RacioLog Tânia Luzia Freitas Poza da Silva Luiz Henrique da Cruz Silvestrini LÓGICA E REDAÇÃO A estrutura argumentativa da redação modelo ENEM sob o olhar da Lógica Proposicional Bauru, SP 2024 Tânia Luzia Freitas Poza da Silva Luiz Henrique da Cruz Silvestrini LÓGICA E REDAÇÃO A estrutura argumentativa da redação modelo ENEM sob o olhar da Lógica Proposicional Bauru, SP 2024 Trabalho desenvolvido como material didático para o módulo “Lógica e Redação” do projeto Raciocínio Lógico e os Princípios da Argumentação (RacioLog) 2022, coordenado pelo Prof. Dr. Luiz Henrique da Cruz Silvestrini; com apoio da Pró-reitoria de Extensão Universitária e Cultura (PROEC). Ilustração da capa elaborada com Meta IA em 04 de dezembro de 2024; descrição do prompt realizada por Tânia Luzia Freitas Poza da Silva. Lógica e redação: a estrutura argumentativa da redação modelo ENEM sob o olhar da Lógica Proposicional © 2022 by Tânia Luzia Freitas Poza da Silva; Luiz Henrique da Cruz Silvestrini is licensed under Creative Commons Silva, Tânia Luzia Freitas Poza da. Logica e redação : a estrutura argumentativa da redação modelo ENEM sob o olhar da lógica proposicional / Tânia Luzia Freitas Poza da Silva, Luiz Henrique da Cruz Silvestrini. – Bauru : Unesp, Faculdade de Ciências, 2022 16 p. Material didático desenvolvido pelo projeto Raciocínio lógico e os princípios da argumentação (RacioLog) Inclui bibliografia 1. Lógica proposicional. 2. Redação. 3. Argumentação. 4. ENEM. I. Silvestrini, Luiz Henrique da Cruz. Título. Ficha catalográfica elaborada pela Divisão Técnica de Biblioteca e Documentação, Unesp Bauru Bibliotecária: Minervina Teixeira Lopes – CRB8/7692 https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/?ref=chooser-v1 P á g i n a | 1 OBJETIVO: Esta apostila tem como objetivo elucidar o vínculo existente entre a lógica e a estrutura da redação cobrada na prova do Enem. Para isso, trabalharemos os modelos de cada um dos parágrafos que compõem boas redações, dando ênfase àqueles que tratam da argumentação, os quais, por sua vez, devem ser elaborados de uma maneira muito parecida com os argumentos válidos da lógica proposicional. Os assuntos abordados nos capítulos que se seguem foram fundamentados a partir do estudo de conteúdos dos livros: Pensamento Crítico – O poder da Lógica e da Argumentação, dos autores Walter Alexandre Carnielli, e Richard Allen Epstein; e Um prelúdio à lógica, dos autores Hércules Araújo Feitosa e Leonardo Paulovich. APRESENTAÇÃO: Saudações, caro estudante! Está pronto para desbravar, de uma vez por todas, os mistérios mais obscuros por trás da tão temida redação do Enem, e conquistar a tão sonhada nota mil? Calma, calma. Eu sei que parece empolgante, mas alcançar uma nota alta é uma tarefa um pouco mais trabalhosa do que podemos resumir nesta apostila, e vai depender muito mais de prática, do que de teoria. Porém, como você já deve saber, é impossível tornar-se um grande confeiteiro, sem que alguém lhe apresente a receita para o seu primeiro bolo, não é mesmo? Sendo assim, veja este material como sua primeira receitinha, a partir da qual você poderá aperfeiçoar suas técnicas e vir a ser um grande mestre da confeitaria! O primeiro ingrediente deste docinho cheio de melindres que você está prestes a preparar – ou melhor, redigir – é a introdução, a qual é seguida da argumentação e, por fim, da proposta de intervenção. Essas três partes devem ser divididas em quatro parágrafos da seguinte maneira: o primeiro deve ser destinado à introdução; o segundo e o terceiro à argumentação; e o quarto à proposta de intervenção. Sim, só isso. Não parece mais tão assustador agora, não? Sabendo disso, chegou a hora de dissecar, um a um, esses parágrafos que devem compor o seu texto. Mas antes, tendo em vista que a redação pedida no Enem é no modelo dissertativo- argumentativo, é necessário que você saiba o que é e o que compõe um argumento, e, para isso, a lógica vai te ajudar. P á g i n a | 2 Sumário 1. FRASES DECLARATIVAS E AFIRMAÇÕES .............................................................. 3 1.1. Frases declarativas ......................................................................................................... 3 1.2. Afirmações .................................................................................................................... 4 2. O ARGUMENTO ............................................................................................................... 5 3. O LÓGICO E O LINGUISTA.......................................................................................... 