UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS SAN TIAGO DANTAS – UNESP, UNICAMP E PUC-SP GUILHERME GEREMIAS DA CONCEIÇÃO O dilema da sobreposição: regionalismo e geopolítica na Ásia Central São Paulo – SP 2025 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS SAN TIAGO DANTAS – UNESP, UNICAMP E PUC-SP GUILHERME GEREMIAS DA CONCEIÇÃO O dilema da sobreposição: regionalismo e geopolítica na Ásia Central Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência para obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais, na área de concentração “Instituições, Processos e Atores”, na linha de pesquisa “Governança, Política Internacional e Política Externa”. Orientadora: Regiane Nitsch Bressan. Coorientador: Bruno Theodoro Luciano. São Paulo – SP 2025 IMPACTO POTENCIAL DESTA PESQUISA A relevância deste trabalho se dá, em primeiro lugar, pela escassez de pesquisas em língua portuguesa sobre a região estratégica da Ásia Central e seus projetos de integração. Além disso, contribui ao debate acadêmico ao explorar o conceito de regionalismo sobreposto e as causas de sua recorrência em áreas de intensa competição geopolítica. A análise combinada dos processos de regionalização e cooperação, sob uma perspectiva realista, reforça a compreensão de como a geopolítica molda as dinâmicas regionais. Espera-se que esta pesquisa incentive futuros estudos sobre a Ásia Central e amplie a discussão sobre a interação entre regionalismo e disputas de poder em outros contextos globais. POTENTIAL IMPACT OF THIS RESEARCH The relevance of this study lies, first, in the scarcity of Portuguese-language research on this vast and strategic region of Central Asia and its political projects. Additionally, it contributes to academic debate by exploring the concept of overlapping regionalism and identifying the reasons behind its occurrence in geopolitically contested spaces. The combined analysis of regionalization and cooperation processes through a realist perspective enhances the understanding of how geopolitics shapes regional dynamics. This research is expected to stimulate further studies on Central Asia and broaden the discussion on the interaction between regionalism and power struggles in other global contexts. IMPACTO POTENCIAL DE ESTA INVESTIGACIÓN Se considera que este trabajo es pertinente, en primer lugar, debido a la escasez de investigaciones en portugués sobre esta estratégica región de Asia Central y sus proyectos políticos. Asimismo, aporta al debate académico al profundizar en el concepto de regionalismo superpuesto e identificar las causas de su manifestación en espacios de intensa competencia geopolítica. La combinación del análisis de los procesos de regionalización y cooperación con una perspectiva realista permite una mejor comprensión de cómo la geopolítica influye en las dinámicas regionales. Se espera que esta investigación fomente futuros estudios sobre Asia Central y expanda el debate sobre la interacción entre regionalismo y disputas de poder en otros contextos internacionales. GUILHERME GEREMIAS DA CONCEIÇÃO O dilema da sobreposição: regionalismo e geopolítica na Ásia Central Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência para obtenção do título de Mestre em Relações Internacionais, na área de concentração “Instituições, Processos e Atores”, na linha de pesquisa “Governança, Política Internacional e Política Externa”. Orientador: Regiane Nitsch Bressan. Coorientador: Bruno Theodoro Luciano. BANCA EXAMINADORA Profª. Drª. Regiane Nitsch Bressan (San Tiago Dantas – Unesp, Unicamp, PUC-SP) Prof. Dr. Guilherme A. Guimarães Ferreira (San Tiago Dantas – Unesp, Unicamp, PUC-SP) Profª. Drª. Cristina Soreanu Pecequilo (San Tiago Dantas – Unesp, Unicamp, PUC-SP) Prof. Dr. José A. Altahyde Hage (Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP) Profª. Drª. Tatiana de Souza Leite Garcia (Universidade de São Paulo – USP) São Paulo, 11 de Fevereiro de 2025. Para os meus pais, Cláudia e Paulo, pelo suporte incondicional. AGRADECIMENTOS O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações aqui expressas são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a visão da CAPES. Isso posto, gostaria de agradecer, primeiramente, à República Federativa do Brasil e à CAPES, cuja existência representa o compromisso com o ensino público de excelência e a formação de cidadãos e profissionais capazes de contribuir para uma sociedade mais justa e consciente. Leonel Brizola dizia que a educação era o único caminho para emancipar o homem, de modo que o desenvolvimento sem ela estaria fadado à mera criação de riqueza para alguns poucos privilegiados. Nesse sentido, manifesto minha gratidão ao Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP) por me auxiliar nesse processo de emancipação, proporcionando ferramentas indispensáveis à produção de ciência, conhecimento e reflexão crítica. Este trabalho não poderia deixar de ser, igualmente, dedicado aos professores do PPGRI San Tiago Dantas, com especial apreço às professoras Regiane Nitsch Bressan e Cristina Soreanu Pecequilo, pelos ensinamentos valiosos e pela amizade. À professora Regiane, deixo meu profundo agradecimento por ter aceitado orientar esta pesquisa e por acreditar em meu potencial ao longo dessa caminhada. Estendo também minha gratidão ao professor Bruno Luciano, pela coorientação zelosa, e aos professores Guilherme Ferreira, José Altahyde Hage, Cristina Pecequilo e Tatiana Garcia por gentilmente aceitarem o convite para compor a banca de avaliação desta dissertação. Agradeço ainda as estimadas Giovana, Isabela e Graziela, servidoras da instituição, cuja agilidade e comprometimento são indispensáveis para o funcionamento sadio do PPGRI. Além disso, aproveito para deixar aqui registrada a minha gratulação aos queridos alunos da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) por terem me acolhido em meu estágio de docência, aos colegas pesquisadores do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT) e do Centro Brasileiro de Estudos Africanos (CEBRAFRICA), e aos ilustres professores Analúcia Danilevicz Pereira e Paulo Fagundes Visentini, por toda a inspiração e apoio desde a graduação, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Aos grupos de pesquisa do PPGRI, especialmente ao Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE-GEDES) e ao Observatório de Regionalismo (ODR), sou grato pelo ambiente de troca intelectual e aprendizado mútuo. Aos companheiros, de longa data, desde o ensino médio, ou aqueles que surgiram no início da minha trajetória acadêmica, na UFRGS, seja pela convivência diária ou pela presença em momentos decisivos, deixo meu mais sincero reconhecimento. Agradeço aos educadores do Ensino Médio e aos amigos do Instituto Estadual de Educação Isabel de Espanha, Carol, Clebin, Eduarda, Maira, Marcus e Lara, aos irmãos do grupo ABGJLP Gang, Ana, Bruno’s, Gabriela, Joice, Luana e Poliana, aos meus camaradas UFRGuianoS, Bianca, Gabi, Henrique e Luiza e aos estimados Caio, Amanda, Dani, Daniel, Diego, Roberta e Patrícia, do CRECI-RS. Aos amigos do Dantas, gostaria de prestar agradecimentos especiais a Duda, Danielle, Getúlio, Maria Eduarda, Taynara, Tito Lívio e aos membros do Grupo de Estudos Cupinxas (GECU), Guilherme, João, Larissa e Ríllari, com quem compartilho afeto e memórias que, tenho certeza, perdurarão por muitos anos. Por fim, mas não menos importante, dedico este trabalho à minha família, aos meus dindos, André e Itamara, avós, Eva, Lúcio, Marilene e Pedro (in Memoriam) e demais familiares, que sempre acreditaram em mim e me apoiaram incondicionalmente. Em especial, agradeço com amor e reverência aos meus pais, Cláudia e Paulo, pelo carinho, pela parceria e por todo o esforço em garantir a mim e à minha irmã, Maria Luiza, uma formação exemplar. A necessidade de realizar todos esses agradecimentos surge da declaração feita por Brizola, quanto ao caráter emancipador da educação, mas, principalmente, da interpretação freireana que reconhece o processo educacional enquanto uma estrutura estabelecida a partir do aprendizado mútuo, “os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”, afinal. Portanto, a todos vocês, que compõem esta enorme rede de apoio e transmissão de conhecimento(s), meu mais eterno obrigado. Since you know as well as we do the right, as the world goes, is only in question between equal power, while the strong do what they can and the weak suffer what they must. Tucídides RESUMO A presente dissertação discute o fenômeno da sobreposição de múltiplas organizações regionais na Ásia Central, explorando a relação entre regionalismo e geopolítica. Enquanto os estudos convencionais sobre regionalismo tendem a destacar a cooperação sob uma ótica liberal, esta pesquisa adota uma abordagem geopolítica alinhada ao paradigma realista, com foco nas rivalidades estratégicas e na competição entre potências externas que moldam a dinâmica regional. O problema de pesquisa formulado questiona como a sobreposição institucional reflete a interação entre regionalismo e geopolítica na Ásia Central. A hipótese defendida é que a pressão geopolítica de atores externos não apenas estimula a participação simultânea dos Estados da região em diversas organizações, mas também resulta em um regionalismo fragmentado e uma limitada integração local. Os objetivos desta pesquisa incluem: identificar as principais organizações regionais que envolvem os Estados centro-asiáticos e suas funções; descrever a competição entre potências como Rússia, China, Turquia e EUA na região; analisar a sobreposição de organizações como resposta às pressões externas; e investigar como essa competição contribui para a fraca institucionalização do regionalismo na Ásia Central. Metodologicamente, a pesquisa adota um método qualitativo baseado em revisão bibliográfica e análise documental. Como suporte teórico, utiliza-se o modelo de equilíbrio institucional proposto por Kai He (2008), que conecta regionalismo e geopolítica ao analisar os processos de adesão a organizações regionais sob a ótica da distribuição de poder e da interdependência econômica. A aplicação desse modelo ao contexto centro-asiático permite compreender melhor as razões para o fenômeno da sobreposição e seus impactos sobre a cooperação regional. Palavras-chave: Regionalismo sobreposto; Geopolítica; Ásia Central. ABSTRACT This dissertation explores the phenomenon of overlapping regional organizations in Central Asia by examining the relationship between regionalism and geopolitics. While traditional studies on regionalism tend to emphasize cooperative dynamics from a liberal perspective, this research adopts a geopolitical approach grounded in the realist paradigm, focusing on strategic rivalries and external powers’ competition that shape regional dynamics. The research question asks how institutional overlap reflects the interplay between regionalism and geopolitics in Central Asia. The tested hypothesis argues that the geopolitical influence of external powers