UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências Campus de Bauru Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência ALINE PEREIRA RAMIREZ BARBOSA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS: UM OLHAR A PARTIR DO PNAIC Bauru 2017 ALINE PEREIRA RAMIREZ BARBOSA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS: UM OLHAR A PARTIR DO PNAIC Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Campus de Bauru - Programa de Pós Graduação em Educação para a Ciência como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação para a Ciência, sob a orientação da Prof.ª Dra. Beatriz Salemme Correa Cortela. Bauru 2017 BARBOSA, Aline Pereira Ramirez. Formação continuada de professores para o ensino de Geometria nos anos iniciais: um olhar a partir do PNAIC/ Aline Pereira Ramirez Barbosa, 2017, 180 f. Orientador: Beatriz Salemme Correa Cortela Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2017 1. Ensino de Geometria. 2. Anos iniciais do Ensino Fundamental. 3. PNAIC. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. Dedico este trabalho ao meu marido Elder e ao meu filho Vitor. Com vocês a caminhada, apesar de árdua, ficou mais leve, feliz e com muito amor. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pela oportunidade da vida, pelo amparo nos momentos difíceis e por ser a luz que conduz meus caminhos sempre nas melhores direções. À minha mãe e meu pai que sempre me incentivaram em relação aos estudos e através dos relatos de suas experiências me fizeram perceber a importância da educação. Em especial ao meu pai (in memorian), no qual tenho a certeza que esteve e está comigo em todos os momentos. Sua inteligência, humildade e perseverança me inspiram! Aos meus irmãos, Walmir e Ariane, pelas inúmeras manifestações de carinho, risadas e apoio. Ao meu marido e meu filho por toda compreensão e carinho, por entenderem as inúmeras ausências e por serem fontes inesgotáveis de amor e cuidado. Isso foi essencial! À minha querida orientadora, Prof.ª Dra. Beatriz Salemme Correa Cortela, pelo incentivo e inspiração, que com muita sabedoria e paciência conduziu este percurso possibilitando-me o amadurecimento enquanto pesquisadora e pessoa. Que honra! Obrigada pela confiança e amizade construída. Aos professores, Dr. Nelson Antonio Pirola e Dr. Cassiano Rezende Pagliarini, membros da banca de qualificação e defesa, agradeço as valiosas contribuições e sugestões que enriqueceram este trabalho. Aos professores e colegas do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (GPEC) pelas excelentes discussões teóricas e dicas acadêmicas, no qual pude compartilhar os diferentes momentos dessa pesquisa e receber contribuições importantes. Às professoras sujeitos dessa pesquisa, por aceitarem expor suas dificuldades e reflexões contribuindo para a realização deste trabalho. Estar com vocês proporcionou momentos de intenso aprendizado. À Secretaria Municipal de Ensino de Bauru, por autorizar a execução deste trabalho e às duas escolas envolvidas por permitir que a pesquisa chegasse ao “chão” da sala de aula. Aos amigos que o mestrado me deu, Bruna Albieri, Leandro Josué e Amanda Audi. Agradeço pela mão amiga e pelo suporte nas dificuldades encontradas. Aos amigos que durante esta trajetória souberam compreender o distanciamento e me alimentaram com palavras de otimismo, incentivo e amizade. Em especial, Amanda Martinelo, Lívia Carmelita e Juliana Silvério, saibam que o apoio de vocês foram revigorantes. Aos professores do programa de Educação para Ciência do campus de Bauru, que direta ou indiretamente contribuíram para minha formação e para o desenvolvimento deste trabalho. A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a realização dessa pesquisa. Muito obrigada! “Não basta saber ler que 'Eva viu a uva'. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”. Paulo Freire (1996) BARBOSA, A.P.R. Formação continuada de professores para o ensino de Geometria nos anos iniciais: um olhar a partir do PNAIC. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2017. RESUMO Pesquisas referentes ao ensino de Geometria e os anos iniciais do Ensino Fundamental indicam que professores da educação básica possuem dificuldades formativas com este conteúdo. Diante dessa problemática, no ano de 2014, o Pacto Nacional da Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) ofereceu um curso de formação continuada em matemática aos professores, com abordagens conceituais e didáticas sobre a Geometria. O presente estudo objetivou ouvir, observar e registrar quais foram os impactos da formação continuada do PNAIC na ação de professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental e assim analisar se esta formação possibilitou (ou não) reflexões, preenchimento de lacunas e mudanças nas práticas dos sujeitos envolvidos e, em caso positivo, quais foram elas. Participaram dessa pesquisa cinco sujeitos, que cursaram a formação oferecida em 2014 e lecionam, atualmente, nos anos iniciais em duas escolas da rede municipal de ensino de Bauru. Adotou-se a abordagem qualitativa e os dados foram levantados a partir de uma entrevista semiestruturada, gravada em áudio e com falas transcritas e notas de campo resultantes do acompanhamento e observação de aulas de Geometria ministradas pelos sujeitos. Três questões de estudo foram definidas para dar suporte à compreensão do objetivo principal: 1- Como um grupo de professores que participaram do PNAIC estão desenvolvendo atividades de ensino relacionadas aos conteúdos de geometria? 2- Quais motivos levaram as professoras envolvidas a participarem deste tipo de formação? 3- De que modo avaliam o PNAIC? Para construção do corpus e análise dos dados coletados, adotou-se a abordagem francesa da Análise de Discurso (AD), baseando-se nos trabalhos de Orlandi. Os resultados indicaram que a formação do PNAIC possibilitou novas abordagens metodológicas com o ensino de Geometria, mas que os professores envolvidos ainda possuem dificuldades conceituais com tema, tendo em vista que não tiveram uma boa formação em Geometria durante a trajetória escolar (níveis fundamental, médio e graduação) e a carga horária destinada à formação continuada de Geometria foi pequena. Entendem que a busca por formação continuada deve ocorrer desde que os cursos favoreçam articulação com sua prática de ensino, apontando esse fator como ponto positivo no PNAIC mesmo sem terem se apropriado da teoria demonstrando alguns traços da racionalidade técnica, presentes nos modelos de formação inicial e continuada ao longo de décadas. Concluiu-se que os cursos de formação continuada devem fornecer embasamento conceitual e teórico adequado às ações docentes em relação ao ensino de Geometria, sendo importante ocorrer uma retomada de conceitos necessários ao ensino destes conteúdos anteriormente ao enfoque dado às abordagens didáticas metodológicas. Somente assim, cursos de formação continuada deixarão de ser paliativos, mascarando problemas maiores e permitindo uma maior interação entre teorias e práticas. Palavras- chave: Ensino de Geometria. PNAIC. Anos iniciais do Ensino Fundamental. BARBOSA, A.P.R. Continued Formation of teachers to the Geometry teaching in the initial years: one look from the PNAIC. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2017. ABSTRACT Researches concerning the Geometry teaching and the elementary education initial years indicate that teachers of basic education have formative difficulties with this content. Facing this problem, in 2014, the National Pact of Literacy in the Right Age (PNAIC) offered a course of continued formation in mathematics to teachers, based on conceptual and didactics approaches of Geometry. The goal of the present study, therefore, was to listen, observe and record the impact of continued education from the PNAIC on the practices of teachers who work in the elementary school initial years and, thus, analyze whether this training made possible (or not) reflections, fulfilling gaps and practice changes of the involved subjects and, if affirmative, what were they. Five subjects, whom attended the training offered in 2014 and currently teaching in the initial years of two schools of the Bauru municipal education network, participated in this research. The qualitative approach was adopted and the data were collected from a semi- structured interview, which was recorded in audio, later the speeches were transcribed and the field notes resulting from the monitoring and observation of the geometry classes given by the subjects were also used. Three study questions were defined to support the understanding of the main objective: 1- How did a group of teachers who participated in the PNAIC developed teaching activities related to geometry topics? 2 - What reasons led the teachers involved to participate in this type of training? 3- How do you evaluate the PNAIC? For the construction of the corpus and analysis of the collected data, the French approach of the Discourse Analysis (DA) was adopted, based on the works of Orlandi. The results indicated that the formation of the PNAIC enabled new methodological approaches with the Geometry teaching, but that the teachers involved still had conceptual difficulties with the subject, considering that they did not have a good formation in Geometry during their school trajectory (elementary, high school, and undergraduate education levels) and the workload destined to the continued formation of Geometry was small. They believe that the search for continued formation should occur for as long as the courses favor articulation with their teaching practice, pointing this factor as a positive in the PNAIC even not having learned the theory, showing some traces of the technical rationality present in the initial and continued training models along the decades. It was concluded that continued education courses should provide a conceptual and a theoretical basis adequate to the teaching practices in relation to Geometry teaching, and it is important to retake concepts necessary to teach these contents prior to the approach given to didactic methodological approaches. Only then, continued education courses will no longer be palliative, masking bigger problems and allowing a greater interaction between theories and practices. Keywords: Geometry teaching. PNAIC. Elementary Education initial years. LISTA DE FIGURAS Figura 1- Ciclo histórico do ensino de Geometria nos anos iniciais 76 Figura 2- Relação entre percepção espacial e conceitos geométricos propostos por Hoffer (1977) 80 Figura 3- Atividades de coordenação visual-manual. (Del Grande, 1994, p.160) 82 Figura 4- Atividades sobre percepção de figuras em campos (Del Grande, 1994, p.161) 82 Figura 5- Atividades sobre constância de representação ou constância de forma e tamanho (Del Grande, 1994, p.162) 82 Figura 6- Atividades sobre posição no espaço (Del Grande, 1994, p.162). 83 Figura 7-Atividades sobre percepção de relações espaciais (Del Grande, 1994, p.164) 83 Figura 8-Atividades sobre discriminação visual ou constância de forma e tamanho (Del Grande, 1994, p.165) 83 Figura 9- Atividades sobre constância de representação ou constância de forma e tamanho (Del Grande, 1994, p.165) 84 Figura 10-Exercício de planificação proposto no caderno de Geometria do PNAIC 132 Figura 11- Matriz Curricular para o Ensino Fundamental- Ciclo I- 1º ao 5º ano 133 Figura 12- Atividade: Trabalhando com Vistas proposta no caderno do PNAIC. (BRASIL, 2014b, p.83). 