulgação. Ela anuncia o conteúdo da revista sucedânea, de forma objetiva e clara. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 28 1.2.7 Periodicidade Separamos, para melhor visualização, a periodicidade da revista em três décadas: 70, que corresponde do nº 01 ao número 57/58; 80, do número 59/60 ao número 117/118; 90, do número 119 ao número 157/158. Observamos que, metodicamente, são lançados 03 exemplares por ano. A partir do número 161/162 houve uma paralisação (temporária, ao que tudo indica) na impressão dos exemplares. Não computamos aqui as edições comemorativas, com tiragens específicas, como a revista dedicada a José Saramago e o exemplar de Colóquio Letras, totalmente escrito em francês. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 29 CAPÍTULO 2 Seção “Ensaios/Artigos” e “Notas e Comentários”: textos selecionados sobre Camões 2 Camões: eterno Um oceano, quinhentos anos depois. O mesmo oceano, a mesma língua, imortalizados por uma das mais perfeitas, engenhosas e grandiosas mentes literárias da história humana. Luís Vaz de Camões, o vate que, por mérito, conduziu as caravelas vascaínas pelos tempos, singrando os mares revoltos e vencendo gigantes enevoados, autor de Rimas, primorosas composições líricas, de autos, do misterioso Parnaso, de sonetos imortalizados. A exemplo de Homero, Aristóteles, Gil Vicente e Shakespeare, a biografia de Camões não é muito segura: poucos são os registros que a sustêm: as cartas e o mais antigo texto biográfico, escrito por Pedro de Mariz, anexado a esse trabalho, além de algumas referências históricas. Sabemos que, em 1563, foram publicados os “Colóquios simples das drogas da Índia” (Garcia da Horta) em Goa. Nesse livro, há uma ode de Camões ao autor. Os Lusíadas, obra responsável pela aquisição da “tença” imperial, uma espécie de salário, que a realeza passou a pagar para Camões, foram publicados em 28 de julho de 1572. Por fim, em 1576, houve o lançamento de História da Província de Santa Cruz, de Pedro Magalhães Gândavo, obra em que Camões escreveu um soneto e alguns tercetos. Provavelmente, sua árvore genealógica descende de uma família galega, assentada em Portugal durante o reinado de D. João I. Seus pais seriam Simão Vaz de Camões e Ana de Sá (Macedo), habitantes de Mouraria, em Lisboa. Sua obra, cuja maior parte foi publicada postumamente, compreende, além da epopéia Os Lusíadas, três peças teatrais (Auto de Filodemo, Anfitriões e Auto de El- Rei Seleuco), quatro cartas e alguns fragmentos, 130 composições em lírica de tradição medieval (trovas e redondilhas – vilancetes, cantigas e glosas) e 260 composições (sonetos, elegias, sextinas, canções, éclogas, odes, oitavas). A obra que o projetou para a imortalidade literária foi o poema de exaltação do povo português, Os Lusíadas, termo que tem sua origem no século II a.C., na Grécia (Deipnosofistas, de Ateneu) e, em 1531, por André de Rezende, em sua obra Erasmi encomium, é introduzido em terras portuguesas. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 30 Sob o signo do movimento maneirista e inspirado no clássico greco-latino, Os Lusíadas nasceram da necessidade de exaltar as glórias alcançadas pela nação portuguesa. A construção adequada para tal empreita, como nos ensina Aristóteles, é a epopéia. Luis Vaz de Camões (1524?-1580) Segundo a História, que analisou as cartas do humanista italiano Ângelo Poliziano ao rei D. João II, a idéia do poema épico, que exaltaria, em Latim, os feitos dos portugueses, já existia desde 1481. E foi, justamente, o delírio ufanista dos Descobrimentos, que criou no âmago português a grandeza e o orgulho necessários para a promoção da obra máxima de autoria camoniana. Não é por acaso a escolha do tema: foram as navegações e as suas descobertas, que colocaram os lusitanos em posição privilegiada na Europa. Durante séculos, os árabes dominaram o comércio marítimo com o Oriente. O caminho alternativo, descoberto por Gama, retratado epicamente em Os Lusíadas, abriu novas perspectivas comerciais. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 31 A história já dera à mente do poeta subsídios e fatos suficientes para conceber o que o Cancioneiro Geral (1516), de Garcia de Resende, ensaiara: a celebração dos lusos e de seus feitos heróicos e bélicos, os combates contra os mouros, as lutas contra Castela (Aljubarrota, 1385) e as apoteóticas incursões marítimas, que resultaram na formação de um império transcontinental, só para citar alguns exemplos. Estes feitos heróicos foram encarnados em uma personagem metonímica: Vasco da Gama, comandante da esquadra lusa na famosa viagem em busca da rota marítima para a Índia, que é a substância temática do poema cantado. A estrutura segue o padrão clássico da Eneida de Virgílio e das obras de Homero, A Ilíada e a Odisséia. Temos, portanto, a divisão da obra em Proposição, Invocação, Dedicatória e Narração. Na Proposição, o poeta apresenta o assunto do canto que consiste, no caso, em glorificar os feitos dos portugueses e levar a fé cristã pelas terras visitadas. Na Invocação, há o apelo do poeta aos deuses, para que eles dêem engenho e arte à voz que se manifesta no poema. Camões rejeita as divindades antigas e cria, em seu auxílio, musas inspiradoras nacionais: as Tágides, ninfas do rio Tejo. A Narração (fabulação) é a parte mais extensa da obra, cuja característica principal é a ação. Ela começa in media res (no meio do assunto), com os portugueses navegando pelo canal de Moçambique e termina na paradisíaca Ilha dos Amores, ou Ilha Enamorada, onde Tétis mostra a “Máquina do Mundo” ao Gama. Os metros escolhidos por Camões, já praticados por Ariosto em Orlando Furioso, são a oitava rima, composta por estrofe de oito versos, sendo os seis primeiros com rimas alternadas e os dois últimos, paralelas, e o decassílabo heróico, com