drives Central Asian states to participate in multiple regional organizations simultaneously, resulting in fragmented regionalism and limited integration. The main objectives of this study are: to identify the primary regional organizations involving Central Asian states and their roles; to describe the geopolitical competition among powers such as Russia, China, Turkey, and the United States; to analyze institutional overlap as a consequence of external pressures; and to investigate how geopolitical competition hinders deeper regional integration. Methodologically, the research employs a qualitative approach based on literature review and document analysis. The institutional balancing model proposed by Kai He (2008) serves as the theoretical framework, as it links regionalism and geopolitics by analyzing membership processes in regional organizations through power distribution and economic interdependence. Applying this model to the Central Asian context offers a deeper understanding of the causes and consequences of institutional overlap and its impact on regional cooperation. Keywords: Overlapping regionalism; Geopolitics; Central Asia. RESUMEN La presente disertación examina el fenómeno de la superposición de múltiples organizaciones regionales en Asia Central, considerando la relación entre regionalismo y geopolítica. Mientras los estudios tradicionales sobre regionalismo suelen centrarse en los aspectos cooperativos desde una perspectiva liberal, esta investigación adopta un enfoque geopolítico alineado con el paradigma realista, destacando las rivalidades estratégicas y la competencia de potencias externas que influyen en la dinámica regional. La pregunta de investigación se formula en torno a cómo la superposición institucional refleja la interacción entre regionalismo y geopolítica en Asia Central. La hipótesis planteada sostiene que la influencia geopolítica de actores externos impulsa la participación simultánea de los Estados centroasiáticos en múltiples organizaciones y contribuye a un regionalismo fragmentado y una integración limitada. Los objetivos de esta investigación incluyen: identificar las principales organizaciones regionales de las que forman parte los Estados de Asia Central y sus respectivas funciones; describir la competencia geopolítica de potencias externas como Rusia, China, Turquía y Estados Unidos; analizar la superposición de organizaciones como resultado de presiones externas; e investigar cómo esta competencia geopolítica afecta la débil institucionalización del regionalismo en la región. Metodológicamente, se utiliza un método cualitativo basado en revisión bibliográfica y análisis de fuentes primarias. El modelo de equilibrio institucional de Kai He (2008) se emplea como marco teórico, dado que vincula regionalismo y geopolítica al examinar los procesos de adhesión a organizaciones regionales considerando la distribución de poder y el grado de interdependencia económica. Este modelo resulta particularmente útil para entender el fenómeno de la superposición institucional y sus consecuencias en el caso de Asia Central. Palabras clave: Regionalismo superpuesto; Geopolítica; Asia Central. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Mapa 1 – A região da Ásia Central e suas características físicas……………...…….. 20 Figura 1 – Mapa do “Pivô geográfico da história”....……………………………...…. 35 Quadro 1 – Sobreposição de participações em diferentes organizações regionais…….. 92 Quadro 2 – Sobreposição de áreas de atuação entre diferentes organizações regionais. 95 Quadro 3 – O modelo do Equilíbrio Institucional…………………...………………… 101 Gráfico.1 – Principais origens das importações do Cazaquistão (2017-2021)……...…. 103 Gráfico.2 – Principais destinos das exportações do Cazaquistão (2017-2021)……...… 104 Gráfico.3 – Principais origens das importações do Quirguistão (2017-2021)…..…...… 104 Gráfico.4 – Principais destinos das exportações do Quirguistão (2017-2021)..……….. 105 Gráfico.5 – Principais origens das importações do Tadjiquistão (2017-2021)……....… 105 Gráfico.6 – Principais destinos das exportações do Tadjiquistão (2017-2021)….…….. 106 Gráfico.7 – Principais origens das importações do Turcomenistão (2017-2021)…….... 106 Gráfico.8 – Principais destinos das exportações do Turcomenistão (2017-2021)……... 107 Gráfico.9 – Principais origens das importações do Uzbequistão (2017-2021)……....… 107 Gráfico.10 – Principais destinos das exportações do Uzbequistão (2017-2021)….…...... 108 Quadro 4 – O modelo do Equilíbrio Institucional aplicado ao cenário extrarregional… 115 Quadro 5 – O modelo do Equilíbrio Institucional aplicado ao cenário regional………. 116 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Indicadores.de.capacidades.entre.os.Estados.regionais/extrarregionais.(2020).. 111 Tabela 2 – Distribuição.de.capacidades.entre.os.países.da.Ásia.Central.(1994).................. 112 Tabela 3 – Distribuição.de.capacidades.entre.os.Estados.regionais.no.após-11/09.(2005).. 113 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADB Banco Asiático para o Desenvolvimento AGNU Assembleia Geral das Nações Unidas AID Associação Internacional de Desenvolvimento ASEAN Associação de Nações do Sudeste Asiático BERD Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento BIRD Banco Mundial BRI Iniciativa do Cinturão e Rota BTC Oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan CABRD Banco Centro-Asiático para o Desenvolvimento e Reconstrução CACO Organização para a Cooperação da Ásia Central CAEC Comunidade Econômica da Ásia Central CAFTA Zona de Livre Comércio da Ásia Central CAREC Programa de Cooperação Econômica Regional da Ásia Central CASA-1000 Ásia Central-Ásia do Sul CAU União da Ásia Central CECA Comunidade Europeia do Carvão e do Aço CEE Comunidade Econômica Europeia CEI Comunidade dos Estados Independentes CENTRASBAT Batalhão de Manutenção da Paz da Ásia Central CICA Conferência de Interação e Medidas de Confiança na Ásia CNOOC China National Offshore Oil Corporation CNPC China National Petroleum Corporation CST/CSTO Tratado de Segurança Coletiva/Organização do Tratado de Segurança Coletiva ECO Organização para a Cooperação Econômica ECOTA Acordo Preferencial de Comércio EUA Estados Unidos da América EURASEC Comunidade Econômica Eurasiática FMI Fundo Monetário Internacional GUAM Organização para a Democracia e o Desenvolvimento Econômico ICWC Comissão Interestatal para a Coordenação da Água IDE Investimento direto externo IFAS Fundo Internacional para o Mar de Aral IMU Movimento Islâmico do Uzbequistão INOGATE Transporte Interestatal de Petróleo e Gás para a Europa Mercosul Mercado Comum do Sul NDN Rede de Distribuição do Norte OCX Organização para Cooperação de Xangai OEF Operação Enduring Freedom OIC Organização para a Cooperação Islâmica OMC Organização Mundial do Comércio ONU Organização das Nações Unidas OSCE Organização para a Segurança e Cooperação na Europa OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte OTS Organização dos Estados Turcos PfP Parceria para a Paz PIB Produto Interno Bruto PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento SADC Comunidade de Desenvolvimento da África Austral SADUM Conselho Muçulmano da Ásia Central e Cazaquistão SEAC Sistema de Energia da Ásia Central START I Strategic Arms Reduction Treaty TAPI Gasoduto Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia TITR Corredor de Transporte Transcaspiano TRACECA Organização do Corredor de Transporte Europa-Cáucaso-Ásia TNP Tratado de Não Proliferação Nuclear UAE União Aduaneira da Eurásia UE União Europeia UEE União Econômica Eurasiática USMCA Acordo Livre da América do Norte URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.………………………………………………………………... 18 2 REGIONALISMO E GEOPOLÍTICA NO DEBATE DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS.…………………………………………………………... 26 2.1 A dimensão regional das RIs, debates e agendas.…………………………..... 26 2.1.1 O regionalismo e as teorias de Relações Internacionais.………………………... 28 2.1.2 A evolução dos estudos de regionalismo e suas agendas.……………………….. 31 2.2 O fator geopolítico nas RIs, contribuições e propostas analíticas.………….. 32 2.2.1 As proposições de Ratzel, Kjellén e Mackinder e o campo da geopolítica..….… 34 2.2.2 Os fundamentos do “paradigma realista-geopolítico” das RIs.…………………. 37 2.3 Regionalismo e Geopolítica, convergências em perspectiva.………………… 40 2.4 Considerações finais do capítulo.……………………………..……………….. 43 3 A ÁSIA CENTRAL PÓS-1991 E SUAS INICIATIVAS REGIONAIS: ALCANCES E LIMITAÇÕES.……………………………………………….. 45 3.1 Os desafios pós-independência e a concertação regional.……………...…….. 45 3.2 Os modelos regionais para a cooperação centro-asiática, do apogeu à queda……………………...…………………………………………………….. 50 3.2.1 Da União da Ásia Central (CAU) à Comunidade Econômica da Ásia Central (CAEC) …………………………………………………………………………. 51 3.2.2 Da Organização de Cooperação da Ásia Central (CACO) à indiferença regional…………………………………………………………………………... 54 3.3 As Reuniões Consultivas de Chefes de Estado, um novo formato para a cooperação?.………………………………………………………..…………... 57 3.4 Considerações finais do capítulo.……………………………………….……... 60 4 A INFLUÊNCIA GEOPOLÍTICA ESTRANGEIRA E OS PROJETOS EXTRARREGIONAIS: “NOVOS ATORES”, VELHOS DESAFIOS.…….. 63 4.1 De volta à estepe, a Rússia e as suas dimensões de cooperação regional.…... 63 4.1.1 A Comunidade dos Estados Independentes (CEI), a dimensão política.………... 66 4.1.2 A Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), a dimensão securitária ……………………………………………………………………….. 68 4.1.3 A União Econômica Eurasiática (UEE), a dimensão econômica.………………. 70 4.2 O despertar da China, seus vetores de cooperação e empreendimentos regionais……………………………………………………………………...…. 73 4.2.1 A Organização para Cooperação de Xangai (OCX), o vetor político- securitário-econômico….………………………………………………………... 75 4.2.2 A Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) no âmbito da OCX e o reforço do vetor econômico chinês.………………………………………………………….……. 78 4.3 À sombra dos “novos atores”, as parcerias com o Ocidente e outras tratativas………………………………………………………………………... 80 4.3.1 O Ocidente, os EUA e o bloco europeu ………………………………………… 81 4.3.2 O Paquistão, o Irã e a Organização de Cooperação Econômica (ECO).………… 84 4.3.3 A Turquia e a Organização dos Estados Turcos (OTS)....………………………. 86 4.3.4 Enfim, a Índia….………………………………………………………………… 86 4.4 Considerações finais do capítulo….…………………………………………… 87 5 O DILEMA DA SOBREPOSIÇÃO: REGIONALISMO E GEOPOLÍTICA NA ÁSIA CENTRAL……………..…………………….……………………… 89 5.1 O “ímpeto regional” e o fenômeno da sobreposição…………………………. 89 5.2 O “fator geopolítico” e o modelo do equilíbrio institucional………………… 96 5.3 A sobreposição centro-asiática enquanto resultado do equilíbrio institucional……………………………………………………………………... 102 5.4 Considerações finais do capítulo….……………………….…………………... 118 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………….. 120 REFERÊNCIAS …………………………………………………………..…… 128 ANEXO A – MAPA DA INFRAESTRUTURA DE ESCOAMENTO DA ÁSIA CENTRAL.