UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” CÂMPUS DE JABOTICABAL FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS ANÁLISE DAS TRANSFORMAÇÕES TÉCNICAS PRODUTIVAS DA AVICULTURA DE CORTE EM MOÇAMBIQUE: DO ESTADO ESTRUTURANTE AO LIBERALISMO ECONÔMICO Quintília da Conceição Nicolau Médica Veterinária JABOTICABAL - SP - BRASIL 2008 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” CÂMPUS DE JABOTICABAL FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS Análise das Transformações Técnicas Produtivas da Avicultura de Corte em Moçambique: Do Estado Estruturante ao Liberalismo Econômico Quintília da Conceição Nicolau Orientador: Prof. Dr. José Gilberto de Souza Co-Orientadora: Prof. Dra. Ana Claudia Giannini Borges Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias do Campus de Jaboticabal – UNESP, como parte das exigências para obtenção do título de Mestre em Zootecnia. JABOTICABAL - SP - BRASIL Julho de 2008 Nicolau, Quintilia da Conceição N639a Análise das transformações técnicas produtivas da avicultura de corte em Moçambique: do estado estruturante ao liberalismo econômico. / Quintilia da Conceição Nicolau - - Jaboticabal, 2008 xvi, 196 f.: il.; 28 cm Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, 2008 Orientador: José Gilberto de Souza Co-orientadora: Ana Claudia Giannini Borges Banca examinadora: Perla Kalil Pongeluppe, Maria Inez E. Geraldo Martins Bibliografia 1. Avicultura de Moçambique. 2. Avicultura-abertura comercial. 3. Coordenação. I. Título. II. Jaboticabal- Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. CDU 636.5:338.33(679) Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação – Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação - UNESP, Câmpus de Jaboticabal. 2 DADOS CURRICULARES DA AUTORA Quintília da Conceição Nicolau - nascida em 03 de Dezembro de 1975, na cidade da Beira, em Moçambique. Graduou-se em Medicina Veterinária na Universidade Eduardo Mondlane, em 2002, em Moçambique. Trabalha como Assistente Estagiária na Faculdade de Veterinária, Departamento de Produção Animal, da Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique. Começou os estudos de pós-graduação em 2006, ingressando no Mestrado, do Programa de Zootecnia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, Jaboticabal, Brasil. 3 “E, tudo o que pedires em oração, crendo, recebereis” Mateus21: 22 4 AGRADECIMENTOS Sou grata a Deus, minha fonte de energia, sabedoria e fé na vida. Ao CNPq, pela bolsa de estudo. À Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Câmpus de Jaboticabal, pela oportunidade concedida, para realizar o mestrado. À Faculdade de Veterinária, pela liberação para cursar o Mestrado. Ao Departamento da Produção Animal, da Faculdade de Veterinária, da UEM, pelo apoio dado para a realização da pesquisa de campo, principalmente à professora Alice Garcês. À Empresa Rachana Global Mozambique, pelo auxilio prestado para realização da pesquisa de campo, em Moçambique. Ao professor José Gilberto de Souza, pela orientação, sugestões, análise crítica, amizade e direcionamento desta tese. À professora Ana Cláudia Giannini Borges pela co-orientação, amizade e sugestões durante o trabalho. Ao professor Luís Neves e ao professor Gervásio Bechara pelo contacto para a realização da pesquisa no Brasil. À Drª. Marbelis Pradis, Dr. Jorge Batista, senhor Carlos Paris, Abílio Antunes e Moamed Gulamo, por terem sido a principal fonte de informação e de contacto para o início da pesquisa de campo. São muitas as pessoas a agradecer e, não podendo mencionar o nome de todas, sem reduzir a importância da colaboração de cada um para a realização deste trabalho, a todos eles, que estão no meu coração, agradeço. Aos amigos que fiz no Brasil, pois tiveram grande importância em diversos momentos de convivência; à Drª Mara S. Rosalino e família, Frida, Camila, Có, Chocolate, Jandira, Emanuel, Gaby, Otilia e Aida o muito obrigado por tudo. Especial agradecimento à Manoj Sompura, pelo apoio dado durante o período da pesquisa. 5 Aos meus pais, Mariana e José, que sempre incentivaram seus filhos a lutarem pelo que achavam certo e me apoiaram em todas as minhas decisões. Aos meus irmãos, Virgínia, Martinica e Yudércio, pela amizade e eterno apoio. A minha querida filha Radha Raquel que, com muito carinho e paciência, contribuiu para a concretização desse sonho; este trabalho é dedicado a ela. 6 Análise das Transformações Técnicas Produtivas da Avicultura de Corte em Moçambique: do Estado Estruturante ao Liberalismo Econômico RESUMO: Este trabalho teve como objetivo geral identificar e analisar os fatores determinantes da competitividade da cadeia de produção agroindustrial de frango de corte em Moçambique e, como objetivos específicos, analisar as transformações ocorridas na produção avícola no país, após a adoção de uma economia de mercado; Identificar e descrever a cadeia produtiva de frango de corte de Moçambique; identificar e analisar a relação de coordenação e governança entre os atuais agentes da cadeia. Para a concretização do estudo, foi realizada uma pesquisa documental e outra de campo para coleta de dados, obtidos por meio de entrevista e questionário, no período de Setembro a Dezembro de 2007. As transformações ocorridas na indústria avícola de Moçambique acumuladas nos últimos 32 anos, influenciadas pelos modelos de desenvolvimento (socialista e neoliberal) que o país adotou, conduziram uma periodização dessas alterações em 5 etapas distintas, que iniciaram com a estatização das unidades de produção, dois anos após a independência, e culminaram com a desestatização e privatização do setor, com adoção de políticas neoliberais pelo Estado; o que levou a sua retirada efetiva da gestão da produção. Essa desestatização ocorreu de forma não estruturada, conduzindo a alta segmentação do setor e, a não consolidação da cadeia produtiva avícola. Com isso, constatou-se a perda de competitividade após a liberalização de mercado, que ampliou a concorrência entre os produtos nacionais e importados no mercado nacional, gerando uma grave crise setorial. Por se tratar de uma atividade com importância socioeconômica para o país, o Estado passa a intervir, estabelecendo políticas de incentivos à indústria em coordenação com o setor privado. E, em função dessas ações que iniciaram em 2006, a pesquisa constatou que elas estão a contribuir para a reestruturação técnico-produtiva e organizacional do setor. Além de ter verificado também, que a principal estrutura de governança presente é mercado spot e não existe um segmento coordenador, dentro da cadeia produtiva avícola de corte do país. Palavras-Chave: Avicultura de Moçambique, abertura comercial, coordenação. 7 Analysis of the aviculture productive techniques transformation in Mozambique: of structuring State to liberalism in economics. Summary: This work had as general objective to identify and to analyze the decisive factors of the competitiveness of the chicken agroindustrial chain in Mozambique and, as specific objectives, to analyze the transformations happened in the poultry production in the country, after the adoption of a market economy; to Identify and to describe the productive chain of chicken in Mozambique; to identify and to analyze the coordination relationship and governance among the current agents of the chain. For the effect, a documental research was accomplished and other of field for collection data, obtained through interview and questionnaire, in the period of September to December of 2007. The transformations happened in the poultry industry of accumulated Mozambique in the last 32 years, influenced by the development models (socialist and neoliberal) that the country adopted, to carry out the different period in 5 distinctive stages; that began with the nationalization of the units of production, two years after the independence and they ended up with the withdrawal for the State and privatization of the sector, by the adoption of State neoliberals politics; heading to its effective withdraw of production management. That happened in way no structured, conduction to the sector high segmentation and the non consolidation of the poultry productive chain. Therefore, it’s been noticed a loss of competitiveness after the market liberalization, that has enlarged the competition between the national and imported products on the national market, engendering sever sectorial crisis. As it is a socio- economical important activity for the country, the State raisin to intervene, establishing politics of incentives to the industry in coordination with the private sector. And, in function of those actions that they began in 2006, the research verified that they are to contribute for the technician-productive restructuring and organizational of the sector. Besides having also verified, that the main structure of present governance is market spot and a coordinating segment doesn't exist, inside of the chain productive chicken of the country. KEY-WORDS: Mozambique´s aviculture, commercial opening, coordination. 8 SUMÁRIO Página 1 INTRODUÇÃO............................................................................................ 1.1 Apresentação do problema e hipóteses.................................................. 1.2 Objetivo.................................................................................................... 1.3 Justificativa e relevância do trabalho...................................................... 2 REVISÃO DE LITERATURA...................................................................... 2.1 REFERENCIAL TEÓRICO...................................................................... 2.1.1 Conceito de competitividade................................................................. 2.1.2 Fatores determinantes da competitividade na abordagem de Coutinho e Ferraz ......................................................................................... 2. 1.3 Competitividade e a nova economia institucional................................ 2.1.4 Sistemas de coordenação.................................................................... 2.1.5 Sistema de produção avícola............................................................... 2.2 A INDÚSTRIA AVÍCOLA......................................................................... 2.2.1 Panorama da indústria avícola mundial................................................ 2.2.2 A Indústria Avícola Brasileira................................................................ 2.2.2.1 Implantação, evolução, consolidação e desempenho da indústria avícola brasileira............................................................................................ 2.2.2.2 Políticas públicas que contribuíram para o desenvolvimento da atividade avícola............................................................................................ 2.2.2.2.1 Elevação da produção de grãos..................................................... 2.2.2.2.2 Pesquisa e desenvolvimento.......................................................... 2.2.2.2.3 Política sanitária............................................................................. 2.2.2.2.4 Investimentos e financiamentos..................................................... 2.2.2.2.5 Incentivos fiscais............................................................................. 2.2.2.2.6 Aumento do consumo interno........................................................ 2.3 ASPECTOS CONJUNTURAIS DE MOÇAMBIQUE............................... 2.3.1 Caracterização geográfica, climática e socioeconômica...................... 2.3.2 Estrutura política................................................................................... 01 01 03 04 08 08 08 10 12 14 18 20 20 24 24 34 35 36 37 39 40 41 43 43 45 9 2.3.2.1 Antecedente histórico........................................................................ 2.3.2.2 Entrada do neoliberalismo................................................................ 