UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática Área de Concentração em Ensino e Aprendizagem de Matemática e seus Fundamentos Filosófico-Científicos Aspectos Conceituais e Instrumentais do Conhecimento da Prática do Professor de Cálculo Diferencial e Integral no Contexto das Tecnologias Digitais ANDRICELI RICHIT RIO CLARO 2010 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro Aspectos Conceituais e Instrumentais do Conhecimento da Prática do Professor de Cálculo Diferencial e Integral no Contexto das Tecnologias Digitais Andriceli Richit Orientadora: Prof. Dra. Rosana Giaretta Sguerra Miskulin Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática – Área de Concentração em Ensino e Aprendizagem de Matemática e seus Fundamentos Filosófico-Científicos Rio Claro (SP) 2010 BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ Profª. Dra. Rosana Giaretta Sguerra Miskulin (Orientadora) Universidade Estadual Paulista – Unesp – Rio Claro ____________________________________________________ Profª. Dra. Miriam Godoy Penteado Universidade Estadual Paulista – Unesp – Rio Claro ____________________________________________________ Profª. Dra. Regina Célia Grando Universidade São Francisco – USF – Itatiba Rio Claro, 29 de setembro de 2010 Resultado: APROVADA DEDICATÓRIA Aos meus pais, Albino e Seleta, por sempre me apoiarem em minhas decisões de vida. Aos meus irmãos, em especial, a minha irmã, Adriana, pelo apoio, cuidado e preocupação constante, quer seja no lado pessoal como no acadêmico e profissional. AGRADECIMENTOS Todo o trabalho não seria possível sem a colaboração direta ou indireta de várias pessoas. Em diversas fases este trabalho contou com o apoio e colaboração de várias pessoas, as quais agradeço imensamente: Minha orientadora, Rosana Giaretta Sguerra Miskulin, pelo acolhimento e compreensão em momentos difíceis e pelas palavras de incentivo, coragem e confiança. Obrigada por tudo! Aos professores participantes do Curso de Extensão que aceitaram participar do mesmo e contribuíram para que este trabalho pudesse se realizar. À banca examinadora: Miriam Godoy Penteado e Regina Célia Grando pelas valiosas contribuições possibilitando refinar minhas idéias e olhar o trabalho com outros olhares. A todos os professores do Programa de Pós-Graduação, em particular ao Sérgio Roberto Nobre, Maria Lúcia Lorenzetti Wodewotzki, Marcelo de Carvalho Borba, Rosa Lucia Sverzut Baroni, Antônio Carlos Carrera de Sousa, Antonio Vicente Marafiotti Garnica e Rosana Giaretta Sguerra Miskulin pelas valiosas discussões e reflexões nas disciplinas cursadas durante o mestrado. As amigas Juliana Viol, Vanessa Cintra, Vanessa Benites pelos conselhos e pelas tantas vezes que me acalmaram quando estava ansiosa... À Fabiane Mondini, Luciane Mocrosky, Dona Avani e Paulinha, pelos momentos maravilhosos que passamos juntas....vou guardar sempre no meu coração... Aos meus pais, Albino e Seleta, pela força e confiança depositadas em mim, mesmo a distância... Aos meus irmãos Gilvani, Marcelo e Tiago, por me verem mais forte e melhor do que sou e pelo incentivo nas horas mais difíceis....Um agradecimento especial a minha irmã Adriana...hoje sou o que sou por me espelhar em você e pelo seu apoio incondicional....Obrigada por tudo sempre!! Aos meus queridos sobrinhos: Luiz Augusto (Guto), José Fernando (Nando), Marcela Antônia, Pedro Inácio e Vítor Luís (Vituxo) por existirem e me fazer sentir especial....A você meu querido afilhado Vituxo, obrigada pelos momentos de descontração quando estava cansada de “escrever tese”... As minhas cunhadas Rosângela, Mariane e Liliana, pela motivação estendida... Ao meu cunhado Mauri, por me agüentar nas férias e pelo apoio em diversos momentos...roubo de cartões, levar e buscar na rodoviária, formatação da dissertação e pelas viagens e idas na praia pentelhar você e a Dri..!! Agradeço também ao seu Florindo e Dona Elzira, pelos diversos momentos de alegria e pela convivência!! A todos os meus tios, tias, primos e primas pelo respeito e consideração sempre... As minhas amigas de Erechim, Maria Cristina, Magda, Aline Scalabrin, Charline Garcia, Silvana Bombardelli, Sara Provin, Michele Zanette, Isabel Bandiera, Juliana Moterle e a tantos outros que o nome não me veio a cabeça neste momento...Todos os anos de convivência com vocês ajudaram na construção do que sou hoje...Muito obrigada pelos maravilhosos momentos que passamos juntos!! Levo eles sempre comigo.... Aos colegas e amigos da PGEM pelas aprendizagens constantes e por minha constituição enquanto pesquisadora. A todos os colegas do Grupo de Formação de Professores, com os quais aprendi muito: Carolina, Guilherme, Dirlene, Nilson, Renato, Sandra Oriani, Rosana Mendes, Keila, Maria Angela, Edinei... Ao meu querido Ricardo, por sempre me apoiar e por mostrar o outro lado das coisas...Obrigada pelo seu carinho, confiança, respeito e amor...Obrigada pelas valiosas contribuições para que minha pesquisa fosse se refinando... A Maria José, Marcos, Rafael, Raquel, Vitor, Deise, Seu Jairo, Dona Ilma, Dona Anselmina, Mauro e Cristina pelo acolhimento e pelos ótimos momentos em que passamos juntos nesta etapa final... A Inajara, Ana, Elisa, Zezé, Alessandra, José Ricardo e Diego pela disponibilidade e carinho sempre que precisei.... Enfim, muitas pessoas não foram listadas aqui, mas saibam que estão sendo lembradas sim e que foram muito importantes nessa fase de minha vida.....O meu muito obrigada a todos!! A CAPES, pelo apoio financeiro. Andriceli Richit RESUMO A presente investigação tem como objetivo identificar e compreender os aspectos conceituais e instrumentais do conhecimento da prática docente em um curso à distância de formação de professores de Cálculo Diferencial e Integral no contexto das tecnologias digitais. Assim, a pesquisa é conduzida pela seguinte questão diretriz: “Quais são os aspectos conceituais e instrumentais do conhecimento da prática docente do professor de Cálculo Diferencial e Integral no contexto das tecnologias digitais?” Esta pesquisa está pautada nos pressupostos da pesquisa qualitativa, de caráter interpretativo. O cenário para investigação e constituição dos dados foi um Curso de Extensão, totalmente a distância, viabilizado por meio da plataforma de ensino à distância TelEduc, e contou com professores de diferentes estados do Brasil e do Exterior, atuantes no ensino superior e ministrantes da disciplina Cálculo Diferencial e Integral (CDI). No decorrer do Curso, os participantes discutiram textos atinentes ao uso das tecnologias digitais nas práticas de sala de aula, além de refletir sobre as possibilidades didático-pedagógicas de uso das tecnologias digitais nos processos de ensinar e aprender conceitos de CDI. Além disso, os professores também desenvolveram competências para uso do software educacional GeoGebra, o qual subsidiou as discussões relacionadas aos principais conceitos de Cálculo: Funções, Limites, Derivadas e Integrais. Sendo assim, os dados gerados nesta pesquisa são oriundos das Fichas de Inscrição, Ferramentas Perfil, Bate- Papo, Fóruns de Discussão do ambiente TelEduc, Formulário de Avaliação do Curso, Projeto Final e Questionário. Desta forma, a análise dos dados possibilitou o levantamento de algumas categorias as quais foram divididas em dois Eixos: Eixo 1 compreende as categorias referentes aos aspectos conceituais do conhecimento da prática :“Processos de Formação do professor para o uso das TIC” e “Trabalho didático-pedagógico no processo de inovação de metodologias de ensino-aprendizagem: Mobilização para o uso das TIC nas aulas de Cálculo Diferencial e Integral” e o Eixo 2 compreendendo as categorias referentes aos aspectos instrumentais do conhecimento da prática: “Condições de trabalho do professor”, “Ambientes Computacionais” e “O tempo e as TIC”. Destas categorias emergiram aspectos do conhecimento da prática (knowledge of practice) advindas dos diversos momentos de interlocução dos professores no que tange às suas percepções acerca da apropriação e utilização dos recursos das tecnologias digitais na prática pedagógica e para o processo de ensino e aprendizagem de Cálculo. Outrossim, os dados são discutidos à luz da perspectiva teórica conhecimento da prática (COCHRAN-SMITH e LYTLE, 1999a) entre outras referências. Palavras-chave: Tecnologias Digitais. Ensino e aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral. Conhecimento da Prática. Formação Continuada de Professores. ABSTRACT This study aim is to identify and understand the conceptual and instrumental aspects of teachers’ knowledge of practice in a distance course involving in-service (practising) Differential and Integral Calculus teachers in the context of digital technologies. This research is conducted by the following research question: "What are the conceptual and instrumental aspects of Differential and Integral Calculus teachers’ knowledge of practice in the context of digital technologies?" In this sense, the thesis is based on the assumptions of qualitative research, highlighting an interpretative design. The scenario for the investigation and construction of data is an academic distance course, conducted through the online learning platform called TelEduc. The participants are in-service (practising) teachers from several states of Brazil (and from other countries as well). They work in higher education as teachers (instructors) of Differential and Integral Calculus (DIC) courses. During the online distance course, participants discussed articles related to the use of digital technologies in higher education classrooms’ practices, reflecting on didactical-pedagogical possibilities for the use of digital technologies in the process of teaching and learning DIC concepts. In addition, teachers also developed skills to use the educational software called GeoGebra, which worked as an engaging technology for investigations related to Calculus concepts such as Functions, Limits, Derivatives and Integrals. The data were produced from Teachers’ Application Forms, Tools, Profile, Chats, and Discussion Forums of TelEduc platform, and Teachers’ Course Evaluation Form, Final Assignment, and Surveys. The analysis of the data enabled a categorization in two axes. Axis 1 includes the following categories on the conceptual knowledge of practice: "Processes of teacher education for use of ICT" and "Didactical and pedagogical work on the innovation of teaching and learning methods: motion for the use of ICT in DIC classes”. Axis 2 presents the following aspects related to the instrumental knowledge of practice: "Teachers’ working place context”, "Computing environments" and "Time and ICT." From these categories, aspects of knowledge of practice emerged from various moments of teachers’ interaction in relation to their perceptions about appropriation and utilization of digital technologies in pedagogic practices and through the process of teaching and learning Calculus. Moreover, the data were discussed based on the theoretical perspective on knowledge of practice (COCHRAN-SMITH e LYTLE, 1999a), and others. Key Words: Digital Technologies. Teaching and learning of Differential and Integral Calculus. Knowledge of Practice. In-service (practising) Teacher Education. SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. 5 RESUMO ................................................................................................................................... 7 ABSTRACT .............................................................................................................................. 8 SUMÁRIO ................................................................................................................................. 9 ÍNDICE DE FIGURAS ........................................................................................................... 