Ciência de Dados e os usos desta metodologia em pesquisa acadêmica Jaqueline Costa Castilho Moreira Leonardo De Andrade Alberto (Orgs.) FICHA TÉCNICA Copyright © 2023 por Corpo editorial: Programa de Pós-Graduação em Mídia e Tecnologia da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da UNESP Design: Iriane Leme Imagem capa: Freepik Diagramação: Letícia Bonatelli Revisão ortográfica: Vitória Santos Bauru/SP, dezembro, 2023 ISBN: 978-65-88287-17-0 Título: Ciência de Dados e os usos desta metodologia em pesquisa acadêmica Organizadores: Jaqueline Costa Castilho Moreira e Leonardo de Andrade Alberto COORDENAÇÃO JAQUELINE COSTA CASTILHO MOREIRA Doutorado em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho-UNESP/Araraquara. Mestrado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP/Rio Claro. Bacharelado em Comunicação Social pela Escola Superior de Propaganda e Marketing. Licenciada Plena em Educação Física pelo Centro Universitário Moura Lacerda. Atualmente Professora Assistente Doutora na Faculdade de Ciências e Tecnologia, coordenando o curso de Educação Física da UNESP de Presidente Prudente. Docente do Programa de Mestrado Profissional Interdisciplinar em "Mídia e Tecnologia" PPGMiT, da UNESP/Bauru. LEONARDO DE ANDRADE ALBERTO Mestrado em Mídia e Tecnologia em andamento pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP/Bauru. Pós-graduação em Direito Corporativo e Compliance pela Escola Paulista de Direito. Bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG/Frutal. Membro efetivo da Comissão Especial de Tecnologia e Inovação da OAB, seção de São Paulo. Membro da Red Iberoamericana El Derecho Informatico. Pesquisador com interesse em Novas Tecnologias relacionando com o Direito, a Ciência Política e a Comunicação. Advogado. AUTORES Cainã Brinatti Guari Célia Maria Retz Godoy dos Santos Claudia Mialichi Dorival Campos Rossi Fernanda Alves da Silva Francisco Machado Filho Isabela Gaspar Silva Marianno Jaqueline de Costa Castilho Moreira João Pedro Albino Juarez Tadeu de Paula Xavier Laís Tiemi Saito Leticia Forti Bonatelli Marcelo José dos Santos Márcio Custódio Marcos Américo Matheus Prandine Nilo Arruda Mortara Freire Gomes Octavio Penna Pieranti Ricardo Missão Neto SUMÁRIO PREFÁCIO ...................................................................................................................... 5 APRESENTAÇÃO .......................................................................................................... 5 DA AUSÊNCIA DE CONEXÃO ÀS TECNOLOGIAS ABERTAS, SOCIAIS E LEVES: EXIGÊNCIAS DA VERSATILIDADE DOCENTE NAS TURBULÊNCIAS DO SÉCULO XXI ......................................................................... 16 Jaqueline de Costa Castilho Moreira Introdução ........................................................................................................................ 16 Diante da borrasca é melhor “pôr-se em capa” ............................................................... 21 Travessia .......................................................................................................................... 23 Prevenidos e lúcidos: algumas considerações ................................................................. 27 Referências bibliográficas ............................................................................................... 28 METODOLOGIAS NÃO LINEARES NO PROJETO DE PRODUTOS DE DESIGN .......................................................................................................................... 30 Cainã Brinatti Guari Dorival Campos Rossi Introdução ........................................................................................................................ 30 Design Thinking .............................................................................................................. 32 Double Diamond .............................................................................................................. 35 Os 4P’s do design ............................................................................................................ 37 Considerações finais ........................................................................................................ 40 Referências bibliográficas ............................................................................................... 41 ANÁLISE DE GRADES DE PROGRAMAÇÃO RADIOFÔNICA: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA ................................................................................ 43 Nilo Arruda Mortara Freire Gomes Octavio Penna Pieranti Introdução ........................................................................................................................ 43 Panorama de estudos sobre programações no rádio educativo ........................................ 44 Características básicas de uma grade de programação .................................................... 45 Metodologia da Análise de Conteúdo ............................................................................. 47 Proposta de Procedimento de análise para grades de emissoras universitárias ............... 49 Considerações finais ........................................................................................................ 54 Referências bibliográficas ............................................................................................... 55 O USO DA MÍDIA E TECNOLOGIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DO GRUPO DE CAPOEIRA ANGOLEIROS DO SERTÃO ......................................... 56 Juarez Tadeu de Paula Xavier Fernanda Alves da Silva Introdução ........................................................................................................................ 56 A experiência através do grupo Angoleiros do Sertão .................................................... 60 Considerações finais ........................................................................................................ 63 Referências bibliográficas ............................................................................................... 64 A PESQUISA EM COMUNICAÇÃO: RELATO PARCIAL DA EXPERIÊNCIA DOCENTE NA DISCIPLINA "TEORIA E MÉTODOS DA PESQUISA EM COMUNICAÇÃO II" NA UNESP DE BAURU ........................................................ 66 Isabela Gaspar Silva Marianno Célia Maria Retz Godoy dos Santos Introdução ........................................................................................................................ 66 Metodologias ativas no processo de ensino-aprendizagem: algumas considerações ...... 67 A pesquisa científica ........................................................................................................ 69 Aprendizagem baseada em times ou equipes (team-based-learning - TBL) ................... 70 A experiência como docente de metodologia: relato parcial ........................................... 71 Considerações finais ........................................................................................................ 75 Referências bibliográficas ............................................................................................... 76 MAPEAMENTO DE DADOS COMO CONTRIBUTO PARA DESENVOLVIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ............................................. 78 Laís Tiemi Saito Juarez Tadeu de Paula Xavier Introdução ........................................................................................................................ 78 O território na rede global ............................................................................................... 81 Mapeamentos como contributos para gestão pública e políticas públicas ...................... 83 Mapeamento 1 ................................................................................................................. 83 Mapeamento 2 ................................................................................................................. 84 Perspectivas ..................................................................................................................... 85 Considerações finais ........................................................................................................ 85 Referências bibliográficas ............................................................................................... 87 COMO OS SERIADOS SÃO DISTRIBUÍDOS NOS SERVIÇOS SVOD DISPONÍVEIS NO BRASIL? AS ESTRATÉGIAS DA NETFLIX, AMAZON PRIME VIDEO, DISNEY+ E GLOBOPLAY ............................................................ 89 Leticia Forti Bonatelli Introdução ........................................................................................................................ 89 Fundamentação teórica .................................................................................................... 92 Objetivos .......................................................................................................................... 93 Objetivo geral .................................................................................................................. 93 Objetivos específicos ....................................................................................................... 93 Justificativa ...................................................................................................................... 93 Metodologia ..................................................................................................................... 94 Resultados ........................................................................................................................ 95 Discussão ....................................................................................................................... 102 Considerações finais ...................................................................................................... 103 Referências bibliográficas ............................................................................................. 104 LINGUAGEM R: UMA FERRAMENTA PARA SUA PESQUISA CIENTÍFICA ....................................................................................................................................... 106 Marcelo José dos Santos João Pedro Albino A importância dos dados nas pesquisas científicas ....................................................... 106 A Linguagem R e o RStudio® ...................................................................................... 107 Uma breve introdução à ferramenta RStudio Desktop® ............................................... 108 Pacotes e importação de um conjunto de dados ............................................................ 112 Preparação ou pré-processamento dos dados ................................................................ 114 Visualização dos dados .................................................................................................. 115 Considerações finais ...................................................................................................... 116 Referências bibliográficas ............................................................................................. 120 CIÊNCIA DE DADOS E A APLICAÇÃO PARA SISTEMAS DE RECOMENDAÇÃO EM PLATAFORMAS DE AUDIOVISUAL DIGITAL ...... 122 Francisco Machado Filho Márcio Custódio Ricardo Missão Neto Introdução ...................................................................................................................... 