0 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” - INSTITUTO DE ARTES Programa de Pós-Graduação em Artes Mestrado LÍVIA KRASSUSKI BARBOZA A SANTA, A PROSTITUTA E A AMANTE INFELIZ: AS IMAGENS SIMBÓLICAS DO FEMININO DE EDVARD MUNCH, SOB ABORDAGEM DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE C. G. JUNG São Paulo 2009 1 LÍVIA KRASSUSKI BARBOZA A SANTA, A PROSTITUTA E A AMANTE INFELIZ: AS IMAGENS SIMBÓLICAS DO FEMININO DE EDVARD MUNCH, SOB ABORDAGEM DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE C. G. JUNG Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da UNESP, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito parcial exigido pelo Programa de Pós-Graduação em Artes (área de concentração: Artes Visuais; linha de pesquisa: Abordagens teóricas, históricas e culturais da arte) para obtenção do título de Mestre em Artes. Orientador: Prof. Dr. José Leonardo do Nascimento Coorientadora: Profa. Dra. Sonia Maria Bufarah Tommasi São Paulo 2009 Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP Barboza, Lívia Krassuski, 1971- B239s A santa, a prostituta e a amante infeliz : as imagens simbólicas do feminino de Edvard Munch, sob abordagem da psicologia analítica de C. G. Jung / Lívia Krassuski Barboza. - São Paulo : [s.n.], 2009. 104 f. : il. color. Bibliografia Orientador: Prof. Dr. José Leonardo do Nascimento. Coorientador: Profa. Dra. Sonia Maria Bufarah Tommasi. Dissertação (Mestrado em Artes) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. 1.Arte e psicologia. 2.Munch, Edward, 1863-1944 – crítica e interpretação. 3.Jung, C.G., (Carl Gustav), 1875-1961. I.Nascimento, José Leonardo do. II. Tommasi, Sonia Maria Bufarah. III. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD - 701.15 2 LÍVIA KRASSUSKI BARBOZA A SANTA, A PROSTITUTA E A AMANTE INFELIZ: AS IMAGENS SIMBÓLICAS DO FEMININO DE EDVARD MUNCH, SOB ABORDAGEM DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE C. G. JUNG Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da UNESP, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito parcial exigido pelo Programa de Pós-Graduação em Artes (área de concentração: Artes Visuais; linha de pesquisa: Abordagens teóricas, históricas e culturais da arte) para obtenção do título de Mestre em Artes. Orientador: Prof. Dr. José Leonardo do Nascimento Coorientadora: Profa. Dra. Sonia Maria Bufarah Tommasi Banca examinadora: Prof. Dr. José Leonardo do Nascimento (presidente) Prof. Dr. José Jorge de Morais Zacharias Prof. Dr. Omar Khouri Dissertação defendida e aprovada em 21 de agosto de 2009. 3 A todos aqueles que corajosamente fazem uso da criatividade para expressar seus sentimentos e emoções mais profundos, em busca do equilíbrio psíquico e da sanidade mental. Para minha mãe, Aline, e meu irmão, Otávio, com todo meu amor. 4 AGRADECIMENTOS Aos Mestres, particularmente àqueles cuja inestimável contribuição possibilitou que este trabalho chegasse a termo: Profa. Dra. Claudete Ribeiro, que foi minha orientadora até a qualificação, por toda a atenção que me dispensou, pelos livros que gentilmente me cedeu, por ter acreditado neste projeto e me dado a chance de levá-lo adiante; Profa. Dra. Sonia M. B. Tommasi e Prof. Dr. José Leonardo do Nascimento, que posteriormente assumiram, de forma generosa, a orientação desta pesquisa e cujas colocações, desde a qualificação, foram essenciais para o amadurecimento desta dissertação; Prof. Rui Sá Silva Barros, pelo apoio, interesse e pelas proveitosas indicações bibliográficas; Prof. Denis D. B. Molino, por ter me ajudado a encontrar os diários de Munch. À minha família, pelo apoio e incentivo, em especial a meu pai, Almiro, pela versão em inglês do resumo e a meu irmão, Otávio, pela revisão ortográfica; A Rogério Bruhns Libutti, que me fez atinar o significado da natureza feminina e me trouxe estímulo para finalizar este trabalho; Aos amigos e todos os que me auxiliaram a encontrar o “caminho do meio”, fora do qual nenhuma realização é possível, especialmente a Newton Yamassaki, Augusto Vix, Luiz Carlos Kozlowski, Nagariana Devi, Liliam Jousseph, Juan Ribaut e Dárcio Cavallini. 5 “Se quisermos compreender o que significa ‘alma’ devemos incluir o mundo.” Carl Gustav Jung “O simbolismo transforma o fenômeno em ideia, a ideia em imagem, de tal modo que a ideia permanece sempre infinitamente ativa e inatingível na imagem e, mesmo expressa em todas as línguas, permaneceria indizível.” Johann Wolfgang von Goethe 6 RESUMO Tendo por principal referencial teórico os conceitos de Carl Gustav Jung (1875-1961) sobre os arquétipos e o inconsciente coletivo, neste trabalho proponho-me mostrar como o conteúdo simbólico universal se manifesta na expressão artística individual do pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944). Coloco em foco imagens que retratam a mulher e as relações afetivas entre o homem e a mulher que o artista produziu na segunda fase de sua carreira, entre 1889 e 1908. Não obstante referirem-se à visão pessoal do artista, revelam simultaneamente a “nova mulher” que emergia na sociedade de seu tempo. Desta forma, ao contextualizar a produção artística de Munch e analisar seu conteúdo simbólico, proponho-me mostrar como a obra de arte pode expressar, muito além dos conflitos particulares de seu autor, o espírito da época em que foi criada, mediante temas universais. PALAVRAS-CHAVE: Edvard Munch; Jung e a obra de arte; simbolismo em Munch. 7 ABSTRACT Having as main theoretic reference the concepts of Carl Gustav Jung (1875-1961) on the archetypes and the collective unconscious, in this work I propose to demonstrate how the universal symbolic tenor is manifested in the individual artistic expression of the Norwegian painter Edvard Munch (1863- 1944). I put into perspective images that portray the woman and the relations of affection between man and woman, that the artist produced in the second phase of his career, between 1889 and 1908. Notwithstanding those refer to the personal view of the artist, they simultaneously bring forth the “new woman” that emerged in the society then. Thus, in contextualizing Munch´s artistic production and analyzing its symbolic content, I propose to show how the work of art can express, far beyond the private conflicts and idiosyncrasies of its author, the spirit of the time in which it was created, through universal themes. KEY-WORDS: Edvard Munch; Jung and the work of art; Symbolism in Much. 8 LISTA DE IMAGENS 1. Paul Gauguin, A visão do Sermão, a Luta de Jacó com o Anjo, 1888, óleo sobre tela, 73 x 92 cm. National Galleries of Scotland, Edinburgh, Escócia. Fonte:, acesso em ago/08. 2. Edvard Munch, Karl Johan ao Anoitecer, 1892, óleo sobre tela, 84,5 x 121 cm. Coleção Rasmus Meyer, Bergen, Noruega. Fonte: , acesso em ago/08. 3. Edvard Munch, Ansiedade, 1894, óleo sobre tela, 94,0 x 74,0 cm. Munch- museet, Oslo, Noruega. Fonte (acesso em ago/08): 4. Edvard Munch, Gólgota, 1900, óleo sobre tela, 80 x 120 cm. Munch-museet, Oslo, Noruega. Fonte (acesso em ago/08): 5. Edvard Munch, A Criança Doente, 1885-86, óleo sobre tela, 119,5 x 118,5 cm. Nasjonalgalleriet, Oslo, Noruega. Fonte (acesso em ago/08): 6. Edvard Munch. Madonna, 1894/95, óleo sobre tela, 91 x 70,5 cm. Nasjonalgalleriet, Oslo, Noruega. Fonte: , acesso em mar/09. 7. Edvard Munch. Madonna, 1895, litografia, 60,7 x 44,1 cm. Munch-museet, Oslo, Noruega. Fonte (acesso em ago/08): 8. Edvard Munch. Três Estágios da Mulher (Esfinge), c. 1894, óleo sobre tela, 164 x 250 cm. Coleção Rasmus Meyer, Bergen, Noruega. Fonte: BØE, Alf. Edvard Munch. Nova Iorque / Barcelona: Rizzoli / Polígrafa, 1989. 9. Edvard Munch. A Dança da Vida, 1899-1900, óleo sobre tela, 125,5 x 190,5 cm. Nasjonalgalleriet, Oslo, Noruega. Fonte (acesso em ago/08): 10. Edvard Munch. Separação, 1896, óleo sobre tela, 96,5 x 127 cm. Munch- museet, Oslo, Noruega. Fonte (acesso em ago/08): 11. Edvard Munch. Cabeça de Homem em Cabelos de Mulher, 1896, litografia, Munch-museet, Oslo, Noruega. Fonte (acesso em ago/08): http://www.nytimes.com/imagepages/2006/02/16/arts/17munc_slideone.ht ml 12. Edvard Munch. Paráfrase de Salomé, 1894-98, lápis, nanquim e aquarela, 46 x 32.6 cm. Munch-museet, Oslo, Noruega. Fonte: , (acesso em ago/08) 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 1. INCONSCIENTE COLETIVO, ARQUÉTIPO E SÍMBOLO NA PERSPECTIVA DE C. G. JUNG 15 1.1. Carl Gustav Jung: pai da psicologia analítica 16 1.2. A concepção junguiana de inconsciente 17 1.3. Arquétipo 21 1.4. Símbolo 24 1.5. Jung e as manifestações culturais e artísticas 30 2. EDVARD MUNCH: VIDA E OBRA 36 2.1. Biografia 37 2.2. Contexto histórico: a civilização industrial e a formação da sociedade burguesa 40 2.3. As artes no final do século XIX: o nascimento do modernismo 44 2.4. A crise na linguagem artística e o espírito da época 53 2.5. A expressão plástica de Munch 59 3. O SIMBOLISMO DE MUNCH EM SUAS IMAGENS DA MULHER 65 3.1. Considerações sobre a metodologia 66 3.2. Sobre o arquétipo da anima 66 3.3. Madonna, a Grande Mãe 71 3.4. Três Estágios da Mulher e o simbolismo feminino da lua 77 3.5. A Dança da Vida 81 3.6. A força e a sedução dos cabelos 86 3.7. Munch, arauto de um novo tempo 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS 96 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 99 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 102 10 INTRODUÇÃO 11 A ideia desta pesquisa partiu de meu particular interesse pela arte produzida nas duas últimas décadas do século XIX e princípios do século XX, fecunda geratriz de imagens visuais de denso conteúdo simbólico. Neste trabalho, almejo atingir uma compreensão da singularidade expressiva do pintor norueguês Edvard Munch e da presença dos símbolos em suas pinturas dentro de um contexto cultural coletivo. Procuro mostrar como sua obra expressa, muito além de seus conflitos pessoais, o espírito da época em que viveu em temas universais, pois mediante os símbolos é possível compreender a forma como o indivíduo e a sociedade se vinculam à psique inconsciente. Desta forma, acredito contribuir para o aprofundamento da compreensão da dinâmica simbólica contida nas obras de arte, aproximando o leitor do universo interpretativo das imagens simbólicas, o que justifica a realização desta pesquisa. Para tanto, utilizo-me de uma abordagem qualitativa, alicerçada em conceitos junguianos e também alimentada por fontes da tradição cultural simbólica. A teoria junguiana foi selecionada como eixo de sustentação teórica de minha pesquisa por tratar, em profundidade, da expressão simbólica dos fenômenos artísticos. A escolha de significativa parte da obra de Edvard Munch como objeto de estudo é justificada por sua profunda temática e indiscutível valor histórico. Munch teve como objetivo estabelecer valores universais mediante imagens das emoções mais profundas do homem: amor, angústia e morte. Para tanto, propôs-se, ao longo da última década do século XIX, pintar um conjunto de quadros que denominou Friso da Vida, em que retrata o curso da vida humana e a condição do homem moderno. Reconhecido como uma das figuras centrais do modernismo, possui uma linguagem expressiva personalíssima que influenciou amplamente contemporâneos e gerações seguintes. Munch produzia profusamente. Estima-se que tenha realizado cerca de 1.700 telas, um imenso número de estudos e desenhos e uma considerável coleção de gravuras; só em relação a estas, existem mais de 800 motivos originais. A vastidão de sua obra obrigou-me a restringir o número de imagens a 12 serem estudadas; optei por elegê-las por proximidade temática, dentro de um determinado período, mas sem a ambição de abarcar toda sua produção desse período ou todas as imagens que produziu sobre determinado motivo. Selecionei algumas das mais significativas imagens que evidenciam a visão