UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE ARTES – CÂMPUS DE SÃO PAULO Patrícia Lobo Ferraz de Andrade Artemídia Experimental: as estesias do drone como corpo dentro da galeria São Paulo/SP 2021 1 Patrícia Lobo Ferraz de Andrade Título: Artemídia Experimental: as estesias do drone como corpo dentro da galeria Trabalho Equivalente com Relatório Circunstanciado para obtenção do grau de mestre em Artes pela UNESP na área de Artes Visuais Orientação do Prof. Dr. Pelópidas Cypriano de Oliveira São Paulo 2021 Ficha catalográfica desenvolvida pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp. Dados fornecidos pelo autor. A553a Andrade, Patrícia Lobo Ferraz de, 1982- Artemídia experimental : as estesias do drone como corpo dentro da galeria / Patrícia Lobo Ferraz de Andrade. - São Paulo, 2021. 80 f. : il. Orientador: Prof. Dr. Pelópidas Cypriano de Oliveira Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes 1. Arte e tecnologia. 2. Drone. 3. Cinema. I. Oliveira, Pelópidas Cypriano de. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 791.43 Bibliotecária responsável: Laura M. de Andrade - CRB/8 8666 3 Autora Patrícia Lobo Ferraz de Andrade Título: Artemídia Experimental: as estesias do drone como corpo dentro da galeria Trabalho Equivalente com Relatório Circunstanciado para obtenção do grau de mestre pela UNESP na área de Artes, na linha de pesquisa Processos e Procedimentos Artísticos Data de aprovação: Banca examinadora Nome: Pelópidas Cypriano de Oliveira (orientador) Titulação: Professor Doutor Assinatura: Instituição: UNESP/Departamento de Artes / Instituto de Artes Nome: Glaucia Eneida da Vino Titulação: Professora Doutora Assinatura: Instituição: UPM / Universidade Presbiteriana Mackenzie Nome: José PaianiSpaniol Titulação: Professor Doutor Assinatura: Instituição: UNESP/Departamento de Artes / Instituto de Artes 4 Dedicatória Dedico à minha mãe, Vanda Lobo, ao meu pai, Hugo Ferraz de Andrade e ao meu irmão, Daniel Lobo Ferraz de Andrade. 5 Agradecimento Agradeço ao orientador Prof. Dr. Pelópidas Cypriano de Oliveira. 6 Resumo O presente relatório teve como objetivo investigar e refletir os experimentos realizados com o protagonismo do drone nesta pesquisa. A partir de um protótipo (uma maquete), foi idealizada uma exposição futura, que propõe a experiência de uma arte conceitual performática no espaço galeria. Fundamentada em alguns dos pensamentos de Dziga Vertov, especificamente o conceito cinematográfico do Cine-Olho, como referencial, foi criado neste estudo o conceito de Drone-Olho através dos aspectos de movimentos de câmera e câmera subjetiva, que compõem a percepção do drone como corpo e sua relação com a artista e observadora dentro do espaço expositivo com a finalidade de contribuir ao estudo das inovações tecnológicas ambientadas no universo das artes. Palavras-chave: Drone, Cinema, Galeria, Arte, Artemídia 7 Abstract This report aimed to investigate and reflect the experiments carried out with the drone protagonism in this research. From a prototype (a model), a future exhibition was created, which proposes the experience of a conceptual performance art in the gallery space. Based on some of Dziga Vertov's thoughts, specifically the cinematographic concept of Cine-Eye, as a reference, the concept of Drone-Eye was created in this study through aspects of camera movements and subjective camera, which make up the perception of the drone as a body and her relationship with the artist and observer within the exhibition space in order to contribute to the study of technological innovations set in the world of arts. Keywords: Drone, Cinema, Gallery, Art, Art media 8 Sumário Introdução ------------------------------------------------------------------------------------------------ 9 1. Cinema e Arte ------------------------------------------------------------------------------------------ 10 1.1 Drone-Olho ----------------------------------------------------------------------------------------- 12 1.2 O drone e sua transformação por meio das artes ---------------------------------------------- 31 1.3 A metodologia dos experimentos artísticos ---------------------------------------------------- 41 2. A Maquete e a reflexão dos processos ------------------------------------------------------------ 43 2.1 O espaço galeria pensado para exposição ----------------------------------------------------- 44 2.2 A artista e a feitura dos experimentos ---------------------------------------------------------- 51 3. Os Experimentos -------------------------------------------------------------------------------------- 60 3.1 O drone como extensão do olhar da artista e observadora dentro da galeria ------------- 61 3.2 O drone como ready-made dentro da galeria --------------------------------------------------- 65 3.3 O drone e o observador-participativo na galeria ---------------------------------------------- 71 Considerações Finais --------------------------------------------------------------------------------- 75 Referências ---------------------------------------------------------------------------------------------- 77 9 ARTEMÍDIA EXPERIMENTAL: AS ESTESIAS DO DRONE COMO CORPO DENTRO DA GALERIA Introdução Diante das inovações tecnológicas percebe-se o surgimento de artistas com interesse de experimentar maneiras novas para expressarem suas obras artísticas. Não se trata apenas de artistas com muita experiência, mas, sobretudo, da chegada de novos artistas por meio dos avanços tecnológicos de seu tempo. Fundamentada em alguns dos pensamentos do cineasta Dziga Vertov, trabalharei com a influência do Cine-Olho, criado pelo artista. A partir desta influência foi desenvolvido o conceito do Drone-Olho presente nesta pesquisa, que traz referenciais da linguagem cinematográfica, em especial os movimentos de câmera. Este relatório nasce de uma expectativa após a realização de um protótipo, mais especificamente a maquete de uma futura exposição que sugere uma experiência de arte conceitual performática, que resultou em um processo de reflexão e investigação dando origem à questão: Quais são as estesias do drone dentro de uma galeria? A partir da minha observação e relação junto ao drone, para mim, o drone é um corpo. Vejo o drone como um corpo que é a extensão do meu olhar. Este corpo está mais para semelhança do corpo de um pássaro, aquele que tem a capacidade de voar, sobretudo uma águia por sua capacidade de olhar. Pensando nisto, por que não, experimentar o drone dentro de uma galeria? O corpo no cinema foca a câmera-olho, neste estudo ganhou um "corpo drone" saindo do tripé convencional, conquistou mais potência de locomoção. Partindo do pressuposto de que este é o meu ponto de vista – o da artista, observadora e pesquisadora que pretende emprestar seu ponto de vista para o outro, isto amplia o significado de "câmera subjetiva", ou seja, a artista e observadora em movimento juntamente com o drone integrados no espaço expositivo, ou seja, nesta pesquisa é o espaço da galeria que está sendo abordado. Pautada na origem do drone, que teve seu surgimento na primeira metade do século XX e o que é o drone no século XXI, constata-se que a inovação nasceu pelos esforços de pesquisas militares e sua amplitude reverbera quando inserido na sociedade civil no fim do século XX, com consequências propositivas em diferentes setores como o da agricultura, engenharia, tecnologia e o da cultura. Ao ser inserido no ambiente das artes, partindo do âmbito do audiovisual, percebo transformações tecnológicas em relação ao homem e seu meio. Alguns filmes retrataram tais avanços, como o do artista Stanley Kubrick, “2001: Uma Odisseia no Espaço”, que retratou o impacto do encontro do ser humano e o uso de novas tecnologias. As cenas resultam em uma síntese marcada por 1 0 avanços e inovações. Quando inserido na arte, observa-se o papel do drone como resultado de avanços tecnológicos, sobretudo em relação ao universo audiovisual, que foi transformado com o drone, isto é, a inovação, que representa a junção da robótica com a criação, que a cada ano se estabelece de maneira eficiente nos aspectos técnico e estético do universo do audiovisual, sobretudo a linguagem cinematográfica. A partir disso, foi pensado realizar um protótipo que fosse um experimento sobre a investigação do drone dentro da galeria. O experimento investigou o drone em três situações: 1) enquanto extensão do olhar ressaltando o movimento cinematográfico e a câmera subjetiva. 2) ready-made, referencial do artista Marcel Duchamp e 3) na possibilidade da interação com o observador que também se torna participativo quando inserido no espaço galeria trazendo o pensamento de Júlio Plaza, que trata do conceito do observador-participativo e do El Lissitzky, que relaciona o observador e sua integração com o espaço. A necessidade em fazer este protótipo está relacionada a um experimento com finalidades investigativas, que propõem o avanço do pensar o drone ambientado na arte. Um objeto que passa de seu mal-estar atrelado às guerras e sua completa transformação por meio das artes. 1. Cinema e Arte Figura 1 - Cena do filme “2001, Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick 1 1 Disponível . Foto: Divulgação Este capítulo aborda a relação entre o cinema e a arte como proposto nesta pesquisa, levando em conta suas influências para os avanços da tecnologia. Será apresentado o conceito Drone-olho, desenvolvido durante os processos da pesquisa que resultaram na investigação e observação do objeto de estudo com influências da linguagem cinematográfica relacionadas especialmente ao movimento de câmera e a câmera subjetiva, que teve seus avanços a partir do cinema com câmera estática e sua evolução aos diversos movimentos de câmera relacionando-os com os movimentos que atualmente o drone é capaz de realizar. Também serão apresentados aspectos técnicos da metodologia utilizada nesta pesquisa. O drone, “é um veículo aéreo não tripulado.” (CHAMAYOU, 2015, p.19), certamente é um dos avanços tecnológicos que corresponde à relação por meio do cinema e a arte como âmbito experimental para os estudos desta pesquisa. Como os avanços tecnológicos foram características essenciais do cinema e sua relação no universo das artes foi propositiva, Victor Hugo deixou um relato clássico de sua primeira viagem de trem em 1835: Um movimento magnífico, indescritível, tendo de ser experimentado diretamente. A rapidez é inacreditável. As flores à beira da estrada deixam de ser flores. E passam a ser manchas, ou melhor, listras vermelhas ou brancas. Não existem mais pontos, tudo é listrado. As espigas de trigo são grandes cabeleiras amarelas, as verduras são longas tranças verdes; cidades, campanários e árvores dançam e se mesclam furiosamente no horizonte, vez ou outra, uma sombra, uma forma, um espectro erguido, aparece e desaparece como clarões de raio ao lado da porta; é um guarda cancela de uniforme. Pessoas dizem no vagão; faltam três léguas, chegaremos em dez minutos. (SCHAPIRO, 2002)1. A partir do ponto de vista que é emprestado nesta pesquisa, com o movimento e a linguagem cinematográfica, percebe-se com o sentimento de surpresa que o drone, uma das inovações mais recentes integradas na sociedade civil, é trazido como objeto de estudos correlacionando às duas competências (cinema e arte) para reflexão e investigação de como o drone, o cinema e as artes estão mais próximos do que é possível imaginar. 