Ciro Athayde Barros Monteiro A INFORMAÇÃO MEDIADA NO DISCURSO DE EDIR MACEDO: uma análise de editoriais da Folha Universal. MARÍLIA – SP 2012 2 Ciro Athayde Barros Monteiro A INFORMAÇÃO MEDIADA NO DISCURSO DE EDIR MACEDO: uma análise de editoriais da Folha Universal. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Faculdade de Filosofia e Ciências como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação. Linha de Pesquisa: Gestão, Mediação e Uso da Informação. Orientador: Prof. Dr. Oswaldo Francisco Almeida Júnior. MARÍLIA – SP 2012 3 Ficha Catalográfica Serviço de Biblioteca e Documentação – UNESP - Campus de Marília Monteiro, Ciro Athayde Barros M775i A informação mediada no discurso de Edir Macedo: uma análise de editoriais da Folha Universal / Ciro Athayde Barros Monteiro; – Marília, 2012. 113 f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2011. Bibliografia: f. 100-105. Orientador: Prof. Dr. Oswaldo Francisco Almeida Júnior. 1. Edir Macedo. 2. Análise do Discurso. 3. Mediação da Informação. 4. Ciência da Informação. I Autor. II Título. CDD: 028 4 Ciro Athayde Barros Monteiro A INFORMAÇÃO MEDIADA NO DISCURSO DE EDIR MACEDO: uma análise de editoriais da Folha Universal. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Faculdade de Filosofia e Ciências como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciência da Informação. BANCA EXAMINADORA Orientador: .................................................................................. Prof. Dr. Oswaldo Francisco Almeida Júnior. Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação Membro: .................................................................................. Prof. Dr. Carlos Candido de Almeida. Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação Membro: .................................................................................. Profª. Drª. Sueli Bortolin Prof. Dr. Universidade Estadual de Londrina (UEL) Programa de Mestrado em Gestão da Informação Marília, 2012 Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP-Marília 5 Dedico ao Robson Luiz da Silva Simeão (in memoriam) 6 AGRADECIMENTOS Ao finalizar este estudo, finalizo também uma etapa da trajetória que pretendo seguir pelas Ciências Humanas que se iniciou no curso de História na Unesp de Assis e enveredou-se pelo Campus de Marília. Foi nesse percurso que o mundo abriu as portas de sua complexidade e me proporcionou refletir acerca da existência, da humanidade e de suas infindáveis problemáticas. Para enfrentar os transtornos que o estar-no-mundo nos oferece, a família, os professores e os diálogos com amigos foram essenciais. Agradeço imensamente ao meu papai Celso, homem cuja existência transcende o comodismo, alguém que está sempre aberto a se encantar com o mundo e desvendar o novo. Minha maior influência e a quem devo todo minha curiosidade e tentativa de entender algo. A minha mãe Fatima e meus irmãos Rodrigo e Diogo, pessoas sem as quais não conheceria o sabor do amor. Ao meu orientador Oswaldo, pessoa que admiro como ser humano, alguém que está para além da arrogância do mundo acadêmico, sempre disposto a ouvir, aprender, corrigir, debater, desafiar, com muita humildade e propriedade. Aos membros da banca, professora Sueli Bortolin e professor Carlos Almeida, cujas analises, correções e sugestões foram essenciais para o desenvolvimento do trabalho. Agradeço ao pessoal de Assis: ao Marceleza, meu companheiro desde o início da vida acadêmica, amizade única, metafórico, o maior questionador de verdades. A Lu, Luid, Doc, Jack, Helton, Adilsão, Felipão, Hugo, Betão, Dani, Farinha, Vitor, Silvinha, D. Terezinha .... Ao pessoal de Marília: ao Renan amigo-irmão que tive a oportunidade de vivenciar seu início e desabrochar no mundo acadêmico, e que hoje, além de considerá-lo uma pessoa maravilhosa e muito educada, é uma das pessoas mais inteligentes, curiosas e sensíveis que conheço. À turma de 2009 de biblioteconomia, a casa 3, Mi Brasileiro, Aline, Ingrid, Crato, Antônio, Karu, Sá, Cesar, D. Olga, Otília, Jersinho, Tamara. Aos amigos de Ribeirão: Carlão e Dudu. À Angélica, minha companheira, alguém que compartilho meus sonhos e desesperos, pessoa que aguenta minhas chatices e questionamentos com todo carinho e respeito, e que me propicia encarar a vida com calma, suavidade e amor. O grande encontro da minha vida. Muito obrigado a todos! 7 É necessário [...] que nos inquietemos diante de certos recortes ou agrupamentos que já nos são familiares. É possível admitir, tais como o são, a distinção dos grandes tipos de discurso, ou das formas, ou dos gêneros que opõem, umas as outras, ciência, literatura, religião, história, ficção, etc., e que as tornam espécies de grandes individualidades históricas? Foucault (Arqueologia do saber) [...] enquanto o passado tiver que ser descrito como se fosse digno de ser imitado, como se fosse imitável e possível uma segunda vez, esse passado correria o risco de ser deformado, embelezado, desviado de seu significado e, por isso mesmo, sua descrição se assemelharia a poesia livremente imaginada. Nietzsche (Da utilidade e do inconveniente da história para a vida) O homem só procura a fé nos momentos de dificuldades, O homem critica a corrupção fazendo ela de verdade, O homem que não esta no poder, finge, mas morre de vontade, O homem no começo diz mudar, depois conserva a desigualdade, O homem é um pedaço de você ... Ciro Monteiro (Música: O Homem) 8 MONTEIRO, C. A informação mediada no discurso de Edir Macedo: uma análise de editoriais da Folha Universal. Marília: Unesp, 2012. 115f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação – Faculdade de Filosofia e Ciências – Universidade Estadual Paulista (Unesp). RESUMO A Análise do Discurso (AD) tem sido essencial para compreendermos o funcionamento da linguagem. Ela não estaciona na interpretação; trabalha seus limites e seus mecanismos como parte do processo de significação. É por meio da informação mediada no discurso que a ideologia torna possível a relação entre o pensamento, a linguagem e o mundo. O objetivo do trabalho é o de, por meio de editoriais da Folha Universal (FU), analisar quais as estratégias discursivas utilizadas por Edir Macedo, já que o poder e a eloquência do discurso mediado pelo bispo sobre os fiéis encontra-se em posição de destaque frente às transformações da sociedade contemporânea. A dissertação apresenta ideia embrionária de Informação Religiosa, mostra a igreja como mais um elemento na concepção de espaço informacional e propõe a necessidade de compreender o mediador da informação como um intelectual orgânico. O método escolhido para o desenvolvimento da pesquisa foi a AD, que dispensa a formulação de metodologia, já que para a AD, metodologia e teoria são inseparáveis. As ideias e propostas apresentadas visam servir para ampliar a concepção de informação, mediador e espaço informacional trabalhados na Ciência da Informação (CI). Por fim, conclui-se que as estratégias discursivas utilizadas pelo líder da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) são prioritariamente constituídas por elementos persuasivos. Dessa forma, o estudo é essencial para que se possa lidar com esse tipo de informação nas Unidades de Informação, além de contribuir para novos estudos no campo. Palavras chaves: Edir Macedo, Análise de Discurso, Mediação da Informação, Ciência da Informação. 9 ABSTRACT Speech Analysis (SA) has been essential for the understanding of the mechanisms of language. It does not stop at interpretation; it goes around its limitations and mechanisms, as part of the process of meaningfulness. It is through mediated information in speech that ideology enables the relation among thought, language and the world. The aim of this paper is to analyze, through publishing of ‘Folha Universal’ (FU), which are the speech strategies used by Edir Macedo, since the power and eloquence of the speech about the believers mediated by the bishop is found to be in outstanding position before the transformations of the contemporary society. The dissertation presents the initial idea of Religious Information, presenting the church as another factor in the conception of informational space and proposing a necessity for understanding the information mediator as an organic intellectual being. The method chosen for the research development was SA, which dismisses the formulation of methodology, since for SA methodology and theory are inseparable. The ideas and proposals hereby presented aim at working for the broadening of the conception of information, mediator and informational space developed in Science of Information (SI). Lastly, it is concluded that the speech strategies used by the leader of ‘Igreja Universal do Reino de Deus’ (IURD) are mainly constructed by persuasive elements. Therefore, the study is not only essential for the handling of this sort of information at the Information Units, but also contributes for new studies in the field. Key words: Edir Macedo, Speech Analysis, Mediation of Information, Science of Information. 10 LISTA DE SIGLAS AD – Análise do Discurso CI – Ciência da Informação FU – Folha Universal IR – Informação Religiosa IURD – Igreja Universal do Reino de Deus PPGCI - Programa de Pós Graduação em Ciência da Informação USP – Universidade de São Paulo UNESP – Universidade Estadual Paulista 11 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 13 1 A INFORMAÇÃO RELIGIOSA............................................................................... 21 1.1 1.2 As primeiras civilizações e a Informação Religiosa.................................................. Epistemologia da Informação Religiosa.................................................................... 24 27 2 2.1 A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS........................................................ Religião, Edir Macedo e sociedade...................................................................... 38 39 2.2 Igreja: um elemento na concepção de espaço informacional................................... 43 3 MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO............................................................................... 50 3.1 Por uma definição ampla do conceito de mediadores da informação...................... 50 3.2 O intelectual orgânico como mediador da informação............................................ 54 3.3 Edir Macedo: mediador da informação...................................................................... 59 4 FUNDAMENTAÇÃO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS............................ 64 4.1 Corpus de análise...................................................................................................... 70 4.2 Análise do discurso de linha francesa....................................................................... 71 5 O DISCURSO DE EDIR MACEDO POR MEIO DE EDITORIAIS DA FOLHA UNIVERSAL.............................................................................................................. 74 5.1 A Folha Universal: elementos históricos................................................................... 74 5.2 Análise dos editoriais................................................................................................. 76 5.2.1 Editorial: uma história de injustiças........................................................................... 76 5.2.2 Editorial: a oferta nos torna merecedores................................................................. 78 5.2.3 Editorial: como receber o espírito santo.................................................................... 