12 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13 Trajetória Acadêmica e Origem do Problema ...................................................................... 13 Eis a Pesquisa ....................................................................................................................... 17 Justificativa e Relevância da Pesquisa.................................................................................. 18 Estrutura e Organização da Dissertação ............................................................................... 21 CAPÍTULO I CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL E AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO ............................................................................................................... 23 1.1. Desenvolvimento do Cálculo Diferencial e Integral: Um pouco de História ................ 23 1.2. Problemáticas relacionadas ao Ensino e Aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral .................................................................................................................................. 27 1.3. Tecnologias da Informação e Comunicação e o processo de Ensino e Aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral............................................................................................... 30 CAPÍTULO II TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA ................................................................................. 44 2.1. Tecnologias da Informação e Comunicação e Educação Matemática: o movimento de introdução e disseminação no contexto educacional brasileiro ............................................ 44 2.2. Formação de Professores de Matemática: implicações do uso das Tecnologias da Informação e Comunicação .................................................................................................. 51 2.3. Concepções sobre a aprendizagem dos professores: Conhecimento para a prática, Conhecimento na prática e Conhecimento da prática .......................................................... 62 2.3.1. Conhecimento para a prática ............................................................................................... 62 2.3.2. Conhecimento na prática ..................................................................................................... 62 2.3.3. Conhecimento da prática ..................................................................................................... 63 CAPÍTULO III METODOLOGIA DA PESQUISA ....................................................................................... 71 3.1. Pesquisa Qualitativa em Educação Matemática: Algumas perspectivas ....................... 71 3.2. Explicitação dos Procedimentos de Pesquisa ................................................................ 73 3.2.1. Cenário de Estudo e Investigação ....................................................................................... 74 3.2.1.1. Curso de Extensão: da Divulgação do Curso à Seleção dos participantes ...... 74 3.2.1.2. Os participantes – sujeitos da Pesquisa ........................................................... 82 3.2.1.3. A plataforma Teleduc e o software GeoGebra ................................................ 86 3.2.1.3.1 – A plataforma TelEduc ............................................................................ 86 3.2.1.3.2 – O software GeoGebra ............................................................................. 94 3.3. Apresentação das Fontes de Produção de Dados da Pesquisa ..................................... 103 3.3.1. Fonte 1: Ficha de Inscrição e Ferramenta Perfil do TelEduc ............................................ 104 3.3.2. Fonte 2: Ferramenta Bate-Papo e Fóruns de Discussão .................................................... 104 3.3.2.1. A Ferramenta Bate-Papo: Os registros das aulas online no TelEduc ............ 105 3.3.2.2. Fóruns de Discussão ...................................................................................... 111 3.3.3. Fonte 3: Formulário de Avaliação do Curso, Questionário e Projeto Final ...................... 112 3.3.3.1. Formulário de Avaliação do Curso ................................................................ 112 3.3.3.2. Questionário .................................................................................................. 112 3.3.3.3. Projeto Final .................................................................................................. 112 3.4. Triangulação dos Dados da Pesquisa e Procedimentos de Análise ............................. 113 CAPÍTULO IV ANÁLISE DOS DADOS ....................................................................................................... 116 4.1. O caminho pelo qual nos conduzimos ......................................................................... 116 4.2. Explicitação dos Eixos e das Categorias de Análise ................................................... 118 4.2.1. Eixo 1: Aspecto Conceitual ............................................................................................... 120 4.2.1.1. Processos de Formação do professor para o uso das TIC.............................. 120 4.2.1.2. Trabalho didático-pedagógico no processo de inovação de metodologias de ensino-aprendizagem: Mobilização para o uso das TIC nas aulas de Cálculo Diferencial e Integral .................................................................................................. 128 4.2.2. Eixo 2: Aspecto Instrumental ............................................................................................ 131 4.2.2.1. Condições de trabalho do professor............................................................... 131 4.2.2.2. Ambientes computacionais ............................................................................ 144 4.2.2.3. O tempo e as TIC ........................................................................................... 149 CAPÍTULO V CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 153 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 159 ANEXOS ............................................................................................................................... 166 Anexo A – Cronograma do Curso ...................................................................................... 167 Anexo B – Atividades envolvendo conceitos de CDI: Funções, Limites, Derivadas e Integrais .............................................................................................................................. 181 Anexo C – Manual do GeoGebra ....................................................................................... 217 Anexo D – Carta de Autorização ........................................................................................ 234 Anexo E – Ficha de Inscrição ............................................................................................. 236 Anexo F – Formulário de Avaliação do Curso de Extensão .............................................. 239 Anexo G – Questionário ..................................................................................................... 241 ÍNDICE DE FIGURAS Fig. 1: Representação da situação descrita no problema com o software Cabri-Géometre. .... 38 Fig. 2: E-mail de divulgação do Curso ..................................................................................... 79 Fig. 3: Interface da plataforma TelEduc ................................................................................. 86 Fig. 4: Ferramenta Dinâmica do TelEduc ................................................................................ 87 Fig. 5: Ferramenta Agenda do TelEduc ................................................................................... 88 Fig. 6: Ferramenta Atividades do TelEduc .............................................................................. 88 Fig. 7: Ferramenta Material de Apoio do TelEduc .................................................................. 89 Fig. 8: Ferramenta Leituras do TelEduc ................................................................................... 90 Fig. 9: Ferramenta Mural do TelEduc ...................................................................................... 90 Fig. 10: Ferramenta Fóruns de Discussão do TelEduc ............................................................ 91 Fig. 11: Ferramenta Bate - Papo do TelEduc ........................................................................... 91 Fig. 12: Ferramenta Correio do TelEduc ................................................................................. 92 Fig. 13: Ferramenta Perfil do TelEduc ..................................................................................... 92 Fig. 14: Ferramenta Portfólio do TelEduc................................................................................ 93 Fig. 15: Sessão de Bate-Papo no MathChat ............................................................................. 94 Fig. 16: Tela principal do software GeoGebra ......................................................................... 95 Fig. 17: Barra de menus do software GeoGebra ...................................................................... 96 Fig. 18: Ícones do GeoGebra .................................................................................................. 96 Fig. 19: Caixa de Entrada do GeoGebra .................................................................................. 98 Fig. 20: Gráfico da Função g(x)= 1 4 1 2 +x no intervalo [0,4] ................................................. 100 Fig. 21: Gráfico da Função g(x) variando os limites superior e inferior................................ 101 Fig. 22: Área da Função g(x) no intervalo dado inserindo-se quatro retângulos abaixo da curva ....................................................................................................................................... 102 Fig. 23: Área entre a curva e o eixo x quando temos 14 retângulos inseridos abaixo dela ... 103 Fig. 24: Triangulação das Fontes de Dados ........................................................................... 114 Fig. 25: Explicitação dos Eixos e Categorias de Análise ....................................................... 119 INTRODUÇÃO Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada. Clarice Lispector Neste trabalho apresento1 aspectos relacionados à minha trajetória pessoal, bem como, os caminhos que me conduziram à Educação Matemática. Aponto, também, algumas circunstâncias e experiências que influenciaram a realização deste trabalho. Encerrando a Introdução, apresento a forma como esta dissertação está estruturada. Trajetória Acadêmica e Origem do Problema O gosto pela Matemática nasceu durante o ensino médio. Lembro-me que antes da aula, eu sempre fazia todas as atividades do livro didático relacionada ao conteúdo que seria explicado pela professora. Com isso, eu estava sempre adiantada em relação ao conteúdo que seria “ensinado” aos demais colegas em classe. Além disso, sempre ajudava meus colegas nos estudos de Matemática, que na época era a minha disciplina preferida. Ao concluir o ensino médio, no ano 2000, chegou o momento da escolha para o vestibular. Foi um momento de bastante reflexão, visto que, tal escolha ainda não estava muito clara para mim, embora gostasse muito de Matemática. No entanto, minhas dúvidas foram desaparecendo, e por incentivo de colegas, professores e familiares, escolhi seguir a carreira do magistério, optando pelo curso de Licenciatura em Matemática. O ingresso na Licenciatura em Matemática na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões URI-Campus de Erechim-RS, no ano de 2001, proporcionou-me contato, logo de início, com a Educação Matemática. No primeiro ano da Licenciatura, estimulada pelos professores, participei do I Fórum do Conhecimento: “Sociedade e Universidade no Século XXI”, promovido pelo Curso de Letras, Pedagogia, História, Geografia, Matemática, Psicologia e Filosofia da URI- Campus de Erechim. Neste evento, tive meu primeiro contato com pesquisadores da área da Educação Matemática ao assistir uma palestra proferida pela professora Maria Aparecida Viggiani Bicudo, intitulada: “A Pesquisa e a Formação do Professor: um olhar fenomenológico”. Tal 1 Nesta parte da pesquisa, escrevo na primeira pessoa do singular, pois falo sobre a minha trajetória pessoal. 