5 4. OS CONECTIVOS............................................................................................................. 6 5. O PARÁGRAFO DE INTRODUÇÃO............................................................................. 7 5.1. A contextualização do tema........................................................................................... 8 5.2. A apresentação da tese................................................................................................... 9 6. OS PARÁGRAFOS DE ARGUMENTAÇÃO............................................................... 10 6.1. A falácia do apelo à autoridade ................................................................................... 12 7. A PROPOSTA DE INTERVENÇÃO............................................................................. 14 P á g i n a | 3 1. FRASES DECLARATIVAS E AFIRMAÇÕES: Para que possamos definir o que é um argumento, é preciso que você compreenda do que ele é formado, e, para isso, que tenha em mente o que são e qual é a relação entre frases declarativas e afirmações. 1.1. Frases declarativas: Uma frase declarativa é aquela usada para constatar algo. Portanto, perguntas, pedidos, ordens, ou quaisquer outros tipos de frases que não tenham como objetivo declarar algo, não podem ser consideradas frases declarativas. Seguem abaixo alguns exemplos:  O céu é azul.  As inscrições para o RacioLog não estão mais abertas.  Ontem fui à cafeteria.  Gosto de comer chocolate.  Teus olhos são meus livros. Trabalharemos, agora, uma a uma. A primeira e a segunda frases, mesmo diferenciando-se pelo fato de a primeira ser uma afirmação e a segunda uma negação, são do mesmo tipo de frases declarativas, e, já vos adianto, um dos melhores tipos que você pode usar em sua redação. Mas espere, eu não estou dizendo que você deva escrever sobre cores da natureza ou sobre o status da inscrição para o nosso projeto, isso não teria o menor sentido, mas o que quero dizer é que frases impessoais, e que exprimem fatos facilmente constatáveis – nesse caso, por exemplo, basta olhar para o céu ou acessar o nosso formulário – são ótimas ferramentas para uma boa argumentação. A terceira e a quarta frases também são declarativas e ambas de cunho pessoal. Todavia, enquanto a terceira, “ontem fui à cafeteria”, é facilmente verificável por se tratar de uma ação, que eu posso ou não ter realizado, ou seja, podendo eu estar dizendo a verdade ou mentindo; a quarta, “gosto de comer chocolate” já não é tão facilmente verificável assim. Mas, talvez você pense: “ora, é só ver se você come ou não chocolate”. É um bom raciocínio, e isso talvez fizesse com que você acreditasse no que eu disse, porém, acreditar é diferente de ter qualquer certeza, uma vez que eu poderia estar mentindo e, por algum motivo, comendo chocolate sem gostar. O fato é que só eu, e mais ninguém, é quem posso P á g i n a | 4 dizer se isso é uma verdade ou não. Portanto, esse tipo de frase declarativa só pode ser usada para que a pessoa que enunciou constate algo sobre ela para si mesma. A última frase, “teus olhos são meus livros” – um verso escrito no sentido figurado –, do poema Livros e flores, de Machado de Assis, é ainda mais difícil de ser verificada. Isso porque, além de não ter um significado concreto, uma vez que olhos são olhos e livros são livros, ela é totalmente pessoal, ou seja, por mais que você ou eu possamos interpretá-la de várias formas diferentes, a única pessoa que saberia, de fato, o significado dela é o próprio autor e, mesmo que ele nos dissesse esse significado, ela precisaria ser reescrita de uma maneira literal para vir a ter um sentido concreto. Pronto. Agora que você sabe o que são frases declarativas, está apto para compreender o que é uma afirmação. 1.2. Afirmações: Todas as afirmações são frases declarativas, mas nem todas as frases declarativas são afirmações. Essa é a primeira coisa que você deve ter em mente. Portanto, basta que saiba, agora, quais frases declarativas podem ser consideradas afirmações e quais ficam de fora desse conceito. Para que uma frase seja considerada uma afirmação, é necessário que ela seja verificável por outra pessoa além do próprio enunciador. Dessa maneira, voltando aos exemplos do tópico anterior, as duas últimas frases, “gosto de comer chocolate”, e “teus olhos são meus livros”, não podem ser consideradas afirmações, pois têm um valor de verdade subjetivo1. Sendo assim, podemos definir, finalmente, uma afirmação como sendo uma frase com um valor de verdade objetivo2. Agora sim, meu amigo, partiremos para a definição de argumento, e, depois de aprender tudo isso, você há de perceber que trata-se de algo muito mais simples do que parece. 