1Citação Disponível . https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/04/2001-uma-odisseia-no-espaco-acentuou-ambicao-extrema-de-kubrick-diz-critico.shtml https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/04/2001-uma-odisseia-no-espaco-acentuou-ambicao-extrema-de-kubrick-diz-critico.shtml https://www.ia.unesp.br/Home/ensino/graduacao/blav---2015.pdf 1 2 1.1 Drone-Olho Linguagem Cinematográfica Antes de irmos um pouco mais adiante, é necessário estabelecer a relação entre alguns dos aspectos da linguagem cinematográfica que estão presentes no processo de investigação desta pesquisa. Os movimentos de câmera e a câmera subjetiva – planos, tratando-se dos que têm movimentos e enquadramentos, são aspectos fundamentais para compreensão do que se propõe com o conceito de Drone-Olho. Quando penso em linguagem cinematográfica, penso em como é possível contar uma história através de uma câmera que, consequentemente, produzirá uma imagem. No cinema, a câmera sempre foi um intermediário entre a história e o espectador. Por trás desta câmera há um diretor (a) que é o responsável por tomar decisões em relação à câmera – sua posição, altura, movimentos, planos, enquadramentos... Todas as decisões de um filme são tomadas pelo diretor (a). Os primeiros filmes criados, não contavam história, mas, sim, eram registros de ações que não tinham sequências porque a câmera ficava estática - como um espectador de teatro, apenas captando ações em um quadro cênico, com certa distância. A câmera não se movimentava, ela era uma espécie de observadora, seu papel era o de espectadora. Na (Figura 2) é percebida a câmera estática como observadora. No registro intitulado The Miller and the Sweep, de George Albert Smith, 1898, acontece uma ação entre dois homens que se trombam e, a partir deste choque entre eles, começam a brigar na frente de um moinho. Eles carregavam sacos de farinha e na briga eles batem um no outro com esses sacos. Tudo ocorre no quadro cênico. Percebe-se inclusive que eles saem do quadro durante a briga. Entram no quadro cênico algumas pessoas que não se sabe quem era e para onde estavam indo.2 2 Smith, George, The Miller and the Sweep, de George Albert Smith, 1898. Disponível em . https://www.youtube.com/watch?v=NPDmM1FUVT8 1 3 Figura 2 - Imagem The Miller and the Sweep, de George Albert Smith, 1898 Disponível . Foto: Divulgação Nos avanços do cinema, a câmera não ficou estática para sempre, ela começou a se movimentar e levou os espectadores a mergulharem nas histórias. A partir do momento em que a câmera deixa de ser uma espectadora ela passa a ser uma atriz, ela participa da história e, consequentemente, o espectador também, porque ele participa da história através da câmera. Novamente o George Albert Smith de maneira grandiosa, traz a câmera para os trilhos (Figura 3) e faz a câmera sair do lugar. Ao colocar a câmera em cima de um trilho, entra em um túnel e sai desse túnel, essas ações se configuram como um movimento que recebe o nome de travelling3. George Albert Smith foi responsável pelo primeiro movimento de travelling no cinema. O travelling é um tipo de plano em movimento com características específicas: “A câmera inteira se desloca sobre uma plataforma (Dolly), indo para frente ou para trás, podendo também fazer curvas. Esses movimentos podem ser conjugados com os movimentos da câmera em si, movimentando-se sobre seu próprio eixo, para cima ou para baixo, ou esquerda e direita.” (RODRIGUES, 2005, p. 35). 3 Smith, George, A Kiss in the Tunnel,1899. Disponível em . https://www.imdb.com/title/tt0000208/mediaviewer/rm1267085312/ https://www.youtube.com/watch?v=OqMjEKwF8Xo 1 4 Figura 3 - Imagem A Kiss in the Tunnel, de George Albert Smith, 1899 Disponível . Foto: Divulgação O incansável George Albert Smith, em “Grandma’s Reding Glass”, em 19004, traz a câmera para participar da história, faz o enquadramento, ou seja, define o que fica dentro do quadro daquilo que deseja captar. Pensando nisto, para Gilles Deleuze: “O enquadramento é a determinação de um sistema fechado, relativamente fechado, que compreende tudo o que está presente na imagem, nos cenários, nos personagens, nos acessórios e entre outras coisas. O quadro cinematográfico constitui, portanto, um conjunto que possui um grande número de partes, isto é, de elementos que entram, por sua vez, em subconjuntos. Pode-se dividi-lo em partes. Evidentemente, as próprias partes estão também na imagem.” (DELEUZE, 2018, p. 29). Enquadrar é limitar a imagem. É fazer escolhas do que está dentro ou fora do filme. É determinar o olhar do espectador, a percepção de mundo que está 4Smith, George, Grandma´s, 1900. Disponível em . https://www.imdb.com/title/tt0000248/mediaviewer/rm1695643136/ https://www.youtube.com/watch?v=5-LVBb3TXAs 1 5 sendo proposta por meio do filme. Ou seja, é uma maneira de emprestar um ponto de vista sugerido. O enquadramento está mais ligado ao espaço e o plano está mais ligado ao tempo, no caso, a duração do plano diante do tempo do filme. O cineasta enquadrou a avó e o garoto, que estava com uma lupa (Figura 4). A câmera estava mais próxima do que nos outros registros criados pelo artista, ela mantinha certa distância, desta forma, seu comportamento estava mais para o de um espectador. Neste registro, ele se aproxima mais da avó e do garoto dando a sensação de pertencimento da história, sendo percebido também que a câmera faz o ponto de vista subjetivo, ou seja, a câmera subjetiva, aquela que empresta o olhar. Quando o garoto pega a lupa, é percebido um close, foi o primeiro close do cinema. Figura 4 - Imagem Grandma’s Reding Glass, 1900 Disponível:. Foto: Divulgação Essas experiências não eram percebidas à distância, como nos registros anteriores. À distância há mais dificuldade em enxergar as expressões dos personagens. Essas contribuições que o George Albert Smith traz são marcantes e consideradas evoluções na linguagem cinematográfica. Diante de tantos avanços no decorrer dos tempos, podemos afirmar que a linguagem cinematográfica é uma expressão artística que envolve um “sistema” com códigos, processos e procedimentos que se integram para decodificar o objetivo desejado: o da expressão. Isto ocorre pelo equipamento. “A arte denota um processo de https://www.imdb.com/title/tt0000248/mediaviewer/rm1695643136/ 1 6 fazer ou criar. Isso se aplica tanto às belas-artes quanto às artes tecnológicas.” (DEWEY, 2010, p. 126). O drone ainda está naquela fase inicial, comparado ao cinema – que, por si, já nasceu híbrido, de expressão não-verbal e, quando sensorial, descende para o cinema atual, que trabalha exaustivamente nos processos e procedimentos da trilha sonora e foley para trazer a sensorialidade. “Esse novo ambiente de experiência com meios digitais é denominado pela cultura digital5. Nele, os meios digitais deixam de ser considerados como contextos particulares de linguagem e passam a promover a conexão e o compartilhamento das mais diversas informações, como ambientes propícios para toda a comunicação contemporânea.” (MELLO, 2008, p.199). Andrei Tarkovsky6 trazia muitos elementos naturais na imagem de seus filmes, como o vento e a neblina. “(…) Alteridade entra na própria composição das imagens, mas também que essa alteridade depende de outra coisa, não das propriedades materiais do meio cinematográfico.” (RANCIÈRE, Jacques, 2016, p.11). Na (Figura 5), demonstra as características sensoriais citadas. 5 A Cultura digital é compreendida como um estado de experiências híbridas, na medida em que nela há o constante confronto entre realidades diferentes, fazendo com que haja a mistura de diferentes naturezas de linguagens. Esse fenômeno, conhecido como convergência das mídias, diz respeito aos processos de digitalização da imagem, do som e do texto, assim como permite a tradução de todo e qualquer meio analógico (como a fotografia, o cinema e o vídeo) para os meios digitais. (MELLO, 2008, p. 199) 6 Foi um cineasta e escritor russo, 1932-1986. 1 7 Figura 5 - Cena do filme Nostalgia, de Andrei Tarkovsky, 1983 Foto: Divulgação Partindo do pressuposto da narrativa, nasceu no cinema moderno a câmera subjetiva decorrente do plano-sequência que tem como um dos principais aspectos a ação em sua totalidade, sem corte no processo de montagem. A ação (sujeito ou objeto em detalhe) com fluxo contínuo. Para André Bazin, um dos maiores defensores do cinema moderno, crítico de cinema francês: “No cinema há um algo a mais. Nele, as imagens já não são simplesmente um momento fixo conservado eternamente. Pela primeira vez, a imagem das coisas é também a de sua duração.” (BAZIN, 2014, p. 33). No ponto de vista de Jacques Aumont, que discorda de Andre Bazin: “O que caracteriza o plano-sequência não é apenas a sua duração, mas o fato de ele ser articulado para representar o equivalente de uma sequência. Conviria, portanto, distingui-lo do plano longo “onde nenhuma sucessão de acontecimentos é representada”, tais como planos fixos de duração acima da média envolvendo diálogos ou simples localizações de personagens e cenários.” (AUMONT E MARIE, 2014, p. 231-232). Será que no pensamento de André Bazin teria alguma relação entre o espaço dramático e a captação da duração, que procurava evitar sua fragmentação em relação à ação com fluxo contínuo preservando sua duração? A discussão ficaria na questão do 1 8 que seria o plano-sequência e o plano longo, hoje não mais utilizado o termo. Usualmente falado na prática do ofício como plano-sequência, independentemente de sua duração. Isto é o realismo sugerido na afirmativa: “As coisas estão aí, porque manipulá-las?” (XAVIER, 1977, p. 68). O plano-sequência só ocorre devido aos processos e procedimentos que envolvem profissionais integrados e muito ensaio. No caso da experiência com o drone, o plano-sequência decorrente da câmera subjetiva está e faz parte do objeto em si, aspecto que diferencia os processos e procedimentos para execução da captação da imagem em movimento. “O pragmatismo não é um oportunismo na busca de fins materiais, mas uma avaliação de meios e fins por suas condições e consequências na experiência.” (DEWEY, 2010, p. 9). É possível que o drone possua essencialmente as qualidades de câmera subjetiva e plano-sequência em sua própria natureza. O equipamento em sua totalidade possui estes aspectos que normalmente precisam de diferentes suportes quando utilizado pelo cinema ou o vídeo,tais como tripé, dolly7, carrinhos para dar efeitos de movimentos como travelling e uma equipe numerosa. O drone é monitorado por um único profissional. “O drone é o aparelho incorporado (ou vice-versa) às câmeras de fotos e de vídeos ‘para ajudar a realizar o sonho de capturar imagens e vídeos do ar”. (CHENG, 2016, p. 18). Outra característica importante do drone é o ângulo de 90º também percebido como intrínseco ao equipamento. O drone tem diferentes tipos de movimentos que traduzem sua natureza em si. São movimentos próprios e, consequentemente, alguns desses movimentos podem ter semelhança com os movimentos utilizados no cinema ou vídeo, mas o drone tem seus movimentos próprios e movimentos que podemos chamar de reconstruídos, como é o caso do plano-sequência e câmera subjetiva, isto é, movimentos que nasceram no cinema e são reconhecidamente vistos por meio do drone. Se atentando ao movimento com referencial da linguagem cinematográfica, de certa maneira, esses movimentos estão na essência do drone sem estarem atrelados a nenhum suporte, ou seja, neste caso, sem outros equipamentos para sua execução. Um de seus movimentos é chamado de voo de águia. O drone faz, sobretudo, voos. Não podendo esquecer que o drone está no ar, como um pássaro, uma águia mais especificamente, levando em conta minha relação 7Dolly é um carrinho de rodas ou dispositivo similar usado na produção cinematográfica e televisiva com objetivo de criar movimentos suaves e horizontais com a câmera, a qual é montada na ferramenta, e o operador de câmera e o primeiro assistente normalmente ficam em cima