80 5.2.4 Editorial: como esta data pode definir a sua vida...................................................... 81 5.2.5 Editorial: mar de conquista........................................................................................ 85 5.2.6 Editorial: a oferta abre caminhos............................................................................... 86 5.2.7 Editorial: tire as sandálias do pé................................................................................ 92 5.2.8 Editorial de fé em fé................................................................................................... 93 12 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 96 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 99 ANEXOS.................................................................................................................... 106 Editorial: Uma história de injustiças – 23 a 29 ago de 2009 – ed. nº 907................. 106 Editorial: A oferta nos torna merecedores-15 a 21 de nov de 2009-ed. nº 919......... 107 Editorial: Como receber o Espírito Santo-21 a 27 de mar de 2010-ed. nº 937......... 108 Editorial: Como esta data pode definir a sua vida-21 abr de 2010-ed. histórica....... 109 Editorial: Mar de conquistas – 02 a 08 de maio de 2010 – ed. nº 943...................... 110 Editorial: A oferta abre caminhos – 05 de dez de 2010 – ed. nº 974........................ 111 Editorial: Tire as sandálias dos pés – 19 a 25 dez de 2010 – ed. nº 976.................. 112 Editorial: Editorial: De fé em fé – 5 a 11 de jun de 2011 – ed. nº 1000..................... 113 13 INTRODUÇÃO Deus é algo que a mente humana não consegue entender. Celso Monteiro John Patrick Diggins ao iniciar a biografia de Max Weber: política e espírito da tragédia escreveu que o “[...] pensamento de um homem é reflexo de sua biografia”. Jayme Gasparoto, em disciplina de Epistemologia das Ciências Sociais no Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Unesp de Marília, ao discorrer acerca da sociologia do cotidiano disse que: “Quando vamos fazer uma pesquisa quase sempre olhamos para o lado”. Assim como a biografia de Weber e as observações do professor Gasparoto, minha1 pesquisa está totalmente relacionada ao meu cotidiano e à minha vida. Tudo começou quando eu era criança, mais ou menos 9 anos de idade, período em que muitas dúvidas atormentavam a minha mente. Eram perguntas e mais perguntas e poucas respostas. Todas essas perguntas eram jorradas principalmente e ininterruptamente ao meu pai, Sr. Celso Monteiro. Em um desses dias, pensando sobre a existência do universo, nos motivos pelos quais as pessoas existem, qual o sentido da vida e quem seria o criador do mundo, fiz a seguinte pergunta a meu pai: “O que é Deus?” Meu célebre papai, um homem sereno, calmo, muito inteligente e trabalhador, respondeu: “Deus é algo que a mente humana não consegue entender”. Aquela resposta ecoou como uma bomba em meu cérebro, nunca tinha escutado nada parecido e tão complexo. Em um primeiro momento não entendi nada, e confesso que até hoje as limitações para a compreensão dessa resposta continuam plenas. No entanto, adorei a resposta. Decorei e ficava a todo o momento balbuciando “Deus é algo que a mente humana não consegue entender, Deus é algo que a mente humana não consegue entender, ...”. A partir daquele momento eu tinha a resposta pronta para uma pergunta tão complexa. Após alguns dias, durante a aula da tia Iara na 4ª série do ensino fundamental, uma mocinha 1 Peço a liberdade para escrever na primeira pessoa do singular a introdução de minha dissertação, já que esta contêm relatos pessoais. 14 evangélica virou-se e perguntou: “Você acredita em Deus?”. Eu, com a alma repleta de verdades, respondi de bate pronto: “Deus é algo que a mente humana não consegue entender”. A mocinha ao receber a resposta ficou extremamente alterada, disse que eu era um pecador e que iria sofrer as consequências de ser um descrente. Não entendi muito a reação da mocinha, achei que ela iria adorar a minha resposta pronta. A partir desse momento, comecei a refletir não só sobre a dificuldade de compreensão das religiões, das crenças, do universo, das ideologias, de Deus, etc, mas também acerca dos múltiplos pontos de vistas que foram responsáveis por formar as sociedades2. Desde os primeiros vestígios de agrupamentos humanos até os dias atuais, o homem sempre buscou algum contato com o divino. Essas manifestações moldaram civilizações inteiras, suas formas de sobrevivência, ou seja, moradia, alimentação, moral, ideologia, língua, entre outros. Atualmente, em uma população mundial de mais de 7 bilhões de pessoas, 5 bilhões têm alguma forma de crença e aqueles que não creem recebem influência das formas de organização dessas sociedades (MARA, 2011). Nesse sentido, pensar a ciência e suas problemáticas vinculadas à informação, o conhecimento, e principalmente a sociedade, aparece como essencial para tentar compreender as influências dos aspectos religiosos na constituição da nossa concepção de ciência e de pesquisa. A partir dos pressupostos e problemáticas sociais que passamos a compreender o nascimento e justificativa para o desenvolvimento de uma pesquisa científica que deve ser necessariamente social, já que o conhecimento e a realidade são socialmente construídos (BERGER; LUCKMANN, 2002, p. 14). Assim sendo, passei a pensar “cotidianamente” sobre a informação, um dos objetos de pesquisa da Ciência da Informação (CI), e seu funcionamento na sociedade com a seguinte problemática: o que as pessoas leem? Quais são as principais fontes de acesso à informação da sociedade? Durante um ano, no ônibus que me levava todos os dias para lecionar no presídio3 da cidade de Marília, observei o que as pessoas estavam lendo. Alguns dias notei que os passageiros liam livros, que na maioria das vezes ao me desdobrar para enxergar o autor, percebia que quase sempre era de autoria do líder da Igreja Universal do Reino de Deus 2 Sueli Bortolin em sua tese Mediação Oral e Literária: a voz dos bibliotecários lendo e narrando, ao discorrer acerca da importância da oralidade ressalta que Jean-Paul Sartre utilizou-se do não registro, ou seja, da memória quando relatou as idas, desde muito pequeno, ao cinema com sua mãe. Isso também aconteceu comigo quando consultei minha memória sobre os motivos iniciais que motivaram essa pesquisa, ou seja, a resposta complexa de meu pai após uma pergunta sobre a existência de Deus. Tal fato confirma a importância da informação não registrada na sociedade. 3 Vale ressaltar que nesse presidio, durante minha permanência na unidade, pesquisei quais livros eram mais requisitados pelos reeducandos (presos). O resultado mostrou que os livros de Edir Macedo e os espíritas são os mais requisitados, além disso, o jornal Folha Universal é distribuído todo domingo aos detentos. 15 (IURD), Edir Macedo. O bispo tem mais de 30 livros publicados4. Outras vezes5 era o jornal Folha Universal (FU), também da IURD. A partir dai comecei a pesquisar a IURD, seu jornal e o poder de influência desta instituição em mediar informação para a sociedade. Por meio da problemática de querer compreender a informação mediada no discurso de Edir Macedo, que vem ganhando poder e espaço nos principais meios de comunicação do país, desenvolvi o presente trabalho. Inicialmente percebi a dificuldade de desenvolver tal temática dentro da CI, pois não encontramos trabalhos com esse tipo de abordagem. A CI tem a necessidade de gerenciar a informação entre as diversas áreas do conhecimento e conta com técnicas muito bem definidas de registro, armazenamento, organização e disseminação da informação. No entanto, não se sabe ao certo o que é esta ciência e do que se ocupa exatamente, além de não alcançar consenso entre os autores, tão pouco uma definição que seja universalmente aceita. É caracterizada, principalmente, pela diversidade de abordagens, e por enfoques teórico-conceituais variados e diferenciados de acordo com cada autor como afirma Loureiro: Alguns autores acentuam as características da CI, voltadas ao armazenamento, gestão, disseminação da informação, outros ressaltam suas fortes ligações com a tecnologia e há aqueles que sublinham sua vinculação com os sistemas de informação e os processos comunicacionais [...] diversas outras abordagens e correntes teóricas podem ser aqui apresentadas sem que qualquer uma delas defina, ou se aproxime do domínio científico em questão (LOUREIRO, 1999, p. 67). Todavia restringir o conceito de CI a apenas alguns campos do conhecimento frente às inúmeras transformações do mundo moderno, pode ser prejudicial a esta área e a sua necessidade de dialogar com outras ciências, como relata Le Coadic: A ciência da informação é uma dessas novas interdisciplinas, um desses novos campos do conhecimento onde colaboram entre si, principalmente, a psicologia, a lingüística, a sociologia, a informática, a matemática, a lógica, a estatística, a eletrônica, a economia, o 4 Em estudo realizado sobre os usos e efeitos da mídia no cotidiano dos fiéis com evangélicos de várias denominações na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Alexandre Fonseca (1997) apontou que os livros sobre doutrina da Confissão Positiva ocupam destaque nas preferências dos leitores evangélicos. De acordo com a classificação utilizada na pesquisa, as obras de Macedo aparecem como as mais lidas, por 63% dos fiéis da Igreja Universal. O autor destaca o problema de classificação desses livros, já que, além de práticos para a vida cristã, neles estão embutidos ensinamentos que podem ser classificados de Confissão Positiva ou da Teologia da Prosperidade. 5 Também haviam outras leituras como Augusto Cury, Paulo Coelho, as séries Crepúsculo, etc. 16 direito, a filosofia, a política e as telecomunicações (LE COADIC, 1996, p. 22). O próprio Le Coadic, pesquisador que prioriza a informação registrada como objeto de pesquisa da CI6, já admitia há mais de uma década a necessidade da CI dialogar com as múltiplas áreas do conhecimento. Essa perspectiva, que dá prioridade a informação registrada como objeto de pesquisa, torna a CI um campo restrito a apenas um tipo de informação. Dessa forma, é necessário que a CI passe a se preocupar com a informação mediada na sociedade de forma que possa receber contribuições das múltiplas disciplinas para compreender seu objeto. Nesse sentido, o estudo acerca da informação veiculada pela IURD surge como um importante filão a ser pesquisado dentro da CI. Percebi que é necessário compreender a Informação Religiosa (ideia que desenvolverei mais a frente) para melhor entender as problemáticas da área e as dinâmicas da comunicação na sociedade. Dessa forma, os objetivos do trabalho foram de analisar como a informação é mediada no discurso de Edir Macedo por meio de editoriais do jornal Folha Universal utilizando-se da Análise do Discurso (AD) como metodologia. Além disso, verificar quais os mecanismos de linguagem utilizados pelo bispo e transcrever os principais termos e conceitos que dão respaldo a sua argumentação. Procurei por meio da AD, da CI e da informação veiculada nos editoriais escritos por Edir Macedo, compreender os enunciados, as estratégias discursivas e principalmente quais as intenções do sujeito falante e os vários discursos presentes nessas formações, como bem observa Foucault : [...] não se pode reconstituir um sistema de pensamento a partir de um conjunto definido de discursos. Mas esse conjunto é tratado de tal maneira que se tenta encontrar, além dos próprios enunciados, a intenção do sujeito falante, sua atividade consciente, o que ele quis dizer, ou ainda o jogo inconsciente que emergiu involuntariamente do que disse ou da quase imperceptível fratura de suas palavras manifestas; de qualquer forma, trata-se de reconstituir outro discurso, de descobrir a palavra muda, murmurante, inesgotável, que anima do interior a voz que escutamos, de restabelecer o texto miúdo e invisível que percorre o interstício das linhas escritas e, às vezes, as desarruma (FOUCAULT, 2009, p. 31). 