1 Chamamos de valor de verdade a classificação de uma frase como verdadeira ou falsa. Assim sendo, dizer que uma frase tem um valor de verdade subjetivo, significa que apenas o enunciador pode saber se ela é verdadeira ou falsa. 2 “Objetivo” refere-se àquilo que não é subjetivo, logo, aos valores de verdade verificáveis pelo enunciador e pelos ouvintes. P á g i n a | 5 2. O ARGUMENTO Um argumento nada mais é do que um conjunto de afirmações a partir das quais se quer comprovar uma outra afirmação, a qual chamaremos, provisoriamente, de afirmação principal. Usaremos um exemplo para que isso fique mais claro. Digamos que você me convide para tomar um açaí com você e seus amigos, e eu te responda: “Estou sem dinheiro. Tive uns gastos imprevistos esse mês e meu cartão de crédito já está com o limite zerado”. Perceba que, na minha fala, existem três frases que podem ser verdadeiras ou falsas, ou seja, que têm um valor de verdade. A primeira é “estou sem dinheiro”, a segunda é “tive uns gastos imprevistos esse mês” e a terceira é “meu cartão de crédito já está com o limite zerado”. Embora eu esteja tentando te convencer de que essas três frases são verdadeiras, se você analisar o que eu disse com mais atenção, perceberá que a única coisa da qual eu realmente quero te convencer é de que estou sem dinheiro e, para isso, eu usei as duas últimas afirmações – as quais chamaremos de premissas ou hipóteses – para sustentar a primeira, que identificamos como a afirmação principal, e que chamaremos de tese ou conclusão. Vamos agora, analisar o argumento como um todo. Será que podemos classificá-lo como um argumento válido? Veja bem, dizer que tive gastos imprevistos e que zerei o limite do meu cartão não significa, necessariamente, que eu esteja sem dinheiro. Isso porque, é completamente possível que eu tenha pago algumas contas extras em um determinado mês e usado todo o limite de créditos que o meu banco oferece, e, ainda assim, ter um bom dinheiro guardado na conta corrente, na poupança, em algum fundo de investimentos ou na minha carteira. Portanto, neste caso, ainda que ambas as premissas sejam verdadeiras, isso não implicará, necessariamente, que a minha tese seja também verdadeira. Assim sendo, sob o olhar da lógica, dizemos que este argumento é inválido. 3. O LÓGICO E O LINGUISTA Ok. Você já entendeu que a lógica é indiscutivelmente necessária para a construção de um argumento. Porém, algo que não podemos esquecer, é de que a pessoa que corrigirá a sua redação não será um lógico – ou, pelo menos, não precisa ser – mas sim, um linguista, e, por esse motivo, apenas um argumento logicamente válido não será suficiente para lhe garantir uma boa nota. Voltemos ao exemplo do tópico anterior. Uma maneira de reformular a minha frase de forma que ela viesse a ser um argumento logicamente válido seria: “Estou sem dinheiro. Não P á g i n a | 6 tenho um tostão no banco ou em qualquer outro lugar”. Se analisarmos agora, perceberemos que, se a primeira premissa: “não tenho um tostão no banco”, e segunda premissa, que reescreveremos para que seja melhor observada: “não tenho um tostão em qualquer outro lugar além do banco”, forem ambas verdadeiras, então certamente a tese será verdadeira, uma vez que, se eu não tiver dinheiro em lugar algum, eu realmente estou sem dinheiro. Isso significa, então, que o meu argumento é verdadeiro, certo? Errado! Na verdade, isso significa que o meu argumento é logicamente válido, ou seja, que se ambas as minhas premissas forem verdadeiras, a minha tese será inegavelmente verdadeira. Mas, eu posso estar mentindo em relação a alguma, ou a ambas as premissas, e ter dinheiro no banco, ou na minha carteira, ou nos dois. E, nesse caso, o meu argumento não é bom, mesmo que continue sendo logicamente válido. Portanto, tratando-se da análise de um argumento, um lógico não lhe dirá se o argumento que você formulou é verdadeiro ou falso, mas sim, se ele é válido ou não. Já sob o olhar do linguista que corrigirá sua redação, a veracidade das premissas que você usou para defender uma determinada tese será, sim, colocada em pauta e, nesse caso, não basta que o seu argumento seja logicamente válido, ele precisa ser, também, um bom argumento – ou, pelo menos, que tenha grandes chances de o ser. Ademais, vale ressaltar que um lógico pode utilizar, em suas deduções, todo tipo de frases com algum valor de verdade, sejam elas subjetivas ou objetivas. Já no caso da escrita de uma redação no modelo Enem, como acabamos de explicar, uma outra pessoa, além de você mesmo – no caso, o se corretor –, precisará verificar a veracidade daquilo que você escreveu. Portanto, frases subjetivas devem ficar de fora do seu texto. 