da dolly para poderem operá-la. 1 9 com ele. A maneira como o vejo - meu ponto de vista. Este ponto de vista está para o movimento assim como a câmera subjetiva está para a narrativa. O meu ponto de vista emprestado, da mesma forma que a câmera subjetiva o faz, empresta um ponto de vista a outro, ou outros. Humanos não voam, embora seja o sonho de muita gente ter esta capacidade. A capacidade de voar. Isto está no imaginário das pessoas. Eu vejo o drone como um corpo. É o drone como corpo que traz o referencial de um pássaro, mais especificamente a águia. As tabelas (18 e 29) apresentarão alguns dos movimentos do drone com abordagem histórico-técnica-estética: Tabela 1 - Os cinco melhores movimentos com drone TIPO DESCRIÇÃO Establishing Shot Ambienta a pessoa mostrando onde está acontecendo determinado evento. Rasante Prende a atenção do espectador. Usualmente utilizado para mostrar mares, lagos e plantações. Olho de Águia A câmera do drone fica totalmente voltada para baixo, em 90º, o movimento é vertical possibilitando subir e descer com o assunto no meio da imagem. Ele revela tudo o que está ao redor do ambiente. Orbital Proporciona um movimento bonito. O assunto está no meio da imagem e o drone vai orbitar ao redor do assunto. Revelar É necessário que a câmera do drone esteja escondida e posteriormente ele revela o assunto. Prende atenção do espectador. Active Track Fazer imagem em movimento seguindo um alvo. Tabela 2 - Os cinco piores movimentos com drone TIPO DESCRIÇÃO Pan Eterna É um movimento antigo que era feito com o tripé, que com o drone,quando mal executado, o 360º não fica interessante. Hélices no quadro Dependendo de como for manuseado, as hélices aparecem nos cantos do quadro. Fisgada Imagem não fluida. Câmera perdida Proporciona um movimento bonito. O assunto está no meio da imagem e o drone vai orbitar ao redor do assunto. Gimbal Louco Movimento brusco, com peso no movimento. Mudança de direção Mudanças inesperadas sem trabalhar conceito narrativo. 8Os melhores movimentos de drone. Disponível . 9Os piores movimentos de drone. Disponível . https://www.youtube.com/watch?v=BdtHWr_nDeU https://www.youtube.com/watch?v=BkXabaI2qvM 2 0 Partindo do princípio de que o voo, para nós humanos, é algo inalcançável, segundo o filósofo Vilém Flusser, os “pássaros deixaram de ser aqueles entes que habitam o espaço entre nós e o céu, para se transformarem em entes que ocupam o espaço entre os nossos automóveis e nossos aviões de passeio.” (FLUSSER, 2011, p. 41). Por que não, ocupar espaços expositivos como o da galeria? O artista visual e professor da Universidade de São Paulo, Hugo Fortes realizou a exposição “Pouso Para Pensamentos e Pássaros”10, em 2016. Para Flusser, ““voar como pássaro” é ver o mundo de cima e transpor obstáculos invencíveis”. (FLUSSER, 2011, p. 45). Esta é mais uma das questões do autor. A (Figura 6) é uma imagem da exposição do artista Hugo Fortes. Figura 6 – Imagem da Exposição PrintScreen de tela: Patrícia Lobo “A gente compara a andorinha com um avião, compara outro pássaro com um foguete, e assim a gente acaba invertendo um pouco a relação entre as coisas”, segundo o relato de Fortes. Eu comparo o pássaro com o drone. No primeiro experimento, a minha relação de orientação a ele é evidente e manuseada pelo controle. Eu, por meio de minhas mãos, o direciono, diferentemente de quando lido com atores humanos que os oriento por meio da fala, da escrita e do olhar. “O fato de sermos prisioneiros da bidimensionalidade não é comumente reconhecido. Temos a ilusão de que os nossos movimentos ocorreram nas três dimensões do espaço. Na realidade, no entanto, a nossa condição terrena nos condena ao plano (à superfície da Terra). Apenas as nossas mãos nos oferecem abertura para terceira dimensão, para “concepção”, a “apreensão” e a “manipulação” de corpos.” (FLUSSER, 2011, p. 45). 10 FORTES, Hugo. “Pousos para Pensamentos e Pássaros”, 2016. Disponível em . https://globoplay.globo.com/v/4777559/ 2 1 A relação que tenho com o drone dentro da galeria poderia ser por meio da manipulação, entretanto, eu manuseio o drone porque eu conto com o fator “acaso”. Não o manipulo calculadamente, embora, pudesse. Há maneiras de isso ser feito, mas neste experimento eu conto também com a surpresa, isto é, o acaso. E, sobretudo, o drone é um corpo que carrega uma câmera, ou seja, um olho. Segundo Fortes, “Os pássaros estão representados de muitas maneiras. Há registros dos empalhados em museus, de pássaros urbanos mortos, e até fósseis de espécies antigas.”11 A relação com espaços determinados artísticos é evidenciada por meio da figura do pássaro. A relação artística pode ser comparada com o momento do drone em estado on e off dentro da galeria, que abordarei mais adiante. Segundo Fortes, os pássaros “representam a ideia de liberdade, uma que o homem não pode alcançar. Ao mesmo tempo, os pássaros simbolizam a fragilidade e a delicadeza – e, por isso, há várias referências à dualidade entre vida e morte na exposição”. Pós-cinema Todos esses aspectos citados sobre a linguagem cinematográfica e seus avanços fazem com que seja necessário refletir sobre o que é chamado de pós-cinema. Um dos aspectos do pós-cinema traz a questão chave: O que acontecerá com o cinema após o cinema? Antes pagávamos um ingresso para a experiência cinematográfica, hoje há outros dispositivos para presenciarmos o cinema. Isto não é novo se lembrarmos que, desde os anos 1950 nos habituamos a ver o cinema na televisão. Hoje há a internet e computadores, e da mesma forma podemos assistir ao cinema pelos nossos celulares. Quando viajamos de avião assistimos a filmes. Há filmes projetados em paredes de edifícios, entre tantas outras maneiras que são alternativas de exibição do cinema, isto é, o que podemos chamar de pós-cinema nas ideias de Philippe Dubois12. A forma específica do pós-cinema está relacionada:  Ao cinema que é projetado em exposições de arte  Nos museus  Galerias de arte 11“Exposição “Pouso para pensamento e pássaros” 12DUBOIS, Philippe. Aula Magna “O cinema de Exposição”, 2013. Disponível em . https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/noticias/?p=19582 https://www.youtube.com/watch?v=bq8nYh6DWhA 2 2 Cinema clássico – o que era tradicionalmente:  Filmes de todos os tipos – ficção, documentários, experimentais, curtas- metragens, longas-metragens, bitolas e outros formatos O cinema é uma instituição complexa e com aspectos e facetas diferentes. Uma instituição social. Por que as pessoas vão ao cinema? Para se divertir? A diversão também faz parte da instituição cinema. Por outro lado, o crítico de cinema não vai ao cinema para se divertir. Há o aspecto econômico e social entre tantos outros. Dimensão internacional de produto econômico, político e cultural. O cinema é um dispositivo, trata-se de uma realidade técnica, específica e de uma forma específica de utilização:  Sala escura  Espectador  Projeção – cinema em cinemas, diferentes telas, tevê, celular, computador e paredes É evidente que houve uma mudança no dispositivo. O espectador não é uma entidade abstrata, ele é constituído, ele é posto em condição por todos esses elementos ditos anteriormente. Desde 1990 o cinema dito de exposição é visto nas galerias e museus. Esse tipo de cinema:  Deslocamento de lugar – passa da sala de cinema para sala de museu/ galeria  Deslocamento de natureza estética – onde passa de um valor de projeção a um valor de exposição Segundo Dubois, uma das ideias de Walter Benjamim sugere que “o cinema na sala de projeção, hoje, passaria a ser visto como tendo um valor próprio. A sala teria o valor do culto”. Cinema de Exposição: é uma retomada de reprises do cinema clássico, surge uma migração de imagens. Filmes de cineastas clássicos “projetados” no museu/galeria com transformações que serão estudadas de maneira detalhada. Migração de Dispositivo: cineastas contemporâneos que usam algumas formas tradicionais do cinema para produzir filmes sem se relacionarem com o dispositivo. Migração de Imagens: são retomadas de filmes enquanto obras de museu:  Filme exposto (reproduzir um filme de um diretor como Alfred Hitchcock) 2 3  Remontagem de filmes decompostos e recompostos  Filmes que foram refeitos no mesmo sentido que se fala da reconstituição de um crime  Filme materializado (o filme que é projetado na sala, se desmaterializa na medida em que ele é projetado Na obra de Douglas Gordan intitulada “Déjà Vu”, 200013, (Figura 7) não acontece nada entre os fotogramas, só quando há alteração de plano no filme é possível perceber uma mudança notável. A projeção acontece em três telas próximas na mesma sala de um museu. O filme projetado pelo artista é uma obra dos anos 1940 de caráter policial. O importante é que na tela do meio a projeção é normal, 24 quadros por segundo, porém, na tela da direita na perspectiva do espectador a projeção é a de 25 quadros por segundo e na tela que está à esquerda do espectador está projetado a 23 quadros por segundo. Quando esse espectador observa esta exposição a partir do início, a diferença entre as três telas não é percebida porque é apenas um quadro por segundo a divergência. A tela da direita do filme anda mais rápida e a tela da esquerda anda mais lenta. É possível dizer que é como se fosse o passado à esquerda, o presente na tela central e o futuro na tela à direita. Figura 7 - A obra de Douglas Gordan intitula da “Déjà Vu”, 2000 Foto: Divulgação 13Gordon, Douglas, Déjà Vu, 2000. Disponível em . https://www.youtube.com/watch?v=i9uZA7JT53c 2 4 Esses três exemplos são possibilidades de exposição no espaço de museu com filmes já existentes, mas que serão alterados pela forma de exposição e, sobretudo, pela maneira como o artista vai escolher apresentá-los. Outro caso que irei citar é de um filme reconstituído14, que pretende refazer de maneira menos fiel ao filme original. Há um deslocamento porque na refilmagem os atores são usados em circunstâncias distintas. Existe sempre a tensão da fidelidade ao modelo e à originalidade. Pierre Huyghe participou de mostras importantes como a Bienal de Veneza. The Thrird Memory, 1999, foi o ponto de partida do filme O Amigo Americano, Win Wenders, 1978. Literalmente é a reconstituição de uma cena, um trecho do filme, com reconstituições na posição dos atores e nos movimentos de câmeras. Consigo compreender que há a possibilidade de um ponto de vista emprestado quando se trata de um artista reconstituir pedaços de filmes de outros artistas. O pensamento de pós-cinema de Dubois, relacionado com este estudo está para influência cinematográfica, ou seja, utiliza alguns dos aspectos da linguagem como um todo para diferentes maneiras de exibição, como sugerido pelo autor, há possibilidades da experiência cinematográfica em espaços como museu e galeria. Esta pesquisa traz o objeto de estudos como referencial da linguagem cinematográfica, sobretudo no ponto de vista do movimento e sua interação com a artista, observadora e o espaço, que neste estudo é retratado especificamente o espaço galeria, que a partir do meu ponto de vista emprestado sugiro uma futura experiência de uma exposição. A experiência – o nascimento do Drone-Olho Pensando em todas as experiências artísticas que tive, nesta pesquisa pensei em trabalhar dentro da galeria com o drone realizando diferentes experimentos. A galeria é um espaço expositivo, poderia ter escolhido qualquer outro espaço, mas optei pela galeria após o impacto que tive com ela dentro do meu processo de mestranda. Faltava alguma coisa que motivasse a integração destes experimentos que ganham maturidade na criação do conceito Drone-Olho. A ideia foi criar um protótipo, especificamente, uma maquete que possibilitasse imaginar uma