122 Metodologia ................................................................................................................... 125 Os dados: uma evolução da matemática para o sistema informacional ........................ 125 O Processamento de dados e Big Data .......................................................................... 127 Big Data, Coleta e Armazenamento .............................................................................. 128 Big Data e Sistema de Recomendação .......................................................................... 129 Netflix e o Sistema de Recomendação .......................................................................... 131 YouTube e o Sistema de Recomendação ...................................................................... 132 Considerações finais ...................................................................................................... 134 Referências bibliográficas ............................................................................................. 136 O USO DE DADOS PARA O SUCESSO NO FUTEBOL: CASO LIVERPOOL FOOTBALL CLUB ..................................................................................................... 138 Matheus Prandine Marcos Américo Introdução ...................................................................................................................... 138 Análise de dados ............................................................................................................ 139 Análise e dados no futebol ............................................................................................. 141 O papel do analista de desempenho no futebol atual ..................................................... 143 O Liverpool Football Club ............................................................................................ 147 O uso de dados no Liverpool FC e o papel de Jürgen Klopp ........................................ 147 Considerações finais ...................................................................................................... 150 Referências bibliográficas ............................................................................................. 151 CIÊNCIA DE DADOS E ESPECTRO AUTISTA (TEA): O JOVEM DIAGNOSTICADO NO MERCADO DE TRABALHO ......................................... 154 Claudia Mialichi Jaqueline Costa Castilho Moreira Introdução ...................................................................................................................... 154 A ciência de dados e o transtorno do espectro autista: uma aproximação salutar ......... 155 A inclusão de pessoas com TEA no mercado de trabalho ............................................. 157 Empresas que buscam pessoas com TEA ..................................................................... 159 Considerações finais ...................................................................................................... 163 Referências bibliográficas ............................................................................................. 164 ÍNDICE REMISSIVO ................................................................................................. 167 PREFÁCIO O livro Ciências de dados e os usos desta metodologia em pesquisa acadêmica é uma coletânea de textos acadêmicos produzidos por discentes do programa de pós- graduação em Mídia e Tecnologia – mestrado profissional da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Unesp, campus Bauru, em parceria com seus respectivos orientadores, motivados pela escrita científica e pelas reflexões sobre metodologia, impulsionadas pela disciplina Seminário de Pesquisa. Com organização da profa. Dra. Jaqueline Costa Castilho Moreira e do mestrando Leonardo de Andrade Alberto, o material que compõe este e-book é rico em reflexões e aplicações de um ramo da ciência, a Tecnologia e Ciência de Dados, e apresenta análises de diferentes objetos de estudos a partir de uma perspectiva interdisciplinar que compõe a área de atuação e conhecimento do mestrado profissional em Mídia e Tecnologia. Entre os principais objetivos da referida disciplina obrigatória, que impulsionou os textos presentes neste volume, está a discussão em detalhes das etapas das pesquisas ou seus respectivos percursos metodológicos que ao serem observados pelos mestrandos, visando a preparação do relatório para o exame de qualificação, realizam uma etapa crucial da formação dos egressos do mestrado em Mídia e Tecnologia, reunidos em duas linhas de pesquisa Gestão Midiática e Tecnológica e Tecnologias Midiáticas. A etapa da qualificação é um momento de troca e compartilhamento entre mestrandos e docentes do programa que começa antes mesmo do exame de qualificação, durante a disciplina de Seminário de Pesquisa. Dessa forma, o que o leitor irá encontrar a seguir são textos inéditos elaborados a partir de pesquisas no campo da interdisciplinaridade reunidas pela temática que discutem diferentes metodologias e abordagens baseadas na produção de conhecimento gerados pela “ciência dos dados”, ramo da ciência que utiliza grandes conjuntos de dados para operacionalizar análises que envolvem técnicas de matemática aplicada, inteligência artificial, estatística e computação. Como um traço da interdisciplinaridade das pesquisas desenvolvidas no mestrado profissional em Mídia e Tecnologia da FAAC, nota-se que os artigos que podem ser lidos neste ebook, são fruto de estudos cujos temas de pesquisa vão desde a prática docente e ensino no século XXI ao uso dos dados na prática esportiva do futebol, passando pelo design e metodologias não-lineares, e desde o estudo de programações radiofônicas de emissoras universitárias passando pela linguagem R e a discussão sobre a importância dos dados na pesquisa científica até a ciência de dados aplicadas em sistemas de recomendação em plataformas de audiovisual digital. Como tem-se acompanhado ao longo da última década, vive-se um momento singular na configuração da sociedade dos dados, antes sociedade do conhecimento, preferível à sociedade da informação, e relacionada a ideia de inovação tecnológica, que revela a cada dia que os processos de codificação e digitalização do conhecimento e da informação tem gerado impactos sem precedentes e irreversíveis na economia, na estética, na cultura e na sociedade, ancorados no fenômeno da plataformização da vida. Para geração de perfis de consumo e comportamentos humanos, visando alavancar o crescimento econômico e o desenvolvimento de diferentes setores da sociedade, é preciso conhecimento amplamente associado à informação que somente os dados de toda ordem – pessoal, institucional e outros, podem fornecer. Com a Era Digital, as grandes empresas de tecnologia chamadas Big Data passaram a coletar e armazenar dados, entre outras formas, por meio dos leads que nada mais são do que os contatos gerados pelas empresas quando estas fazem suas ações de marketing (sorteios de prêmios, carros, viagens e outras ações direcionadas aos clientes e públicos alvos). Estas empresas promovem o tratamento dos dados pessoais coletados na maioria das vezes sem o conhecimento das pessoas, gerando questões éticas de uso indevido e ilegal de informação pessoal, que podem ser aplicados para usos escusos e ou duvidosos, como no caso da empresa britânica “Cambridge Analytica” que em 2018 foi denunciada por coletar mais de 87 milhões de dados pessoais que teriam sido usados por políticos para influenciar as eleições. Desde então, observamos uma tendência global de regularização do uso do processamento de dados pessoais até a implantação, no Brasil, da lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Dessa forma, o campo da Tecnologia e Ciência de dados aplicado como metodologia em pesquisa acadêmica pode representar um importante instrumento de análise, mas também de compreensão da atualidade e sua aplicação pode contribuir para a desconstrução dos vieses éticos observados nos diferentes contextos da plataformização da sociedade digital. Em suma, os textos que o leitor encontrará a seguir repercutem diferentes usos e aplicações do conhecimento gerado pelos dados e seu processamento, em diálogo com a atualidade e com as questões éticas e marcos regulatórios necessários, demandados pelas tecnologias inovativas digitais como a Inteligência Artificial, um dos elementos centrais do ramo da “Ciência de Dados”. Bauru, 10 de novembro de 2023 Por Regilene Sarzi-Ribeiro Coordenadora do Mídia e Tecnologia FAAC - Unesp, Bauru. APRESENTAÇÃO A disciplina “Seminário de Pesquisa” do Programa de Pós-graduação Mestrado Profissional em Mídia e Tecnologia (PPGMiT), da qual resultou este e-book, representou uma oportunidade de aprofundar o entendimento sobre os métodos e abordagens utilizados na pesquisa acadêmica por todos os envolvidos. Para além de proporcionar um espaço de reflexão sobre a pesquisa de cada discente, a disciplina explorou temas relevantes e atuais dentro do campo da mídia e tecnologia e contribuiu para o desenvolvimento de habilidades críticas de análise e interpretação por meio das discussões em grupo, apresentações e análises de artigos e trabalhos. Como docente, agradeço ao Programa PPGMiT pela oportunidade de ministrá- la por duas edições. Uma em 2020, com o objetivo de apresentar estratégias na execução das etapas do relatório de qualificação, atendendo ao rigor científico e às normas do Programa. Nesta foi discutida a especificidade das escritas apresentadas pelos mestrandos e a aderência de seus projetos à área interdisciplinar e ao enfoque profissional dessa pós- graduação. Iniciada na iminência do lockdown, como medida preventiva no controle da pandemia foi uma edição que merece ser destacada, inclusive em relação à celeridade dos mestrandos do Programa em transpor as aulas presenciais para os momentos síncronos e assíncronos do Google Meet e Classroom, possibilitando a continuidade dos estudos, apesar de todo o cenário caótico que se instalou. A expertise do grupo de mestrandos de 2020 facilitou o andamento do curso; sendo que os encontros foram mais do que o conteúdo acadêmico. As aulas proporcionaram companhia, partilha e diálogo privilegiando certa simetria no relacionamento social entre os envolvidos. Característica que de certa forma nos uniu e acolheu, já que estávamos envoltos pelos mesmos sentimentos de medo, perplexidade e solidão. O segundo oferecimento, também com condução remota, foi permitido pelo PPGMiT, devido ao vínculo com a UNESP de Presidente Prudente, onde resido e coordeno um curso de graduação. Nessa edição de 2023, o enfoque foi introduzir de forma abrangente a Ciência de Dados e os possíveis usos desta metodologia nas pesquisas desenvolvidas pelos mestrandos, oferecendo estratégias e recursos para analisar: as recuperações realizadas em repositórios de dados; a correlação existente das informações do ambiente digital com leituras reflexivas, que foram compartilhadas e discutidas de forma minimamente interdisciplinar. Realizadas ao vivo em momentos síncronos, o enfoque dessas práticas não era somente a produção e aprimoramento de tópicos dos projetos de pesquisa, mas se havia ou não aderência desse conhecimento à formação profissional e pessoal dos mestrandos. O e-book “Ciência de Dados e os possíveis usos desta metodologia em pesquisa acadêmica" é o resultado dessa trajetória interdisciplinar de ensino e de aprendizagem coletivos, como uma das etapas de integralização de créditos em disciplinas obrigatórias do PPGMiT. Seguir no stricto sensu, envolve mais do que atingir quesitos