MARIANA GARRIDO SANTANA CARACTERIZAÇÃO DAS HABILIDADES PREDITORAS DE LEITURA EM ESCOLARES COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM TEMPOS DE PANDEMIA Marília 2022 Câmpus de Marília MARIANA GARRIDO SANTANA CARACTERIZAÇÃO DAS HABILIDADES PREDITORAS DE LEITURA EM ESCOLARES COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM TEMPOS DE PANDEMIA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Fonoaudiologia pela Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. Área de Concentração: Distúrbios da Comunicação Humana, linha ― Prevenção, avaliação e intervenção em Fonoaudiologia Orientador (a): Prof. Dr. Giseli Donadon Germano Marília 2022 MARIANA GARRIDO SANTANA CARACTERIZAÇÃO DAS HABILIDADES PREDITORAS DE LEITURA EM ESCOLARES COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM TEMPOS DE PANDEMIA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Fonoaudiologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Fonoaudiologia. Área de concentração: Distúbios da comunicação humana. Linha de pesquisa: Prevenção, avaliação e intervenção em Fonoaudiologia. Banca Examinadora Profª. Drª. Profª. Dra. Giseli Donadon Germano. UNESP – Câmpus de Marília Orientador Prof. Dr. Profª. Dra. Simone Aparecida Capellini. UNESP – Câmpus de Marília Prof. Dr. Profª. Dra. Elza Midori Shimazaki - Titular Universidade do Oeste Paulista e Universidade Estadual de Maringá Marília, 06 de maio de 2022. Dedico à minha mãe que me incentivou no caminho da Educação Infantil, à vida que enveredou minhas reflexões e a minha família pelo apoio incondicional. AGRADECIMENTOS AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família, meu marido, minha mãe e meus filhos que aceitaram o meu sonho e por vezes precisaram me dar espaço e tempo para a concretização das minhas idealizações, por reconhecerem a importância desta realização em minha vida e por todos os sacrifícios realizados por eles durante este período de minha vida. À minha orientadora Giseli Donadon Germano, por acreditar em minha capacidade de realizar esta pesquia, por sua dedicação e empenho ao me acompanhar por essa jornada, orientando, iluminado e mostrando o caminho a ser percorrido. À professora Simone Aparecida Capellini, por ser uma referência na pesquisa sobre as dificuldades de aprendizagem, que serviu de fonte de inspiração para o tema do desenvolvimento deste trabalho e pelas inestimáveis contribuições de inspiração de vida e dedicação. Aos pais dos alunos que concordaram em participar deste estudo estando presentes nos momentos agendados e contribuindo com a participação de seus filhos. Aos Funcionários da escola EMEF Profª. Reny Pereira Cordeiro, da Prefeitura Municipal de Marília-SP, por cuidar dos agendamentos e documentos mnecessários para a realização desta pesquisa. À Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), por disponibilizar o Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia, e assim enriquecer o meio acadêmico. Aos membros examinadores das bancas de qualificação e defesa, Profª Elza Midori Shimazaki e Profª Simone Aparecida Capellini, pelas valiosas sugestões e contribuições para este estudo. Ao meu Pai Celestial por me dar forças e animo quando precisei e a mim, por não ter desistido de meu sonho. “Uma vez que você aprende a ler, você será livre para sempre...” Frederick Douglas RESUMO Objetivo: Este estudo teve o objetivo de caracterizar e comparar as habilidades preditoras de leitura de escolares dos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental em tempos de pandemia da Covid-19. Método: Participaram deste estudo 40 escolares na faixa etária de 6 a 7 anos de idade, de ambos os sexos, da rede municipal de Marília-SP. Os escolares foram divididos em quatro grupos: Grupo I (GI), composto por 11 escolares do 1º ano do Ensino Fundamental, sendo 36% do sexo feminino e 64% do sexo masculino; Grupo II (GII), composto por 9 escolares do 2º ano do Ensino Fundamental, sendo 22% do sexo feminino e 78% do sexo masculino, todos avaliados durante a pandemia; Grupo III (GIII), composto por 20 escolares avaliados antes da pandemia, pareados com GI e GII em relação ano escolar e à idade cronológica, retirados do Banco de dados fornecido Pelo Laboratório de Investigações dos Desvios de Aprendizagem (LIDA), da Universidade Estadual Paulista – “Júlio de Mesquita Filho”, Campus Marília – SP; Grupo IV (GIV), composto por 20 escolares, representou a junção dos GI e GII. Todos os escolares foram submetidos ao Protocolo de Identificação Precoce dos Problemas de Leitura (IPPL), composto por 13 provas referentes às habilidades metafonológicas (silábicas, fonêmicas e de rima) e à leitura. Os resultados descrevem que os GI e GII, no geral, são estatisticamente semelhantes. O GIII diferencia-se do GI e GII, enquanto o GIII e GIV se apresentam estatisticamente diferentes. Isto sugere que o grupo pré-pandemia apresentou as habilidades preditoras de leitura mais desenvolvidas do que os grupos pesquisados durante a pandemia. Conclusão: Os escolares dos anos iniciais de alfabetização apresentaram dificuldades quanto às habilidades metafonológicas (intrassilábicas, silábicas e fonêmicas) e de leitura, sugerindo falhas no ensino sistemático das habilidades preditoras para a leitura em contexto escolar. Este estudo corrobora pesquisas anteriores que demonstram que as habilidades de Análise Fonêmica e Leitura Silenciosa já se encontravam prejudicadas antes da pandemia. A pandemia pode ter resultado no agravamento do desenvolvimento das habilidades preditoras e de leitura, por causa da adoção da educação remota emergencial, para a população deste estudo. Porém, tanto as pesquisas anteriores a pandemia quando este estudo, concordam em sugerir a necessidade de investimento no ensino sistemático e explícito da relação grafema-fonema para que ocorram ganhos no desenvolvimento das habilidades preditoras e de leitura. Palavras–chave: Habilidades Preditoras de Leitura, Ensino Remoto, Pandemia ABSTRACT The objective of this study was to characterize and compare the predictive reading skills of 1st and 2nd year students of Elementary School I in times of a pandemic. Method. Twenty schoolchildren aged between 6 and 7 years old, of both sexes, from the municipal network of Marília-SP participated in this study. The students were divided into two groups: Group I (GI): composed of 11 students from the 1st year of Elementary School I, 36% female and 64% male; Group II (GII): composed of 9 students from the 2nd year of Elementary School I, 22% female and 78% male; evaluated during the Pandemic. Group III (GIII): composed of 20 students, paired with GI and GII in relation to school year and chronological age, were taken from a database provided by the Laboratory of Investigations of Learning Deviations (LIDA), from Universidade Estadual Paulista – “Júlio de Mesquita Filho”, Campus Marilia – SP, evaluated before the pandemic and Group IV (GIV): composed of 20 schoolchildren, being the junction of groups GI and GII. All students were submitted to the Protocol for Early Identification of Reading Problems (IPPL), consisting of 13 tests, being metaphonological (syllabic, phonemic and rhyming) and reading skills. The results describe that GI and GII in general are statistically similar. That GIII differs from GI and GII and that GIII and GIV are statistically different. This shows that the pre-pandemic group had much more developed predictive reading skills than the groups surveyed during the pandemic. Conclusion. The students in the first and second years presented difficulties in terms of metaphonological (intrasyllabic, syllabic and phonemic) and reading skills, suggesting failures in the systematic teaching of predictive skills for reading in a school context. The pandemic may have resulted in difficulties in the development of these skills due to the adoption of remote education for the population of this study. However, both research prior to the pandemic and this study agree in suggesting the need for investment in systematic and explicit teaching of the grapheme-phoneme relationship so that gains in the development of predictive and reading skills occur. Keywords: Predictive Reading Skills, Remote Learning, Pandemic LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Conteúdos garantidos pela BNCC para o desenvolvimento das competências necessárias para a Educação Infantil. 17 Quadro 2 – Conteúdos a serem desenvolvidos nas séries iniciais do Ensino Fundamental, descritos pela BNCC. 19 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Representação do “continuum” das habilidades metafonológicas, adaptada de Chard e Dickson (1999). 24 Figura 2 – Apresentação dos constituintes da Memória Operacional, adaptado de Baddeley (2010). 27 Figura 3 – Apresentação do fluxograma de dupla rota de reconhecimento de palavras Nobre e Salles (2014), adaptado de Coltheart et al. (2001). 30 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Caracterização dos escolares dos GI e GII. 37 Tabela 2 – Comparação entre os GI, GII e GIII, a partir do Teste de Kruskal-Wallis para as variáveis de interesse. 41 Tabela 3 – Teste Mann-Whitney para comparação entre os GI e GII para Produção de Palavras a partir do Fonema. 42 Tabela 4 – Comparação entre os GI, GII e GIII, a partir do Teste da Razão de Verossimilhança. 43 Tabela 5 – Teste Mann-Whitney para comparação entre os GIII e GIV. 45 Tabela 6 – Comparação entre os GIII e GIV, a partir do Teste Qui-quadrado Teste Exato de Fisher. 46 Tabela 7 – Descrição da prova de Nomeação Automática Rápida 47 Tabela 8 – Comparação entre os escolares avaliados antes da pandemia e durante a pandemia. 47 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AF Análise Fonêmica BNCC Base Nacional Comum Curricular CA Conhecimento do Alfabeto CAF Compreensão Auditiva de sentenças a partir de Figuras. DCN Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica IFI Identificação de Fonema Inicial INEP Instituto Nacional de Estudos Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IPPL Protocolo de Identificação Precoce dos Problemas de Leitura IR Identificação de Rima LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LPPP Leitura de Palavras e não Palavras LS Leitura Silenciosa MOF Memória Operacional Fonológica OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico PISA Programa de Avaliação Internacional de Alunos PNE Plano Nacional de Educação PPF Produção de Palavras a partir do Fonema dado PR Produção de Rima SF Síntese fonêmica SS Seguimentação Silábica SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 13 2 REFERENCIAL TEÓRICO 16 3 MATERIAL E MÉTODO 35 4 RESULTADOS 40 4.1 Apresentação dos resultados da comparação entre os GI, GII e GIII. 40 4.2 Apresentação dos resultados da comparação entre os GIII e GIV (GI e GII). 