futura exposição que propõe uma experiência de arte conceitual performática. Através dessa proposta de arte conceitual performática foram realizados três experimentos que a representam. Nesta pesquisa, sugiro que meu ponto de vista seja emprestado dentro dos experimentos que se 14 Huyghe, Pierre. “The Third Memory”, 1999. Disponível em . https://www.youtube.com/watch?v=sxf55dYW8X8&t=175s 2 5 configuram com a proposta do protótipo que idealiza uma futura exposição de arte conceitual performática. Para isso, foi criado o conceito de Drone-Olho. Se o drone é um corpo, na minha observação, ou seja, meu ponto de vista, o recorte do olho faz parte do corpo dentre tantas outras habilidades. Devido à experiência que tive com o teatro em relação à minha feitura cinematográfica, nesta pesquisa encaro o drone como corpo, sendo ele sujeito-ator dentro da galeria. Esta relação deve-se à prática do ofício de dirigir os meus filmes, sobretudo, dirigir atores. Tal prática teve papel fundamental no processo de observação junto ao meu objeto de estudos, o drone. Abordarei a questão do corpo mais adiante. A partir desta relação, a investigação intensificou-se e consolidou-se nesta pesquisa. “Sujeito-ator” “Drone corpo”, aquele que é o agente de uma ação, tornando-se papel ativo de um acontecimento, dado também à possibilidade do acaso ou de uma situação determinada. O “drone corpo” está mais para um pássaro, especificamente para uma águia, na possibilidade de seus movimentos em comparativo com a natureza de um pássaro. A águia, sobretudo na sua capacidade de olhar. O drone, especificamente é um corpo que não é humano. Essa possibilidade se deve à minha relação com ele, ao meu ponto de vista, no qual empresto nesta pesquisa sugerindo diferentes olhares, maneiras de observar o objeto de estudo. Ele tem habilidades que são acionadas por meio de um corpo humano, ou seja, um ser humano o manipula por meio de um controle. O drone produz alguns ruídos que condizem com o seu estado on, quando está ligado. Também tem a possibilidade de estar em estado off, ou seja, estar desligado. Esses ruídos são de funcionamento que, no decorrer dos processos de aperfeiçoamento desta tecnologia é possível tornar-se silenciosa um dia, embora, até o presente momento, o da realização desta pesquisa, a tecnologia ainda era dotada de ruídos. A minha relação como artista com o drone como corpo está na possibilidade e capacidade de suas ações, seus movimentos, que possuem referenciais da linguagem cinematográfica como comentada anteriormente. O drone é considerado uma tecnologia, um meio e, nesta pesquisa, também é um olhar. Um ponto de vista emprestado pela artista e observadora, ou seja, eu. O meu ponto de vista em relação à maneira de olhar o drone nos experimentos. O teatro fez parte da minha experiência inicial como profissional nas artes. Trabalhei com o dramaturgo e diretor de teatro Mário Bortolotto, como produtora em 2005, na Mostra que o Grupo Cemitério de Automóveis realizou no CCSP – Centro 2 6 Cultural de São Paulo. Foram 11 peças e 48 atores em um mês de trabalho. Conheci o Grupo liderado por Bortolotto em 2004, tinha o hábito da escrita na tentativa de fazer roteiros e até mesmo escrever livros. Cresci com livros ao meu redor, por ter um irmão quatro anos mais velho, que sempre teve as melhores notas no colégio, lia grandes clássicos e escutava ópera. Meu irmão queria ser cantor de ópera. Já eu, escutava rock’n roll, mas gostava mais do rock independente; tive a fase de só vestir preto, principalmente camisetas de bandas, embora eu estudasse em um colégio de freiras – irmãs passionistas, onde era obrigatório o uso do uniforme. Eu estava no fim do ensino fundamental e meu irmão estava no ensino médio. Eu e meu irmão estudávamos pela manhã, entretanto, em algumas tardes, principalmente, nas de outono, quando meu irmão estava em casa, lembro de assistir as fitas de VHS das óperas que ele tinha. O que mais me encantava eram as interpretações, as movimentações no palco dos atores, o figurino,mesmo nós dois sendo filhos de trabalhadores, mãe sulista e pai baiano, que vieram para São Paulo em busca de uma vida com condições melhores, tivemos bons estudos. Nossos pais se esforçaram bastante para nos educarmos. Cresci com minha mãe pintando quadros com seu conhecimento sincrético, ela pintava como hobby. Com certeza meu interesse por pintura foi influência dela. Minha primeira vez, frequentando uma Bienal, foi com meus recém-feitos 7 anos, em 1989. A pintura reapareceu em meu primeiro ano de Universidade, em 2003, quando tive a disciplina de História da Arte com o professor e amigo Claudemir Ferreira. Sempre apresentava minhas pinturas e colagens para ele. Mostrava meus experimentos e trocávamos conhecimentos. Fazia testes com tinta esmalte, minha tinta preferida para trabalhar. A pintura faz parte de meu processo, durante a feitura cinematográfica, pinto, desenho, rabisco... A pintura, a visita às galerias sempre me levaram para outro lugar. Um lugar mais poético, uma fuga da realidade do meu cotidiano. Com a influência do meu irmão, tive aproximação com alguns referenciais clássicos no âmbito literário e musical, até trabalhar com Mário Bortolotto, que faz um teatro considerado por alguns como marginal. Eu chamaria de contracultura. Inevitavelmente a dramaturgia teve um papel muito importante em minha vida. Principalmente a leitura de Bertold Brecht que, ao ter contato, logo tive identificação com seu pensamento em relação ao teatro épico que ele propôs. É evidente que sua grande influência foi o dramaturgo Erwin Piscator, que “utiliza um conceito completamente do ‘épico’: faz um teatro oposto ao preconizado por Aristóteles e usa, para designá-lo, a mesma palavra.” (BOAL, 2019, p.101). Ao ter contato com as leituras 2 7 das obras de Brecht, tive acesso às informações da influência de Piscator na obra do dramaturgo. “Piscator utilizou, pela primeira vez em um espetáculo teatral, o cinema, os slides, os gráficos e uma infinidade de mecanismos e recursos extrateatrais que podiam ajudar a explicar a realidade verdadeira na qual a peça se baseava. Essa absoluta liberdade formal, com a inclusão de qualquer elemento até então insólito, era chamada por Piscator “forma épica”. Essa imensa riqueza formal rompia a ligação empática convencional e produzia um efeito de distanciamento; esse efeito foi depois aprofundado por Brecht.” (BOAL, 2019, p. 101 e 102). Brecht é uma das minhas referências, na tentativa de salientar um dos aspectos épicos de seu teatro, o da reflexão crítica nas histórias contadas no meu fazer cinematográfico, contextualizo a partir de uma realidade a reflexão crítica da sociedade. A questão política, muito além da partidária, mas, sobretudo condicionada à existência e sua relação com a sociedade. Segundo Peixoto, “para Brecht a interpretação gestual deve muito ao cinema mudo, principalmente a Chaplin, que elabora uma nova forma de figuração do pensamento humano”. (PEIXOTO, 1974, p. 6). O gestual também é muito importante para o meu trabalho, apesar de o cinema exigir movimentos dramáticos mais amenos, referencial realista, àquelas obras produzidas atualmente, acredito que seja muito importante o gesto motivado pelo ator. O gesto é carregado de conhecimentos que, quando pertencentes na imagem, trazem a informação. Imagem é informação, justamente pela quantidade de signos correspondentes na imagem. Ou seja, quando esse gesto é expresso na imagem, ele comunica, informa e carrega uma reflexão crítica. Acredito que todo artista deveria criar possibilidades de signos na obra, para construir uma relação melhor de comunicação com o outro. Não tenho preocupação das pessoas se identificarem com meu trabalho, mas, sim, que elas reflitam de maneira crítica por meio dele, minha relação como artista é completamente com o processo e quando a obra está pronta, na fase de apresentação para o público, já não me diz muito. O que tinha para ser feito está feito. As interpretações múltiplas da obra não dizem respeito a mim. Acredito que, neste momento, já esteja pensando no próximo trabalho. Voltando naquela época, de quando o teatro entrou em minha vida, enquanto a maioria das pessoas, que tinham a mesma idade do que eu estava na “balada”, a minha “balada” era o teatro. Meus fins de semanas eram baseados em quais peças eu ia assistir 2 8 no teatro e depois esticar com os amigos nas festas realizadas nos espaços teatrais quase sempre localizados na região central de São Paulo. Nesses espaços fiz amigos com muita gente das artes e comunicação. A maior parte das pessoas que conheci passou pelo teatro. O teatro me trouxe muitas coisas boas. O papel da dramaturgia foi fundamental no meu trabalho. A partir do texto teatral comecei a pensar nos personagens que queria desenvolver em meus roteiros cinematográficos, consequentemente, nos atores que poderiam materializar esses personagens que existiam na minha imaginação. Durante os processos da dissertação, tive mergulhos internos e as lembranças surgiram. Dentro do processo cinematográfico, especialmente na direção, papel onde exerço o que mais gosto de fazer que é dirigir atores, embora, absolutamente todas as etapas do filme passem por mim. Acompanho todos os processos e faço escolhas. Da ideia à estreia. “A força de Kubrick foi ter compreendido que o sapateiro tem que ser também banqueiro, que, se o cineasta não controla todos os elementos de seu filme, desde a compra dos direitos, a escritura do roteiro, até a campanha publicitária do lançamento, e salas de cinema que o exibirão, seu trabalho de três ou quatro anos pode ficar reduzido a nada.” (CIMENT, 2017, p. 27). Gosto bastante do trabalho de mesa com os atores durante o processo de estudo do texto. Discutir as ações dramáticas, os silêncios, as expressões. Observar as fragilidades e sugerir a eles, desde aspectos técnicos, culturais e até mesmo emocionais. Dirigi-los! Tudo é muito instigante nesse momento. Em relação ao cinema, minhas referências nascem a partir do Cinema Novo, principalmente das obras realizadas por Glauber Rocha como os filmes Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em Transe (1967). Glauber é um artista com atitude. É inventivo e criador. Meu outro referencial é o diretor Nelson Pereira dos Santos, com os filmes Rio, 40 graus (1955) e Vidas Secas (1963). Nelson tem total domínio cinematográfico. Ambos os diretores citados retratam de maneira precisa e poética as fragilidades do Brasil. Apontamentos de cunho político retratados com aspectos de injustiça social resultante em um país desigual até hoje. 2 9 O conceito Se observarmos o referencial dos ideogramas compreenderemos conceitos por meio de desenhos (hieróglifos). Por exemplo: “olho” e “olhar” são representados pelo hieróglifo (Figura 8). “Sozinhos, são dois hieróglifos que representam objetos, passíveis de serem desenhados. Porém, quando combinados, eles são ‘multiplicados’, tendo como produto um ideograma que representa um conceito.” Figura 8 Imagem: Divulgação O ideograma “Olho”, à esquerda na imagem, está para um olho que esteja em uma posição lateral, ou seja, fixo, e o ideograma “Olhar”, está para o olho com pernas, aquele que vê e possui movimento, ou seja, dá sentido de ação. Exatamente a relação do drone dentro do espaço galeria, ora estático e ora em movimento, mas sempre com o olho e olhar em seu corpo. Segundo Eisenstein, um dos mais importantes e vanguardas cineastas soviéticos “na escrita chinesa, os conceitos que não podem ser representados por algum ‘desenho’ (hieróglifo) possuem uma representação que passa por uma espécie de montagem: a combinação de ideogramas e sua relação dialética, seu produto.” (EISENSTEIN, 1992, p.127). Embora, minha abordagem seja