14 evento acontecia de dois em dois anos. Além disso, participava de todas as semanas acadêmicas promovidas pelo curso, as quais sempre traziam palestrantes para falar sobre as diversas tendências no âmbito da Educação Matemática. No ano de 2004, tive a oportunidade de participar do VII ENEM - Encontro Nacional de Educação Matemática, realizado na cidade de Recife, Estado de Pernambuco. Neste encontro, conheci vários nomes do cenário educacional, e tive contato com discussões sobre várias temáticas da área da Educação Matemática. Destaco ainda, que tive contato com várias linhas de pesquisa dentro da Educação Matemática durante a graduação, quer seja por meio de palestras, leitura e discussão da literatura pertinente a ela, entre outros. Nas disciplinas tínhamos contato com a História da Matemática, Psicologia, Formação de Professores, Tecnologias da Informação e Comunicação, sendo a última, aquela que mais me cativou. Assim, logo no início da graduação tive minha primeira experiência com a utilização de recursos das tecnologias digitais ao estudar conceitos de Geometria. Cursei a disciplina Geometria I, a qual foi ministrada pela professora Nilce Fátima Scheffer, na época doutoranda em Educação Matemática pela UNESP-Rio Claro sob a orientação do professor Dr. Marcelo de Carvalho Borba, cuja pesquisa envolvia sensores, informática e movimento. Nesta disciplina tive a oportunidade de explorar conceitos de Geometria com o software Geometricks2. Era a primeira vez que estudava Matemática, utilizando algo além de lápis e papel. Assim, percebi que estudar conceitos matemáticos com o auxílio de softwares permitia experimentar outras formas de raciocínio. Do mesmo modo, tive possibilidades de testar minhas conjecturas, entender visualmente o que estava acontecendo, e não somente encontrar uma resposta desejada para um problema. Manifestava-se aí minha inclinação para a área de pesquisa, que envolve tecnologias digitais. Ainda no primeiro ano, porém cursando o segundo semestre da Licenciatura e a disciplina Geometria Descritiva, tive outra experiência rica com as tecnologias digitais. Nesta disciplina, além de trabalharmos com construções geométricas com régua e compasso, envolvendo diversos conceitos de Geometria, fomos desafiados a trabalhá-los no ambiente de 2 O Geometricks é um software para ser utilizado no estudo da Geometria, possibilitando a construção de objetos geométricos como ponto, retas, segmentos de retas, circunferências, ponto médio de segmentos, retas paralelas, perpendiculares, etc. Foi desenvolvido por Viggo Sadolin (The Royal Danish of Education Studies, Copenhagen, Dinamarca) e traduzido para o português por Miriam Godoy Penteado e Marcelo de Carvalho Borba - Universidade Estadual Paulista - UNESP - São Paulo. Mais informações em: 15 programação Logo3. Assim, a professora responsável pela disciplina, Simone Fátima Zanoello, inicialmente discutiu com a turma um texto que tratava sobre os aspectos pedagógicos do Logo, fundamentado no Construtivismo piagetiano. Contudo, trabalhamos mais com o aspecto computacional e iniciamos a exploração dos comandos do Logo. Ao final da disciplina, fomos solicitados a desenvolver um trabalho com o referido software. Diversos trabalhos foram desenvolvidos, revelando a criatividade nas produções e, com isto, os conceitos matemáticos implícitos nessas produções. Posteriormente, a utilização das tecnologias digitais na abordagem de alguns conceitos ocorreu na disciplina Cálculo Diferencial e Integral I (CDI I). No entanto, esta experiência foi um pouco diferenciada, visto que, não fomos para o laboratório, e o recurso tecnológico utilizado na abordagem de tais conceitos era a calculadora gráfica TI-83, a qual era utilizada para que visualizássemos os gráficos em estudo. Igualmente, tive outras experiências com a utilização das tecnologias, como nas aulas de Estatística, ao utilizar a planilha eletrônica Excel4 e nas aulas de Física o software Modellus5, o qual possibilitava a simulação de sistemas físicos. Embora eu tenha vivenciado experiências de abordagem de conceitos matemáticos por meio dos recursos das tecnologias digitais, isso não ocorria em todas as disciplinas. Alguns professores eram bastante tradicionais e, além disso, não tinham formação para o uso de tais recursos. E mesmo aqueles que faziam uso, ainda não conseguiam propor atividades relacionadas ao uso dos recursos tecnológicos. Nesse sentido, entendia que essas abordagens diferenciadas com a utilização de software, calculadoras gráficas ou planilha eletrônica constituíam-se em importantes contribuições para a construção dos conceitos matemáticos, bem como, para a construção do conhecimento relacionado a minha futura prática docente. Esta percepção teve sua origem em minha insatisfação por não encontrar significado em ficar resolvendo listas e listas de exercícios e problemas nas disciplinas de conteúdo específico, como em Cálculo Diferencial e Integral, Álgebra, Geometria, entre outras. Deste modo, não percebia a contribuição de tais práticas para a minha formação como futura professora de Matemática. 3 O Logo é uma Linguagem de Programação desenvolvida por Seymour Papert, matemático e pesquisador do Media Lab, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT - Massachusetts Institute of Technology). Mais informações em: 4 O Microsoft Office Excel é um programa de planilha eletrônica de cálculo escrito e produzido pela Microsoft para computadores que utilizam o sistema operacional Microsoft Windows. Seus recursos incluem uma interface intuitiva e capacitadas ferramentas de cálculo e de construção de gráficos. 5 O Modellus é um ambiente computacional que permite a construção e simulação de modelos de fenômenos físicos, químicos e matemáticos utilizando equações matemáticas que representam esses fenômenos. Disponível em: 16 A disciplina de Cálculo Diferencial e Integral era minha preferida na Graduação, visto que trabalhávamos com muitas funções que envolviam Limites, Derivadas e Integrais e em muitas situações era necessário o esboço de gráficos. Como mencionei anteriormente, na disciplina de CDI I o professor levava para todas as aulas a calculadora gráfica TI-83. Este mesmo professor ministrou a disciplina CDI II e utilizava a mesma metodologia para as aulas, explicava os conceitos e mostrava para toda a classe na calculadora gráfica os gráficos que estudávamos. Eu achava essa abordagem interessante, no entanto, como nós estudantes não tínhamos a referida calculadora, só observávamos o que acontecia, e não tínhamos a oportunidade de manipulá-la. No terceiro ano, cursei a disciplina CDI III. Nesta disciplina estudamos Integrais Duplas, Triplas, em Coordenadas Polares, Esféricas e Cilíndricas, e tínhamos que trabalhar com visualização, esboçando gráficos. Muitas das equações que envolviam estas Integrais eram difíceis de esboçar os gráficos, pois estavam definidas em 2ℜ e 3ℜ . Na maioria das vezes não conseguíamos resolver os exercícios, porque não sabíamos esboçar os gráficos. Assim, percebia que o professor responsável por essa disciplina poderia propiciar contextos de aprendizagem com o apoio dos recursos das tecnologias digitais, utilizando algum software na abordagem desses conceitos. Entretanto, entendo que o mesmo não fazia uso de tais recursos por não ter conhecimento sobre como utilizar recursos das tecnologias digitais em sala de aula na abordagem dos conceitos de Cálculo. Em 2005, finalizei o curso de Licenciatura em Matemática. No entanto, algumas inquietações oriundas da Graduação com relação à utilização, e apropriação dos recursos das tecnologias digitais por parte dos professores ainda me incomodavam. Sendo assim, entendi que minhas inquietações se inseriam em uma realidade mais abrangente, que envolvia a formação continuada de professores de Matemática. E nessa formação, meu interesse voltou- se para o conhecimento da prática6 do professor de Cálculo Diferencial e Integral no que diz respeito à utilização das tecnologias digitais em sala de aula. No ano de 2006, tomei conhecimento de uma disciplina que seria oferecida pelo programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP-Rio Claro intitulada “Sistema de Computação Simbólica e sua Aplicabilidade Didático-Pedagógica no Contexto da Educação Matemática”, que seria ministrada pela professora Rosana Giaretta Sguerra Miskulin e pelo professor Wladimir Seixas. O tema era bastante interessante, e resolvi cursá- la. Nesta disciplina, discutimos textos que abordavam a utilização das tecnologias da 6 Esta parte está explicitada no segundo capítulo. 17 informação e comunicação (TIC) no âmbito da sala de aula, bem como, trabalhamos com o software computacional Maple7. Assim nesta disciplina, percebi a relação entre o que dizia a teoria a respeito das TIC e a prática que a mesma possibilitava, ou seja, a abordagem de conceitos matemáticos com o apoio do Maple. Durante as aulas, por meio de estudos teóricos (leitura e discussão de textos) e práticos (trabalho com o Maple), passei a ver que era possível aliar a teoria à prática, e que novas estratégias para a constituição da prática docente apoiadas no uso de tecnologias eram necessárias, e que estas estratégias contribuíam com o fazer docente. Deste modo, busquei minha inserção no programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP-Campus Rio Claro. Cheguei no Programa de Pós-Graduação, de Rio Claro, em 2007 e busquei aprofundar temas referentes à Educação Matemática por meio de disciplinas8, seminários e palestras. Em 2008, ingressei no curso de Mestrado deste programa com uma proposta de investigação cujo objetivo é: identificar e compreender os aspectos conceituais e instrumentais do conhecimento da prática docente em um curso à distância de formação de professores de Cálculo Diferencial e Integral no contexto das tecnologias digitais9. Identificar e compreender o aspecto conceitual do conhecimento da prática significa entender quais os aspectos do conhecimento conceitual (do conteúdo matemático e da prática pedagógica) do professor que ensina matemática, quando estes utilizam as tecnologias digitais. Do mesmo modo, identificar e compreender o aspecto instrumental do conhecimento da prática significa entender as condições do trabalho docente, com a utilização de ambientes computacionais, os aspectos da instituição, os processos de formação, entre outros. Eis a Pesquisa A idéia central desta pesquisa surgiu das possibilidades advindas das tecnologias digitais, e da formação do professor de Cálculo Diferencial e Integral para a apropriação e 7 O Maple é um programa de computador produzido por Waterloo Maple Inc. e é um tipo de sistema conhecido como sistema de manipulação algébrica ou sistema matemático computacional que opera expressões algébricas, simbólicas, permitindo o desenho de gráficos a duas ou a três dimensões. 8 Neste período, cursei disciplinas como aluna especial. 9 Por contexto das tecnologias digitais, entendemos a prática pedagógica dos professores, o ambiente de sala de aula, os conteúdos de Cálculo Diferencial e Integral abordados em ambientes que levem em conta a utilização de recursos tecnológicos. 