4. OS CONECTIVOS Conectivos são ferramentas que podem ser utilizadas, tanto na lógica quanto na linguagem, para estabelecer relações entre sentenças. Na lógica, essas sentenças são as frases que formam as premissas e/ou a conclusão de um argumento e, na sua redação, serão as orações que compõem os períodos que formam os parágrafos. Porém, antes que explicitemos a relação entre os conectivos lógicos e os conectivos linguísticos, é preciso que você tenha em mente que um único conectivo lógico pode ser correspondente a vários conectivos linguísticos, isso porque a linguagem é repleta, não apenas de sinônimos, como também de palavras que têm o mesmo valor lógico, mesmo que seus significados sejam completamente diferentes durante a comunicação, como é o caso do “e” e do “mas”. Vamos, então, a algumas correspondências entre os conectivos lógicos e linguísticos: P á g i n a | 7 ˄ E; também; não apenas, não somente, além disso, ademais, bem como; do mesmo modo; outrossim; por outro lado; mas; contudo; todavia; entretanto; no entanto; embora; não obstante; por outro lado. ˅ Ou. ⊻ Ou... ou; quer... quer; ora... ora. → Se... então; por isso; por esse motivo; em virtude de; porque; pois. ↔ Se e somente se. TABELA 1: CORRESPONDÊNCIA ENTRE CONECTIVOS LÓGICOS E LINGUÍSTICOS. Perceba que o conectivo lógico que apresenta mais correspondências é a conjunção, pois engloba tanto conectivos de adição quanto de oposição, e isso pode ser bastante útil, uma vez que os seus parágrafos argumentativos devem apresentar um encadeamento de ideias, ou seja, uma conjunção entre elas. Já no caso da implicação, ela corresponde aos conectivos de causa, dos quais você também se valerá muito em tais parágrafos, uma vez que, neles, deverá apresentar as causas do problema levantado pelo tema da sua redação. Por fim, sem mais delongas, daremos início agora à estrutura dos parágrafos da redação. 5. O PARÁGRAFO DE INTRODUÇÃO: Este parágrafo tem duas funções: contextualizar o tema da redação, e apresentar a tese que você pretende defender. Mas, para que expliquemos como fazer essa contextualização, é necessário que você saiba, primeiro, como identificar corretamente o tema proposto sem correr o risco de tangenciá-lo3. Tomemos como exemplo o tema da redação do Enem de 2015: A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira. Certamente, muitos estudantes escreveram suas redações inteiras dissertando acerca da violência contra a mulher no Brasil, e, pode ser que você mesmo esteja se perguntando agora: “mas não era isso que eu deveria fazer?”. Na verdade, pequeno gafanhoto, quem fez isso acabou tangenciando o tema da redação. Leia novamente a 3 Assim como a reta tangente que, na trigonometria, tem apenas um ponto em comum com a circunferência, tangenciar o tema significa que, embora a sua redação tenha sido escrita acerca de um assunto relacionado ao que foi proposto, você não abordou, nela, o tema propriamente dito. P á g i n a | 8 proposta, se ela fosse algo do tipo: “A violência contra a mulher em questão no Brasil”, certamente, esses estudantes teriam chances de tirar boas notas. Porém, a palavra-chave do tema era “persistência”, portanto, as redações deveriam ser pautadas, não na violência em si, mas nos motivos pelos quais essa violência contra a mulher persiste na sociedade brasileira. A diferença é tênue, eu sei, mas com um pouco de prática, você verá que a tarefa fica cada vez mais simples. Usemos, agora, outro exemplo: Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil. Este foi o tema da redação do Enem de 2016, e, se você identificou que a palavra-chave, nesse caso, é “caminhos”, infelizmente, perdeu alguns pontinhos no seu texto. Isso porque, se fizer uma redação inteira a respeito dos caminhos para combater a intolerância religiosa, então todos os seus parágrafos tratarão de possíveis soluções para o problema, logo, você fará uma redação inteira de propostas de intervenção. Portanto, nesse caso, quem identificou as palavras- chave “intolerância religiosa” levou vantagem. 