UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” UNESP INSTITUTO DE ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA STRICTO SENSU – MESTRADO VALDEMIR APARECIDO DA SILVA EDIÇÃO E CATÁLOGO COMENTADO DAS OBRAS NÃO PUBLICADAS DA COMPOSITORA ADELAIDE PEREIRA DA SILVA SÃO PAULO 2018 VALDEMIR APARECIDO DA SILVA EDIÇÃO E CATÁLOGO COMENTADO DAS OBRAS NÃO PUBLICADAS DA COMPOSITORA ADELAIDE PEREIRA DA SILVA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de São Paulo – como exigência para a obtenção do título de “Mestre em Música”. Área de concentração: Musicologia / Etnomusicologia / Educação Musical. Linha de Pesquisa: Abordagens históricas, estéticas e educacionais do processo de criação, transmissão e recepção da linguagem musical. Orientadora: Profa. Dra. Sonia Regina Albano de Lima. SÃO PAULO 2018 Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP S586e Silva, Valdemir Aparecido da, 1973- Edição e catálogo comentado das obras não publicadas da compositora Adelaide Pereira da Silva / Valdemir Aparecido da Silva. - São Paulo, 2018. 238 f. Orientadora: Profª. Drª. Sônia Regina Albano de Lima. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes. 1. Silva, Adelaide Pereira da, 1928- . 2. Música – Catálogos temáticos. 3. Compositoras. 4. Mulheres musicistas. I. Lima, Sonia Regina Albano de. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 780.16 (Laura Mariane de Andrade - CRB 8/8666) VALDEMIR APARECIDO DA SILVA EDIÇÃO E CATÁLOGO COMENTADO DAS OBRAS NÃO PUBLICADAS DA COMPOSITORA ADELAIDE PEREIRA DA SILVA BANCA EXAMINADORA ____________________________________________ Profa. Dra. Sonia Regina Albano de Lima UNESP – Orientador ____________________________________________ Prof. Dr. Fábio Miguel UNESP – IA ____________________________________________ Profa. Dra. Silvia Simone Anspach PUC/SP Para Gabriel e Juliana AGRADECIMENTOS À Universidade Estadual Paulista, pelo privilégio e a oportunidade da realização deste trabalho. Ao Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes, por possibilitar a realização desta pesquisa. Aos meus pais, que impulsionaram a minha jornada. A todos os colegas, professores e funcionários do Instituto de Artes. À minha orientadora, Professora Sônia Albano, pela paciência e dedicação. Ao Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Musical (GEPEM), pelas valiosas reuniões, leituras e colaboração. Aos Professores Fábio Miguel e Silvia Anspach, membros da banca de qualificação e defesa, pelas valiosas sugestões que contribuíram para o enriquecimento do trabalho. A todos os amigos da Escola Municipal de Música de São Paulo (EMM). Ao Coral Paulistano que incentivou essa empreitada. À Compositora, Adelaide Pereira da Silva, pela viabilização do trabalho, atenção, acolhimento, colaboração e disposição em todos os momentos. Em especial, À minha esposa Juliana, pelo apoio incondicional, paciência e colaboração imensurável em todo tempo. Ao nosso filho Gabriel, pela alegria e energia diária necessária. RESUMO Esta dissertação de mestrado teve como objetivo principal editar 31 obras ainda não publicadas da compositora Adelaide Pereira da Silva e produzir um catálogo comentado dessas obras. Tal trabalho justifica-se considerando se tratar de uma compositora do sexo feminino, em plena atividade, defensora e incentivadora do folclore musical brasileiro e de nossas raízes, que ao longo da sua vida assumiu cargos relevantes nesta área e possui larga experiência como professora de música em escolas e universidades de São Paulo. Para cumprir o objetivo, além da edição das obras, foi realizado um levantamento bibliográfico para conceituar e apresentar as funções direcionadas à edição de obras musicais e referendar o trabalho das mulheres nas diversas subáreas da música. Também foram efetuadas algumas entrevistas e colhidos depoimentos orais da compositora para serem incluídos no catálogo comentado das obras, além da coleta de documentos que descrevem parte da sua trajetória musical (fotos, programas de concerto, premiações, entre outros), reunidos como anexo a este trabalho. As partituras foram editadas através do software FINALE 2012 e registradas na Fundação Biblioteca Nacional (Biblioteca Nacional do Brasil). O trabalho consiste em um capítulo com um sucinto relato do trabalho musical realizado pelas mulheres brasileiras, outro descrevendo parte da trajetória da compositora e um terceiro voltado à edição de partituras. Segue-se a eles o catálogo comentado contendo, além das partituras organizadas segundo critério de instrumentação, um resumo que descreve parte deste arquivo de forma sistemática e cuja função é orientar a consulta e determinar quais são os documentos pertencentes a este instrumento de pesquisa. Palavras-chave: Adelaide Pereira da Silva, edição de partituras, catálogo comentado das obras da compositora, importância da mulher no cenário musical. ABSTRACT The main objective of this dissertation was to edit 31 still unpublished works of the composer Adelaide Pereira da Silva, and to produce a commented catalog of these works. This work is relevant because she is a female composer in full activity, a defender and promoter of Brazilian musical folklore and its roots and who, throughout her life, has taken important positions in this area, with wide experience as a music teacher in schools and universities in São Paulo. To accomplish such objective, besides the editing of the sheet music, a bibliographical research was performed in order to conceptualize and present the functions related to the edition of musical works and to document women's work in the several subareas of music. Some interviews and oral testimonies by the composer are to be included in the commented catalog of the works, as well as the collected documents that describe part of her musical trajectory (photos, concert programs, awards, among others), which appear as annexes to this work. Sheet music was edited through FINALE 2012 software and registered at National Library Foundation (National Library of Brazil). The paper includes a chapter presenting a concise history of the musical work of Brazilian women composers, followed by a chapter partially describing the trajectory of Adelaide Pereira da Silva, and a third one, dedicated to the edition of sheet music. The commented catalog contains the sheet music, organized according to the criteria of instrumentation; a summary, intended to describe part of this file in a systematic way and whose function is to guide the consultation and determine which are the documents belonging to this research instrument. Keywords: Adelaide Pereira da Silva, music edition, commented catalog of the works of the composer, importance of women in the musical scene. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Tela inicial do Programa MUE – Music Editor ............................................ 11 Figura 2: Edição do Hino Nacional Brasileiro ............................................................. 12 Figura 3: Recorte do Jornal Folha de São Paulo – Folha Feminina ............................. 21 Figura 4: Gráfico Estudantes do ensino superior no Brasil – Gênero por Área............ 24 Figura 5: Depoimento de Camargo Guarnieri .............................................................. 29 Figura 6: Recorte da Revista Anhembi nº 132 ............................................................. 31 Figura 7: Programa do II Simpósio de Pesquisa de Folclore ....................................... 32 Figura 8: Programa de Concerto – 100 anos da Imigração Japonesa no Brasil ........... 33 Figura 9: Quadro explicativo dos Tipos de edição conforme autores .......................... 39 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11 CAPÍTULO 1 - O GÊNERO FEMININO E SUA PARTICIPAÇÃO NO CENÁRIO MUSICAL ..................................................................................................................... 18 1.1. Aspectos históricos .................................................................................................. 18 1.2. A mulher no cenário musical .................................................................................... 19 CAPÍTULO 2 - A COMPOSITORA ADELAIDE PEREIRA DA SILVA .............. 25 2.1. Quem é Adelaide Pereira da Silva ............................................................................ 25 2.2. Atividades Musicais da Compositora ....................................................................... 26 2.3. A Folclorista ............................................................................................................ 31 CAPÍTULO 3 – EDIÇÃO MUSICAL ......................................................................... 35 3.1. Conceito, Função e Utilidade ................................................................................... 35 3.2.Tipos de Edições Musicais ........................................................................................ 39 3.2.1. Edição Fac-similar .......................................................................................... 40 3.2.2. Edição Diplomática ........................................................................................ 40 3.2.3. Edição Prática ................................................................................................. 40 3.2.4. Edição Genética .............................................................................................. 41 3.2.5. Edição Aberta ................................................................................................. 41 3.2.6. Edição Crítica ................................................................................................. 41 3.2.7. Edição Urtext .................................................................................................. 42 CAPÍTULO 4 – CATÁLOGO COMENTADO E PARTITURAS ........................... 43 4.1. Do Catálogo ............................................................................................................. 43 4.2. Metodologia para Edição ......................................................................................... 45 4.2.1. Seleção de Material ......................................................................................... 45 4.2.2. Inventário ........................................................................................................ 45 4.2.3. Triagem .......................................................................................................... 45 4.2.4. Definição de Layout ........................................................................................ 46 4.2.5. Edição ............................................................................................................. 46 4.3. Sumário das obras editadas ...................................................................................... 48 4.4 Das Composições ..................................................................................................... 50 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 198 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 201 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ........................................................................... 203 ANEXOS ..................................................................................................................... 205 1. Parecer CEP - Plataforma Brasil ............................................................................... 205 2. TCLE ........................................................................................................................ 208 3. Fundação Biblioteca Nacional – Protocolo de Solicitação de Registro .................... 