18 utilização destes recursos em sala de aula. Deste modo, nesta pesquisa buscamos identificar e compreender os aspectos conceituais e instrumentais do conhecimento da prática docente em um curso à distância de formação de professores de Cálculo Diferencial e Integral no contexto das tecnologias digitais, ou seja, buscamos compreender quais aspectos do conhecimento da prática inter-relacionam a utilização dos recursos das tecnologias digitais pelo professor de Cálculo Diferencial e Integral em sua prática pedagógica. A busca desta compreensão é orientada pela questão diretriz: Quais são os aspectos conceituais e instrumentais do conhecimento da prática docente do professor de Cálculo Diferencial e Integral no contexto das tecnologias digitais? O desenvolvimento desta pesquisa iniciou-se com a busca de investigações e estudos de pesquisas, que abordam temas como: o processo de ensino e aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral, abordagem de conceitos de Cálculo Diferencial e Integral em ambientes permeados pelas tecnologias digitais, e a formação do professor de Matemática para o uso das tecnologias digitais. Ao nos debruçarmos sobre estas pesquisas assinalamos que: existem vários trabalhos que apontam para as dificuldades dos alunos ao estudarem Cálculo Diferencial e Integral, e alguns destes sugerem a utilização de recursos tecnológicos para a abordagem dos conceitos relacionados a esta disciplina. Porém, poucos trabalhos discutem a formação do professor de Matemática que trabalha com a disciplina Cálculo Diferencial e Integral no contexto das tecnologias digitais. Assim, entendo que uma aula de Cálculo que leve em conta a utilização de tais recursos não se constitui em uma tarefa simples, nem tampouco em uma mudança instantânea, ou seja, não se espera que o professor mude sua prática de uma hora para a outra, mas que seja propiciado a ele momentos de formação continuada que possibilitem ao mesmo repensar sua prática atrelada ao uso das tecnologias informáticas. Justificativa e Relevância da Pesquisa Nos últimos anos têm se verificado uma maior abertura para a discussão em torno das dimensões da Educação e da Educação Matemática, quer seja em congressos ou em eventos voltados a estas áreas10. Tais mudanças verificadas na área da Educação têm como mote as necessidades do mundo atual, que são transportadas à escola. Em face dessas mudanças, a 10 Convém ressaltarmos que nesta Introdução já consta parte da revisão da Literatura sobre a temática desenvolvida na presente pesquisa. 19 escola hoje deixou de ser um local onde apenas se transmitem conhecimentos e, em conseqüência, a função do professor nessa escola em processo de mudança está também se modificando. Desse modo, em função das inúmeras transformações que se impõem diariamente e do acelerado avanço da tecnologia, a prática pedagógica vem se transformando e se adequando ao novo cenário que se instaura. Esse novo cenário exige que o professor esteja preparado para promover o desenvolvimento do aluno e criar condições, para que ele possa interagir com o meio no qual estiver inserido (RICHIT, 2005). Esse processo de mudança e renovação está relacionado a uma reorganização de conteúdos trabalhados, a uma transformação de metodologias pedagógicas, redefinição de teorias de ensino, um novo papel da escola com relação à sociedade e uma nova postura do docente (MISKULIN, 1999). Nesse contexto, a prática docente, em particular na área de Matemática, não pode ser subsidiada somente pela utilização de quadro negro e giz e do livro didático. Ela se processa por meio de uma aproximação entre o conteúdo curricular da escola e a realidade do aluno, pois quando este vem para a escola já possui certa bagagem cultural e intelectual e cabe ao professor dar condições para que este conhecimento seja desenvolvido e constituído. [...] o professor deve oferecer aos seus alunos verdadeiros cenários de aprendizagem, cenários esses que possam propiciar o resgate a liberdade do sujeito, o desenvolvimento de um indivíduo crítico, consciente e livre. Professores devem proporcionar cenários de pesquisas, com elaboração de projetos que estejam inter- relacionados com os problemas do dia-a-dia de seus alunos, da sociedade e do país. E, desse modo, estarão possibilitando e desenvolvendo uma Educação que leva em conta as transformações da sociedade, os aspectos importantes do país e, conseqüentemente, os seus alunos estarão, cada vez mais aptos, para o mercado de trabalho e para a vida futura (MISKULIN, 1999, p.59). Frente a isso, entendemos que é possível e, também, necessário que a prática pedagógica leve em conta a investigação dos recursos das tecnologias digitais11 no contexto didático – pedagógico. Assim, cada vez mais as tecnologias vêm ganhando espaço em nossas salas de aula, por meio da utilização de calculadoras simples, calculadoras científicas e gráficas, uso de softwares, jogos eletrônicos e Internet, visto que fora da escola tais recursos são utilizados em situações do cotidiano. Nesse sentido, a utilização destes recursos possibilita a criação de cenários de investigação onde os alunos podem investigar conceitos matemáticos (MISKULIN, 1999, D’AMBROSIO, 1990). Entretanto, novos desafios se 11 Estamos considerando tecnologias digitais como sinônimo de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). 20 apresentam à prática docente decorrente da presença e inserção das TIC na Educação. Penteado (1999, p.298) argumenta que em geral o professor enfrenta os desafios impostos pela profissão e busca criar alternativas, porém a introdução do computador na escola altera os padrões nos quais ele, usualmente desenvolve sua prática. São alterações no âmbito das emoções, das relações e condições de trabalho, da dinâmica da aula, da reorganização do currículo, entre outras. Desta maneira, o professor pode transpor esses desafios ao interagir com estes recursos investigando as suas potencialidades. Também, é possível proporcionar à sala de aula, trabalho em grupos, desenvolvendo projetos como uma nova forma de ensinar e aprender, diferente das práticas pedagógicas tradicionais. Essa nova prática compreende “uma prática que possa integrar o uso da informática nas atividades de sala de aula, criando situações de aprendizagem que enfatizam o processo reflexivo e investigativo do aluno na construção do conhecimento” (VALENTE, 2003, p.23). Partindo dessa premissa, a definição de prática docente pressupõe diferentes “imagens” da relação entre o conhecimento e a prática do professor e do próprio conhecimento do professor, relacionando-o à sua essência e à sua origem, levando a concepções distintas sobre a prática, o ensino, a aprendizagem, o papel do professor, a formação e o desenvolvimento profissional (COCHRAN-SMITH e LYTLE, 1999a). Sendo assim, a prática do professor pode ser entendida através da inter-relação do conhecimento e da prática. Cochran-Smith e Lytle (1999a) nos explicitam distinções entre três concepções de aprendizagem de professores: “conhecimento para prática”, “conhecimento na prática” e “conhecimento da prática” (p.250). Levando em consideração que a presente investigação busca identificar e compreender os aspectos conceituais e instrumentais do conhecimento da prática docente em um curso à distância de formação de professores de Cálculo Diferencial e Integral no contexto das tecnologias digitais, entendemos que a aprendizagem do professor, concebida como a inter- relação do conhecimento e da prática em CDI, pode ser categorizada em uma das concepções de aprendizagem de Cochran-Smith e Lytle (1999a). A busca desta compreensão é orientada pela questão diretriz: “Quais são os aspectos conceituais e instrumentais do conhecimento da prática docente do professor de Cálculo Diferencial e Integral no contexto das tecnologias digitais?” – adotaremos na presente pesquisa a concepção teórica “conhecimento da prática” das autoras supracitadas. Diante disso, faz-se necessário que os professores, em diversos níveis, sejam capacitados para interagir e dominar espaços permeados pelas tecnologias digitais, como uma 21 forma de promover sua formação, por meio de compartilhamento de experiências com professores de outras realidades, ou orientando seus alunos. Mariano (2008) a esse respeito preconiza que [...] o professor deverá receber uma formação que forneça subsídios para que ele saiba como agir diante de tais dificuldades. Nesse aspecto, as TICs podem auxiliar o professor no processo de Formação Continuada a partir de cursos a distância online. [...] pode-se observar que a utilização de TICs como cursos online nessa formação podem ser um ambiente propício ao compartilhamento de idéias e práticas docentes além de provocar reflexões nos professores sobre suas próprias ações em sala de aula (p.152). Com essa proposta, esperamos contribuir com as discussões que permeiam a comunidade de educadores matemáticos no que se refere aos conceitos de Cálculo Diferencial e Integral, e pedagógico, relacionado ao exercício da prática docente no contexto da utilização pedagógica das tecnologias digitais na sala de aula. Estrutura e Organização da Dissertação A presente pesquisa constitui-se de Introdução e cinco Capítulos, articulando um trabalho que envolve ensino e aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral, Tecnologias da Informação e Comunicação e Formação Continuada de Professores. Com essas perspectivas essa pesquisa está assim organizada. No Capítulo I, apresentamos alguns aspectos históricos relacionados ao desenvolvimento do Cálculo Diferencial e Integral, objetivando apontar fatos importantes, que permearam o processo de construção e constituição do Cálculo. Na seqüência tecemos algumas considerações a respeito dos processos de ensino e aprendizagem de Cálculo e suas problemáticas e, posteriormente, elencamos aspectos relacionados à utilização das tecnologias digitais na abordagem de conceitos de Cálculo, fundamentando-se em pesquisas que abordam esta temática. No Capítulo II, apresentamos o movimento de Introdução e Disseminação das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no contexto da educação brasileira bem como os países que exerceram forte influência neste processo. Na seqüência do capítulo, discutimos a prática docente do professor de Matemática, elucidando questões relativas ao processo de formação continuada de professores, inter-relacionando as tecnologias digitais e a formação profissional docente. 22 No Capítulo III, apresentamos a Metodologia de Pesquisa, seguindo uma abordagem Qualitativa de caráter interpretativo. Iniciamos este capítulo apontando algumas perspectivas relacionadas à Pesquisa Qualitativa no âmbito da Educação Matemática. Na seqüência, apresentamos o Cenário de Estudo e Investigação o qual compreende o Curso de Extensão, os participantes - sujeitos da pesquisa e as tecnologias que possibilitaram o desenvolvimento do Curso (a plataforma TelEduc e o software GeoGebra). Finalizando o capítulo, apresentamos os dados da pesquisa, sendo estes oriundos das diferentes ferramentas do TelEduc, tais como: Fichas de Inscrição, Ferramenta Perfil do TelEuc, sessões de Bate-Papo, Fóruns de Discussão, Avaliação do Curso e Questionário12. Após a apresentação da Metodologia de Pesquisa, no Capítulo IV, apresentamos a Análise dos Dados, procedendo diálogos desses dados com a literatura sobre conhecimento da prática do professor que ensina Matemática abordada nesta pesquisa. Finalizando, no Capítulo V apresentamos as Considerações Finais por meio de uma articulação da pergunta norteadora, e o que se mostrou significativo na Análise dos Dados da presente pesquisa. 