de cunho acadêmico do Programa, significa se dispor a ultrapassar zonas de conforto, desconstruir premissas e conviver com pessoas de áreas de conhecimento, experiências de vida e formas de abordagens ou leituras de mundo diversificadas. Raynaut (2018), um estudioso da temática, menciona que embora a interdisciplinaridade incomode estruturas dedicadas ao ensino superior e à pesquisa por confrontar concepções tradicionais cristalizadas e gerar reações de proteção identitária; também movimenta o pensamento científico. Segundo o teórico, a interdisciplinaridade estimula os pesquisadores a avançarem no campo de conhecimento em foco “[…] tanto por sua própria dinâmica interna quanto pelas questões que lhe chegam de fora” (RAYNAUT, 2018, p. 64); o que acaba trazendo efeitos de transgressão ao que está posto, como permite o deslocamento de fronteiras, expandido conceitos e processos. Lidar com esta perspectiva exige dos acadêmicos: flexibilidade e porosidade para superar dialeticamente os conflitos que surgem e domínio de condução dialógica com estratégias de mediação e de comunicação pacífica, permeadas por respeito e gentileza. Para Moreira (2022, p. 254), a interdisciplinaridade expõe valores: “[…] ao incitar o diálogo; possibilita o estabelecimento de relações de pensamento, de argumentação, de trabalho em conjunto e da possibilidade de se ultrapassar teorias fragmentadas para situações reais de vida”. Como primeiro capítulo traz o ensaio autoral intitulado “Da ausência de conexão às tecnologias abertas, sociais e leves: exigências da versatilidade docente nas turbulências do século XXI”. O texto intenciona diferenciar as modalidades de ensino; elucidar o que são tecnologias leves, sociais e abertas aprendidas na complexidade de 2020-2021, e exemplificar o diálogo com a interdisciplinaridade. Seguindo este eixo condutor, na sequência o e-book apresenta em seus capítulos a produção dos mestrandos da disciplina de Seminários de Pesquisa de 2023. Intitulado “Metodologias não lineares no projeto de produtos de design”, os autores Cainã Brinatti Guari e Dorival Campos Rossi trazem exemplos de métodos, metodologias e ferramentas que se utilizam da organização não-linear de seus eventos para realizar processos em design e que, na grande maioria das vezes, podem ser utilizados em outras áreas do conhecimento e do mercado. Com a proposta de trazer reflexões sobre a análise de programações radiofônicas no contexto da radiodifusão pública, mais especificamente das emissoras de rádio universitárias, os autores Nilo Arruda Mortara Freire Gomes e Octavio Penna Pieranti apresentam uma proposta metodológica a ser aplicada para a Análise de Conteúdo das grades de programação das emissoras FM paulistas ligadas a universidades públicas para aplicação na já citada pesquisa, no capítulo intitulado “Análise de grades de programação radiofônica: uma proposta metodológica”. Os autores Juarez Tadeu de Paula Xavier e Fernanda Alves da Silva trazem um relato de experiência em um evento virtual de capoeira do grupo Angoleiros do Sertão ocorrido em janeiro de 2023, no capítulo intitulado “O uso da mídia e tecnologia: um relato de experiência do grupo de capoeira angoleiros do sertão”. Seguindo a forma de um relato de experiência, as autoras Isabela Gaspar Silva Marianno e Célia Maria Retz Godoy dos Santos abordam as práticas pedagógicas no processo de ensino aprendizagem, trazendo o relato de uma experiência docente, na qual se utilizou da aprendizagem baseada em times ou equipes, no capítulo intitulado “A pesquisa em comunicação: relato parcial da experiência docente na disciplina ‘teoria e métodos da pesquisa em comunicação II’ na UNESP de Bauru”. No capítulo “Mapeamento de dados como contributo para desenvolvimento de políticas públicas”, os autores Laís Tiemi Saito e Juarez Tadeu de Paula Xavier abordam como mapeamentos criativos podem servir de instrumento para diretrizes de articulações da gestão pública, em parcerias com organizações civis e privadas. A autora Letícia Forti Bonatelli no capítulo “Como os seriados são distribuídos nos serviços SVoD disponíveis no Brasil? As estratégias da Netflix, Amazon Prime Video, Disney+ e Globoplay” traz um levantamento dos formatos utilizados no lançamento de seriados ficcionais, considerando a distribuição de séries em serviços de assinatura pela Internet e, levando em conta a dispersão dos dados de lançamento de cada SVoD. Seguindo com a abordagem sobre SVoD, os autores Francisco Machado Filho, Márcio Custódio e Ricardo Missão Neto buscam, no capítulo “Ciência de dados e a aplicação para sistemas de recomendação em plataformas de audiovisual digital”, apresentar a aplicação de técnicas avançadas de ciência de dados para melhorar a precisão e a eficácia de sistemas de recomendação nas plataformas de audiovisual digital, tendo como parâmetros os modelos da Netflix e do YouTube. Ademais, este artigo é o primeiro produto dos dois pesquisadores que têm como objetos de estudos o SVoD e o YouTube. Os autores Marcelo José dos Santos e João Pedro Albino abordam a análise exploratória de dados tanto descritivas como preditivas por meio da Linguagem R no capítulo intitulado “Linguagem R: uma ferramenta para sua pesquisa científica”. Abordando aspectos sobre a análise e utilização de dados em diferentes áreas do futebol, os autores Matheus Prandine e Marcos Américo têm como objetivo discutir a importância dos dados no futebol, utilizando como objeto principal o Liverpool Football Club, no capítulo intitulado “O uso de dados para o sucesso no futebol: caso Liverpool Football Club”. Para encerrar o e-book, as autoras Claudia Mialichi e Jaqueline Costa Castilho Moreira aproximam a Ciência de Dados e o autismo leve, desvendando a busca de um perfil profissional específico por grandes empresas, com o capítulo “Ciência de dados e espectro autista (TEA): o jovem diagnosticado no mercado de trabalho”. Agradecemos a honra e a confiança. Boa leitura! Jaqueline Costa Castilho Moreira Leonardo de Andrade Alberto Ciências de Dados e os usos desta metodologia em pesquisa acadêmica 16 DA AUSÊNCIA DE CONEXÃO ÀS TECNOLOGIAS ABERTAS, SOCIAIS E LEVES: exigências da versatilidade docente nas turbulências do século XXI Jaqueline de Costa Castilho Moreira Doutorado em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho-UNESP/Araraquara. Mestrado em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho- UNESP/Rio Claro. Bacharelado em Comunicação Social pela Escola Superior de Propaganda e Marketing. Licenciada Plena em Educação Física pelo Centro Universitário Moura Lacerda. Atualmente Professora Assistente Doutora na Faculdade de Ciências e Tecnologia, coordenando o curso de Educação Física da UNESP de Presidente Prudente. Docente do Programa de Mestrado Profissional Interdisciplinar em "Mídia e Tecnologia" PPGMiT, da UNESP/Bauru. Introdução Lendo sobre expedições marítimas há muitos anos, impactou-me fortemente as dificuldades existentes na convivência embarcada por longo tempo, que aciona do(s) responsável(is) pelo trajeto em segurança, uma versatilidade além da sua habilitação. Comparo-a às expertises exigidas aos professores, que se tornam cada vez mais distantes de sua formação original. Entendemos que a versatilidade converge um leque de habilidades e competências, que vão desde o trabalho pedagógico sem nenhum acesso ao ambiente digital à utilização de: tecnologias leves para mediação em aulas; tecnologias sociais com intuito de solucionar um problema coletivo a partir de procedimentos de baixo custo; tecnologias abertas ou de livre acesso, ou mesmo de estratégias perspicazes para lidar também, com a inserção pelos alunos, de recursos de inteligência artificial em suas produções autorais. O seguinte excerto sobre expedições marítimas, cada vez mais tem feito sentido para mim pós-Covid-19, o que me levou a parafrasear a familiaridade do convívio social entre professores e alunos ao que ocorre em uma pequena embarcação: […] Precisamos estar conformados com inevitáveis decepções, com um ou outro traço desagradável de caráter que inevitavelmente poderá se manifestar. Precisamos estar prevenidos contra os momentos em que a amizade e a confiança poderão ceder o lugar aos piores sentimentos. É um risco que teremos que enfrentar, aceitando-o antes da partida e que teremos que saber superar. O fato de estarmos prevenidos 17 provavelmente não poderá evitar nada, mas temos tudo a ganhar se mantivermos nossa lucidez a respeito. (GORSKY, 1973, p. 07). Confiando na memória afetiva a respeito da “convivência embarcada”, a atitude de não responder de pronto e ponderar até a próxima aula para aclarar as ideias, tem sido minha primeira alternativa, diante do que estamos vivenciando como professores no século XXI. É como se estivéssemos enfrentando turbulências em um longo trajeto, dentro de um barco não preparado para isso. E é com essa liberdade poética, que teço algumas considerações neste ensaio sobre a docência contemporânea. Diante do SARS-Cov-2, o isolamento social como prevenção em âmbito mundial, ocasionou desdobramentos diferenciados em cada país. No Brasil expôs mazelas estruturais, das quais aponto as sociais e as educacionais, que vem deflagrando furtivamente profundas transformações no ecossistema educacional: do formal, não formal ao informal e na docência. Para entender a interação entre as categorias da Educação nacional, Gohn (2006, p. 29) as distingue em: A educação formal pressupõe ambientes normatizados, com regras e padrões comportamentais definidos previamente. A não formal ocorre em ambientes e situações interativos construídos coletivamente, segundo diretrizes de dados grupos; usualmente a participação dos indivíduos é optativa, mas ela também poderá ocorrer por forças de certas circunstâncias da vivência histórica de cada um. Há na educação não-formal uma intencionalidade na ação, no ato de participar, de aprender e de transmitir ou trocar saberes. A informal opera em ambientes espontâneos, onde as relações sociais se desenvolvem segundo gostos, preferências, ou pertencimentos herdados. Exemplificando os ambientes propostos pela estudiosa; a educação realizada em ambientes institucionalizados ocorre em escolas ou universidades, e onde o professor tem importante papel. Já a educação não formal, parte do princípio que ambientes como museus, bibliotecas, organizações do terceiro setor, como as Organizações Não Governamentais (ONGs) podem colaborar com o ensino. Por fim, podemos citar as redes sociais, as mídias, entre outras formas de comunicação e disponibilização da informação; que apesar de apresentarem conhecimentos não sistematizados ao sabor do acesso de quem os está buscando, também levam aprendizagens; e por isso ganham a alcunha de educação informal. Outro teórico que discute as categorias do ecossistema educacional é Gadotti (2005, p. 02), enfocando aspectos de meso e macro-ambiente, sendo que: A educação formal tem objetivos claros e específicos e é representada principalmente pelas escolas e universidades. Ela depende de uma diretriz educacional centralizada como o currículo, com estruturas 18 hierárquicas e burocráticas, determinadas em nível nacional, com órgãos fiscalizadores do Ministério da Educação. A educação não-formal é mais difusa, menos hierárquica e menos burocrática. Os programas de educação não-formal não precisam necessariamente seguir um sistema sequencial e hierárquico de “progressão”. Podem ter duração variável, e podem, ou não, conceder certificados de aprendizagem. Ainda que cada um desses ambientes possa estar preparado com