que Munch tinha da mulher e do relacionamento entre o homem e a mulher. Não me preocupei em abranger todas as obras que se referem ao tema “amor” que foram expostas no Friso da Vida porque os quadros selecionados para serem expostos variavam sempre a cada exposição; por outro lado, há várias outras imagens que são riquíssimas e podem nunca terem sido expostas nesse conjunto, apesar de terem sido produzidas paralelamente na mesma época. Considero a segunda fase de sua carreira particularmente propícia para este estudo, por diversos motivos. Primeiramente, foi quando Munch pintou diversas visões da mulher e do homem que depois viriam a ser espécies de “clichês” em sua obra, imagens de denso conteúdo psicológico e simbólico, sob evidente influência do movimento simbolista; além de ter sido a fase de consolidação de sua expressão plástica, também foi um momento em que o artista viveu tumultuados relacionamentos amorosos; finalmente, trata-se de um período de intensas transformações sociais das quais Munch foi, acredito, uma espécie de arauto. À luz dos conceitos junguianos de arquétipo e de inconsciente coletivo, proponho-me, portanto, evidenciar o conteúdo simbólico universal presente na obra deste artista, pois o pensamento simbólico é um conhecimento ancestral próprio do ser humano, que antecede à linguagem e à razão. Longe de serem criações fortuitas da psique, os símbolos e mitos nascem da necessidade humana de elaborar e trazer à luz os segredos mais recônditos da alma. Sendo um meio de expressão simultaneamente particular e universal, o simbolismo, de qualquer forma, apresenta-se como um sistema de complexas relações em que sempre prevalece o caráter polar, a capacidade de ligar o microcosmo ao macrocosmo, o casual ao acausal, o desordenado ao ordenado. Seguindo essa abordagem, partilho da mesma ideia com a qual comungam Mircea Eliade e Carl Gustav Jung, que ao símbolo também cabe a missão de reintegrar o ser humano – partícula dissociada do todo – a esferas mais amplas: cultura, sociedade, universo. 13 Conhecimento perdido pelo ocidental civilizado, fato que pode ser, em grande medida, atribuído à herança cartesiana que remonta o século XVII, o simbolismo voltou a ser valorizado em nossa cultura a partir de meados do século XIX em reação ao racionalismo, ao positivismo e ao cientismo em voga na época. A volta do interesse pela religião e pelo ocultismo, somou-se, após a Primeira Grande Guerra (1914-18), ao crescente apreço das novas teorias psicológicas, notadamente a psicanálise de Freud, que inspirava as experiências do surrealismo. Assim sendo, o símbolo, a partir desse momento, veio a ser reconhecido como uma modalidade de conhecimento autônoma. Pesquisas acerca do funcionamento mental das culturas ditas “primitivas” revelaram o papel crucial do processo de simbolização no pensamento arcaico, concomitantemente à fundamental importância que o símbolo possui na vida de qualquer sociedade tradicional. A contínua dessacralização do homem moderno certamente teve impacto sobre sua vida espiritual; não obstante, não foi suficiente para refrear sua imaginação, que anima, por meio das imagens, um conteúdo arcaico subjacente à sua consciência. Ainda que conscientemente o homem insista em viver num plano estritamente racional, seu inconsciente, em compensação, permanece sobrecarregado de material simbólico, que exerce grande influência em sua vida, mesmo que ele não o admita. Concordo com Mircea Eliade (2002) ao afirmar que o símbolo, o mito e a imagem são inerentes à vida humana e, portanto, não são passíveis de serem eliminados, mesmo que sejam dissimulados, mutilados ou degradados; devido a essa permanência, eles têm a capacidade de revelar os conteúdos mais profundos da realidade, colocando à prova qualquer outro meio de conhecimento. Se o inconsciente se serve de imagens para transmitir a realidade profunda das coisas, é justamente porque a realidade se mostra contraditória, o que torna impossível expressá-la por meio de conceitos. E é o símbolo, prenhe de todas suas possíveis significações, que é vivo, atual e verdadeiro, e não somente uma de suas significações ou um de seus incontáveis conjuntos de referências. A primeira metade do século XX foi muito prolífica em estudos que correlacionavam a arte, os mecanismos da percepção, a psique humana e seu simbolismo. 14 Neste contexto, destaco uma figura singular cujo trabalho aproximou a psicologia da arte mediante os símbolos, o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, que lançou as bases da psicologia analítica. Mircea Eliade (op. cit.) menciona que o maior mérito de Jung foi ter ultrapassado a psicanálise freudiana, conseguindo restaurar o significado espiritual da Imagem a partir da própria psicologia. A psicologia junguiana apresenta-se como uma das mais importantes correntes a integrar, no estudo do processo de simbolização, a obra de arte e seu autor, abordando simultaneamente os aspectos relativos às esferas pessoal e coletiva. Sua vasta obra teórica foi respaldada pela atividade de atendimento clínico aos seus pacientes e pelo conhecimento de diversas culturas tradicionais e mitologias, da Antiguidade à sua época. No decorrer desse percurso, Jung, que era um homem muito culto e possuía grande interesse na área humanística, constatou que os procedimentos de análise e interpretação dos sonhos de seus pacientes poderiam ser aplicados a processos simbólicos associados a fenômenos da cultura e da arte, a exemplo da religião, da mitologia e dos contos de fadas. A psicologia analítica caracteriza esses processos simbólicos como manifestações da psique inconsciente da humanidade; são como liames que possibilitam a inserção do indivíduo na coletividade. A Jung cabe o mérito de ter demonstrado, a partir de seus trabalhos, de que forma a linguagem do inconsciente traduz-se em símbolos no fazer artístico. Também evidenciou que a evolução histórico-cultural da humanidade pode ser representada por suas manifestações culturais e artísticas. Organizei esta dissertação em três capítulos. No primeiro, apresento os principais conceitos da teoria junguiana que compõem meu referencial teórico. No segundo, exponho uma breve biografia de Munch e discorro sobre o contexto histórico, social e artístico em que viveu; aponto as orientações estéticas da pintura de sua época e a influência que exerceram sobre seu trabalho e as características de sua expressão plástica. No terceiro capítulo procedo a uma análise do conteúdo simbólico das obras selecionadas, procurando conectar a biografia e as ideias do artista, o momento histórico-cultural em que viveu e o caráter universal de sua temática. 15 1. INCONSCIENTE COLETIVO, ARQUÉTIPO E SÍMBOLO NA PERSPECTIVA DE C. G. JUNG 16 1.1. Carl Gustav Jung: pai da psicologia analítica1 C. G. Jung nasceu em Keswill, Suíça, em 26 de julho de 1875 e viveu em Zurique de 1909 até seu falecimento, em 06 de junho de 1961. Filho de pastor luterano, voltou-se precocemente para questões de ordem religiosa e transcendental. Extremamente intuitivo, sempre se interessou pelos fenômenos psíquicos, fato que o levou a observar estes conteúdos em si próprio e, posteriormente, em seus pacientes. Foi médico psiquiatra, trocou ideias e trabalhou com renomados profissionais da psiquiatria, a exemplo de Freud, Bleuler e Adler. Fora de sua área, teve contato com influentes cientistas, como Pauli e Einstein. Paralelamente, desenvolveu uma rica formação cultural e em ciências humanas; estudou filosofia em profundidade, particularmente obras de Kant, Schopenhauer e Nietzsche, procurando convergir e sintetizar conceitos da filosofia, das ciências naturais e médicas. Jung introduziu uma nova forma de praticar a psicologia clínica e uma visão revolucionária de mundo e do homem. Suas ideias demoraram bem mais a serem aceitas em sua profissão, a psiquiatria acadêmica, do que em muitas outras áreas do conhecimento científico; líderes de outras áreas foram os primeiros a se beneficiar de suas descobertas e conceitos. Em 1907 Jung teve seu primeiro contato pessoal com Freud e, a partir de uma mútua admiração, estabeleceu-se estreita colaboração entre ambos até 1912. Nesse ano, Jung lança seu livro Metamorfoses e símbolos da libido2, contendo profundas divergências em relação à doutrina de seu predecessor. Jung discordava de Freud no sentido de que os conflitos psíquicos tivessem sempre origem num trauma de natureza sexual; Freud, por sua vez, contrariamente a Jung, não aceitava que fenômenos espirituais pudessem ser considerados como 1 Afirma Jung: “Considero ‘analítico’ todo procedimento que se confronta com a existência do inconsciente”. (Os arquétipos e o inconsciente coletivo, pág. 269). 2 Posteriormente publicado, em 1952, como Símbolos da Transformação, editado no Brasil pela editora Vozes. 17 fontes válidas de estudo em si mesmas. Enquanto para Freud a libido é somente sexual, para Jung trata-se de toda energia psíquica, aproximando-se bastante do conceito de vontade expresso por Schopenhauer. Jung, que possuía uma visão holística, criticava a rigidez do sistema psicanalítico de Freud que, em sua opinião (JUNG, 1991), tinha uma visão orientada para o passado e para a busca de causas, de maneira unilateral, sem apresentar nenhum plano para o futuro. De fato, eram personalidades muito fortes e de posturas demasiado distintas para que pudessem conviver por muito tempo juntas. Nas palavras de Nise da Silveira (2003, pág. 15), “estavam destinados a defrontar-se como fenômenos culturais opostos”. A fim de lastrear suas ideias a respeito do inconsciente coletivo, Jung estudou profundamente diversas mitologias, alquimia medieval e costumes dos povos primitivos da Ásia, África e dos índios norte-americanos. Em sua incessante busca pelas mais diversas simbologias, também conheceu e estudou cultura, filosofia e religiões orientais, conhecimento que enriqueceu com as viagens que fez aos diversos lugares do mundo. Mas a principal fonte de seus estudos sempre foi sua própria alma, a observação de suas experiências interiores e o exercício de interpretação de seus próprios sonhos. Afirmava que o ser humano é um ser simbólico em sua essência, o que por si só justifica a importância do entendimento do processo de simbolização do inconsciente. Sempre que tinha oportunidade, salientava que o homem deveria ser visto como um todo, pertencente a uma comunidade num determinado momento e que não poderia ser visto dissociado do seu contexto social, cultural e universal. 1.2. A concepção junguiana de inconsciente Apesar de outros teóricos já terem esboçado a ideia de inconsciente desde a Antiguidade, é atribuído a Sigmund Freud, médico neurologista tcheco que viveu em Viena e Londres entre 1856 e 1939, a estruturação deste conceito, bem como sua aceitação no meio acadêmico. 