145 LISTA DE TABELAS Tabela 1- Publicações de trabalhos contendo os descritores da pesquisa 21 Tabela 2- Publicações sobre o ensino e aprendizagem de Geometria no Ensino Fundamental I 22 Tabela 3- Artigos apresentados nas comunicações orais de eventos de Matemática 24 Tabela 4- Formação acadêmica de professores 119 Tabela 5- Aulas de Geometria desenvolvidas semestralmente nos anos iniciais 133 LISTA DE QUADROS Quadro 1- Concepções sobre profissionalidade docente a partir de Contreras (2002) 44 Quadro 2- O reservatório de saberes 47 Quadro 3- Síntese: Formações Continuadas de Professores em âmbito nacional e Estadual 69 Quadro 4- Conteúdos relacionados à Geometria presentes no PCN de Matemática 86 Quadro 5- Escala com progressão esperada no ciclo de alfabetização 90 Quadro 6- Objetivos, área do conhecimento e componentes curriculares de geometria no ciclo de progressão da alfabetização 91 Quadro 7- Os números do ensino no munícipio 99 Quadro 8- Protocolo de entrevista 105 Quadro 9- Projeto de observação 107 Quadro 10-Trajetória educacional dos sujeitos sobre sua aprendizagem com os conteúdos Geométricos 125 Quadro 11- Fonte de busca por conceitos e recursos no ensino de Geometria 131 Quadro 12- A aula de Geometria de P1 138 Quadro 13- A aula de Geometria de P2 140 Quadro 14- A aula de Geometria de P3 143 Quadro 15- A aula de Geometria de P4 146 Quadro 16- A aula de Geometria de P5 148 LISTA DE ABREVIATURAS AD Análise de Discurso CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEFAM Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério CFE Conselho Federal de Educação EF Ensino Fundamental EJA Educação de Jovens e Adultos ENEM Exame Nacional do Ensino Médio FHC Fernando Henrique Cardoso FUNDEB Fundo de Manutenção E desenvolvimento da Educação Básica FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do Magistério IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IPES Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais LDB/EN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério da Educação e Cultura PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PNAIC Pacto Nacional da Alfabetização Na Idade Certa PNBE Programa Nacional de Biblioteca na Escola PNE Plano Nacional de Educação PNLD Programa Nacional do Livro Didático SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica SARESP Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SEE Secretaria do Estado e Educação SISPACTO Sistema de Monitoramento do Pacto Nacional Pela Alfabetização Na Idade Certa UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 16 CAPÍTULO I- FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: APONTAMENTOS PARA A REFLEXÃO ............................................................................................................... 27 1.1. Formação continuada e as garantias legais ..................................................................... 28 1.1.1 A LDB 9394/96 e a formação continuada de professores .......................................... 28 1.1.2 Resolução CNE/CP- 2/2015: sobre a formação Continuada ...................................... 36 1.1.3 Incentivos e garantias legais para a formação continuada no município Bauru ......... 39 1.2 Os saberes docentes e a formação continuada ................................................................ 42 1.2.2 Formação continuada de professores ......................................................................... 49 CAPÍTULO II ............................................................................................................................ 54 2. PROGRAMAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS: A TRAJETÓRIA ATÉ O PNAIC ........................................................................ 54 2.1 Programa de Formação de Professores Alfabetizadores- PROFA ..................................... 55 2.2 Pró-letramento .................................................................................................................. 57 2.3 O programa Letra e Vida ................................................................................................... 59 2.4 O programa Ler e escrever ................................................................................................ 61 2.5 O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa- PNAIC ............................................ 63 2.5.1 Gestão e mobilização de controle ............................................................................... 64 2.5. 2. O material didático ................................................................................................... 65 2.5.3 O modelo formativo do PNAIC ................................................................................. 66 2.5.4 Avaliações sistemáticas e o que elas indicam ............................................................ 67 CAPÍTULO III .......................................................................................................................... 71 3. O ENSINO DE GEOMETRIA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL ..................................................................................................................................................... 71 3.1. Ensino de Geometria no Brasil e as influências da Matemática Moderna ...................... 72 3.2 Ensino de Geometria: a reflexão dos autores ................................................................... 76 3.2.1 Van Hiele e o desenvolvimento do pensamento geométrico ...................................... 78 3.2.2 Hoffer ......................................................................................................................... 79 3.2.3 Del Grande e o pensamento geométrico ..................................................................... 80 3.3 Ensino de Geometria: o que dizem os documentos oficiais. ............................................ 84 3.3.1 PCN de Matemática e o ensino de Geometria ............................................................ 85 3.3.2 Direitos de Aprendizagem e o ensino de Geometria .................................................. 88 3.3.3 O caderno de Geometria do PNAIC ........................................................................... 92 CAPÍTULO IV .......................................................................................................................... 97 4. A PESQUISA: APORTES METODOLÓGICOS E TEÓRICOS PARA ANÁLISE DE DADOS ....................................................................................................................................... 97 4.1 Metodologia da pesquisa .................................................................................................. 97 4.2 O local do estudo............................................................................................................... 99 4.2.1 Os sujeitos ................................................................................................................ 101 4.2.2 A coleta de dados ..................................................................................................... 104 4.3 Fundamentos para análise de dados: Análise de discurso (AD) ..................................... 108 CAPÍTULO V .......................................................................................................................... 117 5. ANÁLISES E RESULTADOS ........................................................................................... 117 5.1 Perfil da pesquisadora ..................................................................................................... 117 5.2 Perfil profissional dos sujeitos......................................................................................... 118 5.3 A prática pela prática? Reflexões sobre o processo ........................................................ 129 5.4 Eis a prática: observando aulas de Geometria ................................................................ 137 5.4.1- A aula de P1 ............................................................................................................. 138 5.4.2- A aula de P2 ............................................................................................................. 140 5.4.3- A aula de P3 ............................................................................................................. 144 5.4.4- A aula de P4 ............................................................................................................. 146 5.4.5- A aula de P5 ............................................................................................................. 148 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 152 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 158 ANEXOS .................................................................................................................................. 164 16 INTRODUÇÃO A trajetória profissional da pesquisadora enquanto professora iniciou-se no ano de 2000 ao ingressar no curso técnico de magistério do extinto Centro de Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM) 1 . Foi nos estágios de docência que ocorreram suas primeiras aproximações com o “chão” da sala de aula e o entendimento que o ato de ensinar requer muito mais que vocação ou o domínio de conceitos. Era preciso compreender como o aluno aprende e de que forma o professor pode elaborar estratégias, buscar aprimoramentos e organizar o ensino visando uma aprendizagem de qualidade. Estes primeiros contatos contribuíram para a efetivação de uma certeza: o desejo de ser professora. Para atuação profissional fez-se necessário atender à LDB 9394/96, que determina que para o exercício da docência é necessário a formação em nível superior. Assim, no ano de 2004 inicia o curso de Pedagogia da UNESP do campus de Marília, S.P., tendo posteriormente se transferido para a UNESP do campus de Bauru, S.P. Durante a graduação inúmeras disciplinas possibilitaram refletir sobre a docência e os desafios que posteriormente encontraria na prática de sala de aula. No entanto, foram as disciplinas voltadas às didáticas para o ensino de matemática que despertaram para a pesquisa. Desta forma, no momento de elaborar o primeiro trabalho científico, o trabalho de conclusão de curso (TCC), optou por encaminhar a pesquisa para área da matemática, realizando um levantamento teórico a respeito do ensino de matemática, constatando que havia uma carência de estudos relacionando o ensino de matemática à Educação de Jovens e Adultos (EJA), no qual resolveu se aprofundar. O desenvolvimento deste trabalho se mostrou frutífero, despertando ainda mais para a compreensão dos estudos voltados à educação matemática. Ao final do curso, em 2008, lecionava para os anos iniciais do ensino fundamental e se decide a empreender seus estudos voltados para esse nível de ensino. No entanto, faltava-lhe uma temática dentro da educação matemática, que despertasse o seu interesse enquanto pesquisadora e que se articulasse com as dificuldades percebidas em seu fazer docente. 1 Curso técnico em magistério de acordo com o decreto nº 28.089/88. Esta formação será abordada de forma mais ampla no capítulo quatro. 17 Com o término da graduação continuou sua trajetória docente e seguiu seu interesse de estudo na área de matemática participando de alguns cursos de formação continuada sobre assuntos relacionados a esta disciplina, entre eles: lógica, a relação entre a literatura e a matemática, o uso de materiais concretos e jogos matemáticos, entre outros. No ano de 2014 participou como cursista do curso oferecido pelo Pacto Nacional da Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), que voltava seus estudos e reflexões para a educação matemática. Entre os temas abordados nessa formação estavam os conteúdos relacionados à Geometria, e nos momentos destinados a socialização de experiências com este conteúdo percebeu que as professoras envolvidas nessa formação apresentavam inúmeras dúvidas referentes aos conteúdos geométricos. Neste momento pode perceber que algumas dessas dúvidas também eram as suas e estas reflexões despertaram o interesse em compreender porque tantas professoras manifestaram dificuldades com esses conteúdos e se após o curso oferecido pelo PNAIC estas seriam superadas e a maneira de ensinar a Geometria se modificaria em decorrência do preenchimento destas lacunas. A partir das contribuições oferecidas pelo PNAIC, o interesse em relação à compreensão da importância da Geometria e como promover seu ensino, considerando todas as suas possibilidades, se destacaram para a pesquisadora. A revisão literária realizada durante o curso indicaram que os conteúdos geométricos estão presentes em diferentes meios, seja nos elementos da natureza, nas construções, na arte, nos objetos, entre outros. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) e autores como Gálvez (1996) e Santaló (1996) recomendam o ensino deste conteúdo, pois possibilita que os alunos compreendam e estabeleçam interações com o mundo que vivem, bem como subsidiam outros conteúdos matemáticos e aqueles desenvolvidos em outras disciplinas. Trata-se de um saber de importância histórica, que como todo saber humano, origina-se e desenvolve-se em um processo de interação e observações do meio social. As grandes civilizações antigas, tais como a chinesa, hindu, mesopotâmica, egípcia, entre outras, foram responsáveis por elaborar e desenvolver muitos conhecimentos de natureza geométrica para a resolução de suas necessidades práticas. Tais fatores levaram-na ao entendimento que a apropriação de conceitos relativos às figuras planas e espaciais; relações entre as grandezas geométricas; cálculos de perímetros, áreas e volumes, objetivando atender às necessidades socioeconômicas daquela época e lugar, 18 era ainda uma problemática atual, tendo em vista as dificuldades que os professores que atuam na primeira etapa da educação básica ainda apresentam ao ensinar estes conteúdos. Esse saber historicamente construído é introduzido paulatinamente e de forma natural na vida dos sujeitos quando esses passam a interagir e reconhecer o mundo a sua volta. (MANDARINO, 2014). Assim, ao chegar à escola, os estudantes já deveriam possuir conhecimentos sobre os conteúdos e, estas experiências prévias deveriam servir como elementos de referência para o professor organizar suas atividades, contribuindo para que, aos poucos, os alunos adquiram os conceitos matemáticos elaborados. (FONSECA et al., 2002). Citando Leontiev (1978, p. 267) entende-se que “[...] cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe, ainda, preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana”. Desta maneira, a formação do aluno necessita da mediação do professor para garantir aquilo que foi historicamente acumulado. No entanto, os professores apesar de terem passado por todo um processo de escolarização ainda não os dominavam, pelo menos aqueles com os quais a pesquisadora tinha contato. Pesquisas sobre a temática, o ensino de Geometria, vêm sendo realizadas há mais de duas décadas. Fonseca et al. (2002); Lorenzato (2010); Nacarato (2000), Pavanelo, (1996), Pirola, (1995), entre outros, sinalizam que o ensino de Geometria nos anos iniciais ficava, na maioria dos casos, relegado a segundo plano em decorrência de três fatores: 1º- refere-se ao fato do enfoque de ensino nessa fase da escolarização ser voltado ao ensino da língua materna; 2º- outro fator que contribuiu para essa problemática são as lacunas formativas dos professores em relação aos conteúdos de Geometria. Como apontam Passos, Nacarato (2003), o ensino desse conteúdo só voltou a ganhar destaque em 1997, com a elaboração do Parâmetro Curricular Nacional (PCN) de matemática. E o 3º refere-se a predominância de práticas tradicionais de ensino de Geometria, como aponta Pirola (1995, p.16), argumentando que estão “[...] alicerçadas em memorização de nomes de figuras e propriedades geométricas, sem conexões com outras áreas da Matemática e outros campos do saber”, reforçando a ideia que este conteúdo encontra-se desassociado de outras áreas do conhecimento acarretando ou facilitando o aligeiramento do ensino e até mesmo a relegação do mesmo a um segundo plano. 19 O tratamento dessas questões reveste-se de fundamental importância em virtude das lacunas formativas com a temática e da insegurança demonstrada por um grande número de professores quando o assunto é o ensino de Geometria e, mais especialmente, o ensino de Geometria no primeiro segmento do ensino fundamental, no qual tradicionalmente, toda a ênfase tem sido colocada na aprendizagem dos números e das operações. (FONSECA et al. 2002). De acordo com os Direitos de aprendizagem da área de Matemática (BRASIL, 2012) dois objetivos devem ser alcançados com as turmas de alfabetização a respeito de Geometria: construir noções de localização e movimentação no espaço físico para a orientação espacial em diferentes situações do cotidiano; e reconhecer figuras geométricas. Observa-se, então, que a base de construção do pensamento geométrico está relacionada às habilidades de percepção espacial. Del Grande (1994, p.156) defende que “[...] o pensamento das crianças é dominado pelas interpretações que fazem de sua experiência de ver, ouvir, tocar, mover, etc., isto é, de sua percepção de espaço”. Coadunando com as ideias apresentadas, Lorenzato (1995) salienta que para justificar a necessidade de se ter a Geometria ensinada na escola basta o argumento que sem as habilidades oriundas destes conhecimentos, as pessoas não desenvolveriam o pensar geométrico, e que sem essas habilidades “[...] não poderão se utilizar da Geometria como fator altamente facilitador para a compreensão e resolução de questões de outras áreas de conhecimento humano”. (LORENZATO, 1995, p.5). Ainda segundo o autor, o conhecimento da Geometria possibilita a leitura interpretativa do mundo, pois permite comunicar ideias, estimular o raciocínio e resolver problemas. Como abordado anteriormente, no ano 2014, a formação para o ensino dos conceitos geométricos ganhou destaque em um curso de formação continuada de professores pertencente ao PNAIC que tem como meta alfabetizar as crianças até o 3º ano do Ensino Fundamental. Trata-se de uma iniciativa do Governo Federal em parceria com Distrito Federal, Estados e Municípios, conforme dispõe a portaria nº 867, de 4 de julho de 2012, tendo como objetivo principal a formação continuada de professores e a alfabetização sob a perspectiva do letramento. Entender a alfabetização Matemática na perspectiva do letramento impõe o constante diálogo com outras áreas do conhecimento e, principalmente, com as práticas sociais, sejam elas do mundo da 20 criança como jogos e brincadeiras, sejam elas do mundo do adulto e de perspectivas diferenciadas, como aquelas das diversas comunidades que formam o campo brasileiro. (BRASIL, 2014a, p.15). Esta formação abrangeu a alfabetização matemática e englobou o ensino de Geometria voltado aos anos iniciais, bem como retomou conceitos importantes ao entendimento desses conteúdos. Durante as atividades formativas desse programa, cinco atitudes foram incentivadas nos cursistas para compor a formação, juntamente com o aprendizado dos conceitos matemáticos. Foram elas: a reflexão sobre a prática, o resgate da identidade profissional, a socialização das experiências, o engajamento nos estudos e a colaboração de forma participativa, respeitosa, solidária na rede coletiva de conhecimentos objetivados com o PNAIC (BRASIL, 2014a). Garcia (1999) considera que formação continuada de professores são as ações formativas que ocorrem após a formação inicial e propiciam aos sujeitos envolvidos preparação e emancipação profissional, que individualmente ou em equipe, a partir das experiências de aprendizagem e estudos, melhoram seus conhecimentos para realizar o ensino de forma crítica e reflexiva. Constatando a importância do desenvolvimento deste conteúdo nos anos inicias; a relevância do programa de formação continuada (PNAIC) e as dificuldades apresentadas pelos cursistas com o desenvolvimento de atividades que envolviam o ensino de Geometria, a pesquisa foi sendo delineada. Assim, o problema principal de pesquisa foi o de analisar se esta formação possibilitou (ou não) reflexões, preenchimento de lacunas e mudanças nas práticas dos sujeitos envolvidos e, em caso positivo, quais foram elas. Para responder este problema, objetivou-se ouvir, observar e registrar, a partir do acompanhamento de uma amostra de professores que participaram desta formação em 2014, quais os impactos da formação continuada do PNAIC em suas práticas enquanto docentes nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para isso, algumas questões complementares ao estudo evidenciaram-se importantes na investigação: 1- Identificar como um grupo de professores que participaram do PNAIC em 2014 e atuam como alfabetizadores em 2016 estão desenvolvendo atividades de ensino relacionadas aos conteúdos de geometria; 2- Conhecer quais motivos levaram os professores envolvidos a participar deste tipo de 21 formação; 3- levantar de que modo os sujeitos avaliam a formação oferecida pelo PNAIC. A fim de estudar sobre a relevância da temática do ensino de Geometria para os anos iniciais nas discussões acadêmicas, a pesquisadora trilhou o seguinte trajeto de pesquisa. Primeiramente, realizou um levantamento de artigos já publicados a respeito deste tema. Este estudo ocorreu no início de 2015 a partir de uma busca realizada em artigos nacionais na Scientific Electronic Library Online (Scielo), tendo como critério de busca as palavras-chave: ensino e aprendizagem de Geometria2. A ideia foi efetuar o estado da arte sobre o tema a ser explorado, apontando o que já havia sido feito. Na página da biblioteca eletrônica Scielo constavam que eram 406 os artigos cujo termo Geometria aparecia no título ou resumo. Porém, como o foco das análises seriam artigos relacionados ao ensino e aprendizagem de Geometria para o ciclo de alfabetização (Ensino Fundamental I), aplicou-se um filtro próprio do sistema eletrônico para buscar aqueles relacionados apenas a Educação e Pesquisa Educacional. Assim, foram obtidos 55 artigos sendo que, quando não era possível definir o foco do trabalho apenas a partir do título, foi feita a leitura de todo o resumo do trabalho. Após esta triagem, foram selecionados três artigos, que tinham como foco o ensino ou aprendizagem de Geometria nos anos iniciais. Dados referentes a este levantamento foram sistematizados na Tabela 1, a seguir e foram publicados em um evento da área (BARBOSA, CORTELA, 2016). Tabela 1- Publicações de trabalhos contendo os descritores da pesquisa. Dados compilados pela autora, 2015. Nos dados apresentados na tabela acima percebe-se que há uma prevalência de artigos focando aspectos do ensino e aprendizagem da Geometria de maneira teórica (38), seja através de revisão de literatura a respeito de determinado subconteúdo, seja a partir de análises de experimentações ou demonstração conceituais. Em seguida 2 Disponível em . Acesso em 04 ago. 2015. SCIELO Concentração das pesquisas Descritores Educ. Infantil Ens. Fun.I Ens. Fund . II Ens. Médio Ens. Superior Educ. Esp. Teóricos Total Ensino e Aprendizagem de Geometria 1 3 3 0 8 2 38 55 TOTAL 1 3 3 0 8 2 38 55 22 aparecem os artigos relacionando o conteúdo ao Ensino Superior (8), seguidos pelos níveis de Ensino Fundamental I (3), Ensino Fundamental II (3), Educação Inclusiva (2) e Educação Infantil (1). Os dados apontam que apenas 5% dos artigos relacionaram o conteúdo de Geometria ao Ensino Fundamental I. Estes trabalhos estão apresentados na tabela abaixo. Tabela 2- Publicações sobre o ensino e aprendizagem de Geometria no Ensino Fundamental I Autor Ano Pub Título Revista científica Silva, M. L. 2014 Régua e compasso no ensino