8º Congresso de Extensão Universitária da UNESP, 2015. “Medidas socioeducativas e déficit educacional: a potencialidade dos adolescentes 2015”, Marcio Custódio de Oliveira / Débora Cristina Fonseca – ISSN 2176-9761 “Medidas socioeducativas e déficit educacional: a potencialidade dos adolescentes 2015” Marcio Custódio de Oliveira/UNESP-Rio Claro/Instituto de Biociências/Licenciatura Plena em Pedagogia/e- mail:marcio7folhas@gmail.com/BAAE II, Débora Cristina Fonseca/UNESP-Rio Claro/Instituto de Biociências/Departamento de Educação/deboracf@rc.unesp.br/Coordenadora do Projeto. Eixo 1 - “Direitos, Responsabilidades e Expressões para o Exercício da Cidadania" Resumo Este trabalho versa sobre a experiência educacional realizada com educandos de uma turma de Educação de Jovens e Adultos da Escola Municipal Marcelo Schimit em Rio Claro, que participam de um Projeto de Extensão Universitária promovido pelo Departamento de Educação da UNESP – Rio Claro, sob coordenação da Prof. Dra. Débora Cristina Fonseca. Este projeto tem como objetivo colaborar para a redução do déficit educacional através de oficinas artístico-culturais e modos não-formais de educação, que incentivem os participantes à aprimorarem sua leitura de mundo e criticidade, a fim de encontrarem recursos que os ajudem a superar as dificuldades de aprendizagem. Nesta perspectiva, atuamos inspirados pela filosofia do professor Paulo Freire que propõe pedagogias que lidem com a educação como prática da liberdade. Assim, compreendemos a continuidade do processo de escolarização como um caminho necessário para a apropriação do conhecimento formal de modo a oferecer possibilidades emancipatórias para a população pobre. Palavras chave: educação de jovens e adultos, déficit educacional, Paulo Freire. Abstract: This work will reflect on the educational experience conducted with students in a class of Youth and Adult Education of the City School Marcelo Schimit in Rio Claro, participating in a University Extension Project promoted by the Department of UNESP Education - Rio Claro, coordinated by Prof. Dra. Débora Cristina Fonseca. This project aims to contribute to reducing the educational deficit through artistic and cultural workshops and non- formal modes of education that encourage participants to hone their world of reading and criticism, in order to find resources to help them overcome learning difficulties. With this in mind, we work inspired by Paulo Freire teacher of philosophy which proposes pedagogies that deal with education as a practice of freedom. Thus we understand the continuity of the educational process as a necessary way to the appropriation of formal knowledge to offer emancipatory possibilities for the poor. Keywords: youth and adult education, educational deficit, Paulo Freire.. Introdução Em abril de 2015 iniciamos a nova versão do projeto: "Medidas socioeducativas e déficit educacional: as potencialidades dos adolescentes" após aprovação da PROEX. Na versão anterior, o projeto atendeu crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem (em sua maioria resultante de déficit educacional/alfabetização) e que cumpriam medidas socioeducativas. Algumas atividades foram desenvolvidas na escola e outras com educandos no núcleo de atendimento e utilizavam como metodologias alternativas a música, o teatro, a pintura e atividades escritas com conteúdos diferenciados como poesias, letras de músicas. Devido aos resultados satisfatórios, pretendíamos atuar com público semelhante na cidade de Rio Claro, porém diversas dificuldades nos levaram a atuar com o público do EJA, envolvendo educandos de diversas faixas etárias e não apenas os adolescentes em conflito com a lei. Assim, encontramos na Escola Municipal Marcelo Schimidt as portas abertas para nossa proposta e um campo fértil para o projeto. Objetivos O objetivo principal deste projeto é contribuir para a redução do déficit escolar e das dificuldades de aprendizagem, numa perspectiva de educação não formal. Desta forma, encontramos diversos educandos que devido a própria característica da EJA têm as dificuldades de aprendizagem, por um 8º Congresso de Extensão Universitária da UNESP, 2015. “Medidas socioeducativas e déficit educacional: a potencialidade dos adolescentes 2015”, Marcio Custódio de Oliveira / Débora Cristina Fonseca – ISSN 2176-9761 lado, e por outro, a necessidade de superação, bem como uma pré-disposição para enfrentar estas dificuldades; uma vez que estão