18 A dificuldade em conceituar o inconsciente deriva da impossibilidade de abordá-lo diretamente. Os estudiosos do assunto tinham de lidar com um fenômeno que não existia de modo concreto e portanto não era comprovável cientificamente, podendo apenas ser deduzido de forma indireta, por meio dos sintomas, sonhos e expressões simbólicas. A partir de 1890, Charcot e Freud definem o inconsciente como uma unidade mental de funcionamento autônomo em relação à consciência. Nesta época, procurava explicação para os lapsos da consciência, como os atos falhos e o esquecimento. Deve-se à sua teoria psicanalítica a compreensão dos mecanismos psicológicos envolvidos nessas situações. Juntamente com o desenvolvimento da teoria da interpretação dos sonhos, conseguiu, perante ao meio científico, relativa aceitação da existência da instância psíquica do inconsciente. Ao justificar o conceito de inconsciente em seu ensaio O inconsciente, de 1915, escreve Freud (1996, pág. 172): “Nosso direito de supor a existência de algo mental inconsciente, e de empregar tal suposição visando às finalidades do trabalho científico, tem sido vastamente contestado. A isso podemos responder que nossa suposição a respeito do inconsciente é necessária e legítima, e que dispomos de numerosas provas de sua existência. Ela é necessária porque os dados da consciência apresentam um número muito grande de lacunas; tanto nas pessoas sadias como nas doentes ocorrem com frequência atos psíquicos que só podem ser explicados pela pressuposição de outros atos, para os quais, não obstante, a consciência não oferece qualquer prova. Estes não só incluem parapraxias e sonhos em pessoas sadias, mas também tudo aquilo que é descrito como um sintoma psíquico ou uma obsessão nas doentes; nossa experiência diária mais pessoal nos tem familiarizado com ideias que assomam à nossa mente vindas não sabemos de onde, e com conclusões intelectuais que alcançamos não sabemos como. Todos esses atos conscientes permanecerão desligados e ininteligíveis, se insistirmos em sustentar que todo ato mental que ocorre conosco, necessariamente deve também ser experimentado por nós através da consciência; por outro lado, esses atos se enquadrarão numa ligação demonstrável, se interpolarmos entre eles os atos inconscientes sobre os quais estamos conjeturando.” Jung partiu dos mesmos pressupostos que Freud, mas estendeu o conceito de inconsciente. Em seus atendimentos clínicos, percebeu que pacientes esquizofrênicos frequentemente apresentavam formas primitivas de pensamento, muito próximas ao universo mítico e onírico dos povos primitivos. Constatou que 19 estes conteúdos psicológicos delirantes possuíam uma estrutura semelhante, mesmo ocorrendo em períodos históricos e civilizações distintas. Por sua aproximação com comportamentos primitivos, denominou estas estruturas de arquétipos. Em grego, arché significa tanto “primordial”, “originário” quanto “princípio supremo subjacente”. O aprofundamento de suas pesquisas e o aprimoramento do método de interpretação de sonhos e dos processos de simbolização possibilitaram-lhe consolidar um dos conceitos basilares da psicologia analítica, o de inconsciente coletivo, ao notificar a ocorrência dessas formas de pensamento arcaicas também em pacientes normais, especialmente em momentos de crise e de grandes mudanças de vida, quando se observava intensa transformação psicológica, como na adolescência, durante a gestação ou após um incidente traumático. Concluiu que se trata de conteúdos que habitam o inconsciente de maneira universal, que formam uma camada mais profunda, de natureza coletiva, ao contrário do que chamou de inconsciente pessoal, constituído pelas vivências pessoais do indivíduo. Em sua definição (JUNG, Os arquétipos e o inconsciente coletivo, págs. 53 e 15): “O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e no entanto desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e portanto não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos. [...] Eu optei pelo termo ‘coletivo’ pelo fato de o inconsciente não ser de natureza individual, mas universal; isto é, contrariamente à psique pessoal ele possui conteúdos e modos de comportamento, os quais são ‘cum grano salis’ os mesmos em toda parte e em todos os indivíduos. Em outras palavras, são idênticos em todos os seres humanos, constituindo portanto um substrato psíquico comum de natureza psíquica suprapessoal que existe em cada indivíduo.” O inconsciente pessoal é uma camada de teor superficial, contígua ao consciente, cujos conteúdos subjazem no inconsciente por não possuírem energia psíquica suficiente para emergirem à consciência. Trata-se das 20 percepções subliminares e de aspectos que, ao longo do desenvolvimento da personalidade, não encontraram compatibilidade com orientações da consciência e foram por ela reprimidos. A existência do inconsciente coletivo não depende de experiências individuais, como é o caso do inconsciente pessoal; porém, seu conteúdo necessita de experiências reais para se expressar, porque é composto apenas de predisposições latentes. Abrangendo em si todos os conteúdos da experiência psíquica humana, dos mais elevados e belos aos mais vis e horrendos, ele é, em si mesmo, absolutamente “neutro”; o valor e a contextualização de seus conteúdos somente podem ser definidos após a confrontação com o consciente3. A descoberta do inconsciente implicou num olhar radicalmente novo para as ciências, as artes, as religiões, a cultura e para o comportamento sociológico do ser humano. Para Freud, trata-se somente de um epifenômeno da consciência, uma “coleção” estática de conteúdos reprimidos pelo ego e, portanto, de caráter exclusivamente pessoal. Para Jung, contudo, o ser humano nasce inconsciente, mas traz consigo uma bagagem herdada de seus ancestrais. Para ele, o inconsciente existe a priori ao consciente e é dinâmico, produz conteúdos próprios, recombina os previamente existentes e opera numa relação complementar e compensatória com o consciente. Na concepção junguiana, portanto, o inconsciente é uma instância psicológica em constante atividade que abrange conteúdos pessoais e outros produzidos pelo próprio inconsciente. Como resume Marie-Louise von Franz (1992, pág. 13), “trata-se da matriz criadora autônoma da vida psíquica normal”. Em suma, inconsciente é uma moderna denominação técnica para algo que sempre existiu na alma humana: a experiência que ocorre quando o indivíduo é assaltado por algo que lhe é estranho e se apodera dele a partir do interior de si mesmo; quando sua vida é subitamente transformada por ações de forças desconhecidas que surgem de dentro de si próprio; quando a pessoa sonha, tem vislumbres ou mesmo inspirações que sabidamente não foram por ela engendrados, mas que chegaram até sua consciência a partir de uma psique “exterior”. No passado, essas experiências resultantes de processos 3 “O inconsciente coletivo não se desenvolve individualmente, mas é herdado. Ele consiste de formas preexistentes, arquétipos, que só secundariamente podem tornar-se conscientes, conferindo uma forma definida aos conteúdos da consciência.” (JUNG, op. cit., pág. 54) 21 inconscientes eram atribuídas a um fluido divino (mana), a um deus, a uma “consciência superior”, a um demônio ou “espírito”. Esses termos sugeriam uma presença objetiva, estranha e autônoma, à qual o ego consciente se submetia. O próprio Jung teve numerosas experiências dessa natureza desde muito jovem, por ele relatadas em sua autobiografia, Memórias, sonhos, reflexões4. 1.3. Arquétipo5 Arquétipo é um conceito cuja compreensão não é de todo possível exclusivamente pela via do raciocínio. O arquétipo é uma entidade hipotética irrepresentável em si própria, que se revela apenas por meio de suas manifestações. De acordo com a definição de Jung (op. cit., págs. 90 e 91), “… os arquétipos não se difundem por toda parte mediante a simples tradição, linguagem e migração, mas ressurgem espontaneamente em qualquer tempo e lugar, sem a influência de uma transmissão externa. Não podemos subestimar o alcance dessa constatação, pois ela significa nada menos do que a presença, em cada psique, de disposições vivas inconscientes, nem por isso menos ativas, de formas ou ideias em sentido platônico que instintivamente pré- formam e influenciam seu pensar, sentir e agir.” Jung ainda acrescenta (op. cit., págs. 42 e 87, grifo da autora): “Tomemos, por exemplo, a palavra ideia. Ela remonta ao conceito do eidos de PLATÃO, e as ideias eternas são imagens primordiais […] em lugar supracelestial, guardadas como formas eternamente transcendentes. [Para Platão], …a ideia é pré- existente e supraordenada aos fenômenos em geral. ‘Arquétipo’ nada mais é do que uma expressão já existente na Antiguidade, sinônimo de ‘ideia’ no sentido platônico.” 4 Editado no Brasil pela Nova Fronteira. 5 Expressão de origem grega. Arque = início, origem, causa e princípio, mas também líder, soberania e governo. Tipo = batida e o que é produzido por ela, como cunhar moedas, figura, imagem, retrato, prefiguração, modelo e também forma básica, estrutura primária. Nessas noções está contida a “gravação”, pela repetição constante, de experiências típicas. (JACOBI, 1991, págs. 51 e 52). 22 Os arquétipos possuem origem obscura; resultariam de sedimentos acumulados das experiências comuns a todos os seres humanos, repetidamente, ao longo de sua existência. Teriam se caracterizado a partir de vivências típicas, a exemplo das emoções e reações promovidas pelo contato com os fenômenos da natureza, o convívio com a mãe e o pai, as experiências sexuais e as ligadas ao nascimento e à morte ou mesmo a superação de grandes obstáculos geográficos, como a travessia de rios, mares e montanhas, entre outras. De acordo com Jung (op. cit., pág. 58): “Há tantos arquétipos quantas situações típicas na vida. Intermináveis repetições imprimiram essas experiências na constituição psíquica, não sob a forma de imagens preenchidas de um conteúdo, mas precipuamente apenas formas sem conteúdo, representando a mera possibilidade de um determinado tipo de percepção e ação.” Outra hipótese, relatada nas últimas obras de Jung, é a de que seriam disposições inerentes à estrutura do sistema nervoso que levariam à criação de imagens sempre análogas ou similares. Assim como os instintos, que são pulsões para agir sempre de uma mesma forma, existiriam tendências herdadas para produzir representações semelhantes6. Independente de sua origem, o arquétipo funciona como um nódulo de concentração de energia psíquica. Uma imagem arquetípica é formada toda vez que essa energia, em estado potencial, assume uma forma. Essa forma não pode ser chamada de arquétipo, porque o arquétipo é apenas uma virtualidade e, como tal, é inobservável. É importante frisar que os arquétipos não são invenções arbitrárias, e nem tampouco se trata de imagens herdadas, mas de possibilidades herdadas de ideias para representar imagens semelhantes; seriam como “formas instintivas de imaginar” (SILVEIRA, 2003, pág. 68). A noção de arquétipo, ao admitir a existência de uma base psíquica comum a toda a humanidade, explica o aparecimento, em épocas e localidades muito distantes entre si, de temas idênticos nos rituais e dogmas religiosos, nos 6 A respeito da relação entre arquétipo e instinto, afirma Jung: “O arquétipo é um elemento vazio e formal em si [...], uma possibilidade dada a priori da forma da sua representação. O que é herdado não são as ideias, mas as formas, as quais sob esse aspecto particular correspondem aos instintos igualmente determinados por sua forma.” (JUNG, op. cit., pág. 91, grifo em negrito da autora). 23 mitos, nos contos de fadas, nas artes, na filosofia e mesmo nas expressões inconscientes, seja em sonhos de pessoas normais, seja em delírios de doentes mentais. Os arquétipos possuem também um aspecto biológico, perceptível nas formas típicas de vivências e manifestações não apenas humanas, como também dos animais. Trata-se de determinados padrões, cunhados estruturalmente, de ser, agir e reagir. São processos arquetípicos, por exemplo, a construção de um ninho, as danças e rituais do pré-acasalamento, os movimentos migratórios, as trilhas milenares seguidas pelos animais. No entanto, quando observado a partir do interior da alma subjetiva, o arquétipo assume um caráter numinoso7, ou seja, proporciona uma vivência de significado fundamental, arrebatadora, que causa uma peculiar alteração da consciência. Todas as imagens advindas do extrato coletivo do inconsciente compartilham do arquetípico. Eis por que diversos fenômenos psíquicos, como os sonhos, possuem numinosidade. Símbolos também possuem qualidades arquetípicas, o que explica, em certa medida, seu fascínio, uso e recorrência. Nas grandes mitologias, deuses são metáforas de comportamentos arquetípicos, enquanto mitos são encenações arquetípicas. Quanto mais profunda for a camada do inconsciente de onde surge o arquétipo, mais simples e genérico ele se apresentará, mais possibilidades de desenvolvimento conterá e tanto maior será sua capacidade de engendrar significados. O arquétipo também caracteriza-se por ser bipolar: sempre possui um aspecto positivo, luminoso, de movimento ascendente e orientado para a progressão e um outro aspecto negativo, sombrio, orientado para a regressão. O 7 Numinoso (do latim numen, divindade) é um adjetivo que qualifica o que é sagrado ou divino. Esta expressão foi proposta por Rudolf Otto (1917), um dos criadores da fenomenologia religiosa. Para Jung, trata-se de uma instância ou efeito dinâmicos que arrebata e controla o sujeito humano, levando-o a uma experiência independente de sua vontade. “O numinoso pode ser a propriedade de um objeto visível, ou o influxo de uma presença invisível, que produzem uma modificação especial na consciência.” (JUNG, Psicologia e Religião, pág. 09). 