no ponto de vista de uma diretora de cinema, sobretudo, em relação ao ator, a narrativa e os movimentos de câmera, e não propriamente com o processo de montagem, apesar de escrever roteiros técnicos para o montador de meus trabalhos, a maneira que Eisenstein articulava seu raciocínio é contundente. Para ele, “tomadas que são representativas e únicas em significado, neutras em conteúdo – para formar contextos e séries intelectuais”. (EISENSTEIN, 1992, p.129). Nos experimentos, o ponto de vista emprestado dentro da galeria é por meio daquele que vê alguma coisa. O drone-Olho propõe a reflexão crítica por meio do drone como corpo. É a extensão do olhar que resulta em imagens que o olho humano naturalmente não tem como alcançar. Eu, artista, o comando e o drone, como corpo, está em situação de sujeito-ator que responde, por meio das imagens trazendo a organização de diferentes pontos de vistas, ângulos, 3 0 escalas e voando para diferentes pontos através de comandos solicitados por um piloto que nomeio de artista dentro desta pesquisa. Segundo Chamayou: “Um drone pode sercontrolado seja a distância, por operadores humanos – princípio de telecomando – seja de forma autônoma. Na prática, os drones atuais combinam esses dois modos de controle. Os exércitos ainda não dispõem de “robôs letais autônomos” operacionais, embora, como veremos existam projetos avançados nesse sentido.” (CHAMAYOU, 2015, p. 19). Piloto, operadores humanos são aspectos do drone militar que nasceu das pesquisas militares na criação do drone. Nesta pesquisa, no âmbito das artes, após o drone ser inserido na sociedade civil, o piloto receberá o nome de artista. O Drone-Olho observa e sugere a reflexão crítica com o diferente. Do ponto de vista daquilo que os olhos humanos não alcançam por capacidade biológica. Através do drone é possível ter visão simultânea por meio do visor que é comandado pelo artista, isto é, no ponto que o artista está, ele tem uma maneira de olhar. Com o visor conseguimos ter visões distintas ao mesmo tempo em que o drone manifesta outros pontos que sugerem uma reflexão crítica não refletida anteriormente. O resultado da imagem traz aspectos que estimulam a reflexão crítica. Os comandos são instruções do artista, como no processo de direção realizada no cinema diante dos atores, para o drone como corpo em situação de sujeito- ator. Na (Figura 9) é possível observar os elementos: Figura 9 - Imagem explicativa do drone como corpo no conceito de Drone-Olho 3 1 Disponível em . Fotomontagem: Divulgação Essas inúmeras sensações manifestadas através do drone só são possíveis pela sua capacidade de organizar essas captações tratando-se dos processos. Seria quase impossível descrever tais sensações alcançadas por meio do drone. O que seria possível fazer com o drone dentro da galeria? Muita coisa. Se pensarmos como sintaxe da imagem em movimento, teremos suas cenas, enquadramentos, planos e plano- sequências, tomadas realizadas por um único corpo estabelecido por comandos realizados por um artista. Pode ser uma performance ou arte conceitual, abarca muitas possibilidades. Por mais que o drone tenha a influência do cinema, consequentemente, a do vídeo, sua natureza é própria, sua linguagem artística é única na relação eu artista com o drone como corpo. O Drone-Olho possibilita a compreensão da pesquisa futura de doutoramento, que busca investigar o drone como linguagem artística. Nesta atual pesquisa, será investigado e observado o drone como corpo no conceito Drone-Olho, dentro da galeria. Algumas manifestações de suas estesias neste ambiente tão controverso que é a galeria por meio dos experimentos realizados. 1.2 O drone e sua transformação por meio das artes Partindo do ponto de vista do que pode ser alcançado ou não com o olhar humano, desde o que pode ser considerado real ou realidades, tratando-se daquilo que pode materialmente constatar, o drone como corpo é a extensão do corpo humano. É a máquina que expande o olhar humano de maneira material e conceitual. Segundo Dziga Vertov, em seu cinema surge o nascimento do Cine-Olho que também pode ser associado ao inalcançável ou sobre aquilo que pode ver ou não. “Cine-Olho: possibilidade de tornar visível o invisível, de iluminar a escuridão, de desmascarar o que está mascarado, de transformar o que é encenado em não encenado, de fazer da mentira a verdade”. (VERTOV apud XAVIER, 2018, p. 212). Se a arte transforma as coisas, sobretudo o homem, entretanto, há por parte de alguns o ceticismo do propósito da arte. A identificação de sua própria natureza que para Duchamp: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/04/2001-uma-odisseia-no-espaco-acentuou-ambicao-extrema-de-kubrick-diz-critico.shtml https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/04/2001-uma-odisseia-no-espaco-acentuou-ambicao-extrema-de-kubrick-diz-critico.shtml 3 2 “A arte é a única forma de atividade na qual o homem se mostra de fato um ser humano. Somente por meio da arte ele vai além do estado de animal, porque a arte é uma abertura para regiões que não são governadas pelo espaço e tempo”. (DUCHAMP apud TOMKINS, 2005, p. 22). Seria controverso pensar em um drone como corpo dentro da galeria, observando sua natureza em si, de alcançar o inalcançável. Se lembrado das visitas que muitas pessoas faziam, enquanto jovens, aos avós, durante a infância, e perceberem que dentro dos jardins das casas, havia gaiolas com pássaros absolutamente trancados, esta lembrança se aproxima bastante do propósito desta pesquisa. “Se uma das funções do mito é fornecer uma explicação para os eventos da natureza, a metáfora habilmente aplicada apresenta uma explicação pelo menos fictícia aos eventos do mundo.” (GOMBRICH apud WOODFIELD, 2012, p. 342 e 342). A partir desta metáfora podemos imaginar a potencialidade do drone como corpo, diante do espaço de exposição da galeria. Completamente libertador. A galeria torna-se o lugar mais potente e mágico possível. Segundo o artista russo El Lissitzky, “o todo é amorfo. Todas as energias precisam ser organizadas em uma unidade, cristalizadas e levadas à exibição. Assim surge uma obra – que pode ser chamada de obra de arte.” (LISSITZKY, 2019, p.133). Nesta pesquisa, diante do experimento que traduz uma proposta de arte conceitual performática para uma futura exposição, percebi um encontro motivador e apaixonado com o experimento e, sobretudo com o espaço expositivo galeria, que até então, só me era tido como de visitante, tal experiência me tirava da realidade cotidiana. Ter o espaço para idealizar uma futura exposição foi uma experiência transformadora e contundente. Fez todo o sentido compreender o pós- cinema sugerido em alguns dos pensamentos de Philippe Dubois, com o conceito de cinema de exposição que me estimulou na reflexão e em como trabalhar em espaços como museus e, no caso específico desta pesquisa, o espaço galeria. Tratando-se da metáfora – o pássaro dentro da gaiola, imaginei diferentes maneiras de pensar o drone dentro da galeria. O drone que, anteriormente, em seu surgimento, carregava mísseis e foi usado em guerras recentes, hoje, no ambiente do audiovisual, carrega uma câmera. Na (Figura 10), há uma imagem com o drone carregando mísseis na guerra de Kosovo. 3 3 “Em 16 de fevereiro de 2001, por ocasião de testes conduzidos numa base da Air Force, em Nellis, um Predator logrou atingir seu alvo com um míssilHellfire AGM-114C. O Predator tornara-se um predador. Mas ninguém ainda podia imaginar que no final do mesmo ano ele estaria usando alvos vivos como presas no Afeganistão”. (ANÔNIMO apud CHAMAYOU, 2015, p. 37). Figura 10 - Um dronePredator lançando um míssil Hellfire Fonte: Imagem do drone apresentada (CHAMAYOU, 2015, p. 38). Imagem Disponível Foto: General Atomics Ao pensar nas transformações que o drone teve, até o presente momento, fazer um paralelo com o termo Antropoceno, vai dar uma contribuição muito importante sobre a relação do homem e o todo, inclusive sobre os avanços tecnológicos obtidos quando incluídos na sociedade civil. “O termo Antropoceno foi criado para levar em consideração o impacto da acelerada acumulação de gases de efeito estufa sobre o clima e a biodiversidade e, da mesma forma, dos danos irreversíveis causados pelo consumo excessivo de recursos naturais. Contudo, é preciso transformá-lo em uma nova época geológica. Enquanto o debate continua entre cientistas, ainda precisam ser encontradas soluções.” (ISSBERNER e LENÁ, 2018, n.p.). No ambiente do audiovisual, o drone fez alterações muito importantes nas produções artísticas. Desde substituições de equipamentos há constatação de sua https://pplware.sapo.pt/high-tech/general-irao-misseis-drone-eua/ http://www.ga-asi.com/predator-b 3 4 estética marcada no registro em movimento com aspectos de sua própria natureza, sobretudo, questões de ângulos e escala. Levando em conta que no NO AR Drone FilmFest 202015 (Primeiro festival internacional de obras feitas com drone da América Latina),evento no qual eu faço parte da Comissão de Júri e sou Diretora Artística, foram constatadas novas quebras de paradigmas referentes aos aspectos até então compreendidos como da natureza do drone. Percebe-se que nas obras enviadas pelos artistas, o drone amplia seu papel. Além dos aspectos já discutidos no âmbito do drone no audiovisual, sobretudo nos filmes enviados para o Festival e nas discussões no campo acadêmico, que apresentam referenciais muito contundentes cinematográficos, tais como a capacidade de o drone realizar quilômetros de plano-sequência ou plano- longo, termos utilizados dependendo do autor. Para André Bazin, que referencia o plano-sequência com alguns aspectos que diferem das ideias de Aumont trazendo nuances diferentes em relação ao que é um plano-sequência e o plano-longo como mencionado nesta pesquisa na parte específica da linguagem cinematográfica. Seja o termo plano-sequência, seja o plano-longo, o drone supera de maneira muito eficiente e estável a ideia de 2, 3, 4, 5 minutos, chegando a concluir quilômetros em diferentes níveis de escala. Faz o papel atuante como sujeito-ator. Pensando em um ambiente fechado, boa parte das pessoas imagina o drone apenas registrando imagens de 90º como características próprias. Mas recebemos uma obra muito interessante do artista Romeus Palmer, nomeada de Around the Circle16, que mostra o drone ambientado em espaço interno, de maneira muito estável, quebrando o paradigma do pensar o drone apenas para captação de imagens que tragam os 90º ou panorâmica. Do ponto de vista técnico, pode ser melhorado, obviamente, mas não passa de pequenas correções no processo de pós-produção. Percebe-se a capacidade de estabilidade que a inovação vai aprimorar a cada novo lançamento de modelos de drones. Esta maneira de usar o drone já existia em nosso festival na categoria FPV (First Person View), que traduzido para português significa Visão em Primeira Pessoa. No cinema faz o mesmo efeito que a câmera subjetiva, aspecto que sempre foi tratado na discussão em relação ao drone, embora, sempre tratando de outros níveis de escala e não em uma situação plana e frontal, lembrando do espaço ser fechado, considerado interno, ou seja, o drone está dentro de algum lugar, no caso da obra de Palmer, ela está dentro de uma sala de 15 Site do NO AR Drone Film Fest 2020, Disponível: . 