6 É importante salientar que, apesar de trabalhar com a informação registrada como objeto de pesquisa – editoriais da Folha Universal – ao longo da dissertação faço críticas a CI por dar prioridade a esta informação. O objetivo de criticar essa abordagem esta em refletir acerca das limitações da ciência, principalmente da CI que de forma alguma pode deixar de pensar que este tipo de recorte (informação registrada) não dá conta de compreender a totalidade das problemáticas informacionais das sociedades. Este exercício de criticar as limitações da CI faz com que o conjunto de pesquisadores do campo tenham que repensá-la cotidianamente. 17 O sujeito falante (discursivo) deve ser compreendido em suas “posições discursivas” em que as palavras são produzidas. Edir Macedo possui posição discursiva privilegiada, ou seja, ocupa seu lugar de representação em um determinado grupo, e a significação de suas palavras deve ser entendido de acordo com suas posições ideológicas: Devemos lembrar que o sujeito discursivo é pensado como “posição” entre outras. Não é uma forma de subjetividade do que diz [...] é a posição que deve e pode ocupar todo indivíduo para ser sujeito do que diz. O modo como o sujeito ocupa seu lugar, enquanto posição, não lhe é acessível, ele não tem acesso direto a exterioridade (interdiscurso) que o constitui. Da mesma maneira, a língua também não é transparente nem o mundo diretamente apreensível quando se trata de significação, pois o vivido dos sujeitos é informado, constituído pela estrutura da ideologia (ORLANDI, 2003, p. 49). Vale lembrar que conjuntamente com o sujeito falante e as posições ideológicas presentes nos enunciados dos editoriais da Folha Universal encontra-se a necessidade de compreender o discurso religioso e seus mecanismos de comunicação. No discurso religioso, o sujeito discursivo fala em nome de Deus, como bem relata Eni Orlandi: [...] o discurso religioso realiza tarefa sui generis enquanto mecanismo de comunicação, pois, se os demais discursos podem vir a revelar a voz do sujeito falante, nele resta apenas a noção de dogma. [...]. Deus não fala, dada ser uma realidade imaterial; quem fala em seu nome não é dono do discurso: o agente é apenas veículo, porta-voz, no máximo “interpretador” da palavra do Senhor (ORLANDI, 2007, p.61.) O discurso religioso tem como base de organização a persuasão, ou seja, se utiliza de mecanismos de persuasão para atingir seus objetivos. Segundo Citelli esses mecanismos são: o uso do modo imperativo, o que revela a ideia de coisa pronta, acabada; o vocativo subjacente (creio), que afirma o chamamento ao sujeito; a função emotiva (afinal eu devo acreditar, ter fé. O problema da salvação está comigo, o Senhor é o exemplo a ser seguido) o uso de metáforas que acentuam o ciframento do discurso religioso: a mansão dos mortos e o ressuscitamento de todos só criam um jogo simbólico acerca do inusitado do dogma; o uso intenso de parábolas e da paráfrase; de um lado, a evocação alegórica, e, de outro, a presença do texto bíblico; uso de estereótipos, chavões e de sintagmas cristalizados: “Oh! Senhor”, 18 “todo-poderoso”, “criador”, “nosso Senhor” etc. Esses elementos serão fundamentais para a análise do discurso de Edir Macedo. Vale destacar que não entendo o usuário (leitor) da Folha Universal como mero receptor do discurso de Edir Macedo, mas como alguém que interage com esse suporte (contato) sendo que essa informação só passa a existir no processo de apropriação, ou seja, no momento da mediação: A mediação da informação permite e exige concepção de informação que desloque o usuário da categoria de mero receptor, colocando-o como ator central do processo de apropriação. Dessa forma, defendemos que o usuário é quem determina a existência ou não da informação. A informação existe apenas no intervalo entre o contato da pessoa com o suporte e a apropriação da informação. Como premissa, entendemos a informação a partir da modificação, da mudança, da reorganização, da reestruturação, enfim, da transformação do conhecimento. Assim entendida, ela, informação, não existe antecipadamente, mas apenas na relação da pessoa com o conteúdo presente nos suportes informacionais. Estes são concretos, mas não podem prescindir dos referenciais, do acervo de experiências e do conhecimento de cada pessoa. Em última instância, quem determina a existência da informação é o usuário, aquele que faz uso dos conteúdos dos suportes informacionais. (ALMEIDA JÚNIOR, 2009, p. 97). Nesse sentido, a informação é entendida como relevante no momento de sua apropriação, ou seja, na medida em que interage com o usuário e promove mudanças. Pinheiro e Loureiro ao analisar a informação, destacam a distinção feita por Saracevic acerca da informação e da informação relevante segundo a qual esta última relacionada à comunicação e a orientação aos usuários de sistemas de recuperação da informação. Assim sendo, a “[...] efetividade da comunicação do conhecimento se dá [...] na medida de sua transmissão de um arquivo ao outro, ocasionando mudanças” (PINHEIRO; LOUREIRO, 1995). Portanto, relevância é a medida de tais mudanças, e a Ciência da Informação, ao lado da lógica e da filosofia, apresenta-se como disciplina essencial no território dos estudos e reflexões sobre relevância e, consequentemente, informação. Assim sendo, essa mediação pode ser feita de várias maneiras de acordo com a posição discursiva e os interesses do sujeito falante, pois este a partir do local em que se encontra pode empreender adaptações (trocar as palavras) ao discurso religioso fazendo com que obtenha maior adesão do público: 19 Mas, se não há diferença importante entre uma e outra palavra, por que trocá-las? Que jogo retórico está por trás do eufemismo? A resposta nos remete a uma das vertentes do discurso persuasivo que é a de provocar reações emocionais no receptor: o enunciador/emissor apela para recursos afetivos visando melhor conquistar adesão do seu público (CITELLI, 2007, p. 61). Tanto a AD como a CI estudam o comportamento da informação em seu processo de comunicação, ambas as áreas de pesquisa dependem do ato da mediação da informação7 para que possam existir, ou seja, tanto na linguagem, como na seleção, organização e uso, há interferência e apropriação da informação. Assim sendo, a necessidade de estudarmos a mediação da informação feita pelos editoriais da Folha Universal dentro da CI me pareceu evidente, pois além de ser este (Edir Macedo) uma das principais vozes do Brasil, temos que saber lidar com esse tipo de informação. Por isso esse estudo sistemático com a utilização da AD tende a fazer contribuições essenciais para o desenvolvimento da CI. No primeiro capítulo intitulado A Informação Religiosa fiz um relato das influências da Informação Religiosa (IR)8 na sociedade, desde os primórdios da humanidade até os dias atuais, e como essas relações repercutem nas pesquisas em CI. Realizei breve explanação acerca das influências do racionalismo – positivista nas pesquisas e de que forma está relacionado ao espírito conservador da área. Trabalhei também com a ideia de paradigma e com uma proposta de definição de Informação Religiosa (IR). No segundo A Igreja Universal do Reino de Deus apresentei os fundamentos teóricos que nortearam a ideia de religião e um breve histórico do líder Edir Macedo, seu poder de influência na liderança e processo de expansão da igreja. Em seguida desenvolvi a ideia de igreja como sendo mais um elemento na concepção de espaço informacional, juntamente com os já conhecidos na área, relevante e essencial à compreensão da realidade e das pesquisas informacionais em CI. O terceiro capítulo Mediação da Informação questiona as limitações da concepção de profissional e mediador da informação. Apresenta a necessidade de compreender o mediador como um intelectual orgânico. Por fim, caracteriza Edir Macedo como um importante 7 Entendemos o “conceito de mediação da informação” a partir das ideias desenvolvidas pelo grupo de pesquisa “Interfaces: informação e conhecimento”, liderado pelo professor Oswaldo Francisco de Almeida Júnior. Segundo o grupo, o conceito de mediação “tem como base a apropriação e a interferência e esta se dá em vários âmbitos: do usuário, do profissional da informação, do suporte informacional, do produtor da informação, das mídias, dos meios, dos equipamentos informacionais, etc”. 8 A ideia ou proposta de definição de Informação Religiosa será feita no início do primeiro capítulo da dissertação, intitulado Informação Religiosa. 20 mediador da informação. No quarto Fundamentação e procedimentos metodológicos fiz descrição do corpus de análise, ou seja, os números e editoriais que foram analisados. Apresentei de forma geral, a análise do discurso de linha francesa, um breve histórico da área, seus pressupostos teóricos metodológicos e como esse é um método essencial para verificar a prática discursiva de Edir Macedo e o poder da informação mediada pelo líder. No quinto e último capítulo Discurso de Edir Macedo por meio de editoriais da Folha Universal, fiz apresentação da Folha Universal e seus elementos históricos. Analisei oito editoriais. Procurei compreender o discurso proferido pelo líder da IURD por meio dos editoriais e a relação que este estabelece entre o fiel – leitor, a mediação e os fatos da realidade. Por fim, a partir dos resultados tentei mostrar de que forma o presente estudo pode contribuir para as reflexões acerca da informação e para o desenvolvimento do campo. A ousadia do trabalho em colocar questões polêmicas, como por exemplo: críticas epistemológicas as tradições da CI, o Intelectual Orgânico como mediador da Informação, a Igreja como um elemento importante e agregador a ideia de espaço informacional, e principalmente a importância da Informação Religiosa mediada por um bispo no processo de mediação dos fatos e a influência dessa informação na formação da realidade do fiel – leitor e da sociedade são algumas das problemáticas que tentei instigar ao longo do texto. 21 1 A INFORMAÇÃO RELIGIOSA A religião é o suspiro da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração Assim como o espírito de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo.9 Karl Marx A ideia de fazer um capítulo para iniciar reflexão acerca dos limites da CI foi em essência o grande motor desse tópico. Ao observarmos a CI e seu objeto de pesquisa percebemos uma série de problemáticas que não fazem parte do rol de questionamentos que envolvem a área10. Antes de discorrermos sobre os limites da CI, apresentaremos uma proposta de definição acerca do que entendemos por Informação Religiosa para que seja possível compreender os questionamentos do presente tópico. Vale lembrar que uma definição pode ser vista como algo arbitrário, ou seja, uma forma de restrição. No entanto, sabe-se que ela é necessária e desempenha um importante papel epistemológico: [...] toda vez que se define algo se dá um passo a mais em direção à compreensão – idealmente, ao menos – de algo e, assim sendo, parece mais coerente assumir a posição de que a definição desempenha um papel epistemológico fundamental. Acredita-se que esta função não pode ser a ela negada (ENGELMANN, 2006, p. 11). A partir desses pressupostos, de forma breve e inicial, entendemos a Informação Religiosa11 como toda e qualquer informação que esteja vinculada a algum tipo de 9 Retiramos esse trecho do livro Sur la religion de Karl Marx, para mostrar que a famigerada frase “A religião é o ópio do povo” tem um complemento e não se limita a essa observação. Ao ler o livro com maior atenção, é possível perceber que o autor coloca a religião como uma das formas de manifestação humana fundamentais para compreendermos as sociedades, pois para ele a religião também é “o coração de um mundo sem coração” e mesmo que ela (religião), na ideia do autor, iria ser superada (extinta) com as transformações da sociedade, pois era uma forma de alienação, reconhece que exerceu influência sobre os povos. 