5 DISCUSSÃO 44 48 6 CONCLUSÃO 57 REFERÊNCIAS 58 13 1. INTRODUÇÃO O artigo 205 da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1998) estabelece que a educação é reconhecida como um direito fundamental de todos, que deve ser compartilhado entre Estado, família e sociedade, e promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, garantindo ao indivíduo o seu pleno desenvolvimento como pessoa, seu preparo para exercer a cidadania e sua qualificação para o trabalho. No Brasil, os documentos normativos guiam os parâmetros educacionais para garantir o desenvolvimento das diversas competências e habilidades em todas as áreas do conhecimento. Sendo assim, para promover a equidade educacional, elaborou-se a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018), que delineia as competências relacionadas à leitura para todos os níveis educacionais. Desta forma, a educação infantil fixa o encargo de observar, refletir e verbalizar conhecimentos considerados preditores para a leitura, como a rima e aliteração. Nos primeiros dois anos do Ensino Fundamental, a ênfase encontra-se na alfabetização voltada para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. Existem também instrumentos avaliativos sobre a aquisição da leitura, como, por exemplo, o Programa de Avaliação Internacional de Alunos – PISA. Esta avaliação, realizada em 2018 pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2018), mostrou que 50% da população brasileira com 15 anos de idade não alcançam o nível mínimo em leitura, e indica que eles precisam de instruções mais claras e explícitas para compreenderem os textos lidos (Instituto Nacional de Estudos Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, 2018). Pesquisas já realizadas (TORGESEN; WAGNER; RASHOTTE, 1994; ANTONY; LONIGAN, 2004; TIRAPEGUI; GAJARDO; ORTIZ, 2005; TENÓRIO; ÁVILA, 2012) comprovam que, dentre as habilidades do processamento fonológico, a consciência fonológica é a que melhor viabiliza a aquisição da leitura. Para Barreira e Maluf (2003), a consciência fonológica é o termo utilizado de forma genérica para referir-se à habilidade de análise das unidades sonoras constituintes das palavras na linguagem oral. Neste estudo, esta habilidade será tratada como habilidade metafonológica, considerando que esta é a terminologia utilizada atualmente para descrever as habilidades de reflexão sobre a linguagem. Essa distinção se dá porque muitos confundem a consciência fonológica com a 14 sensibilidade fonológica, desconsiderando, assim, sua profundidade de reflexão (SCLIAR-CABRAL, 2003). Tal habilidade faz parte do processamento fonológico, que é parte integrante das habilidades para se aprender a ler, e se divide em: habilidades metafonológicas, memória operacional fonológica e nomeação automática rápida (TENÓRIO; ÀVILA, 2012). Com relação às habilidades iniciais para a aquisição da leitura, encontram-se o conhecimento do sistema alfabético, a leitura silenciosa, a leitura de palavras e não palavras e a compreensão auditiva de sentenças a partir de fonema dado. Para a criança conseguir ler, é necessário que ela, de forma consciente, manipule os sons constituintes das palavras, desde que tenha se desenvolvido ao nível de percepção de fonemas. Porém, inúmeras pesquisas (QUEIROGA; BORBA; VOGELEY, 2004; PAES; PESSOA, 2005; CARNÁRIO et al., 2006; GINDRI; KESKE- SOARES; MOTA, 2007; SILVA; CAPELLLINI, 2011) têm mostrado que, no Brasil, o ensino da leitura nas séries iniciais do Ensino Fundamental tem se voltado para questões silábicas, conhecimento este que deveria ter sido apropriado na educação infantil, quando o trabalho com palavras, rimas e sílabas deveria ser enfatizado, uma vez que são garantidos pela Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018). Questiona-se, aqui, o momento em que se iniciam as dificuldades no processo de ensino e aprendizagem da leitura. E ao analisar quando os problemas com as instruções explícitas começam a aparecer na vida escolar, é necessário analisar o início da alfabetização e os primeiros anos da educação formal de leitura, período estipulado para o desenvolvimento das habilidades preditoras de leitura. Entretanto, no período da pandemia Covid-19, com a adoção do ensino remoto emergencial, o acesso às vivências para o desenvolvimento das habilidades preditoras de leitura nem sempre ficou garantido, pois muitos foram os desafios advindos da implementação do mesmo. Este estudo divide-se em capítulos de referencial teórico, em que constam os conteúdos curriculares para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, regidos pelos órgãos competentes nacionais e embasados na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018). Os aspectos de desenvolvimento das habilidades metafonológicas são abordados com o intuito de descrever a ordem do desenvolvimento das habilidades preditoras da leitura, bem como a importância de tais conhecimentos para a aquisição da leitura em um sistema alfabético. 15 É preciso compreender que o processamento fonológico é fundamental para o bom desempenho das habilidades de leitura, pois o baixo desempenho nesta habilidade pode indicar possíveis riscos para dificuldades ou transtornos de leitura. Isto porque tal processamento é responsável pelo uso da informação fonológica, ou seja, pelo reconhecimento, identificação e manipulação dos sons de uma língua. Também devem ser considerados os estudos referentes às rotas de leitura e os caminhos percorridos para sua realização, demonstrando a necessidade de se conhecer as etapas e caminhos percorridos para o desenvolvimento da leitura. Finaliza-se o referencial teórico com estudos atuais sobre as consequências da pandemia da Covid-19 para o ensino das habilidades preditoras de leitura e apresenta-se o ensino remoto emergencial como um dos fatores de dificuldade para o ensino explícito e sistematizado tão necessário para o desenvolvimento da leitura. Este estudo apresenta grande relevância para a área da educação e da saúde por ser elaborado no momento de transição entre o ensino remoto emergencial e o ensino presencial, sugerindo uma possível lacuna na aquisição e aprendizagem de habilidades preditoras de leitura. Justifica-se este estudo, pois a COVID-19 exigiu o isolamento social em função da rápida contaminação, a possibilidade de óbitos e a falta de meios para evitar até o desenvolvimento da vacina o seu acesso a todos. Entretanto, ainda são escassos estudos que tematizem a aquisição e a aprendizagem de habilidades preditoras da leitura, em momento de pandemia. Assim, parte-se da hipótese de que com a pandemia houve um agravamento no desenvolvimento das habilidades preditoras de leitura em virtude das inúmeras dificuldades impostas pelo ensino remoto emergencial. Ressalta-se que algumas das dificuldades no ensino e aprendizagem já existiam antes da pandemia, todavia foram acentuadas neste processo. A fim de definir a nomenclatura relativa aos anos do Ensino Fundamental, a BNCC indica que, dos 1º aos 5º anos, considera-se Ensino Fundamental – Anos iniciais. Porém, como este estudo apresenta dados relativos aos primeiros dois anos do Ensino Fundamental – Anos Iniciais, para facilitar a leitura e compreensão do leitor, neste trabalho, serão utilizados anos correspondentes aos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental (BRASIL, 2018). Com base no exposto, este estudo teve como objetivo caracterizar e comparar as habilidades preditoras de leitura de escolares dos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental em tempos de pandemia da Covid-19. 16 2. REFERENCIAL TEÓRICO Muito tem se discutido nas últimas décadas sobre a função do ensino das habilidades metafonológicas e de leitura, tanto no período pré-escolar como nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Os estudos realizados comprovam cientificamente que tais habilidades contribuem para uma aquisição eficaz da leitura e esta, por sua vez, capacita o escolar para seu desenvolvimento integral (GOMBERT,1992; CHARD; DICKSON 1999; CERVERA-MÉRIDA; YGUAL- FERNADEZ, 2003; SCLIAR-CABRAL, 2003; DE OLIVEIRA, 2005; GODOY; PINHEIRO, 2013; GERMANO; CAPELLINI, 2016; CORREIA; BARBOSA; GUIMARÃES, 2017; TEIXEIRA; AZEVEDO, 2021). Esta preocupação educacional está, também, evidente em documentos normativos que visam ao ensino equalitário e capacitador, como na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018). Assim, a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2018) constitui um documento regulador e normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens e competências essenciais, para o desenvolvimento do escolar. Ela pauta-se em outras propostas legislativas, como as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica - DCN (BRASÍLIA, 2010), que orientam os princípios éticos, políticos e estáticos para a formação integral do indivíduo, para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. Alicerça-se no Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2001) para assegurar ao alunado seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento. A Constituição Da República Federativa do Brasil (1988) determina a educação como direitos de todos e dever o Estado e da família, sendo ela promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL,1988). A BNCC (BRASIL, 2018) explicita que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996) estabelece a relação entre o ensino básico comum, as competências a serem desenvolvidas e os currículos diversificados. Ou seja, ela manifesta a necessidade de não apenas garantir os conteúdos mínimos para uma formação básica e comum, mas também os conteúdos curriculares gerados pelas demandas regionais e locais a partir do contexto socioeconômico e cultural da clientela a ser atendida. 17 Desta forma, a BNCC (BRASIL, 2018) é o documento norteador para a organização dos conteúdos, competências e habilidades a serem ensinadas e aprendidas em todos os anos da Educação Básica. É o documento mais atual publicado para nortear as práticas pedagógicas diárias e nacionais vigentes. Como a Educação Infantil é considerada a primeira etapa da Educação Básica e é o momento em que a criança está em processo de socialização estruturada fora de sua vida familiar, o alunado traz para o ambiente escolar seus conhecimentos e vivências prévias, e estas precisam ser o ponto de partida para a aquisição de conteúdos escolares. A ele está garantido o direito de conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Assim, ao final desta fase educacional e por meio de diversas atividades intencionais pedagógicas, as crianças de cinco anos devem ter desenvolvido as habilidades, conforme descrito no Quadro 1 (BRASIL, 2018). Quadro 1 – Conteúdos garantidos pela BNCC (BRASIL,2018) para o desenvolvimento das competências necessárias para a Educação Infantil. Fonte: Adaptado dos campos de experiências da BNCC, p. 41-48. (BRASIL, 2018). As habilidades propostas pela BNCC, como conhecimentos mínimos e comuns a serem alcançados durante a Educação Infantil, são preditores das aprendizagens subsequentes propostas no Ensino Fundamental (BRASIL, 2018). • Expressar ideias, desejos e sentimentos sobre suas vivências, por meio da linguagem oral e escrita (escrita espontânea), de fotos, desenhos e outras formas de expressão. • Inventar brincadeiras cantadas, poemas e canções, criando rimas, aliterações e ritmos. • Escolher e folhear livros, procurando orientar-se por temas e ilustrações e tentando identificar palavras conhecidas. • Recontar histórias ouvidas e planejar coletivamente roteiros de vídeos e de encenações, definindo os contextos, os personagens, a estrutura da história. • Recontar histórias ouvidas para produção de reconto escrito, tendo o professor como escriba. • Produzir suas próprias histórias orais e escritas (escrita espontânea), em situações com função social significativa. • Levantar hipóteses sobre gêneros textuais veiculados em portadores conhecidos, recorrendo a estratégias de observação gráfica e/ou de leitura. • Selecionar livros e textos de gêneros conhecidos para a leitura de um adulto e/ou para sua própria leitura (partindo de seu repertório sobre esses textos, como a recuperação pela memória, pela leitura das ilustrações, etc.). • Levantar hipóteses em relação à linguagem escrita, realizando registros de palavras e textos, por meio de escrita espontânea. • Identificar e selecionar fontes de informações, para responder a questões da natureza, seus fenômenos e sua conservação. 