24 arquétipo em si é neutro; a ativação de seu aspecto positivo ou negativo depende de fatores pessoais do consciente individual8. Entre os mais relevantes arquétipos abordados pela psicologia analítica, destaco os arquétipos de mãe, pai, persona, sombra, si-mesmo (self), animus e anima. Ampliarei a explanação sobre a anima no terceiro capítulo deste trabalho. 1.4. Símbolo9 O símbolo designa um elemento representativo visível em lugar de algo invisível ou intangível (o referente). Quando o arquétipo assume uma forma perceptível pelo consciente, caracteriza-se como uma imagem arquetípica ou como um símbolo. Desde a Grécia antiga, a origem do símbolo remete-se à divisão de uma moeda, em que cada metade continha a metáfora da união. Dada essa característica, cada uma dessas partes possuía ao mesmo tempo o significado de metade e unidade, evidenciando, desta forma, o caráter dual do símbolo: o de carregar consigo a separação e a união, o conflito e sua resolução, expressos em sua capacidade de separar e unir. Esta história ilustra como algo que foi dividido pode ser reunido por meio de uma atitude de aproximação ou reconciliação, demonstrando que, separadas, cada metade da moeda é oposta, mas unidas formam um todo, uma síntese. O símbolo é, ao mesmo tempo, racional e intuitivo; um mediador entre as incompatibilidades do inconsciente e do consciente, entre o oculto e o revelado. “Ele não é nem abstrato nem concreto, nem racional nem irracional, nem real nem irreal; é sempre ambos.” (JUNG, apud JACOBI, 1991, pág. 90). 8 “O arquétipo representa essencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta.” (JUNG, Os arquétipos e o inconsciente coletivo, pág. 17). 9 A expressão símbolo (do grego symbolon), apesar de comportar múltiplas definições, sempre se remete a uma forma que busca designar algo que, por trás do sentido objetivo e visível, oculta um sentido invisível e mais profundo. (JACOBI, 1991, págs. 74 e 75). 25 Jung explica o que são símbolos verdadeiros quando se refere ao processo simbólico e aos arquétipos de transformação, diferenciando-os dos arquétipos que se apresentam como personalidades atuantes em sonhos ou fantasias (como a sombra, a anima ou o velho sábio, por exemplo) (Os arquétipos e o inconsciente coletivo, pág. 47, grifo da autora): “O processo [simbólico] mesmo constitui outra categoria de arquétipos que poderíamos chamar de arquétipos de transformação. Estes não são personalidades, mas sim situações típicas, lugares, meios, caminhos, etc., simbolizando cada qual um tipo de transformação. Tal como as personalidades, estes arquétipos também são símbolos verdadeiros e genuínos que não podemos interpretar exaustivamente, nem como sinais, nem como alegorias. São símbolos genuínos na medida em que eles são ambíguos, cheios de pressentimentos e, em última análise, inesgotáveis. Os princípios fundamentais, os archai do inconsciente, são indescritíveis, dada a riqueza de referências, apesar de serem reconhecíveis. O intelecto discriminador sempre procura estabelecer o seu significado unívoco e perde o essencial, pois a única coisa que é possível constatar e que corresponde à sua natureza é a multiplicidade de sentido, a riqueza de referências quase ilimitadas que impossibilita toda e qualquer formulação unívoca. Além disso, esses arquétipos são por princípio paradoxais a exemplo do espírito que os alquimistas consideravam como senex et iuvenis simul [ao mesmo tempo velho e jovem]. Jung (op. cit.) cita como exemplos de arquétipos de transformação, a fim de demonstrar no que consiste o processo simbólico, as séries de imagens alquímicas medievais, o sistema dos chacras tântricos, o sistema nervoso místico da ioga chinesa (sic) e a sequência dos arcanos maiores do tarô. “O processo simbólico é uma vivência na imagem e da imagem”, diz ele, que se desenvolve num ritmo de negativo e positivo, de perda e ganho, de escuro e claro. Inicia-se com uma situação do tipo “beco sem saída” e tem como meta a iluminação ou consciência superior, a partir da qual a situação inicial é superada num grau mais elevado. No tocante ao tempo, o processo pode se dar num único sonho ou breve vivência, ou estender-se por meses ou anos, dependendo do estágio inicial do indivíduo e da meta a ser atingida. Tudo, porém, é vivenciado simbolicamente, ou seja, numa forma imagética. Conforme exposto nas palavras de Jung, faz-se necessário distinguir símbolo de signo e outras formas sígnicas de expressão da imagem, como alegoria, emblema, metáfora, analogia, sintoma ou atributo, que não transcendem o nível de mera significação da imagem. 26 Símbolos não são figuras sintéticas, representativas de coisas conhecidas, de significado conhecido e convencionado: estas imagens são sinais ou signos, como os números matemáticos, emblemas, placas de sinalização, figuras de linguagem. Representações figuradas de objetos ideais ou materiais também não são símbolos, mas alegorias, a exemplo da Morte representada por um esqueleto portando uma foice. Do signo derivam relações de significância diretas, em geral bastante objetivas. Já o símbolo representa sempre mais do que seu significado óbvio e imediato, pois é carregado de significados indeterminados e desconhecidos para a percepção consciente. Para Jung, símbolo é a expressão daquilo que é significativo mas ainda não possui uma formulação mais perfeita. O símbolo genuíno é uma estrutura extremamente complexa que reúne opostos numa síntese que ainda não pode ser conceituada; desta maneira, supera a capacidade de entendimento disponível no presente. Nas palavras de Jung (JUNG, Tipos Psicológicos, págs. 444 e 445): “Toda concepção que explica a expressão simbólica como uma analogia ou designação abreviada de algo conhecido é semiótica. Uma concepção que explica a expressão simbólica como a melhor formulação possível de algo relativamente desconhecido, não podendo, por isso mesmo, ser mais clara ou característica, é simbólica. Uma concepção que explica a expressão simbólica como paráfrase ou transformação proposital de algo conhecido é alegórica. [...] Uma expressão usada para designar coisa conhecida continua sendo apenas um sinal e nunca será símbolo. É totalmente impossível, pois, criar um símbolo vivo, isto é, cheio de significado, a partir de relações conhecidas.” O símbolo vivo, na concepção junguiana, atua, modifica-se, alcança dimensões que não são atingíveis pelo intelecto. Tem a capacidade de transmitir intuições muitíssimo estimulantes, que prenunciam fenômenos ainda desconhecidos. Mas se o seu conteúdo misterioso é de todo apreendido pelo pensamento lógico, o símbolo se esvazia e morre. Ao esgotar-se, ele se torna apenas um signo ou sinal. Como explica Jung, ao referir-se às imagens sagradas (Os arquétipos e o inconsciente coletivo, pág. 19): “Além do mais, estas imagens – sejam elas cristãs, budistas ou o que for – são lindas, misteriosas e plenas de intuição. Na verdade, quanto mais nos aproximamos delas e com elas nos habituarmos, mais se desgastarão, de tal modo que só restará a sua exterioridade banal, em seu paradoxo quase isento de sentido.” 27 Não obstante, definir algo como símbolo ou não depende fundamentalmente do ponto de vista do consciente que o observa, ou seja, depende do indivíduo poder perceber em uma imagem (digamos, um anel), além de sua aparência concreta, também sua expressão simbólica não-evidente. Por isso é perfeitamente possível que um mesmo objeto ou fato represente um símbolo para um indivíduo e não passe de mero signo para outro. Imagens como a cruz, a estrela ou o leão são frequentemente utilizadas em bandeiras e logomarcas de empresas e produtos, referindo-se a coisas bem específicas e delimitadas. Dependendo do contexto, porém, essas mesmas imagens podem atuar como símbolos. A cruz, por exemplo, para uma pessoa pode ser apenas o signo externo do cristianismo, enquanto para outra pode evocar a Paixão de Cristo na sua totalidade. Jung diria que, no primeiro caso, trata-se de um “símbolo extinto” e, no segundo, de um “símbolo vivo”. Porém, uma distinção importante deve ser feita entre o conceito junguiano de símbolo e o que se convencionou chamar de símbolo religioso. Sob o ponto de vista da psicologia analítica, o símbolo se situa nos mistérios da alma, da psique; a religião não faz uso de símbolos nessa acepção. As palavras de Jean Chevalier (2002, págs. XVII e XVIII, grifo da autora) esclarecem melhor este ponto: Certas formulações dogmáticas são igualmente chamadas de símbolos de fé; são declarações oficiais, cultuais, em virtude das quais os iniciados numa fé, num rito ou numa sociedade religiosa se reconhecem entre si; [...] Na realidade, nenhum deles possui o valor próprio do símbolo, sendo apenas signos de reconhecimento entre crentes e a expressão das verdades de sua fé. Essas verdades são, indubitavelmente, de ordem transcendente e as palavras são empregadas, na maior parte das vezes, num sentido analógico; essas profissões de fé, porém, não são símbolos de modo algum, a menos que se esvaziassem os enunciados dogmáticos de toda significação própria ou que fossem reduzidos a mitos. Mas se, além de seu significado objetivo, esses Credos forem considerados como centros de uma adesão e de uma profissão de fé subjetivamente transformantes, tornar-se-ão símbolos da unidade dos crentes, indicando o sentido de sua orientação interior. Sob a perspectiva da psicologia analítica, o símbolo permite à psique consciente encontrar a melhor maneira de representar alguma coisa: um desejo, um pensamento, um afeto, algo que lhe ocorreu. Desta forma, os símbolos favorecem um pleno contato com a psique inconsciente pessoal e coletiva, 28 atuando os símbolos como matéria-prima do mundo criativo: mitos, religiões, arte. Pode-se criar um símbolo, por exemplo, numa fantasia, num sonho ou num desenho. Nestas condições, existe a projeção10 de emoções e afetos pessoais. Também pode-se receber uma influência emocional na situação de percepção de um conteúdo simbólico elaborado e expresso por outro indivíduo, como ocorre durante a apreciação de uma obra de arte, seja a visualização de um quadro ou ao ouvir-se uma música. Os símbolos causam impacto e ressonância emocional sobre as pessoas, independentemente da atuação do consciente, devido ao seu caráter numinoso. De fato, a numinosidade é a qualidade que diferencia um símbolo de um signo ou sinal. Como vimos, o símbolo é sempre em parte “abstrato”, em parte “encarnado”. Fugindo a toda e qualquer definição, rompe as fronteiras e reúne polos opostos numa única visão; à medida que se elucida, dissimula-se; nas palavras de Georges Gurvitch (apud CHEVALIER, 2002, pág. XIII), os símbolos “revelam velando e velam revelando”. Devido a esse caráter dual, o processo simbólico é bastante complexo por dissimular, em seu contexto, o conteúdo que por meio de uma analogia pretende-se representar ou substituir. O processo simbólico desenvolve-se segundo o princípio de que uma dada posição eventualmente se desloca na direção de seu oposto11. A capacidade da psique de conectar opostos mediante a formação de símbolos é por Jung denominada função transcendente12. Essa 10 “...a projeção é um processo inconsciente automático, através do qual um conteúdo inconsciente para o sujeito é transferido para um objeto, fazendo com que este conteúdo pareça pertencer ao objeto. A projeção cessa no momento em que se torna consciente, isto é, ao ser constatado que o conteúdo pertence ao sujeito.” (JUNG, op. cit., pág. 72.) 