esmero, a prática educativa somente se efetiva quando faz sentido aos envolvidos e quando se consegue estabelecer uma relação aberta entre professores e educandos, resultando em colaboração sinérgica com aprendizagem motivada e transformadora. Se anteriormente, nós professores, concebíamos a relação direta “ensino-aprendizagem” sem questionamentos; na atualidade é necessário ponderar com despojamento sobre outros tipos de correlação, dentre elas: a de que podemos ensinar sem que a aprendizagem se efetive, ou a de que os estudantes podem aprender sem que haja a tradicional figura do professor, transmissor de conhecimentos. Partimos do pressuposto que é possível aprender em vários ambientes/contextos; independentemente das restrições aos recursos pedagógicos ou aos meios tecnológicos e midiáticos utilizados para tal. Entender 2020-2021, na perspectiva de um turning-point educacional, pode nos ajudar a esclarecer como é possível uma aprendizagem sem muitos recursos, ou entender como a relação direta “ensino-aprendizagem” totalmente mediada por aparatos tecnológicos, mas obedecendo os ritos de um currículo presencial de outro século, pode ser uma falácia; independentemente de como esteja sendo ofertada: presencialmente, híbrida, remota, à distância ou da forma que podemos para hoje. Vale retomar brevemente, porque considero esse período como ponto de inflexão secular. Diante da conjuntura de ascensão de contágio e de mortes, no mês de março de 2020 houve a suspensão das aulas presenciais brasileiras em todos os níveis de ensino. Recuperados de um estado inicial de aturdimento, instituições educacionais, docentes e estudantes passaram a desenvolver as atividades de ensino e de aprendizagem on-line, cada qual em sua residência, aderindo ao que se convencionou chamar de Ensino Remoto Emergencial (ERE). Para Hodges et al (2020), esta foi a nomenclatura adotada internacionalmente, identificando-o como um recurso educacional alternativo de atuação, perante as imprevisíveis ondas de contaminação do SARS-Cov-2. Com a proliferação de variantes do vírus, o ERE se mostrou a mais assertiva opção à continuidade de oferecimento formal de ensino. Para mim, a retomada por meio de um home office improvisado, ocasionou uma reorganização dos meus horários, rotinas e de meu espaço privado, devido à exposição de 19 minha casa, de como moro e vivo. Na “telinha” das lives, o ambiente doméstico tornou- se digital e público aos estudantes. Nesse reality educacional, nosso convívio com parentes e pets foi compartilhado e, junto com ele, a sonoridade de fundo, produzida por nossa vizinhança. Enfim, uma ruptura entre os conceitos de público e privado. Agravou-se a situação, o cumprimento da jornada de trabalho para evitar a dispensa ou outro tipo de retaliação. Jornada esta, também pautada pelos ritos do ensino presencial, ou seja: aulas expositivas; transmissão de conhecimentos professor-aluno verticalizada; sem mediação olho no olho ou face to face (f2f); sem devolutiva imediata no momento da aula; mas que continuava visando dar conta de: um currículo a ser executado, cumprimento de carga horária, registro de frequência, atendimento às normas e legislações (anteriores a Covid-19) em vigor; avaliações com enfoque conteudista, entre outros. De que maneira realizar isso sem contato, sem aparatos tecnológicos, sem acesso e conectividade e sem domínio das mídias e recursos digitais? Como professores, isso nos exigiu que, em pouco espaço/tempo e de forma autodidata, superássemos nossa perplexidade e medos, saíssemos da “zona de conforto” e agregássemos conhecimentos novos; tanto em relação às estratégias pedagógicas de interação em ambiente digital, quanto ao domínio de tecnologias abertas e gratuitas. Essa sobrecarga de aprendizagens do docente e trabalho in loco on-line associada à redução das válvulas de escape devido ao isolamento; produziu (e continua produzindo) conflitos pessoais, como a sensação de incapacidade e esgotamento em operacionalizar múltiplas tarefas, desgastando mentalmente o professor e desestruturando sua identidade até então construída, pela “presencialidade” no processo educativo. O conjunto desses acontecimentos tornou o primeiro semestre letivo de 2020, um momento coletivo pedagógico muito desafiador. Para lidar com o despreparo das redes educacionais, dos profissionais ligados ao ensino (não somente dos professores), dos estudantes e seus responsáveis; proliferaram tutoriais de ferramentas educacionais no youtube; lives explicativas sobre didáticas de ensino remoto; blogs, sites, portais e redes sociais compartilhando experiências e dicas de aplicativos gratuitos; cursos e treinamentos e a célere conversão de eventos acadêmicos anteriormente presenciais em webinars, que inclusive discutiam o fenômeno. Também foi produzida vasta “literatura” (em sua concepção mais alargada), a respeito de vivências e estratégias adotadas pelos docentes neste período e que ainda se encontram no ambiente digital. Essa mobilização não está ligada a uma orquestração realizada pelas políticas educacionais, mas decorrente da urgência de se acudir a educação e o que representa 20 socialmente. Ela também reitera o pressuposto de que não estávamos preparados para incorporar emergencialmente a tecnologia em larga escala em curto espaço de tempo, nem como processo de debate no currículo brasileiro, nem como prática instrumental e que muitos de nós (professores, redes e mesmo estudantes e seus responsáveis) não desejávamos (ou desejamos) absorver por vários motivos. A resistência da área Educacional em inserir a tecnologia como parte de seu ecossistema é histórica, embora essa mesma tecnologia se encontre arraigada em procedimentos sensíveis de nosso cotidiano do século XXI: na comunicação, comércio, uso de dados, transporte, finanças, entre outros. Mesmo diante dessa constatação, em contato com docentes durante palestras, cursos, oficinas e eventos, noto que existem professores que consideram a aplicação da tecnologia no ensino e na aprendizagem, como algo inadequado e se contrapõem a ela. Outros discutem a ausência de seu acesso por uma grande parcela da população de estudantes brasileiros, o que remete a questionamentos sobre a efetividade das políticas nacionais a respeito da inclusão digital, como direito fundamental de qualquer cidadão. A estes me solidarizo pois, afinal, o século que vivenciamos exige interlocução com a tecnologia. E, por fim, tenho tido contato com profissionais da Educação, que não conseguem distinguir o Ensino Remoto (ER) do Ensino à Distância (EAD), e não reconhecem nada de positivo nas tecnologias aprendidas na pandemia, mesmo que possam ser aplicadas como estratégias de engajamento de alunos no retorno às aulas presenciais. Nesse sentido, acredito que a escrita do ensaio possa contribuir para dirimir dúvidas sobre a diferenciação das modalidades de ensino mencionadas e elucidar o que são tecnologias leves, sociais e abertas aprendidas entre 2020-2021, instigando os leitores a refletirem sobre a complexidade enfrentada pelos professores pós ensino emergencial. Lembro que ela oscila da ausência de acesso à tecnologia, às dificuldades em lidar com o contexto informacional onde dados e ações são controlados por algoritmos ou por sistemas de inteligência artificial, diante de qualquer entrada realizada no ambiente digital. Diante da borrasca é melhor “pôr-se em capa” Pôr-se em “capa” é um termo náutico, que significa recorrer a um conjunto de medidas, como reduzir a superfície vélica, para enfrentar uma tempestade (DICIONÁRIO, 1973, p.70). Transgredindo a essência do conceito e solicitando licença 21 literária para compor o ensaio… além da redução na velocidade, o “pôr-se em capa” sugestiona certa versatilidade docente, a qual envolve desde o se concentrar no que é realmente essencial, a manter o que estrutura sua atuação e o motiva como profissional (e não como missionário) a seguir em frente ou a continuar navegando por entre as turbulências. O termo sugere ainda a relevância de: redobrar a atenção no foco; adquirir com os erros desenvolvimento pessoal e profissional e aprender a lidar com a observação panorâmica em simultaneidade à leitura acurada de detalhes e a observação atenta das minúcias, o que se assemelha ao que Ginzburg (1989) propõe como paradigma indiciário. Nesse sentido, conhecer as modalidades de ensino e os recursos que estão à disposição dos docentes, independentemente de seu oferecimento pelas redes, pode lhes trazer novos horizontes para sua atuação, ou mesmo para resolução de desafios pedagógicos. Assim, sucintamente diferencio o Ensino a Distância (EAD) do Ensino Remoto (ER) fazendo um paralelo dos quesitos que também são recorrentes no Ensino Presencial (EP), para que se enquadrem no que anteriormente mencionamos como Educação Formal. O Ensino a Distância (EAD) é um sistema regulamentado por normativas que pautam diretrizes, condutas, terminologias, regras de funcionamento e de suporte para que profissionais com capacitações específicas possam atender as demandas de planejamento, organização, padronização e de interação em Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), onde se encontram: aulas gravadas, materiais pedagógicos e tecnológicos, atividades, avaliações, notas, frequência e um canal de comunicação entre os estudantes e todos os envolvidos da instituição proponente. O Decreto nº 5.622 (BRASIL, 2005) estabelece diretrizes para regulamentar a EAD no Brasil, organizando- a em termos de metodologia, gestão e avaliação, sendo para esta última a obrigatoriedade de momentos presenciais para avaliações de estudantes e quando previstos na legislação pertinente, a presença dos discentes em estágios obrigatórios; em defesa de trabalhos de conclusão de curso e em atividades relacionadas a laboratórios de ensino, quando for o caso. No Ensino Remoto (ER) não existe a obrigatoriedade de padronização de um sistema de gestão e distribuição de conteúdo, um AVA específico; as interações são ao vivo entre os alunos e os próprios professores e são combinadas, com espaço para flexibilização, o que representa uma diversificação das regras e padrões estabelecidos nos moldes formais de ensino. Sobretudo durante a pandemia, Gonzales (2020) apresentou diversas possibilidades de mediações no ER, com a utilização de tecnologias e mídias de 22 acesso aberto e gratuito e equipamentos, internet e outros aportes necessários, da rede particular a institucional, com aparelhos domésticos ao uso de tecnologia de ponta; não importando o quanto diferenciado era o background da interação educativa (estúdios, salas de aula, residências, empresas, assim como locais de trajetos durante deslocamentos). A fluidez do ER torna mais próximo o estudante do docente, o que é importante; mas também esgarça alguns limites, como é o caso dos tempos escolares (calendário letivo, horários, dias de “aula” e tempos de intervalos e de descanso, que embora sejam previamente agendados, nem sempre são efetivados ou mesmo respeitados). Esse formato de oferecimento permite que se extrapole o que anteriormente era denominado como “horário comercial”, assim como cristaliza uma ideia errônea de que se é obrigado a estar on-line o tempo todo e a toda demanda. Sem o descanso necessário para o organismo e a mente, há consequências de saúde tanto para o docente como para seus alunos. Assemelhando-se ao Ensino Presencial, tanto o EAD como o ER, para serem autorizados e validados pelo Ministério da Educação (MEC), precisam apresentar em seus documentos pedagógicos: objetivos claros e específicos, pautados por diretrizes educacionais centradas no currículo prescrito nacional vigente, como também explicitar como ocorre sua implementação por meio de estruturas hierárquicas e burocráticas, fiscalizadas por órgãos do mesmo Ministério. Sem essas normatizações não há autorização de funcionamento ou reconhecimento oficial do curso. As especificações sobre a Educação Formal são claras, e como o Ensino Remoto não atende todas elas para ser validado como sistema educacional no Brasil; seu destino é incerto. Questionamos se ele foi algo apenas emergencial ou não. E caso indicie elementos positivos que mereçam ter continuidade, o quê do Ensino Remoto pode ser absorvido ou aplicado no Ensino Presencial pós-pandemia. Travessia Justifico a partilha sobre o que aprendi entre 2020-2021 como docente, na intenção de contribuir com a reflexão sobre o quê e o quanto apreendido com o Ensino Remoto ainda faz sentido ao voltarmos para o Ensino Presencial. Parto da ideia de que rever o que foi aprendido possa trazer algumas compensações para as incertezas, que ocorrem durante a transposição do ensino para a aprendizagem. 