…………….…………………………………………….…... 147 ANEXO B – DADOS GERAIS DO CAZAQUISTÃO……………………….. 148 ANEXO C – DADOS GERAIS DO QUIRGUISTÃO….…………………….. 149 ANEXO D – DADOS GERAIS DO TADJIQUISTÃO..……………….…….. 150 ANEXO E – DADOS GERAIS DO TURCOMENISTÃO...…………………. 151 ANEXO F – DADOS GERAIS DO UZBEQUISTÃO….…………………….. 152 ANEXO G – MAPA DA PRESENÇA MILITAR ESTRANGEIRA NA REGIÃO (2021).…………………………………….………………………….. 153 18 1 INTRODUÇÃO Sob o ethos da regionalização mundial em blocos de cooperação, no início do século XXI, os estudos sobre regionalismo ampliaram seus horizontes analíticos para além das fronteiras europeias e de sua estrutura institucional. Esse movimento acompanhou a euforia liberal provocada pela transição sistêmica e pela breve, mas dominante, unipolaridade dos Estados Unidos (EUA) e seus aliados, que se auto proclamaram vencedores do conflito bipolar. Neste mesmo período os países, motivados pelo novo ordenamento internacional e pelo “degelamento” de arranjos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), passaram a integrar diversos organismos regionais. Situação que, em poucas décadas, resultou no florescimento de inúmeros agrupamentos diferentes ao redor do globo e evidenciou desgastes, diante das limitações causadas pela sobreposição institucional de mandatos e agendas sobre determinadas regiões. Nesse sentido, a presente dissertação discute o fenômeno da sobreposição de múltiplas organizações, especificamente na Ásia Central, a partir da relação entre regionalismo e geopolítica. Acredita-se que este trabalho justifica-se pela 1) falta de pesquisas em língua portuguesa sobre esta vasta região e seus projetos políticos, por sua 2) contribuição ao debate do regionalismo sobreposto, identificando as razões para sua manifestação em espaços geopoliticamente disputados, e, por fim, pela 3) análise dos processos de regionalização e cooperação aliada à perspectiva realista-geopolítica das Relações Internacionais. A escolha do continente asiático para o estudo decorre não apenas de sua riqueza multidisciplinar, mas principalmente porque trata-se de uma região do planeta onde a transição pós-1991 foi percebida de forma particularmente diferente, sendo o regionalismo local afetado por ecos geopolíticos do século XX, originados na Guerra Fria. Especificamente, tais reflexos também ressoam de maneira significativa sobre uma ampla área continental que integrou a antiga União Soviética (URSS) e que, diferentemente das ex-repúblicas socialistas bálticas e caucásicas, não logrou acordos significativos no âmbito de uma União Europeia (UE) ou Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a Ásia Central. É importante ressaltar que, embora uma extensa revisão historiográfica sobre a região não esteja no centro deste trabalho, tratando-se de um espaço pouco conhecido pelo público brasileiro, algumas definições preliminares são necessárias para a compreensão de determinados termos empregados ao longo dessa dissertação, a começar pela própria concepção de Ásia Central. Levando em consideração os aspectos geográficos identificados por Svat Soucek (2000), o território centro-asiático pode ser definido por três grandes 19 particularidades, 1) um cinturão de estepes e zonas áridas que se estende de Leste a Oeste, conectando os bosques da Manchúria aos campos europeus, 2) as delimitações Norte, marcadas pelas florestas da taiga siberiana, e Sul, caracterizadas pelas cadeias montanhosas do Tian Shan, Pamir e Elbourz, e 3) a presença de vales fluviais e oásis habitáveis, alimentados pelos rios Amu Darya, Syr Darya e Zarafshan. Além da diversidade geográfica, a delimitação da Ásia Central é ainda dificultada devido influências políticas e culturais heterogêneas, moldadas por tradições acadêmicas ocidentais e sino-russas (Fourniau, 2006). Este processo remonta à obra “Asie Centrale” (1843), do alemão Alexander von Humboldt, que descreveu a região como uma “vasta área sem acesso ao mar” paralela ao continente asiático, uma definição posteriormente aprofundada pelos trabalhos de Nikolay Khanykoff (1862), Ferdinand von Richthofen (1877) e Dmitry Mushketov (1916) (apud Dani & Masson,1992). Perspectivas etnográficas, baseadas em similaridades culturais e linguísticas, e propostas institucionais, como a da UNESCO, incluíram Mongólia, Afeganistão, partes do Irã, Paquistão, Índia e China (Xinjiang) ao conceito da região (Miroshnikov, 1992). Outras delimitações “ampliadas” desenvolvidas por Roy Allison e Lena Jonson (2001), bem como Prag Khanna (2008), acrescentaram o Cáucaso, a Rússia meridional, Xinjiang e o Tibete à definição de Ásia Central. Por sua vez, Paulo Visentini (2011) sublinhou as conexões regionais com o Oriente Médio, delineando o que denominou de “Grande Oriente Médio”. Ademais, adaptações russas como Sredniaia Aziia, ou “Ásia do Meio”, contribuíram para a formulação do conceito de “Eurásia Central” elaborado por Eldar Ismailov e Vladimer Papava (2010). No entanto, para os fins deste trabalho, entende-se a Ásia Central enquanto os limites dos atuais Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão (Mapa 1), destacando elementos políticos, sociais e culturais comuns que justificam seu entendimento enquanto uma região unitária1. Além disso, após 1991, tal termo foi formalmente adotado pelas repúblicas ex-soviéticas no contexto de sua independência política (Malik, 1994). 1 Para uma visualização de informações gerais sobre a Ásia Central, sugerimos consultar os quadros da seção de anexos (Anexos B, C, D, E e F). 20 Mapa 1 – A região da Ásia Central e suas características físicas. Fonte: Elaboração via Software Q-Gis, a partir de dados coletados em Soucek (2000). Os cinco países também compartilham uma trajetória civilizacional influenciada pela cultura e língua persa e turca, são majoritariamente muçulmanos sunitas e possuem história que remonta aos antigos itinerários da Rota da Seda e à experiência socialista (Hambly, 1985; Rodrigues, 1999; Capisani, 2000). Como isso sugere, a Ásia Central foi importante elo geoestratégico entre os circuitos econômicos internacionais e parte de grandes impérios da história, como o Aquemênida (550-330 a.C.), o “Estado Universal” de Alexandre o Grande (336-323 a.C.), o Império Greco-Bactriano (250-125 a.C.), o Império Cuchano (séculos I a IV), o Império Heftalita (V a VI), o Canato Goturco (VI a VII), os Impérios Arábe e perso-turco-islamizados (VII a XIII), Mongol (XIII a XIV) e o Império Timúrida (XIV a XV)2 (Hambly, 1985). Consequentemente, apesar de possuírem raízes étnicas próximas, o 2 Basta dizer que esses projetos situaram-se substancialmente entre o Amu Darya e o Syr Darya, na chamada Transoxiana, em grego “para além do rio Oxus” (nome dado ao Amu Darya) ou Mawara al-Nahr, em árabe. A região somada à Corásmia (Khorezm) faziam parte do Grande Coração (Khorasan), em outras palavras, à parcela meridional da Ásia Central, nos atuais Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão, bem como à parte sul do Cazaquistão e Quirguistão. O alto potencial de irrigação existente neste local, desenvolvido desde a Antiguidade pelos primeiros agrupamentos regionais, permitiu o surgimento de uma civilização sedentária, formada em sua maioria por povos de origem persa (sogdianos, bactrianos e corásmios), que acabou 21 contato entre esses povos nem sempre foi pacífico e os choques civilizacionais entre comunidades sedentárias e tribos confederadas nômades3 ocorriam tanto em função das características organizacionais dessas sociedades como de seu entorno estratégico e da natureza geográfica “comprimida” entre “grandes potências”4 (Rodrigues, 1999). Em meados do século XIX, a região, posteriormente rebatizada de “área pivô” pelo geoestrategista britânico Halford Mackinder (1904), passou a ser foco de tensões entre ingleses e russos no que a historiografia convencionou chamar de “Grande Jogo” (1813-1907)5, e, então subjugada pelo poder colonial czarista, a Ásia Central permaneceu sob a esfera de influência do Império Russo até o seu fim, em 1917 (Hopkisk, 1990). Acima de tudo, a região jamais possuiu uma unidade política singular e por séculos esteve fragmentada politicamente, reflexo do extenso histórico de invasões e de sua posição entre Ocidente e Oriente. Com a Revolução Russa, em geral, houve reordenação das sociedades centro-asiáticas em torno do Estado. No entanto, cada processo revolucionário possuiu sua própria “personalidade”, resultado de arranjos políticos locais que acompanharam a Revolução e a Guerra Civil (1917-1921), por um lado, e a construção de uma nova estrutura estatal, por outro (Pereira, 2017; Visentini, 2017). Se faz igualmente importante destacar que a região, que ocupa uma área de aproximadamente 4 milhões de km², abrange uma infinidade de recursos naturais. Estima-se que suas reservas de petróleo somadas atinjam 31,2 bilhões de barris, enquanto que as reservas de gás natural alcancem 11,76 trilhões de metros cúbicos, inferiores apenas às quantidades disponíveis na Rússia, Irã e Catar. O Cazaquistão, com 2,7 milhões de km², é o maior país sem litoral do mundo e se destaca pela produção de hidrocarbonetos, carvão e urânio. Similarmente, o Turcomenistão, com 488 mil km², é conhecido por suas enormes 5 O termo “Grande Jogo” foi cunhado pelo militar, então agente do serviço secreto britânico, Arthur Conolly (1807-1842) para descrever a disputa por influência política sobre a região. Esse conflito inflou duas conflagrações lideradas pela Grã-Bretanha ao Emirado do Afeganistão, a Primeira (1839-1842) e a Segunda (1878-1880) Guerra Anglo-Afegãs, das quais foram traçadas as delimitações territoriais do atual Afeganistão para tornar o espaço um campo de neutralidade entre russos e ingleses, que naquela altura ocupavam o subcontinente indiano na forma do Raj Britânico (atuais Paquistão, Índia, Sir Lanka, Bangladesh e Myanmar) (Hopkisk, 1990). 4 É importante ressaltar que, desde as descobertas das rotas comerciais marítimas (século XVI), quais deslocaram o eixo da economia mundial entre Ocidente e Oriente para os oceanos Atlântico e Índico, centros comerciais da antiga Rota da Seda, como Bukhara, Samarcanda e Merv, começaram a declinar constantemente, igualmente facilitado por uma complexa interação de conflitos étnicos, rivalidades e transformações de poder (Hambly 1985). 