12 Estes dados foram categorizados de acordo com os diferentes momentos da pesquisa. De modo específico, apresentamos esta categorização dos dados no Capítulo III. CAPÍTULO I CÁLCULO DIFERENCIAL E INTEGRAL E AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO O tratamento algébrico dado ao longo dos anos nos cursos de Cálculo em muitas situações não priorizou tratamentos gráficos e ou numéricos (tabelares) em função das dificuldades que estes métodos gerariam em sala de aula, visto a ausência de equipamentos e programas adequados a este estudo e, portanto, a conseqüente dificuldade no tratamento dos problemas que envolvessem tal análise. Porém, atualmente, o computador com programas com interfaces "amigáveis" e possuidor de inúmeros recursos gráficos, numéricos e algébricos, assume o papel de facilitador de tarefas, trazendo uma flexibilidade no tratamento de dados aos alunos e professores e proporcionando a possibilidade de representações múltiplas de um mesmo problema. Guimarães Neste Capítulo apresentamos alguns aspectos relacionados ao histórico do desenvolvimento do Cálculo Diferencial e Integral13. Na seqüência, tecemos algumas considerações a respeito dos processos de ensino e aprendizagem de Cálculo e suas problemáticas e, posteriormente, elencamos aspectos relacionados à utilização das tecnologias digitais14 na abordagem de conceitos de Cálculo, fundamentando-se em pesquisas que abordam esta temática. 1.1. Desenvolvimento do Cálculo Diferencial e Integral: Um pouco de História Nesta Seção, apresentamos uma perspectiva do desenvolvimento do Cálculo15, a fim de propiciar ao leitor um panorama a respeito desta disciplina. Para tanto, apontamos fatos importantes que permearam o processo de construção e constituição do Cálculo, bem como resgatamos o aspecto geométrico do Cálculo por meio dos recursos das tecnologias digitais. Rego (2000) fundamentado em Boyer (1974), Caraça (1984) e Stillwell (1994) pontuam que os principais conceitos de Cálculo empregam métodos, e utilizam-se de noções 13 Quando nos referimos ao Cálculo Diferencial e Integral, utilizaremos apenas Cálculo. 14 Estamos considerando tecnologias digitais como sinônimo de Tecnologias da Informação e Comunicação. 15 Parte das informações que ora apresentamos sobre o desenvolvimento e constituições do Cálculo foram retiradas dos seguintes endereços: http://ecalculo.if.usp.br/historia/historia_derivadas.htm e http://pt.wikiversity.org/wiki/Introdução_ao_Cálculo/Introdução. 24 como: infinitamente pequeno e infinitamente grande. Ao longo da história, a idéia do infinito pode ser encontrada no estudo do problema do movimento e em problemas que envolvem o cálculo das razões entre grandezas de segmentos. Nesse período, denominado por Boyer (1974) de Idade Heróica da Matemática, que compreendeu o século V a.C. até os dias de Platão (428 – 348 a.C), estudavam-se problemas matemáticos que contavam com alto grau de dificuldade e poucos recursos teóricos para solucioná-los. Assim, o processo de construção e constituição do Cálculo contou com a contribuição de vários matemáticos, mesmo que de forma imprecisa ou não rigorosa, os quais já faziam uso de conceitos de Cálculo para resolver vários problemas matemáticos, como, por exemplo, Cavalieri, Barrow, Fermat e Kepler. Nesta época, não havia ainda uma sistematização do Cálculo, no sentido de uma construção logicamente estruturada. Desse modo, a união das partes conhecidas e utilizadas até então, aliadas ao desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas, aconteceu com Newton e Leibniz e deram origem aos conceitos mais importantes do Cálculo: a Derivada e a Integral. A história e o desenvolvimento do Cálculo deu-se em períodos distintos, de forma notável nas eras antiga, medieval e moderna. Além disso, o Cálculo pode ser dividido em duas partes: uma relacionada às Derivadas ou Cálculo Diferencial, e a outra parte relacionada às Integrais, ou Cálculo Integral, porém não seguindo esta mesma ordem. Eves (1995), a esse respeito, salienta que, É curioso que o desenvolvimento histórico do cálculo seguiu a ordem contrária à daquela dos textos e cursos básicos atuais sobre o assunto: ou seja, primeiro surgiu o cálculo integral e só muito tempo depois o cálculo diferencial. A idéia de integração teve origem em processos somatórios ligados ao cálculo de certas áreas e certos volumes e comprimentos. A diferenciação, criada bem mais tarde, resultou de problemas sobre tangentes a curvas e de questões sobre máximos e mínimos. Mais tarde ainda, verificou-se que a integração e a diferenciação estão relacionadas entre si, sendo cada uma delas operação inversa da outra (EVES, 1995, p. 417). Assim, foi na era antiga que algumas idéias do Cálculo Integral foram introduzidas, embora não tenha havido um desenvolvimento dessas idéias de forma rigorosa e sistemática. Os primeiros passos do Cálculo Integral nesta era baseavam-se no cálculo de volumes e áreas. Um papiro egípcio de Moscow datado do ano 1800 a.C., mostra como um egípcio trabalhou o volume de um “frustum16” piramidal. Entretanto, outros métodos também foram utilizados para o cálculo de áreas e volumes, como por exemplo, por Eudoxo (370 a.C.) o qual admitia “que uma grandeza poderia ser subdividida indefinidamente” (EVES, 1995, p. 419). 16 Frustrum é a parte (bocado, pedaço) de um sólido que se encontra entre dois planos paralelos que cortam esse sólido. Mais informações em: http://mathworld.wolfram.com/Frustum.html 25 Outros matemáticos, como Arquimedes (287-212 a.C.) levaram estas idéias adiante, inventando a heurística, que se aproxima do Cálculo Integral. Tempos depois, este método foi novamente redescoberto na China por Liu Hui no século III d.C. que o utilizou para encontrar a área do círculo. Além disso, foi utilizado para calcular o volume de uma esfera por Zu Chongzhi no século V d.C (REGO, 2000). Já no século XII o matemático persa Sharaf al-Din al-Tusi descobriu a derivada de polinômios cúbicos, um resultado importante no Cálculo Diferencial. Contudo, o aparecimento e desenvolvimento do Cálculo Diferencial estão intimamente ligados à questão das retas tangentes. Desde a época dos gregos antigos, a reta tangente era entendida como sendo uma reta que intercepta uma curva em um único ponto. Apolônio e Arquimedes utilizavam-se de métodos geométricos para determinar as tangentes as parábolas, elipses e hipérboles (EVES, 1995). O interesse por tangentes a curvas reapareceu no século XVII como parte do desenvolvimento da Geometria Analítica. Neste período, houve um aumento significativo da quantidade e variedade de curvas estudadas quando comparadas a época clássica, visto que equações eram utilizadas para representar tais curvas. Com isso, houve a introdução de símbolos algébricos para estudar a Geometria das curvas, o que contribuiu para o desenvolvimento do conceito de Derivada. Essa introdução de símbolos, com o tempo, tornou o tratamento da reta tangente à curva mais algébrico do que geométrico, e isto propiciou um contínuo progresso no desenvolvimento dos conceitos de Funções, Derivadas, Integrais e outros tantos tópicos que temos hoje relacionados ao Cálculo (EVES, 1995). Na segunda metade do século XVII a Europa foi marcada por um período de grandes inovações, e o Cálculo possibilitou oportunidades a Física e a Matemática de solucionar problemas muito antigos, que antes do advento do Cálculo não haviam sido solucionados. Contudo, coube a Leibniz e Newton recolher todas as idéias dos diversos matemáticos, que ao longo do tempo debruçaram-se sobre diferentes problemas e juntá-las em um corpo teórico que viria a constituir o que hoje conhecemos como Cálculo. Dessa forma é atribuído a ambos a simultânea e independente invenção do Cálculo. Historicamente, Newton foi o primeiro a aplicar o Cálculo à Física para estudar o movimento, ao passo que Leibniz não estudou o movimento para chegar aos conceitos de Derivada e Integral, e introduziu a notação 26 dy/dx utilizada até os dias de hoje. A invenção do Cálculo é atribuída a Leibniz e Newton porque ambos chegaram de maneiras distintas ao teorema fundamental do Cálculo17. Entretanto, foi Leibniz quem deu o nome de Cálculo à nova disciplina, que hoje conhecemos muito bem, enquanto Newton a chamara de “A ciência dos fluxos”. Mas o desenvolvimento do Cálculo não parou com as descobertas de Leibniz e Newton, pois outros matemáticos vêm contribuindo para o seu desenvolvimento. No século XIX, o Cálculo foi tratado de forma muito mais rigorosa pelos matemáticos Cauchy, Riemann e Weierstrass. Segundo Eves (1995, p. 531) Deve-se a Cauchy grande parte da abordagem do cálculo apresentada nos atuais textos universitários, como os conceitos básicos de limite e continuidade. Cauchy definiu a derivada de y = f(x) em relação a x como o limite, quando 0→∆x , da razão x xfxxf x y ∆ −∆+= ∆ ∆ )()( . Ainda nesse viés, A par dessa rigorização da matemática, verificou-se uma tendência no sentido da generalização abstrata, um processo que se tornou muito pronunciado nos dias de hoje. E no século XIX talvez nenhum matemático tenha contribuído tanto para esse aspecto da matemática quanto Georg Friedrich Bernhard Riemann. Ele certamente exerceu uma influência profunda em vários ramos da matemática, em particular geometria e teoria das funções, e poucos matemáticos deixaram a seus sucessores um legado de idéias tão rico para desenvolvimentos posteriores (EVES, 1995, p. 613). Nessa época, também, algumas idéias do Cálculo foram generalizadas ao espaço euclidiano e ao plano complexo. Mais tarde coube a Lebesgue generalizar a noção de Integral. Assim, de acordo com Javaroni (2007), Guimarães (2002) e Morelatti (2001), a disciplina de Cálculo configura-se atualmente como uma disciplina muito bem estruturada e faz parte do conjunto de disciplinas de diversos cursos seguindo uma abordagem com poucas aplicações e exercícios padrões. Sendo assim, percebemos hoje que o Cálculo assume um caráter mais algébrico, aspecto esse que o distancia e muito do início de seu desenvolvimento, o qual tinha um caráter mais geométrico. Esse tratamento algébrico dado ao Cálculo tem causado algumas problemáticas em seus processos de ensino e aprendizagem (BARBOSA, 2009, OLIMPIO JUNIOR, 2005, MARIN, 2009). Destarte, na próxima seção, apontamos algumas problemáticas relacionadas aos processos de ensinar e aprender Cálculo Diferencial e Integral. 17 O Teorema fundamental do Cálculo diz que: Se f for integrável em [a, b] e se F for uma primitiva de f em [a,b], então ∫ −= b a aFbFdxxf )()()( (GUIDORIZZI, 2001, p.305). 27 1.2. Problemáticas relacionadas ao Ensino e Aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral Como mencionamos na Seção anterior, o Cálculo hoje faz parte do currículo de diversos cursos e sua abordagem está pautada no rigor imposto pela apresentação de conceitos, e na resolução de listas e listas de exercícios de caráter puramente algébrico e mecânico, sem levar em conta o significado de tais conceitos. Em conseqüência, discussões à respeito dos processos de ensino e aprendizagem do Cálculo têm sido disparadas. Tais discussões e preocupações, geralmente emergentes de professores e pesquisadores envolvidos com essa disciplina, têm como mote os altos índices de reprovação dos estudantes na referida disciplina (MORELATTI, 2001, PALIS, 1995, OLIMPIO JUNIOR, 2005 e FARIAS, 2007). Desse modo, o ensino e a aprendizagem de Cálculo tem se constituído em tema de pesquisas, que são apresentadas em diversos eventos e materializadas em teses, dissertações e artigos que abordam esta temática, quer seja em âmbito nacional ou internacional, a partir da década de 1980. A literatura nos mostra que a problemática do ensino de Cálculo “não é um problema localizado” e que na verdade, trata-se de uma problemática que está presente em várias instituições brasileiras e também do exterior (Marin, 2009). Além dos altos índices de reprovação, outras problemáticas relacionadas ao ensino de Cálculo têm sido evidenciadas. Marin (2009, p.26), em sua dissertação de mestrado, traz uma interessante síntese de algumas causas relacionadas a problemática do ensino e aprendizagem do Cálculo baseado nos trabalhos de Koga (1998), Palis (1995) e Nasser (2004). As mais citadas de acordo com o autor são: � Cálculo é uma disciplina de transição entre o ensino médio e o ensino superior; � Cálculo, por ser uma disciplina que, em muitas universidades, está no primeiro semestre e possui grande número de alunos em sala de aula; � a alta deficiência pela maioria dos alunos ao entrar na universidade, oriunda da sua formação anterior tem prejudicado seu desempenho nas etapas seguintes; � o aluno vem com formação precária do ensino médio então o professor tenta sanar algumas dificuldades e acaba condensando os conteúdos que devem ser ministrados na disciplina porque a carga horária é insuficiente e com isso compromete esta e outras disciplinas que dependem do Cálculo; � o professor que ministra aula no curso superior, principalmente em universidades privadas, trabalha como horista e, muitas vezes, ministra muitas aulas em mais de uma universidade não tendo tempo de entrar em contato com novas práticas pedagógicas; � a grande quantidade de matéria a ser exposta, faz com que a aula siga um ritmo acelerado, havendo pouco espaço para o aluno pensar e questionar. 