23 Comparando o percurso do ensino e da aprendizagem à uma travessia com embarcação tripulada e mediada por um professor, por este motivo destaco novamente a versatilidade docente, que necessita conhecer a perspectiva da tripulação e seu engajamento com o que considera essencial para que o trajeto seja concluído. Nesse sentido, o relato sobre a utilização de algumas ferramentas de “livre acesso” ou tecnologia aberta durante o ensino emergencial podem trazer algumas respostas. Atuo em duas cidades na mesma Instituição de Ensino Superior (IES), trabalhando com disciplinas de graduação e de pós-graduação. As aulas do mestrado, obrigatoriamente presenciais, foram ofertadas logo no início de março de 2020. Assim, tive a possibilidade de conhecer os mestrandos e estar com eles presencialmente em dois encontros. Como são da área de mídias e tecnologias, desde a primeira aula combinamos que iríamos trabalhar com o Google Classroom, para a postagem das atividades da disciplina, uma ferramenta on-line gratuita que utilizo desde 2019. Do meu ponto de vista a utilização desse recurso, que é disponibilizado pela instituição em que trabalho, evita a impressão desnecessária, a circulação e o armazenamento de documentos físicos em papel, o que é um desgaste para o docente por ter que carregar peso (no meu caso em viagens) e ter que arquivar até cinco anos as atividades avaliativas oficiais em seu armário docente institucional, que não acompanha o volume ocasionado pelo acúmulo semestral de arquivos discentes. Alguns dos mestrandos já conheciam o Google Classroom e os outros aprenderam a lidar com ele rapidamente, pois todos tinham (e têm) domínio de ferramentas digitais e de programação. Com esses estudantes, o desenvolvimento de atividades via Classroom, encontros ao vivo pelo Meet e o oferecimento dos Plantões on-line individuais, permitiram que o semestre letivo transcorresse de forma satisfatória (o quanto possível), embora, em muitas lives, deixássemos transparecer os agravos da pandemia que nos abatiam. Não houve evasão e todos da turma conseguiram concluir as atividades obrigatórias, nas datas estipuladas pelo programa da pós-graduação e realizar suas qualificações no início do semestre seguinte. Entretanto, não foi esta a travessia das minhas turmas ingressantes na graduação. Entre elas, o acesso à tecnologia era discrepante, uns com e outros à margem; e o mais preocupante, não se sabia o quão distante estavam dessa margem, pois o semestre letivo foi interrompido para o ensino remoto após a primeira aula presencial e eu mal conhecia os calouros. 24 O celular foi o equipamento apontado como unânime para este grupo, entretanto o acesso à internet, não. O wi-fi e a internet disponibilizada gratuitamente para todos os estudantes da instituição não seria problema, desde que o graduando estivesse no Campus. Porém, a maioria dos calouros retornou para suas casas, nas suas cidades de origem. Muitos deles, com acesso reduzido ou ainda com um plano de dados que comprometia a estabilidade de sua internet durante o mês; o que me levou a utilizar na graduação, a tecnologia que o estudante necessita para ser matriculado na instituição, ou seja, o email de seu cadastro na plataforma oficial da IES. Essa ação garantiu aos alunos interessados na continuidade das aulas de forma remota e que dispunham de sinal de wi-fi e internet suficientes, o acesso a links e textos em formato pdf, dos materiais didáticos, estudos dirigidos e atividades. Embora as IES tivessem oferecido chips de celular para estes estudantes, nos encontros que se seguiram, os graduandos e eu percebemos que o email oficial como único canal de comunicação não era suficiente, havendo a necessidade de utilizar outros recursos que estivessem disponíveis de forma aberta, gratuitos e com uso mínimo de dados de internet. Consultei-os sobre a possibilidade de aderirem ao youtube e, assim, criei um canal para a disciplina, onde postava vídeos das aulas. Um graduando sugeriu o compartilhamento de drives; e outros indicaram a adesão a encontros ao vivo com utilização do Google Meet. A aceitação pela maioria dos graduandos reduziu meu trabalho de ficar gravando, editando e subindo vídeos para o canal do youtube; pois com o Google Meet a gravação após a aula, poderia ser disponibilizada rapidamente por link via e-mail oficial da instituição. Ressalto a adesão e interação dos graduandos ao utilizarmos ferramentas gratuitas, de acesso livre para realização de atividades pedagógicas, tais como: Flipgrid, plataforma pedagógica de comunicação por vídeos; Wordwall, ferramenta pela qual o professor pode criar seus próprios recursos para conteúdos específicos de aulas e o Kahoot, plataforma baseada na aprendizagem por jogos, entre outros. Além desses recursos e daqueles que tivemos acesso em função de nosso vínculo institucional, incorporei nas aulas remotas, a tecnologia leve, que estudo desde 2017. O termo é originário da área da Saúde, sendo recorrente em publicações na Enfermagem. Merhy (1997 apud GRABOIS, 2011, p. 155) classifica as tecnologias na Saúde, como: [...] leve refere-se às tecnologias de relações do tipo produção de vínculo, autonomização, acolhimento, gestão como uma forma de governar processos de trabalho. A leve-dura diz respeito aos saberes bem estruturados, que operam no processo de trabalho em saúde [...]. A 25 dura é referente ao uso de equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, normas e estruturas organizacionais. As tecnologias leves, ou das relações, recebem críticas quando são mencionadas apenas pelo viés da utilização de equipamentos e materiais de trabalho. Schneider et al (2008, p.84) esclarecem a perspectiva relacional existente nas tecnologias leves, como: [...] o acolhimento, a criação de vínculo, a produção da resolutividade e a criação de maiores graus de autonomia. Para estes mesmos autores, o acolhimento é concebido como tecnologia leve que incorpora o acesso, escuta, diálogo, vínculo e o respeito às diferenças. Apesar desses conceitos se encontrarem referenciados pela área da Saúde, podemos pensar sobre eles no âmbito educacional. Acolher, no meu entendimento docente, é receber com hospitalidade, ouvindo e realizando a interlocução com quem está chegando, expandindo o diálogo inicial para os pares. O acolher também envolve possibilitar o acesso e o respeito às diferenças. Criar um vínculo remete a estabelecer uma conexão que pode ser desencadeada pela construção individual ou coletiva de um novo conhecimento, seja ele material (no caso de nosso tema, a produção de vídeos, entrevistas gravadas, exposição de algum recurso digital que contribua com o conteúdo, aplicativos programas, jogos digitais, oficinas, etc.), ou intelectual (pesquisa em sites e plataformas digitais, emissão de opinião crítica sobre os meios midiáticos e tecnologias e sobre outros assuntos). Estimular a resolutividade está associado a incentivar o protagonismo e as características que levam a autonomia. O paralelo do ensinar com acolhimento e cuidado em momentos de pandemia foi muito pertinente devido à situação emocional que se encontravam docentes e discentes, principalmente para os estudantes que estavam iniciando o curso, anteriormente presencial, no formato remoto. O acolhimento e a produção de vínculo possibilitado pelas tecnologias relacionais ou leves são elementos importantes para o professor em suas aulas. Nessa perspectiva, o professor que acolhe o aluno através de uma escuta qualificada, ouvindo suas ideias e opiniões, a fim de estreitar os vínculos; estimula sua autonomia tornando-os protagonistas e empoderando-os; conduz a relação professor-estudantes de maneira mais horizontalizada e mais próxima, o que pode colaborar com uma melhor fruição da prática educativa. Aplicada à Educação, a tecnologia leve além de estimular as relações de acolhimento, diálogo, interação e empatia, pode incentivar os estudantes a desenvolverem competências informacionais, para que busquem sua autonomia nos estudos. O saber lidar 26 com a informação, mais um dos requisitos da versatilidade docente: “[…] constitui um processo que integra as ações de localizar, selecionar, acessar, organizar, usar informação e gerar conhecimento, visando à tomada de decisão e à resolução de problemas” (GASQUE, 2010, p. 83), o qual é nomeado por letramento informacional. Orientar os estudantes sobre estratégias de pesquisa on-line e instruí-los a refletir com discernimento e crítica sobre o que foi recuperado (mesmo que o conteúdo da disciplina não aborde esse assunto), é um conhecimento relevante na navegação pelos ambientes vivenciados no século XXI. Acredito ser essencial agregar às habilidades e competências informacionais, o letramento científico em seus vários contextos de aplicação, pois é com o aprimoramento da “capacidade de empregar o conhecimento científico para identificar questões, adquirir novos conhecimentos, explicar fenômenos científicos e tirar conclusões baseadas em evidências sobre questões científicas” (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2010, p.1). As competências científicas envolvem aplicar os conhecimentos científicos em situações de saúde, meio ambiente, tecnologias entre outras que refletem o mundo real, desenvolvendo a criticidade do ponto de vista pessoal, social e global. Faz parte dele, estimular a atenção não somente ao conteúdo científico, mas às informações que circulam; assim como incentivar as atitudes de: checar, comparar, observar, analisar, criticar com argumentação embasada e compartilhar com o outro o que extraiu de forma respeitosa a respeito dessas informações. Atitudes que podem nos tornar menos incautos e mais lúcidos e que são relevantes na versatilidade docente; embora o professor carregue não somente o conhecimento da formação, mas também uma bagagem de experiência de vida e magistério que ajuda nesta lucidez e que não pode ser menosprezada. Vale ressaltar que o letramento informacional e o científico permitem encontrar procedimentos, recursos ou ferramentas que tem como quesitos: a simplicidade, o baixo custo ou o acesso livre para solucionar um problema social ou específico(s) de um coletivo. Quando isto acontece, estamos diante de outro conceito, o de Tecnologia Social. Pena e Mello (2004, p.84) concebem-na como: “Todo processo, método ou instrumento capaz de solucionar algum tipo de problema social e que atenda aos quesitos de simplicidade, baixo custo, fácil reaplicabilidade e impacto social