3 Oriundos dos povos altaicos de origem túrquica e mongol que se estabeleceram na faixa setentrional centro-asiática, referente aos atuais Cazaquistão e Quirguistão. A região Norte, delimitada desde o curso superior do Syr Darya até ao vale do rio Ili (entre as montanhas de Altai e Tian Shan) também era denominada pelos turcos e russos como Yet Su e Semirechye (ou “terra dos Sete Rios”). estabelecendo a agricultura, o comércio e a cultura. Todos esses territórios reunidos formaram o “Turquestão”, conforme estabelecido por etnógrafos russos no período da conquista, durante os séculos XVIII e XIX. 22 reservas energéticas, sobretudo aquelas advindas do Mar Cáspio. Já o Uzbequistão, localizado no “coração” centro-asiático, possui um território de 448 mil km² com grandes quantidades de gás, ouro e disposição para a agricultura, sendo também o único do local a fazer fronteira com os demais Estados regionais, incluindo o Afeganistão. Já o Quirguistão e o Tadjiquistão, com áreas de 199 e 144 mil km², respectivamente, destacam-se pela abundância de recursos hídricos e pelo potencial mineral (Kojima, 2013; CIA, 2024). Em termos econômicos, dadas particularidades estrategicamente relevantes à produção energética e à mineração, de acordo com o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), é esperado que o PIB das repúblicas centro-asiáticas cresça 5,9% em 2024 (Fanger, 2023). Embora o nível de exploração desses hidrocarbonetos ainda seja baixo, devido à carência de uma infraestrutura completa e ampla para a extração e, principalmente, para a logística, o extrativismo segue sendo a principal atividade econômica da Ásia Central. O setor agrícola também desempenha papel significativo, especialmente nas estepes ao Norte e nos vales ao Sul6, com destaque para o cultivo de algodão e de grãos, fortemente incentivado durante a era soviética. Na esfera manufatureira, predominam as indústrias de processamento de minérios, têxtil e alimentícia, variando a relevância de cada setor conforme a disponibilidade e produção de matéria-prima nos países. Atualmente a população total da região, dividida entre turco-mongois, eslavos e persas7, ultrapassa 72 milhões de habitantes, com destaque para o Uzbequistão, que concentra 36 milhões dessa parcela (AsiaPlus, 2021; CIA, 2024). Todos esses elementos reunidos são essenciais para compreendermos a posição geopolítica que a Ásia Central sustenta no mundo pós-1991, ou no cenário do “Novo Grande Jogo”. O conceito, cunhado pelo jornalista britânico Lutz Klevemantermo, em 2003, descreve a competição travada por grandes potências — EUA, Rússia e China — e potências regionais — Irã, Turquia, Índia — pelos recursos da região (Klevemantermo, 2003). Nas palavras de Zehra Akbar (2012, p.10), “considerando que o antigo ‘Grande Jogo’ surgiu com o fortalecimento do Império Russo, o ‘Novo Grande Jogo’ resultou do seu fim”, neste caso com a desintegração soviética. No entanto, ao contrário da disputa do século XIX, focada na expansão imperialista sobre áreas geográficas específicas, a nova configuração deste conflito 7 Respectivamente: cazaques, quirguizes, turcomenos, uzbeques, karakalpaques, uigures, turcos, tártaros, dunganos, russos, ucranianos, bielorrussos e tadjiques/persas. Além dos povos citados, existe ainda uma parcela de alemães e coreanos. 6 Em países como Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão, a agropecuária contribui com mais de 20% do PIB nacional (Kojima, 2013). 23 se detém à busca pela influência econômica e às reservas de petróleo e gás, em um cenário de multipolaridade (Duarte, 2011). Nesse contexto, impulsionados pelos efeitos imediatos da globalização, os regimes centro-asiáticos recém-estabelecidos enxergaram a tendência do regionalismo como alternativa para garantir sua sobrevivência em um Sistema Internacional cujas novas dinâmicas de poder acentuavam as complexidades deixadas pelo colapso da URSS. Assim, essas nações rapidamente criaram suas próprias estruturas de cooperação, como a União da Ásia Central (CAU) em 1994, a Comunidade Econômica da Ásia Central (CAEC) em 1998 e, posteriormente, a Organização de Cooperação da Ásia Central (CACO) em 2002. No entanto, dado o fracasso dessas instituições, uma série de debates sobre as razões do insucesso foi iniciada. Alguns argumentos próximos do debate realista das Relações Internacionais, apontaram para a falta de uma liderança local que assumisse os custos de um processo regional efetivo. Outros, mais inclinados ao construtivismo e liberalismo, identificaram o limitado papel de atores não estatais nesse processo, a falta de interdependência econômica significativa, suas divergências de coesão identitária multinível — em termos de idioma, etnia e religião — e, especialmente, a inexistência de sistemas liberais capazes de sustentar a delegação de soberania a arranjos supranacionais mais profundos (Roy, 2000; Spechler, 2002; Olcott, 2004; Sadri, 2007; Allison, 2008; Collins, 2009; Laruelle & Peyrou, 2012). Contudo, apesar dessa argumentação, pouco se discute sobre a adesão das repúblicas centro-asiáticas a organizações lideradas por grandes potências, como Rússia e China, ou por parceiros como Turquia, Irã e Paquistão, mesmo quando os benefícios dessas associações são escassos. Consequentemente, a difusão desses organismos no local deu vazão para o fenômeno que o campo do regionalismo nas Relações Internacionais denomina de “regionalismo sobreposto”, quando Estados participam simultaneamente de várias organizações com competências semelhantes, gerando sobreposições de filiação, mandatos e agendas. Essas sobreposições indicam um dilema ao comprometerem a conformidade com regras específicas e impactarem negativamente a eficácia de um determinado arranjo cooperativo ou demais instituições, em um contexto regional mais amplo (Weiffen et al., 2013; Nolte, 2014; Panke & Stapel, 2018). Contudo, os estudos existentes sobre o tema não exploram em profundidade por que os Estados optam por essa multiplicidade de adesões ou em que circunstâncias essas dinâmicas levam o regionalismo ao colapso. Algo que acontece no caso da Ásia Central, uma vez que essas repúblicas continuam vinculadas a iniciativas de cooperação política, 24 econômica e de segurança lideradas por atores externos, mesmo sem resultados significativos, em vez de concentrarem esforços em um próprio projeto. Por que isso ocorre? Enquanto os estudos sobre regionalismo frequentemente enfatizam aspectos cooperativos sob uma perspectiva liberal, a abordagem geopolítica, alinhada ao paradigma realista, lança luz sobre as rivalidades e os interesses estratégicos que moldam essas dinâmicas. Logo, este trabalho argumenta que a resposta para a pergunta do parágrafo anterior reside no campo da geopolítica. Ademais, compreender como poder, espaço e interdependência se inter-relacionam é essencial para rastrear as origens e os impulsionadores do regionalismo sobreposto centro-asiático. Objetivamente, nos perguntamos, enquanto problema de pesquisa norteador: Como a sobreposição reflete a relação entre regionalismo e geopolítica na Ásia Central? Para responder a essa questão, a hipótese testada é que a influência geopolítica de potências externas sobre a Ásia Central: 1) incentiva a sobreposição de participação em organizações regionais por parte dos Estados centro-asiáticos; e 2) contribui para um regionalismo fragmentado e uma integração regional limitada. Especificamente, enquanto objetivos busca-se: 1. Identificar as principais organizações regionais das quais os Estados centro-asiáticos participam e suas respectivas funções; 2. Descrever a competição e a influência geopolítica de potências externas sobre a Ásia Central por meio de organizações regionais; 3. Examinar a sobreposição institucional como consequência de pressões externas; e 4. Investigar a relação entre a competição geopolítica e o fraco regionalismo na Ásia Central. Para fins conceituais, este trabalho adota a definição de regionalismo proposta por Elói Senhoras (2015, p.413-414), que o caracteriza como a manifestação “política de uma região por meio de ações ou negociações compartilhadas para promover acordos de cooperação e/ou integração regional”. Enquanto que a geopolítica será entendida como o estudo da política internacional organizado em torno do espaço geográfico do Estado, de forma que seu objeto central é a interação mutável entre poder e território (Hagan, 1942; Haushofer, 1998). Considerando o fim da URSS um ponto de partida crucial para entendermos o contexto da inserção sistêmica dos jovens Estados centro-asiáticos e o início de seus projetos de regionalismo, o recorte temporal da análise cobre o período de 1991 a 2021, englobando desde a independência de tais repúblicas até a retomada das conversas sobre a cooperação regional entre seus líderes, após a pandemia de COVID-19. Além disso, o 25 ano de 2021 marcou também, ainda que não seja objeto deste trabalho, a emblemática retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão e, portanto, seu afastamento da Ásia Central. Em termos metodológicos, a pesquisa utiliza o método qualitativo, baseado na revisão bibliográfica e na análise de fontes primárias, com o suporte do modelo analítico de equilíbrio institucional de Kai He (2008). Este modelo é particularmente útil por conectar regionalismo e geopolítica, permitindo compreender os processos de adesão a organizações regionais, a partir de duas principais variáveis, 1) a distribuição de capacidades de poder e 2) o grau de interdependência econômica, o que será particularmente instrumentalizado para estudar a sobreposição institucional no caso centro-asiático. Para tanto, esse exercício irá mensurar a distribuição de poder e a interdependência por intermédio do “poder concreto” (militar) e “potencial” (riqueza e população) conforme John Mearsheimer (2001), além dos fluxos comerciais entre as repúblicas e seus principais parceiros. Por extensão, a análise considera dados de atores como UE, Paquistão, Irã, Turquia, Índia, EUA, Rússia e China, devido às suas interações econômicas, geográficas, culturais e históricas com a Ásia Central e sua participação em organizações regionais relevantes no contexto asiático. Essa dissertação está organizada em quatro capítulos principais, onde os dois primeiros possuem o caráter descritivo e exploratório, dada a natureza de seus objetivos, proporcionando um aprofundamento essencial para o entendimento do trabalho, enquanto os dois últimos são predominantemente analíticos. Especificamente, no primeiro — Regionalismo e Geopolítica no debate das Relações Internacionais —, busca-se introduzir o leitor à discussão central do trabalho, apresentando conceitos e termos fundamentais. Em seguida, no capítulo A Ásia Central pós-1991 e suas iniciativas regionais: alcances e limitações, o foco recai sobre o nível regional, atendendo ao primeiro objetivo de pesquisa. Na terceira parte — A influência geopolítica estrangeira e os projetos extrarregionais: “novos atores”, velhos desafios —, examina-se o nível extrarregional, complementando o primeiro objetivo, atendendo ao segundo e preparando o ambiente para as discussões do trabalho. Por fim, o quarto capítulo de conteúdo — O dilema da sobreposição: regionalismo e geopolítica na Ásia Central — apresenta a discussão deste estudo e realiza a aplicação de suas hipóteses, atingindo os dois últimos objetivos do trabalho. 