primário? Circulação e apropriação de práticas normativas para as matérias de desenho e geometria. Hist. Educ. [Online] Silva, M. C. L. 2014 Desenho e geometria na escola primária: Um casamento duradouro que termina com separação litigiosa. Hist. Educ. [Online] Valente, W.R 2013 Que geometria ensinar? Uma breve história da redefinição do conhecimento elementar matemático para crianças. Pro-Posições (on line) Dados compilados pela autora, 2015. Ao categorizar os trabalhos, notou-se que dois artigos trouxeram no título a expressão “ensino primário”. Tais estudos foram considerados uma vez que, em síntese, compreende-se que esta é a fase de aprendizagem voltada para a aquisição básica da leitura, da escrita e das operações matemáticas simples. De acordo com Silva (2014), autora dos dois trabalhos citados, essa nomenclatura faz parte de uma categorização de ensino histórica uma vez que ambos relatam experiências com a modalidade curricular procedimental referente ao conteúdo de Geometria, mais precisamente sobre o uso de régua, compasso e desenhos para o ensino na época de Primeira República, tratando-se, portanto, de artigos com pesquisas bibliográficas. Concluiu a referida autora, que a utilização do desenho e da Geometria perdeu espaço em sua trajetória educacional quando passaram a constituir conteúdos diferentes de ensino, passando a ter objetivos distintos. Ao resgatar a história da utilização de régua e compasso nas matérias ligadas à Geometria inferiu-se que estas poderiam representar práticas viáveis para o ensino. Nota-se que a abordagem metodológica dos conceitos geométricos passou por reformulações no decorrer da história e até hoje permanece buscando destaque e um espaço no ensino. O terceiro artigo, também relacionado à pesquisa bibliográfica, abordou a Geometria para as crianças levando em conta a trajetória dessa temática para o nível 23 elementar, analisando a permanência dos conteúdos de geometria euclidiana até meados do século XX e as propostas de alteração do ensino de Geometria elaboradas na década de 1960. Procurou mostrar as intenções de modificação deste conteúdo em busca de uma redefinição: um novo conhecimento elementar de geometria vindo de processos de apropriação trazido pelos estudos da psicologia cognitiva. Portanto, nesse artigo o autor traça um panorama histórico do ensino de Geometria e as modificações que ocorreram em sua abordagem levando em consideração história, seus entraves e mudanças nas formas de ensinar. A pesquisadora também julgou necessário realizar uma busca nos anais de dois eventos importantes na área de pesquisas sobre educação matemática para compreender se e como os trabalhos atuais abordam as questões relativas ao ensino de Geometria e o ensino nos anos iniciais. A primeira busca foi realizada junto à última publicação de anais do Encontro Nacional de Educação Matemática (ENEM), ocorrido em julho de 20163. A escolha pelo ENEM ocorreu, por tratar-se de um evento4 respeitável em âmbito nacional, que congrega o universo dos segmentos envolvidos com a Educação Matemática: professores da Educação Básica, Professores e Estudantes das Licenciaturas em Matemática e em Pedagogia, Estudantes da Pós-graduação e Pesquisadores. Neste ano de 2016, a proposta do evento foi "A Educação Matemática na Contemporaneidade: desafios e possibilidades" e objetivou colocar em discussão as novas temáticas e tendências que perpassam a Educação Matemática seja como campo profissional, seja como campo de pesquisa. A segunda busca foi realizada junto a última publicação dos anais do Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (SIPEM) 5, ocorrido em novembro de 2015. A troca de informações e estudos ocorridos neste seminário são importantes6 para o desenvolvimento das pesquisas sobre educação matemática, pois possibilitam as divulgações das mesmas, promovem o intercâmbio entre os diferentes grupos que se 3 Base de dados dos anais do ENEM. Disponível em http://sbempe.cpanel0179.hospedagemdesites.ws/ enem2016/anais/ Acesso em 01/11/2016. 4 Informações extraídas do site do evento. < http://sbempe.cpanel0179.hospedagemdesites.ws/enem2016 /anais/> Acesso em 01/11/2016 5 Base de dados dos anais do SIPEM. Disponível em http://sbembrasil.org.br/sbembrasil/index.php/ anais/ sipem. Acesso em 01/11/2016. 6 Informações extraídas do site do evento. < http://www.sbembrasil.org.br/visipem/anais/story.html>. Acesso em 01/11/2016. 24 dedicam aos estudos sobre esta área de ensino, bem como propicia a formação de outros grupos e o encontro de pesquisadores de diferentes lugares do Brasil e do mundo. Ambas as buscas foram realizadas utilizando os mesmos procedimentos: primeiramente foi feita a busca a partir dos títulos dos artigos cadastrados nas apresentações de comunicações orais visando identificar os seguintes termos: 1- Geometria, 2- Geometria e os anos iniciais/séries iniciais. O intuito foi verificar dentro da totalidade dos artigos encontrados nestes eventos, quantos abordavam temas relacionados à Geometria, e destes quantos se dedicavam aos anos iniciais. A tabela 3 apresenta a compilação dos dados encontrados. Tabela 3. Artigos apresentados nas comunicações orais de eventos de Matemática. Eventos/ Ano Total de trabalhos apresentados na Comunicação oral Total de trabalhos com o termo Geometria no título Total de trabalhos sobre Geometria e os anos iniciais (Ens. Fund.I) XII ENEM 2016 851 36 4 VI SIPEM 2015 164 3 0 Dados compilados pela autora, 2016. Os dados acima indicam que os trabalhos que abordam a temática da Geometria apresentam-se em menor número em relação a totalidade daqueles que abordam outros temas relacionados a educação matemática, sendo apenas 4% do total de trabalhos do ENEM e 2% dos trabalhos divulgados no SIPEM. Quando se compara a totalidade de trabalhos dos eventos e o número de estudos que relacionam a Geometria e os anos inicias este número diminui ainda mais, sendo 0,4% no ENEM e 0% no SIPEM. Dos quatro trabalhos encontrados no ENEM, um versa sobre o uso de materiais didáticos manipuláveis para explorar a Geometria nos anos iniciais, dois relacionam o ensino deste conteúdo ao uso de recursos tecnológicos, e um realiza um levantamento bibliográfico de trabalhos envolvendo a Geometria e os anos iniciais do Ensino Fundamental. Estes levantamentos realizados, do Scielo e dos dois principais eventos de Educação Matemática confirmaram o que os teóricos posteriormente estudados também anunciavam: há carência de estudos e, consequentemente, publicações sobre o ensino de Geometria para os anos iniciais da educação básica no Brasil. A partir disso, infere-se que há pouco debate nessa área de estudo comprometendo, por exemplo, o surgimento 25 de ações formativas na área, pois muitos estudos são utilizados para justificar a implementação de políticas públicas. Esta lacuna nas pesquisas e ausência de resultados validados academicamente prejudicam a busca por novas informações relacionadas ao ensino de Geometria, indo na contramão de referenciais como PCN (BRASIL, 1997) e Direitos de Aprendizagem (BRASIL, 2012), que relatam a importância do ensino sobre o tema. Tendo em vista estes aspectos, optou-se por desenvolver uma pesquisa de abordagem qualitativa, considerando as contribuições de autores que tratam dessa temática (BOGDAN; BIKLEN, 1994; LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Escolheu-se esta perspectiva por possibilitar o questionamento dos sujeitos para perceberem como experimentam suas vivências, como interpretam suas experiências e como se estruturam. Os instrumentos de coleta de informações foram dois: uma entrevista semiestruturada gravada em áudio e transcrita, e observação participada (ESTRELA, 1994) de aulas com conteúdos geométricos das participantes da pesquisa que participaram do curso de formação continuada em geometria do PNAIC em 2014, realizando neste ato notas de campo. Os sujeitos da pesquisa foram cinco professoras que pertencem a duas escolas distintas da rede municipal de ensino de Bauru, interior do estado de São Paulo. Para a constituição e análise dos dados foi utilizada a abordagem de Análise de Discurso (AD), baseada nos trabalhos de Orlandi (2002) e Brandão (2002), que utilizam os conceitos básicos da abordagem francesa, detalhadas no capítulo quatro. Para responder as questões de estudo e atingir o objetivo proposto neste trabalho, seguem os caminhos trilhados que proporcionaram o suporte necessário para o entendimento e análise das informações. No capítulo 1, “Formação continuada de professores: apontamentos para reflexão”, são apresentadas as garantias legais para os professores que buscam formação continuada, tanto no âmbito federal com a LDB 9394/96, bem como com as leis do município de Bauru, cidade onde ocorreu esta pesquisa. Também são apresentados referenciais teóricos que tratam de aspectos relevantes à formação docente, seus saberes e diferentes concepções sobre o exercício da docência, bem como a relação desses saberes e a formação continuada. (ALVARADO-PRADA, FREITAS; FREITAS, 2010; CANDAU, 1997; CONTRERAS, 2002; GAUTHIER et al., 2006; IMBERNÓN, 2010; SCHÖN 2000; TARDIF, 2014, entre outros) 26 O capítulo 2, “Programas de formação continuada para professores dos anos iniciais: a trajetória até o PNAIC”, versa sobre os principais programas de formação continuada voltados a alfabetização em âmbito nacional e estadual (S.P.) a fim de possibilitar que o leitor identifique as características, objetivos e semelhanças destes cursos e as marcas que repercutiram no PNAIC, curso de formação continuada do qual os sujeitos dessa pesquisa participaram. “O ensino de Geometria nos anos iniciais do ensino fundamental”, é o foco do capítulo 3, que apresenta alguns impactos decorrentes da inserção da Matemática Moderna no ensino de Geometria, a reflexão de diferentes teóricos sobre as problemáticas enfrentadas no processo de ensino destes conteúdos e quais são os fatores para que isso ocorra. Também apresenta os documentos oficiais que servem de parâmetro ao ensino de Geometria nos anos iniciais. O capítulo 4, “A pesquisa e os aportes metodológicos e teóricos para análise de dados”, é dedicado à metodologia utilizada na pesquisa, a caracterização do local de desenvolvimento da pesquisa, a apresentação dos sujeitos envolvidos e a trajetória formativa que possuem. As bases teóricas utilizadas nas análises das informações exploram alguns conceitos pertinentes ao entendimento da Análise de Discurso, sob a linha francesa de Pêcheux, utilizada para a construção dos dados (ORLANDI, 2002). Também são apresentados os instrumentos utilizados para a coleta de dados e o processo de construção do corpus, a partir do material bruto coletado. No capítulo 5 são apresentadas as análises e resultados obtidos. Parte-se da caracterização da pesquisadora, para que assim o leitor compreenda quem analisa e as condições de produção de seus discursos. Em seguida são apresentados os perfis dos participantes quanto à formação inicial, à formação continuada, tempo de exercício na docência, entre outros. Também são apresentadas diferentes concepções dos sujeitos sobre a formação do PNAIC, a aprendizagem de Geometria e o processo de ensino de conteúdos geométricos, finalizando com um tópico que versa sobre a observação das aulas de geometria desses sujeitos. Finalmente, na “Conclusão” são reorganizadas as discussões e apresentadas os fechamentos sobre as questões levantadas, com vistas à elucidação das mesmas, apontando indicativos para futuras investigações e ações. 