10 Fizemos pesquisa com 14 importantes periódicos on-line da área com o objetivo de encontrar artigos com Informação Religiosa (conceito que aparece como proposta de desenvolvimento nesse capítulo). O resultado foi impressionante, dos 2.534 artigos analisados apenas 4 trabalharam com essa informação. Isso revela que a Informação Religiosa não tem sido uma problemática estudada na CI. 11 Vale lembrar que fizemos apenas uma proposta para o desenvolvimento de uma ideia de Informação Religiosa que esta em aberto para a colaboração de todos que se interessarem pelo tema. Como não temos o conhecimento da existência de outros trabalhos da CI com essa temática, pretendemos que esse seja o primeiro passo para uma longa caminhada de questionamentos e reflexões na área. 22 manifestação religiosa direta ou indiretamente, dentro ou fora de um espaço religioso. Tanto o pastor como o ateu recebem influências da forma de comportamento das pessoas em sociedade, que consequentemente acabam por receber grande influência das religiões e de sua forma de pensar e agir. Segundo Mircea, mesmo o homem profano não consegue anular sua descendência: [...] a maioria dos homens sem religião partilha ainda das pseudo religiões e mitologias degradadas. O que em nada nos deve espantar, porque [...] o homem profano é o descendente do homo religiosus e não pode anular a sua própria história, quer dizer, os comportamentos dos seus antepassados religiosos, que o construíram tal qual ele é hoje (MIRCEA, 1992, p.162). A Informação Religiosa está presente nos mais variados espaços sociais, tanto em igrejas, mosteiros, sinagogas, conventos, templos, mesquitas, terreiros, etc, como em praças, bibliotecas, bares, rodoviárias, universidades, escolas, presídios, parques, hotéis, campos de futebol, empresas, laboratórios, entre outros. Ela não se prende a um espaço, é carregada pelo homem pelos múltiplos espaços sociais. A frase de Karl Marx foi destacada no início do texto para mostrar que a religião é uma das grandes questões para pensar o conhecimento e compreender a sociedade. Nesse livro Marx revela os dois lados da religião, ou seja, ao mesmo tempo em que pode servir de instrumento de corrupção do povo é também uma forma de suspiro de uma população desprovida das necessidades básicas de sobrevivência. Por mais que filósofos, como por exemplo, Feuerbach12 pensem que Deus ou a consciência religiosa seja uma forma exemplar de alienação, ou que não seja um Deus- intelecto que interesse ao teólogo e ao filósofo, ele existe como construção social e está vinculado as grandes transformações sociais. Michel Pêcheux na introdução do livro O Discurso: estrutura e acontecimento, conta a história de um velho teórico erudito marxista que queria fabricar sua biblioteca sozinho. O autor usa a metáfora das porcas, roscas e parafusos, em que o velho marxista teimava em construir tentando juntar duas peças de madeira usando parafusos e roscas sem porcas. Ele girava e girava sempre no vazio. O velho marxista, durante muito tempo se recusou a aceitar ajuda das várias porcas 12 CHAUI, Marilena Sousa. Cultura e Democracia : o discurso competente e outras falas – 10. Ed. – São Paulo : Cortez, 2003.p.71. 23 que surgiram. No entanto, certo dia o velho aceitou ajuda e o marxismo passou a ter relações extraconjugais, ou seja, passou a ter colaboração de outras porcas - da psicologia, da antropologia, etc, - ampliando sua maneira de compreender o mundo, e facilitando a união das madeiras (PECHEUX, 1983). Não obstante, a CI parece oferecer certa resistência a esses relacionamentos. A área continua trabalhando com o problema do “Transporte físico da informação”, vinculando a ideia de informação mais como “coisa” do que como processo, ou seja, relega para o segundo plano a concepção de informação como algo construído, essencialmente histórico e cultural (ARAUJO, 2009, p. 203). Em uma sociedade como a brasileira em que a população é rodeada por um número cada vez mais crescente de religiosos, como não problematizar a participação dessa população na construção da realidade? A partir dessa questão passamos a querer compreender as etapas de formação da CI, quem fundou essa ciência e quais os seus limites. Assim, recorremos à sociologia do conhecimento, a epistemologia, a ciência e a reflexão conceitual para dar possibilidade ao surgimento de novas ideias para serem trabalhados na área. No primeiro tópico As primeiras civilizações e a Informação Religiosa, iniciamos reflexões acerca da origem das primeiras civilizações, a relação destas com a Informação Religiosa e como essas civilizações criaram formas de pensamento, como por exemplo, o racionalismo, que continua a ditar regras de comportamento da ciência até os dias atuais, repercutindo inclusive nas pesquisas em CI. Dois autores foram essênciais para mostrar, com riqueza de detalhes, as formas de comportamentos das primeiras civilizações e o vínculo dessas com as religiões. São eles: Lewis Mumford em livro intitulado A cidade na história e Fustel de Coulanges em A cidade antiga. Nessa mesma perspectiva, outro livro essencial foi O sagrado e o profano de Mircea Eliade, que mostrou como o “homem primitivo” que recebeu grande influência das religiões, continua vivo no homem atual. O segundo tópico Epistemologia da Informação Religiosa 13 trabalhamos com a ideia de dualidade cultivada pela ciência que insiste em separar racionalismo e empirismo. Questionamos o nascimento da ciência, sua natureza positivista e como esta influenciou a CI criando um espírito conservador na área. Trabalhamos com o conceito de CI e seus paradigmas, mostrando-nos contrário a ideia 13 É importante salientar que este não é um trabalho de epistemologia, apenas tivemos que usar o pensamento epistemológico, principalmente com o viés paradigmático de Thomas Kuhn, para fundamentar o presente trabalho, já que escolhemos trabalhar com uma temática incomum à área, porém em nossa concepção os conceitos ou propostas desenvolvidos aqui serão essenciais para o desenvolvimento de novos trabalhos na CI. 24 de alguns autores de que a CI não é uma ciência paradigmática. Dois livros foram fundamentais para o desenvolvimento da ideia de epistemologia e paradigma. São eles: Introdução a Epistemologia de Hilton Japiassu, onde pudemos adotar a epistemologia crítica como forma de estabelecer análise da CI para averiguar as responsabilidades sociais dos cientistas e técnicos, e a ideia de paradigma desenvolvida por Thomas Kuhn em seu livro A estrutura das revoluções científicas, adotando o conceito de paradigma cunhado pelo autor para analisar os paradigmas da CI. De modo geral, os tópicos tentam fazer uma análise da CI mostrando as raízes da ideia de informação e dos paradigmas, utilizando a epistemologia como ferramenta para questionar a área. Além disso, revelam que é possível desenvolver novos trabalhos dentro da área empregando a ideia de Informação Religiosa, definição que apenas apontamos como proposta para ser desenvolvida futuramente pelos pesquisadores que simpatizarem com a problemática. 1.1 – As primeiras civilizações e a Informação Religiosa A religião esteve presente em toda a história da humanidade e exerceu significativa influência no “desenvolvimento” das sociedades. Ao refletirmos acerca das sociedades, ou melhor, da origem das cidades e das primeiras civilizações, é possível perceber que não existe qualquer possibilidade de compreender a dinâmica dos povos e o processo de organização social sem a influência das religiões, ou da circulação da informação religiosa. Sabe-se que antes dos primeiros agrupamentos em aldeias, durante o período paleolítico, já existiam nos antigos santuários, túmulos e montes sepulcrais, indícios de vida cívica (MUNFORD, 1998, p. 14). No período greco-romano a Informação Religiosa esteve diretamente ligada à constituição das cidades e de sua organização, como bem relata Fustel de Coulanges: A comparação entre crenças e leis mostra-nos que as famílias gregas e romana primitivas foram constituídas por uma religião também primitiva que estabeleceu o casamento e a autoridade paterna, fixou suas linhas de parentesco, consagrou o direito de propriedade e de sucessão. Essa mesma religião, depois de estabelecer e formar a família, instituiu uma associação maior, a cidade, e governou-a com a mesma disciplina que a da família. Da família se originaram, pois todas as instituições, assim como todo o direito privado dos antigos (COULANGES,1975, p. 9). 25 Nesse sentido, desde o período paleolítico, quando começaram a aparecer os primeiros indícios de organização cívica ao período greco-romano, que já era possível observar uma das mais importantes e influentes formas de organização social (cidades gregas e romanas), a influência da religião e da circulação da informação religiosa foi essencial para o desenvolvimento das cidades. Essas civilizações, principalmente a greco-romana constituíram a base para o desenvolvimento do pensamento racionalista ocidental que continua a exercer grande influência na ideia de pesquisa e ciência em quase todas as áreas do conhecimento. Esse racionalismo acabou por influenciar o desenvolvimento da ciência que com o iluminismo do século XVIII tentou sepultar a relação Deus/Homem: Como lembrou Durkheim (1978), a ciência tem como ambiente originário a própria dimensão das representações religiosas. Contudo, as mudanças e renovações do pensamento, instauradas desde movimentos intelectuais como o humanismo e o renascimento cultural, promoveram profundas rupturas com o teocentrismo medieval e propuseram novas concepções nas quais a relação Deus/homem foi ultrapassada pela relação homem/natureza. Estas idéias foram sendo sedimentadas e desenvolvidas num contínuo que desembocou na Revolução Científica do século XVII, a qual desenhava o contexto em que o homem passava a ver a natureza como objeto de sua ação e seu conhecimento. A captura deste novo objeto de investigação pressupunha a formulação de hipóteses e experimentações, passando a conceber as explicações teológicas e metafísicas como insatisfatórias. Nessa nova perspectiva, a necessidade de desenvolvimento metodológico, em seu sentido cartesiano, propagou-se e estabeleceu as bases do conhecimento científico moderno. Essa nova postura investigativa fundamentou somente na razão os meios explicativos para os fenômenos naturais de que a escolástica, associando fé e razão, não poderia dar conta. O Iluminismo do século XVIII solidificou essa atitude, ao elevar a racionalidade como alternativa imprescindível, agora compreendida como a luz que pode sepultar as trevas (LEISTNER, 2009, p. 127). O domínio do racionalismo perdurou e moldou grande parte das pesquisas e do pensamento científico que surgiram na modernidade. A CI não foi diferente, se desenvolveu em um contexto de predomínio do racionalismo, e a partir das exigências de uma área de trabalho prático, denominada documentação e recuperação da informação (WERSIG; NEVELING, 1975, p. 127). Fato que pode ser observado em grande parte das pesquisas na área que estão relacionadas à ideia de representação, e na possibilidade de melhorar os 26 processos representacionais, por meio de linguagens melhores, classes menos consistentes e terminologias menos ambíguas. Todavia, mesmo com a preponderância do racionalismo que acabou