comprovado.” Em obra editada pela Fundação Banco do Brasil (2004) é destacado que as soluções proporcionadas pelas tecnologias sociais tanto podem ser voltadas à inclusão 27 social e melhoria da qualidade de vida, como podem ser o start de iniciativas particularizadas, mas que em continuidade representam um impacto coletivo. A utilização das tecnologias leves, tecnologias abertas e dos princípios das tecnologias sociais surtiram efeitos positivos durante o período de interações do ensino remoto emergencial (ERE), apesar de que nas turmas de calouros ocorreram desistências. Prevenidos e lúcidos: algumas considerações As reflexões deste ensaio não foram forjadas enquanto estava enfrentando a borrasca que durou dois anos. Elas foram sendo conectadas a partir das conversas com outros professores, com pares de pesquisa, na introspecção necessária para a escrita de relatórios institucionais e no repensar sobre os erros cometidos e nos acertos festejados. Esses últimos, desencadeados por decisões que não me deixaram desistir. O impacto do ERE perpassa pela discussão sobre o efetivo acesso à internet, à conectividade e aos equipamentos pelos estudantes e professores. Também coloca em questão a familiaridade do docente com essas e outras tecnologias e sua capacidade de improviso com o que tem em casa e de suas habilidades de mediação, entre outras expertises; desafiando sua maestria no magistério e sua resiliência diante da desconstrução do mito “professor transmissor de conhecimento”. Se anteriormente à Covid-19, o contato direto com o aluno era fundamental, visto que as expressões faciais, gestuais e corporais existentes na “presencialidade” eram indicativos preciosos nos processos de condução e mediação do ensino e das aprendizagens; o ensino mediado totalmente por tecnologia alterou esses signos evidenciários presenciais. Entendemos que a depuração das memórias da travessia educacional entre 2020-2021, traga questões que devem ser avaliadas com cuidado, ponderação e lucidez. As turbulências do século XXI explicitam as fragilidades do sistema educacional público brasileiro, requerendo conscientização das instâncias públicas para forjar políticas convenientes a este cenário e realizar investimentos efetivos em vários âmbitos do ensino. Na perspectiva das IES é relevante a adoção de medidas que reforcem a inclusão digital, a acessibilidade, o letramento informacional e científico e o acesso aos estudos por todos os alunos. Também se fazem necessárias adequações às diretrizes gerais forjadas antes da pandemia. Para os professores e os estudantes, a compra de licenças e de recursos tecnológicos educativos colabora com a aprendizagem. Porém, mais do que esses quesitos, ressalto a premência de se discutir coletivamente, quais 28 conhecimentos devem ser priorizados; quais normativas devem ser revistas; quais aprendizagens de fato são significativas e qual é o real papel do professor no século XXI. O navegador Gorsky (1973, p.48) revela como ocorre a condução do barco em momentos de turbulência: “[...] Apenas nos preocupamos com a segurança da navegação e não com a velocidade: parece que esse é o meio mais seguro de não perder tempo […]”. Acrescento a sua fala a preocupação com aquilo que nos é verdadeiramente precioso em um processo educacional: o rumo de nossas vidas e as dos educandos, enquanto seres conscientes e humanizados. Referências bibliográficas BRASIL. Decreto nº 5.622, de 19 de Dezembro de 2005. 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Criador do programa de pós-graduação Lato Sensu em Game Design e Jogos Digitais da UNESP e coordenador do Laboratório Maker de fabricação Digital 3D — SAGUI FAB LAB. Professor do programa de pós-graduação em Mídia e Tecnologia — PPGMIT UNESP BAURU. Introdução A academia tem desenvolvido metodologias para o desenvolvimento de estudos e processos durante toda a história da ciência, a fim de garantir que novos cientistas tenham as condições básicas para reproduzir estudos feitos anteriormente e, assim, possam aperfeiçoá-los ao longo do tempo por meio de novas tentativas. E é um fato que, nós, seres humanos, enxergamos os processos de maneira linear, pois é dessa forma que os acontecimentos são relatados para serem compreendidos de maneira lógica. No entanto, existem áreas do conhecimento e processos produtivos que não seguem essa mesma lógica, como a área do design, por exemplo. Segundo Gomez (2004, p. 52), designers não conseguem sequenciar o “projetar” partindo de um problema sem que um produto seja mentalmente pré-concebido pela sua mente criativa, que divaga no processo. Na maioria das vezes, projetos possuem atividades paralelas e, muitas vezes, 31 quando existem falhas em etapas processuais, o retorno para etapas anteriores, seja para a correção de erros ou apenas melhorias no processo produtivo, torna-se muito comum. Isso porque o erro faz parte de todos os processos produtivos até que os acertos sejam encontrados. O problema é que quase sempre os erros são pouco relatados ou deixados de lado, a fim de exaltar os acertos, quando, na verdade, sua incorporação no processo produtivo faz com que estudos e desenvolvimentos se tornem cada vez mais ricos. Esta é uma lógica que deveria ser amplamente utilizada na ciência. A incorporação do erro faz parte do processo científico e, assim como os acertos, que servem de orientação sobre como algo deve ser realizado, os erros também servem como orientação, mas no sentido contrário. Ambos possuem valores estritamente opostos, mas de proporções igualmente valorosas ao ensino. Em alguns casos, apontar erros em processos científicos pode ser a chave para encontrar o caminho correto, já que a orientação faz com que futuros pesquisadores não cometam os mesmos erros do passado e façam com que novos caminhos sejam descobertos até o objetivo desejado. Barrington e Sindall (2020) falam o seguinte sobre a não documentação dos erros em pesquisas científicas: [...] If we do not openly discuss research failures, we increase the likelihood that other research will repeat the same study and discover the same null results. Repeating studies costs time, money, and in some disciplines, runs the risk of costing lives. Tendo estabelecido a importância da incorporação do erro nos processos projetuais, podemos apontar algumas metodologias amplamente utilizadas em processos de design que se utilizam do erro como artifício para que melhorias sejam realizadas constantemente no projeto. São metodologias não-lineares de desenvolvimento que, em sua maioria, consideram o erro como ponto de subversão do próprio processo metodológico, a fim de reeditá-lo e fazer com que, por meios diferentes dos anteriores utilizados, o acerto se concretize e faça com que o objetivo do projeto seja alcançado. A partir de metodologias não-lineares, têm emergido significativas inovações no mercado, impulsionando o processo produtivo de diversas empresas. Isso estreita os vínculos entre as empresas, seus produtos, ferramentas e os usuários finais, simplificando a vida e o trabalho do público-alvo e até mesmo gerando uma sensação de dependência. Isso ocorre porque essas ferramentas podem facilitar o trabalho de tal maneira que os usuários não desejam fazê-lo de outra forma. 32 Essa proximidade entre usuários e determinados produtos ou ferramentas se dá pelo fato do processo levar em conta justamente o usuário final em todo o seu desenvolvimento. É dessa maneira que são criados projetos que realmente fazem a diferença na vida das pessoas, como explica o kit de ferramentas chamado Human Centered Design, ou Design Centrado no Usuário, que diz começar a examinar as necessidades, desejos e comportamentos das pessoas cujas vidas vão influenciar com as soluções para depois então analisarem sua praticabilidade e viabilidade. (Human Centered Design, 2015). Dessa forma, podemos aliar a ideia deste processo, com o que diz Gomez (2004; p. 52) sobre o problema a ser resolvido num processo de design: [...] A palavra solução remete imediatamente a um problema. De forma alguma a metodologia que se propõe, afasta a necessidade de se ter um problema para os designers resolverem quando executam um projeto. O problema, deve sim ser um dos focos do Design, porém, sugere-se, que, nem sempre, um projeto precisa estar sequenciado com o problema em primeiro lugar. A seguir, estão alguns exemplos de métodos, metodologias e ferramentas que se utilizam da organização não-linear de seus eventos para realizar processos em design e que, na grande maioria das vezes, podem ser utilizados em outras áreas do conhecimento e do mercado. Design Thinking Design Thinking é o termo utilizado para nomear um processo e método prático- criativo para a resolução de problemas e/ou desenvolvimento de novos produtos ou serviços. A forma de pensar projetos por meio do design thinking, surgiu em 1969 com o livro “The Science of the artificial” de Herbert A. Simon, mas ganhou grande notoriedade por meio de dois nomes do Vale do Silício norte americano, David Kelley, professor da Universidade de Stanford e Tim Brown. O último escreveu o famoso livro “Design Thinking: Uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias” e que hoje guia muitas aplicações de processos e o desenvolvimento de novas ferramentas e até mesmo outras metodologias para elaboração de projetos. A ideia principal do design thinking é estruturar o pensamento de um processo através de algumas etapas, colocando o usuário final em posição de destaque, ou seja, ele deve ser ouvido e suas necessidades devem ser levadas em conta na resolução de problemas ou no desenvolvimento do projeto a ser idealizado. Tim Brown (BROWN, TIM; p.4) diz que a metodologia: 33 [...] não se trata de uma proposta apenas centrada no ser humano; ela é profundamente humana pela própria natureza. O design thinking se baseia na capacidade de ser intuitivo, reconhecer padrões, desenvolver ideias que tenham um significado emocional além do funcional, nos expressar em mídia além de palavras ou símbolos. Tendo isso mente, o processo estabelece 4 etapas básicas para aplicação em um projeto que são: (Etapa 1) Imersão A etapa de imersão consiste em entender profundamente o problema cujo projeto se propõe a resolver. Nesse momento, são realizadas análises exploratórias para entender quais as causas e motivos para o determinado problema existir, quais são os projetos já existentes que tentam resolver determinado problema (e porque não funcionam, ou se funcionam, como funcionam tão bem), além também dos limites nos quais o projeto pode se estender, dessa forma, entendendo também quais são as limitações da equipe presente no processo. Nessa fase também são utilizadas técnicas muito comuns no campo da antropologia, como entrevistas, formulários, trabalhos de campo e questionários a fim de entender e ouvir as pessoas que serão atendidas pelo projeto a ser desenvolvido. Como na metodologia científica, os dados obtidos na fase de imersão devem ser analisados para que se possa chegar a resultados parciais que darão o pontapé inicial nos desenvolvimentos de um projeto, como a criação de padrões identificáveis por meio dos dados obtidos, por exemplo. E para que isso seja possível existem muitas metodologias a serem utilizadas nesta etapa, como diagrama de afinidades1, mapas conceituais2, entre outras aplicações. (Etapa 2) Ideação A partir dos dados coletados e analisados na primeira etapa do processo, é definida uma persona3 para o desenvolvimento do projeto, conhecendo basicamente quais seriam as motivações, problemas e comportamento do público alvo que utilizaria a 1 “Ferramenta de gestão que consiste na organização de dados verbais (propostas, apontamentos ou opiniões) por afinidades. É uma análise qualitativa, cujos principais objetivos são organizar ideias, identificar padrões e obter insights para problemas complexos”. (ABREU, Leandro. 