26 2.REGIONALISMO E GEOPOLÍTICA NO DEBATE DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Este capítulo apresenta a revisão teórica sobre regionalismo e geopolítica, explorando como essas duas abordagens se articulam no campo das Relações Internacionais (RIs) e contribuem para a compreensão das dinâmicas regionais e globais de poder. Enquanto objetivo central, busca-se estabelecer os fundamentos teóricos necessários para interpretar os fenômenos examinados ao longo deste trabalho, particularmente o regionalismo sobreposto na Ásia Central. Ao integrar perspectivas teóricas distintas, como a ênfase cooperativa do regionalismo e a dimensão estratégica da geopolítica, pretende-se oferecer arcabouço conceitual capaz de elucidar as interações entre interesses estratégicos, competição por influência e a fragmentação institucional na região centro-asiática. 2.1 A dimensão regional das RIs, debates e agendas Ao longo do tempo, as regiões têm sido definidas de diversas maneiras no campo das Relações Internacionais, podendo ser interpretadas como entidades pré-determinadas e estáticas, ou como construções sociais de caráter dinâmico. No debate construtivista, argumenta-se que as regiões são configuradas por uma variedade de atores, estatais e não estatais, cujos significados sujeitam-se a re-interpretações constantes, conforme mudam motivações, interesses e narrativas (Riggirozzi & Tussie, 2012). Essa perspectiva enfatiza a forma como os atores políticos concebem e interpretam a ideia de uma região, abordando conceitos como “regionalidade” e “construção regional”. Nesse sentido, Fredrik Söderbaum (2011, p.6) afirma não existirem regiões “naturais”; sendo “todas elas, pelo menos potencialmente, heterogêneas, com limites territoriais indefinidos”. Para Elói Senhoras (2015, p.413), as regiões podem ainda ser entendidas de maneira estática, enquanto áreas geográficas homogêneas ou heterogêneas, geralmente adjacentes em termos continentais, ou podem ser analisadas dinamicamente, abrangendo tanto espaços internacionais que concentram redes de produção integrada quanto “macroáreas” onde são institucionalizados blocos regionais. Enquanto a primeira interpretação possui raízes na análise geopolítica clássica, desenvolvida com o objetivo de orientar a formulação de políticas externas e planejar a projeção internacional dos Estados em um ambiente competitivo, a segunda perspectiva foca na identificação de padrões de interação entre diferentes atores, que 27 podem se manifestar em acordos regionais de cooperação multitemática ou em arranjos produtivos locais com implicações mais amplas. Esses arranjos, ainda conforme Senhoras (2015), frequentemente de natureza econômica, são conduzidos por iniciativas “paradiplomáticas”, reforçando a ideia de que as regiões não se restringem apenas às delimitações geográficas, e incluem aspectos políticos que transcendem as fronteiras nacionais. A partir dessa definição e, para os fins deste trabalho, o regionalismo, portanto: [...] exprime a natureza política presente na manifestação espacial de uma região, sendo considerada toda ação ou negociação voluntária compartilhada com o objetivo fundamental de promover acordos de cooperação e/ou de integração regional (Senhoras, 2015, p.413-414). Em adição, para Andrew Hurrell: O regionalismo é melhor observado como um processo instável e indeterminado de lógicas múltiplas e concorrentes, sem uma teleologia dominante ou ponto de chegada único, e regiões dinâmicas são inerentemente instáveis com pouca possibilidade de congelar o status quo (Hurrell, 2007, p.130). Buscando classificar tal fenômeno, a partir do grau de institucionalização das práticas regionais, Karina Mariano, Regiane Bressan e Bruno Luciano (2021) propõem uma subdivisão do que denominam “regionalismo empírico” que, para os autores, pode ser separado em três categorias: Consulta, Cooperação e Integração. No primeiro nível, os Estados desempenham um papel central no processo de regionalização, embora possuam uma agenda restrita e quadros organizacionais pouco consolidados. No segundo, por sua vez, o design institucional e a escala de interdependência entre os atores regionais permanecem limitados, no entanto, mecanismos de consulta mais complexos passam a operar agendas prioritárias. Por fim, na última categoria, há um maior envolvimento de atores estatais, não-estatais e regionais, com uma agenda ampla e um consenso sobre normas comuns, desde temáticas de cunho social e político a tópicos estritamente econômicos e comerciais. Devido à profundidade institucional, o regionalismo caracterizado pela etapa da Integração tende a possuir organizações mais duradouras, cuja dimensão econômica é, consequentemente, maior (Mariano, Bressan & Luciano, 2021). Assim, a regionalização, enquanto um processo estruturado, pode assumir diversas configurações e graus de intensidade, resultando na formação de diferentes arquiteturas formais, desde zonas de livre comércio até uniões aduaneiras, avançando para níveis mais profundos de integração econômica, física e, em última análise, política. Esse fenômeno reflete um movimento centrípeto, no qual os países buscam fortalecer laços e ampliar a cooperação mútua em 28 diferentes segmentos (Beçak, 2000; Senhoras, 2015), como, nas palavras de Ernst Haas (2004, p.16), é um “processo pelo qual atores políticos em cenários nacionais distintos são persuadidos a mudar suas lealdades, expectativas e atividades políticas em direção a um novo centro, cujas instituições possuem ou exigem jurisdição sobre os Estados-Nação preexistentes”. 2.1.1 O regionalismo e as teorias de Relações Internacionais Conforme indicam as definições preliminares descritas anteriormente, o regionalismo tem sido estudado a partir de diversos prismas teóricos das Relações Internacionais, especialmente, sob a ótica sistêmica influenciada pelo debate realista-idealista. Para o realismo ou o chamado paradigma “Estado-cêntrico”, os atores estatais são os principais agentes da política global, onde existe uma diferença objetiva entre a “alta política” (high politics) — questões de defesa, segurança, conflitos e política externa — e a “baixa política” (low politics) — assuntos relacionados à economia, comércio e sociedade (Allison, 1971; Waltz, 1979). Essa abordagem teórica normalmente destaca como fatores exógenos, tais quais a configuração de polaridade no sistema internacional — unipolar, bipolar, multipolar — e o comportamento das grandes potências, afetam as dinâmicas regionais (Börzel, 2016). Para o realismo, quando a sobrevivência é o objetivo primordial de qualquer Estado, o regionalismo é analisado pela lente da formação de alianças, destinadas a balancear o poder de Estados rivais, seguindo uma lógica neomercantilista que reflete a competição por influência diante de ameaças regionais internas ou externas (Mariano & Mariano, 2002; Mesquita, 2019). Em outros termos, a ordem e a estabilidade podem ser mantidas por meio de coalizões estatais mutáveis, que impedem qualquer um deles de se tornar excessivamente poderoso e ameaçar a paz e a segurança dos demais — a essência da teoria do “equilíbrio de poder”. Nesse sentido, o intergovernamentalismo realista, desenvolvido por Stanley Hoffman (1966), sustenta que a “cessão” parcial de soberania, frequentemente associada ao processo de regionalização, só seria atrativa aos Estados caso contribuísse para a sua sobrevivência. Por sua vez, Hoffman (1966) defende que esse movimento tenderia a ocorrer em três situações, quando: 1) o Estado fosse estruturalmente frágil para garantir sua própria defesa; 2) diante da existência de um ator extrarregional cujo poder represente uma ameaça, a formação de alianças locais fosse potencializada; ou 3) na presença de um Estado regional dominante, existisse a possibilidade de limitar seus poderes por meio de instituições. Em outras palavras, nos cenários apresentados, restariam aos países “mais fracos” duas estratégias: o 29 balanceamento (balancing), que envolve a formação de alianças, como acordos militares, para restringir a atuação do Estado hegemônico; ou o alinhamento (bandwagoning), que consiste em um apoio ao hegemon, especialmente quando a disparidade de força for incontornável8 (Keohane, 1980; Snidal, 1985). Porém, além desses comportamentos, Hurrell (1995) apresenta uma terceira possibilidade, em que a iniciativa do regionalismo surge do Estado mais poderoso. Segundo ele, o hegemon pode buscar a criação de instituições regionais em contextos de declínio relativo de seus recursos, como forma de assegurar a cooperação e consolidar sua influência (Hurrell, 1995). Em contrapartida, o idealismo ou liberalismo, das Relações Internacionais enxerga a regionalização como ferramenta para reduzir os riscos de conflitos, destacando a relevância da interdependência estrutural no contexto da globalização para esse processo. Para as abordagens liberais, a interdependência interpreta as relações entre atores estatais e não estatais como algo que transcende disputas restritas à força e à segurança (Keohane & Nye, 2000). De acordo com Robert Keohane e Joseph Nye (1989, p.105), “a interdependência refere-se a situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre atores em diferentes países”. Esses efeitos não precisam abranger a totalidade das relações interestatais, podendo se concentrar em áreas específicas, as quais, contudo, impactam na dinâmica externa. Assim, embora o poder continue sendo um elemento significativo para a análise da interdependência, ele abrange também as dimensões da “baixa política” (Keohane & Nye, 1989). Sob a ótica idealista, o intergovernamentalismo liberal de Andrew Moravcsik (1998), embora posicione o Estado soberano enquanto ator principal das discussões — tal qual faz o intergovernamentalismo realista —, interpreta a interação estatal como um dilema de ação coletiva orientado para a maximização de benefícios. Além disso, em vez de constituir uma teoria única e uniforme, é possível considerar o intergovernamentalismo liberal enquanto síntese teórica, pois fragmenta o processo de integração em três etapas, analisando-as, cada uma, sob perspectivas específicas. Na primeira, os Estados definem suas preferências, que variam ao longo do tempo e são formadas pela agregação das demandas de atores domésticos, geralmente liderados por grandes produtores econômicos. Na segunda, ocorre a barganha entre os Estados, onde o poder relativo e o nível de informação sobre as preferências são cruciais. Por fim, na terceira etapa, os Estados criam instituições para garantir o cumprimento 8 Essa perspectiva guarda relação com a Teoria da Transição de Poder, a qual sugere que conflitos tendem a ser menos frequentes quando há uma grande desigualdade na distribuição de capacidades entre os Estados, mas aumentam à medida que essas capacidades se tornam homogêneas (Tammen, 2008). 