2.3.3 Privatizações das empresas................................................................. 3 METODOLOGIA......................................................................................... 3. 1 Marco teórico-conceitual ........................................................................ 3.2 Forma de obtenção de dados.................................................................. 3.2.1 Procedimentos adotados...................................................................... 3.2.2 Estrutura dos instrumentos................................................................... 3.3 Limitações da pesquisa........................................................................... 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................................. 4.1 A INDÚSTRIA AVÍCOLA EM MOÇAMBIQUE........................................ 4.1.1. Surgimento e estatização da indústria avícola moçambicana (1975/77)....................................................................................................... 4.1.2 Expansão e desmoronamento da indústria avícola (1978/85)............. 4.1.3 Desestatização e privatização da indústria avícola (1986/94).............. 4.1.4. Período de estagnação e de crise na indústria avícola após abertura comercial (1995-2005)................................................................................... 4. 1.5 Período de reativação e (re)estruturação da atividade (2006/07)....... 4.2 CADEIA PRODUTIVA DE FRANGO DE CORTE DE MOÇAMBIQUE.............................................................................................. 4.2.1 Configuração da cadeia produtiva........................................................ 4.2.2 Composicao e característica dos segmentos da cadeia produtiva de corte ........................................................................................................ 4.2.2.1 Etapa da produção........................................................................... 4.2.2.2 Etapa do abate.................................................................................. 4.2.2.3 Etapa da distribuição e consumo ..................................................... 4.2.3 Segmento de engorda: caracterização e estrutura produtiva............... 4.2.4 Sistema de produção avícola............................................................... 4.2.5 Características das empresas do setor avícola de Moçambique......... 4.2.5.1 Aspectos técnicos-produtivos e econômicos das empresas............. 4.2.5.1.1 Aspectos técnicos........................................................................... 45 47 48 52 52 54 54 55 55 56 56 57 61 67 71 82 84 84 87 87 89 90 91 94 100 101 101 10 4.2.5.1.2 Aspectos produtivos....................................................................... 4.2.5.1.3 Aspectos econômicos..................................................................... 4.2.5.2 Mercado dos produtos, desenvolvimento tecnológico e gestão...... 4.2.5.3 Condutas das empresas.................................................................... 5 COMPETITIVIDADE, COORDENAÇÃO E MACROAMBIENTE DA CADEIA DE PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL DE FRANGO DE CORTE... 5.1 Competitividade e Coordenação da Cadeia de Produção Agroindustrial de Frango de Corte....................................................................... ............... 5.1.1 Fornecedores de insumos e equipamentos......................................... 5.1.1.1 Material genético (produção de pintos de corte)............................... 5.1.1.2 Ração................................................................................................ 5.1.1.3 Medicamentos e produtos veterinários.............................................. 5.1.1.4 Equipamentos e embalagens............................................................ 5.1.2 Indústria de abate, distribuição e consumo.......................................... 5.1.2.1 Abate................................................................................................. 5.1.2.2 Distribuidores/atacadistas e varejista................................................ 5.1.2.3 Consumidor....................................................................................... 5.2 O Macroambiente da Cadeia de produção Agroindustrial de Frango de Corte de Moçambique................................................................................... 5.2.1 Ambiente institucional: políticas que afetam o setor............................. 5.2.1.1 Tributação.......................................................................................... 5.2.1.2 Legislação.......................................................................................... 5.2.1.3 Apoio institucional a comercialização e ao consumo........................ 5.2.1.4 Outras ações..................................................................................... 5.2.2 Ambiente financeiro.............................................................................. 5.2.3 Organizações não governamentais...................................................... 5.2.4 Associações de classe......................................................................... 5.2.5 Pesquisa e desenvolvimento................................................................ 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 7 REFERÊNCIAS ......................................................................................... 8 APÊNDICE................................................................................................. 104 106 107 109 112 112 113 113 120 128 130 131 131 134 136 138 138 139 141 144 146 148 149 151 152 155 158 175 11 LISTA DE TABELAS Página Tabela 1 Produção mundial de frango dos principais países produtores no período de 2000 a 2006............................................................................ Tabela 2 Consumo mundial de carne de frango no período 2000 a 2006............................................................................................................... Tabela 3 Exportações mundiais de frango dos principais países 2000 a 2006............................................................................................................... Tabela 4 Principais mercados importadores de carne de frango 2000 a 2006............................................................................................................... Tabela 5 Participação total na produção dos principais Estados produtores (em percentagens) de carne de frango no Brasil no período de 2000 a 2005................................................................................................... Tabela 6 Evolução média dos coeficientes de produção de frangos de corte no período de 1930 a 2005................................................................... Tabela 7 Produção de frangos e galinhas no período de 1969 a 1974............................................................................................................... Tabela 8 Capacidade instalada, por região, nos finais de 1974 no país...... Tabela 9 Produção de carne de frangos e ovos pra o consumo do setor estatal de 1976 a 1983.............................................................................. Tabela 10 Evolução da produção de ração, das principais matérias primas e das quantidades importadas (ton) de 1979 a 1985........................ Tabela 11 Capacidade instalada existente no país 1982 e em 1985, por 20 22 23 23 29 31 58 59 62 64 12 setor de produção.......................................................................................... Tabela 12 Produção, importação de ovos de incubação e pintos de dia em Moçambique no período de 1995 a 2005. ............................................. Tabela 13 Dados anuais da produção, importações de rações, concentrados, bagaço de soja e farinha de peixe de 1995 a 2005 (ton)............................................................................................................... Tabela 14 Consumo per capita de frangos e de outras em Moçambique, 1997-2005 (Kg/Hab/Ano)............................................................................... Tabela 15 Exportações brasileiras de frangos para Moçambique, de 2003/06.......................................................................................................... Tabela 16 Capacidade instalada de abate de frangos nas unidades de produção e abatedouros oficiais em Moçambique, 2007............................................................................................................... Tabela 17 Estrutura de produção de frangos de corte em Moçambique, 2007.............................................................................................................. Tabela 18 Índices zootécnicos das empresas avícolas de Moçambique em 2007......................................................................................................... Tabela 19 Porcentagem dos fatores que constituem o custo de produção do frango de cada empresa em 2007............................................................ Tabela 20 Evolução de áreas cultivadas e de produção de milho de 2002 a 2006, em Moçambique (em mil hectares e toneladas)............................... 69 75 76 77 80 90 92 105 106 121 13 LISTA DE QUADRO E GRÁFICO Página Quadro 1 Fatores determinantes da competitividade das empresas.......... Gráfico 1 Evolução da produção de carne de frangos por setor produtivo. Gráfico 2 Evolução do preço do milho por mercados regionais e por localização da atividade avícola em Moçambique, em 2006......................... 10 70 125 14 LISTA DE FIGURAS Página Figura 1 Mapa regional do Brasil................................................................. Figura 2 Produção média de milho por estados no Brasil, em 2004 - 2006 Figura3 Mapa de Moçambique................................................................... Figura 4 Configuração da cadeia produtiva avícola de Corte de Moçambique.................................................................................................. Figura 5 Mapa das áreas produtivas e rotas de comercialização do milho em Moçambique............................................................................................ 28 36 44 86 123 15 1. INTRODUÇÃO 1.1 Apresentação do problema e pressupostos Em termos mundiais, a avicultura de corte tem importância significativa na produção de proteína animal. Segundo dados da FAO (2007a), a carne de frango é responsável por mais de 30% do total de proteína animal consumida no mundo. Trata-se, também, do segmento que nas últimas décadas apresentou maiores transformações no setor técnico-produtivo. O melhoramento genético das raças e a introdução de técnicas melhoradas de manejo, nutrição e sanidade ao nível da produção possibilitaram a transformação da avicultura industrial mundial numa atividade econômica com altos índices de produtividade. Para COELHO & BORGES (1999), a evolução tecnológica da avicultura, em termos históricos, foi de natureza genética nas décadas de 50/60 (cruzamento e surgimento de espécies de aves híbridas); entre as décadas de 60 a 70 foi de ordem sanitária (desenvolvimento de vacinas e técnicas de higienização e profilaxia); na década de 70, ainda, houve a introdução de programação linear que permitiu avanços tecnológicos na área de nutrição animal; na década de 80, os avanços ocorreram nas técnicas de manejo avícola, via instalação de equipamentos; na década de 90, as transformações foram de natureza ambiental (bem estar animal); e a partir de 2000, as transformações ocorreram na área de gestão, especificamente, em marketing (envolvendo aspectos de diferenciação e qualidade do produto). Além dos fatores de ordem técnica e produtiva, aspectos de coordenação e governança dos diferentes elos da cadeia agroindustrial avícola têm conferido condições de qualidade ao processo de produção, redução dos custos, aumento da produtividade e competitividade do produto final no mercado, nos diferentes países produtores (FERNANDES FILHO & QUEIROZ, 2001). Diante deste processo de desenvolvimento técnico e de produção, atualmente, coloca-se a avicultura como uma das alternativas mais rápidas e de menor custo na produção de proteína animal, permitindo fazer frente às demandas alimentares e nutricionais de diversos países. 