2020) 2 “Um mapa conceitual é um diagrama ou ferramenta gráfica que representa visualmente as relações entre conceitos e ideias”. (LUCIDCHART, s.d.) 3 Representação fictícia de uma pessoa que seja o usuário ou cliente de determinado produto ou serviço a ser elaborado. 34 solução a ser desenvolvida. Tendo o norte do desenvolvimento do projeto definido sua persona, iniciam-se as sessões de brainstorming onde serão identificadas diversas ideias, das mais absurdas às mais plausíveis, que serão reunidas e abordadas pelos projetistas. O intuito nesta fase é desenvolver ideias sem filtros, para que, depois, seja realizada uma seleção das que mais se encaixam no projeto. É dessa forma que surgem ideias que antes poderiam ser consideradas como totalmente fora da realidade, mas que, em determinado momento, podem fazer sentido, e levar a que um projeto inovador seja idealizado. (Etapa 3) Prototipação Como na etapa anterior foram desenvolvidas muitas ideias, é nesta etapa que o filtro começa a acontecer e a seleção das melhores ideias é realizada. E, para selecionar a mais aderente às necessidades do público-alvo, são realizados os primeiros protótipos. Com materiais de baixo custo e pouco esmero em sua criação, os protótipos são parte importante do projeto para compreender quais ideias são realmente factíveis, quais funcionam e quais são as melhores para o projeto em si. Por isso, a etapa de prototipação é muito importante para compreender quais necessidades estão sendo atendidas pelo projeto e ajudam a desenvolver a solução que mais se adeque a ele. Com uma ideia escolhida, é necessário esmiuçar os detalhes e fazer com que o processo caminhe e se desenvolva a partir de novos protótipos, novas tentativas que chegarão cada vez mais próximas do produto ou serviço almejado. E é neste momento em que a não linearidade se faz presente na metodologia e faz com que o ciclo se repita até que os resultados sejam satisfatórios. Realizar diversos protótipos e testes diretamente com o público-alvo faz com que os aprendizados sejam incorporados e os erros possam ser corrigidos ou adicionados ao mesmo — isso porque, em alguns casos, os projetistas podem julgar algo como um erro que desagrada o usuário final, mas, na verdade, acontecer o contrário. E esses protótipos podem ser cada vez mais elaborados, chegando ao resultado final. (Etapa 4) Desenvolvimento A etapa de desenvolvimento de um projeto é o momento em que se realizam todos os aprendizados do processo em algo consolidado. O resultado final é criado a partir de um estudo completo, mas que num futuro próximo, pode representar apenas uma etapa de um longo processo que esteja se desenvolvendo, um projeto em andamento. É uma primeira versão ou entrega de algo idealizado por esses estudos. Dessa forma, o ciclo 35 pode iniciar novamente de maneira contínua, já que, como o comportamento humano pelo qual a metodologia busca atender sempre se altera, podem ocorrer adaptações que fazem com que as novas versões, sempre mais atualizadas, estejam presentes e melhorem a vida das pessoas usuárias de acordo com suas mudanças. Double Diamond O Double Diamond ou Duplo Diamante, é uma metodologia criada pelo Design Council, uma instituição de caridade do Reino Unido que foi fundamental na inclusão de pautas no mundo do design, como o design inclusivo, muito debatido atualmente. O double diamond é uma metodologia totalmente inspirada no design thinking, com pequenas alterações, mas que segue o mesmo caminho de uma proposta de metodologia não linear. É um processo mais visual, onde é possível perceber as semelhanças com o design thinking a começar pela quantidade de etapas descritas em sua estrutura, como demonstra a imagem a seguir. Figura 1 - Duplo Diamante. (Fonte: PM3, 2022) Como o próprio nome sugere, o processo é dividido em dois diamantes, com fases divergentes e convergentes. As fases divergentes são aquelas nas quais o designer 36 pode explorar mais as possibilidades e se permitir sair da realidade, obter ideias e informações que não precisam necessariamente ser factíveis ou aplicáveis. Não há distinção ou julgamentos, são apenas possibilidades, mesmo que sejam totalmente aleatórias. Já nas fases convergentes, o pesquisador precisa destrinchar todas as informações coletadas na fase divergente e selecioná-las de acordo com o que o projeto pede. Dessa forma, todas as ideias são filtradas e passam por um crivo para que possam seguir para a próxima fase. Apesar de parecer linear, ele não é. Como exemplifica Lugão (2022): [...] pode ser que quando você chegue no segundo diamante e descubra furos no conhecimento e entenda que precisa aprofundar mais sua pesquisa, voltando para o primeiro diamante. Ou ainda, pode ser que você descubra problemas adjacentes que não haviam sido mapeados e precisa começar o processo de novo [...] Dessa forma, é possível fazer com que o projeto, assim como no design thinking, não tenha necessariamente um início ou fim, fazendo com que seja renovável de acordo com as intenções do designer. As etapas deste processo são as seguintes: (Etapa 1) Descobrir Nesta etapa, assim como na primeira do design thinking, a intenção é entender a fundo o problema ao qual a pesquisa ou o desenvolvimento do projeto tendem a resolver. Pesquisar é a palavra guia dessa fase, e muitos métodos podem ser utilizados aqui, como pesquisas, entrevistas, formulários, etc. (Etapa 2) Definir Na etapa convergente do primeiro diamante, é o momento onde todas as informações levantadas na fase anterior serão refinadas e colocadas numa “lente de aumento” a fim de que todos os detalhes sejam estudados e os mais aderentes escolhidos para o desenvolvimento do projeto. Nesta fase, existe uma grande diferença entre esta metodologia e o design thinking, que é a geração de um documento chamado proposta de valor. Com a conversão de todas as informações, a proposta de valor contém uma relação completa de todas as informações guia, necessárias para o projeto de modo geral. Este documento serve como base para todas as próximas decisões a serem tomadas e deve ser consultado a todo momento em que surgirem dúvidas. O documento, apesar de ser um 37 marco para a metodologia, pode ser alterado e revisitado sempre que necessário, já que, como a proposta é ser não-linear, suporta atualizações durante o seu processo. (Etapa 3) Desenvolver Na primeira etapa do segundo diamante, a proposta é buscar e pensar em novas ideias que respondam os problemas e características levantados na etapa anterior. Desta forma, a geração de ideias deve ser grande, mas, agora, um pouco mais restrita, já que as informações da proposta de valor devem ser respeitadas e servem como um guia. (Etapa 4) Entregar Apesar do nome da etapa ser “entrega”, as propostas devem passar por um tipo de triagem e agrupamento por afinidade. Aqui, novamente a fase de convergência vai fazer com que o designer selecione as ideias mais aderentes à proposta de valor e entenda quais delas estão dentro do escopo da pesquisa. Priorizar algumas atividades e soluções pode ser uma ideia para projetos em que os recursos são limitados, como tempo, dinheiro e disponibilidade de trabalho. Desta forma, naturalmente as informações vão sendo selecionadas e passam a se tornar o foco principal do projeto. E claro, após a definição de quais serão as ideias escolhidas, serão necessários testes para saber se o público-alvo definido na proposta de valor compreende e entende que a solução possui realmente valor, ou seja, agrega de fato em algum ponto de sua vida, facilitando a execução de alguma ação, por exemplo. E isso é realizado até a entrega propriamente dita, fazendo com que o ciclo possa se reiniciar, caso seja necessário. É possível encontrar semelhanças entre a metodologia do Double Diamond e a do Design Thinking, mas podemos ver claras diferenças em seu processo, principalmente na distribuição de atividades entre as etapas. Os 4P’s do design Os 4P’s do design é uma metodologia desenvolvida por Luiz Salomão Ribas Gomez no ano de 2004, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Em suma, a ideia da metodologia é fazer com que a não linearidade do processo de um projeto em design siga as definições de seu autor ou autores (no caso, de um time multidisciplinar). Por isso, a metodologia respeita o fluxo de pensamento de uma pessoa criativa, como citado anteriormente na introdução deste texto. 38 Segundo Gomez, (2004, p. 54), os 4 P’s são: Posicionamento de Mercado, Problema, Proposta e Produto. Posicionamento de mercado Diz respeito ao mercado a ser atendido pelo desenvolvimento do projeto. Ele inclui público-alvo e informações mais detalhadas sobre mercado, como tamanho e expansão financeira. Problema O problema ou os problemas a serem resolvidos pelo projeto ou desenvolvimento do produto final. É a partir dele que se “deve gerar uma proposta de desenvolvimento para se encontrar a solução” (GOMEZ, 2004; p.54). Proposta Trata sobre o produto a ser gerado para resolver o problema definido. É a proposta que vai guiar o desenvolvimento do produto final do desenvolvimento. Não é, em si, a resolução, mas sim os meios de como alcançá-la. Produto O produto sim, “é o fim último do Design e deve resolver, dentro de uma proposta coerente, um problema que afeta um grupo de usuários bem definido” (GOMES, 2004; p.54). 39 Figura 2: Os 4 P’s do design. (Fonte: GOMEZ, 2004; p.55) A Figura 2 apresentada demonstra como o autor representa visualmente o processo da metodologia. Por não ter um início propriamente dito, o grupo multidisciplinar pode se dividir para que as pesquisas e definições sobre os 4 P's sejam realizadas concomitantemente. Ou, se o caso for o de apenas um designer na realização do projeto, qualquer um deles pode ser considerado como o ponto inicial, como cita o Gomez (2004; p. 56) sobre a representação gráfica do projeto: [...] o foco sempre deve ser o Mercado ou seus participantes, por isso incluí-lo no centro da forma que está estruturada sobre uma malha de bom senso. As Ferramentas, Métodos e Técnicas permeiam a metodologia mas devem ser pensadas como conhecimento adquirido fora do processo metodológico. Todo esse espaço se transformará no resultado, que é a solução de design encontrada. Também como fase inicial do projeto, é necessário definir um cronograma base para que as pesquisas e as soluções sejam entregues. E de acordo com o autor, para que esse cronograma seja seguido é necessário definir um “líder” para gerir as entregas. Isso porque, ainda segundo Gomez (2004; p. 59), [...] o dinamismo faz com que o processo fique muito mais suscetível à desorganização e à falta de cumprimento de prazos. Pois, como não há limites e nem um cronograma com etapas muito claras, o processo criativo muitas vezes não tem motivos para cessar. 