acentuação nas 6ª e 10ª sílabas poéticas. Basicamente, as fontes inspiradoras (moldes clássicos em que bebeu Camões) para Os Lusíadas são Virgílio, Ovídio, Homero, Petrarca, Sanazzaro e Ariosto. Sabemos que, segundo estudos de Antonio José Saraiva e Segismundo Spina, a História Geral de Sabélico (Enneades), a Genealogia deorum (Boccacio) e as crônicas de Fernão Lopes, Rui de Pina e Duarte Galvão, serviram de suporte cognitivo para o autor de Os Lusíadas. O grande desafio de Camões foi transformar a história de Portugal em epopéia, sem perder o horizonte real que tais acontecimentos carregavam. Para PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 32 tanto, utilizou-se da seleção exata de fatos e personagens, um assunto principal (a viagem) e um único herói (Gama), que, por um processo metonímico, personifica a nação portuguesa (coletividade). Os aspectos mitológicos ultrapassam a mera ornamentação retórica, que compactua com o estilo grandíloquo, exaltado na Invocação, dinamizando e embelezando as ações, pois estão intrinsecamente relacionados à história e interdependentes na narrativa: realidade histórica e mitologia se aliam para dar aOs Lusíadas o primor de escritura que nos remete aos mais Belos e perfeitos versos que o espírito português conseguiu exprimir. É pela voz das entidades míticas e das personagens secundárias, que o narrador épico nos oferece a descrição, em uma perspectiva de agouro e de infortúnios, da verdade sobre as navegações, que atinge o ápice por meio de um nítido discurso antiépico, representado nas palavras retumbantes do Velho Venerando que, na praia de Restelo, levantou seu canto. Atentemo-nos a esta passagem, que expressa a verdade histórica, mesmo à mercê da engenhosidade inventiva de Camões, por meio da verossimilhança aristotélica. A força negativa de Os Lusíadas, a racionalidade humana, o contraponto narrativo, o antiépico, o Velho do Restelo. Essa personagem, que antecipa a ação, que vê além, projeta, critica; essa personagem que, repentinamente, surge na narração aos olhos do leitor, quando levanta sua “voz pesada, que nós no mar ouvimos claramente”, ao refletir com profundidade sobre o valor das coisas, a despeito de toda a exaltação épica, expressando um subjetivismo tão intenso que nunca antes havia sido representado em uma epopéia. Figura ilustrativa do Velho do Restelo PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 33 O discurso que é a perfeita antítese à apoteose divinizante do relacionamento com as ninfas, por parte dos navegantes, na Ilha dos Amores, ornamentado pelas figuras retóricas e pelos revérberos da narrativa mitológica, sobreposta à narrativa do real humano, bicho da terra tão pequeno, mortal, sofredor, sem destino conhecido. A passagem começa com a descrição que o narrador épico faz do Velho, “com saber só de experiências feito”. É um homem sábio e experiente, que vê as conseqüências, analisa, racionaliza, é, portanto, um humanista. Tal constatação pode ser reforçada pelo seu conhecimento da história, da mitologia e pelo próprio discurso, que se aproxima da tragédia grega. Um homem criado aos moldes clássico-humanísticos. Uma espécie de alter- ego camoniano, um recurso estilístico engenhosamente elaborado, para que o poeta pudesse, sem sofrer censura inquisitiva, expressar sua opinião, esta compactuada por parte da população, não da elite (realeza), que é recriminada nesse trecho, devido ao gosto pelo poder, “a vã cobiça desta vaidade a quem chamamos fama!”, em um nítido resgate da passagem virgiliana, auri sacra fames, “a que nos obriga tu os corações dos mortais, ó maldita fome de ouro!”, pois tal busca causará, como se vaticina, da mesma forma, no fim de Os Lusíadas, vários males, infortúnios e agouros. A atitude do Velho, ao defender uma voz antimonárquico-expansionista, constatando a ruína da terra, amaldiçoando os navegantes, vaticinando a decadência de Portugal, para depois cair no desânimo, é a visão de uma pátria que se desgastou a ponto de estar preste a cair sob o domínio castelhano. O valente povo lusitano que, ao mar se lançou e do Velho ouviu o alarido, em busca de fama e de riqueza, revela-se em queda livre, como Faetonte e Ícaro, em uma inquestionável alusão à queda do império português, também sugerida na Estância 104 do Canto X, perfeito vislumbramento do futuro e antecipação (histórica) dos fatos na narrativa. O desespero e a incerteza tomam conta do Velho, na Estância 95 do Canto IV, quando ele exclama: “Que mortes, que perigos, que tormentas, que crueldades, neles experimentas!”, palavras de reprovação que continuam até o momento em que, indignado, lança ao ar várias interrogações: “Que famas prometerás? Que histórias? Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?” PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 34 Aceitando como conseqüência do pecado adâmico (geração daquele insano) o gosto dos homens pela guerra, em um intertexto maravilhoso com a Idade do Ouro, descrita nas Metamorfoses de Ovídio, com o paraíso cristão (idade da felicidade), o Velho censura, na Estância 99, o desprezo pela vida, por parte daqueles que buscam a fama. Na centésima estância, o ancião antecipa a ação: refere-se às futuras guerras contra os mouros (o ismaelita) e alude às terras e riquezas que Portugal almeja conquistar, condenando a religião dos muçulmanos, o Islamismo (lei maldita). Alerta para o perigo de voltar às costas ao inimigo (“deixas o inimigo ser criado às portas”), enquanto Portugal busca “outro de tão longe”, para depois amaldiçoar Ulisses, “o primeiro que, no mundo, nas ondas vela pôs em seco lenho!”