16 No caso de Moçambique, esta atividade produtiva é vital por ser uma das principais fontes de proteína animal para o consumo à disposição das populações. No entanto, esta atividade sofre vários constrangimentos desde fatores técnicos e produtivos até fatores conjunturais, como sócio-econômicos e políticos que o país vem atravessando e que têm influenciado a prática e o desenvolvimento da avicultura. Os modelos de desenvolvimento (socialista e neoliberal) que o país adotou desde a sua independência, em 1975 até os dias atuais, também têm afetado a atividade avícola moçambicana. Com a transição da economia centralmente planificada para uma economia aberta, de mercado, na década de 80 e a sua consolidação nos anos 90, o Estado retira-se da gestão das empresas e inicia as privatizações que também atingiram o setor avícola. Isso causou profundas alterações: técnicas, produtivas, comerciais e gerenciais, que passaram a ser implementadas no setor, caracterizando um novo arranjo em substituição ao modelo estatal. Com a abertura comercial configurou-se um novo ambiente competitivo, que apresentou profundas e sucessivas transformações em sua dinâmica e estrutura, e expôs as empresas à pressão de novas forças competitivas. E, como condição essencial para garantir a sua manutenção, sobrevivência e desenvolvimento, as empresas se vêem na obrigação de se adequar continuamente frente às mudanças que lhes são apresentadas. Isso pode ser verificado pela atual situação dos produtos da indústria avícola moçambicana que, gradualmente, tem perdido participação no mercado nacional (market share) para os produtos importados. Diante do exposto, algumas questões são levantadas como elementos centrais da pesquisa, que são as seguintes: a) Como se deu o processo de desestatização da indústria avícola Moçambicana? Quais foram as transformações estruturais (técnico-produtivas, comerciais e gerenciais) que a atividade enfrentou com a privatização? b) Qual é a característica atual da cadeia produtiva avícola de corte de Moçambique? Qual é a estrutura de governança que prevalece? 17 c) Quais são os fatores do macroambiente (organizacional, institucional e tecnológico) que contribuem para a competitividade da cadeia produtiva avícola de corte? Quais são os gargalos? d) O macroambiente institucional contribui para a prática da atividade avícola? Quais são os fatores que podem ser desenvolvidos ou modificados de forma a alavancar ou desenvolver a atividade no país? Desta forma, dois pressupostos centralizam as questões pontuadas acima: 1. A desestatização e a abertura econômica contribuíram para o enfraquecimento da cadeia produtiva de avicultura de corte em Moçambique, em decorrência da ausência de uma estratégia público-privada para o setor, considerando as estruturas e as estratégias dos principais países produtores e exportadores, tendo como exemplo o desenvolvimento da avicultura brasileira; 2. A não consolidação de um sistema de coordenação e de estruturas de governanças na cadeia produtiva e a falta de macroambiente competitivo contribuíram para a redução da competitividade do setor, o que compromete o desenvolvimento da atividade no país, bem como a elaboração de mecanismos institucionais para sua reestruturação. 1.2 Objetivo Como forma de responder a todas essas questões, a pesquisa teve como objetivo geral identificar e analisar os atuais fatores determinantes da competitividade da cadeia de produção agroindustrial de frango de corte, em Moçambique. E como objetivos específicos: • Analisar as transformações ocorridas na produção avícola em Moçambique após a adoção de uma economia de mercado; • Identificar e descrever a cadeia de produção agroindustrial do frango de corte de Moçambique; • Identificar e analisar a relação de coordenação e governança entre os atuais agentes da cadeia agroindustrial de avicultura de corte, em Moçambique, 18 tendo como referência a cadeia de produção agroindustrial do frango de corte do Brasil. 1.3 Justificativa e relevância do trabalho Moçambique é um país essencialmente agrícola e a prática da atividade pecuária, pelas populações, é considerada uma atividade complementar, embora em regiões onde a prática da agricultura seja menos segura ela passa a ser uma atividade de sobrevivência. Das atividades pecuárias desenvolvidas no país, a avicultura é a mais praticada e a que proporciona maior contribuição para o sustento de muitas famílias com baixa renda. Devido as suas características produtivas e alto valor nutritivo dos seus produtos, a atividade desempenha um papel importante na segurança alimentar, pois cobre com eficiência e rapidez o déficit protéico na dieta de muitas famílias moçambicanas. A avicultura também é um dos segmentos da agropecuária que mais contribui na geração de emprego1, em virtude do seu curto ciclo de produção. Desta forma, para um país com alto índice de desemprego e reduzido nível de atividade econômica, o desenvolvimento desta atividade passa ser relevante. Neste contexto, este trabalho é justificado por vários fatores, mas principalmente pela importância econômica e nutricional que a atividade avícola desempenha em Moçambique, como também, pelo fato do estudo da cadeia produtiva de avicultura de corte do país ser analisada, tendo como referência uma das cadeias de maior expressividade na produção e na comercialização mundial de aves: a cadeia agroindustrial de avicultura de corte do Brasil. Isto acontece quando se verifica que a indústria avícola brasileira nos últimos 30 anos cresceu a taxas surpreendentes, tornando-se um dos maiores e 1 No meio rural, em Moçambique, a galinha é relevante, pois facilmente é aceita como “moeda de troca” ou pode ser convertida em dinheiro para cobrir as necessidades das famílias, tanto na compra de bens alimentares e vestuários quanto para cobrir as despesas de educação e saúde. E por ser uma atividade praticada, na sua maioria, por mulheres, contribui para uma maior emancipação da mulher frente ao homem, pois a galinha, muitas vezes, é a única fonte de geração de renda diretamente controlada pela mulher (BATA, et al., 2000; BAGNOL, 2001). 19 mais competitivos setores do agronegócio nacional e mundial. Nesse período, a produção brasileira aumentou quase 11 vezes, as quantidades exportadas se multiplicaram por mais de 25 vezes e os alojamentos de matrizes e pintos cresceram 250% e 300%, respectivamente (RÉGIS et al. 2002) A cadeia produtiva de frango de corte brasileiro também tem se destacado das demais pelo alto nível de organização e coordenação. Isso acontece porque os agentes econômicos do sistema realizam as suas transações, preferencialmente, via relações contratuais e, em menor escala, via mercado aberto. E o mecanismo de coordenação da atividade é obtido por meio da integração vertical e horizontal, em que as agroindústrias (o elo da cadeia que lidera) organizam e promovem as transações desde as fases de produção dos insumos até a distribuição de produtos finais nos mercados consumidores (CANEVER et al. 1998; SOUZA, 2004). Esta estratégia competitiva permitiu ao Brasil tornar-se um país competitivo em termos de custos de produção de frango e essa vantagem competitiva colocou o país como o mais eficiente produtor do mundo, segundo o IFC (International Finance Corporation). E essa eficiência fez do país o segundo maior produtor mundial de frangos e maior exportador, superando os Estados Unidos a partir de 2004 (SOUZA, 2004; MENDES et al. 2004; FRANÇA, 2000). No entanto, todo esse ganho de competitividade e consolidação da cadeia agroindustrial no seu sistema de produção não está somente relacionado às estratégias competitivas adotadas pelas organizações, como também, é resultado de políticas públicas setoriais desenvolvidas pelo Estado. Estas políticas foram atreladas aos principais insumos (milho e soja); fomento a pesquisa que conduziu a introdução de inovações tecnológicas; e pelas políticas agrícolas de crédito e comercialização. Além da existência de um significativo mercado nacional em consumo per capita e demanda doméstica do produto (AZEVEDO et al. 2002; MENDES et al. 2004). Segundo COUTINHO & FERRAZ (1994), a competitividade deve ser conquistada em primeiro lugar ao nível interno da empresa; o desempenho empresarial depende e é influenciado por ações dos governos, pelo 20 comportamento da sociedade e pela existência de recursos (naturais e/ou construídos), os chamados fatores sistêmicos. Sendo este fato relevante para o trabalho, quando se considera que uma das hipóteses é baseada na observação da falta de um macroambiente competitivo para o desenvolvimento da atividade em Moçambique. Para FARINA (1999) e PIGATTO (2001), uma variedade de políticas governamentais, por exemplo, pode afetar a competitividade de uma indústria nos mercados interno e externo, e estes fatores têm impacto direto no custo e na estrutura da demanda das firmas, assim como a competitividade dos agentes depende de um adequado fornecimento de bens e serviços (por exemplo, infra- estrutura de transporte) fornecidos, na sua maioria, pelo Estado. Também o ambiente institucional influencia na capacidade de coordenação dos agentes e na sua estrutura de governança, além do Estado também poder desempenhar papel de coordenação (FARINA, 1999). A realização do trabalho justifica-se igualmente pela importância acadêmica de seus objetivos, pois, ao sistematizar e analisar toda a informação sobre o processo de desestatização na cadeia avícola em Moçambique, o trabalho pode tornar-se fonte de consultas e referência para novos estudos, promovendo melhor entendimento da trajetória da cadeia agroindustrial de avicultura de corte, contribuindo assim, para a elaboração de estratégias de desenvolvimento setorial no país. Sua relevância está nos aspectos a serem abordados que serão, no contexto dos novos padrões de concorrência mundial, e os resultados ficarão à disposição da indústria que passará a ter visão do cenário em que está inserida; e observará o impacto de suas ações junto ao extremo de suas cadeias produtivas, o que propiciará condições para que estas possam adequar-se ou interferir, partindo das constatações e propostas que o estudo virá apresentar. Com base nestes elementos, o trabalho se estrutura em sete capítulos, considerando este introdutório, no qual consta a apresentação do problema, os objetivos, a justificativa e a relevância do tema. No capítulo 2, de Revisão da Literatura, apresenta-se o referencial teórico do estudo e descreve-se a 21 panorâmica da indústria avícola mundial e, em específico, a brasileira. Também consta no capítulo a descrição da conjuntura política, econômica e social de Moçambique. Os procedimentos metodológicos adotados nas pesquisas são descritos no capítulo 3. O capítulo 4 constata os Resultados e Discussão dos dados da pesquisa e se encontra dividida em duas partes: Na primeira, constam os dados da pesquisa documental sobre o processo de desestatização e os efeitos da abertura comercial na avicultura de Moçambique; na segunda encontram-se os resultados e discussão dos dados da pesquisa de campo sobre as atuais características técnico-produtivas e organizacionais da cadeia produtiva avícola do país. No capítulo 5, estão descritos e analisados os fatores determinantes da competitividade e a estrutura de governança presentes na cadeia produtiva avícola de corte. Além de constar no capítulo à análise do macroambiente em que ela está inserida. As Considerações Finais do trabalho são apresentadas no capitulo 6. 