PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA MESTRADO PROFISSIONAL FÁBIO EDUARDO AZNAR DIAGNÓSTICO DO USO DA ÁGUA NA IRRIGAÇÃO POR PEQUENOS OLERICULTORES DE PIRAPOZINHO – SP E PROPOSTAS PARA O USO RACIONAL DOS RECURSOS HÍDRICOS PRESIDENTE PRUDENTE – SP 2021 ii FÁBIO EDUARDO AZNAR DIAGNÓSTICO DO USO DA ÁGUA NA IRRIGAÇÃO POR PEQUENOS OLERICULTORES DE PIRAPOZINHO – SP E PROPOSTAS PARA O USO RACIONAL DOS RECURSOS HÍDRICOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia – Mestrado Profissional, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, campus de Presidente Prudente, como requisito para obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientadora: Profa. Dra. Maria Cristina Rizk PRESIDENTE PRUDENTE – SP 2021 iii iv v DEDICATÓRIA Dedico esse trabalho ao meu irmão Fabrício e minha mãe Anair (in memorian). vi AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus por ter me concedido saúde, paciência, serenidade e perseverança para caminhar nessa jornada em busca de novos conhecimentos e da realização de um sonho. Agradeço a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, (FCT-UNESP), campus de Presidente Prudente, por ter aberto as portas da instituição para que eu me tornasse um profissional mais qualificado e um cidadão mais consciente. Agradeço aos meus amigos Marcos, Hugo, Cleber, Gustavo, Luciane, Thais e Gabriela, que estiveram mais próximos de mim durante a realização das disciplinas e até mesmo fora da sala de aula. Agradeço aos olericultores do município de Pirapozinho - SP, pela receptividade e por compartilhar suas experiências, tornando possível o desenvolvimento do presente trabalho. Agradeço a todos os professores do Mestrado Profissional em Geografia, com quem tive a oportunidade de participar das aulas, pelo empenho e pela dedicação na condução do processo de ensino. Agradeço ao professor Roberto Testezlaf pelas contribuições técnicas quanto ao uso da irrigação na olericultura, favorecendo um maior aprendizado sobre o tema. Agradeço as professoras doutoras Isabel Cristina Moroz Caccia Gouveia e Iracimara de Anchieta Messias, pela participação na Banca de Exame Geral de Qualificação e suas valiosas sugestões, contribuindo para o enriquecimento da dissertação. Agradeço especialmente a minha orientadora Profa. Dra. Maria Cristina Rizk pelos ensinamentos a mim proporcionados, pela paciência, serenidade, comprometimento e compreensão em todos os momentos. E por fim, agradeço a todos aqueles que aqui não foram mencionados, mas que diretamente e indiretamente, contribuíram nessa caminhada em busca da realização desse sonho. vii “Talvez não tenha conseguido fazer o melhor, mas lutei para que o melhor fosse feito. Não sou o que deveria ser, mas Graças a Deus, não sou o que era antes” (Marthin Luther King). viii RESUMO O objetivo do respectivo trabalho foi realizar o diagnóstico do uso da água na irrigação por pequenos olericultores de Pirapozinho – SP e fazer propostas quanto ao uso racional dos recursos hídricos. O município de Pirapozinho está localizado na região oeste paulista e faz parte da Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Pontal do Paranapanema – UGRH 22. A obtenção dos dados que possibilitaram a realização do diagnóstico do uso da água na irrigação, foram obtidos através de trabalho de campo, realizados durante o mês de outubro de 2020, onde foram realizadas entrevistas, com quatorze produtores olerícolas, mediante o uso de questionário semiestruturado. A olericultura comercial local caracteriza-se por ser realizada em pequenas propriedades, predominantemente com o uso de mão de obra familiar, diversificada quanto ao número de espécie de hortaliças produzidas, com destaque para as hortaliças folhosas, as mais cultivadas e tendo os supermercados, quitandas, restaurantes e feiras livres seus principais canais de comercialização. Todas as propriedades visitadas, utilizam-se de sistema de irrigação, sendo o sistema por aspersão com o uso de microaspersores, o mais utilizado entre os produtores, seguido pelo sistema por aspersão convencional. A água utilizada na irrigação das hortaliças é predominantemente a água subterrânea, captada por poços artesianos, com uma estimativa de retirada média diária, de aproximadamente de 1001 a 5000 litros, distribuídas nas plantações através de uma ou duas regas com duração de trinta minutos a uma hora cada. Quanto a qualidade da água utilizada na irrigação, necessita que sejam realizadas análises recentes, já que as poucas análises realizadas, são antigas, não sendo assim, possível de garantir a sua qualidade. Em relação ao manejo da irrigação, que serve para determinar quando irrigar e quanto de água deve ser utilizada, os olericultores se baseiam apenas em conhecimentos empíricos, adquiridos com suas experiências vivenciadas ao longo dos anos, inclusive, apontado por alguns pesquisadores, como métodos não plenamente confiáveis para garantir se o uso das águas está sendo feito corretamente, havendo a necessidade da utilização de métodos técnicos e equipamentos para fazer a comprovação. Diante dessas constatações, é necessário que o manejo dos recursos hídricos, por parte dos produtores olerícolas do município de Pirapozinho - SP, seja melhorado e para que isso possa vir ocorrer, sugere-se, a capacitação técnica dos produtores, realizada por instituições e técnicos especializados e a presença mais ativa dos órgãos públicos de assistência técnica rural nas propriedades, orientando-os e auxiliando-os no uso dos recursos hídricos de modo mais adequado, e assim, tornando-os mais efetivos na conservação desse recurso natural fundamental. Palavras-chave: Olericultura. Irrigação. Gestão dos Recursos Hídricos. ix ABSTRACT The objective of the respective work was to make the diagnosis of water use in irrigation by small olericultores from Pirapozinho - SP and make proposals regarding the rational use of water resources. The municipality of Pirapozinho is located in the western region of São Paulo and is part of the Water Resources Management Unit of Pontal do Paranapanema - UGRH 22. The data that made it possible to diagnose water use in irrigation were obtained through fieldwork, carried out during October 2020, where interviews were conducted with fourteen oil producers, using semi-structured questionary. Local commercial olericulture is characterized by being carried out in small properties, predominantly with the use of family labor, diversified in the number of species of vegetables produced, with emphasis on leafy vegetables, the most cultivated and having supermarkets, grocery stores, restaurants and fairs free their main marketing channels. All properties visited are used as an irrigation system, and the sprinkler system with the use of micro sprinklers is the most used among producers, followed by the conventional sprinkler system. The water used in the irrigation of vegetables is predominantly groundwater, captured by artesian wells, with an estimated average daily withdrawal of approximately 1001 to 5000 liters, distributed in the plantations through one or two watering’s lasting thirty minutes to an hour each. As for the quality of the water used in irrigation, it requires that recent analyses be carried out, since the few analyses performed are old, thus not being possible to guarantee its quality. In relation to irrigation management, which serves to determine when to irrigate and how much water should be used, olericulors are based only on empirical knowledge, acquired with their experiences experienced over the years, including, pointed out by some researchers, as incomplete reliable methods to ensure that the use of water is being done correctly, and there is a need for the use of technical methods and equipment to make the proof. In view of these findings, it is necessary that the management of water resources, by the producers of the municipality of Pirapozinho - SP, it is improved and for this to occur, it is suggested, the technical training of producers, carried out by specialized institutions and technicians and the more active presence of public agencies of rural technical assistance in the properties, guiding them and assisting them in the use of water resources in a more appropriate way, and thus making them more effective in the conservation of this fundamental natural resource. Keywords: Olericulture. Irrigation. Water Resources Management. x LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Consumo de água pelas plantas ao longo do ciclo de vida. .................................... 36 Figura 2 – Fluxograma da metodologia utilizada na elaboração do trabalho. .......................... 38 Figura 3 – Mapa de localização do município de Pirapozinho – SP. ....................................... 41 Figura 4 – Principais produtos da lavoura permanente em Pirapozinho – SP no ano de 2017.45 Figura 5 – Principais espécies olerícolas produzidas pelos produtores entrevistados. ............. 49 Figura 6 – Principais meios de comercialização utilizados pelos produtores entrevistados. ... 50 Figura 7 – Precipitações médias mensais e temperaturas máximas e mínimas mensais no município de Pirapozinho – SP. ............................................................................................... 51 Figura 8 – Principais métodos de irrigação utilizados pelos produtores entrevistados. ........... 52 Figura 9 – Método de irrigação por aspersão. .......................................................................... 52 Figura 10 – Método de irrigação localizada. ............................................................................ 53 Figura 11 – Principais sistemas de irrigação utilizados pelos produtores entrevistados. ......... 54 Figura 12 – Sistema de irrigação por microaspersão em funcionamento em propriedades visitadas. ................................................................................................................................... 55 Figura 13 – Sistema de irrigação por aspersão convencional em funcionamento em propriedades visitadas. ................................................................................................................................... 55 Figura 14 – Sistema de irrigação localizada por gotejamento em propriedade visitada. ......... 56 Figura 15 – Cultivo hidropônico realizado pelo produtor entrevistado na área urbana. .......... 57 Figura 16 – Cultivo hidropônico realizado por produtores entrevistados na área rural. .......... 58 Figura 17 – Principais critérios utilizados pelos produtores entrevistados na escolha dos sistemas de irrigação. ................................................................................................................ 59 Figura 18 – Principais fontes de captação de água utilizadas na irrigação pelos produtores entrevistados. ............................................................................................................................ 60 Figura 19 – Realização de análises de qualidade da água utilizada na irrigação pelos produtores entrevistados. ............................................................................................................................ 61 Figura 20 – Volume de água utilizada diariamente na irrigação pelos produtores entrevistados. .................................................................................................................................................. 62 Figura 21 – Número de horas diárias de irrigação realizadas pelos produtores entrevistados. 63 Figura 22 – Principais critérios utilizados pelos produtores entrevistados para realizar o manejo da irrigação. .............................................................................................................................. 64 Figura 23 – Assistência relacionada ao cultivo e/ou irrigação das hortaliças cultivadas pelos produtores entrevistados. .......................................................................................................... 