30 dos acordos, seguindo uma lógica institucionalista neoliberal (Moravcsik & Schimmelfennig, 2017). Outra abordagem alinhada ao idealismo consiste no neofuncionalismo de Ernst Haas (1958). Diferente do intergovernamentalismo liberal, que atribui muito mais agência aos Estados enquanto condutores do fenômeno de regionalização, o neofuncionalismo confere maior ênfase aos atores sociais e suas demandas, estilizando assim a integração regional como um processo face ao qual os governos possuem pouca prerrogativa de resistência. Para tal perspectiva, níveis mais altos de interdependência incentivariam os países a cooperar na gestão de problemas coletivos, de forma que o engajamento em áreas sociais, culturais e econômicas, ou seja, na “baixa política”, geraria um efeito de “transbordamento” (spillover) que elevaria a colaboração ao patamar das políticas de Estado, “alta política”, promovendo, em última análise, uma maior integração (Haas, 2004). De acordo com o neofuncionalismo, o regionalismo é produzido por um movimento de “demanda e oferta”, pelo qual dois agentes centrais possuem o protagonismo, a sociedade transnacional e as organizações supranacionais (Schimmelfennig, 2018; Mesquita, 2019). De maneira geral para os neofuncionalistas as instituições são vistas como os meios mais eficazes para resolver problemas comuns, “essas instituições, por sua vez, são instrumentais para a criação de spillovers funcionais, bem como políticos, e, em última instância, levam a uma redefinição da identidade do grupo em torno da unidade regional” (Söderbaum, 2011, p.10). Sob a mesma perspectiva, Joseph Nye (1971) defende que condições favoráveis para a integração são mais prováveis quando os Estados possuem maior simetria ou igualdade econômica entre eles, sugerindo, para o caso dos países em desenvolvimento, quanto menor for a renda per capita da região, maior deve ser a homogeneidade no tamanho das suas economias. Além do debate teórico realista-idealista, o regionalismo nas Relações Internacionais pode também ser analisado pelo construtivismo, que Hurrell (1995) classifica como terceira vertente teórica sobre o fenômeno. Essa abordagem propõe o conceito de “interdependência cognitiva”, enfatizando aspectos como o senso de pertencimento a uma região, níveis de confiança mútua e a construção de uma identidade compartilhada. Tal coesão se traduz no consenso entre os atores regionais quanto à partilha de recursos e ao engajamento em questões econômicas e sociais, refletindo a dimensão comunitária de um espaço construído coletivamente e abrangendo tanto os agentes internos quanto externos à região (Hurrell, 1995). Nesse contexto, Barry Buzan (1991) desenvolve o conceito de “complexo regional de segurança”, definido como “um conjunto de Estados cujas principais percepções e 31 preocupações de segurança estão tão interligadas que seus problemas de segurança nacional não podem ser razoavelmente analisados ou resolvidos separadamente” (Buzan, 1991, p.198). Assim, valores amplamente compartilhados entre os atores e a existência de uma ameaça externa desestabilizadora tornam-se condições fundamentais para o processo de integração. 2.1.2 A evolução dos estudos de regionalismo e suas agendas Em termos de campo de pesquisa, o estudo do regionalismo pode ser dividido em quatro fases principais. A primeira, surgida no pós-Segunda Guerra Mundial, priorizou a reconstrução econômica e a integração política, especialmente na Europa, com foco na criação de organizações regionais e nas condições que levam os Estados a formá-las (Haas, 1961; Lindberg, 1963). A segunda fase acompanhou a transformação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) em Comunidade Econômica Europeia (CEE) em 1957, ampliando o foco comercial para questões supranacionais. Nesse período, os estudos exploraram substancialmente as dinâmicas que promovem o desenvolvimento e a evolução dessas organizações (Nye, 1968; Balassa, 1973). A partir do fim da Guerra Fria, com o advento da globalização e da reconfiguração da ordem mundial, os anos 1980 e 1990 marcaram a terceira fase de estudos regionalistas, focados, sobretudo na evolução de organismos regionais fora da Europa e no surgimento de grupos transnacionais da sociedade civil e seus efeitos para a dinâmica global. Desde então, ao passo que a complexidade do tema aumentou, houve extenso corpo de pesquisas sobre as interações entre atores estatais e não estatais, instituições e processos formativos de múltiplos níveis, regionalismo comparado, etc. (Hettne & Söderbaum, 2000; Beeson, 2006; Acharya, 2014). Diante dos desafios transnacionais e da multipolaridade desse contexto, Söderbaum (2016) identificou que os anos posteriores a 2000 marcaram uma quarta fase dos estudos regionais, caracterizada pela fragmentação do consenso pós-Guerra Fria, da ascensão de novas potências e da maior regionalização do Sistema Internacional (Acharya, 2014). Assim podemos considerar que as pesquisas das últimas duas fases aprofundaram-se, respectivamente, na interação entre níveis estatal e regional, analisando o processo de formulação das políticas (Moravcsik, 1998) e os impactos das participações nesses arranjos (Börzel, 2016). Mais do que simplesmente apontar para uma infinidade de novas tendências, como designs institucionais e o papel de atores não estatais nessas organizações, as contribuições da terceira e quarta fase sublinham os diferentes fenômenos da ordem mundial, evidenciando o 32 crescente papel do regionalismo para a governança (Söderbaum, 2016). Nesse contexto surgiram as circunstâncias onde os Estados unem-se a vários arranjos simultaneamente, criando sobreposições entre eles não apenas em relação à associação per si, mas também em relação aos termos de seus respectivos mandatos políticos. Essa dinâmica, conhecida como “regionalismo sobreposto” (overlapping regionalism), deriva da ideia da “tigela de espaguete” (spaghetti bowl), inicialmente identificada por economistas e posteriormente incorporada à literatura de regimes internacionais (Alter & Meunier, 2009). Alguns estudos sobre esse fenômeno foram realizados por Brigitte Weiffen et al. (2013) e Detlef Nolte (2014), que analisaram como organizações regionais na América do Sul compartilham Estados-membros e, em parte, incidem em áreas políticas similares. Outras pesquisas investigaram os efeitos da filiação sobreposta em acordos comerciais regionais e em questões de segurança (Chacha, 2014; Hofmann, 2011). Nolte (2014) sustenta que, devido à sobreposição de múltiplas organizações, uma região pode ser entendida como um complexo de governança regional, no qual as interações entre arranjos podem levar tanto à cooperação quanto à fragmentação, dependendo das condições predominantes. Além disso, o regionalismo sobreposto traz implicações significativas (Hofmann, 2011), pois tende a colocar os Estados, que participam simultaneamente em mais de uma instituição, diante de regras conflitantes e mutuamente exclusivas — como, por exemplo, exigências divergentes para o livre comércio de determinados bens ou serviços. Contudo, embora tais contribuições descrevam e categorizem casos, fornecendo análises importantes sobre os atores envolvidos nesse processo e seus impactos, segundo Diana Panke e Soren Stapel (2018) a literatura temática do regionalismo sobreposto ainda carece de estudos mais aprofundados sobre essas manifestações, explorando as razões pelas quais os países optam por aderir a múltiplos projetos regionais, e as circunstâncias sob as quais tais dinâmicas encontram seus limites e o regionalismo colapsa, conforme será discutido nos próximos capítulos. 2.2 O fator geopolítico nas RIs, contribuições e propostas analíticas O termo geopolítica (geopolitik) foi oficialmente concebido por Rudolf Kjellén (1864-1922), em 1899, que o caracterizou como “a teoria do Estado enquanto um organismo geográfico, bem como um fenômeno social situado no espaço” (Kjellén, 1916, p.39 apud Tunander, 2001). No entanto, sua definição não é unânime, havendo uma multiplicidade de conceitos em seu entorno. De acordo com a Encyclopedia Britannica, a geopolítica pode ser entendida como a “análise das influências geográficas sobre as relações de poder nas 33 dinâmicas internacionais” (2024, s.p, online). Enquanto para o Longman Dictionary of Contemporary English, o termo representaria “o estudo do impacto da localização geográfica, população e outros fatores de um país em sua política” (2024, s.p, online). Já para Karl Haushofer (1998, p.33), a geopolítica seria uma área de conhecimentos abrangente, declarando que ela “é a ciência nacional do Estado [...] uma doutrina baseada no determinismo espacial que molda os processos políticos, fundamentada na geografia, especialmente na geografia política”. Dentro dessa perspectiva, Charles Hagan oferece outra definição, considerando que: [a] geopolítica é a análise da interação entre os contextos e as perspectivas geográficas, por um lado, e os processos políticos, por outro. [...] Tanto os contextos geográficos quanto os processos políticos são dinâmicos, influenciando-se mutuamente. A geopolítica, portanto, aborda as consequências dessa interação (Hagan,1942, p.478). Como na arena internacional a distribuição de capacidades e a competição entre as potências moldam os contornos e a estrutura do espaço, a posição geográfica do Estado é a base fundamental para “o gerenciamento estratégico dos seus interesses geopolíticos”, de acordo com Zbigniew Brzezinski (1997, p.31). Contudo, a configuração da geopolítica é dinâmica e acompanha as mudanças no equilíbrio de poder. Conforme advertiu George Friedman (2019, p.1), “descobrir a ordem subjacente no sistema geopolítico confere ordem às decisões políticas dos países [...] Mas essa ordem não é permanente. Ela muda à medida que o poder muda”. Em outras palavras, a geopolítica pode ser compreendida — e será, para os fins desta dissertação — enquanto o estudo e a prática da política internacional, organizada a partir do espaço geográfico do Estado, de forma que seu objeto central é a interação mutável entre poder e território. Mais do que isso, porém, é fundamental considerar a geopolítica como um amplo campo de estudo, que busca capsular a confluência de diferentes áreas do conhecimento, incluindo a estratégia. Jakub Grygiel (2006), por exemplo, ao explorar a relação entre geografia e seus aspectos estratégicos, cunhou o termo holístico “geo-estratégia”, enfatizando o papel do espaço geográfico para a política estatal. Sob tal perspectiva, outros autores, como Raymond Aron (1966), ressaltaram a importância dessa interdependência ao afirmarem que a estratégia representa um movimento tático, sendo moldada pelos meios de transporte e comunicação, de modo que a utilização do terreno se tornaria essencial para o alcance de determinados objetivos. Grosso modo, no contexto da projeção de força, onde fatores geopolíticos se sobrepõem, a geoestratégia se distingue como o estudo dos elementos geográficos em função da decisão estratégica, não podendo, portanto, ser dissociada da 34 geopolítica. Da mesma forma, outra variável indispensável para uma compreensão mais ampla do campo é o componente cultural, conforme abordado a seguir. 