18 O Ensino fundamental de 9 anos é a etapa mais longa da Educação Básica, atendendo estudantes de 6 a 14 anos. Esta compreende uma fase de grandes desenvolvimentos físicos, cognitivos, afetivos, sociais, emocionais, entre outros. Como já indicado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de Nove Anos (Resolução CNE/CEB nº 7/2010), essas mudanças impõem desafios à elaboração de currículos para essa etapa de escolarização, de modo a superar as rupturas que ocorrem na passagem não somente entre as etapas da Educação Básica, mas também entre as duas fases do Ensino Fundamental: Anos Iniciais e Anos Finais. (BRASIL, 2018, p.35); Neste período da vida, a relação com as múltiplas linguagens, inclusive o uso social da leitura e da escrita, permite a participação no mundo letrado e a construção de novas aprendizagens. Ampliam-se as experiências para a aprendizagem e o desenvolvimento da oralidade e dos processos de percepção, compreensão e representação, elementos importantes para a apropriação de escrita alfabética e outros sistemas de representação. Para De Oliveira (2005), a escrita passou por vários estágios evolutivos até se chegar à escrita alfabética. O autor elucida tal evolução como sendo uma transposição da forma de representação de conteúdos para o plano das expressões. Isto significa uma mudança no enfoque na escrita. Se a escrita nasceu como uma necessidade de registro do significado do que ela representava (ex.: a escrita pictográfica), hoje, com a escrita alfabética, há a representação da natureza do elemento representado. Assim, de acordo com Cunha e Capellini (2009), para a realização da escrita alfabética, como no caso da Língua Portuguesa, é necessário atribuir uma letra (ou marca gráfica) para os sons produzidos, ou seja, a escrita representa os sons da fala. Seabra e Dias (2012) afirmam que é preciso compreender o princípio alfabético como possuidor de dois fatores para que o indivíduo realize a leitura de forma satisfatória. Assim, o princípio alfabético é constituído pela habilidade de conhecimento das correspondências grafo-fonêmicas e das habilidades metafonológicas. Tal visão é aceita pelos documentos de caráter normativo, como a BNCC, que expõe a necessidade de o estudante conhecer o alfabeto e a mecânica inerente à leitura e escrita, ou seja, a relação entre grafema e fonema, mas também torna claro que esta é uma relação de extrema complexidade, pois estar alfabetizado é possuir a capacidade de “codificar e decodificar os sons da língua em material gráfico” (BRASIL, 2018). 19 O documento normativo destaca a compreensão de que, para conhecer e atuar no desenvolvimento da alfabetização, é necessário que o desenvolvimento da consciência fonológica esteja voltado para a aquisição da língua-mãe. Nesse processo, é preciso que os estudantes conheçam o alfabeto e a mecânica da escrita/leitura – processos que visam a que alguém (se) torne alfabetizado, ou seja, consiga “codificar e decodificar” os sons da língua (fonemas) em material gráfico (grafemas ou letras), o que envolve o desenvolvimento de uma consciência fonológica (dos fonemas do português do Brasil e de sua organização em segmentos sonoros maiores como sílabas e palavras) e o conhecimento do alfabeto do português do Brasil em seus vários formatos (letras imprensa e cursiva, maiúsculas e minúsculas), além do estabelecimento de relações grafofônicas entre esses dois sistemas de materialização da língua (BRASIL, 2018, 90). A BNCC entrou em vigor no ano de 2019 para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. Ela traz a necessidade do trabalho para a aquisição das habilidades metafonológicas e de leitura quando estabelece que a alfabetização infantil deve ocorrer nos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental. Assim, o quadro apresenta os conteúdos a serem desenvolvidos nas séries iniciais do Ensino Fundamental e esclarece que aquele documento normativo apresenta as etapas a serem avançadas pela criança até que ela compreenda a construção da língua escrita. QUADRO 2 – Conteúdos a serem desenvolvidos nas séries iniciais do ensino fundamental, descritos pela bncc. Fonte: Retirado da BNCC, p. 91 (BRASIL, 2018). A BNCC aponta para o fato de a alfabetização, ou seja, o desenvolvimento do conhecimento das relações fonografêmicas se estender pelos dois primeiros anos do Ensino fundamental. Para este período de aprendizagem, ela propõe o trabalho com gêneros textuais, como listas diversas, bilhetes, convites, receitas, fotolegenda, manchetes, etc., pois tais textos, por terem menor complexidade em sua estrutura, • Diferenciar desenhos/ grafismo (símbolos) de grafemas/letras (signos); • Desenvolver a capacidade de reconhecimento global de palavras (que chamamos de leitura “incidental”, como é o caso da leitura de logomarcas em rótulos), que será depois responsável pela fluência em leitura; • Construir o conhecimento do alfabeto da língua em questão; • Perceber quais sons se deve representar na escrita e como; • Construir a relação fonema-grafema: a percepção de que as letras estão representando certos sons da fala em contextos precisos; • Perceber a sílaba em sua variedade como contexto fonológico desta representação; • Até, finalmente, compreender o modo de relação entre fonema e grafemas, em uma língua específica. 20 favorecem maior atenção na grafia e leitura. Assim, os textos que já lhes eram familiares desde a Educação Infantil, como cantigas, receitas, regras de jogos e suas vivências cotidianas, ganham maior complexidade e avançarão nos anos posteriores tendo como um novo enfoque as questões ortográficas e gramaticais (BRASIL, 2018). As orientações da BNCC mostram ser uma tarefa bem complexa, exige o domínio do sistema de escrita da Língua Portuguesa do Brasil, pois requer o desenvolvimento das competências e análises e de transcodificação linguística, em uma língua que, apesar de conter 26 grafemas, apenas 7 deles possuem relação regular direta entre fonema e grafema. O português do Brasil apresenta falas regionais, sociais e alofones (que são as variantes fonéticas de um fonema). Desta forma, o conhecimento do alfabeto ajudará a neutralizar as variações na escrita. A BNCC torna evidente a necessidade do conhecimento do alfabeto, bem como de todo o mecanismo para a relação da escrita e leitura, como até agora apresentado. Tais habilidades capacitam o escolar para o desenvolvimento contínuo da aprendizagem da leitura e escrita, porém as irregularidades da língua levam longo tempo para serem conquistadas, devendo ser ensinadas com maior enfoque a partir do 3º ano do Ensino Fundamental I (BRASIL, 2018). Por isto, um fator na aquisição da leitura é a forma como ocorre o ensino desta habilidade. Correia, Barbosa e Guimarães (2017) comprovam em seu estudo que o ensino explícito dos elementos sonoros e morfológicos auxiliam na aquisição da leitura e escrita. Assim como previsto legalmente na BNCC: Nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, a ação pedagógica deve ter como foco a alfabetização, a fim de garantir amplas oportunidades para que os alunos se apropriem do sistema de escrita alfabética de modo articulado ao desenvolvimento de outras habilidades de leitura e de escrita e ao seu envolvimento em práticas diversificadas de letramentos. Como aponta o Parecer CNE/CEB nº 11/201029, “os conteúdos dos diversos componentes curriculares [...], ao descortinarem às crianças o conhecimento do mundo por meio de novos olhares, lhes oferecem oportunidades de exercitar a leitura e a escrita de um modo mais significativo” (BRASIL, 2010). Como já citado, o ensino formal deve assegurar ao indivíduo o direito ao seu pleno desenvolvimento e ao preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho (Brasil, 1988). Mas, segundo a OCDE (INEP, 2018), órgão que coordena o Programa Internacional de Avaliação dos alunos (Pisa, na sigla em inglês), o cenário atual no Brasil encontra-se da seguinte maneira, segundo dados analisados por Teixeira e Azevedo (2021): Percebemos que as dificuldades de leitura e compreensão começam cedo. No terceiro ano do ensino fundamental, 22% dos alunos conseguem ler 21 somente palavras soltas. Cinco anos depois, 55% dos estudantes brasileiros estão abaixo do nível 2 de leitura, considerado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) o nível mínimo necessário para o exercício pleno da cidadania (INEP, 2018). Ou seja, conseguem identificar somente informações explícitas em textos curtos. Com base nesses números, concluímos que o ensino eficiente da leitura ainda se constitui um desafio no Brasil. Torna-se notória a dificuldade em se atingir os níveis básicos para o exercício da cidadania, como proposto pelos órgãos nacionais e internacionais. Outro fator importante exposto pela OCDE é o fato de a leitura ser um fator preponderante para o exercício ativo da cidadania (TEIXEIRA; AZEVEDO, 2021). Para Godoy e Pinheiro (2013), a leitura e a escrita instrumentalizam o indivíduo para o exercício da cidadania. As autoras demonstram como a prática da leitura encontra-se presente na vida diária de uma sociedade e mostra como os indivíduos buscam a compreensão de diversos conteúdos por meio da leitura. Elas expõem o resultado de uma revisão realizada pela Comissão de Educação e Cultura da Câmera dos Deputados, em Brasília, que passou a “recomendar o ensino de base fônica de forma sistemática, uma vez que a superioridade deste foi suficientemente demonstrada na literatura” (GODOY; PINHEIRO, 2013, p.11). Outro aspecto resultante de tal revisão foi a discussão sobre qual método fônico traria maiores ganhos para a aprendizagem de leitura, e concluíram ser o método com o ensino explícito da decodificação fonológica, ou seja, o que se utiliza de forma eficiente da correspondência grafema-fonema. As autoras ressaltam a importância do conhecimento desta relação para a aquisição do princípio alfabético e como a habilidade fonêmica impulsiona o aprendizado da leitura e escrita. A seguir, verificar-se-á como as habilidades metafonológicas se desenvolvem e se estruturam em sua evolução para o alcance da habilidade fonêmica. A sensibilidade fonológica é considerada como o reconhecimento dos sons da linguagem falada, ela não equivale às habilidades metafonológicas. Scliar-Cabral (2003) afirma que a sensibilidade sonora corresponde à percepção e discriminação sonora das palavras. Segundo a autora, as habilidades metafonológicas são algo além da discriminação sonora, pois elas são a reflexão sobre as propriedades fonológicas. Neste trabalho, será utilizado o termo habilidades metafonológicas para caracterizar as ações reflexivas sobre a fonologia. As habilidades metafonológicas estão entrelaçadas a outras habilidades necessárias para o desenvolvimento linguístico. Para Maluf, Zanella e Pagnez (2006), 22 a consciência linguística é a capacidade de refletir sobre a linguagem falada. Ramos (2020) relata ser a habilidade metalinguística um arcabouço de outras habilidades linguísticas, tais como: fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas, pragmáticas e textuais. Ao se desenvolver tais habilidades, a língua passa, então, a ser objeto do pensamento infantil. Autores, como Gombert (1992), Chard e Dickson (1999); Cervera-Mérida e Ygual-Fernadez (2003) e Germano e Capellini (2016), trazem a noção do desenvolvimento progressivo das habilidades metafonológicas e propõem quatro momentos distintos de sua aquisição. O primeiro estágio seria a fase sem fonologia, reconhecida nos primeiros meses de vida da criança, quando esta apresenta balbucios. Aqui há o início da discriminação dos sons da língua e já demonstra haver uma maturação das estruturas biológicas de percepção e produção da fala. O segundo momento ocorreria ente o seis meses e um ano, com a produção dos primeiros fonemas consonantais (/p/, /m/, /t/, /k/) e vocálicos (/a/, /i/, /u/), com a produção de palavras isoladas. No terceiro momento, a criança está entre os 18 e 24 meses e realiza produção de frases simples e compreensíveis para o adulto. No último estágio, que