22 2. REVISÃO DA LITERATURA Este capítulo encontra-se dividido em três seções. Na primeira, foi descrito o referencial teórico que será usado como base para a análise dos resultados. Na segunda, foi descrita a avicultura mundial, cujo objetivo foi demonstrar as tendências de evolução da atividade no mundo; e, em específico a avicultura brasileira, que será usada como referencial técnico-produtivo e de competitividade para a avicultura moçambicana, como anteriormente justificada. Na terceira e última seção, são apresentados os aspectos conjunturais de Moçambique, com a finalidade de apresentar a dinâmica dos acontecimentos socioeconômicos e políticos nas três últimas décadas e que, portanto, tem influenciado o contexto técnico-produtivo e organizacional da indústria avícola do país. 2.1 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1.1 Conceito de Competitividade Nas últimas duas décadas, com a intensificação do comércio internacional, o conceito de competitividade tem ganhado destaque e levantado grandes discussões nos meios acadêmicos, empresariais e políticos. Embora não seja novo, o conceito de competitividade até hoje não tem definição única, precisa de consenso geral na literatura econômica. A multiplicidade e a diversidade de variáveis que influenciam a competitividade levam esse conceito a várias definições associadas aos diferentes indicadores2 (PINHEIRO et al. 1992; FARINA, 1999). Ao fazer um estudo sobre competitividade é necessário fazer distinção do nível ou do ambiente a ser estudado, para poder definir qual é o conceito adequado para os objetivos do estudo. 2 O conceito de competitividade é analisado, tendo como bases várias óticas, como por exemplo: os fatores de produção (terra, mão-de-obra e capital), proposto por Heckster e Ohlin (MARIOTTO, 1991); o aumento da produtividade via incorporação do progresso técnico, indicado por FAJNZYLBER (1988) e PORTER (1990); a questão do bem-estar dos cidadãos como incentivo para o aumento da competitividade das nações, segundo Landau (1992) apud JANK (1996), entre outros (PIGATO, 2001). 23 Os níveis ou ambientes de análise da competitividade estão divididos em quatro categorias: nação ou país, ramo ou setor, empresa ou firma e produto. Na literatura econômica o termo competitividade normalmente é tratado do ponto de vista da economia da nação, como um todo, e de setores específicos. Para PIGATTO (2001), os ambientes (nação, setor, firma) estão fortemente inter- relacionados. Portanto, a competitividade da nação influencia os setores, podendo acentuar a competitividade de determinadas firmas. A competitividade dos setores pode contribuir de base para a análise da competitividade da nação, pois essa resulta da soma das competitividades das firmas. FARINA (1999) considera que o estudo da competitividade é mais aplicado às empresas do que à nação, pois são as empresas e não as nações que competem nos mercados e nenhuma nação pode ser competitiva em todos os mercados ou indústrias, o tempo todo. Em relação o tratamento conceitual3, FERRAZ et al. (1996), identificaram duas vertentes diferentes de entendimento do conceito de competitividade, na primeira, está relacionada ao “desempenho” de uma empresa ou produto, trata-se da competitividade revelada, na qual a participação de um produto ou empresa em um determinado mercado (market share) torna-se o principal indicador da competitividade de uma indústria (ou de uma nação), num determinado mercado e num determinado período de tempo; na segunda vertente, a competitividade está relacionada à “eficiência”. Nesta visão, tenta-se medir o potencial da competitividade de um setor ou firma, pois a competitividade é determinada pelo produtor ao escolher as estratégias a serem adotadas face as suas restrições tecnológicas, organizacionais, gerenciais, financeiras e comerciais impostas a ele, bem como as condições gerais em que se realiza essa produção vis a vis à concorrência (SILVA & BATALHA, 2000; PIGATTO, 2001). 3 Para VAN DUREN et al. (1991), a competitividade pode ser alcançada pela habilidade do agente obter continuamente lucro (rentabilidade de uma dada cadeia ou de uma firma) e de manter seu market share nos mercados nacionais e internacionais. Já nos seus estudos de HARRISON & KENNEDY (1997), o conceito para competitividade é a habilidade para criar e agregar valor a preços iguais ou menores, que outros vendedores, em um mercado específico. 24 COUTINHO & FERRAZ (1994) consideraram os enfoques no desempenho e na eficiência como abordagens estáticas e, dando uma visão dinâmica, definiram a competitividade como: “a capacidade da empresa formular e implementar estratégias concorrências que lhe permitam ampliar ou conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado”. A competitividade também pode ser observada por meio da produtividade das empresas que é fortemente influenciada pelas ações dos governos, pelo comportamento da sociedade e pela existência de recursos (naturais e/ou construídos), sendo aferida por indicadores internos e externos (COUTINHO & FERRAZ, 1994). O estudo adotou o conceito de competitividade proposto por COUTINHO & FERRAZ (1994), devido a sua abrangência, que permitirá alcançar os objetivos propostos pelo trabalho. 2.1.2 Fatores determinantes da competitividade na abordagem de Coutinho e Ferraz O desempenho competitivo de uma empresa, indústria ou nação é condicionado por um conjunto de fatores determinantes que estão subdivididos em: internos à empresa, estruturais, pertinentes aos setores e complexos industriais, e de natureza sistêmica, conforme mostra o Quadro 1 (COUTINHO & FERRAZ, 1994). Quadro 1. Fatores determinantes da competitividade das empresas Fatores Internos à Empresa Fatores Estruturais (setoriais) Fatores Sistêmicos Estratégia de gestão; Capacidade para inovação; Capacitação produtiva; Recursos humanos. Relação dos setores com o mercado; Configuração da indústria; Concorrência. Macroeconômicos; Internacionais; Sociais; Tecnológico; Infra-estruturais; Fiscais e financeiros; Político-institucionais. Fonte: COUTINHO & FERRAZ (1994). 25 Fatores Internos à empresa, de acordo com COUTINHO & FERRAZ (1994), são aqueles em que a empresa possui poder de decisão e poder para controlar ou modificá-los para poder se destacar e se diferenciar de seus competidores. Os fatores são: os estoques de recursos acumulados pela empresa, as vantagens competitivas e a sua capacidade de ampliá-los; a capacitação tecnológica e produtiva (em processo, produto, gestão); a qualidade e produtividade dos recursos humanos; o conhecimento do mercado e a capacidade de se adequar aos requisitos e as mudanças destes; a qualidade e a abrangência dos serviços pós-venda; a freqüência das relações e a proximidade com clientes e os fornecedores. Os Fatores Estruturais ou setoriais, segundo COUTINHO & FERRAZ (1994), são os determinantes que estão parcialmente sob área de influência da empresa e por eles, também, as empresas são influenciadas. É o ambiente no qual a empresa está inserida e lida diariamente. Fazem parte deste grupo as características dos mercados consumidores, a configuração do setor em que a empresa atua e o próprio nível de concorrência. COUTINHO & FERRAZ (1994), ao caracterizarem o mercado consumidor, consideraram os seguintes fatores: a distribuição geográfica e a faixa de renda; o grau de sofisticação e outros requisitos impostos aos produtos; a possibilidade de acesso e a ampliação desse mercado e as formas de comercialização. A configuração do setor em que a empresa atua pode ser observada em termos de grau de concentração, escalas de operação, atributos dos insumos, potencialidade de alianças com fornecedores, usuários e concorrentes, grau de verticalização e diversificação setorial e rítmo, origem e direção do progresso técnico. Por fim, pode-se avaliar a concorrência no que tange os seus aspectos estruturais, conforme as regras que definem condutas e estruturas empresariais em suas relações com os consumidores, o meio ambiente e os competidores. Também se considera o sistema legal, fiscal e tributário que incidem sobre as operações industriais, práticas de importação e exportação e a propriedade dos meios de produção. 26 Os Fatores Sistêmicos podem ser classificados de várias formas, segundo COUTINHO & FERRAZ (1994), e são os que constituem as externalidades, no “stricto sensu”, para a empresa, mas afetam as características do ambiente competitivo e as vantagens competitivas das empresas frente aos rivais no mercado externo. Estes podem ser de várias naturezas: macroeconômicos (taxa de câmbio, carga tributária, oferta de crédito, taxas de juros e outros parâmetros); os político-institucionais (política tributária e tarifária, as regras que definem o uso do poder de compra do Estado e os esquemas de apoio ao risco); os legais- regulatórios (políticas de proteção à propriedade industrial, de preservação ambiental, de defesa da concorrência e proteção ao consumidor; de regulação do capital estrangeiro); a infra-estrutura física, como a disponibilidade, a qualidade e os custos de transportes, energia, telecomunicações e serviços tecnológicos; os sociais, como a qualificação da mão-de-obra, a política da educação e formação dos recursos humanos, entre outros. De modo geral, os fatores empresariais e sistêmicos têm incidência mais horizontal, isto é, apresentam caráter mais genérico em termos das formas e intensidades com que influenciam a competitividade nos diversos setores industriais. Em contrapartida, os fatores estruturais apresentam um caráter ao setor-específico, que reflete mais diretamente as peculiaridades dos padrões de concorrência presentes em cada ramo produtivo ou em grupos de setores similares (FERRAZ et al. 1996). 2. 1.3. Competitividade e a nova economia institucional Os condicionantes sistêmicos da competitividade refletem o reconhecimento da importância de se constituir e preservar um ambiente econômico competitivo, que favoreça o exercício contínuo de pressões competitivas sobre as empresas, quaisquer que sejam as estruturas de mercado vigentes, segundo PIGATTO (2001). O ambiente econômico em que uma empresa atua e, conseqüentemente, a sua competitividade, podem ser influenciados pelo governo. Há uma variedade de políticas governamentais que podem afetar a competitividade de uma indústria nos 27 mercados (interno e externo), e estes fatores têm impacto direto no custo e nas estruturas de demanda das firmas. As condições gerais e as normas que afetam a condução de negócios e o ambiente institucional em que está inserida a cadeia produtiva podem, contribuir positiva ou negativamente para a eficiência e a competitividade. Isso ocorre porque os [...] fluxos de produto no sentido de produção-distribuição, e de informações e recursos monetários, no sentido oposto, ocorrem sob um complexo aparato de normas, regulamentos, mecanismos e políticas públicas, cujas características afetam diretamente a performance global (SOUZAFILHO, 2000, p. 107). Esse aparato de normas e regras forma o que a economia convencionou chamar de ambiente institucional. O ambiente institucional, do qual faz parte a constituição, as legislações e as políticas públicas, afeta positiva ou negativamente as organizações (empresas) nos negócios e, frequentemente, induz os principais agentes econômicos a determinadas ações, facilitando as trocas políticas ou econômicas (AZEVEDO, 2000; PIGATTO, 2001). Isto porque as empresas são criadas e se desenvolvem sob influência da estrutura das instituições. Para KUPFER (1991), essas instituições têm a finalidade de estabelecer e/ou estabilizar comportamentos internos ou externos à firma, e de organizar as interações e a coordenação entre os diversos agentes econômicos. Ao exercer o papel de coordenação, as instituições podem, deliberadamente ou não, afetar as estratégias competitivas dos agentes econômicos existentes no mercado. Este aspecto é evidente nas cadeias agroindustriais quando se observa as constantes intervenções do governo na concessão e corte de incentivos à exportação, no estabelecimento e políticas de preços mínimos para determinados produtos, entre outras. Além disso, as limitações impostas pelo contexto institucional definem o 28 conjunto de oportunidades e, portanto, o tipo de organizações a serem criadas (JANK, 1996; PIGATTO, 2001). 