por fundamentar os principais elementos de nosso raciocínio científico, ainda acreditamos que a ciência não sepultou nem superou os preceitos morais que a envolvem: [...] a ciência nem se opõe a moral nem pode ser sua superação porque não apenas tem as mesmas bases que ela como é a última etapa de seu aperfeiçoamento; ainda que de modo inconsciente, são os valores morais que reinam na ciência, até no melhor dos casos, diz Nietzsche, a ciência “não é o contrário do ideal ascético, é antes sua forma mais recente e mais elevada” (MACHADO, 1999, p. 144). Dessa forma, pensamos que não é possível estabelecer uma oposição entre pensamento racional e religioso, ou seja, não podemos pensar ciência e religião como antagônicas, pois o desenvolvimento científico teve e continua a ter destacada influência de suas concepções, “[...] algo da concepção religiosa do mundo prolonga-se ainda no comportamento do homem profano, embora ele nem sempre tenha consciência dessa herança imemorial” (ELIADE, 1992, p. 48). Essa herança imemorial, que influenciou o comportamento do homem profano deveria ser uma das grandes preocupações da ciência, pois as pesquisas científicas devem se ocupar de uma realidade socialmente construída, de maneira que se atentem as questões que promovem transformações sociais. Assim, a Informação Religiosa insere-se dentro dessa perspectiva, ou seja, de colocar a CI como ciência responsável também por refletir acerca da circulação da Informação Religiosa, já que esta tem exercido grande influência na sociedade e também no pensamento científico. Assim sendo, a Informação Religiosa não foi fundamental apenas para a constituição das primeiras civilizações e do pensamento ocidental, mas exerceu e exerce influência em toda e qualquer sociedade. Nesse sentido, surgem grandes angústias, como por exemplo: como é possível pensar a constituição do conhecimento e a influência da Informação Religiosa dentro da CI, como a Informação Religiosa é tratada e de que maneira essa informação é trabalhada na área? Elencamos essas questões para serem refletidas ao longo da dissertação. No entanto, além do impacto da Informação Religiosa na sociedade é necessário compreender também o homem religioso como alguém dotado de um intelectualismo peculiar: 27 O intelectualismo religioso também defronta-se com a certeza do homem religioso com relação a Deus é de um tipo completamente diferente daquela ao qual pertence a certeza nascida de complexas inferências metafísicas. Se a crença em Deus estivesse baseada em tais fundamentos, não possuiria a absoluta inquebrantabilidade que, no homem religioso, de fato possui. Ninguém se deixou até hoje torturar por uma hipótese metafísica; por outro lado, milhões de homens, tanto dentro quanto fora da cristandade, já deixaram sua última gota de sangue escorrer na areia por sua fé em Deus. Para qualquer pessoa imparcial, esse fato fala uma linguagem bastante clara (HESSEN, 2000, p. 117). Dessa maneira, é possível averiguar a importância e influência da Informação Religiosa, desde os primórdios da humanidade, passando pelo iluminismo e a criação do racionalismo. Portanto, ao retornar as primeiras formas de organização cívica para compreender o homem atual e suas manifestações, percebe-se que foi esse mesmo homem que criou a ciência e acabou por dar prioridade ao racionalismo científico. No entanto, o homem contemporâneo, por mais que tenha tentado negar, nunca abandonou suas raízes religiosas, seja de forma direta ou indireta. 1.2 Epistemologia da Informação Religiosa Uma das principais questões que fundamenta parte do pensamento humano, relacionado principalmente a problemática acerca da origem do conhecimento é o pensamento dual, ou seja, fazemos distinção do conhecimento espiritual, cuja fonte é a razão e do conhecimento sensível, baseado na experiência (HESSEN, 2000, p. 27). Essa distinção ou antagonismo talvez tenha trazido grandes problemas para compreendermos a totalidade da formação do conhecimento. O antagonismo do materialismo e do espiritualismo tornou-se ainda mais radical porque cada concepção é hegemônica e redutora; assim, o materialismo reduz tudo o que é espiritual a uma simples emancipação da matéria, e o espiritualismo reduz tudo o que é material a um subproduto do espírito (MORIN, 1999, p. 80). No seio desses antagonismos foi constituído o conhecimento e nasceu à ciência que acabou por reproduzir a distinção entre ambos e fomentar o problema dessa concepção 28 hegemônica e redutora. A CI, assim como as múltiplas ciências, recebeu influência dessas dicotomias. No entanto, por ser a CI uma nova área do conhecimento, ainda encontra-se em plena fase de constituição como disciplina científica. Ela continua a estabelecer poucos diálogos com outras disciplinas e quando o faz, muitas vezes, importa conceitos sem fazer importantes reflexões, mantendo, em muitos casos, um espírito conservador que dificulta sua constituição, como bem observa Francelin: A ciência da informação pode ser considerada uma disciplina científica em plena fase de constituição, tentando, como outras disciplinas, estabelecer-se em um período turbulento para a ciência [...] entende-se que um espírito conservador tomado nesse momento pela ciência da informação apenas serve para dificultar a construção do estatuto científico desta disciplina (FRANCELIN, 2003, p. 65). Esse espírito conservador da CI é uma das grandes problemáticas desse capítulo. Pensamos que não é possível separar o conhecimento e estabelecer uma oposição entre materialismo e espiritualismo, cérebro e espírito, pois ambos são essenciais para fundamentar a constituição do conhecimento e dar suporte para a experiência humana no mundo. Nesse sentido, toda ciência deve-se preocupar com as manifestações humanas que não são vistas como científicas (racionais), mas que promovem mudanças diretas na forma de vida das pessoas: [...] o que afeta o espírito afeta o cérebro e, através do cérebro, todo organismo. Assim, sabe-se que a dor do luto ou a depressão grave enfraquecem o sistema imunológico durante vários meses e que os males do espírito podem tornar-se doenças do corpo. O condicionamento do espírito pode modificar, via cérebro, as atividades viscerais e humorais; a hipnose desencadear perturbações fisiológicas e somáticas; a auto-educação da vontade pode levar ao controle dos batimentos do coração. Além disso, o fenômeno mais intensamente psicocultural, a fé, pode provocar morte ou cura; assim, os tabus, encantamentos, maldições, podem matar; os milagres, curar, e os placebos são eficazes num terço das doenças (MORIN, 1999, p. 83). Dessa maneira, mesmo com toda a rejeição da ciência em relação aos valores e sectarismos das religiões, a Informação Religiosa constituem importante filão para reflexão sobre a origem do conhecimento. Assim sendo, pensar qual a influência da Informação Religiosa na área da CI e como essa informação deve ser tratada é um trabalho essencial. Nesse sentido, para que possamos pensar acerca do conhecimento em sua totalidade é 29 preciso estabelecer reflexão sobre a epistemologia, a ciência, o conceito de informação e principalmente de como a ideia ou a proposta de um conceito de Informação Religiosa pode ser trabalhada na área de CI. Iniciaremos a reflexão por meio do texto O que é epistemologia? de Michael Williams. Por meio deste pudemos ter contato com as principais problemáticas que envolvem a ciência. Segundo o autor os principais problemas do conhecimento são seis: O problema analítico: (o que é o conhecimento? O que entendemos ou devemos entender por conhecimento?). O problema da demarcação: (problema externo: podemos determinar o âmbito e os limites do conhecimento humano? Será que há assuntos sobre os quais podemos ter conhecimento, enquanto há outros acerca dos quais não podemos ter mais do que opinião ou fé?) Problema interno: há fronteiras significativas no interior do domínio do conhecimento (a posteriori “empírico” e a priori)? Problema do método: (modo como obtemos ou procuramos conhecimento) Problema do ceticismo: (será de fato possível obter algum conhecimento? Problema do valor: faz sentido possuirmos conhecimento? Por que o queremos? . Esses problemas são essenciais para repensarmos constantemente a ciência. No entanto, Williams ressalta que o problema do ceticismo é fundador da epistemologia, pois questiona tudo o que é visto como conhecimento, inclusive o científico. Vale lembrar que o autor argumenta que o problema principal é o do valor, pois todos os conhecimentos dependem dele para ter validade: Dos meus cinco problemas, o do valor é o menos discutido pelos filósofos contemporâneos. Mas todos os outros conhecimentos dependem deste. Se o conhecimento não tivesse importância, não perderíamos tempo a imaginar como o definir, como o obter, nem a traçar linhas a sua volta. [...] parece-me que o conhecimento tem importância (para a maioria de nós, pelo menos algumas vezes); se não o conhecimento de acordo com alguns critérios muito estritos, pelo menos outros conceitos epistemológicos, tais como justificação ou racionalidade. Por quê? Uma resposta é que a preocupação com o conhecimento (ou com as realidades afins) está de tal modo enraizada na nossa tradição ocidental que não é opcional. Esta tradição, que nos seus aspectos filosóficos e científicos, tem as suas origens na Grécia clássica, é globalmente e no seu sentido mais lato uma tradição racionalista e crítica. A ciência e a filosofia começam quando as idéias acerca da origem e natureza do universo se separam do mito e da religião e são tratadas como teorias que se podem discutir: isto é, comparadas com (e porventura superadas por) teorias concorrentes (WILLIAMS, 2007, p. 45). 30 Dessa forma, pensar o valor do conhecimento é algo extraordinário, pois podemos refletir sobre como a sociedade tem tratado o conhecimento, entender a dinâmica da sociedade, como as principais instituições do Estado se apropriam da ideia de conhecimento para justificar suas práticas sociais, como por exemplo, o funcionamento das escolas no Brasil que quase sempre priorizam o conhecimento racional e principalmente a relação da CI com o conhecimento e seu valor. Nesse sentido, sabe-se que CI insere-se em uma tradição ocidental de dar valor apenas ao que é racional. É importante lembrar que estamos falando aqui de um racionalismo filosófico, que tem como preceitos a crença nos procedimentos da razão para a determinação de técnicas para um determinado campo, ou seja, de uma corrente metafísica da filosofia moderna, de Descartes a Kant (ABBAGNANO, Nicola, 2000, p.776). Não obstante, Descartes em seu famoso Discurso do Método, livro que consagrou a frase “Penso, logo sou” após refletir sobre a razão, a existência e a vida, chegou a seguinte opinião sobre a ideia de verdadeiro: Compreendi que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste somente no pensar e que, para ser, não necessita de lugar algum, nem depende de coisa material. Desse modo, esse eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e até mesmo que ela é mais fácil de conhecer do que ele e, ainda que esse nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que é (DESCARTES, 2006. p. 31). A partir da concepção cartesiana de verdade e racionalidade, os questionamentos de Michel Williams e a importância dada ao problema do valor fazem todo sentido, pois ainda vivemos e reproduzimos uma racionalidade filosófica em muitas áreas da ciência, excluindo tudo que não é racional, ou seja, aquilo que não tem valor. A epistemologia e principalmente o problema do valor, devem estar sempre nos focos de debates acerca da ciência para que esta não cristalize ainda mais seus paradigmas. O problema do valor e da cristalização de paradigmas insere-se no que