. Utilizando-se de comparações mitológicas, a recriminação intensifica-se. O Velho busca, na Antigüidade Clássica, acontecimentos trágicos para prenunciar a queda de Portugal e reitera sua desaprovação aos “altos desejos”, que movem os homens em busca de riqueza. A derradeira estância, que cala a voz do Velho, é o perfeito vislumbramento para a queda do império lusitano, episódio singular, em que Faetonte, desobedecendo as ordens de Apolo, apodera-se do carro de sol e, perdendo o controle, aproxima-se demasiadamente da terra, queimando o solo e abrasando as pessoas do continente africano (por este motivo, segundo a mitologia, os africanos têm a pele escura, pois o calor do carro do sol fez o sangue deles precipitar à superfície da pele) e, ainda, alude ao episódio de Ícaro, quando, ao desobedecer as ordens do pai, Dédalo, mune-se de asas de cera e, fascinado pelo sol, tenta alcançá-lo, mas o astro em chamas as derrete e ele, em queda livre, precipita-se à morte certa no fatídico mar Egeu. Dessa forma, o ancião se vê amargurado, desiludido por todo aquele vão esforço e ilusão, deixando registradas na história suas duas últimas exclamações: “Mísera sorte! Estranha condição!”. Após tais considerações, voltemo-nos para a obra lírica camoniana, que se divide em medida velha e medida nova. A primeira, de tradição medieval, a segunda, clássica. Mesmo versando os temas tratados pelos trovadores medievais, Camões consegue aprofundá-los, inovando-os. As redondilhas possuem, muitas vezes, uma vivência pagã, no plano da alegria e do prazer dionisíaco, que o poeta consegue transcender, elevando-a a uma PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 35 expressão dramática platônica, como é o caso de Sôbolos rios. Há espaço tanto para o sentimento, quanto para a racionalidade. Na poesia clássica, sua visão paradoxal e antitética prenuncia o barroco e busca respostas sensíveis para o homem e sua condição. A poesia, dessa forma, transborda dúvidas, questionamentos, angústias, desilusões, inconformismos, desencantos. Munido de erudição, experiência, memória, engenho e imaginação, Camões analisa e dramatiza o “eu”, de si próprio, da mulher, da pátria, da Providência, da condição humana, da vida. Análise reflexiva da razão, utilizando-se de um artifício lingüístico interessante: aproximar a dor do “eu” da dor do “eu coletivo”, no qual se inserem todos os homens. Justamente nesse ponto reside um motivo central da imortalidade da lírica camoniana, que consegue conjugar sentidos, sem estar presa a um tempo único: partindo do particular para o coletivo, o poeta versa sobre temas universais, o amor, a dor, a beleza, a angústia, a permanente dúvida, a constante incerteza, não só de um homem, mas de toda a Humanidade. “Andando em bravo mar, perdido o lenho, Mas, conquanto não pode haver desgosto Onde esperança falta, lá me esconde Amor um mal, que mata e não se vê; Que dias há que na alma me tem posto Um não sei quê, que nasce não sei onde, Vem não sei como e dói não sei porquê” 2.1 Índices Remissivos Fizemos uma triagem em todo o conteúdo dos exemplares da Colóquio Letras que existem na biblioteca Acácio José Santa Rosa, do campus da Unesp de Assis. Todos os sumários foram indexados. Desse corpus, que totaliza o conteúdo camoniano contido na Colóquio Letras (relação abaixo explicitada), recortamos os textos críticos, artigos e resenhas, dispensando as notas informativas que, por seu conteúdo, não haveria necessidade de serem comentadas. A relação que segue, segundo a ordem em que aparecem nos exemplares, contém toda a produção sobre Camões, feita na revista Colóquio Letras, desde 1971 até hoje. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 36 Maria Vitalina Leal de Matos Jorge de Sena e os números de Os Lusíadas Maria Strzalkowa Lettre de Pologne, Camões dans la culture polognaise Hernani Cidade Permanência de Camões José Adriano de Carvalho La lyrique de Camões Antonio José Saraiva Os tempos verbais e a estrutura de Os Lusíadas Joel Pontes Camões de Cordel Maria Vitalina Leal de Matos Auto-retrato de Camões: o soneto “O dia em que eu nasci” Maria Vitalina Leal de Matos Auto-retrato de Camões: a hipertrofia do eu José Filgueira Valverde Bibliografia del centenário camoniano Vilma Arêas Do Adamastor camoniano a Sala de Armas de Nélida Piñon M.H. Rocha Pereira Lês Lusiades de Camões, confession d’um poete. Maria Vitalina Leal de Matos PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 37 Ars combinatória e álgebra delle proposizioni in uma lírica di Camões Lucilia Gonçalves Pires José de Macedo, um crítico de Camões Vitor Manuel de Aguiar e Silva “... um Camões bem diferente” Américo da Costa Ramalho Sobre a cultura de Camões Francisco Casado Gomes O auto camoniano de El-Rei Seleuco Jacinto do Prado Coelho Celebrar Camões Eduardo Lourenço Camões e Gongora Maria Antonieta Soares de Azevedo Um manuscrito quinhenta de Os Lusíadas Maria Vitalina Leal de Matos Sôbolos rios: uma estética arquitectônica Vitor Manuel de Aguiar e Silva Amor e mundividência na lírica camoniana Francisco Maciel Silveira Interpretação de Camões Gilberto Mendonça Teles Ser tão Camões PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 38 Américo da Costa Ramalho Studi camoniani 80, contributo alle celebrazioni del centenário di Camões Graça Almeida Rodrigues Camões e a sociedade de seu tempo Francisco Manuel Silveira Lirismo e epopéia em Luís de Camões Manuel Simões Re-Camões Yara Frateschi Vieira Camões e a viagem iniciática Luís de Sousa Rebelo Camões e a divina proporção José Alberto Osório Mateus Camões-Seleuco: nomes próprios Roger Bismut Uma versão até hoje ignorada de Os Lusíadas Vitor Manuel de Aguiar e Silva Jorge de Sena, camonista Alberto de Lacerda Os Lusíadas e Os Maias: um binômio português? Alfredo Margarido Uma leitura antropológica do soneto “Sete anos de pastor Jacó sevia” PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 39 João Medina Zé Povinho e Camões, dois pólos da prototipia nacional Iara Frateschi Vieira Os Lusíadas e