11 O processo de simbolização está vinculado à lei da enantiodromia: “‘Passar para o outro oposto’, uma ‘lei’ psicológica pela primeira vez esboçada por Heráclito, significando que mais cedo ou mais tarde tudo se reverte para seu oposto. Jung identificava isso como ‘o princípio que governa todos os ciclos da vida natural, desde o menor até o maior’ (CW 6, parág. 708).” (SAMUELS, 2003, ed. eletrônica). 12 Para Jung, a função transcendente não é uma função básica do consciente, como o sentir ou pensar, mas uma função complexa, composta de várias outras funções. Transcendente não deve ser entendido neste contexto como uma qualidade metafísica, mas simplesmente como algo que permite, por seu intermédio, a passagem de uma atitude para outra. “Se a expressão inconsciente permanecer intacta, formará a matéria- 29 função psíquica facilita a transição de uma atitude ou condição psicológica para uma outra, como uma ponte entre conteúdos reais e imaginários, ou ainda, racionais e irracionais, preenchendo o intervalo entre a consciência e o inconsciente. Dessa forma, o processo simbólico comprova a existência do mecanismo de compensação13, isto é, de que uma atitude da consciência é sempre compensada por um movimento originado no inconsciente. Da atividade do inconsciente emerge, então, um novo conteúdo que fornece o espaço intermédio onde os opostos se unem. O símbolo, assim compreendido, funciona como uma “ponte” de ligação entre dois mundos psicológicos. Para que seja eficaz, porém, o símbolo necessita ser reconhecido e compreendido pela mente consciente. “O processo simbólico inicia-se com a pessoa sentindo-se paralisada, ‘suspensa’, poderosamente obstruída na busca de seus objetivos e termina por uma elucidação, ‘introvisão’ e de capacidade de avançar em um curso modificado.” (SAMUELS, 2003, ed. eletrônica). Em suma, o símbolo é uma imagem que o inconsciente, por meio de uma linguagem aparentemente irracional e ilógica, utiliza para expressar suas ideias. Esta atividade exige um esforço ativo da psique, que canaliza energia psíquica na elaboração e formação do símbolo. Pelo exposto acerca do conceito de arquétipo, percebemos, então, que as ideias arquetípicas possuem uma infinita potencialidade de se figurarem como símbolos. A qualidade de uma palavra, imagem ou símbolo ter múltiplas significações é chamada de polissemia. Portanto, apesar de as ideias arquetípicas serem supostamente as mesmas para todos os seres humanos, elas podem se apresentar sob os mais variados conteúdos; uma ideia pode, inclusive, apresentar-se de maneiras distintas em diferentes momentos da vida de uma mesma pessoa. Isto diz respeito à natureza polissêmica dos arquétipos. prima não para um processo de resolução mas de construção, e ela se tornará o objeto comum da tese e da antítese. Tornar-se-á um conteúdo novo que dominará toda a atitude, acabará com a divisão e obrigará a força dos opostos a entrar num canal comum. [...] A matéria-prima elaborada pela tese e antítese e que une os opostos em seu processo de formação é o símbolo vivo.” (JUNG, 2008, pág. 449). 13 Compensar é equilibrar, ajustar, suplementar. Neste sentido, Jung considera “a atividade [compensatória] do inconsciente como equilibração da unilateralidade da atitude geral, causada pela função da consciência.” (JUNG, 2008, pág. 399). 30 O inconsciente, a fim de atingir a percepção e a consciência em patamares cada vez mais organizados, articula de maneira sempre inédita e inesperada a energia virtual dos arquétipos, traduzindo-a em imagens que engendram muitos significados. Nisto consiste o caráter polissêmico dos símbolos. Para além do papel que o símbolo desempenha na psique individual, cumpre assinalar uma outra atribuição que possui no que tange à criatividade nos mistérios da alma. Para o artista, o símbolo é mais que um material de cunho pessoal a ser usufruído em proveito do próprio desenvolvimento psíquico; trata-se também do motivo de seu processo criativo artístico que faz do artista um legítimo porta-voz do indizível, porém ativo que reside no interior da alma de toda a humanidade. Este aspecto, especificamente, será discutido no tópico seguinte e enfatizado na terceira parte desta dissertação. 1.5. Jung e as manifestações culturais e artísticas Diversamente de outros acadêmicos, Jung tinha grande preocupação de que suas ideias fossem reconhecidas pelo grande público, fato que o motivou, ao final de sua vida, a publicação, com o auxílio de seus colaboradores, de um livro14 voltado para o leitor leigo, com linguagem bem mais acessível que a utilizada nos dezoito volumes de suas obras completas, de teor acadêmico, repletas de termos técnicos. Segundo Marie-Louise von Franz (1992, pág. 12), coautora e coeditora da referida obra, ele o fez não apenas para evitar o isolamento e esquecimento, “mas também, e em especial, por estar convencido de que o destino do mundo ocidental dependia largamente da compreensão dessas ideias. Porque, a seu ver, não é apenas o indivíduo isolado quem está sujeito à enfermidade psíquica como resultado de uma atitude errônea para como o inconsciente; a mesma coisa pode acontecer a nações inteiras.” 14 JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos, editado postumamente em 1964. Editado no Brasil pela Nova Fronteira, em 1977. 31 É fato que Jung estava atento não apenas às doenças da alma de modo específico, como psiquiatra que era; mas também ao mistério da psique humana, pois esta se faz presente em todas as realizações humanas. Sua visão humanista levou-o a estudar e escrever também sobre a cultura, a arte e a observar a evolução histórico-cultural da humanidade por meio de suas manifestações culturais e artísticas. No que tange à relação da psicologia analítica com a obra de arte, Jung legou-nos uma palestra proferida em Zurique, em 1922, transcrita em O Espírito15 na arte e na ciência, na qual esclarece seu ponto de vista a respeito. Nela afirma haver uma estreita conexão entre esses dois campos do conhecimento humano, pelo fato da manifestação artística tratar-se de uma atividade psicológica. Não obstante, deixa clara a restrição de atuação da psicologia sobre a arte apenas ao processo psíquico de criação, eximindo-se de interpretá-la ou criticá-la em seu aspecto formal, pois esta atividade é reservada às teorias da estética (JUNG, 1991, pág. 32): “Apenas aquele aspecto da arte que existe no processo de criação artística pode ser objeto da psicologia, não aquele que constitui o próprio ser da arte. Nesta segunda parte, ou seja, a pergunta sobre o que é a arte em si, não pode ser objeto de considerações psicológicas, mas apenas estético-artísticas.” O interesse de Jung voltava-se aos processos psicodinâmicos individuais ou coletivos envolvidos na produção das obras de arte. Deste modo, trabalhou indiferentemente a compreensão das imagens plásticas de artistas renomados e de seus pacientes, procurando nelas apenas as conexões simbólicas pessoais e arquetípicas. Quanto à possibilidade de interpretar uma obra de arte, deixou clara a necessidade de uma análise comparada e sequencial da expressão do artista, para que o sentido simbólico de sua produção não se esvaísse, tornando a obra um simples aspecto psicopatológico de seu autor. Nesse caso, a participação do artista para fornecer material associativo é indispensável, para que não seja feita uma interpretação projetiva e pessoal da obra. 15 Jung conceitua “espírito” como o aspecto dinâmico do inconsciente, capaz de criar livremente imagens para além de nossa percepção sensorial e de manipulá-las autônoma e soberanamente. 32 Jung opõe-se ao uso do método redutivo de Freud na compreensão das obras de arte. Este método diz respeito à aplicação de uma técnica de exame clínico da psique do paciente que se utiliza de meios para contornar o primeiro plano consciente a fim de desvelar conteúdos inconscientes. Esta técnica baseia- se na suposição da existência de conteúdos psíquicos “proibidos”, como os tabus, de natureza obscena ou mesmo criminosa, reprimidos no inconsciente por serem inaceitáveis pela consciência. Na opinião de Jung, esse método pode ser aplicado em certos casos clínicos com bons resultados, mas é inapropriado para tratar das manifestações artísticas. Em sua visão, é necessário perguntar pelo sentido da obra, e não tratá-la como um distúrbio ou doença cujas causas devam ser investigadas na vida de seu autor. Segundo afirma, a psicologia pessoal do artista, mesmo que revele certos traços em sua obra, não a explica. E supor que a explicasse seria considerar o caráter criador da obra de arte um mero sintoma, o que a desmereceria (JUNG, 1991, pág. 75): “Ainda que a obra de arte e o homem criador estejam ligados entre si por uma profunda relação, numa interação recíproca, não é menos verdade que não se explicam mutuamente. Certamente é possível tirar de um deduções válidas no que concerne ao outro, mas tais deduções nunca são concludentes. No melhor dos casos, exprimem probabilidades e interpretações felizes, e não passam disso.” Portanto, as condições anteriores de vida a que o artista esteve sujeito só serão relevantes se auxiliarem na compreensão do sentido da obra. Esse fato deriva da acepção de Jung em tratar as manifestações culturais e artísticas primordialmente como expressão do espírito da época16 em que foram criadas, salientando a importância de seu caráter universal. Em suas palavras (JUNG, 1991, pág.60, grifo da autora): “A causalidade pessoal tem tanto ou tão pouco a ver com a obra de arte quanto o solo tem a ver com a planta que dele brota. (...) A insistência no pessoal, surgida da pergunta sobre a causalidade pessoal, é totalmente inadequada em relação à obra de arte, já que ela não é um ser humano mas algo suprapessoal. (...) A verdadeira obra de arte tem inclusive um sentido especial no fato de poder se libertar das estreitezas e dificuldades insuperáveis de tudo o que seja pessoal, elevando- se para além do efêmero do apenas pessoal.” 16 Espírito da época ou Zeitgeist (original em alemão), diz respeito ao desenvolvimento intelectual e cultural de uma cultura, em determinada época. 