28 Segundo Morelatti (2001), a aprendizagem do Cálculo tem sido ao longo dos anos um problema para estudantes de cursos universitários da área das Ciências Exatas. Esta disciplina é bastante conhecida por seu alto índice de reprovação e evasão e, talvez, por este motivo, além de contar com pouca simpatia dos alunos, causa-lhes certa apreensão em relação à disciplina e uma expectativa negativa, predispondo-os assim, ao insucesso. A autora supracitada pontua, ainda, que a metodologia utilizada pela maioria dos docentes desta disciplina prioriza a “aula expositiva (centrada na fala do docente), e os conceitos são apresentados aos estudantes como verdades inquestionáveis, como algo pronto e acabado, sem a menor preocupação de torná-los significativos para o estudante”. Após a exposição do conteúdo pelo professor, os alunos resolvem mecanicamente uma série de exercícios que enfatizam técnicas de resolução, em vez de conceitos ou estratégias de resolução. Aulas tradicionais, pautadas apenas na exposição e apresentação dos conteúdos, dificilmente estimula e favorece a aprendizagem dos estudantes, pois, o aluno acaba não se envolvendo afetivamente com a disciplina, e muitas vezes questionam sua importância dentro do curso por não entenderem suas finalidades e suas aplicações práticas. Morelatti destaca, ainda, que tais questionamentos estão intimamente relacionados à forma descontextualizada com que o conteúdo desta disciplina é trabalhado, na maioria das vezes não apresentando conexão com fatos cotidianos dos estudantes. Entretanto, durante os anos 1980, surgiu entre muitos matemáticos uma crescente preocupação com a qualidade da aprendizagem dos alunos no Cálculo. Isto conduziu ao movimento da Reforma do Cálculo nos Estados Unidos, propondo a integração da tecnologia como uma maneira de tornar os conceitos mais significativos para um maior número de estudantes. Diversos países, cada um ao seu modo, trabalharam para integrar a tecnologia em seus programas de aprendizagem e na cultura deles. Por exemplo, revisões periódicas do currículo na França voltaram à atenção para o uso da tecnologia na transição à matemática universitária (ARTIGUE, 1990) e, na Grã-Bretanha, a Associação de Matemática (1992) centrou-se no uso de computadores em sala de aula (TALL, SMITH e PIEZ, 2008). Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Rego (2000) também afirma que houve, nesse sentido, o financiamento de vários projetos e experimentos, os quais enveredaram para o uso de calculadoras e computadores. Reitera, ainda, que houve também experiências que envolviam mudanças de metodologias como “estudo em grupo, modelagem e resolução de problemas”. Ainda com relação à reforma do Cálculo, Olimpio Junior preconiza que 29 O movimento da chamada Reforma no Ensino de Cálculo, por exemplo, iniciado no ano de 1986, nos Estados Unidos, foi motivado por vários fatores (TUCKER; LEITZEL, 1993), dentre os quais se destacam a compreensão conceitual dos temas inerentes à disciplina, as questões pragmáticas ligadas à sua aplicabilidade em outros campos profissionais e aos baixos índices de aproveitamento constatado em sua aprendizagem. No entanto, mesmo após essa iniciativa, Keith (1991, p. 6) continuava apontando que apenas 40% dos estudantes eram aprovados em Cálculo com conceito igual ou superior a D (aproximadamente igual a 4 numa escala de 0 a 10). Da mesma forma, Confrey e Costa (1996), cinco anos depois, surpreenderam-se com o índice de reprovação na disciplina variando de 17 a 22%, neste caso sem considerar os que desistiam da disciplina até quatro semanas antes do seu término, índices esses que têm permanecido estáveis ao longo dos últimos anos. Em resumo, mesmo com as novas orientações implementadas a partir da Reforma do Cálculo, as dificuldades na disciplina, principalmente no caso do(a)s aluno(a)s ingressantes nas universidades, continuaram se caracterizando naquele país como mais um persistente elemento no já complexo quadro do ensino e da aprendizagem Matemática( 2005, p. 02-03). Com essas perspectivas, as mudanças atinentes ao ensino de Cálculo ancoradas no movimento da Reforma do Cálculo sugerem: i) mudança no foco do ensino de Cálculo, atentando para idéias fundamentais ao invés de enfatizar regras, técnicas e procedimentos; ii) mostrar a importância e aplicação do Curso de Cálculo em diversas áreas do conhecimento bem como no campo de Educação Matemática e iii) introdução das tecnologias da informação e comunicação no currículo de Cálculo (FRID, 1994, apud REGO, 2005). Porém, ao sugerirmos que o processo de ensino e aprendizagem de Cálculo necessita ser modificado de acordo com o que propõe a Reforma do Cálculo, não estamos sugerindo que os cursos de Cálculo devam simplesmente ser modernizados no sentido de utilizar calculadoras gráficas, computadores, softwares ou quaisquer recursos das tecnologias informáticas de representação gráfica. Entendemos que em um curso moderno de Cálculo, os CAS (Computer Algebra System) ou demais recursos tecnológicos não transformarão estudantes com grandes dificuldades em matemática em grandes matemáticos, mas estes podem proporcionar melhores entendimentos acerca dos conceitos estudados. De acordo com Miskulin, Escher e Silva (2007), a implementação de atividades que levem em conta a utilização de recursos tecnológicos, resgata a exploração de conceitos matemáticos por meio de uma abordagem metodológica diferenciada que auxilia no processo de exploração, visualização e representação do conceito matemático. Assim, considerando a natureza dinâmica do Cálculo, acreditamos que esta característica dificilmente seja trabalhada em um ambiente tradicional de ensino, no qual priorizam-se estudos de natureza algébrica, onde o foco das atividades centra-se na busca de soluções para os problemas apresentados, expressas por fórmulas fechadas e técnicas específicas para resolução de determinados problemas. Nesse sentido, entendemos que o 30 computador propicia um contexto de investigação para o aprendizado matemático, como sugerem vários autores, assim como: [...] o computador pode ser tanto um reorganizador quanto um suplemento nas atividades dos estudantes para aprender Matemática, dependendo da abordagem que eles desenvolvam nesse ambiente computacional. Do tipo de atividades propostas, das relações que for estabelecida com o computador, da freqüência no uso e da familiaridade no uso e da familiaridade que se tenha com ele (Villarreal, 1999, p.362). Ademais, ao utilizarmos a Informática no âmbito educacional, o foco dos processos de ensino e aprendizagem não está somente nos procedimentos utilizados para solucionar determinado problema, mas, também, na aprendizagem visto que a utilização dos recursos das tecnologias digitais pode conduzir os estudantes a modos diferentes de pensar e produzir conhecimentos. Esses conhecimentos podem ser favoráveis à compreensão destes e envolvem aspectos como a visualização, a simulação, o aprofundamento do pensamento matemático, conjecturas e validações por parte dos alunos, entre outros. Scucuglia (2006) aponta que o processo de experimentação e investigação é mais evidente em contextos que se fazem presentes recursos informáticos e que, além disso, a utilização de tais recursos pode redefinir a abordagem tradicional dada aos conceitos de Cálculo. A este respeito, o autor supracitado evidencia que Pautando-se nessa abordagem de caráter experimental, condicionada por potencialidades das tecnologias informáticas, estudantes podem investigar temas matemáticos com base em argumentações que privilegiam as inferências abdutivas, isto é, um enfoque que potencializa a abordagem dos conceitos a partir desses diversos tipos de inferências e que é ressonante com disciplinas de caráter empírico, sendo assim indicada a estudantes de cursos de física, ciências biológicas, química, ecologia, etc (p.109). Como mencionado ao longo deste capítulo, a utilização das tecnologias informáticas na abordagem de conceitos de Cálculo tem se mostrado eficiente, e apontado algumas mudanças na qualidade de ensino e aprendizagem desta disciplina. Na seqüência, apresentamos alguns aspectos relacionados à utilização das tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem de Cálculo, balizadas em teses e dissertações, artigos e capítulos de livros que abordam esta temática. 1.3. Tecnologias da Informação e Comunicação e o processo de Ensino e Aprendizagem de Cálculo Diferencial e Integral 31 O Cálculo caracteriza-se como umas das grandes realizações da humanidade cujas idéias foram desenvolvidas há aproximadamente 350 anos. Ao longo desses três séculos, o estudo de Cálculo foi enriquecido por novas metodologias, apresentação de abordagens teóricas e pelas estruturas da opinião de gerações sucessivas, começando com as concepções originais de Leibniz e de Newton sobre infinitesimais e limites. Atualmente temos uma variação de métodos formais modernos, a partir de abordagens intuitivas que caminham para abordagens numéricas, simbólicas e gráficas, culminando nas teorias que vão desde a análise formal do epsilon-delta, que “expulsam” infinitesimais, à análise não padronizada. O resultado é uma larga escala de pontos de vista a respeito de como o Cálculo deve ser concebido e ensinado (TALL, SMITH e PIEZ, 2008). De acordo com Tall, Smith e Piez (2008), de todas as áreas da matemática escolar, o Cálculo recebeu a maior parte do interesse e do investimento no uso da tecnologia. Iniciativas no mundo inteiro têm trabalhado nesse sentido e criado softwares gráficos para explorar conceitos de Cálculo, como os CAS Mathematica18, Maple19, Derive20, Theorist21 e Mathcad22, entre outros. Além disso, esses autores dizem que essas iniciativas surgiram por diversos motivos, podendo-se destacar a insatisfação dos estudantes frente à abordagem tradicional do Cálculo e, também, pelo fato da tecnologia estar disponível, de modo que a mesma deveria ser utilizada. Sendo assim, muito se tem falado na introdução, disseminação e utilização das tecnologias digitais na disciplina de Cálculo, pois tal abordagem tem se mostrado relevante neste sentido. Palis (1995) destaca a importância das tecnologias digitais no ensino e aprendizagem de Cálculo apontando que [...] tem-se constatado que algumas mudanças na qualidade do aprendizado dos alunos ocorrem simplesmente porque eles participam mais ativamente em aulas ou trabalhos apoiados em computadores e/ou calculadoras, seguem o curso mais de perto e fazem mais perguntas, do que em ambientes de ensino tradicionais (p.25). A esse respeito, Tall, Smith e Piez (2008) reiteram que os primeiros anos de utilização da tecnologia no Cálculo foram caracterizados pelo entusiasmo esperançoso, e com base na pequena documentação sobre o verdadeiro sucesso dessas novas idéias. O sistema era complexo, e os efeitos mais amplos das mudanças levariam vários anos para se tornar aparentes. Contudo, nos últimos anos, as avaliações das reformas e da investigação sobre a 18 http://www.wolfram.com/products/mathematica/newin7/ 19 http://www.maplesoft.com/ 20 http://www.sciencecentral.com/site/501660 21 http://www.livemath.com/ 22 