Polifemo Leodegário A. de Azevedo Filho Sobre o cânone lírico de Camões Antonio José Saraiva Função e significado do maravilhoso em Os Lusíadas Antonio Cirurgião Camões e Miguel Leitão de Andrade Olga Outcharenko A mulher na obra camoniana Maria Ema Tarracha Ferreira Os Lusíadas David Mourão-Ferreira Os Lusíadas e o Sentimento dum Ocidental Antonio Cirurgião Lês Lusiades João Camilo dos Santos A insuperável modernidade de Camões Nadiá Paulo Ferreira Homenagem a Leodegário A. de Azevedo Filho e a edição camoniana em curso João Ricardo Figueiredo PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 40 Os Lusíadas e a vaidade da poesia Yara Frateschi Vieira A viagem de Os Lusíadas: símbolo e mito Emanuel Paulo Ramos Micrologia camoniana José Adriano de Carvalho Camoniana itálica Giacinto Manuppella Cameos e il Rinascimento italiano Carlos Drummond de Andrade O Poeta Antonio Gedeão Soneto Manuel Simões Réplicas a redondilhas camonianas e outras poesias avulsas George Monteiro Camões de Burton: uma carta social sobre o design de um livro Mario Vieira de Carvalho A música na obra de Camões Vergílio Alberto Vieira Três poemas Angel Crespo Invocacion y oda a Luis de Camoens PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 41 A produção mais freqüente é de Maria Vitalina Leal de Matos e Vitor Manuel de Aguiar e Silva. Eles são os escritores que mais produziram sobre Camões na Colóquio Letras. Foram encontrados dois textos em língua estrangeira, que mereceram nossa atenção: de Maria Strzalkowa, em francês, Camões dans Ia culture polonaise; de José Filgueira Valverde, em espanhol, Bibliografia Del IV centenário camoniano. Fizemos as traduções. Disponibilizá-las-emos, por meio do website Camões on-line (www.camoesonline.com), visto que os textos em língua estrangeira não fazem parte do nosso corpus de pesquisa. As críticas recolhidas do periódico Colóquio Letras possuem qualidade superior à maioria das revistas literárias portuguesas da atualidade. As construções sintagmáticas, os desencadeamentos do pensamento crítico nelas executados, o tratamento da linguagem e outros aspectos tornam os textos deste periódico herméticos àqueles que não são do ramo das Letras. A indexação e o arquivamento de tais textos propiciam a outros pesquisadores a economia de tempo na construção do corpus e, dessa forma, maior tempo para a análise será liberado, o que, em tese, definiria uma qualidade estética maior à crítica literária desenvolvida pelos pesquisadores. Para indexarmos e catalogarmos o periódico, utilizamos os recursos do CEDAP, Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa, da Unesp de Assis. Para mais informações, consulte http://www.cedap.assis.unesp.br/home.htm. A ficha catalográfica, na qual nos baseamos, para indexar a revista Colóquio Letras, bem como a base de dados referente à revista no programa Camões on-line, pertence ao Centro. Essa ficha nos serviu de padrão para indexarmos a base de dados da pesquisa, feita no periódico Colóquio Letras, por meio de um programa, cuja tecnologia foi desenvolvida por nós, especificamente, para este projeto. Abaixo, encontramos as fichas que especificam o conteúdo pesquisado. Como foi proposto, para cada artigo escrito, acompanhar-se-á uma ficha catalográfica, que resume o texto criticado e orienta o leitor. Tais dados servirão para a busca no banco de dados pelas críticas originais, funcionando como palavras-chave para os spiders do website. Além disso, estarão disponíveis no programa Camões on-line. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 42 Número: 5 Mês: janeiro Ano: 1972 Título: Jorge de Sena e os números de Os Lusíadas. Páginas: 58 a 63 Obra(s) comentada(s): Os Lusíadas Síntese: o autor trata do estudo matemático da estrutura de Os Lusíadas, feito pelo estudioso Jorge de Sena, que faz interpretações simbólicas dos números da obra, ligando-os a fatos históricos portugueses. Palavras-chave: Os Lusíadas; História; Jorge de Sena Autor: Maria Vitalina Leal de Matos Informações: Licenciada em Filologia Românica com uma tese sobre A Vivência do Tempo em Fernando Pessoa. Assistente da Faculdade de Letras de Lisboa, possui uma tese de doutoramento sobre a lírica de Camões. Número: 8 Mês: julho Ano: 1972 Título: Os tempos verbais e a estrutura de Os Lusíadas. Páginas: 32 a 48 Obra(s) comentada(s): Os Lusíadas Síntese: O uso incomum que Camões faz dos tempos verbais em Os Lusíadas, dando a estes versos um outro valor gramatical que marca a atemporalidade da epopéia. Um texto muito reflexivo, que demonstra a capacidade analítica do autor e seu domínio sobre a obra de Camões. Palavras-chave: Os Lusíadas; atemporalidade; pintura-falante Autor do artigo: Antônio José Saraiva Informações: crítico literário e autor de uma das melhores histórias da Literatura Portuguesa, juntamente com Oscar Lopes. Número: 8 Mês: julho Ano: 1972 Título: Permanência de Camões. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 43 Páginas: 67 e 68 Obra(s) comentada(s): Os Lusíadas Síntese: A riqueza intelectual e sentimental de Camões contribuindo para o enriquecimento do homem; a importância de Camões para a sociedade portuguesa e sua imortalidade literária. Palavras-chave: Os Lusíadas; Camões; Lírica. Autor do artigo: Hernâni Cidade Informações: Um dos primeiros diretores do periódico Colóquio Letras, crítico literário português, eminente camonistas, que escreveu várias obras, entre as quais se destacam: O conceito de poesia como expressão de cultura (1945), Luís de Camões I – o lírico e Luís de Camões II – o épico (1952); Luis de Camões – a obra e o homem (1956). Redigiu também vários verbetes para o Dicionário das Literaturas. As melhores edições modernas de Os Lusíadas devem-se a Epifânio da Silva Dias e Hernani Cidade. Número: 19 Mês: maio Ano: 1974 Título: Auto-retrato de Camões: o soneto "O dia em que eu nasci" Páginas: 23 a 27 Obra(s) comentada(s): O soneto "O dia em que eu nasci" Síntese: Análise do soneto no qual Camões faz um retrato de si, segundo a autora, deixando claro o papel do Destino na sua vida e obra. Palavras-chave: Camões; Camões-sujeito; Camões-objeto; Camões-poeta; Camões- personagem. Autor: Maria Vitalina Leal de Matos Informações: Licenciada em Filologia Românica com a tese A vivência do tempo em Fernando Pessoa. Assistente da Faculdade de Letras de Lisboa, possui uma tese de doutoramento sobre a lírica de Camões. Número: 20 Mês: julho Ano: 1974 Título: Auto-retrato de Camões: a hipertrofia do eu. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 44 Páginas: 13 a 21 Síntese: A luta de Camões contra o Destino que o sufoca, tirando-lhe a liberdade e permitindo o choque entre o seu interior e o seu exterior. Palavras-chave: Os Lusíadas; heroísmo; Lírica; Platonismo. Autor: Maria Vitalina Leal de Matos Informações: Licenciada em Filologia Românica com a tese A vivência do tempo em Fernando Pessoa. Assistente da Faculdade de Letras de Lisboa, possui uma tese de doutoramento sobre a lírica de Camões. Número: 27 Mês: setembro Ano: 1975 Título: Do Adamastor camoniano a Sala de Armas de Nélida Piñon. Páginas: 32 a 39 Obra(s) comentada(s): Os Lusíadas e Sala de Armas Síntese: Comparação entre o gigante Adamastor de Os Lusíadas e o pequeno Adamastor de Sala de Armas, de Nèlida Piñon. Palavras-chave: Os Lusíadas; Sala de Armas; Adamastor. Autor: Vilma Arêas Informações: Nasceu em 1936, no Brasil. É assistente de Literatura Portuguesa na Pontifícia Universidade Católica (P.U.C.) e na Universidade Federal Fluminense. Obteve mestrado com a dissertação A Cicatriz e o Verbo: Análise da Obra Romanesca de Augusto Abelaira. Número: 47 Mês: janeiro Ano: 1979 Título: Sobre a cultura de Camões. Páginas: 70 a 73 Síntese: Questionamento da erudição de Camões feito por José Hermano Saraiva, já que o autor de Os Lusíadas não freqüentou, segundo documentos, nenhuma universidade. Palavras-chave: Camões; Língua Portuguesa; Erudição. Autor: Américo da Costa Ramalho PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 45 Informações: Professor catedrático jubilado. Áreas de investigação: Língua e Literatura Clássicas; Latim renascentista; Renascimento e Humanismo. Professor da Universidade de Coimbra, faculdade de Letras. Escreve para o Boletim de Estudos Clássicos. Número: 48 Mês: março Ano: 1979 Título: O auto camoniano de "EI-Rei Seleuco". Páginas: 64 a 67 Síntese: O autor trata da estrutura do auto camoniano, baseando-se nos números dos versos. Palavras-chave: Humanismo; Maneirismo; Amor; Razão. Autor: Francisco Casado Gomes Número: 55 Mês: maio Ano: 1980 Título: Celebrar Camões Páginas: 5 e 6 Síntese: A necessidade de celebrar os grandes artistas como Camões que foram "casos excepcionais de superação do homem pelo homem". Constrói figuras, baseado no pensamento estruturalista, para comprovar as suas contatações. Palavras-chave: Camões; Universalismo; Humanismo. Autor: Jacinto do Prado Coelho Informações: Foi ele o último presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores, extinta pelo salazarismo em 1965. Diretor da revista Colóquio Letras, planejou e coordenou um Dicionário de Literatura que abrange todos os países de língua portuguesa e galega e onde se incluem inúmeros artigos seus. Principais livros dados a lume: Introdução ao Estudo da Novela Camiliana; Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, Ao Contrário de Penélope, Originalidade da Literatura Portuguesa. Se a literatura portuguesa dos séculos XVIII-XX constitui o seu campo de trabalho predileto, também se tem ocupado de literatura brasileira, teoria da literatura, literatura comparada e lingüística. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 46 Número: 55 Mês: maio Ano: 1980 Título: Camões e Gôngora. Páginas: 7 a 13 Síntese: O autor do artigo questiona o motivo pelo qual os críticos espanhóis não estudam as fontes portuguesas nas obras espanholas fazendo um paralelo entre Camões e Gôngora. Palavras-chave: Espanha; Portugal; Polifemo; Os Lusíadas. Autor: Eduardo Lourenço Informações: Ensaísta português, natural da região da Guarda. Cursou Ciências Histórico-filosóficas na Faculdade de Letras de Coimbra, lugar em que lecionou como professor assistente. Colaborador de diversas revistas, como Vértice. Desgostoso com a vida acadêmica portuguesa, optou pelo exílio voluntário. Lecionou em Hamburgo, Montpellier, São Salvador da Baía, dentre outros. Número: 55 Mês: maio Ano: 1980 Título: Sôbolos rios, uma estética arquitetônica. Páginas: 24 a 32 Obra(s) comentada(s): Sôbolos rios Síntese: Dialética da lírica camoniana, enfocando o poema Sôbolos rios, que é a "expressão má, de uma poética que só pode ser apreendida a partir de uma visão de conjunto". Palavras-chave: Lírica; Dialética; Sôbolos rios. Autor: Maria Vitalina Leal de Matos Informações: Licenciada em Filologia Românica com a tese A vivência do tempo em Fernando Pessoa. Assistente da Faculdade de Letras de Lisboa, possui uma tese de doutoramento sobre a lírica de Camões. Número: 65 Mês: janeiro PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 47 Ano: 1982 Título: Uma versão francesa até hoje ignorada de Os Lusíadas. Obra(s) comentada(s): Os Lusíadas Síntese: O autor fala da importância excepcional de uma tradução francesa manuscrita de Os Lusíadas em fins do século XVII. Palavras-chave: Os Lusíadas; Manuscrito; Século XVIII Autor: Roger Bismut Informações: Professor da Universidade Católica de Lovaina, tem publicado numerosos estudos sobre a literatura portuguesa, sendo os mais notáveis os consagrados a Camões: La Lyrique de Camões (1970) e Les Lusiades de Camões: confession d'un poete (1974). Também lhe devemos a melhor versão de Os Lusíadas