se manifesta dos quatro aos seis anos, junto com a aprendizagem da leitura e escrita, a criança identifica e produz quaisquer sequências de fonemas, conhecidas ou não, com ou sem significado. Capovilla, Gutschow e Capovilla (2004) propõem a relação entre o processamento fonológico e os problemas de leitura. Os autores afirmam que dificuldades relacionadas à percepção e ao processamento automático da fala e as dificuldades relacionadas à segmentação e à manipulação intencionais de segmentos da fala são capazes de predizer dificuldades ulteriores na aprendizagem de leitura e escrita, e que procedimentos de intervenção voltados ao desenvolvimento de habilidades metafonológicas (especialmente procedimentos para desenvolver a consciência fonológica) são capazes de produzir ganhos significativos em leitura. Segundo Ramos (2017), grande parte da literatura e estudos sobre a habilidade metafonológica demonstra que ela é uma das funções do processamento fonológico que mais prediz a aprendizagem do sistema de escrita alfabética (FAÍSCA; ARAÚJO; REIS, 2015; SEABRA; DIAS, 2012; SOARES; JACINTO; CÁRNIO, 2012; SPINILLO; MOTA; CORREA, 2010; MELO; CORREA, 2013; BOWEY et al., 2013; CORRÊA; CARDOSO-MARTINS, 2012). Ramos (2017) propõe que a habilidade metafonológica se refere 23 à capacidade de identificar, analisar, manipular, segmentar de forma intencional as unidades de sons que compõem a fala. É composta por um conjunto de habilidades, tais como a aliteração, a identificação de rimas, a segmentação e subtração de sílabas; identificação, segmentação e subtração de fonemas (consciência fonêmica); tratando-se de um constructo não homogêneo, pois inclui competências que variam tanto em nível de dificuldade como de sua aprendizagem. A consciência fonológica seria, assim, um conjunto de habilidades que evoluem de identificação de unidades mais evidentes na fala (suprafonêmicas), para unidades menos evidentes (intrassilábicas) e fonêmicas. Para Morais et al. (1998), a consciência fonológica implica um julgamento intencional sobre a fonologia de uma língua. Considera-se que a consciência fonológica possui uma estrutura hierárquica e atua em estágios. Estes por sua vez iniciam com a consciência de unidades mais globais e evoluem até chegar à consciência plena dos segmentos fonêmicos da fala. Assim, a criança precisará ignorar o significado da palavra e atentar apenas para sua estrutura fonológica, para conseguir manipular os sons contidos em uma palavra, em quaisquer dos níveis de hierarquia da consciência fonológica (PAES; PESSOA, 2005). Chard e Dickson (1999) apresentam um continuum no desenvolvimento das habilidades metafonológicas, conforme observado na Figura 1. Eles consideram que tais habilidades avançam de atividades menos complexas, como as atividades com rimas iniciais ou mesmo canções com rimas, passando pela segmentação de frases (momento em que a criança percebe que as frases podem ser divididas em palavras), até chegar à consciência fonêmica. Esta é, para os autores, a atividade mais complexa das habilidades metafonológicas e, consequentemente, a última fase na aquisição de tais habilidades. Assim, perceber que a linguagem falada pode ser quebrada de maneiras diferentes (frases em palavras, palavras em sílabas e sílabas em fonemas) é o que torna o indivíduo fonologicamente consciente, pois compreende todos os níveis fonológicos. 24 Figura 1. Representação do “continuum” das habilidades metafonológicas Fonte: adaptada de Chard e Dickson (1999). Segundo Salles (1999), a consciência silábica antecede as habilidades fonêmicas, sendo desenvolvida de forma progressiva de acordo com o aumento da idade e escolaridade. Isto sugere que, durante a Educação Infantil, as crianças podem ser apresentadas às atividades que estimulem a aquisição da consciência fonológica quando participam de jogos, cantigas, poemas e outras atividades com rima e aliteração (STROIEK; SILVA, 2016). Esta é uma das atribuições legais da Educação Infantil, apresentadas pela BNCC (BRASIL, 2018), como já discutido anteriormente, quando apresenta como objetivos: inventar brincadeiras cantadas, poemas e canções, criando rimas, aliterações e ritmos. Em pesquisa realizada com intuito de estudar a relação entre consciência fonológica e a aquisição da linguagem escrita, a partir da perspectiva psicogenética, Maluf e Barrera (1997) apontam que crianças em diversas faixas etárias conseguem identificar semelhanças e diferenças sonoras. Ainda, mostram que os sujeitos são sensíveis à rima e à aliteração, detectando semelhanças fonológicas, mas isto não pressupõe a capacidade de isolar sons comuns entre elas. As autoras descrevem que somente crianças mais velhas conseguem isolar os segmentos sonoros, e isso é resultado da aprendizagem da leitura e escrita. As crianças da faixa etária entre cinco e seis anos podem apresentar, simultaneamente, Atividades menos complexas Atividades mais Rimas e canções com rimas Segmentação de sentenças Segmentação e manipulação Segmentação e manipulação fonêmica 25 respostas tanto voltadas para os aspectos semânticos como para os fonológicos, quando questionadas sobre a reflexão da escrita de palavras, mas existe uma evolução significativa para respostas mais assertivas voltadas aos aspectos fonológicos à medida que a idade da criança aumenta. Afirmam que as respostas relacionadas à semântica não demonstram ausência de consciência fonológica. A capacidade de analisar as diferenças e/ou semelhanças sonoras, de perceber a fala em seus segmentos, está presente e é evolutiva. Confirmam hipóteses levantadas por outros estudos, mostrando que crianças com quatro anos de idade apresentam maior frequência para segmentação silábica, e que aos seis anos essa predominância passa para a segmentação fonêmica. Entretanto, destaca-se que há controvérsias quanto à idade em que as crianças começam a apresentar sensibilidade para rimas. Pesquisadores, como Bryant e Bradley (1983,1991), dizem que aos dois anos a criança pode apresentar tal habilidade, já para Treiman e Zukowki (1991), essa habilidade se desenvolveria aos três e quatro anos. Para Ramos (2005), a consciência fonológica possui uma hierarquia e apresenta níveis variados de desenvolvimento. Em seus estudos, ela faz afirmativas pautadas em Gough, Larson e Yopp (1995) e Cardoso-Martins (1995), afirmando que a consciência fonológica é um fenômeno contínuo, com desenvolvimento hierárquico e possuidora de graus de dificuldades. Assim, o estágio mais básico seria das unidades fonológicas globais, como a sílaba, até chegar ao nível mais elaborado em que estão apoiadas as unidades fonológicas exigentes de maior esforço para sua percepção e manipulação. Ramos (2005) propõe a interpretação de Gough, Larson e Yopp (1995), de que a consciência fonológica seria estruturada pela escala Guttman. Uma escala de Guttman é uma escala na qual, se os itens estão arranjados sem ordem de dificuldade, cada item é necessário para cada item mais difícil, e suficiente para cada item mais fácil. (...). Ocorreu-nos que a consciência fonológica pode constituir uma escala de Guttman, que suas tarefas podem estar ordenadas de tal maneira que o sucesso em cada item é necessário para o sucesso em cada item mais difícil, e suficiente para o sucesso em cada item mais fácil. (GOUGH; LARSON; YOPP, 1995, p.29). Bernardino Júnior et al. (2006) descrevem os três níveis da consciência fonológica: habilidades suprassegmentais, com menor exigência cognitiva para identificação de semelhanças ou diferenças de sonoridade da fala, rima e aliteração; habilidades silábicas, com identificação e discriminação de sílabas, unidades mais acessíveis da fala, por isso mais isoláveis, em que não há necessidade de ignorar a 26 unidade natural da fala, consequentemente, há a manipulação das mesmas; e habilidades fonêmicas, com identificação e discriminação das unidades mínimas da fala (fonemas), decomposição e/ou recomposição de palavras utilizando os fonemas que as constituem, e, por não estarem disponíveis espontaneamente, há maior dificuldade de torná-los audíveis, pois precisam ser produzidos de forma isolada. As habilidades metafonológicas podem ser avaliadas por tarefas que verificam os julgamentos em rima e aliteração, síntese, análise, identificação, contagem e manipulação dos segmentos da fala, tanto em níveis silábicos como fonêmicos em palavras ou pseudopalavras (CAPOVILLA; CAPIVILLA, 1998). Para Maluf e Barrera (1997), é durante o início da escolarização, ou seja, durante a pré-escola e os anos iniciais do Ensino Fundamental, quando a criança aprende a ler e escrever, que se desenvolve a capacidade de prestar atenção à fala. É neste momento que a criança passa a analisar a fala em seus segmentos diversos: palavras, sílabas e fonemas. As autoras ressaltam que o desenvolvimento da habilidade metafonológica se relaciona com o desenvolvimento simbólico das crianças. Apontam para aspectos do desenvolvimento infantil, quando, no início da aprendizagem da leitura e escrita, a criança precisa atentar para os valores sonoros das palavras, seu significante, pondo de lado, neste momento, seu aspecto semântico, seu significado. Salientam os resultados dos estudos com evidências de que há um longo caminho a ser percorrido, mesmo após a descoberta da relação entre fala e escrita, pois a criança deve compreender ainda como acontece a relação de correspondência entre grafema e fonema. Fukuda e Capellini (2011) salientam a importância da instrução formal para que os escolares compreendam a relação grafema-fonema, pois esta aprendizagem auxilia na alfabetização desenvolvendo habilidades cognitivo-linguísticas necessárias para a aprendizagem da base alfabética do sistema de escrita do português brasileiro. Em seus estudos, elas comprovam a eficácia que o treinamento das habilidades fonológicas e de correspondência grafema-fonema trouxe para os escolares, evidenciando na pós-testagem ganhos na melhora das habilidades fonológicas e de leitura. Junto às habilidades metafonológicas, a memória operacional fonológica (MOF) tem um papel fundamental. Por ser a capacidade de armazenar temporariamente a informação sonora, a MOF torna-se essencial ao desenvolvimento 27 da leitura. Esta memória apresenta capacidade limitada e temporária e sustenta os códigos fonológicos das informações verbais, enquanto realiza as tarefas de processamento das informações (RODRIGUES; BEFI-LOPES, 2009). Soares, Jacinto e Carnário (2012) concordam com as postulações apresentadas e também afirmam que as informações na MOF são retidas e manipuladas temporariamente somente se forem mantidas por meio da repetição ou de sua transferência para a memória de longo prazo. Outros pontos de acordo entre os autores são: o desenvolvimento da MOF acontece concomitantemente ao da linguagem; ele avança em conformidade com a idade e escolarização; quanto mais elaborado for o vocabulário do indivíduo, maior será seu conhecimento sublexical e morfológico, resultando em maior facilidade no desempenho de atividades que exijam a utilização da MOF. A MOF faz parte de um circuito composto por um controlador de atenção, que é o sistema executivo central, e por três sistemas de suporte que interagem entre si: a alça visuo-espacial, a alça fonológica e o buffer episódico (BADDELEY, 2010). Figura 2. Apresentação dos constituintes da Memória Operacional Fonte: adaptado de Baddeley (2010). As funções do Executivo Central seriam regular as informações na MOF, de forma a gerenciar o processamento e o armazenamento das informações através das conexões entre o sistema viso-espacial e o fonológico. Para as autoras, o Buffer episódico também corresponderia a um sistema de capacidade limitada que traria à tona as informações contidas na memória de longa duração. Assim, ele seria