2.1.4 Sistemas de Coordenação Para realizar a análise da competitividade, além de verificar as determinantes que definem os ambientes (organizacional, institucional, tecnológico e competitivo) e as estratégias implementadas pela empresa, deve-se verificar também, a estrutura de governança apresentada no setor (PEDROZO et al. 2005). A capacidade de coordenação e as estruturas de governança4 adotadas são determinantes no sucesso das estratégias das firmas, isto por que: em um ambiente de constantes mudanças, a capacidade de transformar as ameaças externas em oportunidades lucrativas depende da existência e eficiência de um sistema de coordenação que transmita as informações, os estímulos e os controles ao longo da cadeia produtiva, para manter ou ampliar a competitividade, que somente será alcançada com a adoção de estratégias adequadas ao contexto apresentado e identificado (FARINA, 1997). Os sistemas de coordenação podem ser identificados como o conjunto de estruturas de governança que interligam os segmentos de uma cadeia produtiva. Os determinantes de um sistema eficiente de coordenação estão associados às características das transações estabelecidas entres os segmentos (FARINA, 1997). As estruturas de governança são tratadas pela Economia de Custos de Transação (ECT), que explica os objetivos das firmas, as razões de existência e as tomadas de decisões. A origem da ECT está em Coase (1937), no seu artigo “The Nature of the Firm”, no qual o autor demonstra que existem custos nas relações entre os agentes econômicos: custos diferentes dos custos de produção. Os custos de transação foram definidos por WILLIAMSON (1989), como os custos “ex-ante” de preparar, negociar e salvaguardar um acordo, bem como os 4 Estruturas de governança é o conjunto de regras (instituições), tais como contratos entre particulares ou normas internas às organizações, que governam uma determinada transação (FARINA, 1997). 29 custos “ex-post” dos ajustamentos e adaptações, quando a execução de um contrato é afetada por falhas, erros, omissões e alterações inesperadas. Os custos de transação aparecem tanto na utilização do sistema de preços como em transações regidas por contratos internos à firma, o que significa que todos os tipos de contratos (externos ou internos à firma) são importantes para o funcionamento da economia e tem como pressupostos a racionalidade limitada e o oportunismo. A Racionalidade limitada é uma característica do agente econômico que busca um comportamento otimizador e racional, mas que não consegue satisfazer esse desejo, devido a sua limitação na capacidade cognitiva de receber, armazenar, recuperar e processar as informações do ambiente, o que faz com que não seja totalmente racional em suas decisões. Já o oportunismo é resultado da ação dos indivíduos na busca de seu próprio interesse, mas com uma conotação não cooperativa. Isto pode ocorrer, por exemplo, quando um agente tem uma informação sobre a realidade, mas não disponível ao outro agente, e ela é utilizada de forma a permitir que o primeiro desfrute de algum benefício do tipo monopolístico (VIEIRA JUNIOR et al. 2006). Os contratos têm seu papel central na ECT segundo ZYLBERSTAJN (1995), apresentam custos associados ao seu desenho, implementação, monitoramento e, especialmente, custos associados à solução das disputas provenientes do descumprimento das relações contratuais estabelecidas. Eles podem ser classificados em clássicos, neoclássicos e relacionais. Nos contratos clássicos, as transações são isoladas, sem efeito temporal, descontínuas e contemporâneas, com regras claras e ajustes sempre via mercado. Contratos neoclássicos caracterizam-se pela manutenção da relação contratual, ou seja, a manutenção do contrato original como referência para negociação. Já os Contratos relacionais caracterizam-se pela sua flexibilidade e possibilidade de renegociação, sendo que o contrato original deixa de servir de base para a negociação (ZYLBERSZTAJN, 1995). 30 As transações, de acordo com WILLIAMSON (1989), caracterizam-se por três variáveis que determinam as melhores formas de relacionamento em um sistema: especificidade do ativo, incerteza e freqüência das transações. A Especificidade de ativos (variável chave) são aqueles que não podem ser reutilizados ou reempregados sem que haja perdas de valor, caso os contratos venham a ser interrompidos ou encerrados precocemente. Essa característica torna-se fundamental na análise das transações, porque é uma das fontes de quase-rendas5 que podem ser criadas nas transações que envolvem esse tipo de ativo. Para AZEVEDO (2000), a especificidade é a característica de um ativo que expressa a magnitude de seu valor que é dependente da continuidade da transação à qual ele é específico. E quanto maior a especificidade, maiores serão os riscos e problemas de adaptação e, portanto, maiores os custos de transação. A incerteza ou risco é a característica da transação com efeitos menos conhecidos nos custos de transação. Definida como uma condição em que os agentes não conhecem os resultados futuros de determinada transação. Aparentemente, quanto maior a incerteza, maiores os custos de transação em razão de uma maior necessidade de salvaguardas nos contratos, que reduzem os retornos por causa dos custos diretos ou da realização de investimentos inferiores aos necessários para uma escala de produção ótima. A freqüência das transações afeta os custos de negociação, elaboração e monitoramento dos contratos, assim como o comportamento dos agentes quanto ao oportunismo e à construção de reputação. À medida que a freqüência aumenta, principalmente entre os mesmos agentes, caem os custos relativos aos contratos. Por outro lado, o aumento da freqüência aumenta os incentivos para a construção de reputação positiva pelos agentes, pelo reforço à redução já mencionada nos custos relativos aos contratos. A utilização da economia dos custos de transação como base analítica para o estudo de formas organizacionais da produção busca relacionar os atributos 5 Termo criado por Alfred Marshall, representando a diferença entre o retorno de um ativo em seu principal emprego e aquele que seria obtido em sua segunda melhor alternativa de uso (custo de oportunidade) (FARINA, 1997). 31 típicos das transações com as formas de organização mais eficientes em termos de economia nos custos de transação e produção (ZYLBERSTAJN, 1995). Para WILLIAMSON (1989), a economia dos custos de transação caracteriza-se por três formas de estrutura de governança: mercados, estruturas hierárquicas e híbridas. A forma de organização via mercado é considerada a principal estrutura de governança, dá-se basicamente através de sistemas de preço e está associada a contratos tipo clássicos. Segundo FARINA (1997), o mercado spot é a forma mais eficiente de coordenação, no qual as transações são baseadas numa lógica individual e não cooperativa. A estrutura hierárquica acontece quando a empresa decide internalizar o segmento que vem imediatamente a jusante e a montante de sua atividade principal, estabelecendo assim a propriedade total dos ativos envolvidos. Neste tipo de organização os ativos são altamente específicos, a coordenação é mais cooperativa e contempla um processo de negociação mais efetivo. Também o processo possibilita a redução do grau de oportunismo entre os agentes por meio dos mecanismos de controle e de incentivos (RICHETTI & SANTOS, 2000; WILLIAMSON, 1989). A forma hierárquica de organização é freqüentemente denominada por integração vertical e é definida como o controle hierárquico gerencial de sucessivos estágios de produção, tecnologicamente separáveis entre si (RICHETTI & SANTOS, 2000). Assim, os arranjos de adaptação à estrutura hierárquica em um contexto de transações específicas proporcionam maiores ganhos econômicos do que a estrutura de mercado, mesmo considerando os custos burocráticos internos da firma. As estruturas híbridas são as estruturas intermediárias entre a estrutura de governança dos mercados e as hierárquicas, formadas por intermédio da combinação de elementos desses dois extremos com as características dos mercados cooperativos ou mercados de redes (BRITTO, 1999). Esta forma envolve contratos complexos e arranjos de propriedade parcial de ativos que, por sua vez, criam uma dependência bilateral entre as partes: contratos de longo 32 prazo, co-produção, comércio recíproco, contratos de distribuição, alianças estratégicas, joint-ventures, franquias, entre outros (JANK, 1996). Formas organizacionais desse tipo estão associadas às relações contratuais neoclássicas, sendo denominadas por Monteverde & Teece (1982), apud por RICHETTI & SANTOS (2000), de intermediárias de quase integração e caracterizadas como a propriedade de uma firma sobre equipamentos ou insumos específicos operados por outra firma de segmento correlato. Eficientes estruturas de governança dependem das características das transações e estas, de tecnologia das instituições e estratégias empresariais, formando padrões de coordenação, associados aos diferentes grupos estratégicos (FARINA, 1997). 2.1.5 Sistemas de produção avícola Os sistemas de produção que podem ser empregues na produção avícola estão relacionados com um ou mais setores da cadeia produtiva da indústria avícola dentro das condições de mercado em que elas se inserem. E os ambientes de coordenação podem ser estruturados como independentes, cooperativos e integrados (MENDES & MOREIRA, 2003; MENDES & SALDANHA, 2004). No sistema de produção independente, o produtor assume responsabilidade individual na produção e comercialização dos seus produtos. Já o sistema de produção por integração ou parceria normalmente é representado, na sua maioria, por agroindústrias e é caracterizado por deter todo o processo produtivo, desde a produção de ovo fértil até ao abate. A integração é o acordo que se estabelece entre a empresa integradora e o produtor (integrado). A empresa se compromete a fornecer pintos, ração, medicamentos e outros insumos, assistência técnica, transporte (ração e frangos), para além do abate e comercialização do produto final. Ao integrado cabe providenciar as instalações e a mão-de-obra. Este sistema tem como objetivo proporcionar rendimentos de escala e melhorar o padrão de qualidade em todos os segmentos da cadeia; garantir ao criador rendimentos fixos em cada ciclo 33 produtivo, ficando livre das oscilações do mercado; e por último, permitir a produção em escala a fim de que a empresa possa produzir com competitividade, qualidade e volume de produção de forma a agregar valor ao produto final e ter condições de competir no mercado internacional (MENDES & SALDANHA, 2004; FRANÇA, 2005). Esse tipo de parceria é acoplado a um rígido sistema contratual entre as partes interessadas. Nos contratos constam os direitos e deveres recíprocos entre os parceiros, cuja finalidade é assegurar o fornecimento de frango com as especificações requeridas para o abate, tendo por cláusula um preço combinado e garantia de renda ao produtor (FRANÇA & FERNANDES FILHO, 2003). Quanto ao sistema de produção cooperado, ele é constituído por cooperativas que trabalham no sistema integrado em que a cooperativa é a empresa integradora e o cooperado é o integrado. O esquema de benefício é idêntico ao do sistema de criação integrada. É importante mencionar que nos sistemas integrados, a independência econômica entre os intervenientes (empresa e o produtor) é mantida e o sistema é chamado vertical ou verticalizado, porque todos os processos ou operações de produção têm uma única coordenação administrativa (MENDES & SALDANHA, 2004; FRANÇA, 2005). 