214 4. Memorial da Compositora: Documentos .................................................................. 215 11 INTRODUÇÃO Aos doze anos de idade, iniciei minhas atividades musicais como aluno da Fanfarra da Escola Municipal de 1º Grau “Capistrano de Abreu”, local onde concluí meus estudos regulares de ensino fundamental I e II. Esta atividade musical me incentivou a seguir a carreira musical. Em 1989, ingressei na Escola Municipal de Música de São Paulo para completar os estudos de música e na Escola Estadual de 1º e 2º Graus “Padre Anchieta” para seguir com minha formação escolar. Foi nesta escola estadual que me interessei pela prática de edição e transcrição de partituras. Meu colega de classe, Emerson Ricardo Curvelo, aficionado por tecnologia e música, ensinou-me a manusear um programa chamado MUE (Music Editor), uma ferramenta tecnológica utilizada para transcrever e editar partituras, que no Brasil era conhecido como EMU (Editor Musical). Esse programa foi criado para microcomputadores pessoais da linha MSX, mais exatamente o MSX 1, desenvolvido pela HAL Laboratory, Inc., empresa japonesa fundada na década de 1980. Abaixo, segue uma figura com a tela inicial do programa de edição e transcrição de partitura MEU e uma página contendo uma partitura editada: Figura 1 – Emulador: blueMSX 2.8.3 Beta Sistema MSX: MSX 1 Programa: MUE - Music Editor – Tela inicial © 1984 HAL Laboratory https://www.youtube.com/watch?v=CT7lBzVAw6U 12 Figura 2 – SILVA, Francisco Manuel da & DUQUE-ESTRADA, Joaquim Osório. Hino Nacional Brasileiro Com isso, a comunidade musical, em especial os editores e copistas, em parceria com autoridades e técnicos em tecnologia, estava desenvolvendo ferramentas que facilitariam, acelerariam e colaborariam no desenvolvimento, veiculação e crescimento da produção de documentos musicais. Em continuidade a esse aprendizado, no curso de graduação em composição e regência da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Instituto de Artes, em 1995, obtive acesso a microcomputadores e programas de edição de partituras mais desenvolvidos, com recursos, definição e layout mais sofisticados, a saber: ENCORE, SIBELIUS e o FINALE, programa este que empreguei para editar as partituras da compositora Adelaide Pereira da Silva, com o objetivo de produzir um catálogo de sua produção musical ainda não publicada. O ENCORE foi um dos primeiros programas de edição de partituras que permitiu a inserção de elementos musicais utilizando o mouse. Desenvolvido pelo programador Don Williams para a empresa norte-americana Passport Designs Inc., foi lançado em 1984, vendido em 1998 para Lyrrus Inc., d.b.a1 GVOX, e desde 2013, voltou a ser 1 Database administrator, em português, Administrador de banco de dados. 13 propriedade da Passport Designs Inc. Foi feita uma versão em português para usuários brasileiros – ENCORE 5.0.4, contendo o seguinte enunciado: Estamos felizes em anunciar o lançamento do Encore 5.0.4 em português (BR) para Windows. Esta é a primeira versão oficial do Encore lançada no Brasil. O nosso muito obrigado aos amigos da D’Accord Music como nosso mais novo distribuidor exclusivo desta versão (Passport Music Software, LLC., 2015). O ENCORE ainda é uma ferramenta tecnológica muito utilizada por alguns músicos devido a facilidade de uso e baixo custo. Utilizei este programa por um longo período, entretanto, em 1999, fui contratado para editar um material musical bastante complexo, em três volumes, mesclando texto, exemplos musicais e partituras para instrumento de cordas (violino, viola, violoncelo e contrabaixo). Essa tarefa exigia maior controle na formatação e padronização na qualidade das imagens e exemplos musicais gerados – recursos indisponíveis no ENCORE. Diante disso, o SIBELIUS foi um software que cumpriu com maior eficiência tais propósitos. Foi criado em 1986 por músicos britânico, os irmãos Ben e Jonathan Finn, para empresa Avid Technology, Inc. e tornou-se público em 1993. O FINALE, por sua vez, foi criado e desenvolvido por programadores e tem sido uma ferramenta tecnológica muito eficaz. Este software permite criar, gravar e editar tanto em notação tradicional quanto na contemporânea, imprimir e reproduzir o som, e pode ser instalado em ambiente Microsoft Windows, Mac e Linu2. A primeira versão, ou versão1.0, foi lançada em 1988 e desenvolvida pelo programador Phil Farrand para a Coda Music Software. Atualmente, está em sua versão de número 25, desenvolvida pela empresa norte-americana – Make Music, e tem sido um software importante no meu trabalho de edição. Para melhor manuseá-lo, participei de um curso de férias no Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos, em Tatuí, sob a orientação dos professores Lee Monroe e Carlos Oliveira, além de ter obtido informações e auxílio dos editores Thomas Hansen e Vinicius Calvicci, ambos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – OSESP. Ao ingressar na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – OSESP como Arquivista Musical, realizei inúmeras edições de partituras, entre elas, destaca-se a Aquarela do Brasil, obra de Ary Barroso e arranjo de Laércio de Freitas, para coral misto, 2 Para esta opção será necessário utilizar o recurso chamado “máquina virtual”, ou seja, emular um sistema operacional dentro do outro, fazendo com que o sistema operacional Windows rode dentro do Linux. 14 cantor solista, jazz band e grande orquestra; Ave’ Libertas!, Opus 18, de Leopoldo Miguéz, para grande orquestra; Missa Dilígite – Amai-vos Uns aos Outros, de Camargo Guarnieri, para coral misto, órgão e/ou orquestra de cordas. Ao longo da minha carreira editei e transcrevi cerca de mil peças por encomenda, contendo partitura (full score) e partes individuais, destinadas às mais diversas finalidades, como performances ao vivo, gravações de CDs e DVDs, registro e arquivo pessoal, registro da obra na Biblioteca Nacional, bem como o fiz, minhas próprias partituras enquanto arranjador, compositor, instrumentista e educador. Entre os trabalhos de composição e arranjo realizados, os mais significativos foram:  Caçador de Mim de Luiz Carlos Sá e Sérgio Magrão, editado no ENCORE, 2000, arranjo com o qual que obtive o 1º lugar no 1º Concurso Nacional de Arranjos para Banda Sinfônica – 2000, em Tatuí – SP;  Protocolo para Clarineta Solo, editado no ENCORE 2000 e 2002, reeditado no FINALE;  Tema da Vitória – Eduardo Souto Neto, arranjo editado no ENCORE, 1995;  Educação Musical Através da Fanfarra: 147 exercícios básicos para cornetas, editado no ENCORE, 1996;  Blue dolphin – Steven Schlaks, arranjo editado no ENCORE, 1999;  Carruagem de fogo – Vangelis, arranjo editado no ENCORE, 2000;  Theme from New York New York – John Kender, arranjo editado no ENCORE, 1999;  Canção do Exército Brasileiro – Teófilo Dolor Monteiro de Magalhães, arranjo editado no ENCORE, 1999  And I Love Her – John Lennon e Paul McCartney, arranjo editado no ENCORE, 1999  Horizonte, composição editada no ENCORE, 2001;  Imagens, composição editada no FINALE, 2001;  Estão voltando as flores – Paulo Soledade, arranjo editado no FINALE, 2010;  Bagaceira, composição editada no FINALE, 2003;  Peixe Vivo – Folclore brasileiro, arranjo editado no FINALE, 2003;  Estudo nº 2 para percussão, composição editada no FINALE, 2004;  Coral para Metais, composição editada no FINALE, 2005; 15  Fantasia sobre o Hino da Independência, composição editada no FINALE, 2005;  Cinema Paradiso – Ennio Morricone, arranjo editado no FINALE, 2009;  The Impossible Dream – Mitch Leigh, arranjo editado no FINALE, 2011;  Coração Valente (Braveheart) – James Horner, arranjo editado no FINALE, 2012;  Consagração a Nossa Senhora – Canto Mariano, arranjo editado no FINALE, 2012;  Branca (Valsa Paulista) – Zequinha de Abreu, arranjo editado no FINALE, 2014;  Amor I love you – Carlinhos Brown, arranjo editado no FINALE, 2015;  É preciso saber viver – Roberto Carlos e Erasmo Carlos, arranjo editado no FINALE, 2016;  Viagem – João de Aquino e Paulo César Pinheiro, arranjo editado no FINALE, 2016;  Um movimento, composição editada no FINALE, 2017;  Coração de Robô, composição editada no FINALE, 2017. Esta composição foi elaborada para apresentação final do Projeto Brasil Musicantes 2016;  Canção do Azul – Carlos Henrique Delicio, arranjo editado no FINALE, 2017. Também ministrei, em 2017, na Escola Municipal de Música de São Paulo e no IA-UNESP, algumas oficinas de curta duração para os interessados em conhecer e manejar o programa de edição de partituras FINALE. Atualmente, as atividades destinadas à transcrição e edição de partituras por meio de softwares têm sido largamente utilizadas tanto por profissionais como por amadores que, via de regra, não se preocupam com a qualidade, estética, precisão, autenticidade e preservação do documento. A eles escapa a ideia de que as transcrições, de alguma maneira, podem documentar, valorizar, preservar e disseminar o acervo musical nacional. É importante, pois, a um editor profissional possuir noções precisas de grafia musical, conhecimento teórico musical e histórico, noções de estilo, de organologia e orquestração. Ao assumir a tarefa de editar, comentar e catalogar 31 (trinta e uma) obras ainda não publicadas da compositora Adelaide Pereira da Silva, nas diversas formações instrumentais, imbuí-me desses propósitos, considerando a importância de trazer a público este repertório musical brasileiro e a intensa preocupação da compositora em valorizar nosso folclore e nossas raízes. Esses dois argumentos justificam a realização 16 desta pesquisa e resolvem parte de nossa problemática, trazendo a público uma produção musical ainda não publicada e que, de certa maneira, poderia não ser divulgada de forma correta ou cair no anonimato e esquecimento, em virtude de vários fatores como o desconhecimento da existência das obras, falta de acesso ao acervo e do não registro dessas obras na Biblioteca Nacional. Inicialmente, na produção desta pesquisa, considerei demonstrar a importância das mulheres no nosso cenário musical, seja como intérpretes, educadoras musicais, ou mesmo como compositoras, tendo como fundamentação as publicações da jornalista, escritora, pesquisadora e compositora Nilcéia Cleide da Silva Baroncelli (1987), que há muito tem se dedicado a esta tarefa, e da jornalista, fotógrafa, escritora, pesquisadora e pianista Eli Maria Rocha (1986), que também se dedica à arte de trazer a público a importância das mulheres compositoras e de seus trabalhos. A realização de um catálogo comentado das obras não publicadas de Adelaide Pereira da Silva tem importância, pois, além do registro realizado, constam nesta pesquisa depoimentos, relatos e documentos cedidos pela própria compositora. Conforme expressa o professor do Departamento de Arquivologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO e membro do Arquivo Nacional e CTDAIS3, Marcelo Nogueira de Siqueira, essa modalidade de registro documental, preserva o patrimônio musical sob inúmeras possibilidades de uso e reuso, traz uma análise histórica, científica e cultural dessa produção e conserva a identidade de seus criadores (SIQUEIRA, 2016, p. 33). Compõem esta dissertação, além do catálogo, parte da trajetória profissional da compositora, entrevistas escritas e depoimentos orais obtidos nos últimos três anos de convivência e nas ligações telefônicas realizadas, recortes de jornais, programas de concerto, críticas jornalísticas e fotos cedidos por ela, além de um capítulo referendando a relevância das mulheres no contexto musical brasileiro e outro relativo a conceituação, utilidade e tipos de edição musical. Neste particular, tomei como referência a publicação de Carlos Alberto Figueiredo (2010), pesquisador e professor do Departamento de Composição e Regência da UNIRIO. As obras editadas foram revistas e aprovadas pela compositora, contendo as modificações e atualizações necessárias, conforme expressa o termo abaixo: 3 Câmara Técnica de Paleografia e Diplomática e da Câmara Técnica de Documentos Audiovisuais, Iconográficos, Sonoros e Musicais do Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ). 