5.1. A contextualização do tema: Contextualizar um tema significa situar o leitor sobre aquilo que você pretende discorrer em seu texto. Essa contextualização é essencial, pois ela antecede e “prepara o terreno” para a apresentação da tese. Existem algumas formas de contextualizar uma redação, e as principais delas são: a definição da palavra-chave ou de palavras presentes no tema; e o estabelecimento de relação entre o tema e um fato histórico ou uma trama ficcional. Caberá, portanto, a você perceber qual melhor se adequa à proposta de redação sobre a qual você deverá discorrer. Tomemos agora o tema Os desafios da vacinação no Brasil atual, para que possamos exemplificar uma contextualização utilizando um fato histórico. Identificando a palavra-chave “desafios”, suponha que você queira defender que a vacinação, ainda hoje, enfrenta desafios no Brasil, logo, essa será a sua tese. Assim sendo, podemos utilizar um fato histórico em que uma circunstância similar à atual tenha ocorrido, e, para isso, usaremos a Revolta da Vacina de 1904. Então, a nossa contextualização ficaria da seguinte forma: A Revolta da Vacina foi um movimento popular ocorrido em 1904, no Rio de Janeiro, em oposição à Lei da Vacinação Obrigatória conta a varíola. Suas principais causas foram a P á g i n a | 9 falta de informação e o consequente preconceito acerca do então novo procedimento de saúde. Pronto, seu texto está contextualizado e o seu parágrafo de introdução está pronto para que a tese seja apresentada. Para que expliquemos a contextualização por definição, voltaremos agora aos exemplos do tópico anterior, em que ambos os casos é possível contextualizar os temas utilizando definições. Porém, enquanto no caso do tema Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil, é possível iniciar muito bem a sua redação definindo as próprias palavras-chave, “intolerância religiosa”, já no caso do tema A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira, iniciar a redação definindo a palavra “persistência” pode não ser uma boa ideia. Isso porque, embora essa seja a palavra-chave, ela só estabelece relação com o tema em si quando vem acompanhada do que é que persiste, ou seja, do termo: “violência contra a mulher”, portanto, nesse caso, é melhor que você inicie a sua redação definindo o que é a violência contra a mulher. Entretanto, talvez agora você esteja se perguntando: “mas isso não faria com que eu tangenciasse o tema?” E, a resposta é: tudo depende da sua tese. Se a tese que você escolher defender for pautada apenas na existência da violência contra a mulher, então provavelmente você tangenciará o tema. Mas, se você contextualizar a sua redação definindo o que é a violência contra a mulher, e a sua opção de tese que você for “a violência contra a mulher persiste no Brasil atual”, então não terá com o que se preocupar. 5.2. A apresentação da tese: É aqui, exatamente aqui, que a lógica começa. A tese é o coração do seu texto, ou seja, é aquilo que você defenderá em cada um dos parágrafos de argumentação, portanto, ela deve ser fiel ao tema proposto. Porém, apesar de tão importante, sua elaboração não tem segredo algum, basta que você compreenda o tema proposto, identificando as palavras-chave, e problematize ele. Sim, você precisa problematizá-lo, e logo mais entenderá o porquê. Voltemos mais uma vez aos temas do início da seção 5. Se a palavra-chave do tema A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira é “persistência”, então uma ótima tese para defender é afirmar que “a violência contra a mulher persiste no Brasil atual”, simples assim. Já no caso do tema Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil, uma vez que as palavras-chave são “intolerância religiosa”, você poderia formular diferentes P á g i n a | 10 teses, como: “a intolerância religiosa está presente na sociedade brasileira atual”, “a intolerância religiosa persiste no Brasil atual”, “a intolerância religiosa fomenta discriminações sociais na sociedade brasileira atual” ou, até mesmo “a intolerância religiosa não existe no Brasil atual”, correto? Na verdade, em relação à última tese, isso está errado! Veja bem, é claro que é completamente possível que você venha a redigir uma redação no modelo dissertativo- argumentativo defendendo, com argumentos – bons ou ruins –, que a intolerância religiosa não existe no Brasil, desde que essa redação não exija, é claro, uma proposta de intervenção, tendo em vista que é impossível buscar soluções para um problema que, segundo o que foi defendido, não existe. Portanto, antes mesmo de ler a proposta da redação em sua prova, tenha em mente que, se uma questão veio a ser o tema da redação do Enem, então ela é, certamente, um problema social. Continuemos, agora, o parágrafo de introdução da redação que tem como tema: Os desafios da vacinação no Brasil atual, apresentando uma possível tese: A Revolta da Vacina foi um movimento popular ocorrido em 1904, no Rio de Janeiro, em oposição à Lei da Vacinação Obrigatória conta a varíola. Suas principais causas foram a falta de informação e o consequente preconceito acerca do então novo procedimento de saúde. Todavia, apesar de mais de um século separar esse evento dos dias atuais, a vacinação ainda enfrenta desafios no Brasil. 