entendemos por epistemologia, ou seja, como o estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências. Semelhante estudo tem por objetivo determinar a origem lógica (não psicológica) das ciências, seu valor e seu alcance objetivos (JAPIASSU, 1977, p. 25). Para tal análise optamos pelo conceito de epistemologia crítica que tem por essência interrogar-se sobre a responsabilidade social dos cientistas e técnicos. A epistemologia crítica 31 é: [...] fruto da reflexão que os próprios cientistas estão fazendo sobre a ciência em si mesma. Trata-se de uma reflexão histórica, feita pelos cientistas sobre os pressupostos, os resultados, a utilização, o lugar, o alcance, os limites e a significação sócio-culturais da atividade científica. O que eles pretendem mostrar é que as ciências, hoje em dia, não se impõem mais por si mesmas; que seus resultados não poderão mais construir a verdade das sociedades atuais; que suas virtudes em nada são evidentes; que os pesquisadores precisam interrogar-se sobre a significação da ciência que estão fazendo; que eles não poderão mais fazer abstração da maneira como o conjunto da pesquisa científica é institucionalizado, organizado, orientado, financiado e utilizado por terceiros; que o próprio trabalho científico está profundamente afetado pelas novas condições em que ele é realizado na sociedade industrial e tecnicizada; que os pesquisadores devem responsabilizar-se pelas consequências que suas descobertas poderão ter sobre a sociedade; que eles precisam tomar consciência de que, na vida da ciência, há duas séries de forças atuantes: as forças externas, que correspondem aos objetivos da sociedade; e as forças internas, que correspondem ao desenvolvimento natural da ciência; portanto, precisam tomar consciência de que a ciência está cada vez mais integrada num processo social, industrial e político (JAPIASSU, 1977, p. 138). Nesse sentido, por meio da epistemologia crítica passamos a abandonar uma ideia positiva (positivista) de ciência para aceitar a ideia de uma ciência questionadora e crítica. Sabe-se que é comum, em grande parte das disciplinas, a caracterização de que algo é positivista, ou seja, como sendo alguma coisa que não permite o diálogo, que se fecha e deixa de ver a realidade e as múltiplas visões de mundo. De qualquer maneira, essa perspectiva não é totalmente errada. No entanto, Michel Lowy apresentou uma concepção mais sistematizada de positivismo, mostrando a relação histórica desta com as ciências da natureza: [...] da mesma maneira que as ciências da natureza são ciências objetivas, neutras, livres de juízos de valor, de ideologias políticas, sociais ou outras, as ciências devem funcionar exatamente segundo esse modelo de objetividade científica. Isto é, o cientista deve estudar a sociedade com o mesmo espírito objetivo, neutro, livre de juízo de valor, livres de quaisquer ideologias ou visões de mundo, exatamente da mesma maneira que o físico, o químico, o astrônomo, etc (LÖWY, 1985, p. 35). O modelo de objetividade científica positivista, vinculado às ciências da natureza 32 tentou ser neutra, a qual os cientistas deveriam estudar a sociedade de forma imparcial. Sem mais adendos, sabemos que não existe imparcialidade na ação humana. Um exemplo interessante dado por Lowy, retirado da literatura alemã infantil, retoma o conto do Barão de Munchhausen para ilustrar a concepção positivista da objetividade: O Barão de Muchhausen estava em seu cavalo quando afundou em um pantanal. O cavalo foi afundando, afundando, o pântano já estava quase chegando à altura do ventre do cavalo e o Barão, desesperado, não sabia o que fazer, temendo morrer ali junto ao seu cavalo. Nesse momento ele teve uma idéia genial, simples como o ovo de Colombo: ele pegou pelos seus próprios cabelos e foi puxando, puxando, até tirar a si mesmo e depois o cavalo, saindo ambos, de um salto, do pantanal (LÖWY, 1985, p. 40). O conto ilustra muito bem a concepção positivista de objetividade segundo a qual o pesquisador para ser cientista deve se livrar das prenoções, ou seja, de seus valores, ideologias, etc, puxando-se pelos seus próprios cabelos para chegar à neutralidade. Assim sendo, a crença dos positivistas no modelo de objetividade científica inspirado nas ciências naturais, ou melhor, a pretensão de que existe neutralidade na ciência acabou por influenciar os pressupostos científicos até os dias atuais. Para Lowie “[...] existe um elemento de auto-ilusão no procedimento dos positivistas” (LÖWY, 1985, p. 42). Vale lembrar que a CI também foi influenciada por esses pressupostos. Construiu seu referencial teórico apoiando-se nos problemas relacionados ao “transporte físico da informação”, baseado em uma concepção objetivista de ciência dando pouca importância aos sujeitos e contextos socioculturais. Segundo Araújo, estudos de natureza positivista continuam existindo no campo: Deve-se salientar, contudo, que estudos de natureza positivista, que reafirmam o conceito de informação na perspectiva objetivista, sem a consideração do sujeito e dos contextos socioculturais concretos, que tomam a informação como um dado e não como uma construção, continuam existindo e constituindo a perspectiva mais comum dos estudos desenvolvidos no campo (ARAUJO, 2009, p. 203). Nessa perspectiva, acreditamos que a CI deve ser analisada como uma ciência paradigmática. Para refletir acerca de sua relação com a manutenção dos estudos de natureza positivista, utilizamos o conceito de paradigma cunhado por Thomas Kuhn, ou seja, como [...] as realizações universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência (KUHN, 2007, p.13). 33 É importante ressaltar que muitos autores contestam a existência de paradigmas na CI, alegando que esta se comporta como uma ciência imatura14, ou como uma ciência solidária e interdisciplinar15. No entanto, acreditamos que existem muitos problemas na CI e que esta tem construído paradigmas, alimentado alguns estudos de natureza positiva. Dois desses paradigmas merecem destaque, são eles: o paradigma do “transporte físico da informação” e o “paradigma da tecnologia”. O primeiro está relacionado, principalmente, a lógica da construção do referencial teórico da CI que estava vinculado ao transporte físico da informação, ou seja, foi a partir do estudo científico dessas problemáticas que foi construído o projeto de uma CI. Segundo Araújo, a CI teve suas origens a partir de um raciocínio matemático e de uma lógica linear: Os processos que envolvem a informação passam a ser compreendidos numa lógica linear. Os autores definem a comunicação como um processo em que uma fonte, a partir de um transmissor, por meio de um canal, envia informação a um receptor, que a conduz a um destino. A informação é definida como uma medida da incerteza – não como aquilo que é informado, mas como aquilo que se poderia informar. Diante de uma pergunta com apenas duas opções de resposta, o grau de informação seria da ordem de 50%. Diante de uma pergunta com mais opções (uma situação com maior grau de incerteza), o valor informativo aumenta. Em situações de alta previsibilidade, o grau informativo é baixíssimo (ARAUJO, 2009, p. 194). Esse modelo de comunicação: “Transmissor – Canal – Receptor da informação” foi determinante para fundar a CI e continua atual em pesquisas recentes. Um exemplo interessante dessa permanência pode ser observado em artigo de Kobashi e Talamo intitulado, Informação: fenômeno e objeto de estudo da Ciência da Informação, em que os autores compararam fome e informação argumentando que, “A informação, como o alimento, é um bem. Do mesmo modo que a carência de alimento provoca a fome, a carência de informação provoca a ausência de conhecimento” (KOBASHI; TALAMO, 2003, p. 9). Segundo as autoras para que a informação se transforme em conhecimento é necessária uma “moeda de troca” que é a cognição e o capital cultural. A partir dessa comparação é possível perceber que o paradigma da “transmissão física da informação” continua atuante, pois a informação é vista como um bem, aquela que vai ser responsável por 14 Ver: EUGÊNIO, Marconi, FRANÇA, Ricardo Orlandi, PEREZ, Rui Campos. Ciência da Informação sob a ótica paradigmática de Thomas Kuhn: elementos de reflexão. 15 Ver: SALDANHA, Gustavo Silva. Thomas Kuhn na epistemologia da ciência da Informação: uma reflexão crítica. 34 proporcionar conhecimento, assim como o alimento vai sanar a fome. Essa comparação parece problemática, pois a informação não é necessariamente algo que a partir de uma “moeda de troca” pode se transformar em conhecimento, em um bem, mas a informação pode ter inúmeras possibilidades de utilização. Um cidadão bem informado pode promover a paz mundial, ou bolar estratégias para praticar inúmeros casos de corrupção, como a maioria dos políticos brasileiros. A base da ideia de informação como um bem esta carregada de positividade, assim como a distribuição de alimento como uma forma de sanar a fome do mundo. Não conseguimos resolver o problema da ausência de informação ou da fome com a distribuição de informação ou alimentos, já que essa problemática deve ser pensada em sua complexidade. O segundo é o paradigma da tecnologia. Quando pensamos a CI como uma ciência social aplicada logo surge a ideia de que estamos sobre uma linha tênue que separa ciência e tecnologia (EUGENIO; FRANÇA; PEREZ, 1996). No entanto, essa tendência de vincular a CI exclusivamente a tecnologia tem gerado muitas polêmicas16. William Goffmam (1970 apud MOSTAFA, 1985, p. 17) fez severas críticas a associação das áreas de Ciência da Informação, Biblioteconomia e Computação, pois para ele nenhuma ciência deve restringir-se a seu campo de aplicação: A CI precisa transcender as bibliotecas e os computadores e desenvolver seus princípios independentemente desses ou quaisquer outros sistemas físicos envolvendo a noção de informação e ao mesmo tempo ser aplicável a eles. O objetivo da disciplina Ciência da Informação deve ser o estabelecimento de uma abordagem científica unificada para o estudo de vários fenômenos envolvendo a noção de informação quer tal fenômeno se encontre em processos biológicos, na existência humana ou nas máquinas criadas pelos seres humanos. Consequentemente o assunto deve referir-se ao estabelecimento de um conjunto de princípios fundamentais que governem todos os processos de comunicação e seus sistemas de informação associados (MOSTAFA, 1985, p. 17). A partir dessas perspectivas e para que a CI não cristalize seus paradigmas como o do transporte físico e da tecnologia, é preciso estabelecer o que pensamos ser a proposta ou definição da ideia de Informação Religiosa. Para isso, fizemos uma explanação acerca do conceito de informação desenvolvido na CI. 16 Vale lembrar que não nos colocamos contrários à aproximação da tecnologia com a CI, mas que haja atuação conjunta entre os profissionais da computação e da CI sem perder o vínculo da informação como parcial (não neutra) e fundamental para a sociedade. 