um sistema atencional que supervisionaria os estímulos que serão processados, realizando o direcionamento da atenção e a regulação e seleção do fluxo de Executivo Central Alça Visuo-espacial Buffer Episódico Alça Fonológica 28 informações dentro da MOF, garantindo a realização adequada da tarefa solicitada (RODRIGUES; BEFI-LOPES, 2009). Para Baddeley (2010), a alça fonológica apresenta duas funções: uma, “na qual traços da memória semelhantes à fala são registrados e desaparecerão espontaneamente em cerca de dois segundos”; e a outra é o “processo pelo qual tais traços podem ser atualizados por ensaio verbal ou subvocal, uma atividade que ocorre em tempo real”. Já a alça Viso-espacial também apresenta um auxílio para o executivo central como forma de armazenamento de curto prazo para o material visual a ser sustentado. Para Baddeley (2011), a memória operacional forma-se por meio das diferentes relações com o conhecimento a ser adquirido. Quando tal relação é constante, o que se vivencia passa a ficar armazenado na memória de longo prazo. Esta memória será a primeira a ser acessada e nela será feita uma busca para identificar se a informação em questão é nova ou já não faz parte dos conhecimentos do indivíduo. Se a informação fizer parte da memória de longo prazo, seu acesso será rápido e até automatizado, do contrário esta informação precisará ser sustentada até que se finalize a operação necessária (BADDELEY, 2011). Assim, o sistema executivo central regula o fluxo de informações da MOF, unificando os sistemas viso-espacial e fonológico. E para realização da leitura, seria necessário, além do armazenamento fonológico da informação, um processo de controle articulatório ou ensaio subvocal (RODRIGUES; BEFI-LOPES, 2009; BADDELEY, 2011). De acordo com Buzetti e Capellini (2020), a informação lexical já existente facilitará o uso das informações fonológicas no processo de decodificação e codificação durante a leitura. O armazenamento das informações fonológicas depende das lembranças, das impressões e sensações vivenciadas. Por ser um sistema de curta duração, para que haja retenção, a informação deve ser apresentada diversas vezes, assim tal informação migrará da memória de curto prazo para a memória de longo prazo e estará acessível em um momento futuro, quando houver a retomada da informação. Para as autoras supracitadas, se o indivíduo conseguir realizar o reconhecimento automático das palavras, ou seja, se já possui familiaridades com a palavra apresentada, tal indivíduo não precisará dedicar tempo para a decodificação, 29 deixando livre sua memória para a compreensão do que lê. Assim, sua fluência em leitura em voz alta seria um indicador de competência leitora. Para Coltheart (2013), a leitura é definida como a habilidade de processar as informações transformando a escrita em fala, ou seja, a escrita em significado, e afirma que o sujeito leitor é detentor de um sistema metal de processamento de informação capaz de realizar essas transformações. Forster e Chambers (1973) defendem que a leitura depende do envolvimento de algum tipo de codificação acústica ou articulatória para a sequência de letras apresentadas pela palavra em questão. Dehaene (2012) afirma que aprender a ler consiste em realizar conexões entre as áreas visuais e as áreas da comunicação oral, e indica que a região occípito-temporal esquerda é a responsável por reconhecer as formas visuais das palavras e por distribuir estas informações para outras regiões, como as áreas de representação de significado, da sonoridade e da articulação de palavras. Buzetti e Capellini (2020) dizem que ler significa transformar representações gráficas em representações mentais de sua forma sonora e de seu significado, é além de decifrar e envolve o ato de compreender a mensagem transmitida. Porém, um fator consensual é acrescido às questões relacionadas à leitura. Em meados de 1920, Saussure apresenta a concepção de leitura de dupla rota, na qual propõe a execução diferenciada entre a leitura de palavras novas e de palavras já conhecidas. Esta teoria é apresentada também por Foster e Chambers (1973), que trazem a concepção sobre o tema, aceita até os dias atuais. Assim, para realizar a leitura, após visualizar a palavra e designar algum tipo de codificação, seja acústico ou articulatório das sequências das letras visualizadas, sua pronúncia poderá ser primeiro calculada pelas regras grafo-fonêmicas em que não necessite agregar significado ou se ter alguma familiaridade com a sequência. Já a rota lexical depende dos conhecimentos já adquiridos e acessados pela memória de longa duração. Nela serão buscadas as informações sobre a pronúncia de sequências já familiares das letras visualizadas. Para os autores, o início da leitura, ou seja, o cálculo das pronúncias e a busca lexical iniciam-se simultaneamente, porém o processo de acesso que terminar primeiro controlará o produto gerado. Coltheart (2013) sustenta a teoria da dupla rota quando mostra que lesões cerebrais em pessoas letradas podem afetar a leitura em voz alta da rota lexical, mas não da rota fonológica, ou podem trazer prejuízos para a rota fonológica e não afetar a rota lexical. 30 Em um sistema alfabético, é possível concluir que o alfabeto foi criado para representar a menor parte do som, o fonema. Morais (1996), em sua pesquisa com adultos portugueses iletrados e ex-iletrados, apontou a dificuldade em acrescentar ou subtrair fonemas iniciais de palavras em adultos iletrados. Já para os adultos que haviam aprendido a ler, esta tarefa foi executada de forma coerente. Identificou que tal incapacidade não está relacionada à incompreensão das operações a serem realizadas, mas evidencia que a falta de conhecimento do alfabeto leva à falha das representações conscientes dos fonemas. Nobre e Salles (2014) apresentam um fluxograma adaptado de Coltheart et al. (2001) em que propõem haver no modelo de dupla rota três rotas distintas, uma fonológica e duas lexicais, como observado na Figura 3. Figura 3. Apresentação do fluxograma de dupla rota de reconhecimento de palavras Nobre e Salles (2014). Fonte: adaptado de Coltheart et al. (2001). Sendo assim, Nobre e Salles (2014) postulam que, na apresentação de uma palavra, primeiro ocorre o processamento dos traços que constituem as letras para só depois elas serem decodificadas. O próximo passo é a averiguação de qual rota será acionada para a realização da leitura. A rota fonológica converterá diretamente os grafemas em fonemas de forma regular. Já a rota lexical poderá subdividir-se em: semântica (indireta, identificação do léxico ortográfico, identifica seu significado no sistema semântico para chegar ao léxico fonológico e produzir o output da palavra) e não semântica (direta, faz a identificação ortográfica ligada ao léxico fonológico para produzir o output da palavra). Germano (2011) corrobora que, independentemente da rota percorrida para a identificação das letras realizadas durante a análise ortográfica, esta verificação se Análise ortográfica Léxico ortográfico Léxico fonológico Sistema Semântico Sistema de conversão Grafema-fonema Buffer fonológico Leitura oral Palavra escrita 31 relaciona ao córtex visual-occipital distinguindo letras e palavras de outros padrões visuais; prossegue a cadeia de processamentos, agora na região temporal e parietal, indicando as letras e as sequências que formam as palavras. Tais processamentos foram demonstrados por Dehaene e Cohen (2007), que expuseram indivíduos alfabetizados e não alfabetizados à ressonância magnética associada a estímulos visuais, com textos verbais e não verbais. Assim, descobriram que a linguagem apresenta representações cerebrais capazes de proporcionar a leitura. Como já evidenciado neste estudo, essa área encontra-se no hemisfério esquerdo, especificamente na região occípito-temporal ventral esquerda, encontrada anatomicamente logo atrás da orelha. Em seus estudos, Joseph, Noble e Eden (2001), através da tomografia por emissão de positrons (PET) e também por ressonância magnética, demonstraram que o processo de leitura envolve as áreas perissilvianas do hemisfério esquerdo, incluindo também o córtex visual extraestriado, as regiões parietais inferiores, o giro temporal superior e o córtex frontal inferior. Eles afirmam que há variações no recrutamento das regiões a serem utilizadas, pois sua ativação dependerá da tarefa relacionada à leitura que será executada, porém garantem que as regiões dos sítios temporal superior, occípito-temporal e frontal inferior do hemisfério esquerdo estão associadas aos componentes do processamento de leitura e processamentos fonológicos. Vale ressaltar a diferença existente entre dificuldades de aprendizagem e transtorno de aprendizagem, pois tais termos estão longe de ser sinônimos e, por vezes, são empregados de forma errônea na prática educacional ou clínica. Correa (2007) aponta que há desordens neurológicas capazes de interferir na recepção, integração ou expressão de informações. Tais desordens acarretam incapacidade ou impedimento do desenvolvimento das habilidades, como as de leitura. Os alunos que se enquadram nesse caso seriam denominados alunos com dificuldades de aprendizagem específicas. O autor afirma que essas desordens necessitam de serviços de apoio especializado para não acarretar insucesso acadêmico e posterior abandono escolar. Entretanto, uma desordem neurobiológica também acarretaria insucesso escolar. Para Shaywitz e Shaywitz (2005), a dislexia é um distúrbio interno do sistema linguístico, alojado no subcomponente deste sistema: o processamento fonológico. Para os autores, com o avanço das tecnologias de imagem, verificou-se uma 32 assinatura neurobiológica para a dislexia. Observou-se uma ruptura entre o sistema parieto-temporal e o occípito-temporal, ambos no hemisfério esquerdo, porém acreditam existir um esquema compensatório que estaria nos sistemas anteriores ao redor do giro frontal inferior e um sistema posterior (occípito-temporal direito). Assim, postulam ser maleáveis tais sistemas cerebrais relacionados à leitura e acreditam que tal disfunção pode ser remediada por meio de intervenção eficaz. Os autores citados sugerem que, com os avanços dos estudos, inclusive de ressonância, haja dois tipos de dificuldades de leitura: uma com base genética e outra mais comum, que refletiria as influências ambientais. Ashkenazi et al. (2013) postulam que a dificuldade em leitura está amplamente relacionada a um déficit fonológico que impediria a aquisição normal da leitura. Em seus estudos, Germano (2011) explicita o quão complexos são os processos de aquisição da leitura, do conhecimento do sistema alfabético de escrita e das habilidades metafonológicas, tão necessárias para a alfabetização de escolares com dislexia, transtornos e dificuldades de aprendizagem. Estudos, como os de Brizzolara et al. (2006), consideram que as habilidades fonológicas sejam cruciais para a aquisição da correspondência letra-som e que a automação da leitura seja necessária para uma leitura eficaz em um sistema alfabético, mas trazem achados significativos com relação a outro componente do processamento fonológico: a nomeação automática rápida (RAN). Assim, acreditam que as medidas RAN mapeariam uma dimensão diferente do processamento fonológico, pois elas permitem acessar e automatizar a codificação dos caracteres na memória, e esta codificação é uma habilidade mais geral na execução de operações rápidas, como o reconhecimento visual, acesso lexical e processos articulatórios, como se verá a seguir. Em 1974, Denckla e Rudel descrevem pela primeira vez o teste de nomeação rápida. Apresentado por meio de pranchas formadas de estímulos diversificados, como objetos, cores, letras números e outros, deve ser executado com o