matriculados num curso onde podem retomar os estudos e se reencontrar com os problemas e benefícios da escola. Isto posto, o objetivo deste artigo é refletir sobre os processos educacionais que foram desenvolvidos durante os primeiros meses de projeto nesta escola, a luz da filosofia de Paulo Freire e Álvaro Vieira Pinto. Afinal, estes autores são grandes referências quando se fala em educação de jovens e adultos, devido a toda a sua trajetória acadêmica e de atuação político-social. Nesta perspectiva, Vieira Pinto nos elucidará sobre questões específicas da Educação de Jovens e Adultos, e Freire vai nos ajudar a compreender o aspecto político da educação, sobretudo seu aspecto libertador, de acordo com sua compreensão de que nos educamos mutuamente mediatizados pelo mundo, assim como nos libertamos em comunhão. (FREIRE, 1987) Material e Métodos Encontramos nesta turma formada por educandos de EJA, homens e mulheres de diferentes idades, interesses e origens regionais. Através do contato no cotidiano do projeto percebemos que entre os adultos, há uma maioria de pessoas que tiveram poucas oportunidades na vida para seguir os estudos acadêmicos, geralmente condicionados pelas circunstâncias materiais e luta pela sobrevivência. Deste modo, o trabalho tem sido um dos grandes motivos para a desistência dos estudos. Embora todos eles concordem que o estudo é elemento importante para o ingresso no mercado de trabalho, muitas vezes, as necessidades imediatas os obrigam a se conformar com subempregos que não exigem grau de escolarização. Por outro lado, há também um público jovem que abandonou os estudos devido a conflitos com as práticas escolares conservadoras e que no entanto, agora sentem-se obrigados a retomar os estudos para serem incluídos no mercado de trabalho, ou ainda aqueles que estão estudando por determinação judiciária, como parte do cumprimento de medidas sócioeducativas. No entanto, estes últimos logo desistiram do projeto. Acreditamos que sua desistência esteja relacionada com a obrigatoriedade judicial de estar na escola. Assim, uma vez que não são obrigados judicialmente a participarem deste projeto, preferem não participar para não passar mais tempo na escola do que o tempo que lhes é imposto. Diante deste público diverso, propomos oficinas culturais que pudessem promover discussões em torno das dificuldades de aprendizagem, numa perspectiva emancipadora da educação, onde objetivou-se aprimorar as leituras de mundo e a criticidade para além da adequação do indivíduo às práticas escolares formais. Nesta perspectiva, procuramos tratar os educandos como sujeito da educação e nunca objeto dela (VIEIRA PINTO, 1994, p. 64). Partindo deste pressuposto, as atividades culturais são propostas e construídas coletivamente entre o bolsista no papel de mediador e os educandos da EJA. Não faria sentido para nós apresentarmos conteúdos prontos e atividades sistematicamente elaboradas, como reprodução das praticas escolares tradicionais, na perspectiva de uma educação bancária (FREIRE, 1997). A nós, pareceu- nos mais ético e coerente nos nortearmos pelas críticas de Freire à estas formas de educação e até mesmo ao conceito de projeto de extensão, onde o referido professor defende que é papel da universidade manter um diálogo com a comunidade. Sendo diálogo é uma via de mão dupla e não uma via de mão única como se propõe a universidade ao estender seu conhecimento “superior” à população (FREIRE, 1983). Assim, optamos por manter um diálogo franco e igualitário, onde zelamos pela troca de conhecimentos. Para tanto, tomamos diversas estratégias para conquistar este público. A primeira ação foi estarmos presentes na escola para fazermos pessoalmente o convite aos educandos para participarem do projeto. Após a apresentação oral da proposta nos dispomos a conversar com quem quisesse esclarecer alguma dúvida. Muitos educandos se interessaram e quiseram conversar, contudo, apenas três estiveram presentes no dia marcado para o primeiro encontro. Ao primeiro encontro, tivemos a oportunidade de nos conhecermos. Como representantes do projeto, levamos diversos instrumentos, materiais artísticos e de multi-mídia. Exploramos coletivamente e individualmente de forma livre e espontânea todo o material, e foi a partir desta vivência que a atividade foi se definido. O material que mais chamou a atenção de todos foi a câmera filmadora. Com isto decidimos que faríamos um vídeo documentário sobre a EJA, inspirados pelo cineasta brasileiro Glauber Rocha e com “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” iniciamos a filmagem. Para fazer o documentário, coletamos depoimentos da diretora da escola, de professores e demais profissionais da escola, bem como de outros educandos que estavam prestes a se formarem, ou seja, adquirirem seu certificado de conclusão do ensino fundamental. Filmamos também momentos da cerimônia de formatura. Com este material bruto em mãos fizemos uma edição simples, unindo partes selecionadas dos depoimentos numa sequencia lógica e adicionando algumas legendas e trilha sonora. 