35 Sabe-se que a informação tem sido cada vez mais o principal elemento de transformação social nos mais variados âmbitos da sociedade. Tanto o caminhar pelas ruas como as atividades científicas necessitam de informação para estabelecer relação ou comunicar-se com o outro, ou seja, utilizamos a linguagem (vários tipos de informação) no processo de comunicação. Nesse percurso, a informação aparece como um fenômeno complexo que existe nos múltiplos espaços sociais e que pode ser trocada por meio da fala e dos diversos suportes informacionais. Para Machlup “[...] a informação é um fenômeno humano que envolve indivíduos transmitindo e recebendo mensagens no contexto de suas ações possíveis” (MACHLUP, 1962, p.22). Capurro ao verificar que há um caos conceitual nas definições de informação na área, sugeriu que ao usarmos “[...] o termo informação em CI, deveríamos ter sempre em mente que informação é o que é informativo para uma determinada pessoa” (CAPURRO, 2007, p. 48). Capurro lembra que o termo teve raízes latinas e gregas e que ao longo da história recebeu grande influência da escolástica. Sendo assim, mesmo com o advento da modernidade e da dita pós-modernidade, os empiristas e racionalistas não conseguiram romper com as noções escolásticas de mente ou natureza presentes na ideia de informação. Visto dessa maneira, a informação é também um fenômeno humano que existe na relação com as pessoas e nos múltiplos espaços da sociedade, e que recebeu e recebe influência das raízes escolásticas até os nossos dias. Nessa perspectiva, é fundamental o surgimento de uma proposta para o desenvolvimento da ideia de Informação Religiosa para que seja possível desenvolver pesquisas com essa temática, pois como foi possível perceber, mesmo o conceito de informação visto como laico recebeu fortes influências da religião. Se compreendermos a realidade como sendo algo socialmente construído, não podemos negar a influência da Informação Religiosa na forma de comportamento das pessoas e principalmente da ciência. O racionalismo que fundou a ciência acabou por distanciá-la da religião, no entanto, não conseguiu anular o seu poder de influência social. Uma possibilidade de reverter esse quadro em benefício da pesquisa e da sociedade é promover a reaproximação e entender a Informação Religiosa como uma forma de produção do saber, promovendo a ruptura do paradigma religião versus ciência: As possibilidades aludidas residem no reagrupamento de dimensões apartadas, relação na qual ciência e religião ocupam espaços autônomos, porém, reconciliáveis. Neste ponto, este paradigma não apenas se apresenta como uma fecunda possibilidade para a superação 36 das controvérsias entre os conhecimentos religioso e científico, mas reporta a necessária aproximação dessas diferentes formas de saber. No entanto, ainda que determinadas concepções reconsiderem a dimensão do sagrado como valorosa instância de produção de sentidos, os apegos à racionalidade instrumental se projetam reflexivos em boa parte das práticas sociais contemporâneas relativas aos processos de construção de conhecimento (LEISTNER, 2009, p. 128). Essa reaproximação e necessária ruptura entre religião e ciência se fazem fundamentais, pois, como vimos, ambas são responsáveis pela produção do conhecimento e participam diretamente nas decisões sociais. A CI como uma ciência preocupada com a construção da realidade não poderia relegar a segundo plano as pesquisas que envolvem Informação Religiosa. Vale lembrar que desde que surgiram os primeiros conceitos de CI, estes possuíam quase a mesma ideia, ou seja, estava voltada para o estudo da produção, organização, armazenamento, disseminação e uso da informação, vinculando a ideia de CI a processos técnicos, aplicados. Ainda hoje, isso não mudou bruscamente, no entanto, o trabalho com a Informação Religiosa é uma possibilidade para que a CI passe a olhar a questão informacional em seu âmbito geral. Portanto, a escolha por trabalhar com a epistemologia crítica foi à base para que pudéssemos criticar a tendência da CI de vincular seu trabalho aos procedimentos técnicos. Foi possível notar que a CI desde o seu nascimento cultivou paradigmas que continuam a influenciar as pesquisas até os dias atuais. Além disso, averiguamos que a CI mantém um espírito conservador que está vinculado à tradição ocidental de dar valor ao racionalismo, por isso empreendemos críticas à manutenção de pesquisas positivas na área. Por meio de um rótulo de ciência aplicada acaba priorizando a tecnologia e muitas vezes anulando o sujeito. Sobre essa tentativa da ciência de anular o sujeito, Paul Feyerabend em sua obra Contra o Método relata que a ciência trabalha pela simplificação de seus atores ou sujeitos principais. Segundo o autor a história da ciência foi constituída por ideias, fatos, problemas criados por interpretações conflitantes, erros, etc, que acabou por constituir a natureza dos fatos científicos, eliminando qualquer possibilidade de estabelecer relações dessas instituições com a metafisica, ou a religião com suas atividades científicas, como se essas fossem independentes ou antagônicas: 37 A educação científica tal como hoje a conhecemos tem precisamente esse objetivo. Simplifica a ciência pela simplificação de seus participantes: primeiro, define-se um campo de pesquisa. Esse campo é separado do restante da história (a física, por exemplo, é separada da metafísica e da teologia) e recebe uma própria. Um treinamento completo em tal lógica condiciona então aqueles que trabalham nesse campo; torna suas ações mais uniformes e também grandes porções do processo histórico. Fatos estáveis surgem e mantem-se a despeito das vicissitudes da história. Uma parte essencial do treinamento que faz com que tais fatos apareçam consiste nessa tentativa de inibir instituições que possam levar a que fronteiras se tornem indistintas. A religião de uma pessoa, por exemplo, ou sua metafísica, ou seu senso de humor não podem ter a menor ligação com sua atividade científica. Sua imaginação é restringida, e até sua linguagem deixa de ser sua própria. Isso se reflete na natureza dos “fatos” científicos, experienciados como independentes de opinião, crença e formação cultural (FEYERABEND, 2007, p. 34). Nesse sentido, trabalhar com a ideia de Informação Religiosa é um dos desafios dessa dissertação, pois a partir dessa proposta, ao longo dos anos, poderemos compreender melhor as problemáticas da CI, entender suas raízes e, além disso, continuar propondo a possiblidade de reaproximação entre ciência e religião, já que ambos são responsáveis por grande parte da produção do conhecimento da humanidade. Para finalizar, já que iniciamos o capítulo com a epígrafe retirada do pensamento de Karl Marx sobre a religião como sendo o ópio do povo, o terminaremos com uma declaração feita por Marilena Chauí para criticar a ciência e as proximidades da racionalidade com as providências divinas: Desse mundo desencantado, os deuses se exilaram, mas a razão conserva todos os traços de uma teologia escondida: saber transcendente e separado, exterior e anterior aos sujeitos sociais, reduzidos a condição de objetos sócio-políticos manipuláveis (as belas-almas e as consciências infelizes dizem, eufemisticamente, “mobiliáveis”), a racionalidade é o novo nome da providência divina. Talvez tenha chegado a hora da heresia: a ciência é o ópio do povo (CHAUI, 2003, p. 83). 38 2 A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS (IURD) A igreja universal do reino de Deus é uma organização criminosa, uma quadrilha que se dedica ao crime.17 José Saramago. A declaração feita pelo grande escritor português José Saramago ao jornal Folha de S.Paulo foi destacada acima com o objetivo de revelar quais são os interesses e as formas de abordagens de nosso trabalho. Ao longo dos anos, principalmente na última década a IURD tem despertado grande interesse dos principais meios de comunicação, sobretudo da imprensa. A igreja foi acusada de exploração da credulidade dos pobres, irregularidades na compra da rede de televisão Record, e teve seu líder, o bispo Edir Macedo, como alvo de inúmeras acusações como por exemplo, charlatanismo, curandeirismo e estelionato. Sem desprezar a importância desses fatos, eles apenas foram elencados, juntamente com a declaração de José Saramago para mostrar que as perspectivas de abordagem desse trabalho pretendem percorrer outros caminhos. Não vamos avaliar por um viés maniqueísta se a IURD é uma “organização criminosa” ou se esta envolvida com casos de corrupção, mas como uma instituição que medeia informação para um número amplo de pessoas e promove mudanças sociais, causa impactos por meio de seu discurso. Em nosso ponto de vista, a igreja é uma construção social e se destaca como importante espaço informacional. No primeiro tópico Religião, Edir Macedo e sociedade, apresentamos a ideia de religião que serviu de suporte para a abordagem e desenvolvimento desse texto. Em seguida discorremos brevemente acerca da história de Edir Macedo, seu poder de influência, sua participação fundamental para a exacerbada expansão da IURD e a capacidade de liderança do bispo como um modelo a ser seguido pelos demais pastores da igreja. Por fim, apresentamos a religião, Edir Macedo e a IURD como produto da atividade humana e essencial para compreendermos a realidade socialmente construída. No segundo tópico A igreja como espaço informacional, trabalhamos com a ideia de igreja como um importante elemento na concepção de espaço informacional para ser pesquisado na área de CI. A IURD destaca-se como um espaço em plena expansão e poder de influência em quase todo mundo. Discorremos acerca da diferença entre espaço sagrado e 17 Folha de S. Paulo, 30 de jan. de 1996. 39 espaço profano, mostrando como esses são responsáveis por construir realidades distintas e fundamentar regras de comportamento. Em ambos os tópicos utilizamos como suporte teórico a obra de Peter Berger O dossel sagrado: elementos para uma teoria, segundo a qual define o sagrado e a religião como produtos da atividade humana. Tal perspectiva é vital para perceber a IURD, Edir Macedo e o espaço sagrado como empreendimento humano de construção do mundo e da realidade. De maneira geral, o capítulo tenta fazer uma análise da relação complexa de um espaço informacional religioso, estranho a CI, e que medeia Informação Religiosa para um número cada vez mais amplo de pessoas. Além disso, desenvolve a ideia de religião, do poder de influência de Edir Macedo, de elemento informacional da IURD e da relação desses com a produção informacional na sociedade. 2.1 A Religião, Edir Macedo e a sociedade "Mais que um pregador, Edir Macedo é um retrato bem acabado do que chamamos de líder. [...] Ainda pastor surpreendia pela vasta cabeleira e pelo gestual, a ponto de ser chamado de pastor bossa-nova. Surpreendia, sobretudo, pelo discurso”. Douglas Tavalaro – Biografia de Edir Macedo18. Antes de começarmos a discorrer acerca da trajetória do bispo Edir Macedo para a constituição de um dos maiores espaços informacionais do país, é essencial apresentar qual a ideia de religião que utilizamos como ferramenta de abordagem para o desenvolvimento do texto. Peter Berger de acordo com a concepção luckmanniana relata que a: 18 Esta biografia escrita por Douglas Tavalaro, repórter da TV Record, intitulada O bispo: a história revelada de Edir Macedo apresenta uma série de problemas, pois além de ter sido escrita por um funcionário da rede de televisões Record (pertencente ao bispo), teve que ter o crivo e autorização do mesmo para sua publicação. A biografia em quase todos os momentos exalta o líder da IURD, já que logo de início descreve com extrema dramatização como foram os 11 dias de prisão do bispo. Ao longo do livro, o autor tenta desmentir tudo que foi dito (processos, acusações) até hoje a respeito do seu patrão. Dessa maneira, utilizamos à biografia como uma importante fonte de informação, porém não abandonamos em nenhum momento uma postura crítica frente ao texto, já que sabemos que foi escrito de acordo com a aceitação de Edir Macedo. Ver: http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/ric/article/view/295. 