escolar nomeando rapidamente os estímulos apresentados. Segundo Bicalho e Alves (2009), o teste de nomeação rápida, além de ser de fácil aplicação, é uma ferramenta para diagnosticar possíveis problemas de leitura, permitindo a identificação precoce destes problemas e o encaminhamento para a devida intervenção. O autor relata serem já conhecidas as áreas específicas do cérebro onde se processa o reconhecimento visual das palavras, bem como onde se 33 realiza a leitura rápida e automática, a região occipital-temporal. Ele expõe que quanto mais automaticamente for feita a ativação desta área, mais eficiente será o processo de leitura. Bicalho e Alves (2009) também afirmam que crianças com queixas de problemas de aprendizagem podem vir a apresentar alguns problemas, como Problemas de acesso ao léxico decorrentes de diferentes níveis de processamento da informação e que a velocidade de nomeação de estímulos encontra-se diretamente ligada à velocidade de acesso a memória de curto prazo e a nomeação fonológica, influenciando assim o desenvolvimento da leitura. Capellini e Conrado (2009), em sua pesquisa, pontuam que, no Brasil, há necessidade de se traçar um perfil dos escolares com dificuldades de leitura. Elas apontam que, às vezes, os escolares com dificuldades de aprendizagem são confundidos com crianças que apresentam quadros disléxicos, pelo fato de apresentarem problemas em habilidades fonológicas e de nomeação rápida. Na realidade, esses dois grupos apresentam falhas no acesso fonológico da informação, decorrente de problemas de alfabetização. Identificar escolares com dificuldades de aprendizagem passa a ser mais difícil quando entra em cena um fator inesperado, a pandemia da Covid-19, que assolou vários países dos cinco continentes. Segundo Brito et al.(2020), o coronavírus, identificado pela primeira vez no dia 31 de dezembro de 2019, na China, foi considerado um dos maiores desafios do século XI. Este vírus, causador da Covid-19, é altamente infectocontagioso e sua epidemiologia é pouco conhecida. Por isso, os autores afirmam a urgência de os gestores federais, estaduais e municipais adotarem medidas de saúde pública para minimizar as taxas de contágio e mortalidade, a fim de erradicar a doença. Em seus estudos, Arruda (2020) sinaliza a relação existente entre a pandemia da Covid-19 e a necessidade das políticas públicas emergenciais, que levaram ao isolamento de 90% da população estudantil mundial, no ano de 2020. Neste momento, a escola torna-se um dos locais de maior probabilidade de contaminação, pois nela há a socialização e a mobilidade de indivíduos de diversas faixas etárias. O autor evidencia a excepcionalidade da situação educacional mundial e as implicações da adoção de ações para a educação remota emergencial. Ele relata existir uma diferença significante entre a implementação do ensino remoto e o atendimento 34 emergencial em que alunos afetados pelo isolamento social são atendidos por meio das tecnologias digitais. Assim, em março de 2020, com o agravamento causado pela pandemia da Covid-19 e para a minimização dos impactos da doença, o Brasil decretou a suspensão das aulas presenciais, substituindo-as por atividades não presenciais e pelo ensino remoto emergencial (SAMPAIO, 2020). Hodges et al.(2020) apresentam essa diferenciação entre os dois formatos de educação: o ensino a distância e o ensino remoto emergencial. De acordo com os autores, o ensino a distância contempla uma série de fatores mais elaborados, que requer planejamento, consideração do perfil do aluno e do docente, adequação de momentos síncronos e assíncronos, e envolvimentos de outros profissionais para adaptar o material às realidades virtuais. Já o ensino remoto emergencial ocorreu a partir da entrega de conteúdos curriculares, os quais seriam utilizados para o ensino presencial, e que passaram a ser utilizados de forma remota e temporária, sem as adequações necessárias para o seu uso online, nesta realidade inesperada. Para Batista e Martins (2021), muitos foram os desafios enfrentados pela necessidade da realização do ensino remoto emergencial. As autoras trazem questões relacionadas às limitações no processo de ensino, tendo em vista as novas configurações no ambiente familiar em relação ao estudo em casa. Também elucidam o quão complexo e difícil é contemplar o currículo escolar durante as aulas presenciais e o quão dificultoso foi ajustar tais conteúdos para serem ensinados pelos pais em ambiente familiar. Ainda existe outra questão a ser abordada relativa às complicações acentuadas pela pandemia da Covid-19. Cosenza e Guerra (2011) citam a relação da saúde emocional como um fator de auxílio para a aprendizagem eficaz. Assim, para que haja um bom andamento na aprendizagem, as circuitarias devem estar livres a fim de processarem os estímulos apresentados. Contudo, os autores sugerem que algumas interferências podem ser consideradas de maior valia para o escolar, como o seu bem- estar. Esta preocupação ocuparia e sobrecarregaria as circuitarias neurológicas dificultando seu aprendizado. Stolf et al. (2021) corroboram Cosenza e Guerra (2011) e afirmam, em seu estudo de revisão de literatura, que em 2020, durante a pandemia da Covid-19, os escolares apresentaram considerável frequência de distúrbios psíquicos, alimentares, sedentarismo, alteração no sono e estresse. Apontaram, ainda, a necessidade de se 35 pensar na prática pedagógica, nas intervenções fonoaudiológicas a serem adotadas para a superação das dificuldades trazidas pelo ensino remoto emergencial. As autoras trazem um novo pano de fundo para os problemas educacionais, que requerem a atenção tanto dos profissionais da educação como da saúde, pois o período de pandemia acarretou uma defasagem para a educação e poderá levar anos para se superar toda essa lacuna vivenciada. As autoras afirmam a necessidade de se analisar e repensar as políticas públicas para o “planejamento de estratégias de recuperação da aprendizagem acadêmica”. Assim, baseado no exposto anteriormente, este estudo se justifica pela necessidade de se investigar este tema tão relevante para a educação e saúde, pois se apresenta em um momento de transição entre o ensino remoto e o ensino presencial, sugerindo uma possível lacuna na aquisição e aprendizagem de habilidades preditoras de leitura. HIPÓTESE A hipótese deste estudo refere-se à pandemia, isto é, haveria um agravamento no desenvolvimento das habilidades preditoras de leitura em virtude das dificuldades impostas pelo ensino remoto emergencial, que pode ter prejudicado as relações entre ensino-aprendizagem. OBJETIVO Este estudo teve como objetivo caracterizar e comparar as habilidades preditoras de leitura de escolares dos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental em tempos de pandemia da Covid-19. 36 3. MATERIAIS E MÉTODOS Trata-se de uma pesquisa observacional de corte transversal, quantitativa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (FFC/UNESP), em Marília/ SP, sob o protocolo nº 4.862.668. Participantes Participaram deste estudo 40 escolares na faixa etária de 6 a 7 anos de idade, de ambos os sexos, da rede municipal de Marília-SP. Os escolares foram divididos em quatro grupos: - Grupo I (GI): composto por 11 escolares do 1º ano do Ensino Fundamental I, sendo 36% do sexo feminino e 64% do sexo masculino, avaliados durante a pandemia; - Grupo II (GII): composto por 9 escolares do 2º ano do Ensino Fundamental I, sendo 22% do sexo feminino e 78% do sexo masculino, avaliados durante a pandemia; - Grupo III (GIII): composto por 20 escolares, avaliados antes da pandemia, pareados com GI e GII em relação ano escolar e idade cronológica, retirados de Banco de dados fornecido Pelo Laboratório de Investigações dos Desvios de Aprendizagem (LIDA), da Universidade Estadual Paulista – “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Marília/SP ; -Grupo IV (GIV): composto por 20 escolares, sendo a junção dos grupos GI e GII. Os escolares de GI e GII foram indicados pelos professores, a partir de observações do desempenho acadêmico dos escolares durante a pandemia, sendo estes referidos com dificuldades de aprendizagem. Foram excluídos deste estudo escolares com deficiência intelectual, sensorial, alterações genéticas ou do neurodesenvolvimento, com registros em prontuário escolar. Os escolares do GIII foram selecionados a partir do ano escolar e idade cronológica considerando o desempenho “esperado” em mais de 50% das provas do Protocolo de Identificação Precoce dos Problemas de Leitura – IPPL (CAPELLINI; CERQUEIRA; GERMANO, 2017). 37 O GIV foi composto pela junção dos GI e GII a fim de favorecer a comparação estatística, com maior número de sujeitos. A Tabela 1 apresenta a caracterização dos escolares dos GI e GII. Tabela 1. Idade cronológica e sexo dos escolares participantes do estudo GI e GII LEGENDA: a= anos, m= meses, F= feminino, M= masculino Procedimentos Como procedimento, os escolares foram submetidos ao Protocolo de Identificação Precoce dos Problemas de Leitura – IPPL (CAPELLINI; CERQUEIRA; GERMANO, 2017), em apenas uma sessão por aluno. Ela ocorreu de forma individual e com duração aproximada de 40 minutos. O protocolo é composto de 13 provas: • Prova de conhecimento das 23 letras do alfabeto: a criança realiza a nomeação de cada letra apresentada de forma aleatória, ou seja, não seguindo a ordem alfabética. • Provas de habilidades metafonológicas, compostas das seguintes provas: o Produção de rima: a criança deve dizer uma palavra que termine com o mesmo segmento sonoro, da palavra que lhe foi apresentada oralmente pelo avaliador. Teste composto de 20 palavras. Sujeitos Idade cronológica Sexo Sujeitos Idade cronológica Sexo GI GII S1 6a 2m F S1 7a 10m F S2 6a 2m M S2 7a 1m M S3 6a 10m M S3 7a 1m M S4 7a 0m M S4 7a 1m M S5 6a 7m F S5 7a 1m M S6 6a 10m M S6 7a 8m M S7 6a 10m F S7 7a 7m F S8 6a 8m M S8 7a 5m M S9 6a 6m M S9 7a 4m M S10 7a 0m M S11 6a 2m F 38 o Identificação de rima: o avaliador apresenta oralmente três palavras e a criança deverá dizer apenas as duas palavras que terminem com o mesmo segmento sonoro. São apresentadas 20 sequências de 3 palavras. o Segmentação silábica: 21 palavras são apresentadas auditivamente, elas podem ser dissílabas, trissílabas ou polissílabas, e solicita-se que as separem em sílabas. o Produção de palavras a partir do fonema dado: são apresentadas aos escolares fonemas do alfabeto e solicita-se que ele produza uma palavra que inicie com o fonema-alvo. o Síntese fonêmica: 21 palavras são apresentadas auditivamente separadas em fonemas, a criança deve unir os fonemas e dizer qual a palavra formada. o Análise fonêmica: apresentam-se ao escolar 21 palavras auditivamente e solicita-se que as separe em fonemas. o Identificação de fonema inicial: o avaliador apresenta 21 palavras auditivamente, e o educando deve dizer qual o primeiro fonema da palavra. • Prova de memória operacional fonológica: ao escolar, apresentam-se auditivamente 24 não palavras e solicita-se que ele as repita como entender. • Prova de Nomeação Automática Rápida: é composta por uma sequência de sete linhas contendo cinco figuras (bola, casa, carro, chave e pato) que aparecem de forma intercaladas em cada linha. É solicitado ao escolar que nomeie as figuras seguindo a sequência em que aparecem, da esquerda para a direita e de cima para baixo, o mais rápido que conseguir, sem a utilização de apoio digital. • Prova de Leitura Silenciosa: são apresentadas dez imagens coloridas seguidas de duas palavras, e solicita-se ao escolar que indique qual das palavras corresponde à imagem apresentada. • Prova de Leitura de Palavras e Pseudopalavras: 20 palavras reais e 20 pseudopalavras são apresentadas visualmente ao escolar e solicita-se a leitura das palavras em voz alta. • Prova de Compreensão Auditiva de Sentenças a partir de figuras: 20 frases incompletas são apresentadas oralmente, elas são acompanhadas de representações por imagens. Solicita-se ao escolar que as complete oralmente. 