65 xi Figura 24 – Realização de ações voltadas a preservação dos recursos hídricos pelos produtores entrevistados. ............................................................................................................................ 66 Figura 25 – Irrigação localizada por gotejamento. ................................................................... 68 Figura 26 – Irrigação localizada por microaspersão. ................................................................ 68 Figura 27 – Tensiômetros com vacuômetros metálicos tipo Bourdon. .................................... 71 Figura 28 – Tensímetro analógico de punção. .......................................................................... 72 Figura 29 – Tensímetro digital de punção. ............................................................................... 72 Figura 30 – Sensor de controle de irrigação Irrigas®. ............................................................. 74 Figura 31 – Encrostamento de ferro no interior da tubulação de irrigação. ............................. 79 Figura 32 – Cobertura do solo com plástico. ............................................................................ 81 Figura 33 – Cobertura do solo com palha vegetal. ................................................................... 81 xii LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Métodos de irrigação e seus principais sistemas. .................................................. 25 Quadro 2 – Enquadramento dos corpos d’água superficiais, segundo a Resolução CONAMA no 357/05. ................................................................................................................................. 32 Quadro 3 – Enquadramento das águas subterrâneas, segundo a Resolução CONAMA no 396/08. ...................................................................................................................................... 32 Quadro 4 – Questões utilizadas nas entrevistas com os olericultores. ..................................... 40 Quadro 5 – Hortaliças mais cultivadas pelos produtores entrevistados. .................................. 48 Quadro 6 – Indicadores de eficiência de uso de água para cada sistema de irrigação. ............ 69 Quadro 7 – Tensão-limite de água no solo para diferentes hortaliças, conforme o sistema de irrigação utilizado. .................................................................................................................... 73 xiii LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Dados da população do município de Pirapozinho – SP. ....................................... 43 Tabela 2 – Principais produtos da lavoura temporária em Pirapozinho – SP no ano de 2017. 44 xiv LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABBA – Associação Brasileira de Batata ABRH – Associação Brasileira de Recursos Hídricos ANA – Agência Nacional de Águas APP – Área de Preservação Permanente AQUASTAT – Global Information System on Water and Agriculture (Sistema de Informação Global sobre Água e Agricultura) ASI – Acionador Simplificado para Irrigação Ca – Cálcio CATI – Coordenadoria de Assistência Técnica Integrada CBH – Comitês de Bacias hidrográficas CBH-PP – Comitê da Bacia Hidrográfica do Pontal do Paranapanema CDRS – Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável CE – Condutividade Elétrica CEASA – Centrais de Abastecimento Sociedade Anônima CETESB – Companhia Ambiental do Estado de São Paulo Cl- – Cloreto CO3 2 – Carbonato CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente CORHI – Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos COVID-19 – Corona Virus Disiase (Doença de Corona Vírus 2019) CPTEC – Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos CRH – Conselho Estadual de Recursos Hídricos DAEE – Departamento de Águas e Energia Elétrica DF – Distrito Federal EDR – Escritório de Desenvolvimento Rural EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) FEHIDRO – Fundo de Recursos Hídricos Hab./km2 – Habitante por Quilometro Quadrado IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IEA – Instituto de Economia Agrícola xv ILP – Integração Lavoura-Pecuária INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IPT – Instituto de Pesquisa Tecnológica IRRIGÁS – Sistema Gasoso de Controle de Irrigação K – Potássio Kg/hab. – Quilo por habitante kPa – Quilopascal l/dia – Litro por dia m3/hab. – Metro cúbico por habitante m3/s – Metro cúbico por segundo Mg – Magnésio MMA – Ministério do Meio Ambiente Na – Sódio NaHCO3 – Bicarbonato PAM – Produção Agrícola Municipal PERH – Plano Estadual de Recursos Hídricos pH – Potencial Hidrogeniônico PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar PNI – Política Nacional de Irrigação PPAIS – Programa Paulista de Agricultura de Interesse Social PR - Paraná PST – Porcentagem de Sódio Trocável PVC – Policloreto de Vinila RAS – Razão de Adsorção de Sódio SEADE – Sistema Estadual de Análise de Dados SIGRH – Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos SINGREH – Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos SO4 2- – Sulfato SP – São Paulo SRH – Secretaria de Recursos Hídricos SSRH – Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TSD – Total de Sais Dissolvido UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro xvi UGRH – Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UNOESTE – Universidade do Oeste Paulista UPA – Unidades de Produção Agrícola xvii SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 18 2 OBJETIVOS .......................................................................................................................... 20 2.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................................................. 20 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................................................. 20 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................................ 21 3.1 ÁGUA ............................................................................................................................... 21 3.2 IRRIGAÇÃO ....................................................................................................................... 24 3.3 IMPACTOS AMBIENTAIS CAUSADOS PELA IRRIGAÇÃO ....................................................... 26 3.4 ASPECTOS LEGAIS ............................................................................................................ 27 3.5 OLERICULTURA ................................................................................................................ 33 3.5.1 O uso da irrigação na olericultura ............................................................................ 35 4 METODOLOGIA .................................................................................................................. 38 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ......................................................................................... 41 5.1 A AGRICULTURA NO MUNICÍPIO DE PIRAPOZINHO – SP .................................................... 41 5.2 A OLERICULTURA NO MUNICÍPIO DE PIRAPOZINHO – SP .................................................. 46 5.3 PROPOSTAS PARA O USO RACIONAL DOS RECURSOS HÍDRICOS NA OLERICULTURA ........... 68 5.3.1 Proposta para eficiência dos sistemas de irrigação .................................................. 68 5.3.2 Proposta de manejo da irrigação .............................................................................. 70 5.3.3 Proposta de análise da qualidade da água utilizada na irrigação.............................. 75 5.3.4 Proposta de manutenção do sistema de irrigação ..................................................... 80 5.3.5 Proposta de cobertura do solo .................................................................................. 80 5.3.6 Proposta de conscientização ambiental do olericultor ............................................. 82 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 84 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 86 18 1 INTRODUÇÃO A discussão sobre o futuro da produção de alimentos (grãos, frutas e hortaliças), de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), passa necessariamente pela utilização da agricultura irrigada sustentável (FAO, 2017). Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, a agricultura irrigada garante 44% dos alimentos produzidos no mundo, explorando-se somente 18% da área cultivada. Enquanto no Brasil, explora-se apenas 6,7% da área total cultivada, contribuindo com 20% do total da produção brasileira (FAO, 2017). Entende-se por agricultura irrigada uma prática agrícola na qual utiliza-se um conjunto de equipamentos e técnicas para aplicação racional de água, complementando as necessidades hídricas da cultura, minimizando os impactos do clima sobre o seu rendimento, de maneira a atingir produções que sejam economicamente viáveis (MAROUELLI; RODRIGUES, 2017). A agricultura irrigada favorece o aumento da produtividade das culturas, a utilização do solo o ano todo, independente das variações climáticas, redução dos riscos de produção, aumento da renda, entre outras vantagens. Dentro desse panorama, a olericultura é uma das atividades agrícolas que mais utiliza- se dessa prática. O uso da irrigação é de fundamental importância para a produção de hortaliças, sobretudo nas regiões de estiagem prolongadas ou até mesmo em regiões úmidas, durante os períodos de pouca chuva. O sistema de irrigação por aspersão convencional é o método mais utilizado na produção de hortaliças no Brasil, devido ao fato de melhor se adaptar às diferentes condições de produção, as características agronômicas da maioria das hortaliças e aos aspectos econômicos (MAROUELLI; SILVA, 2011). Tendo a água como seu principal insumo, torna-se necessário, por parte da atividade olerícola, fazer o seu uso de forma sustentável e para que isso ocorra, é preciso que haja planejamento quanto a seleção do sistema de irrigação mais adequado ao tipo de cultivo a ser realizado, assim como o manejo da irrigação, para não haver desperdício. Sendo um recurso finito e de fundamental importância para a manutenção e sustentabilidade dos ecossistemas naturais e da biodiversidade, assim como para a própria sobrevivência da espécie humana e de sua qualidade de vida (TUNDISI; TUNDISI, 2015), é primordial que a água seja utilizada de maneira racional, para não influenciar na sua 19 disponibilidade futura, comprometendo o equilíbrio ambiental e o desenvolvimento social e econômico. Pensar o uso da água significa: identificar a oferta deste recurso, e então delimitar as prioridades e formas do seu uso e aplicação, garantindo a quantidade e qualidade deste bem na “devolução à natureza”, possibilitando a manutenção do seu ciclo e, consequentemente, a conservação da sua oferta (SANTOS JÚNIOR et al., 2013, p. 264). Diante desse contexto, a realização do diagnóstico do uso da água na irrigação pelos pequenos olericultores do município de Pirapozinho – SP é importante para compreender como os recursos hídricos estão sendo utilizados e subsidiar a elaboração de propostas que auxiliem os produtores olerícolas a utilizarem os recursos hídricos de maneira mais racional, contribuindo com a conservação desse recurso natural imprescindível. Assim, a presente dissertação de mestrado apresenta no primeiro capítulo a introdução do estudo, abordando a importância da irrigação para a produção de alimentos e para a olericultura e a necessidade de utilizar a água racionalmente. No segundo capítulo estão os objetivos gerais e específicos da dissertação. No terceiro capítulo está a revisão bibliográfica de temas importantes para a dissertação, tais como água, irrigação e seus impactos, legislações voltadas à gestão dos recursos hídricos e olericultura. No quarto capítulo é detalhada a metodologia adotada na elaboração da pesquisa, a forma de obtenção dos dados primários e secundários, a forma de análise dos dados coletados e como foram feitas as propostas para o uso racional dos recursos hídricos na olericultura. No quinto capítulo estão os resultados e discussões, no qual são descritos o histórico e a situação atual da agricultura no município de Pirapozinho – SP, como também são discutidos os dados referentes ao uso da água na olericultura em Pirapozinho e as propostas de gestão do uso racional da água pelos olericultores. Já no sexto capítulo, estão as considerações finais, no qual são apresentadas as conclusões obtidas com a elaboração do estudo. Por fim, o sétimo capítulo traz as referências bibliográficas utilizadas na dissertação. 