27 CAPÍTULO I 1. FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES: APONTAMENTOS PARA A REFLEXÃO Este capítulo se propõe a evidenciar os aspectos legais que versam sobre a formação continuada de professores e que impactaram as políticas educacionais brasileiras ao longo dos últimos anos, bem como os diferentes enfoques dado as ações formativas de professores (CONTRERAS, 2002 e SCHÖN; 2000, entre outros) e suas possíveis implicações nas práticas docentes. Para tanto serão abordados alguns princípios da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9394/96; da resolução CNE/CP 2/2015, denominada “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada em Nível Superior de Profissionais do Magistério para a Educação Básica”, bem como, os documentos legais que embasam as ações formativas do município de Bauru, estado de São Paulo, cidade em que ocorreu esta pesquisa, sendo eles: Planos de Cargos Carreiras e Salários (PCCS), nº 5. 999/ 2010, e o Estatuto do Magistério, nº 6.217/ 2012. A intenção, ao analisar estes documentos é compreender em cada uma dessas normativas quais as concepções e orientações dadas à formação continuada de professores que atuam na educação básica. Severino (1986) afirma ser possível, através do entendimento da política educacional e de suas legislações, compreender quais os elementos ideológicos do Estado preponderaram em diferentes períodos, ou seja, como a classe dominante de uma dada sociedade se organiza e consegue, atuando em diferentes espaços e momentos, defender seus interesses. Também serão apresentados aspectos referentes ao conhecimento e apropriação dos saberes docentes (GAUTHIER et al., 2006; TARDIF, 2014), importantes para a compreensão dos processos constitutivos da docência. Por fim serão apresentadas algumas discussões relevantes e atuais sob aspectos que influenciam na formação continuada de professores na perspectiva diferentes autores como Alvarado-Prada, Freitas; Freitas, (2010); Candau, (1997); Gatti, (2000-2008); Imbernón, (2010), entre outros. 28 1.1. Formação continuada e as garantias legais As orientações presentes nos documentos legais regulamentam a formação continuada de professores e influenciam a organização das instituições formadoras e as redes de ensino. A LDB 9394/96 estimula a formação continuada docente e indica aos sistemas de ensino que promovam a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes aperfeiçoamento profissional continuado e período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho. Nesse sentindo, abre possibilidades que escolas e redes de ensino, a partir das demandas dos profissionais envolvidos no trabalho escolar, constituam modelos de formação continuada próprios, ou seja, utilizando um embasamento teórico condizente com as suas realidades e expectativas educacionais. A resolução CNE/CP 2/2015 estabelece diretrizes curriculares nacionais para a formação inicial e continuada em nível superior de profissionais do magistério para a Educação Básica. Atendendo a essas orientações, a rede de ensino do município de Bauru, na qual foi realizada essa pesquisa, elaborou um documento legal visando regulamentar e incentivar a formação continuada, valorizando os profissionais que dela participam em forma de pecúnia e vantagens na evolução da carreira. 1.1.1 A LDB 9394/96 e a formação continuada de professores No início dos anos 1990 o contexto econômico vigente no país era o da intensa e progressiva crise estrutural do regime de acumulação fordista, fortalecendo a fixação dos ideais neoliberalistas (GENTILI, 1996). Os princípios que regem essa nova alternativa de organização mundial ganharam espaço e densidade ideológica, pois foram [...] uma alternativa de poder extremamente vigorosa, constituída por uma série de estratégias políticas, econômicas e jurídicas orientadas para encontrar uma saída dominante para a crise capitalista que se inicia ao final dos anos 60 e que se manifesta claramente já nos anos 70. [...] expressa e sintetiza um ambicioso projeto de reforma ideológica de nossas sociedades a construção e a difusão de um novo senso comum que fornece coerência, sentido e uma pretensa 29 legitimidade às propostas de reforma impulsionadas pelo bloco dominante. (GENTILI, 1996, p.9). O neoliberalismo aproximou a escola ao âmbito do mercado e das técnicas de gerenciamento. A educação deixou de ser parte apenas do campo social e político para ingressar no mercado. Andrioli (2002) relata que a educação ocupou um lugar central na sociedade neoliberal e por isso foi incentivada. De acordo com o Banco Mundial7, são duas as tarefas relevantes ao capital que estão colocadas para a educação: a) ampliar o mercado consumidor, apostando na educação como geradora de trabalho, consumo e cidadania (incluir mais pessoas como consumidoras); b) gerar estabilidade política nos países com a subordinação dos processos educativos aos interesses da reprodução das relações sociais capitalistas (garantir governabilidade). (ANDRIOLI, 2002, s/p). Assim, do ponto de vista político e econômico, entre os períodos de 1990 e 2007, as marcas do modelo socioeconômico vigente estão sujeitos a dois tipos de gestões: a gestão do trabalho, com uma educação voltada para o setor produtivo, e a gestão da pobreza, como uma educação para atender a demanda da maioria. É o período da vinculação entre educação e equidade. (OLIVEIRA, D., 2003). Frente às mudanças provocadas pelo sistema neoliberal em todo o mundo, a Conferência Mundial sobre Educação Para Todos, grande marco para as reformas educacionais e que ocorreu em março de 1990, na cidade de Jomtien, na Tailândia, estabeleceu um plano de ações para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem e propôs maior equidade social nos países pobres e populosos do mundo. Oliveira D. (2003) corrobora ao esclarecer que o Brasil foi signatário desta Conferência e, consequentemente, procurou efetivar as reformas nos sistemas de educação básica indo ao encontro dos princípios da mesma. A busca da universalização do ensino e a ideia que a educação se constitui um direito de todos possibilitando uma vida melhor, mudou o foco econômico da busca pela escolarização para um foco político mais centrado nas noções de sociedade civil, cidadania, participação e equidade. 7 Instituição financeira internacional que fornece empréstimos para países em desenvolvimento em programas de capital. 30 O conceito de equidade [...] sugere a possibilidade de estender certos benefícios obtidos por alguns grupos sociais à totalidade das populações sem, contudo, ampliar na mesma proporção às despesas públicas para esse fim [...] dessa maneira, educação com equidade implica oferecer o mínimo de instrução indispensável às populações para sua inserção na sociedade atual (OLIVEIRA, D., 2003, p. 74). A preocupação com formação de professores entrou em pauta mundial pela conjunção de dois movimentos: de um lado, as pressões do mundo do trabalho, que estava sendo estruturado em novas condições, num modelo informatizado e dando valor ao conhecimento; por outro, com a constatação, pelo sistema de governo, dos precários desempenhos populares de grande parte da população, mensurado a partir de avaliações externas e utilizando-se de indicadores discutíveis. Políticas públicas e ações políticas movimentaram-se, então, na direção de reformas curriculares e de mudanças na formação dos docentes, dos formadores das novas gerações (GATTI, 2008). Entre elas, a LDB 9394/96, a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1997; e as diretrizes de Formação de Professores. (BRASIL, 2002). Esta LDB, conforme esclarecem Nardi e Cortela (2015, p.25) ao citar Pereira (1999), [...] foi um arranjo entre dois projetos distintos: um de autoria de Saviani (1998), fruto de amplas discussões populares e setores acadêmicos, representando compromissos com a educação pública de qualidade, e o outro elaborado pelo MEC, assinado por Darcy Ribeiro visando atendimento de interesses também internacionais. Costa (2005) entende que, influenciado pelo pensamento e práticas neoliberais, o governo brasileiro repetiu sua história, renovando parcerias com o governo americano nos moldes dos projetos MEC-USAID, ao concordar com as medidas sugeridas pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas. 31 Os PCN retrataram a polifonia de vozes da LDB e foram baseados em modelos educacionais desenvolvidos na Espanha, que defendiam o uso de abordagens interacionistas para “[...] o desenvolvimento dos conteúdos e a concepção de competências”. (NARDI; CORTELA, 2015, p.26). Para Perrenoud (1999, p. 30) "Competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações”. Segundo o autor, o termo competência refere-se ao agir eficazmente num determinado tipo de situação apoiado em conhecimentos, mas sem se limitar a eles “[...] é preciso que alunos e professores se conscientizem das suas capacidades individuais que melhor podem servir o processo cíclico de Aprendizagem-Ensino-Aprendizagem” (PERRENOUD, 1999, p. 7). O parecer do Conselho Pleno Nacional de Educação (BRASIL, 2001), considera a concepção de competência como “[...] nuclear na orientação do curso de formação inicial de professores.” E para que a construção das competências se efetivarem [...] deve se refletir nos objetos da formação, na eleição de seus conteúdos, na organização institucional, na abordagem metodológica, na criação de diferentes tempos e espaços de vivências para os professores em formação, em especial na própria sala de aula e nos processos de avaliação. A aquisição de competências requeridas do professor deverá ocorrer mediante uma ação teórico-prática. [...] A aprendizagem por competência permite a articulação entre teoria e prática. [...] Não há real construção de conhecimento sem que resulte, do mesmo movimento, a construção de competências [...] é basicamente na aprendizagem de conteúdos que se dá a construção e o desenvolvimento de competências. (BRASIL, 2001, p.28-32). Gatti (2008) corrobora ao dizer que os cursos de formação continuada apresentam metas pautadas em competências e habilidades enunciadas como se fossem ingredientes rotulados que, quando adicionados, garantem os resultados almejados. Segundo ela, o uso do termo competência e/ou habilidade contornou a dificuldade, em certos círculos, de falar em domínio de técnicas para o trabalho docente, que ficou descartada sob o rótulo do tecnicismo. Desta forma, “Entre os educadores brasileiros, é difícil falar em técnica; bem mais fácil falar em competência” (GATTI, 2008, p.7). Nardi e Cortela (2015, p.26 apud FREITAS, 2002, p.157) apontam que a proposta de um currículo baseado em competências não foi gratuita, uma vez que está 32 associada à ideia de avaliação “[...] Desse modo, o currículo por competências passa a ser uma necessidade, já que exige a definição de desempenhos que demonstrem sua aquisição e que possam, portanto, ser avaliados”. No ano de 1994, foi eleito como presidente da república Fernando Henrique Cardoso (FHC), e em seu governo foram instituídas duas medidas educacionais que afetaram diretamente a formação inicial e continuada de professores: a aprovação da LDB 9394/1996, introduzindo fortemente a descentralização da educação, direcionando seus gastos por intermédio da criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do Magistério (FUNDEF) (OLIVEIRA, M.,2008). O FUNDEF voltou suas atenções exclusivamente para o ensino Fundamental; institui os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), e o Sistema Nacional de Avaliação, que objetivava acompanhar a qualidade do ensino básico das escolas públicas e particulares em todo país. Quanto a essas avaliações externas Cortela (2011) aponta que elas também corroboram com a ideia de mercantilização da educação. O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) e o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), são alguns exemplos de avaliações. Segundo a autora, uma das justificativas para aplicação destas provas é a de recolher indicadores comparativos de desempenho que possam fundamentar