34 2.2 A INDÚSTRIA AVÍCOLA 2.2.1 Panorama da Indústria Avícola Mundial Segundo dados da FAO (2007a), o segmento de carne de frangos é composto por 159 países produtores, dos quais 128 são exportadores e 162 países são importadores. Estados Unidos, China, BrasiL, União Européia e México constituem os principais produtores de carne de frango. Entre os maiores produtores do mundo lideram os Estados Unidos que tiveram um crescimento acumulado de 16,5% entre os anos de 2000 e 2006, China com crescimento porcentual 15,2% e o terceiro maior produtor, o Brasil, é o país de maior crescimento, com 46,4%. A produção avícola em geral cresceu em 18,4%, com taxa média de 3% anual durante o período, como se observa na Tabela 1. Com uma produção estável, os Estados Unidos mantêm-se na liderança como o maior produtor, com uma participação média de 15% na produção mundial. Tabela 1. Produção mundial de frango dos principais países produtores no período de 2000- 2006 (em mil toneladas) Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 EUA 13.703 14.033 14.467 14.696 15.286 15.869 16.162 China 9.269 9.278 9.558 9.898 9.700 12.200 10.350 Brasil 5.977 6.736 7.517 7.843 8.494 9.200 9.336 E.U 7.606 7.883 7.788 7.512 7.627 7.736 7.425 México 1.936 2.067 2.157 2.290 2.389 2.498 2. 610 Demais 50.097 52.303 54.155 54.282 55.952 59.092 60. 090 Total 88.588 92.300 95.642 96.521 99.448 106.595 105.973 Taxa de crescimento % 4,2 3,6 0,9 3,0 7,2 -0,5 Fonte: ABEF (2007). O setor avícola, atualmente, tem passado por grande dinamismo e atingiu importante papel econômico-social nos países em que a atividade é desenvolvida. Pois o setor tem estimulado outros setores como o de fornecimento de matérias- primas, à indústria genética, de alimentação animal, sanidade animal e fornecedor 35 de máquinas e equipamentos, além de gerar emprego direto nas granjas de produção e nas agroindústrias processadoras. Segundo pesquisadores, as transformações que ocorreram no modelo de produção avícola foram impulsionadas a partir de meados do século passado, nos Estados Unidos, na Europa e no Japão com a II Guerra Mundial. Isso porque, com a guerra, aumentaram-se as necessidades de fornecer carne vermelha aos soldados em combate (MORENG & AVENS, 1990; FRANÇA, 2000). Assim, iniciou-se a busca por produção de carnes alternativas, provenientes de animais com ciclo de produção curto, que fornecessem proteína animal em um curto espaço de tempo (RIZZI, 1993; LIMA et al. 1995; FRANÇA, 2000). No entanto, essa opinião não é compartilhada pelos pesquisadores FERNANDES FILHO & QUEIROZ (2001), que consideram que o real motivo impulsionador do desenvolvimento da atual avicultura, pós-guerra, foi o combate à fome por meio de desenvolvimento de novas tecnologias. Concordando com Schumpeter (1943) apud FRANÇA (2000), em que é nas crises que surgem novas tecnologias. Internacionalmente, o complexo agroindustrial avícola tem se apresentado mais dinâmico que os das demais carnes (bovina e suína). A produção de carne avícola tem expandido em mais de 3% ao ano, desde meados da década de 80, impulsionada pelo progresso tecnológico e associada às mudanças nos hábitos de consumo. A princípio, essa substituição de carnes vermelhas por brancas, principalmente pela de frango, no hábito alimentar das populações nos países desenvolvidos, decorreu de uma forte queda de seu preço relativo, resultado da eficiência do seu sistema produtivo. No entanto, atualmente esse fato se deve a valorização das carnes brancas, por estar relacionada à dieta saudável e mais equilibrada. Também se deve a fatores culturais e aos novos conceitos de saúde, corpo e estilos de vida (LIMA et al. 1995). ORTEGA (2000) é da mesma opinião, ao afirmar que a demanda de carne de frango se deve a fatores, como: mudança de hábitos de consumo, redução de teores altos de gorduras; motivos religiosos que restringem o consumo de carnes 36 vermelhas; por ser um produto de baixo preço, produzido em larga escala, o que facilita atender grandes mercados. A Tabela 2 apresenta o consumo mundial de carne de frango, identificando os cinco maiores países consumidores. Observa-se que o consumo passou de 84,4 milhões de toneladas, em 2000, para 100,1 milhões de toneladas, em 2006. Isso representa uma taxa média de crescimento anual de 2,8%. A União Européia apresenta a menor taxa média de crescimento de consumo 1,1% ano, seguido da China. Nos Estados Unidos e no bloco dos demais países, a taxa de crescimento médio esteve por volta de 3% ao ano. E o maior aumento de consumo foi registrado no México, cuja taxa média, dos anos de 2000 a 2006, foi de 5,6%, seguido do BRASIL, com 4,5 % ao ano. Tabela 2. Consumo mundial de carne de frango no período 2000-2006 (em mil toneladas) Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Taxa* cres. (%) EUA 11.474 11.558 12.270 12.540 13.080 13.428 13.817 3,1 China 9.393 9.237 9.556 9.963 9.931 10.088 10.370 1,7 BRASIL 5.110 5.341 5.873 5.742 5.992 6.612 6.622 4,5 México 2.163 2.311 2.424 2.627 2.713 2.871 3.010 5,6 U.E 6.934 7.359 7.417 7.312 7.280 7.503 7.405 1,1 Demais 49.360 50.854 52.835 52.880 54.175 56.906 58.888 2,9 Total 84.434 86.660 90.375 91.064 93.171 97.408 100.112 2,8 Fonte: USDA/ABEF (2007). *Taxa média geométrica de crescimento anual do período considerado Em relação às exportações mundiais de carne de frango, elas cresceram à taxa média anual de 5,2% nos últimos seis anos, passando de 9,6 milhões de toneladas, em 2000, para 12,8 milhões de toneladas em 2006, conforme ilustra a Tabela 3. Observa-se que o Brasil, atualmente, é o principal exportador, cuja participação passou de 9,5% do total, em 2000, para 21%, em 2006, registrando crescimento médio anual de suas exportações de 20,8%. Já os Estados Unidos foram perdendo sua participação ao longo do período, de 23,3% do total da produção, em 2000, para 19,0%, perdendo o primeiro lugar de maior exportador para o Brasil, em 2004. O bloco dos demais países também perdeu sua 37 participação ao longo do período, de 50,8% do total da produção, em 2000, para 50,2%, em 2006. Tabela 3. Exportações mundiais de frango dos principais países 2000-2006 (mil toneladas) Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Brasil 907 1.265 1.625 1.960 2.470 2.846 2.713 EUA 2.231 2.520 2.180 2.232 2.170 2.360 2.454 U.E 774 726 871 788 813 755 620 Tailândia 333 392 427 485 200 240 280 China 464 489 438 388 241 331 350 Demais 4.856 5.527 5.701 6.022 6.043 6.791 6.470 Total 9.565 10.919 11.242 11.875 11.937 13.323 12.887 Var. (%) - 14,1 2,9 5,6 0,5 11,6 -3,2 Fonte: ABEF (2007). No que concerne às importações de carne de frango verificadas no decorrer do período de 2000 a 2006, como mostra a Tabela 4, a Rússia e o Japão são os principais países compradores no mercado internacional, seguidos pela União Européia e Arábia Saudita. É interessante observar que, o México, além de fazer parte do grupo dos maiores produtores, Tabela 1, ele também se encontra no grupo de países que mais importam carne de frango. Na Tabela 4, observa-se uma tendência generalizada da redução das importações de 2003 a 2004, e isso está relacionado ao surto da gripe Aviária, ocorrido em 2003. Tabela 4. Principais mercados importadores de carne de frango 2000-2006 (mil toneladas) Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Taxa* cres. (%) Rússia 943 1.281 1.208 1.081 1.016 1.225 1.240 15,6 Japão 721 710 744 695 582 748 740 9,4 U.E 278 202 500 588 466 522 600 5,9 A. Saudita 348 399 391 452 429 484 434 5,6 México 228 245 267 338 326 374 400 4,0 Demais 3.940 4.149 4.431 4.601 4.367 5.063 5.168 59,5 Total 6.458 6.986 7.541 7.755 7.186 8.416 8.582 100 Fonte: USDA/ABEF (2007). *Taxa média geométrica de crescimento anual do período considerado 38 Apesar do aumento das importações de frangos no mercado internacional, existem entraves decorrentes das políticas protecionistas praticadas pelos países que podem ser resumidas em três grandes grupos: (1) Barreiras tarifárias (tarifas de importação, novas taxas e valoração aduaneira); (2) Barreiras não-tarifárias (Imposição de quotas, restrições quantitativas, licenciamento de importações, procedimentos alfandegários, medidas antidumping e compensatórias); (3) Barreiras técnicas (normas e regulamentos técnicos, regulamentos sanitários, fitossanitários e de saúde animal) (BRASIL, 1999). Estes mecanismos protecionistas utilizados pelos países importadores, podem ser para alguns apenas uma questão de cautela quanto ao produto que se está pretendendo adquirir, já para outros uma forma de retardar o processo de importação como estratégia para estimular e aumentar a competitividade da indústria local. 2.2.2 A Indústria Avícola Brasileira 2.2.2.1 Implantação, evolução, consolidação e desempenho da indústria avícola brasileira. A indústria avícola brasileira iniciou com a introdução de raças híbridas no país, na década de 1940, mas a sua intensificação somente ocorreu no início da década de 1960, com o programa dos galpões de mil frangos e a vinda de filiais de empresas norte-americanas e canadenses, entre outras. Para a produção local de matrizes, essas empresas trouxeram suas linhagens de avós, intensificando sua distribuição no país, que estava restrita a poucas regiões e atendia à demanda de criação de subsistência (ORTEGA,1988; FRANÇA & FERNANDES FILHO, 2003). Além da introdução de linhagens importadas, um conjunto de técnicas relacionadas com manejo, alimentação, nutrição, vacinas e equipamentos foram tomados, no sentido de transformar a produção avícola brasileira numa atividade econômica industrializada, com altos índices de produtividade (MENDES & SALDANHA, 2004; FRANÇA, 2005). 39 A industrialização da avicultura Brasileira, ocorrida nos anos 60 e 70, constituíram um marco para o início da adoção de tecnologias no processo industrial avícola (MELLO, 2001). A partir de meados dos anos 60, o Brasil importou o modelo industrial norte-americano, por meio da aquisição de linhagens híbridas de frango, máquinas e equipamentos. O primeiro programa avícola brasileiro nos moldes de integração foi desenvolvido pela empresa Sadia, em 1964, na região Oeste de Santa Catarina e seguida por outras empresas da mesma região e, posteriormente, nas demais regiões do país (FRANÇA, 2000; FREITAS & BERTOGLIO, 2001). Esse sistema impulsionou o desenvolvimento e modernização de diversos segmentos da indústria agro-alimentar, além de introduzir outros, até então inexistentes, que passaram a ter predominância nessa indústria (a indústria de rações e de abate), (RIZZI, 1999; MENDES & SALDANHA, 2004; FRANÇA, 2005). As profundas transformações ocorridas na estrutura produtiva agrícola BRASILeira, na década de 70, possibilitaram mudanças na base técnica de produção e estreitamento de vínculos produtivos com as indústrias a montante e a jusante (RIZZI, 1999; BORTOLIN, 2002). O surgimento dessa nova estrutura produtiva esteve vinculado à política agrícola vigente, mais especificamente à política de crédito subsidiado para a instalação de frigoríficos, à comercialização e à instalação de aviários (fornecedores de matérias-primas para o produtor integrado). A indústria avícola cresceu vinculada à expansão das culturas de milho e soja, importantes componentes da ração de aves, permitindo a transformação da proteína vegetal em animal, que foi decisiva para o desenvolvimento da avicultura BRASILeira (CÂMARA & NAKAZATO, 2001; FERNANDES FILHO & QUEIROZ, 2001). A expansão da produção de grãos e da instalação da indústria oleaginosa facilitou a implantação e concentração da indústria avícola na região Sul do país e no estado de São Paulo. Para alguns pesquisadores, a década de 70 foi o período da industrialização e consolidação industrial avícola (RIZZI, 1999; FRANÇA & FERNANDES FILHO 2003) 40 Também nesse período, ocorreu a expansão da produção e do consumo interno e a conquista de uma fração do mercado internacional, com início das exportações em 1973. E, em 1975, o Brasil alcança o nono lugar no ranking mundial dos dez maiores exportadores de carne de frango congelado (MENDES & SALDANHA, 2004; FRANÇA, 2005). Na década de 80, houve a retração do mercado interno, decorrente da recessão econômica Brasileira. A indústria passou por um processo de concentração e centralização do capital, adquirindo um perfil de oligopólio no sistema de produção e com baixo crescimento da produção, isso na primeira metade da década (MARTINS, 1996; MENDES & SALDANHA, 2004; FRANÇA, 2005). Essa estagnação também foi observada, segundo RIZZI (1999), na produção de milho e de soja, o que comprometeu a expansão do setor avícola no período, se comparado à década anterior (anos 70). Embora a primeira metade dos anos oitenta fosse caracterizada pelo baixo crescimento da produção, a segunda foi compensada pelo crescimento das exportações. Nesse período, a estrutura de oferta se organizou com ajuda de crédito público, tanto que as cinco maiores empresas duplicaram sua produção de 1980 a 1985, o que estimulou as exportações (LIMA et al. 1995). Os anos 80 ficaram igualmente marcados pelas mudanças qualitativas no processo produtivo da indústria avícola. Neste período ocorreu a introdução de novas tecnologias em abate de aves, aumento do grau de automatização e introdução de novos tipos de máquinas e equipamentos que permitiram o processamento de produtos recortados e industrializados associados à inovação de produto (CÂMARA & NAKAZATO, 2001). Nesse período, além de frango abatido e vendido inteiro com miúdos, iniciou-se a venda de frango recortado com ossos e desossado, os industrializados (salsichas, apresuntados, mortadelas e fiambres) e os produtos empanados, pré-cozidos e congelados, das partes nobres do frango (coxa e peito) (RIZZI, 1999). 