6. OS PARÁGRAFOS DE ARGUMENTAÇÃO Os parágrafos de argumentação são a parte principal de uma redação dissertativo- argumentativa. São neles que você defenderá a ideia das premissas que sustentam a sua tese, mas, para isso, como você já aprendeu anteriormente, precisará escolher premissas cuja veracidade delas implicará, certamente, na veracidade da tese. Tomemos como exemplo o tema: Os desafios do aumento do volume de lixo eletrônico no Brasil do século XXI. Suponha agora que você tenha escolhido defender a seguinte tese: “O Brasil enfrenta desafios relacionados ao aumento do volume de lixo eletrônico nos dias atuais” e, para sustentar a sua tese você escolheu explicitar que o aumento no consumismo popular está diretamente ligado ao aumento no volume de lixo eletrônico no país, e que tal fato traz consequências ao meio ambiente. Pois bem, analisemos agora cada uma das premissas. A primeira delas terá como função comprovar que o problema em questão, de fato, existe. Isso porque, se for verdade que há um aumento no consumismo popular, e esse P á g i n a | 11 consumismo englobar a compra exacerbada de aparelhos eletrônicos, os quais, posteriormente, serão descartados, então certamente existe um aumento no volume de lixo gerado por esses materiais. Portanto, se o problema está presente na sociedade brasileira atual, isso significa que o país ainda não encontrou soluções efetivas para solucioná-lo, logo, enfrenta desafios em relação a ele. É um bom argumento, não? Vamos agora à segunda premissa, que constitui uma consequência da primeira. Se você já conseguiu denotar, no seu primeiro parágrafo, que esse problema existe, então ele é passível de acarretar uma ou várias consequências. Dessa maneira, no segundo parágrafo de argumentação você deverá buscar comprovar que o aumento no volume de lixo eletrônico traz consequências ambientais, e, para isso, uma sugestão seria utilizar dados sobre o descarte incorreto, a falta de coleta adequada, e as formas de contaminação ambiental que esses tipos de materiais podem causar. Dessa maneira, apontando que determinadas contaminações ambientais são consequências do problema em questão e estão presentes na sociedade brasileira atual, então, mais uma vez, você deixará explícito que o problema ainda não foi solucionado, logo, o país enfrenta desafios frente a ele. Assim sendo, para que você defenda a sensatez dessas premissas – uma em cada um dos dois parágrafos de argumentação que sua redação deve ter –, é necessário tratá-las, neles, como novas teses, e então utilizar novas premissas que precisarão implicar na veracidade dessas teses. Para isso, você deverá escrever a ideia que pretende defender logo no início do parágrafo – ao contrário do que acontece na lógica formal, cuja a tese sempre será apresentada no final da sentença –, em um período que chamamos de tópico frasal e, a partir daí, desenvolver a sua argumentação. Utilizemos, agora, um exemplo do primeiro parágrafo argumentativo da redação com o tema anteriormente citado para melhor compreensão: Primeiramente, é possível afirmar que o aumento no volume de lixo eletrônico está diretamente relacionado ao consumo exacerbado que se faz presente na sociedade brasileira. Segundo Karl Marx, em sua obra “O Capital”, cada vez mais as mercadorias distanciam-se de seus valores de uso – funções para as quais elas foram produzidas – e tornam-se objetos de fetiche, ou seja, passíveis de adoração. Concomitante a esse pensamento está a observação do crescente consumismo – aquisição de produtos obsessiva e desnecessariamente – pela população em geral, o que se estende ao mercado de produtos eletrônicos, aumentando, consequentemente, o descarte desses materiais quando tornam-se obsoletos. P á g i n a | 12 Observe que apresentamos a tese do parágrafo – primeira premissa do texto – logo no primeiro período, ou seja, no tópico frasal, e, para defendê-la, utilizamos as seguintes premissas do parágrafo: “existe um crescente consumismo pela população em geral”; “esse consumismo se estende ao mercado de produtos