40 [...] religião é a capacidade de o organismo humano transcender sua natureza biológica através da construção de universos de significado objetivos, que obrigam moralmente e que tudo abarcam. Consequentemente, a religião torna-se não apenas o fenômeno social (como em Durkheim), mas na verdade, o fenômeno antropológico por excelência. Especificamente, a religião é equiparada com autotranscedência simbólica. Assim, qualquer coisa genuinamente humana é ipso facto religiosa e os únicos fenômenos não-religiosos na esfera humana são os baseados na natureza animal do homem, ou mais precisamente, aquela parte de sua constituição biológica que ele tem em comum com os outros animais ( BERGER, 1985, p.118). Essa concepção luckmanniana de religião parece ser um tanto quanto totalizante e autoritária. No entanto, se pensarmos sobre a religião desde os primórdios da humanidade, como foi analisado no tópico 2.2, até os dias atuais, é possível verificarmos que ela é uma construção humana e esteve ligada a quase todas as mudanças históricas. Nesse sentido, a Informação Religiosa é um produto da atividade humana e é essa atividade que nos propusemos a entender. O mesmo pode-se dizer de Deus, não estamos aqui interessados em discutir a existência ou não de Deus, estabelecer um debate criacionismo versus evolucionismo, mas refletir acerca da existência social de Deus e como este interage com a sociedade e com as pessoas. Dessa forma, a religião deve ser vista como parte do empreendimento humano no processo de construção do mundo e da realidade: Pode-se dizer portanto que a religião desempenhou uma parte estratégica no empreendimento humano de construção do mundo. A religião representa o ponto máximo da auto-exteriorização do homem pela infusão, dos seus próprios sentidos sobre a realidade. A religião supõe que a ordem humana é projetada na totalidade do ser. Ou por outra, a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo (BERGER, 1985, p. 41). A partir dessa lógica de querer entender a sociedade e suas problemáticas como a religião, a Informação Religiosa e principalmente a IURD, é que elas se destacam como importante filão de pesquisa dentro da CI. A história da fundação da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), o seu crescimento exacerbado, a expansão na mídia e o poder de influência social tem conquistado grande interesse dos pesquisadores de múltiplas áreas do conhecimento. 41 A IURD foi fundada em 197719 e teve, desde os seus primórdios, Edir Macedo como uma das mais expressivas e carismáticas lideranças. O poder e a eloquência do discurso mediado pelo bispo Edir Macedo sobre os fiéis, encontra-se em posição de destaque frente às transformações da sociedade contemporânea. Esse impressionante discurso mediado pelo bispo, talvez seja uma das principais formas de compreendermos os motivos pelos quais a IURD conquistou tanto espaço no cenário nacional e internacional, sendo esta uma das principais instituições religiosas que medeia informação para um número cada vez mais crescente de evangélicos. Para Zilles, “[...] não se pode entender o fenômeno da Igreja sem o talento de Macedo” (ZILLES,1998, p. 34). Desde a década de 1990 até os dias atuais, muitas denúncias têm envolvido a Igreja Universal, dentre elas: formação de quadrilha, lavagem de dinheiro sob denúncia do Ministério Público de São Paulo, que acusa Edir Macedo e os demais envolvidos, de se utilizarem por 10 anos da Igreja Universal para a prática de fraudes em detrimento da própria igreja e de inúmeros fiéis. Foram acusados também de movimentação suspeita que teria somado R$ 4 bilhões de 2003 a 2008, sendo estes recursos destinados à compra de emissoras de TV e rádio, financeiras, agência de turismo, jatinhos, entre outros. Como foi destacado inicialmente, não estamos preocupados em angariar culpados para tais fatos, nem em negar a importância de tais descobertas e a necessidade de serem tomadas as devidas punições, mas de compreender como é construído esse discurso (Informação Religiosa) responsável por promover tais impactos sociais. Diante disso, parece de fundamental importância estudar o discurso do principal mediador da IURD, o líder Edir Macedo, ou seja, analisar de que forma ele é construído, como é disseminado e quais os principais temas abordados. Edir Macedo é de uma família de origem nordestina. Seus pais migraram de Alagoas para o interior do Rio de Janeiro e tiveram 33 filhos, sendo que apenas 7 sobreviveram. Edir Macedo é o quarto entre eles. Aos 17 anos, tornou-se empregado da loteria do estado do Rio de Janeiro. 19 Vale lembrar que não produziremos a história do protestantismo e da IURD no Brasil de forma sistemática, pois esse não é um trabalho de historiografia. Além disso, esse tipo de abordagem tem sido recorrente nas pesquisas sobre a IURD, o que acaba tornando-se uma reprodução de alguns estudos sociológicos de qualidade, como por exemplo, MARIANO, R. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo brasileiro; FRESTON, P. “Breve história do pentecostalismo brasileiro”. In: ANTONIAZZI, A. et al. Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo; SOARES, M.A.V. Religião e integração social: pentecostalismo protestante e camadas populares – o discurso da Igreja Universal do Reino de Deus. Tese Pós-Graduação em linguística da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Araraquara, São Paulo, 2001, entre outras. 42 Antes de se filiar à Igreja de Nova Vida, peregrinou pelo catolicismo romano e pela umbanda. Parece ter conseguido relativo sucesso como funcionário do estado do Rio de Janeiro, mas aos 33 anos deixou o trabalho público para se dedicar à atividade religiosa. Edir Macedo desligou-se da Igreja de Nova Vida para fundar o que viria a ser a IURD. Inicialmente, a nova igreja, fundada por ele e seus parceiros de empreitada, chamava- se Igreja da Bênção e funcionava em uma ex-funerária na cidade do Rio de Janeiro. No ano de 1977, a igreja foi registrada com o nome que a projetaria no Brasil e em vários países do mundo. Em julho de 1980, na comemoração do terceiro ano da igreja, Edir Macedo foi sagrado bispo por Roberto A. Lopes, assumindo a forma de governo episcopal para sua igreja. Segundo Ricardo Mariano era um cargo estratégico e foi adquirido após suplantar R.R. Soares da liderança da igreja: Macedo adotou a evangelização eletrônica como carro-chefe de sua estratégia proselitista. E por meio da popularidade adquirida como apresentador de um programa religioso na Rádio Metropolitana, conseguiu suplantar R. R. Soares na liderança da igreja. Em 1980, implementou o governo eclesiástico episcopal, no qual assumiu o posto de bispo primaz e o cargo vitalício de secretário-geral do presbitério, cargo do qual renunciaria em 1990 para evitar que eventuais sanções penais contra si atingissem a igreja (MARIANO, 2004, p. 4). Após deixar o cargo vitalício, Macedo investe forte em propaganda para promover a expansão da IURD que começou pelo território nacional, depois se espalhou para os demais estados até atingir a totalidade do país. A IURD foi se consolidando no Brasil ao mesmo tempo em que tratou de lançar as suas raízes em outros países. Antes mesmo de se consolidar em território nacional já começava a se fazer presente no exterior. Hoje a igreja possui extensão em quatro continentes. O bispo Edir Macedo é o principal responsável por essa expansão. Os pastores têm em Macedo a imagem de um líder vitorioso e exemplo a ser seguido, como bem observa Swatowiski: É importante ressaltar que na IURD não há escola teológica. O aprendizado dos que desejam seguir carreira na denominação ocorre principalmente na prática e de acordo com a hierarquia instituída. Nesse processo, verifica-se que os aprendizes procuram mimetizar pastores mais antigos, e tomam Macedo, que desenvolveu um estilo próprio, como um exemplo a ser seguido. As palavras do líder são 43 reproduzidas e recriadas por outros bispos e pastores da IURD no esforço de cativar multidões (SWATOWISKI, 2007, p. 2). Além do poder de cativar multidões, Edir Macedo tem uma trajetória impressionante. Foi preso, apoiado por Lula e por grande parte dos políticos brasileiros, construiu um império de comunicações e colocou sua igreja em mais de 172 países. São mais de 4.750 templos e cerca de 9.660 pastores apenas no Brasil (TAVALARO, 2007, p. 201). Essa informação mediada pelo bispo e divulgada pelos seus veículos de comunicação causa impactos sociais e é responsável por participação significativa no processo de construção da realidade. Segundo Berger, “Já se disse acertadamente que a sociedade, na sua essência, é uma memória. Pode-se acrescentar que, através da maior parte da história humana, essa memória foi religiosa” (BERGER, 1985, p. 54). Nesse sentido, podemos concluir o tripé “Religião, Edir Macedo e sociedade”, escolhido nesse tópico, pois como foi possível observar, a religião é um fenômeno social e essencial no processo de formação da memória da maior parte da história humana. Edir Macedo é uma das mais impressionantes criações da sociedade atual, e negligenciá-lo nas pesquisas seria negligenciar também parte da sociedade. 2.2 Igreja: um elemento na concepção de espaço informacional A ideia de ambiente ou espaço informacional dentro da CI está quase sempre ligada a bibliotecas, arquivos, museus, empresas, organizações, etc. Sem negar a importância dessa concepção, já que é fundamental pensar o fluxo informacional nesses ambientes, decidimos propor a ampliação da concepção de espaço informacional. Existem múltiplos espaços que medeiam informação para a sociedade, dentre eles o espaço sagrado. Este espaço sempre existiu ao longo da história, desde os primórdios das civilizações, o homem reservava alguns espaços para as divindades, como por exemplo, o culto ao fogo, o culto aos mortos e posteriormente pirâmides. Ao longo dos anos outros espaços sagrados surgiram como igrejas, sinagogas, mesquitas, templos, terreiros, centros, entre outros. No entanto, a concepção de espaço para o homem religioso não é a mesma que para o homem profano. Para o primeiro, o espaço sagrado não é homogêneo: 44 Para o homem religioso, o espaço não é homogêneo: o espaço apresenta rupturas, quebras, há porções de espaço qualitativamente diferente das outras, “não te aproximes daqui, disse o Senhor a Moisés, tira as suas sandálias de teus pés, porque o lugar onde te encontras é uma terra santa” (Êxodo, 3:5) [...] Mais ainda: para o homem religioso essa não homogeneidade espacial traduz-se pela experiência de uma oposição entre o espaço sagrado – o único que é real, que existe realmente – e todo o resto, a extensão informe, que o cerca (ELIADE, 1992, p. 25). Dessa forma, o homem religioso cria o seu próprio espaço, sendo este o único que é real. Assim, esse espaço não homogêneo que é sagrado se opõe ao espaço profano, ou melhor, a todos os espaços que não sejam os que criam a sua realidade. Nesse sentido, quase tudo o que acontece nesse espaço, como por exemplo, cultos, leituras e intepretações da bíblia e da sociedade, valores de consumo, posturas diante da vida, posicionamentos políticos, doações, afetividades, etc, são vistas como mais reais do que as que acorrem em outros espaços. Fato que demonstra a força do discurso da IURD e de Edir Macedo para a formação da opinião dos fiéis – leitores20. A IURD faz de três a quatro cultos diariamente, como observou Mariano: [...] a Universal abre seus templos religiosamente todos os dias para a realização de três a quatro cultos públicos. Para manter essa "máquina" funcionando num tal ritmo de linha de produção, seus pastores trabalham em período integral, dedicando-se exclusivamente à denominação. Vínculo e compromisso institucionais que constituem enorme vantagem competitiva em relação às outras igrejas pentecostais, cujos pastores, majoritariamente, exercem outras atividades profissionais. A Universal, além disso, conta com o trabalho cotidiano de dezenas de milhares de obreiros voluntários, que desempenham tarefas cruciais para garantir o bom funcionamento dos cultos e da evangelização pessoal (MA