20 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL O objetivo geral do presente trabalho foi realizar um diagnóstico do uso da água na irrigação por pequenos olericultores de Pirapozinho – SP e elaborar propostas para o uso racional dos recursos hídricos. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Os objetivos específicos do estudo foram: • Identificar e entrevistar os olericultores do município de Pirapozinho – SP; • Identificar as principais hortaliças cultivadas pelos olericultores estudados; • Levantar as principais fontes de água e a quantidade aproximada de água utilizada na irrigação das hortaliças pelos olericultores estudados; • Identificar os principais sistemas de irrigação e analisar a adoção de práticas de manejo dos recursos hídricos usados na irrigação pelos olericultores estudados; • Propor orientações quanto ao uso racional dos recursos hídricos na olericultura. 21 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 3.1 ÁGUA A água é um recurso natural de fundamental importância para o planeta Terra. É fonte de vida, sendo que cerca de 70% do corpo humano é composto por água (RIBEIRO, 2008), imprescindível para o funcionamento dos ecossistemas terrestres e aquáticos e para o desenvolvimento das diversas atividades humanas. A quantidade total de água na Terra, 1.386 milhões de km³, tem permanecido aproximadamente constante nos últimos 500 milhões de anos. Todavia, as quantidades estocadas nos diferentes reservatórios individuais de água variaram substancialmente ao longo desse período (SHIKLOMANOV, 1999 apud SETTI et al., 2000). A distribuição, nos principais reservatórios, é de que 97,5% do volume total de água da Terra seja de água salgada, formando os oceanos, e somente 2,5% seja de água doce. Ressalta- se que a maior parte dessa água doce (68,7%) está armazenada nas calotas polares e geleiras. A forma de armazenamento em que os recursos hídricos estão mais acessíveis ao uso humano e de ecossistemas é a água doce contida em lagos e rios, o que corresponde a apenas 0,27% do volume de água doce da Terra e cerca de 0,007% do volume total de água (SETTI et al., 2000). A água depende do ciclo natural para ser reposta. De acordo com Ribeiro (2008, p. 26) “nesse processo incluem-se fatores climáticos, geológicos e outros relacionados ao uso do solo”. Os componentes do ciclo hidrológico são (SPEIDEL; RULDISILI; AGNEW, 1988 apud TUNDISI; TUNDISI, 2011): precipitação – água adicionada à partir da atmosfera, podendo ser líquida (chuva) ou sólida (neve ou gelo); evaporação – transformação da fase líquida da água para fase gasosa; transpiração – perda de vapor d’água pelas plantas; infiltração – absorção de água pelo solo; percolação – caminho percorrido pela água no solo e nas formações rochosas até o lençol freático; e drenagem – deslocamento da água nas superfícies, durante a precipitação. Os fatores geológicos também participam desse processo de reposição de água doce nos aquíferos, Tundisi; Tundisi (2011) destacam que parte da precipitação que atinge a superfície terrestre percola através da zona insaturada (que contém água e ar) para saturada (que contém somente água), denominada área de recarga, uma vez que nela ocorre a recarga dos aquíferos subterrâneos. 22 As águas subterrâneas estão disponíveis em todas as regiões da Terra, constituindo importante recurso natural (TUNDISI; TUNDISI, 2011). Outro fator importante na reposição das águas doces é a cobertura do solo, tendo em vista que solos com cobertura vegetal, além de propiciarem melhor absorção das águas que servem de recarga para os aquíferos subterrâneos, também contribuem evitando o assoreamento dos corpos d’água que servem de fonte de evaporação para o ciclo hidrológico. A razão das águas doces não estarem distribuídas de forma homogênea no planeta ocorre, segundo Tundisi; Tundisi (2011), devido as peculiaridades climáticas causadas por diferenças latitudinais e altitudinais. De acordo com o sistema FAO-AQUASTAT (2018) os países que apresentam as maiores médias anuais de água doce são Islândia com 516.090 m3 ao ano/per capita, Guiana com 353.279 m3 ao ano/per capita, Suriname com 182.320 m3 ao ano/per capita, e Congo com 180.087 m3 ao ano/per capita. Em contrapartida, os países com as menores médias anuais de água doce são Kuwait com 5,139 m3 ao ano/per capita, Emirados Árabes com 16,38 m3 ao ano/per capita, Catar com 25,95 m3ao ano/per capita e Arábia Saudita com 76,09 m3 ao ano/per capita. O Brasil destaca-se no cenário mundial pela grande produção hídrica dos seus rios, que representa 53% da produção de água doce do continente sul-americano (334.000 m3/s) e 12% do total mundial (1.488.000 m3/s) (REBOUÇAS et al., 2006). Entretanto, há uma desproporção entre os suprimentos de água doce, a distribuição da população e as demandas per capita. Conforme destacam Rebouças et al. (2006), a Bacia Amazônica é responsável por 78% do total da produção hídrica brasileira, porém apresenta uma densidade populacional de 2 a 5 hab./km2. Já a Bacia do Rio São Francisco, por sua vez com uma densidade demográfica que varia de 5 a 25 hab./km2 é responsável por 1,7% do total da produção hídrica nacional. Enquanto a Bacia do Rio Paraná, que representa 6% do total da produção hídrica brasileira, apresenta uma densidade demográfica de 25 a 100 hab./km2. Já no Estado de São Paulo, segundo o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), a quantidade de água doce se apresenta de modo satisfatório, representando 1,6% do total da água doce brasileira (DAEE, 2019). Segundo dados da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo (SSRH/SP), cerca de 86% do Estado de São Paulo está localizado na bacia hidrográfica do Rio Paraná (GOMES; BARBIERI, 2004). 23 O homem tem utilizado a água não apenas para suprir suas necessidades pessoais básicas diárias (alimentação, funcionamento adequado do corpo, higiene), mas também e, principalmente, para propósitos socioeconômicos (TOMASONI; PINTO; SILVA., 2009). Dentre os principais usos da água, citam-se: abastecimento público, produção de alimentos, geração de hidroeletricidade, navegação e desenvolvimento industrial (BRAGA et al., 2008). De acordo com Tundisi (2003) estes usos múltiplos aumentam à medida que as atividades econômicas se diversificam e as necessidades de água aumentam para atingir níveis de sustentação compatíveis com as pressões da sociedade de consumo. Para Ribeiro (2008), a importância da água se dá pelo fato de integrar padrões e sistemas produtivos de diversos segmentos da economia, além de fazer parte do dia a dia dos mais de 6 bilhões de seres humanos da terra e de diversas outras formas de vida. Conforme documento da Agência Nacional de Águas (ANA), a demanda por água no Brasil é crescente, com aumento estimado de aproximadamente 80% no total retirado nas últimas duas décadas (ANA, 2019). A exemplo de outros países, a maior demanda por água no Brasil é exercida pela irrigação, com 68,4 % da demanda total (ANA, 2019). Dentro dessa perspectiva, a Agência Nacional de Águas prevê que ocorra um aumento de 24% na demanda até 2030. Esse histórico da evolução dos usos da água está diretamente relacionado ao desenvolvimento econômico e ao processo de urbanização do país (ANA, 2019). De acordo com o relatório da Agência Nacional de Águas, qualquer atividade humana que altere as condições naturais das águas é considerada um tipo de uso e pode ser classificado como uso consuntivo ou não consuntivo. Os usos consuntivos, segundo Bittencourt; Paula (2012) são aqueles nos quais parte da água captada é consumida no processo produtivo, ou seja, a água não retorna ao curso natural, diminuindo sua disponibilidade. Os principais usos consuntivos da água no Brasil se distribuem em: irrigação (68,4%), abastecimento humano (urbano e rural) (11%), uso animal (10,8%) e industrial (8,8%) (ANA, 2019). Além do uso consuntivo das águas, também existe o uso não consuntivo, que pode ser entendido de acordo com Rebouças (2002 apud SOUZA et al., 2014) como sendo a utilização da água em seus próprios mananciais sem precisar retirá-la do sistema de captação; ou após sua captação, aquela que retorna integralmente aos seus mananciais, como ocorre, por exemplo, na geração de energia elétrica, navegação, diluição de efluentes, pesca, preservação da flora e 24 fauna e recreação. Outras formas de uso não consuntivo das águas são as atividades relacionadas à recreação, lazer, harmonia paisagística e turismo (SOUZA et al., 2014). 3.2 IRRIGAÇÃO De acordo com Rodrigues et al. (2017), as pressões que estão ocorrendo ou que ocorrerão sobre o sistema agrícola em relação a oferta de alimentos devido, especialmente, ao aumento da população, a elevação da demanda por alimentos variados e de melhor qualidade e pela expansão por fibras e agroenergia, faz com que a irrigação, atualmente, ganhe cada vez mais relevância. A irrigação é utilizada na agricultura, segundo Tucci e Mendes (2006, p. 106) “para suprir de água a planta nos períodos de pequena precipitação, quando a evapotranspiração da planta é alta devido à radiação solar”. Para Rodrigues et al. (2017), a irrigação constitui-se em complementar, por meio da aplicação racional de água, as necessidades hídricas da cultura, minimizando os impactos do clima sobre o seu rendimento, de maneira a atingir produções que sejam economicamente viáveis. A aplicabilidade da irrigação é baseada no uso de métodos e tipos de sistemas que proporcionam a distribuição da água nas culturas. Entende-se por método de irrigação a forma pela qual a água pode ser aplicada às culturas. Basicamente, são quatro tipos de métodos de irrigação: superfície, aspersão, localizada e subirrigação. Para cada método, Andrade; Brito (2006) ressaltam haver dois ou mais sistemas de irrigação, que podem ser empregados (Quadro 1) e a razão pela qual há muitos tipos de sistemas de irrigação é a grande variação de solo, clima, culturas, disponibilidade de energia e condições socioeconômicas para as quais o sistema de irrigação deve ser adaptado. 25 Quadro 1 – Métodos de irrigação e seus principais sistemas. Fonte: Testezlaf (2017). Entretanto, para que a água seja aplicada às plantas, atendendo as suas necessidades, é preciso fazer uso de diferentes sistemas de irrigação, que podem ser definidos, segundo Testezlaf (2017) como o conjunto de equipamentos, acessórios, formas de operação e manejo, e que de forma organizada realizará o ato de irrigar as culturas. Segundo Rebouças et al. (1999 apud TESTEZLAF, 2017), a agricultura irrigada brasileira apresenta a seguinte distribuição percentual quanto aos métodos de irrigação utilizados: superfície 51% (inundação 33% e sulcos 18 %), aspersão 41% (convencional 20% e mecanizada 21%) e irrigação localizada 8%. Esses números mostram que a presença da irrigação por superfície ainda prevalece sobre sistemas mais tecnificados em nosso país. A Agência Nacional de Águas prevê uma estimativa de aumento na área irrigável no Brasil na ordem de 3,14 milhões de hectares, um acréscimo de 45%, passando de 6,95 milhões de hectares em 2015 para 10,09 milhões de hectares em 2030 (ANA, 2017b). Quando os agricultores utilizam a técnica de irrigação é possível observar vários benefícios, o que justifica a importância da sua adoção na agricultura (TESTEZLAF, 2017). Dentre esses benefícios, Testezlaf (2017) destaca: garantia de produção com relação às necessidades hídricas e redução dos riscos de quebra de safra por seca, aumento de produtividade das culturas, criação e aumento na oferta de emprego e aumento no número de safras e colheita na entressafra. Historicamente, Rodrigues et al. (2017), destaca ainda, a importância significativa da irrigação para o desenvolvimento local e regional, com o aumento de produtividade das culturas, retorno financeiro para o homem do campo e importantes contribuições sociais. 