em língua francesa (3a edição, 1980). Número: 67 Mês: maio Ano: 1982 Título: Jorge de Sena, camonista. Páginas: 45 a 52 Síntese: São levantadas questões sobre os estudos camonianos, feitos pelo estudioso Jorge de Sena durante 30 anos, dando destaque à inovação metodológica utilizada na análise da obra de Camões. Palavras-chave: Camões; Maneirismo; Crítica. Autor: Vítor Manuel de Aguiar e Silva Autor: Vítor Manuel de Aguiar e Silva Informações: Professor doutor da Universidade do Minho, crítico literário português, autor de obras como Competência lingüística e competência literária. Sobre a possibilidade de uma poética gerativa (Almedia, 1977) e Teoria da Literatura, da mesma editora, de 1969. Recebeu distinção pela Universidade de Évora, com o prêmio Vergílio Ferreira, ao lado de Oscar Lopes, Eduardo Lourenço, Almeida Faria, Maria Judite de Carvalho, Maria Velho da Costa, Agustina Bessa Luís, Mia Couto e Manuel Gusmão. Número: 72 Mês: julho PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 48 Ano: 1983 Título: Os Lusíadas e Os Maias: um binômio português? Páginas: 29 a 40 Obra(s) comentada(s): Os Lusíadas e Os Maias Síntese: O artigo é desenvolvido a partir da seguinte frase de Gaspar Simões sobre Os Maias: "é a mais perfeita obra de arte literária que ainda se escrevera em Portugal depois de Os Lusíadas”. Palavras-chave: Os Lusíadas; Os Maias. Autor: Alberto de Lacerda Informações: Poeta, natural de Moçambique, onde viveu até aos dezoito anos, Carlos Alberto Portugal Correia de Lacerda veio para Portugal em 1946, a fim de concluir estudos secundários. Vive em Lisboa durante cinco anos e trava amizade com Ruy Cinatti, Raul de Carvalho, Luís Amaro e António Ramos Rosa, tendo sido um dos co-fundadores e secretário de Távola Redonda (1950). Em 1951 toma a decisão de expatriar-se, fixando-se em Londres, onde a BBC o contrata como jornalista. Além de poeta, é autor de "colagens", tendo exposto individualmente (1987) na Sociedade Nacional de Belas Artes, de Lisboa. Vive em Londres desde 1951. Número: 74 Mês: julho Ano: 1983 Título: Camões e a épica de um povo. Páginas: 68 a 69 Obra(s) comentada(s): Os Lusíadas Síntese: O autor focaliza as inovações feitas por Camões na epopéia, como, por exemplo, a visão crítica sobre o fato narrado. Palavras-chave: Os Lusíadas; História; Linguagem. Autor: Carlos Nejar Informações: É um poeta que se afirma no plano nacional, com uma obra marcada pelo vigor e originalidade da linguagem. Soube abrir o seu canto às motivações do mundo, aos ventos decisivos da história, alcançando uma dimensão épica quase sem paralelo na poesia brasileira. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 49 Número: 81 Mês: setembro Ano: 1984 Título: Uma leitura antropológica do soneto de Camões "sete anos de pastor Jacó servia" Páginas: 16 a 23 Obra(s) comentada(s): Sete anos de pastor Jacó servia Síntese: É proposta no artigo a leitura do soneto à luz da nova interpretação bíblica feita por Camões. Há uma inter-relação entre o texto bíblico e o texto de Camões, procurando aspectos de congruência e divergência, devido às ideologias inerentes a cada um. Palavras-chave: Soneto; Jacob; Labão; Lia; Raquel. Autor: Alfredo Margarido Informações: Escritor e jornalista português. Freqüentou a Escola de Belas-Artes do Porto. Funcionário público em África, regressou a Portugal, foi para Paris onde veio a lecionar como professor universitário. Número: 92 Mês: julho Ano: 1986 Título: Zé Povinho e Camões: dois pólos da prototipia nacional Páginas: 11 a 21 Obra(s) comentada(s): Os Lusíadas Síntese: Neste ensaio, o autor trata da bipolaridade Zé Povinho e Camões (1880), em que o primeiro, criado pelo setecentista Rafael Bordalo Pinheiro, representa o pólo negativo da sociedade portuguesa, e o segundo, criado por Teófilo Braga, representa o pólo positivo, de exaltação do povo português. Palavras-chave: Os Lusíadas; Teófilo Braga; Rafael Bordalo Pinheiro. Autor: João Medina Informações: Nasceu em Lourenço Marques em 1939. Viveu algum tempo em Joanesburgo (África do Sul) e em Moçambique. Freqüentou um colégio em Lisboa, concluiu o liceu na terra natal e, depois de ter iniciado estudos de direito, licenciou- se em Letras em Lisboa. Representado na Antologia da poesia universitária (1964) e PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 50 colaborador do Grande Dicionário da Literatura Portuguesa, é atualmente professor na Universidade de Aix-en-Provence. Número: 98 Mês: julho/agosto Ano: 1987 Obra(s) comentada(s): Os Lusíadas e Polifemo Título: Adamastor: o pesadelo de um ocidental. Páginas: 25 a 37 Síntese: O autor fala da criação e da multiplicidade de caráter e função dos gigantes na literatura, enfocando aqui o gigante Adamastor de Os Lusíadas e fazendo uma analogia entre o gigante de Os Lusíadas e Polifemo de Ovídio. Palavras-chave: Os Lusíadas; Polifemo; Adamastor. Autor do artigo: Iara Frateschi Vieira Informações: Professora ensaísta brasileira, doutorou-se em 1972, pela Universidade de São Paulo, com a tese Significados e Tranformações: um Estudo do "Jogo da Cabra Cega", editada em livro. Número: 99 Mês: setembro/outubro Ano: 1987 Título: Sobre o cânone lírico de Camões. Páginas: 10 a 19 Síntese: Há no ensaio uma série de questões a respeito da constituição do cânone lírico de Camões como, por exemplo, a metodologia usada no estudo dos textos e a autenticidade dos mesmos. Palavras-chave: Lírica; Cânone; Manuscrito Autor: Leodegário A. de Azevedo Filho Informações: Titular emérito da UERJ, titular da UFRJ e presidente da Academia Brasileira de Filologia. Número: 100 Mês: novembro/dezembro Ano: 1987 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 51 Titulo: Função e significado do maravilho n’Os Lusíadas Páginas: 42 a 50 Síntese: A diferenciação entre o “maravilhoso cristão” e o “maravilhoso