17 Após ter recebido esclarecimentos sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e possível incômodo que esta possa acarretar, eu concordo em participar, como voluntária, do projeto de pesquisa acima descrito (TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética – CAAE: 67685417.7.0000.0077). Assim relatado, em suma, foram definidos como objetivos desta dissertação de mestrado:  Constituir um catálogo comentado de 31 obras ainda não editadas da compositora Adelaide Pereira da Silva;  Atribuir valor ao trabalho musical realizado pelas mulheres;  Traçar informações significativas a respeito do trabalho de editoração de partituras musicais. Portanto, o Capítulo I destina-se a uma sucinta descrição da mulher musicista, no entanto, sem a pretensão de aprofundar nas questões relacionadas ao gênero e/ou feminismo. No Capítulo II, está expressa parte da trajetória da compositora. O Capítulo III retrata o conceito e a função de edição musical. O Capítulo IV traz o Catálogo Comentado das 31 obras e as partituras editadas, e é seguido das considerações finais. 18 CAPÍTULO 1 O GÊNERO FEMININO E SUA PARTICIPAÇÃO NO CENÁRIO MUSICAL 1. 1. Aspectos históricos Por se tratar de uma sociedade androcêntrica, ao longo da história, a mulher sofreu um processo de dominação e opressão masculina, sendo quase sempre tolhida, desqualificada e desestimulada a externar suas habilidades cognitivas e a demonstrar sua isonomia produtiva e profissional na sociedade. Essa realidade tem se modificado graças à luta das mulheres pela igualdade de direitos, contrariando a ideia de que o conhecimento masculino é único e universal. No Brasil, a importância da mulher no campo profissional tem avançado consideravelmente, ela tem desempenhado atividades profissionais expressivas na sociedade e obtido inúmeros ordenamentos em favor da sua atuação profissional, preservação de sua saúde e obtenção de maior integridade física. Se anos atrás a mulher era preparada para atuar apenas no convívio familiar, hoje ela exerce atividades em quase todos os campos de conhecimento e de trabalho. Conforme dados do Ministério do Trabalho (2018), em 2016 as mulheres passaram a ocupar 44% das vagas no mercado de trabalho. No cenário musical, a mulher também obteve projeção, o que por longo período foi destinado ao gênero masculino. Essa atuação ocorreu tanto na performance como nos processos criativos e composicionais e, mais ainda, na educação musical. Como exemplo, podemos relatar que no Projeto Brasil Musicantes4, do qual faço parte, mais de 90% dos orientadores que atuam na transmissão de conhecimentos musicais de forma lúdica, descontraída e contextualizada em seu espaço e tempo, são do sexo feminino. Respeito, dignidade e igualdade têm sido conquistados dia-a-dia pelo gênero feminino, transpondo o que relatou Bourdieu (2012) ao evidenciar a condição de subserviência da mulher, para quem era imposta a função de esposa e mãe, sem direito à educação e a participar das atividades públicas. Expressamos abaixo uma citação de Bourdieu que manifesta a submissão com qual a mulher conviveu por várias décadas: 4 DELICIO, Carlos Henrique. Projeto Brasil Musicantes 2016. PRONAC 160550 – Programa de musicalização coletiva de crianças matriculadas no Ensino Fundamental I de Escolas Públicas em 22 (vinte e duas) Cidades-Capital, distribuídas em 18 (dezoito) Estados na União. 19 A lógica, essencialmente social, do que chamamos de "vocação", tem por efeito produzir tais encontros harmoniosos entre as disposições e as posições, encontros que fazem com que as vítimas da dominação simbólica possam cumprir com felicidade (no duplo sentido do termo) as tarefas subordinadas ou subalternas que lhes são atribuídas por suas virtudes de submissão, de gentileza, de docilidade, de devotamento e de abnegação (BOURDIEU, 2012, p. 72-73). 1. 2. A mulher no cenário musical A música foi o elemento cultural que mais intensamente possibilitou à mulher afrouxar as amarras sociais impostas por uma sociedade de cunho iminentemente androcêntrico, intimamente ligada à noção do patriarcado, cujo gênero masculino se impõe como centro da razão e mantém todos os privilégios, decisões e méritos. Essa afirmativa é corroborada pelos depoimentos das advogadas Alda Facio Montejo e Julia Lorena Fries Monleón, na publicação de FACIO & FRIES (2005, p.274). A música foi uma das áreas que possibilitou a mulher adquiriu uma profissão. Do estudo quase que obrigatório dessa arte no ambiente familiar, a mulher emerge para a sociedade, primeiramente como uma professora de música, que leciona em sua própria residência, para futuramente ser acolhida nas escolas de educação básica e de música, e mais além, exercer uma atividade profissional performática, ocupando, muitas vezes, posição cultural de relevo, até mais significativas do que aquelas exercidas pelo sexo masculino. Eli Maria Rocha assim se reporta à esta questão: [...] somente com a invasão dos pianos-fortes, que logo apareciam em quase todos os lares (até nos semi-cultos), elas puderam se desenvolver mais intensamente na arte musical, pois como a educação feminina era toda realizada dentro do lar, as mocinhas da época, além do bordado, aprender francês, tocavam agora piano, aprendiam canto, e apresentavam-se em festas e reuniões familiares. Muitas delas seguiram mais à frente, e começaram a compor, inicialmente, valsas e modinhas que executavam nesses “saraus” (ROCHA, 1986, p.15-16). A luta por um posicionamento social e cultural por parte das mulheres musicistas foi gradativo. Podemos destacar algumas mulheres de grande expressividade no cenário musical brasileiro do final do século XIX, que, de uma forma ou de outra, na performance instrumental, educação e composição, sobrepujaram essas amarras. Entre elas, Chiquinha Gonzaga (1847-1935), pianista, violonista, compositora – considerada a primeira maestrina brasileira em um período em que, culturalmente, a sociedade estava repleta de conceitos androcêntricos (ROCHA, 1986, p. 64). 20 É imensurável o quanto Gonzaga foi massacrada pela sociedade da época por se contrapor aos costumes e normas sociais, abalando com criatividade o cenário cultural e, também, por unir o erudito, de tradição europeia, ao local, nativo e popular. Sua música, trouxe um novo significado às práticas musicais brasileiras e novos padrões comportamentais. Como nos informa a biógrafa Edinha Diniz: “Chiquinha Gonzaga não estava a serviço da pátria, nem da humanidade, nem de um marido. Estava a serviço de si mesma, de suas vontades e desejos. Só que isso não era permitido a uma mulher” (DINIZ, 2009, p. 17). No livro “Mulheres Compositoras”, Nilcéia Baroncelli traz informações biográficas, musicográficas e localização de fontes suficientes que mostram os caminhos que as mulheres percorreram, musicalmente e sistematicamente, para atingir seus objetivos musicais de forma eficiente. Essa publicação contabiliza 168 (cento e sessenta e oito) biografias de compositoras brasileiras. Esta obra consigna compositoras de música erudita e popular, nacional e internacional, [...] onde são relacionadas biografias em ordem alfabética. Apesar da ordem alfabética não considero este livro nem um dicionário, nem uma enciclopédia, [...]. Assim, o objetivo principal deste livro é a indicação de repertório composto, não necessariamente repertório publicado (desde que seja comprovado). [...] a intenção de trazer à tona – a público – o repertório musical composto por mulheres (BARONCELLI, 1987, p. 7-8). Outras musicistas também emergiram do anonimato, entre elas, Joaquina Maria da Conceição Lapa, conhecida como Lapinha, considerada a primeira [cantora lírica] contralto negra do Brasil, que viveu entre os séculos XVIII-XIX; Camila Maria da Conceição (1873), cantora lírica negra; Lucília Guimarães Villa-Lobos (1886-1966), pianista, regente de coral, compositora e professora, primeira esposa de Heitor Villa- Lobos (1887-1959); as pianistas e professoras Liddy Chiaffarelli Mignone (1891-1961), Magdalena Tagliaferro (1893-1986) e Guiomar Novaes (1895-1979); Carmem Gomes (1900-1955), cantora lírica; Dinorá de Carvalho (1905-1980), pianista, compositora e professora; Bidu Sayão (1906-1999), cantora lírica; Oneyda Alvarenga (1911-1984), pianista, crítica musical e folclorista, sendo esta uma área de destaque em sua carreira. A musicóloga e regente, Cleofe Person de Mattos (1913-2002); Eunice Catunda (1915- 1990), pianista, compositora, regente e professora; Ester Scliar (1926-78), pianista, compositora, regente e professora; Angélica Faria (1957-), compositora; Edna D’Oliveira (1964-) e Edineia de Oliveira (1969-), cantoras líricas negras, consideradas de grande importância no cenário brasileiro na atualidade. 21 Rocha (1996) relata que o piano se tornou o instrumento mais tocado pelas mulheres. A partir dessa atividade, muitas delas tiveram projeção internacional, o que significa que, aprendendo esse instrumento, adquiriram e atraíram mais prestígios ao país do que aqueles conquistados pelo sexo oposto. Como exemplo, a pianista Luiza Leonardo que obteve em 1879, por unanimidade, o primeiro prêmio do Conservatório de Paris, e Gina de Araújo foi a primeira mulher compositora a integrar a “Société des auteurs, compositeurs et éditeurs de musique” da França. A reportagem da Folha de São Paulo – Folha Feminina de outubro de 1964 traz a seguinte menção às mulheres, tanto interpretes, quanto compositoras: Figura 3: Folha de São Paulo - Folha Feminina, 06 de outubro de 1964 - p. 3. Gilberto Mendes, compositor, regente, professor, jornalista e pesquisador, em sua publicação “Pianolatria brasileira”, não deixa de se reportar a esse momento histórico brasileiro e de retratar a importância do gênero feminino no cenário musical de nosso país: 22 Ultimamente andaram falando muito na pianista Guiomar Novaes, e me deu vontade de entrar nessa conversa. Procurei me lembrar de seus concertos em Santos, [...] posso também dizer, orgulhoso: eu vi, [...] A grande Guiomar Novaes tocar [...], acompanhada pela Sinfônica Brasileira [...]. O mesmo concerto que ela gravou com a Sinfônica de Viena [...]. Outra apresentação, [...] no Colégio São José. [...] o próprio (e imenso) Debussy amou tanto ouvir a jovem Guiomar em Paris, [...] em Austin, novamente me emocionei muito ao ouvir pela rádio cultural da cidade um programa só com interpretações de Guiomar Novaes, dentro de uma série que apresentou o que chamaram de "os grandes mestres do piano no século 20". Se falamos em Guiomar, logo vêm à lembrança Antonietta Rudge e Magda Tagliaferro. A santíssima trindade da pianolatria brasileira, famosas alunas do mitológico professor Chiaffarelli. Guiomar brilhou nos Estados Unidos. Tagliaferro na Europa, amiga de Alfred Cortot, Ravel, Poulenc. Marcaram profundamente minha educação musical as quatro aulas-concerto que ela deu em Santos [...] ali dentro do Cine-Theatro Casino, aconchegados, ouvindo Magda falar [...]. Antonietta Rudge não quis brilhar no exterior, mas foi a preferida de Mário de Andrade entre as três fenomenais pianistas. [...] fui aluno dessa ilustre senhora. [...]