futuras tomadas de decisões no âmbito das escolas, em diferentes esferas. Torres (1998) afirma que ao elaborar os PCN, o governo FHC demonstrou centralismos entendido como antidemocráticos, pois não contemplou desde o início o debate com a sociedade educacional e pecou em ignorar a universidade e pesquisas sobre currículo e que, “[...] mesmo propondo a descentralização da educação, falseou a autonomia dos Estados e municípios ao elaborar um Sistema Nacional de Avaliação como medida de controle” (TORRES, 1998, p.141). A LDB 9.394/ 96 instituiu que a educação básica é dever do Estado, sendo obrigatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos de idade, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria. Está organizada, de acordo com o art. 4, parágrafo I, da seguinte forma: a) pré-escola, b) ensino fundamental e, c) ensino médio. No que se refere à formação de professores, a LDB vigente, no capítulo V, título VI que versa sobre os profissionais da Educação aborda em parágrafo único que a formação dos profissionais da Educação terá como fundamento, entre outras: “II – a 33 associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço”. As relações entre os conhecimentos adquiridos na formação inicial, os saberes disciplinares (TARDIF, 2014), e a ação pedagógica ganhou destaque, pois, até então, os professores eram formados em nível técnico (magistério) e não havia preocupação legal com a articulação entre teoria que envolvesse essa preparação. A capacitação em serviço permite que as escolas e redes de ensino ofereçam formação continuada a esses docentes considerando as especificidades locais. Sob formação continuada, a LDB 9394/96, no artigo 63, parágrafo III, instituiu também que os Institutos Superiores de Educação mantenham programa de Educação Continuada para profissionais da educação dos diversos níveis. Aponta essa lei em seu artigo 67, que os sistemas de ensino promovam a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público, aperfeiçoamento profissional continuado com licenciamento periódico remunerado para esse fim (parágrafo II), progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho (parágrafo IV), bem como período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho (parágrafo V). Indo ao encontro do modelo socioeconômico vigente, a LDB 9394/96 propõe novas orientações à formação docente, no qual o profissional fica imerso a um constante processo de “aprender a aprender” sendo inclusive remunerado e valorizado de acordo com suas titulações. Mas, a lei não garante a qualidade dessas formações. Percebe-se que o legislador importa-se mais com a criação de novas instâncias formadoras a abertura do magistério do que fomentar a qualidade dos cursos já existentes. (MINTO; MURANAKA, 2000). Torres (1998) salienta que o Banco Mundial teve um papel muito importante na definição das prioridades, das estratégias e dos conteúdos concretos que a reforma educativa adotada em cada país. Ele trata a questão da formação continuada enfatizando o seu papel renovador, no qual os professores devem se preparar para formar as novas gerações para a “nova” economia mundial. Ao possibilitar a implementação dos Institutos superiores da Educação (ISEs), a LDB e a legislação dela decorrente mantiveram fidelidade e coerência com as orientações do Banco Mundial e com os princípios que norteiam a educação superior, postos claramente nos documentos 34 oficiais elaborados pelo MEC, que diversificam as instituições de ensino, favorecendo e valorizando estabelecimentos não universitários, especialmente a formação de professores para o ensino básico. (MINTO; MURANAKA, 2000, p.12-13). Mais uma vez a formação de professores foi marcada pelo aligeiramento, reforçado pelas ações governamentais e do MEC, ao favorecerem a criação de modelos institucionais alternativos de formação para a educação básica, criação de institutos superiores de educação básica e certificação de docente por meio de universidade virtual. Todas essas medidas estabeleceram um consórcio, no qual, a formação inicial e continuada passou a ser encarada como mercado, comprometendo a sua qualidade e rigor. (MINTO; MURANAKA, 2000). Em 2003, o país passou a ser governado por Luiz Inácio Lula da Silva que em seu primeiro mandato começou a reconduzir algumas ações educacionais de médio e longo prazo. Em 2006, sob a legislação de n°11.274 ocorre uma alteração na redação da LDB 9394/96 dispondo sobre a duração de nove anos para o Ensino Fundamental, com matrículas obrigatórias a partir de seis anos de idade. A escolarização, nesse sentido, passa a iniciar-se no 1º ano do ensino Fundamental I (alunos com seis anos de idade) e a conclusão do ensino Fundamental I ocorre quando os alunos alcançam o 5º ano. O Ensino Fundamental II tem início no 6º ano e término no 9º ano. No ano de 2007 duas medidas importantes foram estabelecidas: a implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) substituindo o FUNDEF, e o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Segundo Santos (2011), o PDE teve como articulador “O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação”, instituído pelo Decreto 6.094 de 24 de abril de 2007, propondo um novo regime de colaboração, visando “[...] articular a atuação dos Estados, Distrito Federal e Municípios envolvendo, primordialmente, a decisão política, a ação técnica e atendimento da demanda educacional, tendo em vista a melhoria dos indicadores educacionais” (SANTOS, 2011, p.11). Neste plano, uma série de medidas para auxiliar e garantir a educação foram implantadas e organizadas em quatro eixos: Educação Básica, Educação Superior, Educação Profissional e Tecnológica, Alfabetização e Educação Continuada. 35 Dentro desses eixos, as seguintes ações foram ora anexadas, ora criadas: FUNDEB, Pro-infância, Ensino Fundamental de nove anos, Provinha Brasil, Programas de apoio ao Ensino Médio, Luz para todos, Educacenso, Prova Brasil, PDE-Escola, Olimpíadas Brasileiras de Matemática das escolas públicas, Olimpíadas Brasileiras da Língua Portuguesa escrevendo o futuro, Mais Educação, Caminho da Escola, PNATE, Pró-escola, Proinfo, Biblioteca na Escola, Saúde na escola, Olhar Brasil, Educação Especial, Brasil alfabetizado, PNLA, Proeja, Projovem campo, Brasil profissionalizado, IFET, E-TEC Brasil, Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, Catálogo dos Cursos Superiores de Tecnologia, Piso Salarial do magistério, Sistema Nacional de Formação de Professores, Pripid, UAB, Pró- letramento, Pró-funcionário, Expansão do Ensino Superior, dentre outros. (SANTOS, 2011, p.11, grifos da pesquisadora). Entre as medidas elaboradas, destaca-se que algumas orientaram aspectos relacionados à formação de professores visando assegurar a qualidade do ensino público nos diferentes níveis. O Sistema Nacional de Formação de Professores8 foi um programa regido pela lei nº 11.502, de julho de 2007, que atribui à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) a responsabilidade pela formação de professores da Educação Básica, assegurando uma formação àqueles professores que já estão em exercício, mas não possuem a titulação adequada, além de integrar a educação básica e superior visando à qualidade do ensino público. O Pró-Letramento9, instituído pela resolução CD/FNDE nº24 de 16 de agosto de 2010, é um programa de formação continuada de professores, realizado pelo MEC em parceria com universidades que integram a Rede Nacional de Formação Continuada e com adesão dos Estados e Municípios. Objetiva a melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e matemática nos anos iniciais do ensino fundamental. Será abordado de forma mais detalhada no capítulo dois. Atualmente, o Sistema Nacional de Formação de Professores encontra-se ativo, tendo suas notícias de formação disponibilizadas no site da fundação CAPES em pareceria com Ministério da Educação, que informa sobre cursos e prazos relacionados à formação continuada. Atentando-se ao Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, vigente até o presente momento, observa-se que ele propõe a conjugação de esforços entre União, 8 Disponível em http://portal.mec.gov.br/rede-nacional-de-formacao-de-professores/sitema- nacional-de-formacao-de-professores. Acesso em 06/05/16 9 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/pro-letramento/apresentacao. Acesso em 06/05/16 36 Estados, Distrito Federal e Municípios, atuando em regime de colaboração, com famílias e comunidade, em proveito da melhoria e qualidade da educação básica. Em seu art.2º estabelece dezoito diretrizes. Entre elas, o parágrafo II: “alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, aferindo os resultados por exame periódico específico” (grifo da pesquisadora). Interessante perceber que a palavra aferir tem por significado cotejar com os respectivos padrões. Ou seja, o próprio documento estabelece graus que as avaliações externas visam ajustar, a partir de resultados de provas em comparações com padrões estabelecidos. A portaria nº 867, de 04 de julho de 2012, institui em seu art. 1º o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), pelo qual o Ministério da Educação (MEC) e as secretarias estaduais, distrital e municipais de educação reafirmam e ampliam o compromisso previsto no Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Este programa é o locus desta pesquisa, e especificamente as orientações dedicadas à formação continuada de professores na área de Matemática, realizadas no ano de 2014, do qual serão abordadas com mais atento no capítulo 2 deste trabalho. 1.1.2 Resolução CNE/CP- 2/2015: sobre a formação Continuada A referida resolução foi instituída partindo de algumas premissas. Entre estas o fato de que a consolidação das normas educativas nacionais para a formação de profissionais do magistério para a educação básica é indispensável para o projeto nacional da educação brasileira, em seus níveis e suas modalidades da educação, tendo em vista a abrangência e a complexidade da educação de modo geral e, em especial, a educação escolar inscrita na sociedade. Considera também a importância do profissional do magistério e de sua valorização profissional, assegurada pela garantia de formação inicial e continuada, plano de carreira, salário e condições dignas de trabalho. (BRASIL, 2015a) Desta forma, foram elaborados dispositivos gerais que versam sobre as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada em Nível Superior de Profissionais do Magistério para a Educação Básica”, definindo princípios, fundamentos dinâmicos formativos e procedimentos a serem observados na política, na gestão e nos programas e cursos de formação, bem como no planejamento, nos processos de avaliação e de regulação das instituições de educação que as ofertam. 