16 PALMER, Romeus, Around the Circle, 2019. Disponível em . http://noar.ticotico.tv/pt/no-ar-intl-drone-film-fest-brazil/ https://www.youtube.com/watch?v=DJhJQM6w6o8&feature=youtu.be 3 5 treino de luta esportiva. Dentro desta pesquisa, por que não encarar o drone como corpo atuante como sujeito-ator em uma exposição de arte conceitual performática? Se correlacionados os acasos da vida que têm ligações com os temas bélico e cinematográfico, destacando o cinema hollywoodiano, tendo como intermediário o drone, pode-se perceber, diante de pesquisas, que Marilyn Monroe está para os dois temas de maneira emblemática. Demonstração na (Figura 11). “Em 1944, segurando uma hélice de drone, ainda se chamava Norma Jeane Dougherty. Ela foi imortalizada por um fotógrafo que viera fazer uma reportagem sobre a Radioplane Company, fundada em Los Angeles por Reginald Denny, um ator de cinema mudo convertido ao aeromodelismo. Assim foi descoberta aquela operária que viria a se tornar Marilyn Monroe. O drone nasce em parte em Hollywood.” (CHAMAYOU, 2015, p. 34). Figura11- Uma operária da RadioplaneCompany, 1944 Fonte: (CHAMAYOU, 2015, p.34) e Imagem Disponível Foto: David Conover / Exército dos Estados Unidos https://www.nytimes.com/2014/06/04/upshot/marilyn-monroes-world-war-ii-drone-program.html 3 6 O cinema, em suas diversas camadas, relaciona-se com a amplitude da relação arte e tecnologia, tratando-se da investigação desta dissertação, sobretudo o drone. Entretanto, Stanley Kubrick, em “2001 Uma Odisseia no Espaço”, nos remete a compreender a relação que o artista propôs com o osso x aeronave, a síntese criada na cena, (Figura 12), trouxe para a narrativa o olhar de Kubrick para o futuro e sua relação com o homem e a tecnologia. O meio é a extensão do homem. “Pois a ‘mensagem’ de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas”. (MCLUHAN apud LONDERO, 1969, p. 22). Entretanto, o drone alcança o inalcançável, “como na melhor crítica de arte, suas percepções se inclinam mais para iluminar o que para outros olhos passou despercebido – fazer, literalmente, visível o invisível”. (KOSTELANETZ apud LONDERO, 1969, p. 235). Do ponto de vista de Vertov, “o Cine-Olho que contesta a representação visual do mundo dada pelo olho humano e que propõe seu próprio ‘eu vejo’.” (VERTOV apud XAVIER, 2018, p. 210). A fala de Vertov está induzindo à reflexão de que o olhar humano é questionável. Em seu cinema, ele propõe o Cine-Olho, isto é, o olhar da câmera, do alcançar o aparentemente inalcançável. Nesta dissertação, a proposta é em relação ao drone, o olhar estendido do humano por meio do drone. A extensão do olhar humano por meio da máquina. O observador faz a realidade. Cada observador vai construir sua realidade. Para Anne Cauquelin sua percepção de realidade leva à ideia de multiplicidade de verdades: “A realidade de um mundo só é o que é porque não é a realidade de um mundo alterno. (...) já não se sabe definir a realidade, a não ser para um único mundo e mediante uma asserção categórica que exclui qualquer forma de reflexão no sentido próprio: a asserção da realidade do nosso mundo exclui, com efeito, o reflexo dos outros mundos para nós aqui, e o reflexo desta nossa realidade para os mundos alternos. A realidade assim afirmada é, portanto, privação de realidades plurais, e se a seguirmos literalmente em sua versão categórica, ela é também privação do mundo fictício que o envolve e no qual vivemos.” (CAUQUELIN, 2010, p. 242). Partindo deste ponto de vista, é percebido que todas essas possíveis verdades, sobretudo de graus diferenciados de percepção de cada observador, expõem aspectos além dos primários, os que são considerados crus, o da natureza pura humana e quando racionalizados são levados em conta aspectos cognitivos, culturais e de repertório do 3 7 observador. A partir disso, a feitura do protótipo trouxe observações diante dos experimentos. Figura 12- 2001 Uma Odisseia no Espaço, corte de 4 milhões de anos entre o osso lançado e o satélite Fotomontagem: Divulgação O filme O Palhaço, Deserto (2021), escrito e dirigido por Patrícia Lobo, ou seja, por mim, também apresenta aspectos importantes sobre o pensar dos avanços tecnológicos propriamente dito, com a inserção de imagens realizadas pelo drone, em sua maioria, imagens de 90º, panorâmicas e alguns tilts (movimentos verticalizados de cima para baixo ou de baixo para cima), bastante usuais quando usadas no audiovisual, sobretudo, no cinema. Entendo que as imagens do drone quando inseridas em filmes são consideradas como uma escolha de estética cinematográfica. Quando empregado o conceito do Drone-Olho, aplicando alguns de seus aspectos, como o de promover a reflexão crítica por meio do drone, isto quer dizer que possibilita diferentes pontos de vistas, ângulos, escalas em que o olho humano não conseguiria alcançar sem o drone, ou em outros casos, por meio de inúmeros esforços de aparatos para tal alcance, 3 8 entendendo que o drone é sujeito-ator da imagem que promove a reflexão crítica no contexto social da cidade de São Paulo como representada na (Figura 13). O filme foi motivado pelos acontecimentos políticos de 2016, do Golpe da Ex-Presidente Dilma Rousseff, que resultou em um impeachment. Discutiu-se após o evento, mudanças relacionadas às questões da Previdência Social, colocando em risco a seguridade social dos brasileiros. O trâmite levou quase um ano para ser aprovado no Senado e as mudanças trouxeram novas questões a serem discutidas. No filme, o tema é abordado correlacionando-se com os núcleos da história que abarcam outros temas. O protagonista, Cidadão, enfrenta seu primeiro dia como aposentado. Entre a ilusão de um Cabaré e o realismo do cotidiano, após mais de 40 anos dedicados ao ofício de palhaço, ele transita por diferentes núcleos mostrando o seu ponto de vista. Todos os acontecimentos trazem sua perspectiva, que sugere uma reflexão crítica sobre o Brasil atual. Figura 13 - O Palhaço, Deserto - cena captada com o drone, aplicado o conceito Drone-Olho PrintScreen de tela: Patrícia Lobo Há cenas captadas pelo drone no meu filme. O drone é o meu objeto de estudos na pesquisa, portanto, na discussão entre Cinema e Arte, trago a relação do drone com o cinema e as artes. Acredito que o filme é o resultado artístico. Ou seja, por meio da linguagem do cinema, que segundo Ricciotto Canudo, é a sétima arte. A obra cinematográfica é arte. Eu vejo o filme como uma obra artística, partindo da ideia do meu sentimento de ser artista que realiza filmes, entre outras expressões, como experimentos no processo. Faço a relação do cinema e da arte, pois o cinema está na 3 9 área da comunicação, portanto faço as relações do objeto de estudo em si com as demais áreas. O drone pode ser usado em várias áreas, como agricultura, tecnologia, engenharia e na cultura, como já foi dito. Entretanto, quando inserido nas artes, sobretudo no audiovisual, há transformações de seu propósito na origem, quando foi desenvolvido em pesquisas militares com a finalidade bélica. Ou seja, houve uma grande transformação. Quando o filme foi captado, ou seja, na fase de produção, eu fazia a disciplina do meu orientador, Dr. Pelópidas Cypriano de Oliveira, em 2019, como aluna especial. Após passar pelas etapas do edital do Programa de Pós-Graduação - mestrado, fui aprovada e os processos do filme de pós-produção e etapas subsequentes foram realizados durante o processo do mestrado. No meu próximo filme, usarei um dos ensinamentos adquiridos na metodologia do meu orientador, a do protótipo. Teremos uma cena inicial com plano-sequência e farei o protótipo dela para evitarmos possíveis problemas, como os que eu tive no primeiro filme, que também tem um plano-sequência que levou muitas horas, motivos da complexidade do plano em si, por ter sua natureza mais própria, mas também por falta de planejamento de cena. Pretendo, por meio do protótipo, evitar esse excesso de horas fazendo com mais eficácia a cena. O protótipo será um ótimo meio de sentir e experimentar mais o que quero e depois aplico, juntamente com a equipe, as técnicas que possibilitam a redução de esforços. Nesta pesquisa de mestrado, o protótipo é um experimento para uma futura exposição de arte conceitual performática (Figura 13), que tem como objetivo trazer o drone para dentro da galeria, assim como o próprio título desta dissertação sugere – Artemídia Experimental: as estesias do drone como corpo dentro da galeria. Segundo Arthur Danto, “um título é mais que um nome; geralmente é uma orientação para interpretação ou a leitura de uma obra.” (DANTO, 2005, p. 35-36). O título sugere a observação das estesias pensadas para o drone como corpo dentro da galeria. As possibilidades que eu, como a artista e observadora, sendo agente ativo deste experimento, pude explorar com as experiências sugeridas no protótipo que resultaram no relato construído na dissertação que serão aprofundadas nos próximos capítulos. A partir destas estesias, houve a investigação profunda e o surgimento do conceito Drone-Olho. Arte mídia é uma tríade composta por três pilares: Ciência, Arte e Comunicação. Onde a Ciência traz a sistematização do pensamento, a arte de produzir experimentos com finalidades artísticas e a Comunicação configura o diálogo e a possibilidade de criarmos pontes para o compartilhamento do conhecimento. Lembrando que Artemídia V é audiovisual, dentro do Programa de Graduação do curso 4 0 de Artes Visuais da Unesp. E o drone é mídia, uma nova mídia que é o meio que preestabelece um diálogo ou uma expressão, neste caso, a expressão artística. Figura14 - Artista simulada por uma miniatura de maquete no interior da galeria. Exposição simulada pelo protótipo. O drone exposto e controlado pela artista e observadora. Foto: Patrícia Lobo O protótipo de uma futura exposição foi desenvolvido por meio de uma maquete manual. No experimento foi aplicado o conceito de Drone-Olho. A realização da maquete e as reflexões sobre os experimentos fizeram com que eu também me colocasse em posição de observadora. O drone como corpo, enquanto sujeito-ator, permite por meio dele a reflexão de diferentes pontos de vista, minha reflexão como artista e igualmente como observadora. Sem essa extensão do olhar humano seria impossível tal reflexão, sobretudo, a reflexão crítica. Haveria uma limitação pautada em suposições. Empresto o meu ponto de vista proposto nesta pesquisa. O experimento propõe o drone como corpo em estado de estesia com os comandos da artista, ou seja, “todas as partes da estrutura e todos os corpos atuantes são movimentados por meio de forças e instrumentos eletromecânicos, e a central se encontra nas mãos de uma única pessoa: o criador da exibição” (LISSITZKY, 2019, p. 134), que sugere uma transformação do que o objeto pode ser imaginado, levando em conta o que o drone foi em seu surgimento, passando por uma metamorfose no âmbito 4 1 das artes. Uma transformação propositiva. E uma provocação ao observador que contribuirá à obra. Para Duchamp: “O artista nunca sabia realmente o que estava fazendo. (...) Uma de suas teorias prediletas era a de que o artista executava somente uma parte do processo por meio da interpretação da obra, além de estabelecer-lhe o valor permanente. O observador, em outras palavras, é tão importante quanto o artista”. (DUCHAMP apud TOMKINS, 2005, p.22). Partindo da ideia do drone como objeto dentro da galeria pensa-se no referencial do Duchamp em relação ao ready-mady, estendendo-se para a ideia do observador- participativo sugerido pelo autor Júlio Plaza, embora hoje em dia alguns de seus pensamentos possam ser questionados, pois neste experimento não se trata apenas de participar por meio do tato, ou seja, do toque, como se houvesse necessidade de tocar, embora haja um experimento que sugere a possibilidade de toque, mas, sobretudo, por meio do olhar, a participação está por meio do olhar, como ação, o olhar que tem movimento, assim como foi dito anteriormente durante a apresentação dos ideogramas o “Olho” e o “Olhar”. Na exposição, haveria esses três momentos: o drone, com o olhar estendido da artista, o objeto