26 3.3 IMPACTOS AMBIENTAIS CAUSADOS PELA IRRIGAÇÃO É notório que tanto a falta, quanto o excesso de água, afetam a produção e produtividade das culturas. O excesso de água, de acordo com Silva; Marouelli; Christofidis (2010), além de elevar os riscos de saturação dos solos e de salinização de terras, pode favorecer o surgimento de doenças por fungos na folhagem e no solo, exigindo maior número de pulverizações que, eventualmente, contaminam as fontes de água, o solo e o ar. A expansão da irrigação na agricultura, tem mudado, gradualmente, a qualidade dos ecossistemas, pois segundo Matos (2013) induz à monocultura, aumenta a aplicação de adubos e de pesticidas no local, já que a irrigação proporciona o aumento de insetos e fungos nas plantas e o uso intensivo do solo. Para Matos (2013), constituem-se impactos ambientais intrínsecos da agricultura irrigada: risco da degradação do solo; alteração climática local; aumento da incidência de pragas e doenças e alteração das propriedades químicas e físicas dos corpos da água. Os impactos ambientais extrínsecos da agricultura irrigada podem ser: poluição e contaminação por agroquímicos (pesticidas e fertilizantes), o que implica risco de vida humana e animal; alteração da cobertura do solo, que consequentemente reduz a biodiversidade e altera o valor dos recursos naturais e a qualidade de vida de agricultores e consumidores. Silva; Marouelli; Christofidis (2010) também ressaltam os impactos ambientais causados pela irrigação: modificação do meio ambiente, salinização do solo, contaminação dos recursos hídricos, consumo exagerado de água, erosão, elevação do lençol freático e problemas de saúde pública. Os principais tipos de impactos ambientais inerentes à irrigação também são abordados por Erthal; Berticilli (2018) ao citarem a salinização do solo, a contaminação dos recursos hídricos (rios e águas subterrâneas), o consumo exagerado da disponibilidade hídrica da região, o consumo elevado de energia e problemas de saúde pública. A contaminação dos recursos hídricos, segundo Erthal; Berticilli (2018) surge com mais frequência, pelo escoamento superficial: a água da irrigação escoa superficialmente, carregando agroquímicos dissolvidos ou absorvidos em partículas de solo, ocorrendo poluição de corpos de água, comprometendo vida aquática e intoxicação de pessoas ou comprometendo processos industriais. Já Penteado (2010), enfatiza as consequências dos impactos negativos sobre as reservas hídricas, erosão dos solos, assoreamento em corpos de água e a falta de controle no uso de fertilizantes e biocidas. https://www.bdpa.cnptia.embrapa.br/consulta/busca?b=ad&biblioteca=vazio&busca=autoria:%22MAROUELLI,%20W.%20A.%22 https://www.bdpa.cnptia.embrapa.br/consulta/busca?b=ad&biblioteca=vazio&busca=autoria:%22MAROUELLI,%20W.%20A.%22 27 Praticamente todos os métodos de irrigação trazem impactos ao meio ambiente, entretanto, Matos (2013) ressalta que a adequação e a gestão correta do sistema podem maximizar os benefícios da aplicação de insumos agrícolas (fertilizantes e pesticidas), minimizando-se os impactos negativos sobre o meio físico (solo, água e ar) e biótico (plantas e animais). 3.4 ASPECTOS LEGAIS O primeiro passo no sentido de se construir um marco legal para os recursos hídricos no Brasil ocorreu no ano de 1934, com a primeira legislação elaborada para tratar da apropriação e uso das águas no Brasil, o Código de Águas, regulamento pelo Decerto Federal nº 24.643 de 1934 (ANA, 2002). Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), o Código de Águas consagrou o papel do poder público no controle e incentivo ao aproveitamento do recurso, lançando as bases para a institucionalização dos instrumentos de gestão e regulação do uso múltiplo das águas (ANA, 2002). Para a época, Rebouças et al. (2006), ressaltam que o Código de Águas estabeleceu uma política hídrica bastante moderna e complexa. Os princípios nele contido, ainda hoje, são invocados em diversos países como modelos a serem seguidos, uma vez que o Código de Águas é considerado mundialmente como uma das mais completas leis das águas já produzidas (REBOUÇAS et al., 2006). Quanto a irrigação no Brasil, a primeira legislação foi a Lei nº 6.662, de 25 de junho de 1979, regulamentada somente em 29 de março de 1983, pelo Decreto nº 89.496. Ao longo da década de 1980, a intenção de reformar o sistema de gestão de recursos hídricos brasileiro começou a tomar corpo, com o reconhecimento, por parte de setores técnicos do governo, de que era chegado o momento de se proceder à modernização do setor (ANA, 2002). Em 1986, o Estado de São Paulo, que já se encontrava organizando ações para a reestruturação do setor hídrico desde 1983, compartilhou nacionalmente, a discussão sobre a necessidade de se tratar recursos hídricos sob múltiplos aspectos, integrando a discussão institucional à discussão técnica, de maneira que fosse criado um sistema executável sob o ponto de vista técnico e ao mesmo tempo viável, sob o ponto de vista político. A sinalização era que o assunto deveria sair da esfera tecnocrata do governo e abranger outros segmentos interessados da sociedade (ANA, 2002). 28 Em 1987, a Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH) manifestou-se na Carta de Salvador, aprovada durante a realização do VII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, a necessidade da criação de um sistema nacional de recursos hídricos e do aperfeiçoamento da legislação pertinente, de modo a contemplar o uso múltiplo dos recursos hídricos e o desenvolvimento tecnológico e a capacitação do setor (ANA, 2002). A Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, art. 21, inciso XIX, estabeleceu que é competência da União instituir o Sistema Nacional de Gerenciamento Hídrico. Este é um fato histórico, destacam Rebouças et al. (2006, p. 646), pois “diferencia o gerenciamento de recursos hídricos do setor ambiental. O legislador prioriza claramente o recurso hídrico e determina que ele tenha sua própria dinâmica institucional implementada”. No Estado de São Paulo, a Lei nº 7.663, de 30 de dezembro de 1991, estabeleceu normas de orientação à Política Estadual de Recursos Hídricos bem como ao Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos, que consolidou a participação da sociedade civil no processo decisório, criou a cobrança pelo uso da água, e determinou que os recursos daí advindos seriam administrados pelo Fundo de Recursos Hídricos (FEHIDRO) para utilização direta nos Comitês de Bacia Hidrográficas (CBH) (SÃO PAULO, 1991). Em âmbito federal, em 1995, foi criada a Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a atribuição de dinamizar a discussão da Política Nacional de Recursos Hídricos, bem como acompanhar e monitorar sua implementação. Para Porto (2012, p. 13) a partir da criação da SRH, “foi acelerado o processo de discussão nacional que culminou com a promulgação da Lei n. 9.433 (Lei das Águas), em janeiro de 1997, que criou a Política Nacional de Recursos Hídricos e instituiu o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH)”. Segundo Souza; Bizawu (2017) o Sistema Nacional de Recursos Hídricos possui mecanismos que contribuem para que as metas estabelecidas na Lei das Águas possam ser realizadas, executando as medidas de planejamento, fiscalização e contenção do uso das águas, sem que haja risco de degradação ou perda do recurso natural mencionado. Tais mecanismos constituem-se na implementação do Plano Nacional dos Recursos Hídricos: o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo seus usos preponderantes; a cobrança pelo uso de recursos hídricos e seu próprio Sistema Nacional de Informações; bem como a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos (SOUZA; BIZAWU, p. 191). 29 Rebouças et al. (2006), ressaltam que a Lei nº 9.433/97 é um instrumento inovador e moderno, frente ao desafio de equacionar a demanda crescente de água para fazer frente ao crescimento urbano, industrial e agrícola, aos potenciais conflitos de usos gerado pelo binômio disponibilidade-demanda e o preocupante avanço da degradação ambiental. Desde a promulgação da Lei nº 9.433/97, o país vem avançando em termos de gestão dos recursos hídricos, segundo Porto (2012) devido a um enorme conjunto de circunstâncias que, a exemplo do crescimento da conscientização da finitude do recurso água e da importância da boa gestão de sua quantidade e qualidade, fizeram com que a água fosse incluída entre os assuntos prioritários da agenda política do século XX, circunstâncias que ganharam ainda mais força no século XXI. Outro marco importante quanto a ampla reforma institucional do Setor de Recursos Hídricos ocorreu em 17 de julho de 2000, com a Lei Federal nº 9.984, que criou a Agência Nacional de Águas, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e dotada de autonomia administrativa e financeira (BRASIL, 2000). Através da Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, cabe a Agência Nacional das Águas (ANA), implementar e operacionalizar os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos; supervisionar, controlar e avaliar as ações e atividades decorrentes do cumprimento da legislação federal pertinente aos recursos hídricos e outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União, assim como, fiscalizar seus usos (BRASIL, 2000). Visando uma gestão sustentável dos recursos hídricos e do manejo do solo, no ano de 2013, foi publicada uma nova legislação voltada a irrigação, a Lei nº 12.787, de 11 de janeiro de 2013 (BRASIL, 2013), principal referencial legal sobre a irrigação no Brasil atualmente. A Política Nacional de Irrigação (PNI), instituída através da Lei nº 12.787, de 11 de janeiro de 2013, tem por objetivo, entre outros, incentivar a ampliação da área irrigada e o aumento da produtividade ambientalmente sustentáveis; reduzir os riscos climáticos inerentes à agropecuária; promover o desenvolvimento local e regional, aumentar a competitividade do agronegócio brasileiro e o abastecimento do mercado interno de alimentos (BRASIL, 2013). Com a finalidade de avaliar os procedimentos adotados na prática da atividade agrícola irrigada e comprovar a sua adequação, a Lei nº 12.787, de 11 de janeiro de 2013, destaca a necessidade de certificação dos projetos de irrigação, conforme estabelecida no seu artigo 19: 30 Art. 19. Os projetos públicos e privados de irrigação e as unidades parcelares de Projetos Públicos de Irrigação poderão obter certificação quanto ao uso racional dos recursos hídricos disponíveis, incluindo os aspectos quantitativos e qualitativos associados à água e à tecnologia de irrigação. § 1º O Poder Executivo federal definirá o órgão público responsável pela certificação e disporá sobre normas, procedimentos e requisitos a serem observados na certificação e no credenciamento de entidades e profissionais certificadores, além da forma e periodicidade mínima de monitoramento e fiscalização dos projetos de irrigação. § 2º As unidades parcelares e projetos de irrigação certificados poderão obter benefícios, nos termos da lei (BRASIL, 2013). A