. Já pensaram o que é ouvir Des Abends e Warum, de Schumann, tocadas pela grande Antonietta? E só para você? (O Estado de São Paulo – Caderno 2, 29 de maio de 2010, p. 103). Como denota o texto indicado, o piano foi o instrumento que possibilitou a integração mais rápida da mulher no meio musical, seguido do canto e, mais tarde, dos demais instrumentos. As outras funções musicais foram exercidas bem depois, mas não deixaram de apontar figuras femininas emblemáticas. Kilza Setti retrata esse momento: No Brasil ainda do início deste século, a música só era liberada à mulher através de poucos canais admitidos pela aristocracia. Apenas o canto e piano eram práticas aconselhadas, não, porém na área profissional. Só aos poucos foram sendo liberados o violão, os instrumentos de sopro e os de percussão (SETTI, 1985, p. 70). A partir do aprendizado do piano e do canto, a mulher passa a se profissionalizar no ambiente domiciliar, para depois ingressar nas escolas de educação básica e mais tarde se projetar profissionalmente, muitas delas em palcos internacionais. A profissionalização musical da mulher ocorreu lentamente, mas de forma efetiva. Cantoras líricas, professoras e pianistas foram preenchendo os espaços profissionais, antes destinados ao gênero masculino. Aos poucos, elas começaram a se apresentar em recitais, saraus, participar de operetas, sendo o piano o instrumento mais requisitado. Se anteriormente tínhamos o maior número de pianistas femininas, hoje, podemos nomear inúmeras mulheres desenvolvendo as mais variadas funções no cenário musical brasileiro. A título de exemplo, podemos indicar as maestrinas Naomi Munakata, Erica Hindrikson, Vania Pajares, Regina Kinjo; educadoras musicais de projeção como Enny Parejo, Margarete Arroyo, Marisa Fonterrada, entre muitas; musicólogas como Dorotea 23 Kerr, Flávia Toni; compositoras como Adelaide Pereira, Denise Garcia, Kilsa Setti, entre outras. Não podemos ignorar o fato de as mulheres ainda não ocuparem uma posição profissional igualitária àquela do gênero masculino, mas elas já conseguiram demonstrar seu valor e sua competência nas diversas subáreas da música, seja na docência musical, seja na performance, na composição ou na pesquisa voltada para a área. Elas têm exercido atividades das mais variadas e com a mesma qualidade daquelas de muitos dos músicos brasileiros. Nos últimos 20 anos, o estudo de gênero no Brasil cresce em qualidade e quantidade. Na Academia, esta temática envolve boa parte dos pesquisadores que buscam retratar a igualdade social que se instaura gradativamente nos gêneros masculino e feminino. As ciências humanas, particularmente a sociologia, a demografia e a história, têm produzido inúmeras investigações com a perspectiva de atribuir à mulher um papel de destaque na sociedade brasileira contemporânea. Na área das artes, em especial na música, temos como exemplo os trabalhos significativos realizados pelas pesquisadoras Tania Mello Neiva – Cinco Mulheres Compositoras na Música Erudita Brasileira Contemporânea (2006), Eliane Maria de Almeida Monteiro da Silva – Clara Schumann: compositora x mulher de compositor (2008); Carla Crevelanti Marcílio – Chiquinha Gonzaga e o Maxixe (2009), Rita de Cassia Monteiro – Compositoras Brasileiras e Processo de Criação Musical: uma análise aplicada à musicologia de gênero (2015), e Juliana Delborgo Abra Olivato – Maria Helena Rosas Fernandes: catálogo comentado da obra completa e fases composicionais (2016). O potencial feminino de que nos falava Mário de Andrade se realizou plenamente. Na frondosa árvore de talentos chamada Brasil, as mulheres têm seu lugar assegurado, oferecendo frutos da melhor qualidade. Nas artes de escrever, pintar, compor ou representar, o “vir-a-ser” do escritor paulistano se realiza num ser que caminha para a imortalidade (D’AMBRÓSIO, 2018). A atuação da mulher nas diferentes subáreas musicais (composição, performance instrumental, regência, educação musical, áreas teóricas, musicologia, etnomusicologia, etc.), nas escolas técnicas, nas graduações, nos programas de pós-graduação, nas ONGS, enfim, em todos os setores de ensino formal e informal de música, tem dissolvido os paradigmas primitivos do androcentrismo, demostrando cada vez mais sua correspondente capacidade e igualdade na produção musical. O site do INEP (Instituto 24 Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) assim se reporta a esse fato: [...] parabeniza todas as estudantes e professoras brasileiras, e destaca o acesso das mulheres ao Ensino Superior, uma das principais conquistas femininas no último século. Dados do Censo da Educação Superior de 2016, última edição do levantamento, revelam que as mulheres representam 57,2% dos estudantes matriculados em cursos de graduação (INEP, 2018). Assim demostra, também, o gráfico publicado no site da NEXO JORNAL LTDA (2017), com dados baseados em fontes do “Censo da Educação Superior – 2016 (Inep)”. Figura 4: Gênero por Área. NEXO JORNAL LTDA, 2018 Considerando essa estatística e os dados até então apontados, podemos considerar que a mulher tem atingido cada vez mais, postos em todos os níveis da educação e nas mais significativas funções musicais, e que esse fenômeno não tem data para acabar, pondo fim aos poucos ao androcentrismo que tem circundado nossa sociedade. 25 CAPÍTULO 2 A COMPOSITORA ADELAIDE PEREIRA DA SILVA 2.1. Quem é Adelaide Pereira da Silva Aos 90 anos de idade, a compositora, pianista, folclorista, pintora e pedagoga Adelaide Rosa Pereira da Silva Ruzicska Kollar mantém suas atividades de pintura e composição em constante produção. Nos últimos 20 anos, sua produção musical teve um acréscimo de aproximadamente 50% em relação ao último estudo realizado em 1996, pela pesquisadora Maria Mati Sakamoto, com a dissertação “A Obra Pianística da Compositora Adelaide Pereira da Silva”, trabalho pioneiro, cujo objetivo foi destacar que as obras para piano da compositora contribuem para o desenvolvimento técnico- pianístico, que foi feito através do levantamento e análise de 19 obras. Para que tenhamos ideia do potencial criativo da compositora, atualmente, ela tem se dedicado a compor uma obra sacra para coro misto a quatro vozes. Deste feito, comprova-se o seu vigor no exercício desta atividade. Vários foram os depoimentos da compositora, a princípio feitos por meio de questionários semiestruturados, que depois foram abandonados, tendo em vista a dificuldade da compositora em expor com naturalidade suas ideias. Foi necessário, então, recorrer às conversas informais em sua residência e ao telefone. Todas essas informações foram gravadas e, posteriormente, transcritas para serem utilizadas na pesquisa, com o consentimento da autora. Em um desses depoimentos ela relata como se iniciou na composição: Eu sempre brinquei de compor, brincava de compor para mim, fazia pequenas coisas infantis, claro, porque era muito pequena, mas isto mostrou o caminho que mais tarde se alargou [...] enfim eu me tornei profissional no assunto – foi espontâneo, não foi procurado. Eu sempre fiz música para mim mesma, nunca fiz música com a finalidade de ganhar dinheiro ou de me tornar publicamente aceita (Depoimento da compositora, 2017). Mesmo sendo uma pessoa discreta, Adelaide continuadamente expõe e intensifica o seu gosto pelas artes. Ela afirma que o seu florescimento musical foi reflexo das excelentes condições vivenciadas no seio familiar: “Eu cresci em uma família na qual a maioria das pessoas se dedicavam à arte, especialmente à música” (Depoimento da 26 compositora, 2017). Seus avós maternos, Vincenzo De Lorenzo5 e Rosa Di Lascio De Lorenzo, apelidada de Rosina, imigrantes italianos, fazendeiros (Fazenda Rio Feio – braço do Rio Mogi Mirim) e comerciantes de Santa Cruz das Palmeiras – “Shopping do Sr. Vicente”, eram apaixonados por música e influenciaram diretamente a compositora para as artes, especialmente para a música. Filha mais velha de Ines Margarida De Lorenzo Pereira da Silva e Feliz Augusto Pereira da Silva6, irmã de Branca Pereira da Silva Castro e Abílio Pereira da Silva, Adelaide, nasceu em Rio Claro, cidade do interior do Estado de São Paulo – Brasil, no dia 05 de julho de 1928: Nasci em Rio Claro, mas a minha infância foi em Santa Cruz das Palmeiras – SP, uma cidadezinha pequena. Sabe, eu acho que ela se perdeu no tempo... Lá eu cresci e fiquei até os sete anos, depois vim para São Paulo, capital, por razões que desconheço. Por questões do trabalho do meu pai, nós viemos morar aqui e aqui fiquei (Depoimento da compositora, 2017). Aos 7 anos de idade iniciou seus estudos de piano e teoria musical com sua mãe, uma eterna incentivadora que propiciava aos seus filhos uma educação regrada na arte: É muito pouco agradável falar sobre mim mesma, portanto, procurarei ser o mais breve possível com o fim de não cansar demais o leitor. Eu adorei música desde que nasci! Fazia, cantava, tocava, dançava, não parava nunca quando havia música, fazia música e, por isso, minha mãe se encarregou mais da minha formação musical do que dos outros dois filhos, que também tocavam muito bem. Meu irmão tocava muito bem violão erudito e a minha irmã tocava piano, todos eles tocavam muito bem, a única que fez carreira fui eu (Depoimento da compositora, 2017). 2.2. Atividades musicais da compositora Sua mãe teve sua formação musical iniciada em um colégio interno (Colégio Santa Inês, em São Paulo). Teve aulas de instrumento com a pianista7 assistente do consagrado 5 Vincenzo De Lorenzo, após ficar viúvo, casou se pela segunda vez com Ermelinda Sarpa De Lorenzo e tiveram três filhos, totalizando sete com os quatro do primeiro casamento; Ines Margarida De Lorenzo Pereira da Silva, mãe de Adelaide, é a terceira. 6 Feliz Augusto Pereira da Silva era imigrante português, filho caçula de José Caetano Pereira da Silva e Ana Adelaide Lopes Pereira da Silva. Seus irmãos são José Pereira da Silva, Adalberto Pereira da Silva, Adelino Pereira da Silva, Adelaide Pereira da Silva Barros Nobre, Adosinda Pereira da Silva e Zeferina Reis (apelido Fina) Pereira da Silva. Obs.: Somente os homens vieram para o Brasil. (Depoimento oral de Silvia Anspach – 12/01/2018). 7 Não foi possível obter referências acerca dessa pianista, nem seu nome. 27 pianista e professor Luigi Chiaffarelli. Mesmo tendo sido uma excelente pianista, nunca atuou em público, pois o seu pai não permitiu que ela exercesse a profissão: A minha mãe foi uma excelente pianista, estudou com grandes professores, mas não atuou nunca na área profissional, mas soube passar aos filhos tudo que ela havia recebido e aprendido – o mesmo rigor, o mesmo afinco com que a gente deveria estudar, isso desde criança (Depoimento da compositora, 2017). Sua mãe foi primordial para seu desenvolvimento musical, pois, além de se preocupar em escolher professores de qualidade para ensinar o instrumento, frequentemente a levava para assistir aos recitais de piano. Aos 10 anos de idade, Adelaide passou a ter aulas particulares de piano com a Professora Nair de Souza. [...] quando ela [sua mãe] viu que eu estava maiorzinha, já tinha uma ideia de que a música era uma coisa que deveria ser estudada com critério, então ela escolheu a primeira professora, chamava-se Nair de Souza; não tinha um grande brilho como professora, mas era uma excelente pessoa e me conduziu por muito tempo. Em determinado momento, por sua própria sugestão, fui estudar com o Hans Bruch8, [...] (Depoimento da compositora, 2017). Adelaide passou a ter aulas particulares com este pianista dos 14 aos 18 anos. Aos 18 anos, casou-se com Otto Ruzicska, húngaro, engenheiro e apreciador de música. Por volta de 1950, foi estudar com a pianista e compositora Dinorá de Carvalho9, que impulsionou demais a sua carreira. Em pouco tempo, Adelaide passou a ser sua assistente, lecionando para os alunos menos adiantados e, de 1954 a 1958, passou a ministrar o “Curso de Interpretação” criado por Dinorá de Carvalho, demostrando sua vocação para a área pedagógica que, futuramente, intensificar-se-ia ainda mais. Dinorá de Carvalho frequentemente realizava saraus em sua residência e, em um desses encontros, esteve presente o compositor Mozart Camargo Guarnieri. Nessa ocasião, Adelaide Pereira da Silva interpretou algumas de suas composições: 8 Hans Bruch (1891 - 1968), pianista natural de Strasburgo – Alemanha, radicado no Brasil em 1935. 