40 Além disso, o líder também deve ser o responsável por gerir e organizar as informações levantadas em todo o projeto, para que o mesmo tenha um foco e não agregue informações desnecessárias e que possam atrapalhá-lo num futuro de definições. E como último ponto antes do início das pesquisas, é necessária a criação de um briefing, um documento que contém todas as informações iniciais do projeto antes que as pesquisas entre os P's sejam iniciadas. Este é um documento importante para que a metodologia seja corretamente aplicada e baseada em um documento guia, permitindo que a equipe alocada no projeto tenha informações importantes para se guiar. Após a coleta de todos os dados e informações necessárias nos quatro tópicos do projeto, é essencial criar um relatório que inclua todas as etapas do projeto que foram relevantes para sua definição geral (GOMEZ, 2004; p.60). Esse relatório é necessário para garantir que uma eventual apresentação ao cliente seja compreensível e siga uma lógica organizada, tornando-se assim acessível tanto para o grupo de trabalho quanto para o cliente. Considerações finais A consideração mais pertinente em relação a todas essas metodologias e tantas outras presentes nos estudos em design, é a colocação do usuário final como centro de todo o processo. O que importa para que o produto final seja considerado como um sucesso ou não, é a sua conexão e utilidade frente às necessidades, problemas e contexto em que a pessoa usuária o utiliza. O processo pelo qual se desenvolvem projetos é determinante para que a satisfação de quem é atendido seja atingida, e, consequentemente, facilite e melhore a vida das pessoas na execução de muitas tarefas. Colocar o ser humano como centro deste desenvolvimento faz com que o design seja, de fato, útil, mesmo que, por muitas vezes, possa ser muito específico e atenda a pessoas com necessidades igualmente específicas. É possível compreender que o que faz com que essas metodologias sejam consideradas como não-lineares é o fato de serem renováveis. Ou seja, caso o desenvolvimento de um produto ou serviço a ser utilizado pela pessoa usuária final não atenda completamente seus desejos, nem resolva os problemas abordados, ele pode ser revisitado para que melhorias sejam aplicadas. Isso, porém, não implica que, enquanto esse projeto não esteja completamente “pronto” (aqui, entre aspas, porque é muito difícil classificar um projeto como pronto dentro do design), ele não possa ser utilizado pelas 41 pessoas, e novas ideias e aprendizados sejam incorporados por uma observação ativa. Isso faz com que projetos possam ter novas fases e que sejam trabalhos em progresso constante. É assim que são gerados dados decorrentes de observações, como em produtos digitais, por exemplo. As empresas de SaaS (Software as a Service) são um exemplo muito claro de como é possível aprender com o uso contínuo de suas soluções por terceiros, e aplicar melhorias contínuas em ferramentas que pessoas utilizam em seu dia a dia de trabalho. Dessa forma, a metodologia de aprendizado e projeto são cíclicas, e fazem com que as melhorias sejam adições realmente importantes para as pessoas em seus ambientes profissionais ou pessoais. Com isso, podemos dizer que as metodologias não lineares beneficiam projetos em constante evolução e que, continuamente, fazem das melhorias a sua conexão cada vez mais forte com seu usuário final. De fato, o emprego da avaliação de dados constantes traz benefícios tanto para a saúde de uma empresa e seus produtos a longo prazo quanto para seus clientes e usuários, que veem cada vez mais valor no uso das ferramentas no seu dia a dia. Referências bibliográficas ABREU, Leandro. Diagrama de Afinidades: o que é, para que serve e como fazer um?. Rock Content Blog. [S.I.] 18 de ago. 2020. Disponível em: https://rockcontent.com/br/blog/diagrama- de-afinidades/. Acesso em 03 jun. 2023. BARRINGTON, Dani J.; Sindall. Rebecca C. Fail Fast, Fail Forward, Fail Openly: The Need to Share Failures in Development. África do Sul, 2020. Disponível em: https://assets.pubpub.org/jrwwhhsj/31607438329058.pdf. Acesso em 17 maio 2023. BROWN, Tim. Design Thinking: uma metodologia poderosa para decretar o fim das velhas ideias. Rio de Janeiro. Elsevier, 2010. COLAÇO, Janize. Entenda o conceito de design thinking e como utilizá-lo nos mais diferentes contextos. Na Prática. [S.I.] 14 de jun. 2022. Disponível em: https://www.napratica.org.br/design-thinking-o-que-como- funciona/#:~:text=Embora%20a%20noção%20de%20design,Tim%20Brown%20%2F%20Imag em%3A%20Reprodução. Acesso em 03 jun. 2023. GOMEZ, Luiz Salomão Ribas. OS 4P ́S DO DESIGN: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA NÃO LINEAR DE PROJETO. 2004. Doutorado em Engenharia da Produção – UFSC, Santa Catarina. Human Centered Design: Kit de ferramentas. IDEO. [S.I.] 2015. Disponível em: http://brazil.enactusglobal.org/wp-content/uploads/sites/2/2017/01/Field-Guide-to-Human- 42 Centered-Design_IDEOorg_Portuguese-73079ef0d58c8ba42995722f1463bf4b.pdf. Acesso em 03 jun. 2023. LUGÃO, Priscilla. Double Diamond: o que é e como usar na prática. PM3 Blog. [S.I.] 13 de ago. 2022. Disponível em: https://www.cursospm3.com.br/blog/ferramentas-para-usar-em-cada-fase-do-double-diamond/. Acesso em 03 jun. 2023. O que é um mapa conceitual?. Lucidchart. [S.I.] s.d. Disponível em: https://www.lucidchart.com/pages/pt/o-que-e-um-mapa- conceitual#:~:text=Um%20mapa%20conceitual%20é%20um,(também%20chamados%20de%2 0arcos). Acesso em 03 jun. 2023. 43 ANÁLISE DE GRADES DE PROGRAMAÇÃO RADIOFÔNICA: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA Nilo Arruda Mortara Freire Gomes Mestrando no Mestrado Profissional em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (PPGMiT/Unesp). Graduado em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos. Octavio Penna Pieranti Professor do Mestrado Profissional em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (PPGMiT/Unesp). Doutor em Administração e mestre em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), com pós- doutorado em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É autor/organizador de dez livros, sendo o mais recente deles “Entre plantações de morangos, florestas e oceanos: arquivos esquecidos da Rádio Nacional recontam a origem da Radiobrás” (FAC/UnB, 2022, disponível para download gratuito). Introdução O presente texto propõe reflexões sobre a análise de programações radiofônicas no contexto da radiodifusão pública, mais especificamente das emissoras de rádio universitárias. Tais reflexões procuram contribuir teórica e metodologicamente com uma pesquisa em curso denominada “Antenas Alternativas – As Rádios Universitárias e a Música Independente”, que tem como objetivo investigar a presença da música independente na programação de emissoras FM paulistas ligadas a instituições de ensino superior públicas (Rádio USP, Rádio Unesp, Rádio UFSCar e Rádio USP Ribeirão Preto). 44 Primeiramente, a partir de uma revisão bibliográfica de estudos sobre rádios universitárias e outras emissoras públicas, serão trazidos alguns exemplos de abordagens metodológicas para a investigação da programação destas estações. Espera-se apresentar um panorama dessas pesquisas, a potencialidade de cada uma destas abordagens e lacunas que podem ser preenchidas por novos estudos. Em um segundo momento é proposta uma definição das grades de programação a partir de seu aspecto histórico e teórico. Em seguida, serão trazidas algumas reflexões sobre a abordagem metodológica que embasa essa proposta, a Análise de Conteúdo. Será apresentado um breve histórico dessa metodologia das ciências sociais e da comunicação, assim como serão destrinchados suas etapas, procedimentos e os cuidados que devem ser tomados na aplicação desta. A última seção deste trabalho apresenta uma proposta metodológica a ser aplicada para a Análise de Conteúdo das grades de programação das emissoras FM paulistas ligadas a universidades públicas para aplicação na já citada pesquisa. Panorama de estudos sobre programações no rádio educativo No campo dos estudos sobre radiodifusão e, mais especificamente, das emissoras públicas, a análise das programações destas emissoras é um procedimento bastante comum e que pode ser realizado de diversas formas. Em pesquisas recentes, verificamos, por exemplo, levantamentos exploratórios por meio de audições de fragmentos da programação de 16 emissoras ligadas a universidades brasileiras. Nesse caso, foi realizada “uma análise de conteúdo sonoro, tributária da sócio-semiótica, tomando como base um dia artificial de 24 horas” (KISCHINHEVSKY et al, 2019 p.148). Outro material para a análise destas programações pode ser o relatório de execuções públicas, enviado anualmente ao ECAD (Escritório central de arrecadação de direitos autorais). A Rádio Unesp disponibiliza esses relatórios anuais em seu website e, a partir desse material, Dionizio e Marques (2019) puderam realizar uma análise quantitativa e qualitativa de sua programação musical, identificando, entre outros resultados que: “[...] em média, os profissionais responsáveis pela programação da Unesp FM selecionam 220 músicas para serem veiculadas diariamente. Destas, temos 127 músicas brasileiras, que representam 58% do total, e 53 canções de novos artistas, que representam 23% do total de músicas veiculadas no período.” (DIONIZIO; MARQUES, 2019 p.372) 45 Utilizando-se deste mesmo relatório, assim como do relatório do mesmo ano fornecido pela Rádio USP, mediante solicitação do pesquisador, Ribeiro (2019) propõe uma análise comparativa das músicas executadas pela rádio e das músicas mais tocadas em plataformas de streaming no Brasil, conforme relatório da associação Pro Música. A partir dos resultados desta, o autor aponta o caráter alternativo da programação destas emissoras, dado que dentre as músicas mais executadas, nenhuma figurou entre as mais ouvidas no país no mesmo ano (RIBEIRO, 2019). Outra abordagem pode envolver audições assistemáticas da programação, associadas a outras técnicas como a entrevistas com os profissionais responsáveis por essa programação, conforme proposto por Franco (2013). Uma análise mais geral das grades de programação também é comum nos estudos de caso sobre essas emissoras, como é o caso do estudo comparativo entre as quatro emissoras federais realizada por Macedo, Barros e Bernardes (2012) e a análise descritiva da programação da rádio UFMG Educativa, realizada por Medeiros e Teixeira (2019). Análises descritivas e quantitativas dessas grades também são aplicadas em estudos amplos, como o mapeamento das emissoras vinculadas a instituições públicas de ensino superior (TEMER et al., 2019) e no estudo da construção histórica da programação de emissoras educativas no Brasil, realizado por Zuculoto (2010). A partir dessas experiências e da metodologia da Análise de Conteúdo (BAUER, 2002; FONSECA JUNIOR, 2011; BARDIN, 1988), propõe-se uma estratégia de análise das grades de programação das emissoras FM paulistas ligadas a instituições públicas de ensino. Para isso, o material central são a grade e os descritivos da programação disponibilizados por essas emissoras em seus websites oficiais. Características básicas de uma grade de programação A distribuição regular dos conteúdos radiofônicos difundidos pelas emissoras, com a repetição de certos conteúdos ou formatos em horários padrão, assim como a divulgação desses horários e de informações desses conteúdos (músicas executadas, temas de reportagens e conferências, nome de entrevistados) é uma prática das emissoras desde o momento em que essas passam a irradiar sua programação de forma regular. Isso pode ser verificado no caso brasileiro, desde o caso da Radio Sociedade, fundada por Roquette-Pinto em 1923: A Rádio Sociedade tinha uma programação fixa em que eram transmitidas informações científicas e técnicas por meio dos cursos da 46 rádio, conferência literária, poesia e música. A programação era divulgada quinzenalmente nas revistas criadas pela própria equipe da Rádio Sociedade; eram elas a revista Rádio (1924) e, mais tarde, a Electron (1926). (DA