Política Nacional de Irrigação (PNI) estabelece a exigência do licenciamento ambiental e da outorga do direito de uso dos recursos hídricos para a implantação dos projetos de irrigação. Art. 22. A implantação de projeto de irrigação dependerá de licenciamento ambiental, quando exigido em legislação federal, estadual, distrital ou municipal específica. [...] Art. 23. A utilização de recurso hídrico por projeto de irrigação dependerá de prévia outorga do direito de uso de recursos hídricos, concedida por órgão federal, estadual ou distrital, conforme o caso (BRASIL, 2013). Para Silva Júnior et al. (2017) o licenciamento ambiental consiste em um importante instrumento de gestão da Administração Pública no qual é possível exercer o necessário controle sobre as atividades humanas que interferem nas condições ambientais. Já a outorga, um dos instrumentos de gestão hídrica, é definida no Plano Nacional de Recursos Hídricos (BRASIL, 2006, p. 60) como um “ato administrativo pela qual a autoridade outorgante concede ao outorgado o direito de uso de recurso hídrico, por prazo determinado e de acordo com os termos e as condições expressas no ato”. Dentre os principais usos sujeitos a outorga, a Lei n° 9.433/97, de 08 de janeiro de 1997, cita a extração, captação e a derivação de água superficial e subterrânea, aproveitamento de potenciais hidrelétricos e a utilização do corpo hídrico como assimilador de efluentes. Enquanto, o uso de pouca expressão não está sujeito a outorga (BRASIL, 1997). Nesse sentido, conforme previsto no artigo 29, da Lei nº 9.433/97, de 08 de janeiro de 1997, a emissão das outorgas das águas de domínio federal ficará a cargo do poder executivo federal, neste caso, ficando designada à Agência Nacional de Águas (ANA). Já se tratando de águas de domínio estadual ou do Distrito Federal, o artigo 30, inciso I, da Lei nº 9.733/97, de 08 de janeiro de 1997, a concessão das outorgas, deverão ser feitas pelos órgãos gestores estaduais ou distritais (BRASIL, 1997). 31 De acordo com Agência Nacional de Águas (ANA), a outorga tem por objetivo garantir água para todos os usos, servindo de instrumento necessário para que o poder público possa assegurar o controle dos usos da água e para que o usuário tenha a autorização de direito de acesso à água para as finalidades desejadas (ANA, 2012). Outro instrumento de gestão de recursos hídricos importante para disciplinar o uso das águas no setor de irrigação é a cobrança pelo seu uso. Para Ladwig et al. (2017) a cobrança como instrumento de gestão de recursos hídricos atende o objetivo de reconhecer a água como um bem econômico, dando ao usuário uma indicação do seu valor real, incentivando o uso racional da água e gerando recursos financeiros para serem aplicados nos programas de intervenções definidos nos planos de recursos hídricos. A cobrança pelo uso da água, segundo Faganello (2007), é um instrumento econômico de gestão de recursos hídrico, que visa à redução de externalidades negativas. Para Faganello (2007, p. 25) externalidades negativas podem ser compreendidas como “os custos sociais gerados, que não são contabilizados aos custos privados de utilização da água, levando toda sociedade a pagar pela conservação dos recursos hídricos”. Segundo Granziera (2003), a cobrança pelo uso da água possui três finalidades: reconhecer o valor econômico da água, racionalizar sua utilização e gerar receita para financiar programas de recuperação de recursos hídricos. Em síntese, Bronzatto; Amorim (2012, p. 10) ressaltam que a cobrança pelo uso dos recursos hídricos “não é um imposto, mas um preço condominial pela utilização de um bem público, fixado a partir de um pacto entre os usuários de água, a sociedade civil e o poder público estabelecido no âmbito dos Comitês de Bacia Hidrográfica”. A qualidade da água utilizada na irrigação é outro ponto relevante, principalmente quando utilizada na olericultura (cultivo de hortaliças), na qual muitas das espécies desenvolvem acima do solo e são consumidas frescas e cruas. Assim, é necessário conhecer a qualidade da água para controlar a disseminação de doenças em áreas de produção. No Brasil, atualmente a qualidade das águas superficiais é normatizada pela Resolução CONAMA no 357/05, de 17 de março de 2005, que dispõe sobre o enquadramento dos corpos de águas superficiais (Quadro 2), em classes de qualidade, de acordo com os usos mais importantes dos recursos hídricos (BRASIL, 2005). 32 Quadro 2 – Enquadramento dos corpos d’água superficiais, segundo a Resolução CONAMA no 357/05. Fonte: Resolução CONAMA nº 357/05 (2005). A normatização das águas subterrâneas é realizada pela Resolução CONAMA no 396/08 (Quadro 3), que dispõe sobre a classificação e diretrizes ambientais para o enquadramento das águas subterrâneas (BRASIL, 2008). Quadro 3 – Enquadramento das águas subterrâneas, segundo a Resolução CONAMA no 396/08. Fonte: Resolução CONAMA 396/08 (2008). 33 3.5 OLERICULTURA Inicialmente é necessário esclarecer que a olericultura não é sinônimo de horticultura. Popularmente, entende-se por olericultura o cultivo de verduras e legumes. Entretanto, Camargo Júnior et al. (2018) esclarecem que a olericultura é o cultivo de hortaliças, subdivididas em grupos, de acordo com as partes utilizadas na alimentação humana. Nessa subdivisão, Camargo Júnior et al. (2018) citam as hortaliças tuberosas ou subterrâneas, cujas partes de interesse se desenvolvem abaixo da superfície do solo, podendo ser tubérculos: batata e cará, bulbos: alho e cebola, rizomas: inhame e as raízes tuberosas: mandioca, batata-baroa, cenoura, batata-doce e beterraba; hortaliças herbáceas e folhosas, cujas partes de consumo estão acima da superfície do solo e apresentam características como suculência e maciez, por exemplo: alface, repolho, espinafre, brócolis, couve-flor, e outras; e as hortaliças-fruto, aquelas cujo fruto verde ou maduro são de interesse, ou seja, abóboras, pepino, melão, melancia, tomate. Bevilacqua (2006) descreve a horticultura como sendo a produção de uma grande diversidade de culturas comestíveis ou ornamentais, como a fruticultura (cultura de fruteiras variadas), a cultura de cogumelos comestíveis, a jardinocultura (produção de plantas ornamentais), o cultivo de plantas bulbosas (como a tulipa), o cultivo de plantas medicinais, o cultivo de plantas condimentares e a produção de mudas diversas (viveiricultura). O termo olericultura deriva do latim olus (hortaliça) mais colere (cultivar) e a palavra hortaliça refere-se ao grupo de plantas que apresentam, em sua maioria, as seguintes caraterísticas: consistência tenra, não-lenhosa; ciclo biológico curto; tratos culturais intensivos; cultivos em áreas menores, em relação às grandes culturas; e utilização na alimentação humana, sem exigir preparo industrial (PARANÁ, 2012). Nos dias de hoje, a olericultura no Brasil é, segundo Pereira; Pereira (2016), uma atividade de grande importância social, econômica e alimentar. Pereira; Pereira (2016) ressaltam a importância da olericultura na geração de empregos no cultivo das hortaliças, em média, são gerados de três a seis empregos diretos e indiretos por hectare. Para reforçar a importância da olericultura, Nespoli et al. (2015) destacam que a geração de empregos pela olericultura é também uma maneira de contribuir com a fixação do homem no campo, servindo como um meio de subsistência, o que pode por sua vez garantir a sustentabilidade e promover o desenvolvimento local. 34 Economicamente, o produtor de hortaliças, diferentemente dos que realizam atividades extensivas, consegue produzir o ano todo, graças ao ciclo das plantas olerícolas ser geralmente curto, o que possibilita uma fonte de renda o ano todo (PEREIRA; PEREIRA, 2016). Para Dias et al. (2012), a produção de hortaliças possibilita também um retorno econômico rápido, servindo então de suporte a outras explorações com retorno de médio a longo prazo. No que ser refere a importância da olericultura na alimentação, Pereira; Pereira (2016) destacam que o consumo adequado de hortaliças supri as necessidades cotidianas com vitaminas e diversos outros nutrientes essenciais para o bom desenvolvimento e funcionamento do organismo, prevenindo doenças causadas pela má nutrição e é muito mais econômico que o tratamento com o uso de medicamentos. No Brasil, o mapa da olericultura mostra a concentração produtiva perto dos grandes centros consumidores, como a região Sudeste (ANUÁRIO BRASILEIRO DE HORTALIÇAS, 2016). O sudeste brasileiro concentra a maior parcela da produção de hortaliças, figurando o Estado de São Paulo como o maior produtor do Brasil, com 20% da produção, e o principal mercado consumidor, absorvendo 22% do que é produzido (FIGUEIREDO, 2015). No Estado de São Paulo, além do tradicional cinturão verde da Região Metropolitana de São Paulo, Figueiredo (2015) destaca o surgimento de diversos cinturões verdes ao redor de cidades do interior, como Campinas, Ribeirão Preto, Bauru, Presidente Prudente, entre outras. Além de São Paulo, a produção de hortaliças vem se desenvolvendo com destaque nos estados de Minas Gerais, Paraná, Goiás, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de Janeiro (ANUÁRIO BRASILEIRO DE HORTALIÇAS, 2016). Nos últimos anos, as mudanças no hábito de consumo têm levado, segundo Faulin; Azevedo (2003, p. 28), “a segmentação do setor de hortaliças no Brasil, alterando seu modo de produção e de comercialização”. No passado recente, Faulin; Azevedo (2003) relatam que a comercialização de hortaliças, assim como de frutas, dava-se principalmente em feiras livres. Porém, recentemente passou-se a observar a queda da participação das feiras em razão do aumento do interesse dos supermercados na comercialização de produtos frescos. No Brasil, estima-se que 55% a 60% do volume de hortaliças são comercializados pela rede de CEASA, e ainda com grande frequência de intermediários no processo de comercialização (DIAS et al., 2012). Esse mercado possui ainda uma perspectiva de crescimento muito favorável. Ao comparar o consumo per capita do Brasil de 19 kg/hab. ano de frutas/legumes/verduras com o 35 consumo per capita da Europa, de 120 kg/hab. ano de frutas/legumes/verduras, Faulin; Azevedo (2003) evidenciam o potencial do mercado interno brasileiro. Todavia, para suprir essa demanda crescente é necessário utilizar-se de tecnologias e técnicas capazes de produzir esses produtos de forma sustentável, sem que haja a degradação dos recursos hídricos, assim como dos demais recursos naturais, da saúde da população e sem a exploração do trabalho do agricultor familiar. 