9 Dinorá Gontijo de Carvalho Murici (1897-1980), pianista, compositora e professora, natural de Uberaba – MG. Estudou piano no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e em Paris – FRA com Isidor Philipe, composição e regência com Lamberto Baldi e orquestração com Martin Braunwieser. Foi uma das fundadoras da Orquestra Feminina de São Paulo, cujos concertos obtiveram considerável repercussão. Em 1954 recebeu a medalha de ouro do IV Centenário da fundação da cidade por seu trabalho de formação musical das crianças paulistas. Como compositora, podemos destacar: a suíte sinfônica Arraial em festa, as três Danças brasileiras, para piano, cordas e percussão; Onze Peças Infantis sobre Motivos Populares (1939), para piano, a Missa De Profundis (1977), para coral, que mereceu prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte e a coletânea Noite de São Paulo (1936), canções sobre textos de Guilherme de Almeida (Academia Brasileira de Música/ site: http://www.abmusica.org.br/academico.php?n=rdinorah- de-carvalho&id=103. Acessado em 14/07/2017). 28 [...] ela (Dinorá de Carvalho) gostava muito de festas, reuniões e tudo. Em uma dessas reuniões conheci o maestro Camargo Guarnieri. Meio que forçada – eu era uma amadora na arte de compor – toquei alguma coisa e foi então que ele me incentivou a estudar composição (Depoimento da compositora, 2017). Guarnieri, espantado com sua inclinação para a composição, sugeriu que ela tivesse aulas de teoria, harmonia e contraponto com o compositor Osvaldo Lacerda, para depois seguir na composição: [...] por sua sugestão [Camargo Guarnieri], passei a estudar harmonia, análise, e contraponto com Osvaldo Lacerda. Foi quando senti a necessidade de me aprofundar mais no estudo de nosso folclore, com Rossini Tavares de Lima e Padre Jose Geraldo de Souza – grandes conhecedores da raiz da nossa música. Aventurei-me, então, sob a tutela da Camargo Guarnieri, a compor, sempre pendendo para a criação de músicas brasileiras eruditas (Depoimento da compositora, 2017). Tomando como modelo o compositor húngaro Béla Bartók, que, por mais de 40 anos, estudou o folclore da sua pátria, Adelaide desenvolveu uma ligação profunda com o nacionalismo musical e o amor ao que é originalmente brasileiro. Em muitos depoimentos, ela se reporta a esse compositor e relata o quanto ela se dedicou ao folclore musical do nosso país, buscando como modelo a iniciativa e empreendedorismos realizados por Béla Bartók: Fiz muitas pesquisas nessa área, estudei muito folclore, destacando a parte musical que viria a ser a que mais necessitei. É importante conhecer o ambiente de cada local, o espírito de cada região. Se esse compositor encontrou poesia e inspiração na música de sua terra é necessário que eu reconheça os múltiplos aspectos, suas constâncias, escalas, modos, de nossa música (Depoimento da compositora, 2017). Mesmo tendo criado uma composição aos 10 anos de idade (1938)10, sua carreira como compositora teve início a partir da convivência contínua e prolongada com os compositores Osvaldo Lacerda e Camargo Guarnieri. Por volta de 1960, aos 32 anos de idade, suas atividades como professora de música e compositora começaram a se intensificar. Foi em 1962, com o aval e consentimento de seu mestre, Camargo Guarnieri, que Adelaide publicou sua primeira obra para piano – Ponteio nº 1. Desde então, segue compondo obras para diversas 10 Esta valsa intitulada Branquinha, foi dedicada à sua irmã e leva a seguinte dedicatória: “À querida Branquinha ofereço com todo afeto, sua irmã Adelaide”. 29 formações instrumentais e vocais, tais como canções para canto e piano, coro infantil, coro misto, cordas, percussão, piano e sopros. O meu instrumento é o piano, evidentemente é esse instrumento que mais valorizo, sempre. No entanto, gosto muito de canto, canto e piano principalmente, instrumento de sopro, percussão, e não deixando de falar da minha pretensão de ser artista e de ser pintora, também (Depoimento da compositora, 2017). Suas composições têm caráter nacionalista, apoiadas nos elementos da cultura e raízes brasileiras, pensamento demostrado na ideologia musical de Guarnieri, o qual ela chamava de mestre. Figura 5: GUARNIERI, Mozart Camargo. Depoimento – In: Jornal da Música, novembro/dezembro de 1980. p. 7. Embora tenha lecionado a disciplina Folclore, Adelaide desmistifica a afirmação de que suas obras são fundamentadas em trechos, temas e canções folclóricas. Ela não utiliza temas divulgados pelo folclore musical, mas faz uso de características rítmicas, melódicas, harmônicas e timbrísticas que nos reportam para o ambiente musical nacionalista. Eu sou mais nacionalista, uso muita coisa brasileira [...]. Estou dentro do programa de música nacional brasileiro, mas nunca copiei nada, a não ser um pequeno trecho, que é uma série de variações que fiz sobre um tema popular. Mas fora isso, nunca copiei nada de música feita (Depoimento da compositora, 2017). A compositora afirma que o fato dela ser folclorista ajudou qualitativamente seus projetos de composições: 30 Não se pode conceber um compositor desprovido de cultura geral, sem talento, boa orientação e disciplina de trabalho. Para ser um compositor de raízes nacionais, é necessário muito trabalho, trabalho mesmo... trabalho de pesquisa, estudos sobre esse material colhido. O que é impossível atribuir qualidades parecidas em qualquer livro, método de composição. Você tem que absorver os elementos ao vivo, o estilo, o espírito e a maneira de ser de cada local (Depoimento da compositora, 2017).11 Foi membro da Comissão Estadual de Música de São Paulo, a partir de 1967, órgão consultivo do Conselho Estadual de Cultura, Governo do Estado de São Paulo na gestão do Governador Roberto Costa de Abreu Sodré12. [...] todas as atividades relativas às artes passavam pelas nossas mãos, neste caso – a música. O que fazíamos era uma triagem, analisávamos o currículo do músico, o programa a ser apresentado e o nível de qualificação. Assim, era oferecido um cachê de acordo com o seu enquadramento na tabela existente. Em sua maioria solistas. Não era costume a execução de obras brasileiras. A partir desta comissão, pudemos fixar a obrigatoriedade, ou seja, todos os intérpretes tinham que tocar pelo menos uma obra de compositor brasileiro. Houve a moralização das atividades musicais, assim como em outras áreas de cada comissão. Foi uma época rica para a música brasileira (Depoimento da compositora, 2017). De 1961 a 1966, foi Presidente da Sociedade Pró-Música Brasileira, entidade que ajudou a fundar, cujo objetivo era a pesquisa, preservação e difusão da música brasileira. Inicialmente foi Tesoureira da Sociedade, após renúncia do vice-presidente Sérgio Oliveira de Vasconcellos Corrêa. A convite do presidente, o compositor Osvaldo Lacerda, passou a ocupar o cargo de vice-presidente e, mais tarde, o cargo de presidente em exercício, durante o período em que o compositor esteve fora do país. A princípio eu era a 1ª Tesoureira, mas não sei por qual motivo o Sérgio Vasconcellos saiu. Então o Presidente Osvaldo Lacerda solicitou que tomasse posse da vaga de vice-presidente e que elegêssemos outra pessoa para o cargo de 1º Tesoureiro. Se não me falha a memória, o Edson de Castro Pinto que assumiu a vaga de 1º Tesoureiro. A SPMB teve muita representatividade, muita atividade, ela foi a mais importante de todas, não havia nenhuma sociedade de música brasileira, foi a primeira e muita gente que atua hoje teve projeção por causa dela. Assombrou, abalou todo mundo, afinal de contas era a Sociedade Pró-Música Brasileira. O intuito era apresentar e defender a música brasileira e nós realizamos muitas coisas (Depoimento da compositora, 2017). 11 Além de compositora, pianista, folclorista e pedagoga, Adelaide também se dedicou à pintura, obtendo nessa atividade algumas premiações. 12 Sua nomeação foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo ANO LXXVII – Nº 156, sexta feira, 18 de agosto de 1967, p. 7. 31 No documento extraído da extinta revista Anhembi, contemplando a fundação da Sociedade Pró-Música Brasileira, seus propósitos e circunstância de sua criação, a compositora é a única mulher a ocupar um cargo dentro desta Sociedade. Figura 6: DUARTE, Paulo Alfeu Junqueira. “Concertos do Mês, Artes de 30 dias” – In: Resvista Anhembi 1943. nº 132, Ano XI, Vol. 44, 1961. 2.3. A Folclorista Como folclorista, sua atuação foi relevante. Além de lecionar essa disciplina em algumas escolas de música, participou de inúmeros encontros e conferências contendo esta temática. Entre eles consta sua participação como debatedora no II Simpósio sobre 32 Pesquisa do Folclore, promovido pela Secretaria de Estado da Cultura, Ciência e Tecnologia, SP – Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, realizado na Fundação Escola de Comércio “Álvares Penteado”, São Paulo, no ano de 1977, com tema relacionado à música folclórica: Figura 7: II Simpósio de Pesquisa de Folclore: (anais) coordenador Alfredo João Rabaçal. São Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1979, p. 15. Adelaide expõe com orgulho sua filiação como membro da International Organization of Folk Art – UNESCO: “Faço parte até hoje dela, é uma entidade mundial composta por pessoas que se dedicam, até certo grau, ao folclore. São pessoas convidadas e que criaram alguns trabalhos na área de folclore musical” (Adelaide Rosa Pereira da Silva, 2017). 33 Sua obra Ciclo Paulista para canto e piano recebeu o 1º lugar no Concurso Nacional de Composição “Três Canções sobre Temas do Folclore Paulista”, concurso promovido pela Associação Brasileira de Folclore, o Conservatório Musical “Carlos Gomes” e o Jornal “A Gazeta” em 1962. Com a obra para canto e piano “É tão pouco o que desejo”, conquistou o 2º lugar no Concurso Nacional de Composição “Cidade de Santos”, instituído pela Secretaria Municipal de Cultura de Santos, em 1966. Além das gravações em CDs como: Revelando o Brasil (2000), com obras para piano, suas músicas têm sido executadas na França, Espanha, Portugal, Estados Unidos e Japão, como podemos constatar no seguinte folder. Figura 8: Programa de Concerto: Apresentação dos alunos do Professor Ciro Gonçalves Dias Júnior – Comemorando os 100 anos da Imigração Japonesa no Brasil. São Paulo, MUBE, 2008. 