pagão”, com uma sucinta análise do gigante Adamastor. Palavras-chave: Épica; maravilhoso cristão; maravilhoso pagão; gigante Adamastor. Autor: Antonio José Saraiva Informações: Crítico literário e autor de uma das melhores histórias da Literatura Portuguesa, juntamente com Oscar Lopes. Número: 125/126 Mês: julho/dezembro Ano: 1992 Título: A mulher na obra canoniana. Páginas: 9 a 13 Obra(s) comentada(s): Os Lusíadas; A Divina Comédia; Auto dos Anfitriões; EI-Rei Seleuco; Auto de Filodemo. Síntese: Os dois tipos de imagens femininas presentes na obra de Camões (lírica e épica), com a citação de exemplos. Palavras-chave: Renascimento; Petrarquismo; Realismo. Autor: Olga Ovtcharenko Informações: Nasceu em Moscovo. Doutorou-se em Ciências Filológicas pela Universidade de Moscovo. Publicou traduções russas de Os Lusíadas (1988) e de Eurico, o Presbítero (1992), coordena atualmente a edição da Obra Escolhida de Pessoa. Número: 135/136 Mês: janeiro/junho Ano: 1995 Título: Cesário e Camões: uma leitura complementar de O sentimento dum ocidental. Páginas: 83 a 94 Obra(s) comentada(s): Os Lusíadas e O sentimento dum ocidental. Síntese: O articulista faz uma "leitura transversal, complementar à leitura vertical" feita por Helder Macedo do poema de Cesário Verde. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 52 Palavras-chave: Camões; Poeta-pai; Os Lusíadas. Autor do artigo: David Mourão-Ferreira Informações: A última edição (especial) de Colóquio Letras traz poesias de David Mourão-Ferreira, que foi diretor do periódico. Além de poeta, é crítico literário, nascido em 1927. Licenciou-se em Filologia Românica, é professor da Faculdade de Letras de Lisboa e Secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores, além de presidente da Associação Portuguesa de escritores e responsável pelo Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian. Número: 142 Mês: outubro/dezembro Ano: 1996 Título: A insuperável modernidade de Camões. Síntese: O autor fala da atemporalidade da obra camoniana citando e comentando um soneto cujo tema é o amor. É digna de nota a seguinte observação: "a realidade que Camões fixou neste soneto todos nós a conhecemos, todos nós temos dela experiência direta". Palavras-chave: Modernidade; Linguagem; Poesia. Autor: João Camilo dos Santos Informações: Nasceu em 1943. Licenciado em Filologia Românica, foi leitor de Português nas Universidades de Oslo e Rennes, e leciona na Universidade de Aix- en-Provence. Publicou em livro o Retrato Breve de J. B., 1975. 2.2 Comentários dos textos selecionados Os comentários das críticas catalogadas, sempre acompanhados de suas respectivas fichas catalográficas, seguem a ordem em que se manifestam na revista Colóquio Letras. Abaixo temos a divisão dos textos, segundo as seções. Ensaios/Artigos: Os tempos verbais e a estrutura de Os Lusíadas; Auto-retrato de Camões: o soneto O dia em que eu nasci; Auto-retrato de Camões: a hipertrofia do eu; Do Adamastor camoniano a Sala de Armas de Nélida Piñon; Sobre o cânone lírico de Camões; Celebrar Camões; Camões e Gongora; Sôbolos rios: uma estética arquitectônica; Jorge de Sena, camonista; Os Lusíadas e Os Maias: um binômio PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 53 português?; Uma leitura antropológica do soneto de Camões Sete anos de pastor Jacó servia; Zé Povinho e Camões: dois pólos da prototipia nacional; Adamastor: o pesadelo de um ocidental; Sobre o cânone lírico de Camões; Função e significado do maravilhoso nOs Lusíadas; A mulher na obra camoniana; Cesário e Camões: uma leitura complementar. Notas e Comentários: Jorge de Sena e os números de Os Lusíadas; Permanência de Camões; Sobre a cultura de Camões; O auto camoniano de El Rei Seleuco; Uma versão até hoje ignorada de Os Lusíadas; Camões e a épica de um povo; A insuperável modernidade de Camões. 2.2.1 Jorge de Sena e os números de Os Lusíadas Número: 5 Mês: janeiro Ano: 1972 Título: Jorge de Sena e os números de Os Lusíadas. Páginas: 58 a 63 Obra(s) comentada(s): Os Lusíadas Síntese: o autor trata do estudo matemático da estrutura de Os Lusíadas, feito pelo estudioso Jorge de Sena, que faz interpretações simbólicas dos números da obra, ligando-os a fatos históricos portugueses. Palavras-chave: Os Lusíadas; História; Jorge de Sena Autor: Maria Vitalina Leal de Matos Informações: Licenciada em Filologia Românica com uma tese sobre A Vivência do Tempo em Fernando Pessoa. Assistente da Faculdade de Letras de Lisboa, possui uma tese de doutoramento sobre a lírica de Camões. Maria Vitalina Leal de Matos começa a crítica, definindo o conteúdo do livro a ser resenhado. Observe: “O livro de Jorge de Sena A Estrutura de «Os Lusíadas» e Outros PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 54 Estudos Camonianos e de Poesia Peninsular do Século XVI1 é, como o título indica, uma colectânea de trabalhos centrados na obra de Camões e que, tendo sido quase todos publicados dispersamente, são aqui reunidos em volume. De fôlego e temática muito díspar, compreende-se que façamos incidir a nossa atenção no estudo que o próprio título destaca, «A Estrutura de Os Lusíadas».” (LEAL DE MATOS, 1972, p. 58) Credita e valoriza a colaboração de Sena aos estudos camonianos, mas repreende a obra “A estrutura de Os Lusíadas”. O fato questionado é a formação- base que fundamenta o estudo da obra em questão: a matemática que, para Jorge de Sena, é algo incompreensível aos letrados. “Essa atitude é a que ele próprio revela ao formular o voto de «que o facto de, hoje, a maior parte dos 'letrados' o serem por terem falhado em matemáticas os não impeça de compreenderem épocas e estruturas estéticas que tinham em fascínio mágico o que eles têm em supersticioso horror...» (em nota ao cap. II, p. 102). Isto é: uma atitude de sobranceiro desdém pelos que habitualmente e por