3.5.1 O uso da irrigação na olericultura Dentro do universo agrícola, Macedo (2015) posiciona as hortaliças no topo da lista no que se refere à necessidade de água para produção, tendo em vista que dependem tanto do regime de chuvas quanto da irrigação. A irrigação é uma das práticas agrícolas mais importantes na produção de hortaliças, especialmente em regiões ou estações com distribuição irregular de chuvas ou com períodos prolongados de estiagem (MAROUELLI; BRAGA, 2016). O sistema de irrigação por aspersão convencional é o método mais utilizado na produção de hortaliças no Brasil, devido ao fato de melhor se adaptar às diferentes condições de produção, as características agronômicas da maioria das hortaliças e aos aspectos econômicos (MAROUELLI; SILVA, 2011). Para as hortaliças, a irrigação é importante na obtenção de maior produtividade e produtos com qualidade superior, além de possibilitar o cultivo em época fora da safra normal, obtendo maiores ganhos monetários. Essa prática também garante a oferta de alimentos em épocas de escassez de chuvas (BRAGA, 2017). Segundo Marouelli; Rodrigues (2017, p. 275) “para serem alcançadas produções elevadas e de boa qualidade em hortaliças, deve haver adequada disponibilidade de água no solo”. Marouelli; Rodrigues (2017) destacam ainda que, enquanto algumas espécies (ex.: batata-doce e quiabo) toleram, por alguns dias, solos relativamente secos, ou até por semanas (ex.: grão-de-bico e lentilha), sem que a produtividade seja prejudicada, a grande maioria das hortaliças precisa de suprimento de água constante durante todo o ciclo de cultivo. A baixa tolerância das hortaliças à falta de água se deve, de acordo com Marouelli; Rodrigues (2017, p. 276), em regra, “ao fato de as plantas serem de ciclo de vida curto (70 a 150 dias) e de as partes comestíveis (folhas, frutos, tubérculos e raízes) apresentarem alto teor de água (80% a 95%)”. Suas raízes, por serem pouco profundas (20 cm a 40 cm), exploram um 36 volume reduzido de solo, o que implica a necessidade de umedecer o solo frequentemente (MAROUELLI; RODRIGUES, 2017). De acordo com Lucietti (2014) o consumo de água no início do desenvolvimento da planta é pequeno, aumentando com o início do florescimento e atingindo o consumo máximo com o pico do florescimento. Já no final do ciclo da planta (próximo da maturação e da colheita), o consumo da água decresce, ficando bem abaixo do consumo de pico, conforme pode ser observado na Figura 1. Figura 1 – Consumo de água pelas plantas ao longo do ciclo de vida. Fonte: Programa Nacional de Irrigação (1987). Entretanto, Marouelli; Silva (2011), ressalvam que a produtividade e a qualidade das hortaliças também podem ser prejudicadas dependendo da forma com que a água é aplicada às plantas. Para Marouelli; Rodrigues (2017), a água em demasia prejudica a aeração do solo e a respiração das raízes, predispõe à maior ocorrência de doenças de solo, à maior perda de nutrientes por lixiviação e há forte tendência de fazer maior uso de agrotóxicos para o controle de doenças em lavouras irrigadas em excesso ou em regime de alta frequência. Por isso, a escolha do sistema de irrigação deve ser baseada na viabilidade técnica e econômica do projeto, com análise detalhada e cuidadosa de fatores físicos, agronômicos e econômicos, dentre outros (MAROUELLI; SILVA, 2011). Outro fator fundamental que deve ser levado em consideração é o manejo da irrigação, que vai determinar quando irrigar e quanto de água deve ser aplicada. 37 De acordo com Camargo (2016), para a realização correta do manejo da irrigação, existem três metodologias, sendo elas: o manejo via solo, o manejo via clima e o manejo via planta. O manejo via solo, se baseia, segundo Camargo (2016, p.17), no “uso de equipamentos que permitam conhecer a tensão de água no solo ou diretamente sua porcentagem volumétrica”. Dentre esses equipamentos destacam-se o tensiômetro e o IRRIGÁS, “sistema gasoso de controle de irrigação”, patenteado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Já o manejo via clima, utiliza dados climáticos para o cálculo da evapotranspiração e conhecimento das necessidades hídricas diárias do cultivo. Para isso, são utilizadas as estações meteorológicas e o Tanque Classe A (CAMARGO, 2016). Quanto ao manejo via planta, Camargo (2016) destaca que a análise é realizada somente pelas condições hídricas da planta, identificando principalmente níveis de estresse e/ou turgidez da cultura. Para Marouelli et al. (2011, p. 165), um dos “procedimentos com base na planta, com melhor precisão, é o índice de estresse hídrico da cultura, que leva em consideração a diferença entre as temperaturas da folha e do ar e o déficit de pressão de vapor do ar”. Já, de acordo com Haise e Hagan (1967 apud Marouelli et al. 2011, p. 165), a avaliação da deficiência da água nas plantas: “deve levar em consideração a folha como o principal órgão da planta a ser avaliado, destacando-se os seguintes indicadores: mudança da coloração, ângulo de posição das folhas, índice de crescimento, teor absoluto de água, potencial hídrico, temperatura, taxa de transpiração e abertura estomatal”. Todavia, Jones (2004 apud Marouelli et al. 2011, p. 165) relatou que, de modo geral, “os processos de avaliação desses indicadores, com exceção da aparência visual, são muito mais caros, trabalhosos e complexos para uso comercial”. Para Camargo (2016, p.17) “todos os métodos são válidos e confiáveis, por isso, o que será determinante para a sua escolha será o nível de tecnologia e investimento que cada produtor possui”. 38 4 METODOLOGIA A Figura 2 apresenta o procedimento metodológico utilizado no desenvolvimento da presente pesquisa de mestrado. Figura 2 – Fluxograma da metodologia utilizada na elaboração do trabalho. Fonte: Autoria própria (2021). O trabalho contou com a realização de revisão bibliográfica, mediante a consulta de materiais diversificados (livros, teses, dissertações, monografias, revistas, periódicos e artigos científicos) sobre temas relacionados a pesquisa, tais como: água, olericultura, irrigação, 39 impactos ambientais causados pela irrigação e instrumentos políticos de gestão de recursos hídricos, disponíveis nos formatos impressos e/ou digitais. Foram feitos levantamentos de dados secundários no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e no Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), em que foram obtidos dados referentes a área territorial, população urbana e rural (2010), densidade demográfica (2010), Censo Agropecuário (2017) e Produção Agrícola Municipal – PAM (2017) de Pirapozinho – SP. Outras fontes foram consultadas para a obtenção de dados secundários, como: Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) sobre qualidade da água subterrânea no município de Pirapozinho – SP, Fundação SEADE referente aos dados populacionais do município de Pirapozinho – SP entre os anos de 1950 a 2010, e Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) sobre precipitações pluviométricas no município de Pirapozinho – SP entre os anos de 1947 a 2020. Esses dados secundários contribuíram para a complementação das análises e discussões dos resultados dos dados primários levantados junto aos olericultores locais. Na sequência, foram realizados trabalhos de campo para obtenção de dados primários essenciais para compreender o uso da água e a dinâmica da olericultura do município de Pirapozinho – SP, junto a quatorze olericultores, identificados após um minucioso trabalho investigativo, junto aos setores de supermercados, mercearias, restaurantes, lanchonetes, quitandas, produtores e ex-produtores olerícolas, Casa da Agricultura, Sindicato Rural e Associação dos Produtores Rurais do município. A coleta dos dados primários, junto aos olericultores, foi feita por intermédio de entrevistas, com o uso de roteiro semiestruturado, contendo dez questões fechadas e cinco questões abertas, conforme apresentadas no Quadro 4. Entretanto, antes de serem realizadas as entrevistas, foi necessário solicitar autorização, ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP, câmpus Presidente Prudente, via Plataforma Brasil, que foi deferida pelo Parecer de nº 4.036.528. Somente após a autorização do Comitê de Ética, deu-se início à realização das entrevistas, no decorrer do mês de outubro de 2020, sendo respeitados os protocolos de segurança quanto ao distanciamento social, devido à pandemia da COVID-19, e com o consentimento de todos os participantes e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), respeitando-se também o sigilo dos entrevistados. 40 Quadro 4 – Questões utilizadas nas entrevistas com os olericultores. 1- Qual (is) o(s) principal(is) tipo(s) de produto(s) cultivado(s) em sua propriedade? 2- Quem é (são) o(s) o(s) principais comprador(es) do(s) seu(s) produto(s)? 3- Qual(is) o(s) método(s) de irrigação utilizado(s) em sua propriedade? ( ) Aspersão ( ) Localizada ( ) Superfície ( ) Subterrânea 4 – Qual(is) o(s) sistema(s) de irrigação utilizado na propriedade? ( ) Convencionais ( ) Mecanizado ( ) Gotejamento ( ) Microaspersão ( ) Por sulco ( ) Inundação ( ) Elevação do lençol freático ( ) Gotejamento subsuperficial 5 – Qual(is) a(s) fonte(s) de captação da água utilizada na irrigação em sua propriedade? ( ) Cursos d’água ( ) Represa ( ) Poços tubulares/artesianos ( ) Cursos d’água e poços tubulares/artesianos ( ) Poços comuns ( ) Caixa d’água 6 – Qual a quantidade de água captada por dia para a irrigação (L/dia)? ( ) 1 a 500 L/dia ( ) 501 a 1000 L/dia ( ) 1001 a 5000 L/dia ( ) 5001 a 10.000 L/dia ( ) Acima de 10.000 L/dia 7 – Qual o número de horas por dia que faz irrigação? ( ) 1 a 2h ( ) 3 a 5h ( ) 6 a 8h ( ) acima de 9h 8 – Quantas vezes por semana faz irrigação? ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) todos os dias 9 – Qual(ais) critério(s) é(são) utilizado(s) para realizar o manejo do uso da água? ( ) Observações visuais da deficiência de água nas plantações ( ) Observações táteis e cor do solo ( ) Sensores de água no solo (tensíometros) ( ) Sondas ( ) Não realiza o manejo do uso da água 10 – A escolha do método de irrigação adotado foi baseada em? ( ) Projeto técnico ( ) Opiniões de amigos/parentes ( ) Orientação do vendedor ( ) Reportagens/meios de comunicação ( ) Experiência própria 11 – Para manusear o sistema de irrigação, você recebeu algum tipo de capacitação? ( ) Curso ( ) Treinamento ( ) Orientação ( ) Experiência própria 12 – Quem fornece assistência, quanto ao cultivo e/ou irrigação em sua propriedade? ( ) Técnicos autônomos ( ) Técnicos do CDRS (antiga CATI) ( ) Técnicos da Casa da Agricultura ( ) Não há assistência técnica ( )Outros___________________ 13 – São realizadas análises da qualidade da água utilizada na irrigação? Se sim, qual(is)? 14 – Você recebe algum tipo de incentivo(s) técnico(s) e/ou fiscal(is)? Se sim, qual(is)? 15 – Há ação(ões) em sua propriedade visando preservar os recursos hídricos? Se sim, qual(is)? Fonte: Autoria Própria (2021). De posse dos dados primários, coletados junto aos olericultores e dos dados secundários, foram feitas as tabulações dos dados, com o uso de planilha eletrônica e posterior elaboração de gráficos e tabelas, visando facilitar as análises dos dados e interpretação das informações. A não elaboração de representações cartográficas ou qualquer outro meio de identificação das propriedades visitadas foi acordada entre o pesquisador e os participantes da pesquisa, para resguardar a confidencialidade dos produtores, conforme solicitação por parte dos mesmos. Os resultados possibilitaram conhecer a atividade olerícola desenvolvida no município de Pirapozinho – SP, assim como o uso dos recursos hídricos na irrigação das hortaliças. Diante desse contexto, foram elaboradas propostas visando fornecer orientações aos pequenos olericultores do município sobre a o uso racional dos recursos hídricos na olericultura. 41 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES 5.1 A AGRICULTURA NO MUNICÍPIO DE PIRAPOZINHO – SP O município de Pirapozinho – SP está localizado na região oeste do Estado de São Paulo (Figura 3), ocupa uma área territorial de 477,67 km2, pertence a 10ª Região Administrativa de Presidente Prudente – SP e está inserido na UGRHI 22. A população estimada de Pirapozinho – SP, é de 27.425 habitantes, sendo a população urbana de 26.325 habitantes e a população rural de 1.100 habitantes e apresenta uma densidade demográfica de 57,41 habitantes/km2 (FUNDAÇÃO SEADE, 2021). Figura 3 – Mapa de localização do município de Pirapozinho – SP. . Fonte: Silva (2017). 