34 Foi professora de diversas instituições de ensino de música, como a Faculdade de Música de Santa Cecília, em Pindamonhangaba – SP (1976 a 1980), Faculdade de Música Marcelo Tupinambá em São Paulo – SP, (1977 a 1986) e da Escola Municipal de Música de São Paulo13 (1978 a 1993), lecionando teoria e percepção musical, harmonia, contraponto, análise, estética, prosódia, piano e folclore. Eu lecionei em uma série delas, você nem acredita. Piano, como fiz muito tempo, mas parei porque não estava afim de me dedicar muito nesse campo, mesmo assim deixei bons alunos que até hoje estão trabalhando. O que eu gostei mais? Trabalhei muito com o folclore ligado à música (Depoimento da compositora, 2017). Adelaide demonstra satisfação e apreço na arte de ensinar e compartilhar suas experiências. Em uma conversa informal, a compositora relata que teve boas experiências na área pedagógica: Eu gostei de todas as atividades que desenvolvi, todas elas me deram satisfação, eu nunca tive problemas profissionais, isso já é uma grande coisa para um professor. Então eu gostei de todas, mas gostei muito da Escola Municipal de Música de São Paulo, gostava muito de lá. Teve um período que tínhamos uma excelente diretora, a professora Marisa Trench de Oliveira Fonterrada, uma época muito feliz da escola. Nesse período, a escola era pouco conhecida e tinha pouca força política, pois ela foi fundada, segundo me disseram, como uma escola para preparar profissionais para regência de orquestra ou instrumentistas de orquestras. Eu tive a sorte de trabalhar lá, porque encontrei gente muito boa realmente – muitos já faleceram (Depoimento da compositora, 2017). Poderíamos descrever outras façanhas musicais dessa compositora. Foram inúmeros os prêmios recebidos, e cerca de setenta e oito composições realizadas. Até hoje tem se dedicado a lecionar composição em sua residência. Ocupou cargos importantes para a divulgação do repertório musical nacionalista e tem uma projeção internacional a ser considerada. Contudo, o nosso interesse nesta pesquisa está centrado em catalogar a sua produção musical ainda não publicada, o que faremos a seguir. Durante nosso convívio, tive a honra de receber de suas mãos uma relação de documentos que de forma alguma poderia me furtar a publicar. Os mais representativos constam do anexo desta pesquisa, os demais foram restituídos. Os documentos em anexo poderão servir a quem possa se interessar, futuramente, em conhecer mais a fundo o trabalho dessa musicista. 13 Atualmente a Escola Municipal de Música de São Paulo é registrada com o nome de Escola de Música de São Paulo, conforme a lei nº 15.380 de 27 de maio de 2011. Instituição vinculada à Fundação Theatro Municipal de São Paulo. 35 CAPÍTULO 3 EDIÇÃO MUSICAL 3.1. Conceito, Função e Utilidade A transcrição e edição de partituras consagrou-se ao longo dos tempos como uma das possibilidades de produção documental da atividade musical realizada em uma determinada cultura, lugar ou época. O Arquivo Nacional assim define o termo documento: Documento é toda unidade de registro de informações, qualquer que seja o suporte ou formato, suscetível de ser utilizada para consulta, estudo, prova e pesquisa, por comprovar fatos, fenômenos, formas de vida e pensamentos do homem numa determinada época ou lugar. Entende-se por suporte o material no qual são registradas as informações, enquanto formato é o conjunto das características físicas de apresentação, das técnicas de registro e da estrutura de informação e conteúdo de um documento. Todo documento é uma fonte de informação, como, por exemplo, livros, revistas, jornais, manuscritos, fotografias, selos, medalhas, filmes, discos e fitas magnéticas (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 73). Em suma, documento é uma unidade de registro de toda e qualquer informação, independente do seu conteúdo, suporte ou formato. Com o surgimento e popularização da tecnologia computacional, a criação de documentos aumentou consideravelmente e, conforme expressa Siqueira (2016), de forma natural, pois a produção documental é inerente, intrínseca e própria das atividades pessoais e/ou institucionais realizadas em uma sociedade. Pessoas com ou sem algum conhecimento, habilidade e familiaridade com softwares passaram a produzir documentos, seja arquitetando imóveis, móveis, automóveis, peças e ferramentas, mixando áudio, retocando e alterando imagens, vídeos, redigindo ofícios, atas, produzindo partituras, entre outras tantas atividades. A produção de documentos surge da necessidade que o homem tem de obter informações e formatar dados que lhe permitam rememorar as ações humanas, atestar, manter, restabelecer, reproduzir, decidir, provar e analisar essa trajetória. Sob essa perspectiva, a partitura manuscrita, impressa em offset ou digital também adquire o status de documento musical, conforme glossário elaborado pela Câmara Técnica de Documentos Audiovisuais, Iconográficos e Sonoros (CTDAIS), órgão vinculado ao Conselho Nacional de Arquivos, que tem a finalidade de realizar estudos, 36 propor normas e procedimentos no que se refere à terminologia, à organização, ao tratamento técnico, à guarda, à preservação, à destinação e ao acesso de documentos (SILVA, 2016, p. 8). Vejamos o que o Conselho Nacional de Arquivos define como documento musical: Documento musical: “Gênero documental integrado por documentos que se caracterizam por conter informação codificada através de notação musical, independentemente do processo de produção, de registro ou fixação, e de reprodução ou realização. Exemplos de documentos musicais: partituras, partes (vocais e/ou instrumentais), livros de coro e cartinas” (CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS, 2014, p. 9). A partitura, tradicionalmente, tornou-se um documento incorporado em suportes diversos como: tela de computador, papel, papiro, pedra etc. Contempla a inserção de símbolos musicais (notação) que representam o som ou a ideia musical criada. Seu objetivo é o registro, a orientação para reprodução, análise, comunicação e difusão da música. O compositor e pesquisador Edson Zampronha relata que: “A composição musical conforme o paradigma tradicional é uma construção realizada com objetos sonoros. Para que isso possa ser feito, os objetos são transformados em signos inscritos sobre um suporte para então serem operacionalizados” (ZAMPRONHA, 2000, p. 116- 117). Independentemente da imprecisão e das limitações da notação musical, é sabido que a partitura, ao longo dos tempos tem sido um documento musical de grande importância, talvez o único ou o mais relevante material musicográfico, que possibilita e favorece as execuções musicais produzidas até então e as pesquisas musicológicas em diversos direcionamentos, sejam eles históricos, performáticos, teóricos, sociais, ou outro qualquer. Os historiadores e musicólogos Jean Massin e Brigitte Massin, em texto publicado, relata a importância da notação musical na preservação da produção musical: A ambiguidade dos signos de que o compositor se serve para transmitir suas ideias musicais dá à notação uma flexibilidade que lhe permite adaptar-se a diferentes contextos estilísticos e pessoais. Com isso, a notação cobre diversas funções: orienta a execução do intérprete, proporciona um repertório em que o compositor vai buscar as ferramentas necessárias para comunicar o que ainda está só em projeto, conserva o que deve aparecer como o arcabouço da obra e, dessa forma, possibilita analisá-la, classificá-la” (MASSIN, 1997). Utilizando símbolos específicos, a partitura configura-se como a própria materialização das ideias musicais, ainda que detenha nesta simbologia algo de subjetivo. 37 Como nos informa Tragtenberg (2007, p. 43): “Por certo, cada intérprete enxergará de um modo pessoal e único, as informações grafadas em uma partitura de modo igual para todos que se debrucem sobre ela”. O fato é que as partituras cada vez mais têm se mantido ao longo dos tempos graças ao trabalho dos editores. O I Colóquio Brasileiro de Arquivologia e Edição Musical, realizado em Mariana, MG, de 18 a 20 de julho de 2003, foi enfático na proposição de possíveis soluções quanto aos problemas editorias até então encontrados. Desta forma, estaria preservado o direito de acesso à documentação musical. Foram expostas algumas medidas e ferramentas tecnológicas que poderiam preservar e resgatar esses documentos, entre eles, a partitura, além da discussão de outros pontos importantes com relação à temática. O Colóquio aspirou estabelecer padrões técnicos, éticos e responsáveis no que se refere a consulta, tratamento e administração de acervo dos compositores, tais como: catalogação, edição, difusão, disponibilização, descrição, caracterização de sua função, padronização dos elementos descritivos, matriz, normalização e ações metodológicas pertinentes e adequadas às características brasileiras, conforme descreve o historiador e musicólogo Paulo Castagna (2008). James Grier, PhD e Professor de História da Western University – Canadá, relata em seu livro “The Critical Editing of Music: History, Method, and Practice” (GRIER, 1996, p. 2-3) que editar é um ato de crítica, que consiste em uma série de escolhas, fundamentadas e criticamente informadas, isto é, um ato de interpretação das fontes e interação entre a autoridade do compositor e a autoridade do editor, percebido em um equilíbrio exato entre essas duas autoridades. O produto direto e sensato da edição é resultante do comprometimento crítico do editor com a peça editada e suas fontes. Assim, a edição é resultante do processo de pesquisa interpretação e reflexão, com pretensões de que seja completa, contextualizada correta e definitiva. Há muitos termos empregados para definir o que é edição musical. Alguns são adequados, como editar, editorar e publicar, que convergem em seu sentido. Outros, no entanto, como compilar, copilar, copiar e transcrever, acoplam à expressão um sentido distinto. Esses podem ser aceitos como documentos e contribuir até certo ponto à pesquisa musicológica, mas não são verdadeiramente uma edição. Em resumo, utilizam-se termos diferentes e com sentidos diferentes para descrever objetos e ações similares e também é comum utilizar termos de sentidos equivalentes para delinear e retratar realizações dispares, levando a uma depreciação e desqualificação do ato e do produto. 38 Os estudos sobre as edições brasileiras ainda são poucos. Como consequência, grande parte das obras editadas, ainda hoje, o é de maneira empírica, sem uma reflexão consciente, denotando a resistência da comunidade acadêmica em levar a sério a questão e adotar critérios mais consistentes ou mais conscientes. Junte-se a isso a quantidade de curiosos que confundem cópias com edições, e os softwares de música, que ajudam nessa confusão, com o largo emprego do termo “editar”, que nada tem a ver com o termo técnico correto (FIGUEIREDO, 2014, p.10). Por outro lado, devemos considerar que tal incorreção conceitual pode ser fruto da tradução por aproximação de palavras estrangeiras e sua absorção e inserção no nosso vocabulário, como é o caso dos termos editar/edit/editor/publisher. Editar, editor, edição, editorar e editoração convergem nos dicionários brasileiros da Língua Portuguesa, cujo conceito e definições giram em torno das ações que indicam responsabilidade, seleção, preparação, modificações e disponibilização pública. Assim como relata Marisa Midori Deaecto (2016), professora do curso de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (USP), o ato de editar adquiriu um sentido mais lato desde 106 a.C., não se restringindo apenas à realização de cópias para registro e preservação e sim para torna algo público. Tal perspectiva explica o conteúdo semântico original do latim editor, editoris, ou seja, o que gera, que produz, ou aquele que causa; e, por extensão, o autor, consoante o verbo edere, de parir, publicar, expor, produzir, de acordo com Emanuel Araújo. Há, na verdade, duas ações em jogo: enquanto edere equivale a lançar um produto [...] sem procurar difundi-lo amplamente, publicare descreve o processo pelo qual o texto se torna público, ou seja, quando ele escapa ao poder do autor. Nos dois casos a função editorial é imprescindível, tanto no aspecto da crítica do texto, tanto no que toca à cópia e reprodução do original (DEAECTO, 2016, p. 12).14 Com base nestes relatos, a palavra editar significa produzir, de forma coerente e consciente, um material específico a partir de um manuscrito qualquer, para que ele seja acessível aos interessados e disponibilizado para o futuro. Com isso, é tornado público, a partir de um conjunto de ações distintas, críticas e coerentes, a saber: pesquisa, análise, seleção, preparação, tratamento e definição de procedimentos. Para Carlos Alberto Figueiredo (2014, p. 35-6), a quem tomamos como referência teórica neste capítulo, o ato de copiar um manuscrito não passa de uma ação mecânica, 14 DEAECTO, Marisa Midori. Prefácio. In: MARTINS FILHO, Plínio. Manual de Editoração e Estilo. Campinas: Editora da Unicamp; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016. 