dentro da galeria, com referencial ready-mady, e o observador-participativo. Sempre existirá um olhar, seja ele por meio do drone, seja ele contemplativo para o drone. Tais olhares resultam no conceito de Drone-Olho acrescentando mais um aspecto importante na observação, que é o da reflexão por meio do drone como corpo, enquanto sujeito-ator. Aquele que tem o papel de transmitir a reflexão e aquele que é contemplado pelas transformações em diferentes contextos. Por meio do conceito Drone-Olho. 1.3 A Metodologia dos Experimentos Artísticos A pesquisa A metodologia desta pesquisa é de cunho descritivo, com análise qualitativa dos dados investigados, e refletiu os experimentos relatados nesta dissertação. Diante das leituras de alguns autores que abordam o tema, Umberto Eco contribuiu com a maneira facilitadora, sobretudo esclarecedora em relação à organização do conhecimento que esta dissertação traz. 4 2 Entender o processo de maneira que consiga descrever por meio da sistematização do conhecimento com a preocupação necessária para o interlocutor. Partindo do ponto de vista inicial, Eco contribuiu para eu refletir desde o início da minha pesquisa, sobre os experimentos e a maneira adequada de descrevê-la. “Para sermos mais precisos, o plano de trabalho compreende o título, o índice e a introdução. Um bom título já é um bom projeto” (ECO, 1977, p. 102). A preocupação em ter esta organização desde o início fez com que houvesse uma concatenação em relação às questões importantes dos processos da pesquisa como o objeto que se estuda, o tema, a linha de pesquisa, o orientador, o grupo de pesquisa, o curso e a Instituição. Minha pesquisa resultou, durante o percurso de todas as etapas do processo do mestrado, em muitas transformações em razão das questões citadas. Percebo que todos os itens foram muito contundentes durante toda a jornada e as transformações estavam todas relacionadas. A abordagem da pesquisa A abordagem da pesquisa foi pelo método indutivo. Por ter intimidade com meu objeto de estudos, diante de minha produção artística resultada anteriormente ao processo do mestrado, sobretudo diante do acontecimento mundial em relação à Covid- 19, desde o momento em que comecei a idealizar e refletir sobre os experimentos foi compreendido possíveis resultados, que precisariam de testes para tornar-se possivelmente provável o que imaginava de acordo com algumas evidências conhecidas de outras experiências. Segundo Lakatos: “Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, interfere-se uma verdade geral ou universal. O objetivo dos argumentos indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se basearam.” (MARCONI E LAKATOS, 2017, p. 82-83). A partir dos experimentos realizados por meio da maquete percebeu-se a amplitude das evidências. 4 3 O procedimento da pesquisa O procedimento da pesquisa é experimental e, diante dos experimentos, foram criadas expectativas minhas no papel de artista-pesquisadora que trabalha e investiga o seu objeto de estudo como agente ativo. “Só é possível lançar hipóteses quando se tem em mente o desejo de trabalhar com algum método em que se pressuponha a noção de ordem, seja ela qual for. O acaso, o fazer para ver o que vai dar prescinde de hipóteses, tanto em ciência quanto em arte. Somente à medida que o objeto da pesquisa é definido e inserido num referencial teórico é que se podem lançar hipóteses.” (ZAMBONI, 2012, p. 53). As expectativas foram possivelmente evidenciadas como resultados no processo do experimento. 2. A Maquete e a reflexão dos processos Figura 15 - Cubo Branco, conceito criado pelo artista e crítico O’ Doherty referindo-se à galeria. Maquete realizada com a finalidade de experimento Foto: Patrícia Lobo 4 4 A abordagem deste capítulo refere-se à reflexão e investigação do espaço galeria referente ao conceito de cubo branco. Os aspectos a serem levados em conta são orientados à percepção do sentir e do espaço. Levando em conta todo o processo que eu, como a artista-pesquisadora, tive no processo do pensar e investigar o espaço expositivo galeria à feitura de todos os experimentos. 2.1 O espaço galeria pensado para exposição Partindo do conceito definido pelo artista e crítico Brian O’Doherty, em relação ao cubo branco: “O Cubo branco foi um instrumento de transição que tentou descorar o passado e ao mesmo tempo controlar o futuro lançando mão de métodos pretensamente transcendentais de presença e poder.” (O’DOHERTY, 2002, p. XXI). Ao levar em conta o espaço galeria pensado para exposição, demonstrado por meio de uma maquete, imaginando justamente a maneira que a ideia surgiu, dita neste estudo, inicialmente por intermédio de uma metáfora que citarei novamente para que fique fresco na memória do interlocutor: Se lembrado das visitas que muitas pessoas faziam, enquanto jovens, aos avós, durante a infância, e perceberem que dentro dos jardins das casas, havia gaiolas com pássaros absolutamente trancados. Seria controverso pensar em um drone como corpo dentro da galeria, pensando em sua natureza em si, de alcançar o inalcançável. Mas, no conceito do Drone-Olho a galeria proporciona muitos pontos de vista inalcançáveis que, fatalmente, trariam muita reflexão. A galeria poderia ser um palco? Um espaço performático? Um espaço aberto para explorar a arte conceitual? Há possibilidades. Um espaço artístico não deve ter limitações ao processo criativo, artístico e poético. Segundo Lissitzky, ele trazia alguns aspectos do teatro épico em seus pensamentos sobre a utilização do espaço expositivo. Como exposto neste estudo, há alguns dos pensamentos de Brecht na construção do conceito do drone-olho. O teatro épico trazia referenciais que, para Lissitzky, eram de encantamento e declamação e, por que não, poderiam ser aplicados no espaço expositivo? Por que não o espaço expositivo como palco? Há muitas possibilidades. O conceito de drone-olho propõe essa relação com o espaço, sobretudo pelo fato de o drone ser considerado “sujeito-ator” dentro do conceito pelos referenciais do teatro e do 4 5 cinema, sobretudo com movimento. As ações realizadas pelo drone no espaço possibilitam a relação de considerar a galeria como palco. Lissitzky propunha totalidades espaciais como um ponto de transferência do plano para o espaço, outros legados expositivos de vanguardas artísticas, como os surrealistas propunham totalidade espacial plena de subjetividades. El Lissitzky afirma que “espaço é aquilo que não se vê através do buraco da fechadura, nem através da porta aberta. Espaço não existe apenas para os olhos, não é um quadro; queremos viver dentro dele.”, (LISSITZKY, 2019, p. 136). Será? Os olhos produzem olhares que caminham, isto é, há movimentos, são ações e fazem parte do corpo, ou seja, é o corpo. Um corpo em ação e que causa sensações de pertencimento àquele espaço. Os olhos são o meio e o olhar é a relação com o espaço. O espaço expositivo galeria demarca, trazendo a sensação de limite. Pensando em um espaço de apresentações de obras, experimentos artísticos, parece contraditório. Justamente tratando-se de um espaço de arte. O poder empregado diante da onipotência do suporte parece um conceito ultrapassado ao pensar a arte no século XXI. “O artista moderno reage de forma plural aos limites impostos pela condição espacial da arte modernista.” (O’DOHERTY apud GROSSMANN, 2002, p. Xlll). Será? As condições espaciais de uma galeria podem ser limitadoras, dependendo do ponto de vista abordado. É possível afirmar que tal responsabilidade esteja muito mais atrelada ao artista, que pensa em relação ao espaço galeria, do que propriamente às regras e “limitações” proporcionadas pelo espaço. Nesta pesquisa que investiga o drone como corpo, a galeria estimula e desafia a proposta de maneira propositiva e nova. Não considero a galeria um lugar limitador, talvez alguns artistas estejam partindo do ponto de vista de como utilizam o suporte. Segundo O’Doherty, estar diante de uma obra de arte é: “A ausência a favor do Olho e do Espectador. Com o Olho ele representa a faculdade despojada do corpo ligada exclusivamente aos meios visuais formais. O Espectador constitui a vida rarefeita e esmaecida do eu, do qual se desprende o Olho e que, nesse ínterim, já não tem ação. O Olho e o Espectador são tudo o que resta de alguém que morre, assinala O’ Doherty, ao entrar no cubo branco.” (O’ DOHERTY, 2002, p. XIX). Imagine o drone como corpo na aplicação do Drone-Olho em situação de sujeito-ator dentro da galeria? Tratando-se dos experimentos e trazendo a ligação de Vertov em relação ao conceito do Cine-Olho, que a partir deste estudo foi dedicado 4 6 esforços para criação do conceito Drone-Olho que está completamente interligado às experiências realizadas com a questão do olhar sugerida nesta pesquisa. Olho é corpo. Olhar é uma habilidade do olho, isto é, uma habilidade do corpo. O olhar é um movimento na prática e de maneira conceitual propõe reflexão. “Como a possibilidade de ver sem fronteiras ou distâncias. Todos os processos e métodos. Tudo o que podia servir para descobrir e mostrar a verdade”, (VERTOV, apud XAVIER, 2018, p. 212). No primeiro experimento, simulo a extensão do olhar por meio do drone como corpo; no segundo experimento, simulo o drone como ready-made dentro da galeria, causando a contemplação do Espectador, ou no ponto de vista de Júlio Plaza, a participação passiva do espectador, assim referenciando o termo usado por O’ Doherty referente ao observador, neste experimento o olhar é do observador. No terceiro experimento, o observador, não satisfeito apenas em contemplar por meio do olhar, é livre para participar manuseando o drone como corpo, ou seja, retornando para o primeiro experimento que, na extensão do olhar, refere-se à extensão da artista e observadora. Isto foi possível quando empregado o conceito do Drone-Olho que em um de seus aspectos está relacionado com a reflexão crítica. Embora o observador-participativo não participe apenas pelo exercício de manusear o objeto em si, sugiro, como já dito nesta pesquisa, pensar na participação por meio do olho, vivenciando o olhar, ou seja, o olhar é ação, é o movimento que transforma, o tempo todo, de acordo com aquilo que articulamos na percepção. O observador-participativo estende seu olhar por meio da experiência do drone na galeria. Ou seja, pude compreender, por meio dessas experiências, que o aspecto da percepção é muito importante. A percepção é motivadora para reflexão. Para Maurice Merleau-Ponty: “O pensamento objetivo ignora o sujeito da percepção. Isso ocorre porque ele se dá o mundo inteiramente pronto, como meio de todo acontecimento possível, e trata a percepção como um desses acontecimentos. (...) Existem sensações que são estados ou maneiras de ser do sujeito.” (MERLEAU- PONTY, 2018, p. 279). Partindo do ponto do sentir, sobretudo às sensações, percebo que durante os experimentos eu sentia os processos e suas prováveis evidências. Existiam as sensações durante a feitura de cada etapa de cada experimento. E havia minha relação com o drone como corpo. Ele era o meio que despertava a reflexão crítica. 