42 O significado da palavra Pirapozinho é o diminutivo de Pirapora, que vem do Tupi- Guarani e significa “lugar abundante em peixes”. O município de Pirapozinho surgiu da instalação de um patrimônio, construído por colonos mineiros, nordestinos e de outras regiões do Estado de São Paulo atraídos pela publicidade instituída pelas companhias de terras na década de 30. O exposto é corroborado por Leite (1972, p. 57) “Rancharia, Pirapozinho, Presidente Prudente (em parte), Martinópolis, entre outras, foram cidades que se originaram de antigos patrimônios fundados pelas companhias”. Quanto ao clima, o município está inserido, segundo Barrios e Sant’anna Neto (1996), no clima tropical continental sub-úmido do Centro-Sul do Brasil, com uma estação de clima ameno e seco (abril a setembro) e uma estação quente e chuvosa (outubro a março). Com relação ao solo, o município possui solo altamente arenoso, dificultando a retenção de água, vindo a favorecer os processos erosivos (DAEE/IPT, 1990 apud FERNANDES, 2007). A atividade agrícola sempre esteve presente na história do município de Pirapozinho, desde quando se iniciou a ocupação da região, em que predominavam as pequenas propriedades rurais com a prática da policultura, porém, sem que a plantação de café fosse deixada de lado (ANDRADE E HESPANHOL, 2010). Em 1936, por meio da Lei Estadual nº 2.794 de 26 de dezembro de 1936, foi criado o distrito de Pirapozinho, em virtude do ribeirão do mesmo nome, subordinado ao município de Presidente Prudente (IBGE, 2011). Entre as décadas de 1940 a 1960, a atividade agrícola era a que mais se destacava no município, com a produção de amendoim, milho e feijão, mas, sobretudo, com a produção de algodão. Leite (1972, p. 76) cita que “a produtividade do algodão no município era elevada, de 300 a 400 arrobas/ha, enquanto nos demais municípios era de 200 arrobas/ha”. O desenvolvimento agrícola e comercial de Pirapozinho contribuiu para a elevação do distrito para município em dezembro de 1948, pela Lei Estadual nº 233, de 24 de dezembro de 1948, desmembrando de Presidente Prudente (IBGE, 2011). Tendo sua economia baseada na agricultura até a década de 1960, o município fornecia matéria-prima para as indústrias instaladas no local, no entanto, ao final da mesma década, a agricultura regional entrou em declínio devido ao processo de modernização e industrialização da agricultura (ANDRADE; HESPANHOL, 2010). Como consequência da decadência da agricultura na região, ocorrida no final da década de 1960, Gomes (1998), destaca o êxodo rural e a redução da população rural, assim como da população total do município, conforme pode ser constatado na Tabela 1. 43 Tabela 1 – Dados da população do município de Pirapozinho – SP. Ano População Urbana População Rural População Total 1960 7.655 20.418 28.073 1970 8.796 7.126 15.922 1980 14.332 3.586 17.918 1991 19.028 1.964 20.992 2000 20.715 1.389 22.104 2010 23.462 1.232 24.694 2021 26.325 1.100 27.425 Fonte: Elaborado pelo autor (2021) a partir de dados disponibilizados em IBGE de 1960 a 2010 e Fundação SEADE 2021. A população rural do município caiu de 20.418 habitantes na década de 1960 para 7.126 habitantes na década de 1970, o que representa uma redução de 13.292 habitantes, ou seja, uma queda de cerca de 65% da população rural do município. Já, em relação a população total, essa queda foi de 56%, indo de 28.073 habitantes na década de 1960 para 15.922 habitantes na década de 1970. Nas décadas seguintes, a população rural de Pirapozinho foi reduzindo sucessivamente, chegando em 2021 a 1.100 habitantes. Em contrapartida, a população urbana que na década de 1960 era de 7.655 habitantes aumentou de forma intensificada nas décadas seguintes, quase que dobrando a população urbana na década de 1980. Em 2021, a população urbana estimada do município de Pirapozinho foi de 26.325 habitantes. Atualmente, a monocultura de produtos agrícolas voltados às agroindústrias processadoras, principalmente a cana-de-açúcar, são os destaques da agricultura no município de Pirapozinho – SP. Segundo dados da Produção Agrícola Municipal (PAM), do ano de 2017, a cana-de- açúcar é a principal lavoura temporária do município de Pirapozinho, com uma área plantada de 9.000 hectares e produção de 700.000 toneladas, sendo responsável por 94,54% do valor total da produção das lavouras temporárias no município (IBGE, 2018a). No entorno do município de Pirapozinho há várias usinas de açúcar e álcool que processam a cana-de-açúcar cultivada no município. Para Santos (2014), a expansão da atividade canavieira na região de Presidente Prudente – SP, tradicionalmente voltada à pecuária, vem ocorrendo devido à grande disponibilidade de terras, antes aproveitadas pela pecuária extensiva e que vem cedendo espaço aos canaviais. Já Barreto e Thomaz Júnior (2014) descrevem a expansão da monocultura canavieira e das agroindústrias processadoras de cana-de-açúcar na região como um acontecimento que vai 44 além do discurso de desenvolvimento/valorização das terras da região, para a desmistificação da imagem de local de terras improdutivas e conflituosas. Figurando como a segunda mais importante cultura temporária (em área plantada, quantidade produzida e valor total da produção), do município de Pirapozinho, o cultivo da batata doce contribuiu com 3,54% do valor total da produção das lavouras temporárias, com área plantada de 300 hectares e 5.970 toneladas produzidas (IBGE, 2018a). As plantações de batata doce existentes no município de Pirapozinho/SP contribuem para tornar a região de Presidente Prudente, segundo a Associação Brasileira de Batatas (ABBA), a maior produtora de batata doce (36,5% da produção total) do estado de São Paulo (ABBA, 2019). Quanto ao cultivo do milho e da soja, ambos aparecem na posição intermediária das principais culturas temporárias (Tabela 2). A cultura do milho apresenta resultados pouco mais expressivos, quando comparados com os da soja, tanto em área plantada, quanto em quantidade produzida. Tabela 2 – Principais produtos da lavoura temporária em Pirapozinho – SP no ano de 2017. Produtos Área Plantada (Hectares) Quantidade Produzida (Toneladas) Valor da Produção (Mil Reais) Cana-de-açúcar 9.000 700.000 46.865 Batata Doce 300 5.970 1.757 Milho (em grão) 200 690 258 Soja (em grãos) 150 412 429 Mandioca 24 462 262 Fonte: Elaborado pelo autor (2020) a partir de dados disponibilizados em PAM/IBGE 2018a. De acordo com os dados da PAM, do ano de 2017, a área plantada com milho foi de 200 hectares, enquanto a de soja foi 150 hectares. Já em relação à quantidade produzida, o milho teve uma produção de 690 toneladas e a soja de 412 toneladas (IBGE, 2018a). No entanto, é a soja que nos últimos anos vem chamando a atenção dos proprietários rurais do oeste paulista, proporcionando um aumento na área cultivada de 80%. Esse aumento deve-se, em parte, pela Integração Lavoura-Pecuária (ILP), como alternativa para recuperar as pastagens (UNOESTE, 2018). O aumento da área de cultivo da soja no oeste paulista vem seguindo a tendência estadual. De acordo com Zeferino (2019), esse aumento da área cultivada seria em virtude da sojicultora possuir elevada liquidez nos mercados doméstico e internacional de grãos, o que consiste em estímulo no processo de substituição das culturas, além da possibilidade de ser cultivada em áreas de renovação da cana-de-açúcar. 45 Quanto à cultura da mandioca, os dados fornecidos pela PAM, do ano de 2017, apresentou uma área cultivada de 24 hectares e uma produção de 462 toneladas (IBGE, 2018a). Sua produção, realizada por pequenos agricultores familiares, tem como principais meios de comercialização, os programas de incentivos governamentais, tais como, Programa Nacional de Alimentação escolar (PNAE) e o Programa Paulista de Agricultura de Interesse Social (PPAIS), assim como supermercados, quitandas e feiras livres locais e municípios vizinhos. Quanto à participação dos produtos das lavouras permanentes no contexto agrícola do município de Pirapozinho, as participações mais relevantes foram as culturas de café, coco da baía, banana e borracha (látex coagulado), conforme Figura 4. Figura 4 – Principais produtos da lavoura permanente em Pirapozinho – SP no ano de 2017. Fonte: Elaborado pelo autor (2020) a partir de dados disponibilizados em PAM/IBGE 2018a. Dentre os produtos das lavouras permanentes, o café é o principal, com 32 hectares, seguido pelo coco da baía, com 16 hectares, da banana com 10 hectares e da borracha (látex coagulado), com 5 hectares. Já em relação à quantidade produzida, o destaque fica para o coco da baía, com 182 toneladas, seguido da banana, com 147 toneladas. No caso do café, apesar de ser o principal produto no rol das lavouras permanentes, observa-se que os números apresentados (área plantada e quantidade produzida) são baixos. Isso ocorre, principalmente, pelo fato de que, segundo Lourenzani; Caldas (2014) o café foi 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 0 5 10 15 20 25 30 35 Café Coco da Baía Banana Borracha (Látex Coagulado) Q u a n ti d a d e P ro d u z id a ( T o n e la d a s ) Á re a P la n ta d a ( H e c ta re s ) Área Plantada (Hectares) Quantidade Produzida (Toneladas) 46 uma das culturas agrícolas nos últimos anos na região oeste paulista que apresentou os maiores efeito-substituição negativo (quando a área cultivada de determinada cultura é substituída por outras culturas), nesse caso, substituída, principalmente, pela cultura da cana-de-açúcar. O cultivo do coco da baía está presente em uma pequena área do município de Pirapozinho, porém, chama a atenção pela sua produção. De acordo com o Instituto de Economia Agrícola (IEA), o Escritório de Desenvolvimento Rural (EDR) de Presidente Prudente é o que apresentou o melhor resultado no Estado de São Paulo em 2017 de área plantada, na ordem de 182 ha (SÃO PAULO, 2020). Esse aumento na área plantada ocorre pelo fato dos pequenos agricultores estarem buscando no coco da baia uma fonte de renda complementar. Ainda, conforme estudo do IEA, as Unidades de Produção Agrícola (UPA) que cultivam o coco da baía são predominantemente pequenas propriedades, que variavam de 0 a 20 ha e realizam simultaneamente outras atividades agropecuárias e não agropecuárias (SÃO PAULO, 2020). Quanto a borracha (látex coagulado), a área plantada de seringal (5 hectares) e a quantidade produzida (12 toneladas) podem ser consideradas baixas para a agricultura e para economia local. Embora, o cultivo da seringueira, para a extração do látex coagulado, não seja expressivo no município, nos últimos anos, a área plantada na região do oeste paulista vem aumentando a produção. Segundo Lourenzani; Caldas (2014) a seringueira foi uma das culturas que apresentaram os maiores efeito-substituição positivo (quando a área cultivada de determinada cultura é ampliada em decorrência da substituição de outras culturas). A banana consta entre as culturas das lavouras permanentes que apresentou os melhores resultados em 2017 no município de Pirapozinho – SP, entretanto possuía uma pequena área plantada com apenas 10 hectares e uma produção de 147 toneladas (IBGE, 2018a). É cultivada predominantemente por pequenos agricultores na região oeste paulista, como atividade econômica complementar, a banana não é uma cultura de destaque regional, apesar das condições climáticas favoráveis ao seu desenvolvimento. 