39 diferentemente do que vem a ser edição, que consiste em um fazer mais responsável e que exige inúmeras informações e decisões por parte do editor. Para este trabalho, utilizei como fonte primária e única, os originais, ou seja, as partituras manuscritas e selecionadas pela própria compositora, que depois de editadas tiveram a sua autorização para serem publicadas. Todas as partituras foram revisadas por ela, o que afasta de pronto a possibilidade de erros ou impropriedades, ou a falta de autenticidade com os documentos originais. 3.2. Tipos de Edições Musicais Embora há quem pense existir diferença entre os diversos tipos de edições, não podemos descartar a ideia de que, no final, todas elas servem, de alguma maneira e de forma geral, para os estudos musicológicos, para a preservação e transmissão do acervo musical, além da performance, sendo que a própria manutenção de sua existência física é garantia de conservação, transferência e reprodução da representação sonora existente. Conforme expresso por Risarto & Lima (2010, p. 97), “[...] a escrita, para o músico, é a própria representação sonora”. Na tabela abaixo, buscamos demonstrar os tipos de edição mencionados por 3 (três) autores e editores que se assemelham de certa forma, a saber: Georg Feder (2011, p. 137 a 155), Carlos Alberto Figueiredo (2014, p. 56-7) e James Grier (1996, p. 145 a 155). FEDER, Georg FIGUEIREDO, Carlos GRIER, James Fac-símile Diplomática Notação atualizada Crítica Histórico e crítica Acadêmica e Prática Urtext Baseado na história da transmissão Fac-similar Diplomática Crítica Urtext Prática Genética Aberta Fac-símile Diplomática Crítica Interpretativa Figura 9: Quadro explicativo dos Tipos de edição conforme autores. Optamos pelos tipos de edição indicados pelo editor Carlos Alberto Figueiredo, a seguir conceituados, tendo em vista que ele se baseia nas informações prestadas pelos dois outros editores. 40 3.2.1. Edição Fac-similar Trata-se de uma edição cópia, ou seja, o editor recebe o manuscrito ou o documento e, a partir dele, sem alterar a fonte primária, reproduz o material por meios fotográficos ou digitais por intermédio de equipamentos que captam imagem, como um scanner, por exemplo. Serve apenas como um suporte tecnológico (por meio fotográfico ou de digitalização) do documento original, a título de preservar por tempo significativo o documento pelo qual se pautou. Esse formato de edição contém alguns problemas, tais como a preservação das manchas oriundas do documento original, os desgastes do tempo, as danificações que o documento sofreu em virtude das condições físicas de armazenamento, inaptidão existente e a impossibilidade de decodificação correta dos códigos e informações, dentre outros fatores. 3.2.2. Edição Diplomática A edição diplomática assim como a fac-similar também se baseia em uma única fonte e procura retratar com a maior fidelidade possível o texto musical. Busca refletir, na medida do possível, o que está fixado no original por meios de transcrição. Nesta tipologia, admite-se a possibilidade, com certa parcimônia, de se estabelecer uma metodologia crítica, permitindo a apresentação e inserção de elementos interpretativos ao texto musical e conservando a notação original. Diferentemente da edição fac-similar, nesta modalidade admite-se a utilização de computador, isto é, o uso de softwares de edição musical para transcrição do documento original. 3.2.3. Edição Prática Embora baseada também em uma única fonte, independente de qual esta edição é produzida com finalidade distinta, destinada mais intensamente aos intérpretes e à prática musical, pois traz algumas nuances e elementos externos à fonte, adaptando-se às necessidades performáticas do instrumentista; ou seja, traz a intenção sonora do editor e não a do compositor. Geralmente, é utilizada por editores com base na transmissão de um tipo de tradição oral do estilo de execução e visão pessoal, podendo ser agregado dinâmicas, articulações, expressões e sinais de cunho puramente interpretativo. Assim como aquela em que há modificações na textura da composição original, com adaptações, 41 e com o objetivo de ampliação do número de executantes, isto é, orquestração de acordo com Thurston Dart (2000), arranjos, transcrições, reduções para piano, etc. Portanto, as características que unificam e classificam as edições fac-similar, diplomática e prática como não críticas estão relacionadas à utilização de uma fonte única e à pouca possibilidade ou impossibilidade de intervenções críticas fundamentadas acerca das intenções do compositor, mantendo-as mais próximas do patamar de autenticidade e originalidade. O segundo grupo incorpora as edições genética e aberta, diferentemente do primeiro grupo, que utiliza uma única fonte, essas duas buscam delinear o processo de criação e o de transmissão da obra musical a partir de outras fontes empregadas ao mesmo tempo. 3.2.4. Edição Genética Voltada para o processo criativo, feita a partir dos vestígios documentais existentes, tais como anotações, rascunhos, versões, projetos e elementos relacionados à composição, mostra o processo de escritura e o conjunto de documento e recursos utilizados, evidências de esquema composicional, dentre outros. Ela permite trazer, com maior clareza, a intenção do compositor, escrita ou sonora, e cada modificação introduzida pelo compositor pode ser apresentada no texto editado. Inclusive, pode-se apresentar cronologicamente os processos de criação. 3.2.5. Edição Aberta É o tipo de edição que dispõe graficamente diferentes fontes da mesma obra e registra todas as modificações na recepção dessa obra. Tem objetivo musicológico e o material é apresentado de forma organizada e metódica. 3.2.6. Edição Crítica Neste tipo de edição, feita a partir da pesquisa e análise de várias fontes, o propósito é registrar a intenção de escrita do compositor a partir daquilo que está descrito nas fontes autografadas ou autorizadas pelo autor. O objetivo final desta edição é a reconstituição da obra, mostrando o pensamento sonoro. Além de ter caráter 42 musicológico, a importância desta edição para a prática musical é evidente, uma vez que pode fornecer elementos interpretativos e técnicos autorizados pelo autor. 3.2.7. Edição Urtext É aquela cujo objetivo é reproduzir o texto original do compositor, a partir de uma única fonte, tão próximo quanto possível da exatidão, podendo introduzir, minimamente, material interpretativo ou alteração, buscando registrar a intenção sonora com maior clareza. Sua característica é semelhante à da edição diplomática. No mercado editorial atual, ela detém maior garantia de confiabilidade, assim como comenta Dart (2000): Um passo na direção certa foi dado por muitas editoras alemãs, com as edições Urtext (texto original), nas quais as notas e as indicações do próprio compositor aparecem com exatidão e qualquer acréscimo editorial, interpolação ou interpretação, é distinguido de maneira clara, [...] (DART, 2000, p. 14). Nessa explanação breve, estão pautadas questões envolvendo a fonte, sua procedência, autenticidade, critérios de escolhas e decisões, ou seja, a metodologia utilizada, cuja finalidade transita entre os fins científicos, musicológicos, arquivísticos e práticos. No nosso entendimento, esses 7 tipos indicados por Figueiredo poderiam ser resumidos em duas modalidades – aquelas fundamentadas em uma única fonte e com a preocupação de aproximar-se da originalidade, considerando-se que a partir de uma fonte original, os editores poderiam sugerir correções gráficas e sonoras, além de informações adicionais à produção musical feita de forma criteriosa, consciente e responsável. Uma segunda modalidade, são aquelas edições baseadas em documentos e fontes musicais diversos, com intenso objetivo musicológico. Na confecção do catálogo, podemos afirmar que adotamos a edição Urtext tendo em vista que partimos das partituras manuscritas da autora, adicionando suas correções, ficha técnica, atualizações na escrita musical conforme a intenção atual da compositora, etc. 43 CAPÍTULO 4 CATÁLOGO COMENTADO E PARTITURAS DAS COMPOSIÇÕES DE ADELAIDE PEREIRA DA SILVA 4.1. Do Catálogo15 Este catálogo contém informações relacionadas exclusivamente às obras musicais não publicadas do acervo particular da compositora Adelaide Pereira da Silva. Estas informações são provenientes dos dados coletados ao longo da trajetória do projeto de pesquisa, iniciado em 2016, até o presente momento. O objetivo deste instrumento de pesquisa16 é fornecer informações acerca de cada obra não publicada do acervo, além de disponibilizar, na íntegra, 31 (trinta e uma) obras editadas e atualizadas, que também foram revisadas e autorizadas para publicação pela própria compositora, tornando-se uma potencial fonte, apoio ou referência para futuras pesquisas. As informações referentes a cada uma das obras estão organizadas em três grupos com itens destinados a facilitar a consulta e o entendimento dos documentos, ou seja, das partituras, cujo conteúdo é: histórico da peça e circunstância de sua composição, informações técnicas e informações complementares. O primeiro grupo fornece informações textuais que compõem um pequeno histórico da peça, situando-a no tempo e no espaço, ou seja: título e subtítulo, data e local da composição. O segundo grupo traz informações técnicas sobre a peça, sua macroestrutura, instrumentação, número de movimentos, nome dos movimentos, andamentos e duração aproximada. O terceiro grupo traz informações complementares, como: comentários pertinentes a obra, comentários da compositora, informações sobre o registro fonográfico e críticas, se houver. 15 In: ARQUIVO NACIONAL, Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005, p. 108, o termo catálogo configura-se como um instrumento de pesquisa organizado segundo critérios temáticos, cronológicos, onomásticos ou toponímicos, reunindo a descrição individualizada de documentos pertencentes a um ou mais fundos, de forma sumária ou analítica. 16 Meio que permite a identificação, localização ou consulta a documentos ou a informações neles contidas (ARQUIVO NACIONAL, Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005, p. 108). 44 Esperamos que todas as informações e documentos disponibilizados possam servir como material para futuras explanações, tanto no que se reporta à performance, como para fins arquivísticos e musicológicos. Segue um exemplo do modelo que adotamos no catálogo. Histórico da peça e circunstância de sua composição (Identificação) Informações técnicas (Quando houver) Informações complementares (Quando houver) Título da obra Subtítulo (se houver) Dedicatória Data de composição Autor do texto Data e local de estreia Intérprete(s) estreia Edição (Original/Editado) Publicação Inéditas Fonte Instrumentação Número de movimentos Nome dos movimentos Número de compassos Duração aproximada da peça Comentário/críticas Gravações disponíveis (localização) Figura 10: Modelo de Ficha Catalográfica - Quadro informativo. 45 4.2. Procedimentos para Edição Os procedimentos utilizados para execução e realização das edições foram pautados nas seguintes ações: 4.2.1. Seleção de Material Em conformidade e parceria com a compositora, selecionamos as obras de acordo com os critérios pré-estabelecidos, sendo eles: ineditismo, obras ainda não editadas, obras não publicadas e obras cujo manuscrito supostamente havia sido extraviado. 