39 As provas foram realizadas na sequência em que aparecem no protocolo e foram interrompidas após a criança apresentar quatro erros consecutivos; em seguida, avança-se para a prova subsequente. Para cada acerto foi atribuído “um ponto”, e para erro e/ou ausência de respostas, foi atribuído “zero”. Os resultados em cada prova são classificados em “sob atenção” e “esperado” para cada ano escolar, conforme descrito no IPPL (CAPELLINI; CERQUEIRA; GERMANO, 2017). A coleta foi realizada em dias distintos, em espaço disponibilizado pela escola; e cada sessão para aplicação dos instrumentos teve em média duração de 40 minutos. Todos os procedimentos adotados seguiram as diretrizes descritas na Instrução Normativa Prope nº 01 (https://www2.unesp.br/portal#!/covid19/reorganizacao-das- atividades/normativas/) em relação à propagação do vírus Covid-19, conforme as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). A coleta de dados foi realizada por contatos pessoais limitados por meio de escalonamento, sendo somente um indivíduo por vez, em uma sala adequadamente ventilada, ou ambiente externo, e distanciamento, com a disponibilidade de máscara cirúrgica e álcool 70 a todos os participantes. Além disso, todos os escolares tiveram sua temperatura aferida antes e após os procedimentos realizados em todas as sessões de coleta. Após as coletas, realizou-se a desinfecção das superfícies de trabalho e equipamentos, antes e após o uso. Análise dos resultados Para a realização da análise estatística dos resultados, utilizou-se o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences) em sua versão 25.0, com nível de significância de 5% (0,050). Para este estudo, foram utilizados testes estatísticos não paramétricos, que testaram a normalidade das variáveis quantitativas de desfecho principal através do teste de Shapiro Wilks (N<30), concluindo a não existência de distribuição de normalidade assegurada. Comparando os três grupos (GI, GII e GIII), para as variáveis escalares, aplicou-se o Teste de Kruskal-Wallis com o intuito de se verificar possíveis diferenças entre os três grupos estudados, quando comparados concomitantemente, para as 40 variáveis de interesse. Também foi utilizado o Teste de Mann-Whitney para se verificar as diferenças ditas estatisticamente significantes, a fim de identificar quais grupos se diferenciam entre si. Para as variáveis categóricas, foi aplicado o Teste da Razão de Verossimilhança com o intuito de se verificar possíveis diferenças entre os três grupos estudados, quando comparados concomitantemente, e a seguir, do mesmo teste, para a comparação de pares de grupos, para as variáveis de interesse. Para as variáveis categóricas, aplicou-se o Teste da Razão de Verossimilhança com o intuito de se verificar possíveis diferenças entre os três grupos estudados, quando comparados concomitantemente, e a seguir, do mesmo teste, para a comparação de pares de grupos, para as variáveis de interesse Já para a comparação entre os GIII e GIV, para as variáveis escalares, aplicou- se o Teste de Mann-Whitney com o intuito de se verificar possíveis diferenças entre os dois grupos estudados, para as variáveis de interesse. Para as variáveis categóricas, foi aplicado o Teste de Qui-quadrado (e quando necessário, o Teste Exato de Fisher) com o intuito de se verificar possíveis diferenças entre os dois grupos estudados, para as variáveis de interesse. Destaca-se que a Prova de Nomeação Automática Rápida não pôde ser analisada estatisticamente, pois os escolares não conseguiram executá-la conforme as instruções previstas no Protocolo. A prova foi descrita de modo qualitativo. 41 4. RESULTADOS Para fins didáticos e para facilitar a leitura, os resultados foram divididos em duas partes, sendo que a Parte 1 apresenta a comparação entre os GI, GII e GIII, e a parte 2 apresenta a comparação entre os GIII e GIV. 4.1 Parte 1 - Apresentação dos resultados da comparação entre os GI, GII e GIII. A Tabela 2 apresenta a comparação entre os GI, GII e GIII, a partir do Teste de Kruskal-Wallis para as variáveis de interesse. Tabela 2 – Média, desvio padrão e valor de p na comparação entre os GI,GII e GIII. Variável Grupo Média Desvio padrão Valor de p Variável Média Desvio padrão Valor de p CA GI 11,73 8,33 0,001* AF 0 0 0,002* GII 16,67 9,93 0 0 GIII 21,95 1,5 3,35 4,83 PR GI 1 3 0,001* IFI 0,09 0,3 < 0,001* GII 1,89 3,3 1,56 4,3 GIII 6,55 5,84 11,4 7,54 IR GI 0 0 < 0,001* MOF 19 4,05 0,345 GII 2 6 19,33 5,2 GIII 12,8 5,44 21 2,94 SS GI 8,45 8,26 < 0,001* LS 6,09 2,3 0,006* GII 12,44 8,03 6,33 3,08 GIII 20 1,59 8,7 2,3 PPF GI 3,09 4,09 < 0,001* LPPP 0,09 0,3 < 0,001* GII 10,67 5,9 4,56 8,89 GIII 18,4 4,29 22,35 15,13 SF GI 0 0 < 0,001* CAF 16,45 2,25 0,123 GII 0,22 0,67 18,11 1,05 GIII 4,45 5,65 18 2 Legenda: CA= Conhecimento do Alfabeto; PR= Produção de Rima; IR= Identificação de Rima; SS= Segmentação Silábica; PPF= Produção de Palavras a partir do Fonema dado; SF= Síntese fonêmica; AF= Análise Fonêmica; IFI= Identificação de Fonema Inicial; MOF= Memória Operacional Fonológica; LS= Leitura Silenciosa; LPPP= Leitura de Palavras e não Palavras e CAF= Compreensão Auditiva de sentenças a partir de Figuras. Teste de KrusKal-Wallis (*p<0,05) Na Tabela 2, foi possível observar diferença significante entre os grupos para as provas de Conhecimento do Alfabeto, Produção de Rima, Identificação de Rima, Segmentação Silábica, Produção de Palavras a partir do Fonema dado, Síntese 42 fonêmica, Análise Fonêmica, Identificação de Fonema Inicial, Leitura Silenciosa e Leitura de Palavras e não Palavras. Como houve diferença entre os grupos, foi aplicado o teste Mann-Whitney, para identificar quais grupos diferenciavam entre si quando comparados dois a dois, conforme descrito na Tabela 3. Tabela 3 – Valor de p na comparação entre os pares de grupos Variável Par de Grupos GI X GII GI X GIII GII X GIII CA 0,117 < 0,001* 0,281 PR 0,260 0,001* 0,017* IR 0,269 < 0,001* 0,001* SS 0,169 < 0,001* 0,002* PPF 0,006* < 0,001* 0,001* SF 0,269 < 0,001* 0,005* AF > 0,999 0,006* 0,012* IFI 0,392 < 0,001* 0,001* MOF — — — LS 0,514 0,004* 0,018* LPPP 0,157 < 0,001* 0,003* CAF — — — Legenda: CA= Conhecimento do Alfabeto; PR= Produção de Rima; IR= Identificação de Rima; SS= Segmentação Silábica; PPF= Produção de Palavras a partir do Fonema dado; SF= Síntese fonêmica; AF= Análise Fonêmica; IFI= Identificação de Fonema Inicial; MOF= Memória Operacional Fonológica; LS= Leitura Silenciosa; LPPP= Leitura de Palavras e não Palavras e CAF= Compreensão Auditiva de sentenças a partir de Figuras. Teste de Mann-Whitney (*p<0,05). Na Tabela 3, foi possível verificar diferença significante na comparação entre os GI e GII para Produção de Palavras a partir do Fonema dado, sendo que os escolares do GI apresentaram menor pontuação quando comparados ao GII para esta prova. Entretanto, para as outras provas, verifica-se desempenho semelhante entre GI e GII. Na comparação entre GI e GIII, verificou-se diferença significante para todas as provas, com exceção de Memória Operacional Fonológica e Compreensão Auditiva de sentenças a partir de Figuras. Os escolares do GI apresentaram desempenho inferior aos escolares do GIII, sugerindo dificuldades relacionadas à pandemia. Na comparação entre GII e GIII, verificou-se diferença significante para todas as provas, com exceção de Memória Operacional Fonológica, Compreensão Auditiva 43 de sentenças a partir de Figuras e Conhecimento do Alfabeto. Os escolares do GII apresentaram desempenho inferior aos escolares do GIII, sugerindo dificuldades relacionadas à pandemia. Ressalta-se que para as provas de Memória Operacional Fonológica e Compreensão Auditiva de sentenças a partir de Figuras não houve diferença na comparação entre os grupos, sugerindo que tais dificuldades poderiam ser observadas em ambos os contextos, antes e durante a Pandemia. A Tabela 4 apresenta a comparação entre os GI, GII e GIII, a partir do Teste da Razão de Verossimilhança para as variáveis de interesse, quanto à classificação do desempenho para cada prova. Tabela 4 – Frequência, percentil e valor de p na comparação entre os grupos para a classificação de desempenho. Variável classificação GI GII GIII valor de p Freq. Perc. Freq. Perc. Freq. Perc. GI X GII X GIII GI X GII GI X GIII GII X GIII CL_CA Esperado 2 18,20% 3 33,30% 17 85,00% 0,001* 0,436 < 0,001* 0,005* sob atenção 9 81,80% 6 66,70% 3 15,00% CL_PR Esperado 1 9,10% 2 22,20% 11 55,00% 0,025* 0,413 0,012* 0,101 sob atenção 10 90,90% 7 77,80% 9 45,00% CL_IR Esperado 0 0,00% 1 11,10% 13 65,00% < 0,001* 0,257 < 0,001* 0,007* sob atenção 11 100,00% 8 88,90% 7 35,00% CL_SS Esperado 1 9,10% 5 55,60% 18 90,00% < 0,001* 0,024 < 0,001* 0,034* sob atenção 10 90,90% 4 44,40% 2 10,00% CL_PPF Esperado 0 0,00% 1 11,10% 14 70,00% < 0,001* 0,257 < 0,001* 0,003* sob atenção 11 100,00% 8 88,90% 6 30,00% CL_SF Esperado 0 0,00% 1 11,10% 12 60,00% 0,001* 0,257 0,001* 0,014* sob atenção 11 100,00% 8 88,90% 8 40,00% CL_AF Esperado 0 0,00% 0 0,00% 5 25,00% 0,057 — — — sob atenção 11 100,00% 9 100,00% 15 75,00% CL_IFI Esperado 0 0,00% 1 11,10% 15 75,00% < 0,001* 0,257 < 0,001* 0,001* sob atenção 11 100,00% 8 88,90% 5 25,00% CL_MOF Esperado 6 54,50% 7 77,80% 16 80,00% 0,291 — — — sob atenção 5 45,50% 2 22,20% 4 20,00% CL_LS Esperado 2 18,20% 3 33,30% 6 30,00% 0,706 — — — sob atenção 9 81,80% 6 66,70% 14 70,00% CL_LPPP Esperado 1 9,10% 2 22,20% 17 85,00% < 0,001* 0,413 < 0,001* 0,001* sob atenção 10 90,90% 7 77,80% 3 15,00% CL_CAF Esperado 0 0,00% 7 77,80% 13 65,00% < 0,001* < 0,001* < 0,001* 0,491 sob atenção 11 100,00% 2 22,20% 7 35,00% Legenda: CL = Classificação; CA= Conhecimento do Alfabeto; PR= Produção de Rima; IR= Identificação de Rima; SS= Segmentação Silábica; PPF= Produção de Palavras a partir do Fonema dado; SF= Síntese fonêmica; AF= 44 Análise Fonêmica; IFI= Identificação de Fonema Inicial; MOF= Memória Operacional Fonológica; LS= Leitura Silenciosa; LPPP= Leitura de Palavras e não Palavras e CAF= Compreensão Auditiva de sentenças a partir de Figuras. Teste de Razão de Verossimilhança (*p<0,05) Na Tabela 4, observa-se, para o GI, que a maioria dos escolares teve classificação “sob atenção” para a maioria das provas, com exceção de Memória Operacional Fonológica. Também para o GII, a maioria dos escolares teve classificação “sob atenção” para a maioria das provas, com exceção de Segmentação Silábica, Memória Operacional Fonológica e Compreensão Auditiva de Sentenças a Partir de Figuras. Para o GIII (antes da Pandemia), a maioria dos escolares apresentou desempenho “esperado” para a maioria das provas, com exceção de Análise Fonêmica e de Leitura Silenciosa. Em relação à comparação, verificou-se diferença entre os GI, GII e GIII para a maioria das provas, com exceção de Análise Fonêmica, Memória Operacional Fonológica e Leitura Silenciosa. Em relação à comparação entre os pares de grupos, verificou-se diferença entre os GI e GII para as provas Segmentação Silábica e Compreensão Auditiva de Sentenças a partir de Figuras. Tais achados sugerem que os escolares dos GI e GII apresentaram desempenho semelhante para a maioria das provas, em tempos de pandemia. Para os GI e GIII, verificou-se diferença para as provas Segmentação Silábica e Compreensão Auditiva de Sentenças a partir de Figuras. Para os GII e GIII, verificou- se diferença para a maioria das provas, com exceção de Produção de Rima e Compreensão Auditiva de Sentenças a partir de Figuras. Tais achados sugerem que os desempenhos foram diferentes, durante (GI e GII) e após a pandemia (GIII). Durante a Pandemia, nota-se que os escolares dos GI e GII tiveram desempenho “sob atenção” para a maioria das provas, exceto para Memória Operacional Fonológica, sugerindo preservação desta habilidade. Entretanto, destaca-se uma limitação do resultado devido ao reduzido número de sujeitos por classificação. 