4 7 “Acabamos de reconhecer que a análise não tem o direito de pôr, como momento idealmente separável, uma matéria do conhecimento, e que essa matéria, quando a realizamos por um ato expresso de reflexão, já se relaciona ao mundo.” (MERLEAU-PONTY, 2018, p. 327). Percebo que, durante a feitura da maquete, imaginar o drone como corpo dentro da galeria é imaginá-lo preso, mas, a partir do momento que aplico o conceito Drone- Olho, percebe-se um universo motivador de reflexões completamente críticas. Indo além daquilo que se espera da ideia do cubo branco. Tratando-se de sua natureza, é impressionante como a inovação tem o fator da estabilidade que, quando percebida, é possível obter resultados muito potentes a serem trabalhados no quesito espacial de uma galeria. Não é comum ainda que com esforço não desassociar que a galeria traz um sentimento de prisão. Quando é aplicado o conceito de Drone-Olho, esta ideia de prisão vai por água abaixo. A galeria torna-se um lugar além de seu propósito. Eu, como artista, possivelmente poderia ocupar a galeria como um palco, um cenário, um sonho, um espaço de guerra, tudo que fosse determinado entre mim e o drone como sujeito- ator. Ele poderia ser um performer, tudo é permitido no espaço galeria. Não se trata de ser um performer, mas, sim, de ser um tipo de performer específico, ou seja, não há necessidade de ser caricato. No espaço galeria que eu imagino a ideia de cela não existe, principalmente após aplicar o conceito do Drone-Olho fazendo com que a afirmativa “e no meio nota-se uma ‘cela’ uniformemente iluminada, que parece imprescindível para que tudo funcione: o recinto da galeria”, (O’DOHERTY, 2002, p. 3). Percebo um rigor ao pensar o espaço galeria. Se for o propósito de pensar a galeria como se pensa a galeria atualmente, há rigor, mas, como foi dito, a ideia é fugir do caricato. Para O’Doherty porém: “A galeria é construída de acordo com preceitos tão rigorosos quanto os da construção de uma igreja medieval. O mundo exterior não deve entrar, de modo que as janelas geralmente são lacradas. As paredes são pintadas de branco. O teto torna-se fonte de luz. O chão de madeira é polido, para que você provoque estalidos austeros ao andar, ou acarpetado, para que você ande sem ruído.” (O’DOHERTY, 2002, p. 4). Se for pensado que a arte faz parte da vida, não concordo com as palavras de O’Doherty, porque nós, artistas, levamos a vida para dentro da galeria muitas vezes por 4 8 meio das metáforas de todas as esferas possíveis. A nossa relação é diretamente com a vida e, se pertencemos a um ambiente natural chamado de vida, a galeria por si só faz parte deste ambiente geral, que chamo neste momento de vida, sobretudo levamos e emprestamos os nossos diferentes pontos de vista para dentro da galeria criando situações de experiências mútuas. Essas possibilidades de relações fazem parte da experiência do viver, ou seja, o acontecimento, o movimento, a ação daquilo que são possibilidades de vida e mesmo se estivesse à margem, ainda assim, estaria ambientada neste espaço geral que é a vida, portanto não concordo com este pensamento de O’Doherty. Com o Drone-Olho, a reflexão sobre o espaço é outra. O drone como o corpo, por si só é ruído, enquanto em seu estado on. O drone dentro da galeria traz a dinâmica, quando explorada a espacialidade do espaço expositivo galeria. Mas, ainda assim, poderia ser dito que a espacialidade é limitadora para o objeto de estudo, sobretudo em relação à escala. Tratando-se dos aspectos do Drone-Olho, porém, a reflexão é crítica, se o objeto de estudos vem de um ambiente militar, ele, inserido nas artes, dentro de uma galeria, é possível, sim, que seja libertador. Por meio dele há a reflexão não apenas das imagens que trazem reflexões críticas, mas, sobretudo o corpo, o meio que se denomina drone. O drone, para mim, é um corpo. “Portanto, ou eu não reflito, vivo nas coisas e considero vagamente o espaço ora como ambiente das coisas, ora como seu atributo comum, ou então eu reflito, retomo o espaço em sua fonte, penso atualmente as relações que estão sob essa palavra, e percebo então que elas só vivem por um sujeito que as trace e as suporte, passo do espaço espacializado ao espaço espacializante.” (MERLEAU-PONTY, 2018, p. 328). No processo que leva em conta o espaço foi trabalhado apenas com um dos pavimentos da planta da galeria, que será mais aprofundado no próximo subcapítulo. Foi levando em conta o espaço galeria. O que está por trás do significado do espaço galeria. Estar no espaço galeria muda completamente a maneira do objeto, no caso desta pesquisa, ser encarado. Justamente pela ideia de poder do espaço, delimitado por suas paredes e denominado galeria, existe outra maneira de compreender este espaço diferentemente de estar em uma sala grande de escritório. Estar em um espaço galeria é estar em um espaço de arte. Ter um drone como corpo dentro da galeria é denominá-lo um corpo artístico, sim, sobretudo por estar ocupando um espaço de arte, estar inserido 4 9 em um espaço de arte trazendo ressignificação para o próprio objeto considerado em outras situações. “É preciso aproximar-se mais diretamente dessa nova intencionalidade, examinando a noção simétrica de uma forma da percepção e, particularmente, a noção de espaço”, (MERLEAU-PONTY, 2018, p. 327). Outros autores tentaram refletir a fundo sobre a questão do espaço, entretanto, Ponty transcende a questão conceitual de espaço no ponto de vista da percepção. “Kant tentou traçar uma linha de demarcação rigorosa entre o espaço enquanto forma da experiência. Não se trata, bem entendido, de uma relação de continente a conteúdo, já que essa relação só existe entre objetos, nem mesmo de uma relação de inclusão lógica, como a que existe entre o indivíduo e a classe, já que o espaço é anterior às suas pretensas partes, que sempre são recortadas nele. O espaço não é o ambiente (real ou lógico) em que as coisas se dispõem, mas o meio pelo qual a posição das coisas se torna possível.” (MERLEAU-PONTY, 2018, p. 328). É por meio do espaço galeria que quando o drone como corpo está inserido, proporciona a reflexão sobre este objeto designado em outras situações dentro do espaço de uma galeria. Trazer a reflexão de um corpo-objeto termo que criei trazendo o referencial de Danto: “O modo de deixar de ser um objeto sexual não é se tornar um objeto antissexual, uma vez que se pertence um objeto por meio dessa transformação, quando o problema é como deslocar totalmente a objetificação. Refiro-me, obviamente, à objetificação estética.” (DANTO, 2014, p.47). Quando esse corpo ocupa um espaço de arte abre-se a discussão de, sim, haver uma transformação do corpo para o objeto propondo um objeto que, para além do conceito aplicado, enquanto inserido dentro do espaço galeria, também recebe a consideração de ready-made. No caso dos experimentos, percebe-se que há as paredes da galeria, o drone como corpo, a artista e ora os observadores, quando o observador em si, não é a própria artista. “O espectador da arte dominante é sempre representado à parede, que por sua vez sustenta a tela – com uma superfície agora tão sensível que um objeto sobre ela a faria, por assim dizer, lampejar”, (O’ DOHERTY, 2002, p. 33). Imaginar um “objeto” voando na galeria poderia humanizar a galeria tratando-se do 5 0 imaginário das pessoas. Este “objeto” estaria performando no espaço galeria. Humanizaria quando fosse aplicado o conceito do Drone-Olho, principalmente partindo do aspecto do sujeito-ator. Principalmente quando pensado neste “objeto” voando sendo a extensão do olhar, ou seja, um corpo. “A autonomia das partes, a rebelião dos objetos, os bolsões de vazio, tornam-se forças geradoras em todas as artes”, (O’DOHERTY, 2002, p. 35). É o que o drone como corpo faz nos experimentos desta pesquisa. São suas estesias dentro de uma galeria. “Ainda assim o Espectador possui uma linhagem nobre. Está em sua genealogia o racionalista do século XVIII de olhar astuto – talvez o Espectador de Addison17, cujo equivalente na galeria é “o visitante” e “o observador”. Um predecessor mais próximo é o eu do romantismo, que rapidamente se biparte para produzir um ator e uma plateia, um protagonista e um olho que observa.” (O’ DOHERTY, 2002, p. 39). Um olho que observa e percebe o que o corpo sente com o impacto do olho ao olhar uma obra em um espaço de arte. São as sensações que este observador sente diante de uma obra e seu suporte. “O sujeito da percepção permanecerá ignorado não soubermos evitar a alternativa entre o naturante e o naturado, entre a sensação enquanto estado de consciência e enquanto consciência de um estado, entre a existência em si e a existência para si. Retornemos então à sensação e observemo-la de tão perto que ela nos ensine a relação viva daquele que percebe com seu corpo e com seu mundo.” (MERLEAU-PONTY, 2018, p. 281). Para estar em um ambiente de arte como observador é necessário que haja uma entrega. Uma abertura às sensações, pois é a partir das sensações que sentirá a experiência e a obra. “Todo saber se instala nos horizontes abertos pela percepção”, (MERLEAU-PONTY, 2018, p. 280). Só pela percepção haverá uma possível compreensão do propósito de estar em uma experiência dentro de uma galeria. 17 Referência a Joseph Addison (1672 – 1719), publicist e escritor inglês que fundou com Robert Steele, em 1711, o periodic The Spectator (O Espectador. Seus ensaios traçaram o perfil do cavalheiro ideal e do moralismo que dominaria a época vitoriana. 5 1 “Dou ouvidos ou olho à espera de uma sensação e, repentinamente, o sensível toma meu ouvido ou meu olhar, eu entrego uma parte de meu corpo ou mesmo meu corpo inteiro a essa maneira de vibrar e de preencher o espaço.” (MERLEAU-PONTY, 2018, p. 286). O papel do observador é fundamental para a obra, para o artista e para o espaço de arte. Caso contrário, haveria apenas o vazio. A estrutura levantada de um espaço por meio de paredes brancas demarcando o espaço territorialmente. Estruturas de um espaço fechado, tornando-se interno, íntimo, âmago... Deixando de ser aberto e pertencendo ao todo. Entretanto, se este espaço falado é um espaço de arte, a partir dessas demarcações muita coisa muda de sentido, conceito e entendimento. “O Olho pode ser dirigido, mas com menos destreza que o Espectador, que ao contrário do Olho, tem uma ânsia de satisfazer muito maior. O Olho é um conhecido supersensível, com o qual se deve manter boas relações.” (O’DOHERTY, 2002, p. 40). O olhar está presente o tempo todo e com sua capacidade humana limitada, que com o passar do tempo pode com a própria espécie se aperfeiçoar conforme a chegada das novas gerações, entretanto, há a tecnologia. Para Vertov, “o olho do microscópio penetra onde não se penetra o olho da minha câmera. Pois o olho do telescópio alcança universos longínquos, inacessíveis ao meu olho nu”, (VERTOV apud XAVIER, 2018, p. 211). Ou seja, além do drone como corpo ser a extensão do meu olhar, como artista e observadora dentro da galeria, tratando-se deste experimento, ele é o sujeito-ator também colocado como corpo-objeto deste experimento. 2.2 A artista e a feitura da maquete Minha relação com a construção da maquete foi um resgate de momentos importantes sobre a feitura relacionada com testes que, nesta pesquisa, abordo como experimentos por meio de uma maquete. Levando em consideração o fazer artístico, por meio dos processos e procedimentos que priorizam a estrutura e o fazer artístico, venho neste subcapítulo tratar da minha relação com o fazer experimentando materiais entre acertos e erros à base da experiência empírica. Partindo do ponto de vista de Gombrich, “não há o que possamos realmente chamar de Arte. Existem somente artistas”. (GOMBRICH apud WOODFIELD, 2012, p. 65). Focarei na maneira que pensei a 5 2 realização, nos processos e seus procedimentos correlacionados ao pensar antes de materializar. Ou seja, há uma artista e seu pensamento, antes de algum experimento e obra existirem. Há o desejo, o ímpeto de realizar e de se sentir artista, antes da obra. Há o sentimento diante do mundo como um ser artista. A partir da ideia da exposição futura, os experimentos foram idealizados e realizados pensando no espaço da Galeria do Instituto de Artes da Unesp (Galeria Alcindo Moreira Filho) e, por ter feito parte de uma exposição no início do processo do mestra