33 Ou seja, sob a ótica de uma psicologia puramente causal, toda a expressão de um ser humano é apenas um derivado de suas condições pessoais e história de vida. Na opinião de Jung, porém, a obra de arte é muito mais que um simples derivado; é uma reorganização criativa que aproveita livremente as condições prévias das quais uma psicologia causalista diria ter sido a obra derivada. A partir das experiências com a psicologia analítica, Jung pôde observar que o impulso criativo do inconsciente, além de forte e impetuoso, é também arbitrário, a ponto de afirmar que “...a convicção de um poeta de estar criando com liberdade absoluta seria uma ilusão de seu consciente: ele acredita estar nadando mas na realidade está sendo levado por uma corrente invisível.” (JUNG, 1991, pág.63). Essa conclusão baseia-se em suas pesquisas sobre o inconsciente, que indicaram a possibilidade de a consciência não apenas sofrer influência do inconsciente, mas até mesmo ser por este guiado. A psicologia analítica identifica o processo criativo com uma “essência viva” independente que habita a psique humana, conhecida com o nome de complexo autônomo. Este, conforme sua força e quantum energético, manifesta-se ou como simples distúrbio de processos arbitrários do consciente, ou como instância superior que pode tomar o ego a seu serviço. Desse modo, no caso de um autor produzir uma obra de caráter suprapessoal, seria de se esperar estranheza nas formas e imagens, além de expressão por meio de símbolos que carregariam possibilidades de significados mais amplos e além da capacidade de compreensão na época em que a obra fosse produzida. A obra em estado nascente, sob a égide do complexo autônomo, desenvolve-se por meio de forças psíquicas a princípio bem inconscientes e somente a partir do instante em que alcançam o valor limiar do consciente é que irrompem na consciência. A consciência capta essas forças, então, como uma percepção, o que não significa necessariamente uma assimilação de seus conteúdos. Daí a denominação autônomo, pois o complexo manifesta-se independente das escolhas do consciente. O complexo autônomo, como explica Jung (1991), surge da ativação de uma região da psique que até então estava inconsciente. Esta região, após ser ativada, é ampliada e enriquecida de outras associações, por afinidade. A 34 situação mais frequente que predispõe a isto se inicia com o abaixamento do nível mental, condição de diminuição dos interesses e ritmo das atividades conscientes, uma espécie de apatia, que não raro atinge os artistas. Neste quadro, características primitivas impõem-se sobre as civilizadas: o instintivo sobre o ético, o ingênuo-infantil sobre o ponderado, adaptado, ou seja, amplia-se o contato com o inconsciente. O complexo autônomo desenvolve-se consumindo energia da porção consciente da personalidade. O complexo autônomo criativo manifesta-se como uma imagem elaborada em sentido lato, passível de conter valores simbólicos. Desta forma, ao entrar-se em contato com uma obra de arte simbólica, não é necessário recuperar seus aspectos individuais, pois ela oferece uma comunicação com a história da coletividade que, por si só, abarca a causalidade pessoal. Nas palavras de Jung (1991, pág. 68): “[...] considerei aqui o caso de uma obra de arte simbólica cuja origem não deve ser procurada no inconsciente pessoal do autor, mas naquela esfera da mitologia inconsciente, cujas imagens primitivas pertencem ao patrimônio comum da humanidade. Foi por isso que denominei essa esfera de inconsciente coletivo, diferenciando-a de um inconsciente pessoal.” Conclusivamente, o processo criativo traduz-se numa ativação inconsciente do arquétipo, em sua elaboração e formalização numa obra de arte. A imagem formalizada na obra de arte, por meio da linguagem do presente do artista, confere uma atualização simbólica para o arquétipo. Desta forma, a expressão artística remete-se a uma imagem primordial do inconsciente coletivo que pode ser a qualquer momento resgatado por qualquer pessoa. Ou seja, segundo esta visão, a verdadeira obra de arte tem vida e sentido próprios e, quanto mais simbólica, maior sua aptidão para representar a trajetória da psique coletiva humana. O fato de a obra de arte simbólica expressar as imagens primordiais da humanidade possui grande relevância social e mesmo histórica, pois torna acessível a recuperação de conteúdos do inconsciente coletivo, o que confere a cada um a possibilidade de entrar em contato com as fontes mais profundas da vida que, de outra maneira, não lhe seria possível. Neste aspecto, Jung acrescenta que, do mesmo modo que os indivíduos isoladamente, também os 35 povos e as épocas possuem inclinações e tendências espirituais características (JUNG 1991, pág. 71, grifo da autora): “É aí que está o significado social da obra de arte; ela trabalha continuamente na educação do espírito da época, pois traz à tona aquelas formas das quais a época mais necessita. Partindo da insatisfação do presente, a ânsia do artista recua até encontrar no inconsciente aquela imagem primordial adequada para compensar de modo mais efetivo a carência e unilateralidade do espírito da época. Essa ânsia se apossa daquela imagem e, enquanto a extrai da camada mais profunda do inconsciente, fazendo com que se aproxime do consciente, ela modifica sua forma até que esta possa ser compreendida por seus contemporâneos. O gênero da obra de arte nos permite uma conclusão sobre a característica da época na qual ela se originou. O que significa para sua época o realismo, o naturalismo e o romantismo? E o helenismo? São tendências da arte que trazem à tona aquilo de que a respectiva atmosfera espiritual mais necessitava.” O exposto leva-nos a concluir que o papel da arte é também traduzir os anseios de uma época ou geração; assim como no indivíduo o caráter unilateral de sua atitude consciente é compensado por ações inconscientes, analogamente a arte exerce a mesma função de regular a vida espiritual das diferentes épocas e povos. A abordagem junguiana, para elucidar os movimentos e os estilos artísticos, parte de suas relações históricas e os trata como reorganizações criativas das polaridades de cada época, procurando integrar à compreensão da obra do artista a leitura das tendências sócio-culturais que a circundavam. Não obstante, Jung não se prende ao historicismo para explicar a obra de arte, sempre colocando em destaque a importância de seu aspecto universal e coletivo, como se constata no trecho a seguir (JUNG, 1991, pág. 93): “O segredo da criação artística e de sua atuação consiste nessa possibilidade de reimergir na condição originária da participation mystique17, pois nesse plano não é o indivíduo, mas o povo que vibra com as vivências; não se trata mais aí das alegrias e dores do indivíduo, mas da vida de toda a humanidade. Por isso, a obra-prima é ao mesmo tempo objetiva e impessoal, tocando o nosso ser mais profundo.” 17 Por “participação” entende-se a ausência de discernimento entre sujeito e objeto, frequentemente observada não somente nos neuróticos, bem como nos povos primitivos que cultivam o animismo, nas crianças pequenas e mesmo em adultos que permanecem inconscientes. Trata-se aqui da situação psíquica típica a partir da qual se definem as diferentes técnicas de exercer influência. (JACOBI, 1991). Ainda, segundo Jung, “...a psicologia da consciência provém de um estado original de inconsciência e de indiferenciação. A este estado Lévy-Bruhl chama de participation mystique.” (JUNG, 1987, pág. 82.) 36 2. EDVARD MUNCH: VIDA E OBRA 37 2.1. Biografia Tendo como referência os trabalhos dos biógrafos Bischoff (2006), Bøe (1989), Holland (2005) e Sonnberger (2006) relato, resumidamente, a biografia deste artista. Edvard Munch nasce em 12 de dezembro de 1863 em Løten, Noruega, numa família de cinco filhos. No ano seguinte sua família se muda para Kristiania (como Oslo era chamada até 1924). Sua infância é marcada pela depressão do pai, sua própria saúde frágil e as mortes por tuberculose da mãe, quando ele contava cinco anos e da irmã Sophie, de quatorze anos, quando ele tinha quinze. Sua obra viria posteriormente resgatar essas tristes lembranças. Começa a pintar em 1880, então com 17 anos. Na época era comum, na Noruega, a educação tradicional em pintura ser substituída por um autoestudo supervisionado por um artista mais velho. Para Munch, esse artista foi Christian Krohg (1852-1925), que integrava o grupo dos pintores de Skagen, seguidores do modelo realista da escola francesa de Barbizon. Pintavam predominantemente ao ar livre, aproximando-se esteticamente do impressionismo; dessa forma, Munch teve seu primeiro contato com a pintura num estilo muito vinculado ao estudo da própria natureza e dos efeitos da luz natural. Em 1883, Munch exibe pela primeira vez seu trabalho em sua cidade e, em 1885, expõe um retrato na Exposição Mundial de Antuérpia. Em Paris, no mesmo ano, estuda no Salon e no Louvre; é influenciado por Manet e passa a pintar inspirado pelas tendências mais radicais da arte parisiense, a despeito das críticas que viria a receber por parte da imprensa. Nessa época, estabelece contato com a boêmia literária e artística de Kristiania, encabeçada pelo escritor anarquista Hans Jaeger. Ainda em 1885 inicia três obras da maior importância: O Dia Seguinte, Puberdade e A Criança Doente. Este último, motivado pela lembrança da doença e morte da irmã, marca seu primeiro rompimento com o impressionismo em 38 favor de uma intensa expressão pessoal, semente para trabalhos posteriores de grande carga emocional, fundamentados em suas próprias recordações pessoais. No ano seguinte, este quadro escandalizaria o público na Exposição de Outono de Kristiania. Em abril de 1889, Munch, ainda bem jovem, realiza sua primeira exposição individual (63 quadros e numerosos desenhos) na Associação de Estudantes de Kristiania. Visto como ousadia por uns, impressiona pela intensidade e profundidade de seu trabalho. Christian Krohg, seu orientador, escreveria uma entusiástica crítica no jornal Dagbladet (SONNBERGER, 1996): “Ele pinta – ou melhor dizendo – vê as coisas de uma maneira diferente em relação a outros artistas. Só vê a essência e, conseqüentemente, só pinta isso. É por esse motivo que os quadros de Munch via de regra são ‘não-terminados’, como as pessoas têm tanto prazer em dizer. Ah, sim! Estão terminados. Terminados por suas mãos. A arte está completa quando o artista diz tudo o que realmente tem a dizer, e essa é a vantagem que Munch tem sobre várias gerações de pintores; ele tem a rara capacidade de nos mostrar como se sentiu e o que o impulsionou, fazendo com que todo o resto se torne sem importância.” Em 1889 seu desempenho como artista é reconhecido e ele recebe uma bolsa de estudos do governo norueguês que lhe permite residir na França por longos períodos nos três anos subsequentes, bem como tomar contato com as mais recentes tendências da arte europeia. Em novembro, enquanto reside em Paris, seu pai vem a falecer. Em 1892, Munch é convidado a expor na Associação de Artistas de Berlim. A recepção da crítica e do público é tão adversa que ocasiona o fechamento da exposição em uma semana. Mesmo assim, o pintor é bem recebido pela sociedade artística de Berlim. Aos poucos, aproxima-se do círculo literário mais radical, centrado na figura de August Strindberg. Embora predominantemente escandinavo, o grupo também incluía o crítico e historiador da arte alemão Julius Meier-Graefe, escritor polonês Stanislaw Przybyszewski e o jovem poeta alemão Richard Dehmel. Os interesses do grupo, bem ao gosto “decadente” então em voga, estavam ligados ao simbolismo, à filosofia de Nietzsche e, sobretudo, à psicologia e fantasias sobre morte e erotismo, o que sugere ter havido mútua influência entre as ideias deste grupo e a temática de Munch, particularmente suas imagens de amor, morte e angústia. Em 1893, pinta O Grito. 