4.2.2. Inventário Neste momento, em posse das cópias de todas as partituras selecionadas, realizei um inventário que buscasse oferecer um quadro sumário do material disponibilizado pela compositora. O objetivo foi descrever minunciosamente cada obra, estabelecer um critério de classificação e ordenação a fim de prosseguir com a edição de forma organizada. Tais elementos se pautaram na descrição do suporte, dos elementos textuais e, por fim, dos musicais. 4.2.3. Triagem Após definições e escolha do material a ser editado, separei, a princípio, as 34 obras selecionadas em quatro grupos, conforme a instrumentação. Assim, a 1ª Fase de edição foi destinada aos instrumentos solos, violão, coro infantil e coro adulto. A 2ª Fase de edição compreende os instrumentos acompanhados ao piano, tais como flauta, oboé, canto e violino. A 3ª Fase, devido à complexidade de edição, reservei exclusivamente para o preparo das obras escritas somente para piano. Por fim, a 4ª Fase foi reservada para incorporar aquelas que vieram substituir obras rejeitadas e excluídas na seleção primária. 46 4.2.4. Definição de Layout Essa é uma fase muito importante, pois não bastam somente as notas certas, mas um editor deve sempre estar atento às questões relacionadas à estética do material, à resolução de problemas de notação e à apresentação do material ao usuário de forma mais adequada e clara possível. Para isso, a minha experiência com edição e observações de edições consagradas como as das editoras Bärenreiter, Breitkopf & Härtel, Boosey & Hawkes, Carus-Verlag, Durand-Salabert-Eschig, Ricordi, Schott, Universal, dentre outras, foram úteis para elaboração do material apresentado. Neste momento, estabelece-se o formato, o tamanho dos pentagramas, a distância vertical entre eles, a quantidade de compassos por sistema ou linha, a quantidade de compassos por páginas, as dimensões das cabeças de notas, as hastes, os ângulos, as fontes que serão utilizadas tanto para elementos musicais quanto para textuais e as posições dos textos (título, subtítulo, compositor, data de composição e outros). Em se tratando de um catálogo com obras de uma mesma compositora, todas as partituras possuem o mesmo formato, fontes, linguagem e padrão de estética com configurações e porcentagens dos elementos musicais iguais em todos os parâmetros, conferindo às edições realizadas uniformidade visual. 4.2.5. Edição Há muitas maneiras de se iniciar uma edição musical. Cada profissional estabelece aquela que melhor convém, podendo assim, de forma geral, decidir como inserir e concluir cada compasso, sistema, ou página, ou produzir de forma parcial. Tudo depende da quantidade de elementos apresentados na fonte e de sua complexidade, ou seja, há de se analisar todo material antes de se inicializar, para que se possa fazer escolhas e tomar decisões conscientes, fundamentadas e informadas. No geral, para as edições pertinentes a este trabalho, após avaliação, estabeleci um fluxo de realização, começando pela escolha da voz ou linha para que, a partir deste feito concomitantemente, fosse preparada toda estrutura essencial, tal como inserção de pentagramas, o número total de compassos, a definição de claves, a tonalidade, a fórmula de compasso, os números dos compassos, os números de ensaios, as barras de compassos, os andamentos e as notas. Desta forma, contribuindo para percepção e entendimento do 47 todo, embora de forma macro, facilita e agiliza o desenvolvimento, a realização e a conclusão precisa da edição. Ajustes e alterações referentes às normas e às regras de grafia musical, foram realizados neste momento, quando necessário, com consentimento da compositora, sem descaracterizar ou modificar o discurso musical. Por exemplo, a mudança de direção e/ou união das hastes, inserção de letra, no caso de canto ou coral, em posição mais adequada e usual, assim como para as dinâmicas e articulações que foram alocadas em posições mais adequadas. Após todas essas etapas e fases, prosseguimos com a impressão de todas as obras para realizar as revisões e correções tanto musicais como de layout, a fim de conferir uniformidade às partituras, além de verifica-las com os manuscritos originais. Por fim, para conclusão e fechamento do trabalho, após correções, ajustes e aprovação da compositora, o material dividido em grupos foi encaminhado para registro na Biblioteca Nacional: Obras para Piano Solo, Obras para Instrumentos Solistas, Duetos, Obras para Canto e Piano, Obras para Coral Infantil e Obras para Coral Adulto. 48 4.3 Sumário das obras editadas 1- OBRAS PARA PIANO SOLO  Valsa Choro nº 3 .................................................................................... 50  Valsa Choro nº 4 .................................................................................... 54  Valsa Choro nº 5 .................................................................................... 58  Ponteio nº 7 ............................................................................................ 62  Ponteio nº 8 ............................................................................................ 65  Variações (Tema + 8 variações) ............................................................ 68  Suíte Caleidoscópio ............................................................................... 75 II. Vitrais .................................................................................... 76 III. Pequeno Romance ................................................................ 78 2- OBRAS PARA OUTROS INSTRUMENTOS SOLISTAS  Cantiga para Flauta ................................................................................ 80  Chorinho para Violão ............................................................................ 83  Choro para Violão ................................................................................. 86  Estudo nº 1 para percussão .................................................................... 89  Estudo nº 2 para percussão .................................................................. 100 3- DUETOS  Divertimento para Flauta e Violoncelo ................................................ 110  Noturno para Oboé (Flauta) e Piano .................................................... 113  Sonatina para Violino e Piano .............................................................. 116 4- OBRAS PARA CANTO E PIANO  As Dádivas ........................................................................................... 126  Eu fiz de ti, o meu refúgio .................................................................... 130  Era tão manso o apelo dos teus olhos .................................................. 133  Cantiga ................................................................................................. 136  Ciclo Paulista ....................................................................................... 140 I. Cabôco da terra preta ............................................................ 142 II. Meu filho veio de longe ....................................................... 144 III. Marimbondo Cabôco .......................................................... 146 49  Conceitos .............................................................................................. 148  Hiato ..................................................................................................... 152  Olhos pretos ......................................................................................... 157  Se... ....................................................................................................... 161  Toada .................................................................................................... 164 5- OBRAS PARA CORAL INFANTIL  A folha na festa .................................................................................... 167  Bolhas .................................................................................................. 170  Passarinho no sapé ............................................................................... 173 6- OBRAS PARA CORAL ADULTO  Ele nasceu lá na Loanda ...................................................................... 176  Ogum Dilê ........................................................................................... 181  Reza de Umbanda ................................................................................ 186 I. Calmo .................................................................................... 187 II. Bem ritmado ........................................................................ 191 50 4.4 Das Composições Título: Valsa Choro nº 3 Data de composição: 1978 Local: São Paulo Instrumentação: Piano Solo Número de movimentos: Único Andamento: M.M.17  = 72 Número de compassos: 65 Duração aproximada da peça: 3’ 30’’ Áudio: CDs: Revelando o Brasil18; Teclas Brasileiras19; Encontros com a Música de São Paulo20 Fonte: Acervo particular da compositora Original: Manuscrito da compositora Dedicada ao pianista Joel Honorato de Lima Filho, grande difusor das obras da compositora, a Valsa Choro nº 3 é escrita em tempo ternário com andamento lento e apresenta um total de 65 compassos de pura leveza e melancolia. A indicação metronômica se mantém praticamente constante, com uma breve variação no compasso 45, em que se reinicia a parte “A”, encerrando o ciclo baseado na forma ternária [A – B – A’]. Sua construção é predominantemente polifônica. A melodia principal, claramente desenvolvida pela voz superior, é apoiada pelas notas presas mantidas no baixo, atribuindo à peça, caráter sentimental característico da música brasileira. Embora em sua plenitude o baixo mantenha o pulso, há certa irregularidade ou inversão rítmica em determinados trechos, ocasionada pela articulação e dinâmica que varia do p (piano) ao f (forte), além da utilização de notas presas na voz superior. 17 M.M. – Metrônomo Maelzel. 18 SILVA, Adelaide Pereira da. Revelando o Brasil: Composições de Adelaide Pereira da Silva. São Paulo: Estúdio Zabumba, 2000. 19 HONORATO, Joel. Teclas Brasileiras. São Paulo: Ed. Independente, 2006. 20 MOYSES, Sylvia Maltese. Encontros com a Música de São Paulo. São Paulo: Ed. Independente, 2012.          M. M. % = 72                                   4                                         7                                    10                                                      14                          1.            2.         51 [São Paulo, 1978] Adelaide Pereira da Silva Valsa Choro nº 3 Piano solo Editada em 2017 - Valdemir Aparecido da Silva Dedicada ao pianista Joel Honorato Lima Filho   18                                                   22                                                26                                               3         30                                               33                                                            37                                                      3Valsa Choro nº 3 52   41                                           45             rall.         a tempo                         49                                                  53                                                 57                                                   61                                                4 Adelaide Pereira da Silva 53 54 Título: Valsa Choro nº 4 Data de composição: 1981 Local: São Paulo Instrumentação: Piano Solo Número de movimentos: Único Andamento: Sentido (M. M.  ± 80) Número de compassos: 79 Duração aproximada da peça: 3’ 20’’ Áudio: CD Revelando o Brasil Fonte: Acervo particular da compositora Original: Manuscrito da compositora Dedicada ao seu marido, Joseff Kollar, diferente das Valsas Choros nº