37 Como o foco desta pesquisa é a formação continuada, expõe-se nos próximos parágrafos como esta resolução propõe que sejam realizadas tais formações e o que devem garantir. Na CNE/CP- 2/2015, capítulo VI, art. 16 apresenta-se uma definição do entendimento da expressão formação continuada, qual é A formação continuada compreende dimensões coletivas, organizacionais e profissionais, bem como o repensar do processo pedagógico, dos saberes e valores, e envolve atividades de extensão, grupos de estudos, reuniões pedagógicas, cursos, programas e ações para além da formação mínima exigida ao exercício do magistério na educação básica, tendo como principal finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca de aperfeiçoamento técnico, pedagógico, ético e político do profissional docente. (BRASIL, 2015a, p.13). A normativa indica que estas formações decorram de uma concepção de desenvolvimento profissional e leve em conta os sistemas e as redes de ensino, o projetos pedagógico das instituições, bem como os problemas e desafios da escola e o contexto no qual ela está inserida. Ainda considera que os cursos destinados aos professores acompanhem o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, respeitem o protagonismo do professor permitindo-lhe refletir criticamente e aperfeiçoar a sua prática, para assim estabelecer diálogo e parceria com atores e instituições competentes “[...] capazes de contribuir para alavancar novos patamares de qualidade ao complexo trabalho de gestão da sala de aula e da instituição educativa” (BRASIL, 2015a, p.14). Desta maneira, as formações devem se dar pela oferta de atividades e cursos de atualização, extensão, aperfeiçoamento, especialização, mestrado e doutorado que agreguem novos saberes e práticas, articulados às políticas e gestão da educação, à área de atuação do profissional e às instituições de educação básica, em suas diferentes etapas e modalidades da educação. (BRASIL, 2015a). No capítulo VII, da CNE/CP- 2/2015 “Dos profissionais do magistério e sua valorização” fica homologado que compete aos sistemas de ensino, às redes e às instituições educativas a responsabilidade pela garantia de políticas de valorização dos profissionais do magistério da educação básica, que devem ter assegurado sua formação, além de plano de carreira, de acordo com a legislação vigente, e preparação para atuar nas etapas e modalidades da educação básica e seus projetos de gestão, 38 conforme definido na base comum nacional e nas diretrizes de formação. (BRASIL, 2015a). Assegura o art. 19 da lei supracitada, que como meio de valorização dos profissionais do magistério público nos planos de carreira e remuneração dos respectivos sistemas de ensino, deverá ser garantida a convergência entre formas de acesso e provimento ao cargo, formação inicial, formação continuada, jornada de trabalho, incluindo horas para as atividades que considerem a carga horária, progressão na carreira e avaliação de desempenho com a participação dos pares. Desta forma assevera-se que para assegurar a qualidade da ação educativa o acesso à carreira aconteça por meio de concursos de provas e títulos, que os valores de remuneração nunca sejam inferiores ao piso salarial profissional nacional; que ocorra a diferenciação por titulação dos profissionais da educação escolar básica entre os habilitados em nível médio e os habilitados em nível superior e pós-graduação lato sensu, com percentual compatível entre estes últimos e os detentores de cursos de mestrado e doutorado. Também garante o § 7 da resolução CNE/CP- 2/2015 a oferta de programas permanentes e regulares de formação e aperfeiçoamento profissional do magistério e a instituição de licenças remuneradas e formação em serviço, inclusive em nível de pós- graduação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como os objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica. Sendo assim, com esta resolução ficam asseguradas aos professores da educação básica possibilidades formativas que não se esgotam somente em um curso de atualização, mas é encarada como um processo, “[...] construído no cotidiano escolar de forma constante e contínua” (CUNHA, KRASILCHIK, 2000, p.4). Concebida dessa maneira, a formação continuada contribui de forma significativa para o desenvolvimento do conhecimento profissional do professor, cujo objetivo entre outros, é facilitar as capacidades reflexivas sobre a própria prática docente elevando-a a uma consciência coletiva. A partir dessa perspectiva, a formação continuada conquista espaço privilegiado por permitir a aproximação entre os processos de mudança que se deseja fomentar no contexto da escola e a reflexão intencional sobre as consequências destas mudanças. 39 1.1.3 Incentivos e garantias legais para a formação continuada no município Bauru São apresentados aqui os incentivos e garantias legais elaborados pela gestão administrativa do município de Bauru, estado de São Paulo, uma vez que esta é a cidade na qual ocorreu a pesquisa. Com tais apontamentos pretende-se observar como ocorre a implementação das ações formativas neste município e de que maneira estas impactam a valorização docente. Durante o ano de 2010, esta rede municipal de ensino propôs a discussão e elaboração de um documento que regeria um plano de cargos, carreiras e salários dos servidores da educação (PCCS). No decorrer daquele ano, diversos encontros envolvendo diferentes setores da educação foram realizados para que os participantes realizassem leituras, análises e efetuassem sugestões ao documento oficial, que foram encaminhas ao poder legislativo, culminando na aprovação do mesmo, em novembro do mesmo ano, registrado sob nº 5. 999. O PCCS reenquadrou cargos, reconfigurou as carreiras, criou nova grade salarial e dispôs sobre a cessação do pagamento das gratificações e adicionais, bem como instituiu as jornadas de trabalho dos servidores municipais. Estas atribuições e responsabilidades, previstas na estrutura organizacional do Município, tomaram por base os seguintes documentos: o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), a LDB 9394/96; Diretrizes da Secretaria Municipal da Educação; e a Legislação da Administração Pública vigente. A lei nº 5. 999, em seu § 2 institui que o PCCS visa prover a Secretaria Municipal de Educação, com estrutura de cargos, carreiras que são organizados, mediante I – implementação de um sistema permanente de capacitação dos profissionais; II – reconhecimento e valorização dos profissionais através de critérios que proporcionem igualdade de oportunidades, garantindo a qualidade dos serviços prestados à população. (BAURU, 2010, p.1). No título IV, capítulo II, destinado à progressão na carreira, são apresentados itens que regularizam a progressão e a evolução funcional do profissional na carreira, que poderá ser conquistada, após a avaliação do estágio probatório, de duas formas: 1) 40 em razão do resultado de avaliação de desempenho- progressão por mérito profissional (PMP) ou, 2) progressão por qualificação profissional (PQP). A PMP acontece de forma horizontal, mediante a avaliação de desempenho e desenvolvimento, a cada três anos de efetivo exercício no cargo, correspondendo ao acréscimo salarial de um nível do vencimento. Trata-se de uma avaliação abrangente, contemplando cinco aspectos de formação: 1) os diferentes aspectos de sua formação e os níveis de complexidade, 2) a capacidade técnica educacional dentro do contexto, 3) a avaliação das chefias imediatas e autoavaliação do servidor; 4) a repercussão dos processos de desenvolvimento sobre os serviços prestados à população e a produtividade, e 5) a qualidade dos serviços e a pontualidade na entrega destes. Ressalta-se, então, que aspectos formativos envolvendo a capacidade técnica educacional e a formação continuada são consideradas, bem como a repercussão dessa formação, nos serviços prestados, numa perspectiva de valorização destas atividades. A progressão por qualificação profissional (PQP) também acontece de forma horizontal mediante avaliação de desempenho e desenvolvimento favorável e apresentação de diplomas e/ou certificados de participações em cursos, a cada dois anos de efetivo exercício no cargo, correspondendo ao acréscimo de um nível salarial de vencimento. O art. 19 desta lei estabelece que são aceitos para os cargos de Especialistas em Educação Adjunto e Especialistas em Educação (nomenclatura atribuída a professores substitutos e professores efetivos, respectivamente) cursos de aperfeiçoamento em sua área de atuação ou correlata, cujo somatório da carga horária seja igual ou superior a 120 (cento e vinte) horas, garantindo, após a aprovação no estágio probatório, a progressão para o nível subsequente, até o limite do último nível de vencimento da classe. No capítulo III deste documento, destinado à promoção da carreira, instituiu-se que os servidores da educação poderão ter promoção de qualificação profissional por escolaridade (PQPE), de forma vertical, a cada cinco anos de efetivo exercício no cargo, no nível de vencimento correspondente ao valor imediatamente superior ao valor percebido, na classe imediatamente superior, dentro do mesmo cargo após titulação. Desta forma, aos cargos de Especialista em Educação Adjunto (professor substituto), Especialistas em Educação (professor regente da sala) e Especialistas em Gestão Escolar (diretor de escola) a promoção acontecerá mediante a apresentação de titulações, podendo ser certificado de conclusão de curso de pós-graduação Lato Sensu, com carga horária igual ou superior a 360 (trezentas e sessenta) horas; certificado de 41 conclusão de curso de pós-graduação Lato Sensu com carga horária igual ou superior a 900 (novecentas) horas; certificado de conclusão de curso de pós-graduação Lato Sensu, com carga horária igual ou superior a 1.500 (mil e quinhentas) horas e certificado de conclusão de curso de pós-graduação Stricto Sensu nos níveis de mestrado e/ou doutorado em sua área de atuação ou correlata. (BAURU, art. 21, cap. III, 2010). Outra maneira de o município em questão incentivar e valorizar a formação encontra-se presente na lei nº 6.217/ 2012, que dispõe sobre a reformulação do estatuto do Magistério Municipal. A cada título obtido com a participação em cursos, eventos e publicações científicas com certificados, serão atribuídas ao servidor pontuações e essas notas servem como critérios para classificação de atribuição de classe, remoção e permuta. Determinou-se, também, que tais titulações só terão validade se certificadas por instâncias reconhecidas pelo MEC, ou pela própria secretaria municipal de educação. Para suprir e dar acesso à busca por formação adequada aos seus servidores, ficou garantido no capítulo IV, da lei nº 6.217/ 2012 que a Secretaria Municipal de Educação, com apoio da Secretaria Municipal da Administração organizará, planejará e promoverá cursos ou programas de capacitação, denominado Programa de Capacitação e Aperfeiçoamento (PCA), buscando parcerias ou convênios necessários para vincular a realização das qualificações ao melhor desenvolvimento educacional. Em suma, este programa tem como objetivos conscientizar, preparar e incentivar o profissional da educação para desenvolver-se na carreira e mobilizar todas as suas potencialidades. Membros do Departamento de Planejamento, Projetos e Pesquisas Educacionais (DPPPE), constituído de professores de diferentes áreas da própria rede municipal de ensino, que estão afastados de seus cargos para atuar na capacitação e elaboração de momentos formativos dos servidores da educação, divulgaram um pequeno balanço dos trabalhos com formação continuada oferecidos em quase oito anos de trabalho (a data de criação desse departamento antecedeu a elaboração do PCCS). No início do ano de 2016 foi divulgado que até o término do mesmo ano terão sido desenvolvidas aproximadamente 650 ações formativas entre cursos, palestras, oficinas, grupos de estudo e troca de experiência e que foram disponibilizadas 24.000 vagas para estes cursos, totalizado 20.000 horas de formação10. 10 Informações oriunda do catálogo de formação continuada- 2º semestre 2016, em http: Acesso em 10/08/2016. 