39 Entre 1895 e 1898, Munch volta a residir em Paris, onde convive com um círculo de artistas e músicos. Sua carreira como artista gráfico inicia-se em Berlim em 1894, com água-forte e litografia, e mais tarde prossegue com xilogravura, já em Paris. É convidado a ilustrar uma das edições de As Flores do Mal, de Baudelaire, projeto interrompido devido à morte do editor. Faz cartazes para Peer Gynt, de Ibsen, expõe no Salon des Indépendants e no Salon de l’Art Nouveau. Segue-se um período intenso de viagens, exposições e encomendas para vários projetos em diversos países da Europa, principalmente Noruega, França e Alemanha e, ocasionalmente, Itália, Suíça, Áustria e Tchecoslováquia. Em 1906 desenha o cenário para Fantasmas e Hedda Gabler de Ibsen para o teatro de câmara de Max Reinhardt, em Berlim. Por todo o período em que reside fora de seu país natal, a vida pessoal de Munch é instável e desregrada; dificuldades financeiras, decepções amorosas, saúde frágil, alcoolismo. Em 1908, no mesmo ano em que expõe junto com o grupo Die Brücke, em Dresden, sofre um colapso nervoso que o obriga a internar-se por oito meses na clínica do Dr. Jacobson, em Copenhagen. Na primavera de 1909, retorna à Noruega, decidido a levar uma vida reclusa, sediado em seu país. Continua a trabalhar e realiza muitas exposições, viajando ocasionalmente. Em 1912, recebe uma sala especial na famosa exposição Sonderbund, em Colônia, Alemanha, onde é reconhecido como a maior influência viva no desenvolvimento da arte moderna europeia. No ano seguinte, em Berlim, Munch e Picasso são os únicos artistas estrangeiros convidados a ter salas especiais na Exposição de Outono, em reconhecimento à importância de ambos para a nova geração de artistas alemães. Assim como seu contemporâneo espanhol, Munch viveu o bastante para presenciar ainda em vida o tardio reconhecimento de seu valor artístico. Em 1937, os nazistas rotulam 82 obras de Munch em museus alemães de “degeneradas”. São retiradas e vendidas. Em 23 de janeiro de 1944, morre tranquilamente em sua casa em Ekely, Noruega, aos 80 anos. Deixa em testamento, para a cidade de Oslo, sua propriedade e todos os seus trabalhos que estavam em seu poder: cerca de 1.000 pinturas, 15.400 gravuras em água-forte, litografia e xilogravura, 4.500 40 aquarelas e desenhos e seis esculturas. O município abre o Munch-Museum em 1963, por ocasião do centenário de seu nascimento. 2.2. Contexto histórico: a civilização industrial e a formação da sociedade burguesa Edvard Munch viveu e produziu sua obra numa conturbada época de profundas transformações sócio-econômicas e culturais. Sustento-me principalmente nos historiadores Hobsbawm (1998), Mayer (1990) e Clark (2004) para traçar um panorama do período. Ao longo do século XIX, desenvolve-se, na Europa, a era industrial. Muito além da mecanização da produção industrial e da organização do sistema fabril, significava a implantação da economia moderna, de base capitalista, sustentada pela ascendente burguesia, que transformaria as relações de produção promovendo um crescente consumo e tornando as relações sociais substancialmente mais competitivas. O capitalismo industrial liberal, em sua primeira fase, havia se iniciado com a Revolução Industrial inglesa em 1760 e perduraria até meados de 1870. É característico deste período, além da utilização de máquinas movidas a vapor, a divisão do trabalho e a total liberdade econômica da burguesia ao produzir e comercializar as mercadorias produzidas, comprar matérias-primas e fixar os salários dos operários. Grandes contrastes daí derivariam, aceleradamente, entre a abastada burguesia e a exploração cada vez maior do operariado. Esse processo fomentaria o aparecimento dos sindicatos e grupos políticos em defesa dos interesses da massa de trabalhadores desfavorecidos, o socialismo marxista e o anarquismo, a partir de 1840. Devido à nova ordem sócio-econômica, as estruturas urbanas são fortemente afetadas pelo súbito aumento populacional, fato que gera crescimento desordenado e necessidade de drásticas reformas urbanísticas e 41 sanitárias nos principais polos econômicos europeus, além do forte movimento emigratório em países como Inglaterra e Alemanha. A partir de 1830, o assombroso desenvolvimento urbano acompanha as rotas das estradas de ferro, interligando os centros industriais e mobilizando mão-de-obra rural tanto para as obras públicas como para o próprio trabalho nas indústrias, o que dá origem a uma população que viria a ocupar a periferia das grandes cidades. Até o campo é afetado pela industrialização, acelerando os modos de produção agrícola que irão abastecer os centros urbanos. A racionalização do trabalho agrícola gera excedente populacional rural que também se dirige à periferia urbana, estimulando a implantação de indústrias nos subúrbios. Os procedimentos práticos obtidos a partir de experimentos científicos eram diretamente aplicados na produção industrial. A elite burguesa se apropriava desse conhecimento, usando-o em prol de seus interesses econômicos, a exemplo do desenvolvimento das indústrias química e siderúrgica e da energia elétrica. O industrialismo torna-se o propósito central das potências econômicas emergentes; motivadas por essa euforia, organizam exposições universais de ciência, artes, arquitetura e tecnologia, em cidades como Paris, Londres, Viena, entre outras. As exposições universais simbolizavam a essência da modernidade do século XIX: o progresso obtido a partir da ciência e da indústria; a liberdade compreendida como livre mercado; o cosmopolitismo implícito na idéia de que o conhecimento humano e a produção não teriam limites e, portanto, nem fronteiras. Verdadeiras “odes à máquina”, para esses eventos eram construídos imensos edifícios temporários, cujo objetivo era expor o progresso tecnológico e o desenvolvimento de novos materiais, principalmente o aço e o vidro. O mais célebre deles é, provavelmente, a Torre Eiffel, que por fim não foi desmontada ao final da Exposição Universal de 1889, ocorrida em Paris. Nas ciências, havia a tendência a negar as interpretações metafísicas impostas há séculos pela igreja. No âmbito da filosofia e sociologia, o positivismo de Auguste Comte (1798-1857) propõe-se audaciosamente a modificar a sociedade por meio de um novo paradigma social. Opõe-se às doutrinas teológicas, criando um sistema de valores humanista voltado para a nova realidade que o mundo vivia na época do capitalismo industrial, baseado no 42 método experimental e na observação direta da natureza. Comte divide os fenômenos naturais em sete categorias (matemáticos, astronômicos, físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos), regidas, segundo ele, por leis naturais. Trata-se, portanto, de uma filosofia determinista e racionalista, que coloca o homem na privilegiada posição de domínio da natureza, cujas “leis” podem ser descobertas pela observação, organizadas pela ciência e aplicadas pela tecnologia, em seu próprio benefício. Inclusive os problemas sociais, segundo sua doutrina, podem ser examinados cientificamente, com o mesmo tratamento deferido às ciências naturais. Paralelamente, o naturalista Charles Darwin (1809-1882) publica, em 1858, em conjunto com Alfred Russel Wallace (1823-1913), outro pesquisador que chegara a conclusões muito semelhantes às suas concomitantemente, sua controvertida teoria acerca da origem das espécies por meio da seleção natural e sexual, que desafiava frontalmente a doutrina religiosa da criação. Para se ter uma ideia de como o industrialismo havia contaminado a sociedade, a cultura e a ciência de então, Darwin, ao se interrogar sobre a questão da variação de gêneros que geram espécies diversificadas, encontra uma solução ao traçar uma analogia dos gêneros com a divisão do trabalho na indústria. Ideologicamente, forma-se uma visão de mundo mecânica e utilitarista que leva a sentimentos de frustração, impotência e insegurança, porque tudo o que era familiar e seguro desaparecia, dando lugar ao efêmero. Na concepção ideológica desse momento, o novo é sempre melhor que o velho, o produto industrial sempre melhor que o artesanal, o acúmulo desmedido de bens traz felicidade, o cientificismo é valorizado em detrimento da intuição, a razão sobrepõe-se à emoção. Em suma, todos os aspectos da vida, mesmo cotidianamente, voltam-se a um pragmatismo sem precedentes. A divisão do trabalho ocasiona a perda do sentido do conhecimento do todo, o sentido enciclopédico dos séculos XVII e XVIII. O saber científico se fragmenta em áreas altamente especializadas, dirigido aos interesses da produção industrial. A moral e antigos costumes modificam-se rapidamente frente a um crescente individualismo. Enfim, é instaurado, nesse momento histórico, um processo de reestruturação social que indubitavelmente atinge todos os aspectos da vida humana: dinâmica social, política, expectativas pessoais, senso estético. 43 As preferências estéticas, apesar de sofrerem influência da industrialização, voltam-se paradoxalmente para o neoclassicismo, amplamente difundido em todas as manifestações artísticas, graças ao academicismo. No âmbito da pintura, surgem grupos voltados ao resgate de estéticas do passado, como os Nazarenos, na Alemanha (1809) e os Pré-Rafaelitas na Inglaterra (1848). Tem-se, assim, nas nascentes nações industriais, uma produção artística notadamente anacrônica e estagnada. Isto se deve ao fato de, durante todo o século XIX e início do século XX, a burguesia ter copiado e se apropriado dos modos da nobreza, por nutrir o desejo de ascender a ela. Evidentemente, assim agiam não apenas para atender a preocupações de ordem material, mas também por status social e pela satisfação na esfera psíquica. Como resultado, ao negarem a si próprios na esperança de serem aceitos pela ordem estabelecida, os burgueses aristocratizantes enfraqueciam sua consciência de classe, relegando a si mesmos uma posição social subalterna, o que implicava na veneração do passado encarnado nos ideais clássicos, como bem ilustra Mayer (1990, págs. 23 e 24): “Como parte de seu empenho em escalar a pirâmide social e demonstrar sua lealdade política, os burgueses abraçaram a alta cultura historicista e patrocinaram as instituições hegemônicas que eram dominadas pelas antigas elites. O resultado foi o fortalecimento das linguagens, convenções e símbolos clássicos e acadêmicos nas artes e nas letras, em vez do estímulo aos modernistas. Os burgueses se permitiram ser envolvidos por um sistema cultural e educacional que defendia e reproduzia o ancien régime. Neste processo, minaram seu próprio potencial capaz de inspirar a concepção de uma nova estética e um novo entendimento.” É digno de nota que a alta cultura clássica contava com imenso apoio estatal. Os governos patrocinavam atividades artísticas individuais e coletivas; museus, academias de arte e conservatórios ofereciam formação, acesso à carreira e premiações oficiais, financiados majoritariamente com recursos públicos, com o assentimento das igrejas e universidades. A partir de 1870 inicia-se uma segunda revolução industrial, que vigoraria até 1945, conhecida como capitalismo industrial monopolista, com o fim do livre comércio. Os preços das mercadorias passam a ser fixados por trustes, cartéis e holdings, associações entre empresas independentes que não competem entre si a fim de determinar preços e dividir mercados. Nesta segunda fase, emergem como promissoras nações industriais os EUA e o Japão. Os países 44 escandinavos, que se encontravam em atraso em comparação à maior parte da Europa ocidental, arrancam em direção à modernização da economia. A África, a Ásia e a América Latina são regiões de forte domínio imperialista por países europeus (Inglaterra, França, Alemanha, Portugal, Espanha, Itália e Bélgica), que ali se serviam de matéria-prima e alimentos em abundância. Não obstante seu inegável progresso, o capitalismo sofre uma violenta crise que o obriga a um reajuste político e econômico nesse período, devido também à independência dos países latino-americanos, ocorrida na primeira metade do século. O aspecto central do período que Hobsbawm (1998) define como a “Era dos Impérios”, compreendida entre 1875 e 1914, é o colapso da sociedade burguesa em seu apogeu, vitimada pelas contradições inerentes à sua ascensão. Nessa era, as instituições políticas e culturais do liberalismo burguês são estendidas – ou estavam a ponto de serem estendidas – ao operariado que vivia em sociedades burguesas e, inclusive, pela primeira vez na história, às mulheres. Este fato, porém, força que a burguesia liberal, que era a classe dominante, fique à margem do poder político. Isto porque as democracias eleitorais, fruto do progresso liberal, acabam por destruir o liberalismo burguês enquanto força política na maior parte da Europa e América. A estrutura moral tradicional burguesa viria a ser arruinada por sua própria acumulação de riqueza e conforto, gerando uma profunda crise de identidade e inevitável transformação. Como classe dirigente, a burguesia seria abatida pela evolução natural de seu sistema econômico; até mesmo as grandes empresas viriam a substituir o modelo familiar pelas sociedades anônimas em sua propriedade e administração. 