41 Essas tecnologias de abate, a diferenciação de produtos, entre outras ações adotadas pelas empresas, permitiram uma economia de escala, redução de custos e contribuíram para atingir novos mercados de carne de frango mais exigentes e com maior valor agregado (CARMO, 1999). CANEVER et al. (1998) destacam que, a partir da década de 1980, a dinâmica da produção avícola passou por um processo de ruptura de processos tecnológicos. O desenvolvimento de produtos diferenciados, a produção de matérias-primas específicas e a conseqüente relação contratual entre fornecedores, integrados e agroindústria foram elementos marcantes dessa fase. A partir dos anos 90, a avicultura de corte expandiu-se para a região Centro-Oeste indo atrás de terras mais baratas e com menor risco sanitário. Assim como o deslocamento de grandes conglomerados agroindustriais atraídos por incentivos fiscais, como o Fundo Constitucional do Centro-Oeste, que estimulou a transferência de fábricas de beneficiamento de grãos (milho e soja) e atividades relacionadas à integração para a região (MENDES & SALDANHA, 2004; FRANÇA, 2005). MARTINS et al. (2006) analisaram a evolução da produção brasileira em cada região, nos últimos 10 anos, e verificaram que elas não têm apresentado os mesmos índices de crescimento. A região Sul (pioneira na avicultura) teve um incremento de 133% na sua produção e, aumentou de 50 para 56% sua participação na produção brasileira. A região possuía várias cooperativas que antes produziam apenas grãos e, atualmente, passaram a produzir frangos como forma de diversificar, o que resultou no aumento da produção de frangos na região, nos últimos anos (MENDES & SALDANHA, 2004). Os estados sulistas estão livres de doenças como a NewCastle, desde início da década de 80. A região Sudeste ainda ocupa a segunda posição, embora, gradualmente, esteja perdendo participação. A região Centro Oeste, a mais recente área de expansão da avicultura, tem apresentando o maior crescimento da produção: (306%), duplicou sua participação na produção brasileira de 5% para 10%. O crescimento acentuado dessas regiões está associado à concentração de maior número de empresas integradoras e exportadoras, como também são as regiões 42 de maior produção de milho no país. Já, as regiões Norte e Nordeste, devido aos pequenos volumes produzidos e custos mais elevados da alimentação das aves, têm uma pequena participação na produção nacional (MARTINS et al. 2006) (Figura 1). Fonte:IBGE, 2007 Figura 1 - Mapa regional do Brasil 43 . Em termos estaduais, e de acordo com a Tabela 5, o estado do Paraná lidera a produção brasileira com uma taxa média de 21,59 % de participação no total da produção. Observa-se que, juntamente com o estado de Goiás, com média de 3,72 %, eles apresentam taxas de participação na produção total de forma contínua e crescente se comparado com outros estados, durante o período em análise (2001 a 2006). Observa-se também que os demais estados foram perdendo a sua participação ao longo de período, de 21,91 % em 2001, para 15,55 % em 2006. Tabela 5. Participação dos principais estados produtores (em percentagens) na produção de carne de frango no Brasil no período de 2001 a 2006. Estados 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Média Paraná 19,48 20,80 21,90 22,68 22,43 22,25 21,59 Santa Catarina 18,64 19,00 17,47 17,89 17,27 16,90 17,86 Rio Grande do Sul 15,90 16,10 16,22 15,15 14,76 14,26 15,40 São Paulo 12,36 13,20 12,58 16,12 16,58 16,41 14,54 Minas Gerais 6,33 6,30 6,27 7,39 7,29 7,38 6,83 Mato Gros do Sul 3,22 3,09 3,02 2,84 2,90 2,49 2,93 Goiás 2,16 3,10 3,72 4,22 4,35 4,76 3,72 Subtotal 78,09 81,59 81,18 86,29 85,58 84,45 82,87 Demais estados 21,91 18,53 18,82 13,71 14,42 15,55 17,13 Total Geral 100 100 100 100 100 100 100 Fonte: ABEF (2007). Na década de 90, também houve aumento da produção de frango, decorrente do benefício obtido pelos avicultores com o Plano Real. Pois, além do aquecimento da demanda e dos altos preços atingidos pelo boi gordo, foram beneficiados pela valorização do Real sobre o Dólar, uma vez que seus custos de produção estavam em grande parte indexados à moeda americana (FRANÇA, 2000). A implantação do Plano Real foi um acontecimento importante na política cambial brasileira, no período de Julho de 1994 a Dezembro de 1998, pois se identificou grande valorização cambial e conseqüente valorização da renda da população. Nesse contexto, a produção de frango é voltada para o mercado interno. 44 Nos primeiros anos da presente década, as empresas do setor avícola brasileiro empreenderam esforços na ampliação e modernização das unidades já existentes, bem como a implantação de outras, nas diversas etapas de produção de frango. Desse modo, as empresas do setor buscaram maior produtividade, ganhos de escala, melhorias na qualidade dos produtos, além de atender as exigências fitossanitárias impostas pelos países importadores de carne de frango (MATIAS et al. 2003). A previsão de crescimento da avicultura de corte é considerada a partir do alojamento de matrizes. Na metade de década de 60, o governo proibiu a importação de pintos comerciais e matrizes, permitindo entrada apenas de avós. Como conseqüência, iniciou-se, a nível interno, a busca por melhoramento genético de aves com objetivo de produzir linhagens brasileiras, com recursos liberados pelo governo (FRANÇA, 2000; MENDES &SALDANHA, 2004). Essa medida também condicionou a diversificação do processo produtivo, dividindo o mesmo em três categorias: granjas de matrizes avós, de pais e de pintos comerciais. Em meados da década de 70, já existiam no país dezoito empresas produtoras de matrizes avós, sendo que destas, nove eram estrangeiras. Em 1980, trinta e cinco linhagens diferentes de aves eram produzidas no país, sendo doze delas de corte (SORJ, 1982). Atualmente, segundo MENDES & SALDANHA (2004), cerca de 40% dos frangos de corte criados no Brasil já têm origem em material genético produzido internamente; e as principais linhagens existentes no país são: Arbor Acres, AgRoss, Cobb, Isa Vedette, Hubbard, Label Rouge, Avian Farms, Hybro PG e Chester. As empresas matrizeiras estão distribuídas nas Regiões Sudeste (50%), Sul (30%), Nordeste (15%), Norte (3%) e Centro-Oeste (2%) (CANEVER et al. 1998). A expansão e consolidação do complexo avícola advêm da difusão de tecnologia avançada nas áreas de genética, nutrição, manejo, sanidade e equipamentos, que transformou a avicultura numa atividade industrial bastante desenvolvida. O bom desempenho da produção está relacionado com as 45 constantes quedas nos preços dos insumos e/ou ganhos de eficiência na cadeia produtiva (LIMA et al. 1995). Pode-se observar, por exemplo, os extraordinários resultados alcançados na conversão alimentar, que tem sido um dos principais indicadores de eficiência da cadeia produtiva. Em 1930, eram necessários 3,5 kg de ração para obter 1.0 kg de ganho de peso e 105 dias para o crescimento e engorda. Atualmente, um frango de corte fica pronto, para o abate, com 2,30 kg de peso vivo, aos 42 dias e com conversão alimentar de 1,80 kg de ração/kg de ganho de peso, Tabela 6. Tabela 6. Evolução média dos coeficientes de produção de frangos de corte no período de 1930 a 2005 Ano Peso de frango vivo(g) Conversão alimentar Idade (dias) 1930 1.50 3,50 105 1940 1,80 3,00 98 1950 1,80 2,50 70 1960 1.60 2.25 56 1970 1.70 2.15 49 1980 1.80 2.05 49 1984 1.86 2.00 47 1988 1.94 2.00 47 1994 2.05 1.98 45 1998 2.15 1.95 45 2000 2.25 1.88 43 2001 2.30 1.85 42 2002 2.30 1.83 42 2003 2.35 1.88 43 2004 2.39 1.83 43 2005 2.24 1.80 42 Fonte: UBÁ/ CONAB/EMBRAPA, 2007. Segundo MENDES & SALDANHA (2004) e FRANÇA (2005), três fatores essenciais podem ser considerados responsáveis pelo atual desenvolvimento da avicultura Brasileira e sua consolidação como um dos mais modernos: a implementação de sistema de criação com intensa integração vertical; a expansão do mercado interno (aumento de consumo per capita) e; a busca do mercado externo. 46 Até 2003, cerca de 90% da produção de frango de corte no Brasil ocorreu por meio de sistema de integração e cooperado, incluindo todos os processos relacionados com a produção, processamento, distribuição e vendas. Na região Sul do Brasil, a integração é responsável por aproximadamente 95% da produção (MENDES & MOREIRA, 2003; MENDES & SALDANHA, 2004; FRANÇA, 2005). O consumo de carne de frango, ao nível interno, teve um aumento significativo em conseqüência da mudança de hábito alimentar. Na década de 70, cada brasileiro consumia, na média anual, 35,6kg das três principais carnes (bovina, suína e de frango). Nesse total, a participação do frango não era mais do que 6%, pois cada brasileiro consumia menos de 2,3kg. Em 1999, o consumo per capita total de carnes foi estimado em 76,7kg (115% de aumento em relação a 1970). Nessa expansão, a participação de carne bovina subiu de 25,7 para 36,9kg (cerca de 40% de aumento), e a carne de frango subiu para 29,1kg, ou seja, bem mais de 1000% de aumento em apenas 30 anos segundo GODOY (1999). O índice de consumo médio de frango por habitante elevou-se de 10,7 para 35,7kg de 1986 a 2006, segundo os dados da UBA (2007). No Brasil, grande parte dessa mudança de comportamento foi resultado das recentes mudanças que ocorreram na economia nacional (os planos econômicos dos governos). A partir de 1986, tanto o Plano Cruzado como os Planos Bresser, Verão e Cruzeiro Novo estipularam contenção de preços de carne bovina, fazendo com que o bovinocultor segurasse o boi no pasto e, a conseqüência disso foi o consumidor optar pela carne de frango. Houve também a modernização da estrutura de produção do frango vivo nas indústrias processadoras e, conseqüentemente, o surgimento de diferentes segmentos de sua cadeia que conduziram a uma redução dos custos de produção e a um aumento da produtividade (MATOS, 1996; CANEVER et al. 1998; MENDES & SALDANHA, 2004; FRANÇA, 2005). Em relação ao comércio internacional, segundo FERNANDES FILHO & QUEIROZ (2001), as exportações brasileiras aumentaram de forma significativa de 1975 até 1980; a partir de 1985 caíram e estagnaram-se. Essa redução do volume na exportação, na segunda metade da década de 80, pode ser explicada, 47 segundo BORTOLIN, (2002), por