profissão se ocupam de literatura, os quais acusa de falta de prepa- ração ou, antes, aptidão para trabalhar com números. De tal deficiência poderão sofrer os «letrados», mas não decerto o próprio J. de Sena. Engenheiro, comprovou cabalmente as aptidões na matéria. Esta diferente formação de base explica que tenha instituído, ao menos entre nós, os estudos numéricos da obra literária. Números em Uma Canção de Camões2, números n'Os Sonetos de Camões, números ainda n'A Estrutura de «Os Lusíadas», embora diversamente dos outros estudos: aqui os números valem sobretudo pelo seu simbolismo, que muitas vezes se encontra na filosofia -esotérica - o que, diga-se desde já, é como hipótese perfeitamente admissível. Mas não será contestável que os números ocupem no estudo da obra literária um lugar predominante e quase exclusivo?” (LEAL DE MATOS, 1972, p. 59) A principal questão é: este estudo satisfaz o objetivo de compreensão estrutural que, por ele mesmo, foi proposto? Veja como Leal de Matos responde a esta questão: “O objectivo do estudo é a estrutura de Os Lusíadas. Visa-se a «compreensão estrutural» (p. 57) da obra. Ora esta estrutura e a compreensão dela é reduzida surpreendentemente à análise dos números das estâncias dos cantos (ou dos números dos versos). Números, bem entendido, interpretados à luz da aritmosofia e relacionados com o conteúdo do poema. (...) Por outro lado, é necessário ter em conta que Sena não pretende esgotar o tema e que declara que a «estruturalidade» visada não será pretexto de «exibição de metodologias modernas», mas «revelação de preocupações antigas, inerentes à concepção estética de Camões» (p. IV). Isto é - não se trata de estudar Os Lusíadas com instrumentos 1 Portugália Editora, Lisboa, 1970. 2 Jorge de Sena, Uma Canção de Camões. Portugália Ed., Lisboa, 1966. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 55 do estruturalismo actual, trata-se sim de patentear a estrutura aritmética (ou aritmosófica) que teria servido a Camões para organizar a obra épica. Pois «aqui, o estruturalismo é dele» (p. IV). Isto justificaria então que a atenção de J. de Sena se concentrasse de preferência nos números das estâncias ou dos versos.” (LEAL DE MATOS, 1972, p. 59) A conclusão é a de que o estudo levanta e desenvolve apenas dados subsidiários, matemáticos, enquanto as análises carecem de elementos capitais. Trazemos uma passagem da crítica para ilustrar essa conclusão: “Todo o ensaio se organiza à volta de uma nova interpretação de Os Lusíadas: «um poema que visa a simbolizar objectivamente a Redenção humana (através do Heroísmo português e do Amor)» (p. 80). Eis uma afirmação típica de J. de Sena - uma intuição brilhante, renovadora da visão que se tem da obra, carregada de conseqüências. Mas, infelizmente, não mais do que apontada; carecida de desenvolvimento, insuficientemente apoiada, de modo nenhum demonstrada.” (LEAL DE MATOS, 1972, p. 60) A metodologia aplicada por Sena, muito bem explicitada por Leal de Matos, é patente. “Atentemos nessas análises, que são de dois tipos: ora se relacionam os números das estâncias (ou das suas diferenças, ou somas, ou conjuntos...) com datas e números de significado histórico, ora se relacionam estes números (e ainda os números de ordem dos cantos) com o conteúdo simbólico que lhes atribui a aritmosofia.” (LEAL DE MATOS, 1972, p. 60) A constatação sobre a arbitrariedade dos números utilizados por Sena, seguindo o raciocínio de Leal de Matos, é convincente. No entanto, ao perguntar ao leitor sobre tal aspecto, o crítico demonstra o seu ponto de vista, a intencionalidade de seu texto, o que se torna desnecessário. Comprove: “Ora, efectivamente, Sena trabalha os números que lhe são dados o mais livremente possível; pergunto-me mesmo se não é arbitrariamente que o faz. Propõe constantemente determinadas operações cuja necessidade não é patente. Porquê essas e não outras? Porque hei de somar «aos numeradores das duas fracções [...] os seus respectivos denominadores:»?” (LEAL DE MATOS, 1972, p. 60) “Evidentemente, para obter, a partir de 1039, 1139, a «data do nascimento da Monarquia Portuguesa [...] na batalha de Ourique» (p. 83). Mas essa operação é tão arbitrária como a simples soma de 100 a 1039 (que Sena também propõe). Não há nenhuma necessidade na sua efectuação. A não ser o objectivo de encontrar o número pretendido.” (LEAL DE MATOS, 1972, p. 60) PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com 56 O acometimento ao crítico Jorge de Sena parece-nos exacerbado. Há, todavia, subsídios para isso. A maneira como Leal de Matos conduz o discurso nos dá uma grande visão sobre a obra de Sena e nos faz pensar sobre essa matemática que a subsidia “literariamente”. Vejamos outro trecho, onde se evidencia tal aspecto: “Sem a explicitação da relação em cada caso, e dada uma temática tão vasta (que contém desde o mistério cristão até à história do mundo vista segundo a Bíblia e a sabedoria antiga), vale tudo, tudo cabe, desde o dia da criação do homem, 6, até à idade do mundo segundo Plutarco, 7777. Observemos agora o outro tipo de aproximações, as que são feitas entre datas históricas que Camões teria tido em conta e números do poema. Dois exemplos, entre outros: descobre Sena, com acerto, que Camões coloca o início da história de Portugal em 1073, que é exactamente metade de 2146 número de anos que na contagem tradicional dos tempos (atestada entre nós por Fernão Lopes) estaria reservada à era cristã. Verifica também que o tempo histórico narrado no poema é de 522 anos, pois conta-se de 1039 a 1561, data que nenhum acontecimento narrado ultrapassa. Como relacionar então estes números com o 1102, totalidade das estâncias do poema? Através da fabricação de um 29, idade que o Poeta teria em 1561... acrescida dos sete primeiros anos (que não contam, po