2.3. As artes no final do século XIX: o nascimento do modernismo Para descrever o desenvolvimento das artes neste período, apoio-me essencialmente em Argan (1992), Beckett (2002), Chipp (1999), Guerra (1978), Lucie-Smith (1991), Mackintosh (1977) e Sweetman (1998). 45 Nas artes desse período, a já conhecida oposição entre artistas e burgueses torna-se mais evidente. Enquanto uma parcela dos artistas rende-se ao mercado e produz obras que atendam às aspirações burguesas, emerge, desde meados do século XIX, um novo olhar para o mundo, uma reação às cristalizadas convenções do academicismo. Nas obras de Daumier (1808-1879) e Millet (1814-1875), para exemplificar, vê-se retratada essa civilização inquieta e contraditória; a poesia de Baudelaire (1821-1867) transmite a angústia do homem oprimido pela sociedade industrial; as obras de Courbet (1819-1877) ou Flaubert (1821-1880) escancaram os conflitos sociais advindos da industrialização e criticam abertamente o sistema capitalista. Essa reação, que obviamente choca a Academia, é rotulada de “realismo”. Em meio à crise de valores da sociedade industrial burguesa, significa, para as gerações de artistas que lhe sucederiam, a decisiva abertura dos caminhos estéticos para a modernidade. Este é o caso do impressionismo, o primeiro dos movimentos artísticos contemporâneos. Detenho-me um pouco mais sobre ele, pois a expressão e abordagem estética de Munch só pode ser compreendida a partir da ruptura feita por este movimento. Entre 1860 e 1870, reúne-se, em Paris, um grupo de pintores que deliberadamente opunham-se à arte acadêmica “oficial”. Motivados pelas descobertas científicas e pelo desenvolvimento tecnológico de sua época, buscavam um novo estilo de pintura que traduzisse a vida moderna da sociedade que retratavam. Negavam os temas idealizados ligados às poéticas do passado e queriam pintar sem o artificialismo da luz dos ateliês; pintavam ao ar livre para captar os efeitos fugazes da luz e obter a real impressão de transitoriedade. Foram, por isso, denominados “impressionistas18”. Seus principais expoentes são Claude Monet (1840-1926), Edgar Degas (1834-1917), Pierre-Auguste Renoir (1841-1919), Camille Pissarro (1830-1903) e Alfred Sisley (1839-1899). Édouard Manet (1832-1883), tido como precursor, não integrava o grupo. Fortemente influenciados pela fotografia e pela pesquisa científica, desenvolvem uma técnica pictórica baseada em suas experiências 18 Segundo Beckett: “O termo ‘impressionismo’ surgiu por ocasião da primeira mostra do grupo, em 1874, de um comentário irônico que o jornalista Louis Leroy fez de uma obra de Monet intitulada Impressão, sol nascente. Afirmou, na época, que ‘papel de parede em estado rudimentar’ era mais bem acabado que a obra de Monet, e que aqueles artistas eram ‘meros impressionistas’.” (BECKETT, 2002, pág. 294). 46 ópticas, com linguagem que se assemelha à espontaneidade das tomadas fotográficas. Não por acaso, a primeira exposição do grupo dá-se no estúdio do fotógrafo Félix Nadar (1820-1910), em 1874. Resultam dessa técnica obras de aparência tosca e inacabada, com estranhas poses e enquadramentos das figuras, pintadas com rápidas pinceladas de tintas não-misturadas sobre uma tela previamente preparada com branco, para conferir maior luminosidade às cores. Podemos ter uma ideia mais precisa desse processo com a descrição de Arno Mayer (1990, pág. 202): “Na verdade, os impressionistas foram radicais apenas na medida em que se levantaram contra as convenções acadêmicas fossilizadas, abandonando a imitação e a reprodução estéril do passado, em favor de representações vigorosas da vida moderna. Foi Manet, seu avant-courier, o primeiro a declarar que queria pertencer ‘ao seu tempo’ e pintar ‘o que via’. Em outras palavras, inspirados por Courbet, os impressionistas foram antes e acima de tudo realistas que romperam com as lendas cristãs, a lisonja social e a estética acadêmica, a fim de revelar, e não interpretar, o mundo a seu redor.” A evolução desse processo de pintura culmina com o pontilhismo (também conhecido como divisionismo ou neo-impressionismo), em que a ideia de produzir uma arte embasada cientificamente é levada ao extremo. É iniciado em 1886 por Georges Seurat (1859-1891), seguido por Paul Signac (1863-1935) e Maximilien Luce (1858-1941), entre outros. Procuravam fazer ciência através da pintura, ou, ainda, instituir uma “ciência da pintura”, baseada nas teorias ópticas de Chevreul, Rood e Sutton, principalmente na Lei dos Contrastes Simultâneos de Eugène Chevreul (1786-1889). Esta consistia em recompor, na visão do observador, a unidade do tom através da justaposição de cores complementares puras, sem misturá-las (cores “ópticas”). O resultado na pintura eram composições figurativas formadas por inúmeros pontos coloridos. Devido a seu aspecto técnico–científico, o pontilhismo veio ocupar um dos papéis centrais no vasto movimento modernista, que visava ao resgate da pintura de seu caráter puramente artesanal, tido, na época, como inferior quando comparado ao desenvolvimento tecnológico do nascente processo de industrialização. Embora um breve movimento na pintura, anteciparia o processo industrial de matrizes de impressão por retícula que originaria o off-set, método revolucionário de impressão industrial em cores. 47 Apesar de inovadora, a pintura de Seurat foi rechaçada pelos impressionistas, criticada abertamente por Monet e Renoir. Teve o apoio de Pissarro, que aderiu ao estilo por um breve período, abandonando-o em seguida. A importância de destacar essas correntes artísticas revolucionárias reside também no fato de Munch, tendo começado a pintar em 1880 e estudado em Paris a partir de 1885, ter sofrido influência da obra de Manet, dos impressionistas e neo-impressionistas, como detalharei mais adiante. A prematura morte de Seurat deixa em aberto um caminho que parecia ter sido por ele esgotado. Não obstante, os impressionistas haviam deixado um legado impossível de ser ignorado: a partir deles, os pintores passaram a entender que a visão depende de como e quando se vê, vinculando a representação pictórica tanto à percepção quanto ao tempo, destruindo o conceito anteriormente vigente de verdade objetiva da natureza. Aos pintores que a eles sucederam restava prosseguir sem ignorar essa fundamental conquista. Tendo em comum somente o fato de haverem partido do impressionismo, surgem grandes pintores singulares: Paul Cézanne (1839-1906), Vincent Van Gogh (1853-1890), Henri Toulouse-Lautrec (1864-1901), Paul Gauguin (1848- 1903). Alguns historiadores denominam genericamente “pós-impressionistas” o conjunto de artistas que atuou nas duas últimas décadas do século XIX e na primeira do século XX, período também de florescimento do simbolismo, com destaque para o grupo dos nabis: Paul Sérusier (1863-1927), Edouard Vuillard (1868-1940), Pierre Bonnard (1883-1968), Maurice Denis (1870-1943), entre outros. Se o impressionismo já se apresentava como um fenômeno altamente individualizado, isso apenas se acentuaria em seus sucessores. Os simbolistas formavam um grupo de pintores estilisticamente heterogêneo, mas com uma temática comum: contrariamente ao cientificismo puro em voga na época, voltavam-se para o mistério e a espiritualidade, herdeiros da estética do romantismo. O simbolismo não pretendia ser a antítese do impressionismo, mas sua superação, ao trazer o universo supra-sensível ao mundo visível. A multiplicação dos temas místicos na arte desse período pode ser 48 atribuída à grande difusão do ocultismo pela Europa, a partir da segunda metade do século XIX19. A chave da arte, para os simbolistas, era promover o deslocamento da vida burguesa ao “ser tocado” por algo de outro mundo. Para tanto, valiam-se de símbolos, metáforas e alegorias para dar forma ao mundo das ideias mediante a imaginação, de maneira que apenas o essencial fosse retido, aquilo que arrebata o espírito. Para muitos autores, a temática e expressão de Munch insere-se nesse ideário estético, que não foi organizado propriamente como um movimento na pintura, mas teve alguns grupos que partilhavam ideias afins, a exemplo do Salon Rose-Croix, encabeçado por Josephin Péladan. Não obstante, tendo em vista a vasta amplitude geográfica que atingiu e a diversidade de expressões plásticas que teve, é possível reunir os diferentes artistas em torno de um cerne comum, eis porque exponho a seguir o que significou essa corrente estilística. O simbolismo tem suas raízes na poesia: Stéphane Mallarmé (1842- 1898), Paul Verlaine (1844-1896), Arthur Rimbaud (1854-1891), Jean Moréas (1856-1910), Gustave Khan (1859-1936), René Ghil (1862–1925), Joris-Karl Huysmans (1848-1907), Paul Valéry (1871-1945), que já encontravam em Charles Baudelaire (1821-1867) um precursor. Como movimento literário, teve um manifesto publicado por Jean Moréas em 1886. Havia um consenso de que a arte deveria ser sinestésica; pela primeira vez, afirmava-se que a pintura deveria ser poética e musical, enquanto a poesia e a música deveriam ser pictóricas. É digna de nota a música de Richard Wagner (1813-1883), que inspira em Mallarmé a profunda convicção de que a música pode sublimar a linguagem dramática e vir a ser o motor do processo simbólico. Um dos mais importantes pintores simbolistas, Gustave Moreau, inspirava-se na música de Wagner para compor seus quadros como poemas sinfônicos. 19 O historiador Rui Sá Silva Barros (1999) relata em detalhes a ocorrência de uma grande difusão do esoterismo no mundo ocidental, particularmente na França, Inglaterra e EUA no período de 1848 a 1914. A título de orientar o leitor, cito alguns dos principais expoentes desse período: Helena Petrovna Blavastky (teosofia); Rudolf Steiner (antroposofia); Alan Kardec (espiritismo); Eliphas Lévi, (magia cerimonial, cabalismo cristão); Stanislau de Guaita, Oswald Wirth, Josephin Péladan, Papus (rosacruzes); Mac Gregor Mathers, Arthur Edward Waite, Aleister Crowley (Ordem Hermética da Aurora Dourada). 49 Lado a lado com o oculto, místico e transcendental, comparecia a fixação pela ideia da morte, da doença, do erotismo e da perversidade, fortemente influenciada pela prosa fantástica de Edgar Allan Poe (1809-1849). Por causa disso, o movimento é desdenhosamente denominado "decadentismo", apelido acatado pelos próprios artistas, não apenas em oposição ao lirismo neo-clássico, como também uma clara alusão à decadência dos valores morais então vigentes. O simbolismo foi um movimento de intensa expressão internacional, tendo florescido em praticamente todos os países da Europa ocidental, inclusive na Escandinávia, além de alguns países da Europa oriental, chegando até aos Estados Unidos da América. Não obstante seu cosmopolitismo, o movimento conciliou-se com a afirmação dos vários estilos locais, sendo a representação de temas mitológicos nacionais particularmente importante na Europa Central, Alemanha e Escandinávia. Os principais nomes, na pintura, são Aubrey Beardsley (1872-1898), Arnold Böcklin (1827-1901), Henri Fantin-Latour (1836-1904), Fernand Khnopff (1858-1921), Max Klinger (1857-1920), Frantisek Kupka (1871-1957), Gustave Moreau (1826-1898), Alfons Much