http://www.ptc.com/products/mathcad/ 32 aprendizagem do Cálculo começaram a dar algumas respostas sobre os efeitos do uso da tecnologia no ensino e aprendizagem de Cálculo, efeitos estes que assumem um caráter positivo, negativo ou neutro. Ainda, os autores apontam que no início dos anos 1980, gráficos de alta resolução gráfica trouxeram novas abordagens para o Cálculo, as quais foram concebidas para ajudar a visualizar idéias matemáticas, visto que uma abordagem visual empregando gráficos ajuda no entendimento de conceitos sem comprometer o uso da simbolização correspondente. Entretanto, comentam que os gráficos podem muitas vezes ser muito diferentes e as suas representações gráficas não contribuírem para uma imagem verdadeira e completa da função em estudo. Igualmente, esses autores asseguram que a utilização de um software permite ao estudante que, por meio de comandos, este explore ativamente determinado conceito ao invés de escrever cálculos meramente processuais e sem sentido para o estudante. Além disso, possibilita uma abordagem completamente diferente para a aprendizagem, marcando a transição entre a ação física (interação do estudante com a tecnologia) e a representação matemática. Acerca desta questão, existe um grande conflito. Por um lado os matemáticos formais defendem e preocupam-se com o formalismo subjacente ao Cálculo, e por outro, educadores matemáticos preocupam-se com o significado que os estudantes constroem acerca dos conceitos inerentes a ele. Reconhecemos os dois lados desta questão e não estamos defendendo que uma abordagem seja melhor que a outra, mas que ambas as abordagens são complementares. Neste viés, reconhecemos a importância da formalização dos conceitos referentes ao Cálculo Diferencial e Integral, mas também a compreensão destes conceitos viabilizada pelos recursos tecnológicos. Tall, Smith e Piez (2008) sustentam que existem duas maneiras de sair deste dilema, sendo que uma delas seria uma prática docente que privilegiasse uma visão meramente formal e lidasse exclusivamente com símbolos matemáticos e demonstrações do Cálculo. A segunda poderia propiciar ou “educar” a intuição visual dos estudantes. A partir disso, os professores poderiam criar contextos em que os estudantes pudessem construir idéias visuais para a compreensão de definições formais e estas, por sua vez, gerar imagens mentais de conceitos formais para, posteriormente, serem traduzidas em provas formais com a abstração da Matemática. Os referidos autores salientam, ainda, que este último tem sido implementado por meio da tecnologia e tem levado a diferentes abordagens para o Cálculo. Acrescentam, 33 também, que inúmeras pesquisas têm comprovado o fracasso dos estudantes frente à abordagem formal dada ao ensino de Cálculo, o qual pode ser verificado nos altos índices de reprovação e evasão dos estudantes nesta disciplina (GUIMARÃES, 2002; PALIS, 1995; FARIAS, 2007). A partir do exposto, percebemos que aulas de Cálculo pautadas no formalismo, onde o professor escreve e o aluno simplesmente copia, ou seja, o aluno apenas memoriza de maneira mecânica os exercícios, os conceitos ou demonstrações, não possibilitam que o estudante seja capaz de atribuir significado mais amplo (além do aspecto algébrico, o geométrico) ao conhecimento vinculado ao Cálculo. Nesse sentido, entendemos que o estudante desenvolve outras habilidades, além de lidar com equações, com exercícios e com uma simbologia própria do Cálculo, quando ambientes de aprendizagem que levam em conta recursos das tecnologias digitais forem a eles propiciados (JAVARONI, 2007; BARBOSA, 2009) Assim, a importância que o uso das tecnologias digitais tem assumido no currículo do ensino de Cálculo, pode ser verificada no crescente número de pesquisas que têm sido desenvolvidas, contemplando o ensino de Cálculo integrado ao uso das tecnologias digitais. Para melhor compreendermos como os recursos das tecnologias digitais têm sido introduzidos, e utilizados nos processos de ensino e aprendizagem de Cálculo, retrataremos a seguir, algumas pesquisas que abordam esta temática. No que segue, apresentamos as potencialidades dos CAS (Computer Algebra System), entre outros recursos informáticos, trazendo com eles a possibilidade de remover o “fardo” de manipulação de símbolos, para permitir que os estudantes se concentrem na busca e formulação de soluções que lhes possibilite a compreensão dos conceitos envolvidos nessa manipulação de símbolos. A literatura de pesquisa a qual nos remetemos será considerada para evidenciar este ponto de vista, essencialmente no que diz respeito ao fato de que abordagens bem projetadas, utilizando recursos das tecnologias digitais podem produzir “ganhos” 23 consideráveis nos processos de ensinar e aprender Cálculo. Olimpio Junior (2005), em sua tese de doutorado, a partir da integração oralidade, escrita e Informática, investigou as compreensões emergentes sobre conceitos de Função, Limite, Continuidade e Derivada produzidos por ingressantes em um curso de Matemática. Como resultados de seus estudos, o autor sugere que os conflitos emergentes poderiam ter suas raízes numa limitada compreensão conceitual de Função. Além disso, essa pesquisa 23 Modos alternativos na busca de solução de problemas. 34 sugere, também, uma maior e mais intensiva exploração da natureza dinâmica do Cálculo Diferencial por meio da utilização de softwares gráficos. Essas afirmações do autor são decorrentes da análise das atividades desenvolvidas com os estudantes engajados em seu estudo. Uma das atividades desenvolvidas por Olimpio Junior (2005) pautava-se na investigação de compreensões sobre o conceito de derivada, a qual suscitava que os estudantes tecessem considerações acerca da diferenciabilidade da função “     = ≠ = 00 0 1 . )( 2 xpara xtodopara x senx xf ”. Como já mencionado, as compreensões dos estudantes pautavam-se na integração entre oralidade, escrita e informática. Sendo assim, esta atividade foi desenvolvida inicialmente por meio de discussões baseadas na oralidade e escrita, e depois com base na oralidade e informática. Desse modo, as discussões iniciais dos estudantes com base na oralidade e escrita evidenciam que estes não estavam certos a respeito da continuidade da função e, também, que a função apresentava um comportamento caótico próximo de zero, aspecto esse que impossibilitava o cálculo da derivada. Na continuação da discussão os estudantes lançaram mão do CAS MAPLE para avaliar a continuidade da função em questão. Deste modo, plotam o gráfico da função na tentativa de verificar se a função possuía derivada. Contudo, mesmo plotando o gráfico, eles ainda não tinham certeza sobre a diferenciabilidade da função. Então diminuíram o intervalo em que ela estava definida buscando eliminar suas incertezas. Mesmo restringindo cada vez mais o intervalo, eles ainda estavam em dúvida a respeito da diferenciabilidade da função. Na busca de suprimir as dúvidas os alunos resolvem, calcular a derivada da função em questão no CAS, que imediatamente calculou a derivada. Entretanto, os estudantes ficaram surpresos, pois se o gráfico da função em discussão apresentava um comportamento caótico segundo eles, como era possível existir a derivada de f. Verificaram então, por meio de cálculo algébrico, a possibilidade de encontrar a derivada, mas ainda ficaram em dúvida. De acordo com o autor, mesmo os estudantes tendo encontrado a derivada da função por meio do CAS MAPLE, eles ainda não tinham certeza se a função f era derivável ou não. Na busca de esclarecer este conflito entre o algébrico e gráfico, os estudantes continuavam valendo-se de imagens gráficas para verificar a diferenciabilidade da função (OLIMPIO JUNIOR, 2005). É nessa direção, que entendemos que conceitos como diferenciabilidade e continuidade, entre outros, podem assumir outro caráter, o da experimentação, de conjecturas, 35 quando os estudantes lançam mão de recursos das tecnologias informáticas. Provavelmente se tal atividade fosse realizada em uma sala de aula tradicional, a discussão materializada pela fala dos estudantes, que ora apresentamos, dificilmente teriam acontecido, pois se eles não se valessem de imagens gráficas não conseguiriam fazer inferências sobre diferenciabilidade da função. Notemos, ainda, que tal abordagem possibilita um leque de possibilidades envolvendo diversos conceitos, relações etc., e o mais importante, o engajamento dos estudantes na atividade proposta. Javaroni (2007) também nos apresenta uma valiosa contribuição, no que tange a abordagem de equações diferenciais com apoio das tecnologias digitais. Nessa pesquisa a autora realizou uma investigação com alunos do Curso de Matemática, por meio da qual buscou analisar as possibilidades de ensino e aprendizagem de introdução às Equações Diferenciais Ordinárias (EDO). Para tanto, realizou uma abordagem qualitativa de alguns modelos matemáticos (modelos de objeto em queda, de crescimento populacional de Malthus, de crescimento populacional de Verhulst e da lei de resfriamento), auxiliada pelas TIC. A interação entre os alunos e as mídias utilizadas propiciou novas possibilidades para a abordagem qualitativa dos modelos estudados, levando assim a sugerir a necessidade de repensar o ensino das equações diferenciais ordinárias, enfatizando o aspecto geométrico de modelos matemáticos, bem como o aspecto algébrico. Ao investigar o Modelo Populacional de Verhulst com uma dupla de estudantes, Javaroni propôs aos estudantes que determinassem as soluções constantes da equação de Verhulst dada por       −= k p r dt dp 1 , onde r é a taxa de crescimento intrínseco (o crescimento na ausência de qualquer fator limitador e a r k = ). Na busca pelas soluções constantes da equação, os estudantes iniciam a discussão questionando-se sobre quando a função poderia ser constante. Além disso, afirmam que poderiam ter a mesma taxa de crescimento (r) e que p poderia variar de acordo com r, pois r é função de p. Igualmente, refletem sobre o significado da taxa de crescimento depender da população. Nessa direção, concluem que se a população, por exemplo, for muito grande, a taxa de crescimento pode diminuir, pois vai ter mais fumaça, menos alimento entre outros fatores. Um aspecto que merece atenção nessa atividade é o fato dos estudantes atribuírem significado aos conceitos, para entender o modelo em questão, o que geralmente não acontece em uma aula tradicional de Equações Diferenciais Ordinárias (EDO), em que a abordagem 36 deste conceito fica apenas centrada no tratamento algébrico, ou seja, na busca pelas soluções apenas. Dando seqüência aos encaminhamentos sugeridos na atividade por Javaroni, os alunos plotam o campo de direções24 com o CAS MAPLE. Ao plotarem o gráfico do campo de direções, os estudantes visualizam onde a função é constante, ou seja, conseguem encontrar as soluções procuradas. Observemos novamente que tais conjecturas e inferências foram possibilitadas pelas mídias informáticas, e que estas, por sua vez, potencializam a abordagem de conceitos atinentes ao Cálculo e permitem que os estudantes atribuam significado aos conceitos por eles estudados. Um dos tópicos trabalhados em Cálculo, e que geram algumas dificuldades aos estudantes, são os conceitos relacionados à Máximos e Mínimos de Funções. Menk (2005) apresenta uma investigação acerca das possíveis contribuições de um software de Geometria Dinâmica na exploração de problemas de Máximos e Mínimos, principalmente aqueles que, de alguma forma, estão relacionados aos conceitos e às propriedades geométricas. Para o desenvolvimento dessa investigação, a autora utilizou o software Cabri-Géomètre II, e realizou experimentos de ensino. Por meio do Cabri-Géometre II os alunos do segundo ano de um curso de Licenciatura em Matemática da cidade de Assis (SP) puderam construir, experimentar, formular, testar, validar ou refutar hipóteses relacionadas às condições do problema de uma forma dinâmica e