8º Congresso de Extensão Universitária da UNESP, 2015. “Medidas socioeducativas e déficit educacional: a potencialidade dos adolescentes 2015”, Marcio Custódio de Oliveira / Débora Cristina Fonseca – ISSN 2176-9761 Uma vez o documentário pronto, apresentamos para a direção escolar. Como inciamos este trabalho ao final do semestre, a escola entrou em um período de recesso. Na volta às aulas retornamos à escola e fizemos novamente uma conversa com os estudantes, divulgamos o primeiro resultado do projeto e assim outros educandos se interessaram em participar do projeto. Desta vez, formamos uma turma com sete pessoas e com apoio de mais um voluntário do curso de pedagogia. Resultados e Discussão A produção do vídeo proporcionou um processo educacional interessante e o resultado do vídeo foi apenas o começo para um processo educacional posterior. Vale ressaltar, que para nós é justamente o processo o mais interessante, e não o resultado. Durante a filmagem pudemos perceber o entusiasmo daquelas pessoas em manipular um objeto tecnológico não muito comum em seu cotidiano, ainda que estejamos na era de fenômenos tecnológicos e a massificação do uso de celulares com filmadoras. A câmera filmadora por outro lado, tem um formato diferente e apresenta recursos variados que os celulares não têm. Além do contato com um equipamento incomum, o que chamou a atenção dos educandos foi sua posição de produtor. Ao se verem nos bastidores das filmagens, seja atrás ou na frente da câmera, como filmador ou filmado, como entrevistador ou entrevistado, a experiência proporcionou uma nova percepção sobre sua imagem no sentido estético e sobre a imagem do outro, no sentido ético. Afinal, é comum as pessoas estranharem o registro da sua imagem, ao se verem numa filmagem, ou numa foto. O mesmo acontece com uma gravação em áudio. Há casos em que as pessoas se sentem inexpressivas e feias e outras que se sentem belas e altivas. Assim, no sentido estético, há a preocupação em arrumar o cabelo e as roupas antes de serem filmados. Além disso, na condição de um personagem de um vídeo, mesmo num documentário que não lhe atribui a condição de artista, a pessoa passa a perceber-se como alguém importante para aquele trabalho, por estar no foco da atenção. Em ambos os casos, ao visualizarem o registro de sua imagem afeta sua autoestima. Ademais, ao ser responsável pelo registro da imagem do outro, a pessoa precisa ter o cuidado de não comprometer aquele que está sendo filmado. É necessário prepará-lo para o trabalho que será feito. Transmitir-lhe segurança sobre o uso de sua imagem. Assim como a responsabilidade perante às informações que estarão contidas nesta produção. “Que tipo de mensagem pretende-se passar?” Esta é uma questão que não se pode perder de vista. Eis o sentido ético que deve ser atribuído à este trabalho. Assim, a produção de um vídeo trouxe para seus produtores a visão inversa da televisão, um ponto de vista diferente do telespectador. Acontece que ao longo do processo de filmagem alguns educandos comentavam o quanto era “fácil” fazer um filme. Embora não seja realmente uma tarefa fácil, também não é algo tão distante da realidade como parece aos telespectadores comuns. Além da questão da facilidade, outros comentários foram significativos quanto à visão que tiveram da edição, onde os discursos podem ser manipulados e/ou modificados. Embora, não tenha sido esta a nossa prática, o fato de escolhermos pequenos trechos da fala de uns para completar a fala dos outros, mostrou aos educandos participantes do projeto que tudo o que se passa na televisão é feito de acordo com a vontade de quem o faz. Com isto, percebemos que a atividade colaborou para a alteração da percepção do educando em relação a sua leitura de mundo. No que diz respeito às produções televisivas, romperam com uma consciência ingênua e adquiriram uma