eletrônicos”, “logo, ocorre um aumento no descarte desses materiais”. Analisemos, agora, o argumento: Analise que, se for verdade que existe um consumismo, e que esse consumismo se faz presente, também, no mercado de produtos eletrônicos, então, de fato, haverá um aumento no volume de lixo eletrônico, uma vez que todos os produtos consumidos, em algum momento, se tornarão obsoletos e precisarão ser descartados. Ok, o argumento é válido. Mas, o que garante que ele seja bom? Veja bem, nem sempre – na verdade, raramente – você conseguirá garantir, com absoluta certeza, que o seu argumento é deveras bom. Mas, é possível sustentá-lo, de forma que ele venha a ser um argumento forte e com grandes chances de ser, de fato, um bom argumento. Para isso, utilizamos “citações de autoridades”, e a autoridade escolhida, nesse caso, foi Karl Marx, um renomado filósofo que dedicou boa parte de sua vida a estudar o sistema capitalista e as relações de trabalho. Dessa maneira, você será capaz de constatar que não foi o único a perceber que existe um consumismo popular, uma figura de grande prestígio acadêmico na área do tema trabalhado percebeu isso muito antes de você, e, uma vez que Marx trata as mercadorias de uma maneira ampla ao afirmar que existe um “fetiche” por elas, é muito provável que esse fenômeno estenda- se aos produtos eletrônicos atualmente, tendo em vista que estes também são mercadorias. Portanto, uma vez tendo construído um argumento logicamente válido e muito provavelmente correto4, as chances de tirar nota máxima na competência referente à argumentação são grandes. Contudo, será que podemos escolher quaisquer autoridades para sustentar o enunciado das premissas do nosso texto? A resposta é um consistente e sonoro: não! 6.1. A falácia do apelo à autoridade Apelar às autoridades para defender um ponto de vista pode ser uma boa ideia para convencer o seu corretor de que as premissas que você usará para corroborar a sua tese são verdadeiras. Todavia, citações de autoridades, sejam elas quais forem, não tornam um 4 Observe que um argumento válido pode ter uma conclusão falsa. Desse modo, a validade de um argumento não é garantia de que esse argumento é bom. Em lógica, é usado o termo “correto” para se referir a um argumento que além de ser válido, possui premissas verdadeiras e, portanto, a conclusão verdadeira. Portanto, um argumento correto é aquele que, além de ser válido, possui premissas verdadeiras. P á g i n a | 13 argumento válido, mas, se essas citações forem de uma autoridade no assunto referente ao tema proposto, então elas funcionarão como um embasamento teórico para o argumento que você desenvolverá em busca da comprovação da tese, conferindo maior credibilidade ao seu argumento. Mas, como saber a quais autoridades recorrer? Veja bem, quando falamos que algo ou alguém é uma autoridade, não necessariamente seus enunciados tornam-se passíveis de serem utilizados como embasamento em uma redação. A sua mãe, por exemplo, pode ser uma autoridade dentro de sua casa; uma certa celebridade pode ser uma autoridade no mundo da moda, mas isso não significa que, se a sua mãe ou essa celebridade disserem algo a respeito da confiabilidade de vacinas, por exemplo, isso deva ser usado como fundamentação teórica na sua redação, a não ser que alguma delas seja, também, uma autoridade prestigiada na área da saúde. Portanto, a recomendação é que você busque utilizar citações de profissionais, como filósofos, sociólogos, historiadores e cientistas prestigiados em geral, além de dados de jornais e revistas confiáveis, como argumentos de autoridade para sustentar as ideias que pretende defender em sua redação. Mas você está achando que vai terminar esse bolo sem botar a mão na massa, é? Nada disso! Chegou a sua hora: escreva o segundo parágrafo argumentativo da redação com o tema Os desafios do aumento do volume de lixo eletrônico no Brasil do século XXI, defendendo o enunciado da premissa: “o aumento do volume de lixo eletrônico é causa de problemas ambientais”. ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________ P á g i n a | 14 7. A PROPOSTA DE INTERVENÇÃO: A proposta de intervenção nada mais é do que propor uma solução possivelmente eficiente para solucionar o problema levantado pela sua tese. Por esse motivo, não aprofundaremos, nesta apostila, os conhecimentos dos quais você deverá dispor para construir uma boa proposta de intervenção, uma vez que isso nada tem a ver com a lógica, e dependerá, majoritariamente, dos seus conhecimentos em áreas como geopolítica, sociologia, história e, inclusive, das observações que você faz sobre o meio social em que vive. Todavia, seria injusto com você, que chegou até aqui, que não apresentemos, pelo menos, os elementos essenciais que a sua proposta de intervenção deve apresentar. Vamos então a eles:  O executor da ação: logo no início do parágrafo é necessário que você responda à pergunta: “quem deve executar a minha proposta de intervenção?”, você pode denotar essa função a órgãos do governo, à mídia, a ONGs, ou mesmo à sociedade civil organizada (grupo de cidadãos que se organizam com um propósito em comum).  A ação: trata-se da proposta em si, a qual deve ser a resposta da pergunta: “o que deve ser feito para resolver o problema?”.  A execução: aqui você deve responder à pergunta: “como a ação deve ser colocada em prática?”.  O detalhamento da execução: pode parecer supérfluo, mas detalhar a forma de execução da sua proposta é uma das partes essenciais desse último parágrafo da sua redação.  O objetivo: é essencial que você deixe claro o objetivo da sua proposta, ou seja, quais consequências positivas à sociedade ela pode trazer e como elas vão colaborar para a resolução do problema tratado no texto. Vamos agora a um exemplo de proposta de intervenção para o tema da redação do Enem de 2021: Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil, a qual foi contextualizada da seguinte forma: Em Atenas, cidade-Estado da Grécia Antiga, era instaurado o regime democrático, no qual todos aqueles que eram considerados cidadãos tinham direito a participar de todas as decisões de cunho político, social e econômico da pólis, sendo excluídos dos debates: mulheres, escravos e estrangeiros. P á g i n a | 15 A tese dessa redação foi: “no Brasil atual, a falta de acesso à cidadania é um problema persistente”, a qual foi sustentada pelas seguintes premissas: “o problema apresenta raízes históricas” e “tem como consequência a invisibilidade de grupos sociais”. Tendo defendido o ponto das premissas nos parágrafos de argumentação, o último parágrafo, referente à proposta de intervenção, foi o seguinte: Cabe, portanto, ao Ministério da Cidadania implementar medidas que visem à resolução do problema. Uma ação possível é criar uma campanha com o lema “Brasil cidadão”, a qual tenha como objetivo a contratação intermitente de funcionários públicos para trabalharem com registro civil através de visitas a comunidades nas quais a falta de documentos seja um problema persistente, levando consigo todos os equipamentos necessários para a expedição dessas documentações em veículos que possam funcionar como “cartórios móveis”. Além disso, eles também devem informar às populações sobre os direitos que elas passam a ter a partir do acesso à cidadania, com a finalidade de que estes sejam efetivados. Dessa forma, tornar-se-á possível que o caráter excludente da antiga democracia grega não seja realidade no Brasil atual. Localizemos, agora, no parágrafo, as partes essenciais:  O executor da ação: “o Ministério da Cidadania”.  A ação: “a campanha com o lema ‘Brasil Cidadão’”.  A execução: “a contratação intermitente de funcionários públicos para trabalharem com registro civil através de visitas a comunidades nas quais a falta de documentos seja um problema persistente”.  O detalhamento da execução: “levando consigo todos os equipamentos necessários para a expedição dessas documentações em veículos que possam funcionar como ‘cartórios móveis’” e “informar às populações sobre os direitos que elas passam a ter a partir do acesso à cidadania”.  O objetivo: reescrevendo para melhor compreensão: com a finalidade de que o acesso à cidadania seja garantido e os direitos que as populações em questão passam a ter a partir de então, sejam efetivados. P á g i n a | 16 Bem, meus queridos, agora que possuem a receitinha em mãos, estão prontos para começar suas produções de bolinhos argumentativos! Mas, vocês já devem saber que todo o bolo fica melhor quando o confeiteiro tem o capricho que decorar com aquela cerejinha no final, não é mesmo? Portanto, a cerejinha do bolo na sua redação será retomar a contextualização para concluir o seu texto, como você pode observar no exemplo da proposta de intervenção com a qual acabamos de trabalhar e, é claro, como acabamos de fazer, também, nesta apostila. Um abraço a todos e bons estudos! REFERÊNCIAS: CARNIELLI, W. A.; EPSTEIN, R. L. Pensamento crítico: o poder da lógica e da argumentação. São Paulo: Rideel, 2019. ISBN 978853395440-3. FEITOSA, H. A.; PAULOVICH, L. Um prelúdio à lógica. São Paulo: Editora da Unesp, 2006.