42 Nesse sentido, a educação passa a ser entendida como um investimento ao capital humano e o professor é instado a produzir mais, competir mais, o que se torna possível com a introdução das inovações tecnológicas. (SAVIANI, 2007). É dentro desse contexto de desenvolvimento profissional versus a valorização da titulação docente, que a formação continuada de professores, em sua articulação com a prática educativa, torna-se alvo de interesse. É oportuno e necessário aprofundar a discussão sobre como e mediante quais circunstâncias a formação continuada tem contribuído para o desenvolvimento profissional dos docentes e para a qualidade dos processos educativos no país. Vale salientar, como bem aponta Saviani (2007, p.189), que essa crescente busca pela formação profissional atrelada à sua valorização, funciona como um incentivo ao capital humano individual que habilita os indivíduos para a competição pelos empregos disponíveis. É o indivíduo que terá que exercer sua capacidade de escolha visando adquirir os meios que lhe permitam ser competitivo no mercado de trabalho. E o que ele pode esperar das oportunidades educacionais já não é o acesso ao emprego, mas apenas a conquista do status de empregabilidade. Coadunando com as ideias do autor supracitado, compreende-se que ao optar por uma formação específica, o indivíduo poderá ser levado a exercer sua capacidade de escolha visando o mercado de trabalho e/ou a conquista dos status de empregabilidade. 1.2 Os saberes docentes e a formação continuada Como afirmam Gauthier et al. (2006), a formação inicial não se constitui o único espaço de aprendizagem da profissão. Para que o professor construa e desenvolva sua competência profissional é necessário que invista em uma formação continuada e se empenhe em adquirir novos conhecimentos. Conforme assinalam Bastos; Nardi, (2008), professores da educação básica relatam buscar atualização conforme suas necessidades e interesses, por meio de uma série de estratégias, tais como leitura de textos de diferentes fontes, intercâmbio com colegas, reflexão sobre a prática, participação em palestras, grupos de estudos, entre outros. E muitos também se inserem em cursos e 43 palestras oferecidas pelas instituições de ensino superior ou secretarias de educação. Esse tipo de formação é denominada por estes autores, como formação continuada, pois permite o desenvolvimento de competências, conhecimentos e outras características relacionadas ao processo de ensino, realizadas após a formação inicial. Os próximos itens dedicam-se a apresentar estudos pertinentes a natureza do saber docente e apontam que o mesmo possui fontes diversas, ou seja, é constituído de diversos elementos, teóricos e práticos, que se estabelecem de modo processual e contínuo durante toda a carreira do professor. (TARDIF, 2014, GAUTHIER et al., 2006, entre outros). Compreender quais são os aspectos relevantes aos saberes docentes e como estes se articulam favorecem a prática pedagógica. Articulando-se ao item anterior, por compreender que as ações formativas devem considerar a heterogeneidade dos saberes docentes, e partindo das contribuições de Candau (1997), Gatti (2000), Imbernón (2010), Nóvoa (1999), entre outros, serão abordados aspectos relevantes às discussões voltadas à formação continuada de professores. Pretende-se abordar as problemáticas apontadas pelos estudos promovendo uma reflexão tendo em vista os desafios e as possibilidades para o desenvolvimento profissional dos professores. 1.2.1 Os saberes docentes Os aspectos legais presentes nas políticas públicas e legislações contribuem para modificar a visão e o enfoque das formações do professor. Entre as décadas de 1960 e 1970, o enfoque das abordagens comportamentalistas em educação refletiam nas ações formativas e passaram a se alicerçar em uma base “científica” para a docência, gerando o entendimento do professor como “profissional técnico”, ou seja, um profissional cuja habilidade básica era de aplicar em aula os conhecimentos das ciências do comportamento. (CONTRERAS, 2002; MARCELO GARCIA, 1999; TARDIF, 2014). Bastos, Nardi (2008) registraram que nas décadas de 1980 esse modelo também denominado “modelo de racionalidade técnica” ou “aplicacionista” (CONTRERAS, 2002; TARDIF 2014) sofreu críticas pautada no fato de que o trabalho do professor possui singularidades e especificidades e, ao atrelar a formação deste profissional ao “tecnicismo” e sua base nos procedimentos de ensino, desconsidera-se aspectos fundamentais da finalidade da educação, quais sejam: a reflexão, a criticidade e o planejamento pautado nas especificidades escolares no qual está inserido. 44 Schön (2000) enuncia a existência de um trabalho prático que fundamenta o trabalho do professor em sala de aula, denominado “conhecimento na ação”, mas também considera importante as habilidades denominadas de “reflexão na ação” e “reflexão sobre a ação”, nas quais o professor elabora um movimento contínuo de adaptação de seu ensino a contextos de atuação, que são singulares e incertos por sua própria natureza (BASTOS; NARDI, 2008). Para Schön (2000), a reflexão na ação, ocorre simultaneamente à prática, na interação com as experiências cotidianas em um processo dinâmico, permitindo que o docente dialogue com a situação, a partir de um diagnóstico acelerado à vista da improvisação, lançando mão de decisões frente ao inesperado de acordo com as condições do momento. A reflexão sobre a ação faz referência ao pensamento deliberado e sistemático, ocorrendo após a ação, ou seja, o professor volta ao ocorrido e procura refletir sobre o que vivenciou proporcionando a consciência do conhecimento tácito, reorganizando o pensamento na ação para analisá-la. Contreras (2002) aponta que esse modelo sofreu várias críticas, sendo uma delas o fato de que as reflexões concebidas desta forma são restritas a questões imediatas de situações de aula e ignoram os contextos econômicos, sociais, políticos e culturais que influenciam no trabalho docente. De forma mais detalhada, o autor considera o professor em três tendências distintas: o especialista técnico; o profissional reflexivo e o intelectual crítico. Quadro 1- Concepções sobre profissionalidade docente a partir de Contreras (2002). Professor como especialista técnico Professor reflexivo Professor como intelectual crítico Concepção de educação Ciência aplicada Compreensão da reflexão sobre as relações Crítica e transformadora Prática profissional Racionalidade técnica Aplicação Reflete sobre a atuação e a modifica. A reflexão é um instrumento de transformação da prática. Tarefa intelectual crítica Democrática Fonte: adaptado pela autora, 2016. Bastos, Nardi (2008) reforçam que como reação ao tecnicismo e ao modelo clássico do professor reflexivo, a ideia do professor como profissional crítico se torna fundamental, já que segundo essa perspectiva, o docente tem consciência da importância dos questionamentos, das ideologias e das estruturas econômicas, sociais e 45 políticas. Bem como compreende que esta reflexão crítica só é possível com o auxílio dos instrumentos teóricos adequados. Tardif (2014) crítica os enfoques anglo-americanos que reduzem o saber dos professores aos processos psicológicos, assim como certas visões europeias tecnicistas que alimentam atualmente as abordagens por competências, bem como, se opõe em relação às concepções sociológicas tradicionais, que associam os professores a agentes de reprodução das estruturas dominantes. Segundo o autor supracitado, a questão dos saberes docentes não deve ser estudada isoladamente, mas dentro do contexto mais amplo que a profissão docente está situada, considerando os condicionantes e o contexto de trabalho do professor, pois os diversos saberes e o saber-fazer dos professores, não se originam neles mesmos e nem em seu trabalho cotidiano, mas possuem uma origem social patente, ou seja, “[...] o saber profissional se dá na confluência de vários saberes oriundos da sociedade, da instituição escolar, dos outros atores educacionais, das universidades, etc” (TARDIF, 2014, p.19). Esses saberes são formados por diferentes variáveis que integram a formação docente ao longo de sua trajetória educacional, que na visão de Tardif (2014) são: Os saberes pessoais; os saberes provenientes da educação escolar; saberes oriundos da formação profissional; os saberes disciplinares e os saberes experienciais. Os saberes pessoais são provenientes da relação com a família, ambiente de vida, educação obtida, entre outros. Integram-se ao trabalho docente pela história de vida e socializações. Os saberes da formação escolar têm como fonte de aquisição aqueles que ocorrem durante o processo de escolarização, antes da profissionalização. Integram-se a prática docente pela formação e pela socialização de conhecimentos pré-profissionais. Os saberes da formação profissional formam um conjunto de saberes científicos e eruditos, transmitidos pelas instituições de formação de professores inicial ou continuada, que abordam o professor e sua prática educativa como objetos de conhecimento, buscando não somente a produção de conhecimentos, mas a incorporação destes à sua prática pedagógica. Os saberes disciplinares são aqueles definidos e selecionados pelas instituições formadoras, tanto inicial quanto continuada. Referem-se às disciplinas presentes nestes cursos, ao campo de conhecimento com que o professor irá trabalhar e emergem da 46 tradição cultural dos grupos sociais produtores de saberes. Integram-se ao trabalho docente pela utilização das “ferramentas” de trabalho. Finalmente, os saberes experienciais, tratam de um conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários à prática docente e que não provêm das instituições de formação nem de currículos. São saberes práticos que se integram ao ato de ensinar formando um conjunto de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e orientam sua profissão, “[...] constituem, por assim dizer, a cultura docente em ação” (TARDIF, 2014, p.49). O autor ainda destaca a importância dos saberes experienciais em relação aos outros, pois é sobre esses saberes que os professores mantêm o controle, tanto no que diz respeito à sua produção quanto à legitimação. O saber profissional é, portanto, uma amálgama dos diferentes saberes provenientes de fontes diversas, que são construídos, relacionados e mobilizados pelos professores de acordo com as exigências de sua atividade profissional. Gauthier et al. (2006), baseados nos primeiros estudos de Tardif publicados em 2004, e em outros pesquisadores, também coadunam com a ideia do ensino como a mobilização de vários saberes. Em seu trabalho realizam um levantamento de pesquisas norte-americanas, sobre o que ficou conhecido como knowledge base, base de conhecimento. Apoiam-se na premissa de que as atividades docentes não estavam conseguindo demonstrar os seus saberes e, portanto, a ciência da educação acabava por produzir saberes que não condiziam com a prática. Com base nesta constatação, categorizam a profissão docente de três diferentes maneiras: ofício sem saberes, saberes sem oficio e ofícios feito de saberes. A primeira categoria, ofício sem saberes, abrange uma falta de sistematização de um saber particular do docente envolvendo bom senso, experiência, entre outros. Os saberes sem ofício são caracterizados pela formalização do ensino, a redução de sua complexidade e reflexão, ou seja, não contribuem para o fortalecimento da ação docente. Já o ofício feito de saberes, diz respeito aos vários saberes que são mobilizados pelos professores em sua prática escolar. Usando a analogia, Gauthier et al. (2006) referem-se aos saberes docentes como um reservatório o qual o professor se abastece para responder a exigências específicas de sua situação concreta de ensino. No entanto, acrescentam a classificação de alguns elementos importantes para a reflexão, quando privilegiam em suas categorizações a ação pedagógica, tida pelos autores como um 47 saber efetivamente específico a classe profissional, pois direcionam o tipo de ação em sala de aula. Quadro 2- O reservatório de saberes SABERES SABERES SABERES SABERES SABERES SABERES disciplinares (A matéria) curriculares (O programa) das ciências da educação da tradição pedagógica (o uso) experienciais (a jurisprudência particular) da ação pedagógica (o repertório de conhecimentos do ensino ou a jurisprudência pública validada) Fonte: GAUTHIER et al.(200