45 4.2 Parte 2 - Apresentação dos resultados da comparação entre os GIII e GIV (GI e GII). A Tabela 5 apresenta a comparação entre os GIII e GIV, a partir do Teste de Mann-Whitney para as variáveis de interesse. Tabela 5 – Média, desvio padrão e valor de p na comparação entre GIII e GIV Variável Grupo Média Desvio padrão Valor de p CA GIII 21,95 1,5 0,001* GIV 13,95 9,19 PR GIII 6,55 5,84 < 0,001* GIV 1,4 3,09 IR GIII 12,8 5,44 < 0,001* GIV 0,9 4,03 SS GIII 20 1,59 < 0,001* GIV 10,25 8,2 PPF GIII 18,4 4,29 < 0,001* GIV 6,5 6,19 SF GIII 4,45 5,65 < 0,001* GIV 0,1 0,45 AF GIII 3,35 4,83 < 0,001* GIV 0 0 IFI GIII 11,4 7,54 < 0,001* GIV 0,75 2,9 MOF GIII 21 2,94 0,169 GIV 19,15 4,48 LS GIII 8,7 2,3 0,002* GIV 6,2 2,61 LPPP GIII 22,35 15,13 < 0,001* GIV 2,1 6,21 CAF GIII 18 2 0,143 GIV 17,2 1,96 Legenda: CA= Conhecimento do Alfabeto; PR= Produção de Rima; IR= Identificação de Rima; SS= Segmentação Silábica; PPF= Produção de Palavras a partir do Fonema dado; SF= Síntese fonêmica; AF= Análise Fonêmica; IFI= Identificação de Fonema Inicial; MOF= Memória Operacional Fonológica; LS= Leitura Silenciosa; LPPP= Leitura de Palavras e não Palavras e CAF= Compreensão Auditiva de sentenças a partir de Figuras. Teste de Mann-Whitney (*p<0,05). Na Tabela 5, observou-se diferença significante entre os grupos para a maioria das provas, com exceção de Memória Operacional Fonológica e de Compreensão Auditiva de Sentenças a partir de Figuras, sugerindo que os escolares apresentaram desempenhos semelhantes para estas provas, ou seja, não houve 46 alteração de desempenho para estas provas quanto ao período antes e durante a Pandemia. A Tabela 6 apresenta a comparação entre os GIII e GIV, a partir do Teste Qui- quadrado e o Teste Exato de Fisher para as variáveis de interesse, quanto à classificação do desempenho para cada prova. Tabela 6 – Frequência, percentil e valor de p na comparação entre os grupos para a classificação de desempenho. Variável Classificação GIII GIV Valor de p Freq. Perc. Freq. Perc. CL_CA Esperado 17 85,00% 5 25,00% < 0,001* sob atenção 3 15,00% 15 75,00% CL_PR Esperado 11 55,00% 3 15,00% 0,008* sob atenção 9 45,00% 17 85,00% CL_IR Esperado 13 65,00% 1 5,00% < 0,001* sob atenção 7 35,00% 19 95,00% CL_SS Esperado 18 90,00% 6 30,00% < 0,001* sob atenção 2 10,00% 14 70,00% CL_PPF Esperado 14 70,00% 1 5,00% < 0,001* sob atenção 6 30,00% 19 95,00% CL_SF Esperado 12 60,00% 1 5,00% < 0,001* sob atenção 8 40,00% 19 95,00% CL_AF Esperado 5 25,00% 0 0,00% 0,017* sob atenção 15 75,00% 20 100,00% CL_IFI Esperado 15 75,00% 1 5,00% < 0,001* sob atenção 5 25,00% 19 95,00% CL_MOF Esperado 16 80,00% 13 65,00% 0,288 sob atenção 4 20,00% 7 35,00% CL_LS Esperado 6 30,00% 5 25,00% 0,723 sob atenção 14 70,00% 15 75,00% CL_LPPP Esperado 17 85,00% 3 15,00% < 0,001* sob atenção 3 15,00% 17 85,00% CL_CAF Esperado 13 65,00% 7 35,00% 0,058 sob atenção 7 35,00% 13 65,00% Legenda: CL = Classificação; CA= Conhecimento do Alfabeto; PR= Produção de Rima; IR= Identificação de Rima; SS= Segmentação Silábica; PPF= Produção de Palavras a partir do Fonema dado; SF= Síntese fonêmica; AF= Análise Fonêmica; IFI= Identificação de Fonema Inicial; MOF= Memória Operacional Fonológica; LS= Leitura Silenciosa; LPPP= Leitura de Palavras e não Palavras e CAF= Compreensão Auditiva de sentenças a partir de Figuras. Teste Qui-quadrado (*p<0,05) 47 Na Tabela 6, pode-se verificar diferença significante entre as classificações para a maioria das provas, com exceção de Memória Operacional Fonológica, Leitura Silenciosa e Compreensão Auditiva de sentenças a partir de Figuras. Em relação as demais provas, os escolares do GIV (durante a pandemia) apresentaram classificação “sob atenção” quando comparados a “esperado” dos escolares do GIII, sugerindo dificuldades para as habilidades metafonológicas e de leitura, agravadas no momento da Pandemia. Entretanto, os escolares tiveram desempenho semelhante, sendo “esperado” para a prova de Memória Operacional Fonológica, sugerindo que a capacidade de manipular informações foram preservadas, tanto antes como durante a pandemia, indicando a presença de dificuldades de aprendizagem e possível ausência de quadro de transtornos de aprendizagem. Já para as provas de Leitura Silenciosa e Compreensão Auditiva de sentenças a partir de Figuras, os escolares tiveram desempenho “sob atenção”, antes e durante a Pandemia, sugerindo que tais habilidades já se encontravam em defasagem antes e durante a Pandemia, indicando ausência de formação de léxico de input mental quando para a leitura e de informações para a compreensão mental. Quanto à prova de Nomeação Automática Rápida, não foi possível desempenhar a análise estatística, sendo feita uma descrição de como os escolares a realizaram, conforme a Tabela 7. Tabela 7- Descrição sobre a execução da prova de Nomeação Automática Rápida realizada pelos escolares. GI Tempo Como realizou a prova S1 16s Nomeou apenas as figuras da primeira linha. Nomeou incorretamente as outras figuras, modificou os nomes, chamando-as pelos nomes das letras. S2 16s Realizou a leitura de forma aleatória, não respeitou a sequência da apresentação. S3 1m 16s Nomeou as figuras de forma lentificada. S4 51s Nomeou as figuras de forma lentificada. S5 18s Nomeou as figuras de forma aleatória. S6 31s Nomeou as figuras corretamente, porém pulou uma linha completa e não percebeu. S7 34s Realizou a prova corretamente S8 35s Nomeou as figuras corretamente, porém pulou uma linha completa e não percebeu. S9 36s Nomeou as figuras corretamente, porém pulou uma linha completa e não percebeu. S10 46s Nomeou as figuras de forma aleatória e fora de sequência S11 1m 8s Nomeou as figuras de forma lentificada GII 48 S1 1m 10s Nomeou as figuras corretamente, porém pulou uma linha completa e não percebeu. S2 40s Nomeou as figuras corretamente, porém pulou uma linha completa e não percebeu. S3 46s Nomeou as figuras corretamente, mas o fez de forma lentificada, pulou uma linha completa e não percebeu. S4 26s Nomeou as figuras corretamente, porém pulou uma linha completa e não percebeu. S5 39s Nomeou as figuras corretamente, porém pulou uma linha completa e não percebeu. S6 36s Nomeou as figuras corretamente, mas pulou uma linha completa e não percebeu. S7 32s Nomeou as figuras da primeira linha corretamente, mas pulou todas as outras figuras indo para a última coluna de figuras e finalizou a prova. S8 39s Nomeou as figuras de forma lentificada S9 35s Nomeou as figuras corretamente, mas o fez de forma lentificada, pulou uma linha completa e não percebeu. Legenda: S= Sujeitos que participaram da coleta. Na Tabela 7, notou-se que os escolares tiveram dificuldades na realização da prova de nomeação rápida, sugerindo que há uma falha em acessar o léxico na memória de longo prazo e sequencializar os estímulos, como ocorre na realização da leitura. A Tabela 8 apresenta uma síntese dos achados, comparando os escolares na pré-pandemia e durante a pandemia. Tabela 8 – Comparação entre os escolares avaliados antes da pandemia e durante a pandemia. Provas Pré-pandemia Durante a pandemia CA Esperado Sob atenção PR Esperado Sob atenção IR Esperado Sob atenção SS Esperado Sob atenção PPF Esperado Sob atenção SF Esperado Sob atenção AF Sob atenção Sob atenção IFI Esperado Sob atenção MOF Esperado Esperado LS Sob atenção Sob atenção LPPP Esperado Sob atenção CAF Esperado Sob atenção RAN Esperado Não realizou Legenda: CA= Conhecimento do Alfabeto; PR= Produção de Rima; IR=Identificação de Rima; SS= Segmentação Silábica; PPF= Produção de Palavras a partir do Fonema dado; SF= Síntese fonêmica; AF= Análise Fonêmica; IFI= Identificação de Fonema Inicial; MOF= Memória Operacional Fonológica; LS= Leitura Silenciosa; LPPP= Leitura de Palavras e não Palavras e CAF= Compreensão Auditiva de sentenças a partir de Figuras. Assim, verifica-se que algumas habilidades em Análise Fonêmica e Leitura Silenciosa já se encontravam em defasagem antes da pandemia. Durante a 49 pandemia, a maioria das habilidades foi prejudicada em virtude do agravamento no desenvolvimento dos conteúdos adquiridos anteriormente. 5. DISCUSSÃO Os resultados deste estudo indicaram que os escolares dos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental apresentaram dificuldades na maioria das provas, com exceção de Memória Operacional Fonológica, Compreensão Auditiva de sentenças a partir de Figuras e conhecimento do Alfabeto. Tais achados sugerem que, durante a pandemia, esses escolares tiveram dificuldades para as habilidades preditoras de leitura, recebendo classificação de “sob atenção” para as provas de Conhecimento do Alfabeto, habilidades metafonológicas (Produção de Rima; Identificação de Rima; Segmentação Silábica; Produção de Palavras a partir do Fonema dado; Síntese fonêmica; Análise Fonêmica; Identificação de Fonema Inicial) e de leitura (Leitura Silenciosa; Leitura de Palavras e não Palavras). Sabe-se que o conhecimento do alfabeto é uma das habilidades primordiais para o estabelecimento da leitura, pois se relaciona ao princípio alfabético. Este conhecimento é fundamental para o desenvolvimento das habilidades de leitura, pois essa aprendizagem começa pela compreensão da relação entre as letras e respectivos sons. Assim, de acordo com Oliveira, Germano e Capellini (2016), a leitura realizada pela rota fonológica desenvolve-se antes da lexical, pois apresenta um mecanismo de conversão grafofonêmico e este torna-se o aporte para a “construção da pronúncia da palavra, criando um código fonológico que será identificado pelo sistema de reconhecimento auditivo de palavras, acessando seu significado.” As autoras supracitadas também afirmam que a identificação e a localização das letras são de grande valia para o processo de conversão grafofonêmico em sequências de fonemas, demostrando que a decodificação é uma habilidade relacionada ao reconhecimento de símbolos gráficos. Assim, durante a pandemia, os escolares apresentaram falhas no desenvolvimento destas habilidades. Estas falhas podem ter ocorrido devido às dificuldades trazidas pelo ensino remoto emergencial e afetaram também o 50 desenvolvimento de outras habilidades necessárias para o desenvolvimento da leitura, como aconteceu com as habilidades metafonológicas. Em relação às habilidades metafonológicas, a literatura nacional e internacional tem demonstrado como o desenvolvimento destas habilidades acontecem de forma hierárquica. Comprovam ser a habilidade de reconhecimento de rima e aliteração antecessora ao desenvolvimento da consciência silábica, e esta é adquirida anteriormente à consciência fonêmica. Tais habilidades podem ser adquiridas ainda em fase pré-escolar. (BERNARDINO JÚNIOR, et al., 2006; RAMOS, 2005; GOUGH, LARSON E YOPP,1995; CARDOSO-MARTINS, 1995). Sendo assim, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, os alunos deveriam apresentar um bom desempenho nas habilidades de produção e identificação de rima e aliteração, manipulação silábica e fonêmica. A literatura tem apresentado que, no ensino do português do Brasil, a aquisição das habilidades da consciência fonêmica está relacionada ao desenvolvimento concomitante da alfabetização, sendo esta inter- relação de extrema importância para as habilidades metafonológicas e para o aprendizado da leitura (ROMERO, 2004; FREITAS 2003; CARNÁRIO e SANTOS, 2005). Com a pretensão de verificar as relações existentes entre idade, progressão escolar, habilidades metafonológicas e o desenvolvimento da leitura (CIELO, 2002, ANTHONY et al.,