5.2 A OLERICULTURA NO MUNICÍPIO DE PIRAPOZINHO – SP Além das lavouras temporárias e permanentes, a olericultura é outra atividade econômica que compõe o setor agrícola do município de Pirapozinho – SP. 47 Os dados do Censo Agropecuário do ano de 2017, disponibilizados no Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA), não são específicos para a olericultura (produção de hortaliças), mais sim, para a horticultura, inclusive relatando haver no município de Pirapozinho – SP, um total de 97 horticultores, que engloba, além dos produtores de hortaliças, produtores de outras culturas, como de cogumelos, plantas condimentares, aromáticas, medicinais, sementes e mudas de árvores destinadas ao plantio. Diante desse cenário, foi necessário buscar informações específicas sobre a olericultura local, obtidos com a realização de trabalhos de campo junto a 14 olericultores comerciais do município, que foram identificados por meio de um levantamento meticuloso junto aos supermercados, restaurantes, lanchonetes e quitandas, olericultores e ex-olericultores, Sindicato Rural, Associação dos Produtores Rurais e Casa da Agricultura do município. É importante ressaltar que até o ano de 2018 eram 21 produtores que desenvolviam a atividade olerícola no município. Todavia, entre os anos de 2018 a 2020 sete olericultores deixaram de exercer a atividade olerícola comercialmente no município, por não estarem tendo o retorno financeiro esperado, vindo a mudar de ramo de atividade, principalmente migrando para a sericultura (criação do bicho da seda), pecuária de leite e comercialização de seus derivados (queijos, requeijão e doce de leite). Quanto às propriedades onde são cultivadas as hortaliças, das quatorze propriedades visitadas, três estão localizadas na zona urbana e onze estão na zona rural. É importante destacar, que apesar da cana-de-açúcar ser a principal lavoura agrícola no município de Pirapozinho – SP, nenhuma das onze propriedades rurais produtoras de hortaliças possuem em seu entorno plantações de cana-de-açúcar, predominando apenas pastagens e algumas poucas plantações de batata doce, portanto, não sendo áreas de risco quanto a deriva de agrotóxicos decorrentes da pulverização aérea, realizadas pelas usinas de álcool e açúcar próximas. As principais espécies olerícolas cultivadas pelos olericultores estudados foram a do grupo das folhosas, em detrimento aos grupos das hortaliças flores, frutos, raízes e tubérculos, conforme pode ser verificado no Quadro 5. 48 Quadro 5 – Hortaliças mais cultivadas pelos produtores entrevistados. HORTALIÇAS FOLHOSAS HORTALIÇAS FLORES HORTALIÇAS FRUTOS HORTALIÇAS RAIZES HORTALIÇAS TUBÉRCULOS Alface Brócolis Couve-Flor Abobrinha Quiabo Tomate Cereja Beterraba Rabanete Cenoura Mandioca Cebolinha Salsa Coentro Rúcula Couve Almeirão Hortelã Chicória Espinafre Agrião Repolho Alho-Poró Acelga Manjericão Fonte: Autoria própria (2020). As hortaliças folhosas são plantas de folhas comestíveis que possuem relevância nutricional e são consumidas normalmente com um preparo mínimo (VILELA; LUENGO, 2017). Apesar disso, são plantas exigentes e que requerem, de acordo com Vilela; Luengo (2017) cuidados que vão desde o preparo do solo até a sua comercialização, pelo fato de possuírem alta perecibilidade, o que torna necessário que sua produção seja próxima ao mercado consumidor, no entorno das cidades, originando os chamados “cinturões verdes”. O predomínio das hortaliças folhosas, segundo os produtores entrevistados, decorre do fato de serem espécies que possuem ciclo de produção curto, entre 40 a 60 dias, de fácil comercialização e a sua produção pode ser realizada durante o ano todo. Já, as hortaliças flores, frutos, raízes e tubérculos têm ciclos de produção mais longos, se tornando sazonais, sendo ofertadas somente em determinadas épocas do ano. Os olericultores relataram que como a maioria dos produtores acaba se dedicando às hortaliças folhosas, a produção torna-se maior que o consumo, fazendo com que os produtos tenham uma menor valorização no mercado e seja pago o mesmo preço por longos períodos. Na Figura 5 é possível observar as principais espécies olerícolas cultivadas entre os olericultores entrevistados em Pirapozinho – SP. 49 Figura 5 – Principais espécies olerícolas produzidas pelos produtores entrevistados. Fonte: Autoria própria (2020). Dentre as espécies olerícolas mais cultivadas pelos olericultores entrevistados, as hortaliças folhosas são as principais, destacando-se alface, cebolinha, salsa e coentro; quando juntas (cebolinha e salsa e/ou coentro) são conhecidas como cheiro verde, cultivadas por 100% dos entrevistados, seguido de rúcula e couve, cultivadas por 85,71% dos entrevistados, e almeirão, cultivado por 78,57% dos entrevistados. De acordo com Rosa (2020), o ciclo de produção da alface é curto, de 45 a 60 dias, o que permite que a produção ocorra durante o ano todo e a sua facilidade de sua comercialização fazem com que o produto se destaque. Já a cebolinha, salsa e/ou coentro são amplamente utilizados como tempero na culinária (HIRATA et al., 2010), tendo representatividade na produção. A comercialização da produção olerícola dos produtores entrevistados do município de Pirapozinho – SP é realizada de diversas maneiras, como supermercados, quitandas, restaurantes, feiras livres, lanchonetes, sacolões, venda porta a porta, mercearia, banca de rua, delivery e no próprio local de produção. Para Rocha et al. (2020, p. 88) “os canais de comercialização estão cada vez mais desempenhando um papel fundamental para o agricultor, sendo um dos fatores principais para o desenvolvimento efetivo da participação em mercados”. Dentre as diversas maneiras utilizadas pelos olericultores entrevistados para realizarem a comercialização de suas produções, destacam-se os supermercados, como principal comprador, seguidos pelas quitandas, restaurantes e feiras livres, conforme pode ser verificado na Figura 6. 0 2 4 6 8 10 12 14 16 Alface Cebolinha Salsa Coentro Rúcula Couve Almeirão P ro d u to re s E n tr e v is ta d o s Espécies Olerícolas 50 Figura 6 – Principais meios de comercialização utilizados pelos produtores entrevistados. Fonte: Autoria própria (2020). Segundo Hespanhol et al. (2019, p. 87), os supermercados são fundamentais no abastecimento urbano, “[...] possibilitando que [...] absorvam uma parcela significativa da demanda por produtos de alta perecibilidade e de abastecimento mais frequente, tais como as hortaliças de folhagens”. Importante ainda é ressaltar que a maioria dos olericultores entrevistados se utilizam de mais de um canal de comercialização para suas produções. Essa prática também é relatada por Rosa (2020, p. 99) “os agricultores urbanos e periurbanos utilizam mais de uma forma de comercialização de seus produtos”, em seu estudo sobre a agricultura urbana e periurbana em Presidente Prudente – SP. Apesar de utilizarem diversos canais para a comercialização dos seus produtos, os olericultores entrevistados ao serem questionados quanto a comercialização via programas institucionais, tais como PNAE, do governo federal e o PPAIS, do governo estadual, alguns demonstraram desconhecimento quanto a existência dos programas, outros sabiam da existência, porém não tinham conhecimento dos trâmites necessários para participarem dos programas e apenas um dos entrevistados disse fazer parte do PNAE, inclusive, justificou não ter citado essa possibilidade de comercialização, por não ter realizado em 2020, devido a suspensão das aulas presencias, decorrente da pandemia da COVID-19. Para que haja uma boa produtividade na olericultura é necessário que seja utilizada a irrigação para proporcionar ao solo umidade suficiente para suprir as necessidades hídricas das culturas. 0 1 2 3 4 5 6 Supermercados Quitandas Restaurantes Feiras Livres N ú m e ro d e R e s p o s ta Meio de Comercialização 51 Por possuir um solo arenoso, o uso da irrigação no município de Pirapozinho – SP se torna ainda mais relevante, já que solos arenosos, devido à sua alta porosidade, fazem com que a capacidade de retenção de água seja menor, requerendo, assim, uma maior demanda de água para repor a umidade do solo. O regime pluviométrico do município de Pirapozinho – SP apresenta médias anuais consideráveis de precipitação, em torno de 1.300 mm. Há dois períodos de chuvas bem definidos, sendo um entre os meses de outubro a março, com médias mensais de chuvas maiores, coincidindo com a época do ano em que as temperaturas são mais quentes e outro entre os meses de abril a setembro, em que a quantidade média mensal de chuva é menor (período de estiagem), no qual as temperaturas se apresentam mais amenas (Figura 7), sendo nesse período o uso da irrigação fundamental para complementar as necessidades hídricas das culturas. Figura 7 – Precipitações médias mensais e temperaturas máximas e mínimas mensais no município de Pirapozinho – SP. Fonte: Elaborado pelo autor (2021) a partir de dados disponibilizados em DAEE 2021 e Climatempo 2021. Entretanto, é fundamental que a irrigação seja feita de maneira planejada, a começar com a escolha do método a ser utilizado, que melhor se adeque com os tipos de culturas que serão cultivados. Para Andrade; Brito (2006, p. 1) o “método de irrigação é a forma pela qual a água pode ser aplicada às culturas”. É possível diferenciar quatro tipos de métodos de irrigação: aspersão, superfície, localizada e subsuperfície ou subterrânea. 30 30 30 29 26 25 25 28 28 30 30 30 22 22 21 20 17 15 15 16 18 20 20 21 0 5 10 15 20 25 30 35 0 50 100 150 200 250 jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez T e m p e ra tu ra ( °C ) P re c ip it a ç ã o ( m m ) Precipitação Mensal Média (mm) Temperatura Máxima Média (ºC) Temperatura Mínima Média (ºC) 52 Quantos aos métodos de irrigação mais utilizados entre os olericultores entrevistados, 92% utilizam o método por aspersão e 8% utilizam o método de irrigação localizada, conforme demonstra a Figura 8. Figura 8 – Principais métodos de irrigação utilizados pelos produtores entrevistados. Fonte: Autoria própria (2020). O método por aspersão, pode ser entendido, segundo Andrade; Brito (2006) como jatos de água lançados ao ar e que caem sobre a cultura na forma de chuva. Complementando, Testezlaf (2017) ressalta que a água é aplicada sobre a folhagem da cultura e acima do solo (Figura 9). Figura 9 – Método de irrigação por aspersão. Fonte: Irrigação.Net (2020). 92% 8% Aspersão Localizada 53 Já no método de irrigação localizada (Figura 10): a água é aplicada sobre o solo em uma área restrita, preferencialmente debaixo da área sombreada pela copa da cultura ou perto do caule, buscando umedecer somente o volume de solo explorado pelo sistema radicular da planta (TESTEZLAF, 2017, p. 18). Figura 10 – Método de irrigação localizada. Gotejamento Microaspersão Fonte: Nosso Foco (2020) Além do método, a escolha do sistema de irrigação é outro fator que precisa ser bem planejado no momento de escolher qual sistema se adequa melhor ao tipo de cultura que será realizada, para não haver aplicação de água em quantidade inferior ou superior à necessidade da planta e assim não comprometa o plantio. Entende-se por sistema de irrigação o conjunto de equipamentos, acessórios, formas de operação e manejo, e que de forma organizada realizará o ato de irrigar as culturas (TESTEZLAF, 2017). Com relação aos sistemas de irrigação mais utilizados entre os olericultores entrevistados em Pirapozinho – SP, 75% utilizam o sistema por aspersão com microaspersão, 17% o sistema por aspersão convencional e 8% o sistema de gotejamento localizado, conforme pode ser observado na Figura 11. 54 Figura 11 – Principais sistemas de irrigação utilizados pelos produtores entrevistados. Fonte: Autoria própria (2020). De acordo com Gomes (2013, p. 101) “a microaspersão é uma alternativa de irrigação intermediária entre a irrigação por aspersão convencional fixa e a irrigação por gotejamento superficial”. Apesar do sistema de irrigação por microaspersão pertencer ao método de irrigação localizada, durante a realização dos trabalhos de campo, constatou-se que os produtores entrevistados estão utilizando a microaspersão como método por aspersão e não localizada. A explicação está no modo da aplicação da água; quando a microaspersão é localizada, a água é lançada ao redor da planta, sem molhar toda superfície do solo, apenas a parte radicular da planta. Já na aspersão, é irrigada toda a superfície do solo e a água é aplicada sobre as plantas. O uso do sistema de irrigação por aspersão com microaspersão, quando comparado com a aspersão convencional, destaca-se pela sua maior eficiência hídrica, por utilizar vazões de água menores; maior economia de energia elétrica, já que as bombas que são utilizadas para bombear a água são de baixa potência; e por trabalhar com gotas menores que têm baixa energia cinética, compacta menos o solo (TESTEZLAF, 2017). As suas desvantagens são as mesmas apresentadas pela aspersão convencional, principalmente no que se refere a interferência no controle fitossanitário. P