consciência crítica. (VIEIRA PINTO, 1994, p. 59) Quando passaram a perceber que a televisão produz discursos em massa e forma opiniões, ainda que as informações sejam distorções da realidade. Esta percepção mostrou a sensibilidade dos educandos para algumas questões sociais. Neste sentido, a clareza política de nossa ação, enquanto mediadores nesta atividade, trouxe outros elementos à conversa onde pudemos socializar informações concretas sobre as manipulações dos meios de comunicação, atentos aos movimentos de alienação produzidos por uma elite opressora, a fim de (de)formar a opinião pública do povo oprimido. (FREIRE, 2001, p. 25). A partir deste pressuposto, nossa conversa com os educandos tomou rumo ao questionamento da função política da educação. Afinal, a quem interessa que pobres sejam ou não letrados? A quem interessa ou não que esta população atinja um nível de escolaridade acadêmica? Deste modo, através de questões como estas instigamos a reflexão sobre a condição e contexto da escolarização dos educandos. Com isto demos início à uma nova fase do projeto que será a produção de outro vídeo, cujo tema ainda não foi definido, mas que terá um processo mais elaborado do que o primeiro. Desta vez, iremos partir da criação de um roteiro para estudarmos diversas questões através de temas transversais e interdisciplinares. Bem como iremos estudar as técnicas de produção áudio-visual. Através deste processo de estudos, no contexto das oficinas, esperamos que os educandos compreendam cada vez mais a importância dos estudos no contexto escolar. Ainda, nos estudos, estamos trabalhando a leitura e a escrita. A elaboração do roteiro também 8º Congresso de Extensão Universitária da UNESP, 2015. “Medidas socioeducativas e déficit educacional: a potencialidade dos adolescentes 2015”, Marcio Custódio de Oliveira / Débora Cristina Fonseca – ISSN 2176-9761 contribuirá para o desenvolvimento da escrita e do raciocínio lógico formal, em que são alguns dos aspectos da educação formal que os educandos apresentam dificuldades de aprendizagem. Contudo, vale ressaltar que todo este trabalho vem sendo realizado diante de uma realidade precária e que no entanto, é a própria precariedade que vem nos forçando a usar da criatividade para realização das atividades. Fig. 1 Fig. 2 Fig. 3 Conclusões Na expectativa que temos de que estes educandos superem suas dificuldades de aprendizagem e reduzam seu déficit escolar, está o anúncio de novos caminhos para eles. A partir da constatação da realidade que os cerca, e da sua avaliação crítica, que denuncia as origens sociais do problema e anuncia ideais de resolução para os mesmos, nossa esperança passa a ser uma possibilidade concreta e não abstrata (FREIRE, 2000, p. 21). Nesta perspectiva, vemos na EJA um foco de potencialidades que necessita de maior atenção da administração pública, sobretudo na reflexão sobre sua concepção. De modo que estas potencialidades sejam movimentadoras de transformações significativas na vida dos educandos numa perspectiva para além do mercado de trabalho. Sendo a educação a válvula propulsora destas potencialidades, oferecendo recursos para reflexões críticas que promovam ações capazes de fortalecer o educando a ponto de o mesmo conseguir se emancipar da sua realidade precária. Por isto, cada vez mais estamos convencidos de que a educação das massas se faz, assim, algo de absolutamente fundamental entre nós. (FREIRE, 1967, p. 36), para construirmos um país formado por cidadãos críticos sujeitos da sociedade e de sua própria história e não objeto. Agradecimentos Agradecemos aos profissionais e educandos da EJA da Escola Marcelo Schimidt, e a todos que colaboraram com esse projeto. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Paz e terra. Rio de Janeiro. 1967. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Trad. de Rosisca Darcy de Oliveira. Prefácio de Jacques Chonchol. 7ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. FREIRE, Paulo. Educação Bancária e Educação Libertadora. In: PATTO, M.H.S. (org.) Introdução à psicologia escolar. 3ª ed. rev. Atual. São Paulo. Casa do Psicólogo. 1997. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos / Paulo Freire. - São Paulo: Editora UNESP, 2000. FREIRE, Paulo. Política e educação : ensaios / Paulo Freire. – 5. ed - São Paulo, Cortez, 2001.Coleção Questões de Nossa Época ; v.23. VIEIRA PINTO, Álvaro. Sete lições sobre educação de jovens e adultos. São Paulo. Editora Cortez. 1994.