diferente da habitualmente utilizada por eles nas aulas da disciplina CDI. Com base nos resultados observados, a autora acredita que esse procedimento possa criar condições, que possibilitam facilitar a interpretação, a observação, a análise e a resolução dos problemas considerados. A forma como foram desenvolvidas as atividades, privilegiando a simulação e a visualização, permitiram criar situações nas quais se pôde “ver” o processo de como se desenvolveu o raciocínio dos alunos em várias situações. Uma das atividades desenvolvidas por Menk (2005) junto aos estudantes consistia em encontrar a forma mais econômica de instalar um cabo de eletricidade, que ligava uma usina 24 O campo de direções da equação diferencial é um gráfico da função f no seguinte sentido: para cada ponto P=(x,y) do domínio, f define uma direção de qualquer solução y que passe pelo ponto P=(x,y). Essa direção é representada por um pequeno segmento de reta cujo coeficiente angular é o valor da função f naquele ponto P=(x,y) e cuja origem do segmento é o ponto P=(x,y). Um campo de direções, desenhado em uma malha razoavelmente fina, ou seja, desenhado para muitos pontos do plano, fornece uma boa idéia do comportamento global das soluções de uma equação diferencial. Dessa forma, cada segmento de reta é tangente ao gráfico de uma solução da equação diferencial ordinária contendo aquele ponto. (JAVARONI, 2007, p.43 e p.44) 37 hidrelétrica situada à margem de um rio de 900 m de largura a uma fábrica situada na outra margem do rio, 3000 m a jusante25 da usina. Nesse problema considerava-se que o custo de instalação do cabo submerso era de R$ 25,00 por metro, enquanto que em terra era de R$ 20,00 por metro. Valendo-se de conceitos geométricos como retas paralelas, perpendiculares, ponto, reta e semi-reta os estudantes construíram a situação no software Cabri- Géometre, localizando a usina de um lado da margem do rio,, e a fábrica do outro, como indicava a atividade. Assim, os estudantes iniciam a discussão sobre a atividade e utilizando a calculadora do software Cabri- Géometre encontram o valor mais econômico para instalar o cabo, considerando que o fio fosse ligado da fábrica até um ponto perpendicular a este na outra margem do rio e deste até a fábrica. Entretanto, após um momento de discussão apontam mais uma possibilidade de solução para o referido problema, fazendo a ligação do cabo diretamente da usina à fábrica. Ao realizarem as construções e fazer as comparações nas duas situações, os estudantes puderam verificar que o menor gasto era quando o cabo era ligado diretamente da usina à fábrica. No entanto, os estudantes foram questionados pela pesquisadora se não havia alguma outra possibilidade, em que o custo fosse ainda menor. Ao serem indagados sobre tal possibilidade, os estudantes começam a refletir se eles gastariam menos instalando o cabo parcialmente por água e terra, ao invés de conduzi-lo diagonalmente. Deste modo, começam a testar suas conjecturas no software Cabri-Géometre marcando um ponto P na margem onde estava localizada a fábrica. Assim, o cabo seria ligado da fábrica ao ponto P (por terra) e do ponto P a usina (por água). A figura que segue mostra como os estudantes construíram a situação descrita no software Cabri- Géometre. 25 Jusante, em hidráulica, é todo ponto referencial ou seção de rio compreendido entre o observador e a foz de um curso d’água — ou seja, rio abaixo em relação a este observador. 38 Fig. 1: Representação da situação descrita no problema com o software Cabri-Géometre. Após a construção desta possibilidade no software, os estudantes chegam à conclusão de que nessa situação o custo havia ficado menor. Assinalamos que tais conjecturas só foram possíveis, quando os estudantes compararam as duas situações que representam o custo mínimo e máximo para instalação do cabo. Essa atividade nos mostra que o estudo de conceitos de Cálculo desenvolvidos com apoio de ambientes informáticos assume outro caráter, que não aquele baseado apenas na manipulação algébrica. Assim, nessa atividade fica evidente que aspectos como a visualização e a experimentação são importantes na abordagem de conceitos matemáticos e que, por meio destes, o estudante tem a possibilidade de encontrar a solução de determinado problema de uma maneira muito mais interessante e significativa para ele. Além disso, ele envolve-se com a atividade e não é apenas um mero assimilador de regras e fórmulas, pois há todo um raciocínio, que o envolve e não é apenas desenvolvido um mecanismo para a busca da solução do problema. Por tudo que temos apresentado, percebemos que a transição entre a ação física (representada por interações de estudantes com diversos recursos informáticos), e a representação matemática tem fornecido suporte para idéias, as quais têm potencial tanto para serem usadas em aplicações do Cálculo, quanto para o desenvolvimento da teoria formal, colaborando, assim, com os processos de aprendizagem dos estudantes. 39 Em alguns estudos, como o de Scucuglia (2006), essa transição, referenciada acima, pôde ser evidenciada. Em sua dissertação, Scucuglia (2006) discutiu como Estudantes-com- Calculadoras-Gráficas investigam o Teorema Fundamental do Cálculo (TFC). Nesse trabalho, ao explorar exemplos de funções polinomiais com o comando de integração definida da Calculadora Gráfica, as estudantes estabeleceram conjecturas sobre o TFC antes mesmo da sua formalização matemática. Nessa abordagem o autor propôs que, inicialmente, fossem utilizadas notações mais simplificadas envolvendo os programas da calculadora gráfica antes que uma simbologia mais formal (padronizada pela matemática acadêmica) fosse discutida por eles. Igualmente, o autor sugere que esta abordagem possibilitou o engajamento gradativo das estudantes em discussões matemáticas dedutivas a partir de resultados obtidos experimentalmente com as atividades propostas na pesquisa. O autor trabalhou na perspectiva de experimentos de ensino, e umas das atividades desenvolvidas consistia em encontrar os valores das Integrais Definidas nos intervalos dados, utilizando o comando ∫ dxxf )( da Calculadora TI-83. Assim, as estudantes calculavam o valor das Integrais com certa facilidade. Contudo, durante o desenvolvimento das atividades, os estudantes tiveram algumas dificuldades em encontrar o valor da Integral no intervalo [a,b]. Assim, a intervenção e mediação do pesquisador se fizeram necessárias para que as estudantes chegassem ao resultado. Após várias conjecturas as estudantes chegaram à conclusão de que o valor da Integral da função y = 2x para o intervalo [a,b] era b2 – a2. Assim, seguindo o mesmo raciocínio, as estudantes encontraram a integral para as funções y = 3x2 e y = 4x3 com maior facilidade nos intervalos mencionados anteriormente. Na seqüência do experimento de ensino, Scucuglia (2006) buscou comparar juntamente com as estudantes cada valor encontrado para a Integral, no intervalo dado com a função de origem. Por exemplo, apontou que para a função y = 2x, o valor da integral era b2 – a2. Destarte, buscou fazer as estudantes perceberem tais padrões. Ao final da atividade, as estudantes conjecturaram que a Integral de uma função f(x) em um intervalo [a,b] era “F aplicada em b menos a F aplicada em a”. A interação entre as estudantes e o pesquisador e as diferentes mídias utilizadas no desenvolvimento desta atividade, aponta que a coordenação de diferentes mídias na abordagem de conceitos de Cálculo também traz grandes possibilidades para o entendimento 40 e compreensão, e mais ainda, para a formalização de conceitos matemáticos (SCUCUGLIA, 2006). Já Barbosa (2009) investigou como o coletivo formado por alunos-com-tecnologias produz conhecimento acerca da função composta e regra da cadeia, a partir de uma abordagem gráfica. Com esta investigação, a autora evidenciou que a produção do conhecimento dos alunos envolvidos (alunos ingressantes no Curso de Matemática da UNESP – Rio Claro), acerca de função composta e regra da cadeia, ocorreu por meio de elaborações de conjecturas, formuladas durante o processo de visualização potencializado pelas TIC. Tais conjecturas foram confirmadas ou refutadas, levando-se em conta o entrelaçamento das representações múltiplas, que permearam todas as atividades e um coletivo pensante seres- humanos-com-mídias, no qual o ser humano transforma e é transformado pelas mídias em um processo interativo. Como mencionado no parágrafo anterior a investigação conduzida por Barbosa (2009) focava o estudo da regra da cadeia. Assim, uma das duplas envolvidas na atividade proposta iniciou a investigação plotando no software Winplot os gráficos das funções f(x) = x2 e g(x) = 3x. Na seqüência plotaram os gráficos de f’(g(x)) e (f(g(x))’. Para evitar confusões em suas investigações e explorações, os estudantes resolveram esconder os gráficos de f e g e deixar apenas os gráficos de f’(g(x)) e (f(g(x))’. Quando interrogados sobre a relação existente entre esses gráficos um dos estudantes respondeu que f’(g(x)) era um terço de (f(g(x))’. O estudante, observando o gráfico, percebeu que embora as funções plotadas fossem distintas, estas tinham uma relação como ele mencionou anteriormente. No entanto, ele complementou seu raciocínio observando a tabela que ele havia completado no decorrer da atividade. A realização dessa atividade, evidencia a importância das representações matemáticas e a possibilidade de transitar entre essas diferentes representações para compreender os conceitos, como a atividade realizada por Barbosa nos sugere. O estudante enunciou a regra da cadeia a partir da observação dos gráficos e da tabela que continha a derivada de g. As representações matemáticas e sua coordenação possibilitam um maior entendimento, e compreensão dos conceitos matemáticos. Este aspecto é evidenciado por Farias (2007) em sua dissertação de mestrado. A autora realizou um estudo epistemológico, em uma perspectiva Semiótica, das representações matemáticas mediadas por softwares educativos. Para tanto buscou investigar e ressaltar as diferentes formas representativas de conceitos matemáticos, e suas dimensões didático-pedagógicas no Ensino de Cálculo, sendo estas essenciais à formação inicial do futuro professor de Matemática. 41 Com este estudo, a autora sugere que ao explorarmos o universo das representações, agregamos valores à constituição do conhecimento de futuros professores de Matemática. Além disso, aponta a importância de conscientizar estudantes/professores da perspectiva Semiótica implícita à abordagem de transitar entre várias representações matemáticas no processo de investigação e interpretação de conceitos, por meio da utilização de softwares adequados à disciplina, proporcionando a estes novas formas de abordagem dos conteúdos e permitindo um maior grau de compreensão. Essa coordenação e mobilidade das representações matemáticas podem ser evidenciadas no desenvolvimento de uma atividade envolvendo o conceito de continuidade de função empreendido por Farias (2007) junto aos estudantes engajados em sua pesquisa. A atividade consistia em avaliar a continuidade da função    >− ≤+ = 132 11 )( 2 xsex xsekx xf . Como proposto na atividade, os estudantes iniciaram a discussão sobre a continuidade da função afirmando que esta era contínua. Contudo, logo perceberam que a referida função era definida por partes e dependia de um parâmetro k, o qual iria interferir na continuidade desta função. Na seqüência da atividade os estudantes plotam o gráfico, e lançam mão do recurso “animação” do software Winplot, para visualizar o que haviam conjecturado a respeito do parâmetro k. Notamos que antes dos estudantes plotarem o gráfico de f, a maior parte deles havia afirmado que a mesma era contínua. Contudo, ao utilizarem o comando “animação” do Winplot e variar o parâmetro k, os estudantes puderam perceber que apenas para k=-2 a função tornava-se contínua. Por meio da visualização os e