alguns fatores inerentes ao mercado internacional. No início dos anos 80, o comércio internacional foi caracterizado pela retração das importações dos principais países capitalistas, cenário que se manteve e se reverteu somente no final da década. Além desse aspecto, observou-se o crescimento da produção de aves em alguns países, o que provocou uma redução de mercados potenciais para o Brasil. As exportações brasileiras de frango apresentaram um crescimento de 158% durante a década de 90 (ABEF, 2007), alcançando posição de destaque no cenário mundial. No ano de 1999, o Brasil passou a ocupar a segunda posição na relação dos maiores exportadores de frango do mundo, sendo superado apenas pelos Estados Unidos (ABEF, 2007). O câmbio favorável e a não ocorrência de surtos da gripe aviária, em 2003, fizeram com que as exportações do Brasil crescessem 20 % em relação a 2002, superando as 2milhões de toneladas. Mesmo com a valorização do real, a partir de 2003, as exportações brasileiras de frango continuaram a crescer, movidas, em parte, pela elevação do preço internacional e pela inclusão de produtos de maior valor agregado à pauta das exportações. A partir de 2004, o Brasil passou a ser o maior exportador à frente dos Estados Unidos. As vendas brasileiras foram beneficiadas por problemas sanitários em alguns países que concorrem com o Brasil no mercado internacional, o que propiciou um aumento dos embarques para países da Ásia, Oriente Médio e Leste Europeu. E, em 2005, o Brasil consolidou sua posição como o maior exportador mundial de carne de frango, posição que até hoje ocupa. Posição sustentada no mercado internacional pela maior competitividade do produto em função do baixo custo de produção (MENDES & SALDANHA, 2004; FRANÇA, 2005; MIELE & GIROTTO, 2005). Segundo RIZZI (1993), a internacionalização da indústria brasileira de frangos, via exportações, deu-se baseada nas estratégias das empresas líderes do setor avícola com o objetivo de expandir a atuação no mercado externo. Assim, a ampliação do mercado corrente baseou-se, de um lado, nas condições tecnológicas de algumas empresas no mercado interno e, de outro, nas vantagens 48 específicas do país, pelas vantagens competitivas. Elas existem devido à abundância de matérias-primas, políticas de subsídios, câmbio favorecido e mão- de-obra a custos mais baixos. Essa cadeia produtiva tem se diferenciado das demais, pelo elevado nível de organização, isto é, os agentes econômicos do sistema realizam suas transações, preferencialmente, via relações contratuais e, em menor escala, via mercado aberto. O mecanismo de coordenação da atividade é obtido por meio da integração vertical e horizontal, onde as agroindústrias, o elo que lidera a cadeia, organizam e promovem as transações desde as fases de produção dos insumos até a distribuição de produtos finais, nos mercados consumidores (COSTA, 1999; SOUZA, 2004). A integração vertical e os arranjos contratuais têm constituído, portanto, a principal estratégia deste complexo agroindustrial e trata-se, ainda, do grande diferencial de eficiência organizacional para incrementar a sua competitividade. Essa estrutura de governança é a principal responsável pela rápida adoção de inovações tecnológicas, pelo financiamento da produção, pela obtenção de economias em escala, alocação otimizadora dos fatores de produção e redução de custos da transação e da produção (COSTA, 1999; MENDES & SALDANHA, 2004; FRANÇA, 2005). 2.2.2.2 Políticas públicas que contribuíram para o desenvolvimento da atividade avícola Para FRANÇA (2006), o Estado deve iniciar e financiar a expansão da demanda sempre que a necessidade de industrialização for sentida, do mesmo modo que iniciativas de responsabilidade exclusivas do setor privado não sejam suficientes. A presença do Estado Brasileiro na atividade avícola pode ser constatada em várias épocas e sobre vários aspectos: políticas de elevação da produção de grão (milho e soja); pesquisa e desenvolvimento que conduziram à introdução de inovações tecnológicas; políticas sanitárias; investimentos e financiamento através de políticas agrícolas de crédito (investimento, custeio e comercialização); e 49 incentivos fiscais e; consumo interno favorecido por políticas de renda (AZEVEDO et al. 2002; MENDES & SALDANHA, 2004; FRANÇA, 2000). 2.2.2.2.1 Elevação da produção de grãos Segundo MARTINS et al. (2000), a enorme participação da ração no custo de produção da avicultura é dependente dos produtos que a compõem (o milho e o farelo de soja). Portanto, as políticas agrícolas que afetam a produção e o abastecimento de grãos, influenciam fortemente o desempenho do setor avícola. Em meados da década de 60, o desenvolvimento da avicultura brasileira acompanhou a expansão da produção de grãos. O vertiginoso crescimento da produção de grãos (principalmente da soja), na década de 70, foi decisivo para a boa performance da avicultura brasileira (FRANÇA, 2000). Entre 1965 e 2006, a produção de grãos passou de 25 milhões de toneladas para 117 milhões, uma elevação de 368%. A cultura mais dinâmica, nos últimos anos, foi a soja, que passou de uma produção de quase “zero”, em 1965, para 15 milhões de toneladas, em 1980. Em 1990, passou para 20 milhões e, em 2006, para 53 milhões de toneladas. A cultura do milho expandiu-se de uma produção de 12 milhões, em 1965, para 43 milhões, em 2006 (um crescimento de 258%). (COELHO & BORGES, 1999; AGRIANUAL, 2008) (Figura 2). 50 Fonte: SPC, 2007. Figura 2 – Produção média de milho por estados no Brasil, em 2004/06 Com base na Figura 2, pode-se observar que o estado com maior produção de milho, o Paraná, é também o estado com maior produção de frangos, no país. Segundo, MENDES & SALDANHA (2004), a disponibilidade regional de grão de baixo preço e de boa qualidade é um fator imprescindível na redução dos custos de produção de frango. 2.2.2.2.2 Pesquisa e desenvolvimento O Estado brasileiro iniciou sua participação no complexo avícola a partir de 1965, com a publicação do decreto no 55.981 de 22 de abril, proibindo a importação de matrizes e pintos comerciais, permitindo apenas a entrada de avós. E estabeleceu que, a partir de 1967, a autorização de importação de aves ficaria condicionada à execução de trabalhos de Melhoramento Genético em aves no Brasil e, a partir de 1968, foi instalando o plano de melhoramento de aves de 51 postura e de corte no Instituto de Pesquisas Agropecuárias do Centro Sul, com base nos recursos disponibilizados pelo governo (SORJ, et al., 1982; FRANÇA, 2000; MENDES & SALDANHA, 2004). Segundo GODOY (1999), o efeito positivo desse decreto do Governo foi a vinda para o Brasil da mais moderna tecnologia então disponível no mercado internacional para produção de matrizes. E assim, o setor avícola brasileiro se especializou em granjas de aves “avós” de matrizes. E, em 1980, trinta e cinco linhagens diferentes de aves já eram produzidas no país, sendo doze delas de corte (SORJ, et al. 1982; FRANÇA, 2000). No final dos anos 80 e início dos anos 90, o CNPSA (Centro Nacional de Pesquisa de Suínos e Aves) da EMBRAPA, em Concórdia (SC), dava os primeiros sinais de testes da sua marca de frangos de corte (PINAZZA & LAUANDOS, 2000). Atualmente, segundo MENDES & SALDANHA (2004), a linhagem Cobb é desenvolvida parcialmente no Brasil, com objetivo de atender o mercado interno e externo (os países da América Latina). Já o programa genético da Ross está sendo desenvolvido completamente no Brasil, pela empresa Agroceres que, em 1989, fez parceria com a Ross Breeders (da Escócia), montando uma joint-venture para a produção pioneira de avós de frangos no Brasil. O programa foi consolidado em 1990 com a produção dos primeiros lotes de avós. A empresa Perdigão tem mantido no Brasil seu próprio programa de melhoramento genético, na produção de Chester, da mesma forma a empresa a Sadia (PINAZZA & LAUANDOS, 2000). E como resultado desses investimentos, hoje cerca de 40% de frango criado no Brasil provém de material genético produzido internamente (SALLE et al. 1998; MENDES & SALDANHA, 2004). 2.2.2.2.3 Política sanitária Foi na década de 70 que a indústria de abate de aves se consolidou e se modernizou no Brasil, como aconteceu na produção, com a importação de 52 tecnologia, em máquinas e equipamentos, utilizados nos abatedouros americanos e na indústria de processamento de carnes (MARTINS, 1996). No ano de 1973, o Estado implanta a federalização da fiscalização sanitária nos abatedouros (Lei da Federalização). Segundo PIGATTO (2001), a federalização da inspeção tinha como objetivo afastar ou mesmo fechar os abatedouros e frigoríficos que não reunissem as condições e não cumprissem as Normas de Higiênico-Sanitário e Tecnológico para, além de expandir a indústria, à fiscalização do Sistema de Inspeção Federal (SIF)6. Essa medida que atingiu, primeiramente, os abatedouros de bovinos também se estendeu para aves e suínos, apesar da forte pressão contrária de grupos de interesse. Durante o período de federalização da inspeção ocorreram grandes investimentos no setor de abate, na busca de novas tecnologias e como conseqüência, a elevação do padrão tecnológico da indústria de abates e processamento (FRANÇA, 2000; PIGATTO, 2001). A sociedade obteve ganhos significativos com o processo, uma vez que houve melhoria na qualidade higiênico-sanitária da carne e, com isso, os produtos brasileiros ganhavam maior credibilidade ao nível internacional, pois foi nesse período (1975), que iniciaram as exportações de frangos (FRANÇA, 2000; MENDES & SALDANHA, 2004). E atualmente, com a necessidade de atender novos mercados mais exigentes, de países importadores (por exemplo, a União Européia) e o mercado interno (os consumidores de alta renda), o setor é condicionado a efetuar investimentos na modernização das suas linhas de produção e na ampliação da sua capacidade produtiva; fato verificado com a produção de produtos diversificados (frangos em cortes com ossos ou desossados, bem como produtos industrializados) (FRANÇA, 2000; MENDES & SALDANHA, 2004). 6 O Serviço de Inspeção Federal (SIF) é o responsável pela inspeção de estabelecimentos que comercializam carne entre estados e com o exterior; os Serviços de Inspeção Estaduais (SIE) de estabelecimentos que comercializam dentro do respectivo estado e; os Serviços de Inspeção Municipais (SIM) pelos estabelecimentos que comercializam dentro do município, de acordo com a lei estabelecida em 1989 (PIGATTO, 2001). 53 2.2.2.2.4 Investimentos e financiamentos A consolidação do complexo agroindustrial brasileiro deveu-se a uma política expansionista que aumentou a demanda por insumos modernos. E o principal mecanismo de articulação do Estado para atender os interesses agroindustriais foi à concessão de crédito a taxas de juros negativas, além de outras condições favoráveis de financiamento (prazos, períodos e carências elásticas), segundo BUAINAIN (1999) e FRANÇA (2000). O crédito foi utilizado, segundo BUAINAIN (1999), como instrumento para a modernização da base técnica da agricultura, da diversificação da produção e das exportações, além de contribuir para o estreitamento das relações intersetoriais. Também, contribuiram para a consolidação da indústria brasileira produtora de máquinas, equipamentos e insumos agropecuários. O Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) foi desenvolvido pelo governo com o intuito de: a) estimular o incremento dos investimentos rurais, inclusive para o armazenamento, beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários; b) favorecer o custeio oportuno e adequado à produção, bem como à comercialização de produtos agropecuários; c) possibilitar o fortalecimento econômico dos produtores rurais, notadamente pequenos e médios; d) incentivar a introdução de métodos racionais de produção, visando o incremento na produtividade e a melhoria no padrão de vida das populações rurais e a adequada defesa do solo (BUAINAIN,1999). A grande predominância do créd