2.2.1 As proposições de Ratzel, Kjellén e Mackinder e o campo da geopolítica Friedrich Ratzel (1844-1904) é considerado o nome mais influente da geografia política. Sua obra Politische Geographie (1897) e o artigo Laws on the Spatial Growth of States (1896) estabeleceram os fundamentos conceituais para o termo cunhado por Kjellén anos mais tarde. Ao desenvolver a teoria orgânica do Estado, que compara o ator estatal a um organismo biológico — sendo o território seu corpo — , Ratzel considerava que a geografia era uma parte indispensável e inseparável das ciências sociais, argumentando que todo o complexo interconectado dessa área de conhecimento só poderia se desenvolver a partir de uma base geográfica definida e que, ao negligenciá-la, tais ciências careceriam de fundamento, construindo suas teorias “no ar” (Ratzel, 1969). Conforme os pressupostos de Ratzel, uma vez que o Estado é um organismo vivo, o crescimento estatal faz parte de sua essência, levando à absorção “natural” de Estados menores e menos desenvolvidos. Para o teórico, o Estado possuia suas “raízes” na terra, crescendo de acordo com a natureza de sua localização, ou seja, buscava organicamente a expansão territorial (Ratzel, 1969). Inspirado por tal perspectiva “antropogeográfica”, Kjellén estabeleceu a distinção definitiva entre geografia política e geopolítica, caracterizando a primeira como uma disciplina estática dentro das ciências geográficas, enquanto a segunda, dinâmica, pertencente ao campo da ciência política. Kjellén argumentava que o “organismo geográfico” do Estado era uma entidade mutável, que crescia “naturalmente” com maior vitalidade se baseada na “cultura”. Logo, para ele, as fronteiras nacionais não eram fixas, mas moldáveis, representando aspirações ou tentativas de legitimar a ação estatal a partir do seu “vigor” ou “superioridade” cultural (Kjellén, 1916 apud Tunander, 2001). Por fim, embora seja verdade que os principais teóricos da geopolítica sejam alemães, foi um inglês, Halford Mackinder (1861-1947), quem efetivamente “pavimentou” o campo — ainda que ele próprio nunca tenha utilizado formalmente o termo. Mackinder possuiu duas grandes ambições, a primeira envolveu estabelecer a geografia como uma ciência independente na Grã-Bretanha, buscando reduzir a distância em relação à Europa continental, que, em sua visão, estava muito mais avançada tanto no estudo quanto na aplicação prática da disciplina. Por sua vez, a segunda consistiu em desenvolver uma teoria capaz de assegurar a sobrevivência do poder imperial britânico diante das ameaças potenciais representadas pelas 35 duas principais potências geográficas emergentes de sua época, a Alemanha e a Rússia (Baracuhy, 2021). Contudo, pode-se dizer que foi na segunda empreitada que o geoestrategista deixou seu legado mais duradouro, desencadeando um efeito dominó que moldou os rumos da história. Conhecida como a teoria da “Ilha-Mundo” (Heartland), primeiramente no artigo The Geographical Pivot of History (1904) e, posteriormente, na obra Democratic Ideals and Reality: A Study in the Politics of Reconstruction (1919), Mackinder destacou a relevância estratégica da região euroasiática e da Ásia Central enquanto chave para o domínio global. Para ele, o Estado que controlasse o território do Heartland, ou o “pivô geográfico da história”, possuiria uma grande facilidade para se tornar um poder terrestre e marítimo e, em última instância, dominar o mundo (Mackinder, 1904). Resumidamente, Mackinder entendia a história como uma disputa contínua entre potências terrestres e marítimas e, ao reimaginar o globo enquanto imenso campo de batalha, onde a identificação e o controle de posições estratégicas seriam determinantes para alcançar a supremacia mundial, ele dividiu o mapa mundi em zonas e ilhas (Figura 1), estabelecendo uma correlação entre geografia e história. Figura 1 – Mapa do “Pivô geográfico da história” Fonte: Mackinder (1904, p.435). 36 Tal cenário foi, particularmente, concebido a partir da temida aproximação entre os impérios russo e alemão, que representava um risco para a posição do Reino Unido, naquele contexto, dependente do controle naval e da fragmentação das potências continentais. Acreditando na importância da geopolítica baseada no controle terrestre, Mackinder argumentava que a Inglaterra deveria impedir uma possível aliança russo-alemã para evitar que um único Estado ou coalizão dominasse o Heartland, garantindo a projeção de poder e a influência britânica (Baracuhy, 2021). A conclusão de sua análise resultou na famosa fórmula: “Quem domina a Europa Oriental controla o Heartland; quem domina o Heartland controla a World Island; quem domina a World Island controla o mundo” (Mackinder, 1919 apud Mello, 1999, p.56)9. A partir de então, outros teóricos importantes, como Nicholas Spykman e Zbigniew Brzezinski, fizeram adições à contribuição mackinderiana por intermédio das teorias do “Rimland” e da influência dos eixos geopolíticos. No entanto, Spykman não interpretou o Heartland como determinante para o equilíbrio de poder no Sistema Internacional, deslocando o foco de sua análise para as regiões costeiras do continente asiático, ou Rimland, e na importância de controlar áreas periféricas para influenciar as zonas centrais. Diferente de Mackinder, que escreveu durante a hegemonia britânica, Spykman também enfatizou a supremacia estadunidense nas obras America’s Strategy in World Politics (1942) e Geography of the Peace (1944), sendo considerado um precursor da “Estratégia de Contenção” desenvolvida por Washington no pós-Segunda Guerra (Baracuhy, 2021). Brzezinski, por sua vez, aplica uma perspectiva mais contemporânea às discussões. Ao analisar a competição entre potências globais pelo controle de eixos geopolíticos, recursos naturais e rotas de escoamento, o ex-Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA identificou como a Ásia Central é fundamental para a estabilidade e o domínio mundial. Durante a Guerra Fria, Brzezinski analisou o confronto estadunidense-soviético sob diferentes ângulos, em Game Plan: A Geostrategic Framework for the Conduct of the US-Soviet Contest (1986) e The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives (1997), e acreditava que, para conter o bloco socialista, a Casa Branca deveria implementar uma estratégia abrangente na Eurásia, devido à sua vasta população, grandes reservas energéticas e 9 Embora este trabalho enfatize a importância do poder terrestre na geopolítica, núcleo da contribuição de Mackinder, é fundamental destacar o contraponto apresentado pelo americano Alfred Thayer Mahan (1840-1914), que atribuiu ao poder naval um papel central no processo de consolidação das grandes potências. Mahan defendia que os estadunidenses deveriam adotar uma estratégia marítima assertiva para se posicionar entre os principais players globais de sua época, uma abordagem posteriormente ampliada por Nicholas Spykman (1893-1943), cuja “teoria das fímbrias marítimas” (1944) propunha a criação de um cinturão de contenção geopolítica para proteger os EUA (Baracuhy, 2021). 37 enorme extensão territorial. Para o autor, com o colapso da URSS e a ascensão dos EUA como única superpotência, o status quo eurasiático havia se tornando ainda mais relevante, principalmente para conter a expansão de “países hostis”, como a República Popular da China (Brzezinski 2012, p.155). Todavia, é imperativo reconhecer que o campo da geopolítica não limitou-se às análises geoestratégicas ou às perspectivas legatárias da contribuição de Mackinder, e hoje possui uma gama diversificada de estudos. Peter Taylor (1993), por exemplo, propôs o estabelecimento do que chamou de “códigos geopolíticos”, ou “produções do raciocínio geopolítico prático”, uma área de pesquisa que busca representar as estruturas geográficas e sintetizar a maneira como os governos concebem a distribuição do poder além de suas fronteiras, como condição prévia para conduzir sua política externa, alinhadas a interesses nacionais específicos (Taylor, 1993). Conforme aponta Gyula Csurgai (2019), os estudos sobre o tema têm se concentrado também nas “representações geopolíticas”, associadas a símbolos e mitos territoriais, e em “projetos geopolíticos”, como o eurasianismo de Alexander Dugin. Nesse ponto, é essencial ressaltar o papel da variável humana para o campo geopolítico, especialmente por meio da geografia cultural. Essa variável está alicerçada, substancialmente, nas explicações acerca da exploração do habitat pelo ser humano, nas mudanças físicas impostas à superfície terrestre, nos padrões de percepção cultural do meio ambiente, e nos aspectos linguístico-religiosos e sociais (Montenegro, 2007). Tais manifestações, tanto materiais quanto imateriais, já eram consideradas importantes para a geopolítica clássica de Ratzel, justamente por refletirem a interação entre o homem e o espaço e, em última instância, contribuírem tanto para a formação de uma identidade cultural comum — étnica, linguística, histórica e religiosa — como para a consolidação da lealdade ao Estado e à nação, de forma que as conexões da geopolítica e da cultura com o campo das Relações Internacionais — e com a região centro-asiática — passam a ser cada vez mais intrínsecas. 2.2.2 Os fundamentos do “paradigma realista-geopolítico” das RIs O realismo, frequentemente descrito como “a escola de teoria das Relações Internacionais mais antiga e útil” (Posen, 1993, p.104), tem sido e continua a ser o paradigma dominante no campo. Embora tenha se transformado e evoluído desde o seu surgimento — no período entre guerras, em oposição ao idealismo — com as modificações, esclarecimentos, adições e inovações metodológicas trazidas pelos diversos debates, sua essência permaneceu 38 inalterada, mantendo, em alguns casos de forma implícita e em outros explicitamente, a herança da geopolítica clássica (Viotti & Kauppi, 1999). Isso não significa que o realismo possa ou deva ser reduzido à geopolítica, e vice-versa. As duas abordagens são, sem dúvida, distintas. No entanto, é possível afirmar que existem certas consistências na forma como ambas interpretam a realidade. Ainda que não concordem em todos os aspectos, tais abordagens compartilham pressupostos cruciais e, portanto, uma visão semelhante, como, por exemplo, a noção de que os Estados, formados por nações homogêneas com identidades fixas, são os atores dominantes no Sistema Internacional; que tais atores buscam poder, definido em termos de interesse nacional, e que a relações entre eles dependem exclusivamente de suas capacidades, sem ligação com a estrutura doméstica ou o tipo de regime de cada Estado. Na concepção realista da arena internacional, reduzida à sua forma mais simples, os países visam maximizar seus interesses e a sua sobrevivência, sendo essa a premissa básica da contribuição de Hans Morgenthau, em Politics Among Nations: the struggle for power and peace (1948). Além desses pressupostos, no paradigma realista, impera a condição de anarquia sistêmica, devido à ausência de uma autoridade soberana central para regular as relações interestatais e, portanto, o conflito torna-se uma realidade constante no comportamento internacional, derivado da natureza hobbesiana egoísta dos seres humanos e, consequentemente, dos Estados (Steans et al., 2001; Nicholson, 2002). Por outro lado, os conceitos básicos da geopolítica tradicional incluem: poder, Estado, geografia, hegemonia, a distinção de espaços como avançados ou primitivos, a concepção do Estado como a entidade política máxima e a busca por primazia entre concorrentes (Agnew, 2003). A centralidade do poder e do Estado constitui a principal característica comum entre ambas as abordagens, com o conceito de nação sendo frequentemente tratado como algo dado e encapsulado dentro das fronteiras estatais em ambas as perspectivas. Segundo John Agnew (2003, p.74-75), duas premissas geopolíticas têm sido dominantes no pensamento tradicional de Relações Internacionais, primeiro, que “o poder decorre das vantagens de localização geográfica, tamanho da população e recursos naturais”; e segundo, “que o poder é inteiramente uma característica dos Estados territoriais, que buscam monopolizá-lo em competição com outros Estados”. Conforme Colin Flint: A geopolítica, como a luta pelo controle de espaços e lugares, foca no poder, ou na capacidade de alcançar objetivos específicos diante de oposição ou alternativas. Nas práticas geopolíticas do século XIX e início do século XX, o poder era visto simplesmente como o poder relativo dos países em assuntos externos. Por exemplo, no início dos anos 1900, a categorização de poder pelo estrategista naval americano Alfred Thayer Mahan baseava-se no 39 tamanho do país, no ‘caráter racial’ de sua população, bem como em sua capacidade econômica e militar. No final do século XX, com o estudo geopolítico do poder se tornando mais acadêmico, os estudiosos criaram numerosos índices de poder, ainda focados nas capacidades específicas dos países, como força industrial, tamanho e nível educacional da população, além de poderio militar. As definições de poder eram dominadas pela capacidade de um país travar guerras contra outros (Flint, 2016, p.28). Nesse contexto, as características físicas do Estado, somadas a outros componentes do poder nacional — como recursos naturais, capacidade industrial, preparo militar e população — influenciariam diretamente sua posição no Sistema Internacional. Golbery do Couto e Silva (1967), no entanto, sustenta que o poder de uma nação, em termos absolutos, é constante, mas sua manifestação varia de acordo com o contexto geográfico e temporal. Logo, para a análise geopolítica, mais relevante do que o poder isolado de um Estado é a sua posição relativa em comparação com outros países dentro de uma conjuntura específica, pois é essa dinâmica que define a influência e as possibilidades estratégicas de cada ator no cenário internacional. Como isso indica, tanto na geopolítica quanto no realismo, a geografia estatal possui dois significados complementares: 1) o território de um Estado, definido por sua extensão e características físicas, constitui um dos pilares de seu poder nacional, ou nas palavras de Morgenthau (2003, p.111): “A pirâmide do poder nacional ergue-se sobre a fundação relativamente estável da geografia”; e 2) a localização geográfica de um Estado no espaço mundial, em relação à posição de outros, configura sua situação espacial dentro dos equilíbrios geopolíticos regionais e globais, elemento crucial para determinar suas condições de segurança, estabilidade e prosperidade. Como sabemos, embora nominalmente iguais em soberania, os países diferem radicalmente em termos de localização geográfica, extensão territorial, riqueza em recursos naturais, organização social, liderança política e potencial de poder. Como visto, essas diferenças têm sido classificadas e conceitualizadas pelos teóricos geopolíticos no contexto das lutas relativas por influência entre os Estados (Agnew, 2003). No entanto, a busca por primazia pelos atores dominantes, em escalas locais, regionais e globais, gerou discursos que buscam explicar e justificar o militarismo estatal, o expansionismo territorial, o imperialismo ultramarino e as guerras como consequências inevitáveis da distribuição desigual de poder no mundo (Shaw, 1991; Steans et al., 2001). Assim, a abordagem centrada no Estado representa outra similaridade entre os dois campos, que evoluiu tanto no raciocínio geopolítico prático quanto formal ao longo dos séculos. Outro pressuposto comum ao Estado-centrismo é a ideia da individualidade. Em ambas as prerrogativas, os Estados são vistos como atores unitários e racionais, com 40 território, população e soberania (Shaw, 1991). Tal autonomia de tratamento é refletida em expressões comuns que personificam capitais como atores, por exemplo, o que pode ser relacionado à teoria orgânica de Ratzel. Por fim, ambos os campos consideram a lei e a cooperação como secundárias e ineficazes sem a força. Para geopolíticos, o crescimento estatal é medido pela expansão, e para realistas, a força é essencial para garantir respeito à lei. Logo, o paradigma “realista-geopolítico” argumenta que a política internacional é governada pela “regra do poder” e não pela “regra da lei”, interpretando a paz como a mera ausência de guerra (Steans et al., 2001; Agnew, 2003), o que ainda pode assumir caráter explicativo para compreendermos determinadas dinâmicas, incluindo a formação de arranjos institucionais. 2.3 Regionalismo e Geopolítica, convergências em perspectiva Ainda que na opinião de David Harvey (1985, p.141) o campo da geopolítica tenha sido um “enteado tristemente negligenciado” pelos estudos de regionalismo, as duas abordagens, divergentes por natureza, podem convergir, existindo múltiplas formas de analisar a dimensão política do Estado por intermédio de suas prerrogativas “regionais”. Como o poder para a geopolítica é sempre dependente do contexto, a divisão geográfica em “áreas estratégicas” torna-se fundamental para o Estado, com seus objetivos e estratégias político-militares variando conforme as características dessas regiões. Assim, a conexão com o regionalismo não é uma novidade, mesmo no Brasil, onde as contribuições de Couto e Silva (1967) buscaram destacar essa relação. Segundo ele, uma integração física com os países vizinhos fortaleceria a participação brasileira em uma área vital para a coesão continental, cuja instabilidade natural poderia representar um risco estratégico. Além disso, o autor defendia a importância da regionalização em torno de um mercado comum, enquanto impulsionador do desenvolvimento econômico e da hegemonia nacional sobre esse espaço10 (Couto e Silva, 1967, p. 134-135). Podemos ainda estudar a ampliação territorial dos Estados como uma forma de regionalização na geopolítica clássica, ao considerarmos que o território torna-se “geopolítico” quando vinculado ao exercício do poder sobre o espaço físico (Elden, 2013). Ratzel argumenta que: 10A estratégia central no pensamento de Golbery do Couto e Silva consistia em garantir, por meios pacíficos, as condições para a formação de uma ampla e poderosa unidade geopolítica sob a hegemonia ou liderança brasileira, abrangendo a América do Sul, o Atlântico Sul e o Pacífico Sul-Americano. Para sua concretização, seria essencial a integração e organização do território nacional, o fortalecimento da defesa fronteiriça, o exercício da liderança político-econômica no continente, a obtenção de acesso estratégico ao Pacífico e a contenção de qualquer tentativa hegemônica por parte de outros países locais (Miyamoto, 1995). 41 Indivíduos oriundos de regiões com concepções espaciais amplas tendem a compartilhá-las em áreas onde predominam visões espaciais menores [...] O nativo, consciente apenas de seu próprio território, encontra-se em desvantagem em relação àquele que conhece pelo menos dois (Ratzel, 1969, p.26). Contudo, a expansão territorial exige uma reconfiguração da consciência nacional para acomodar as complexidades resultantes do amálgama de diferentes povos. Ainda para Ratzel (1969), esse processo demanda que o Estado mobilize todo o seu poder cultural, uma ideia que, como visto, será profundizada por Kjellén posteriormente. Nessas situações, Ratzel (1969, p.18-21) sugere que a “dilatação estatal” associa-se à constante migração de povos, cujas mudanças provocadas continuamente resultam em uma tendência de ampliação dos “horizontes geográficos”. O regionalismo, nesse sentido, pode ser visto como forma de expansão, perceptível nas transformações territoriais do Estado, onde a fusão com a dimensão regional não apenas constitui parte integrante da formação estatal, como promove vínculos mais próximos entre populações de um espaço específico (Ratzel, 1969, p.22). Dentro dessa perspectiva, tais transformações — impulsionadas de forma “natural” — ainda poderiam viabilizar o contato econômico-comercial e cultural. Como aponta Rivarola Puntigliano (2016, p.5), Kjellén enfatizava o papel dos Estados na construção de comunidades homogêneas capazes de desenvolver “solidariedade econômica” e sentimento nacional restrito a territórios delimitados. Ele argumentava que um Estado, ao alicerçar-se em uma cultura vigorosa e “avançada”, justificava, assim, sua expansão, sendo essa uma consequência de seu desenvolvimento cultural e de sua força interna. Para alcançar tal “unidade”, de acordo com Kjellén, os governantes precisavam considerar aspectos como a “necessidade de pertencimento”, a “política de identidade”, e a imposição de lei e ordem, relacionando-os a espaços idealizados. Essa abordagem ainda poderia ser aplicada tanto ao Estado-nação quanto a diferentes formas de alianças regionais, ou “blocos de estado” (Björk & Lundén, 2021). Kjellén era categórico ao afirmar que o modelo estatal “estava se tornando pequeno demais para atender às demandas políticas e econômicas do século XX” (Tunander, 2001). Assim, previu que a formação de blocos organizados em torno de potências, como Grã-Bretanha, EUA e URSS, forçava a Europa a criar sua própria união, fundamentada na unidade multicultural, na liberdade e na independência dos Estados, sujeita à liderança de uma país central, neste caso, a Alemanha (Tunander, 2005). Dessa forma, é possível afirmar que a perspectiva clássica da geopolítica já reconhecia a necessidade de comunidades culturais enquanto elemento essencial da interação 42 Estado-território, o que Haushofer (1869-1946) entendeu como parte constituinte dos movimentos “Pans” — pan-eslavismo, pan-germanismo e pan-americanismo (Dorpalen, 1966). Mais tarde, Carl Schmitt (1888-1985) reinterpretou o pensamento geopolítico de Kjellén no âmbito do direito internacional, defendendo a necessidade de desenvolver um novo conceito de ordem espacial. Ele propôs o modelo de “espaço maior” (Großraum), uma forma de organização territorial que transcendia as fronteiras do Estado (Specter, 2017). Segundo Schmitt (apud Specter, 2017), seu conceito baseia-se em uma visão de mundo onde as nações coexistiam com outras formas de territórios, todos possuindo segurança, autonomia e independência formal asseguradas por uma grande potência, ou seja, um espaço integrado sob uma esfera de influência econômico-securitária. Além dessas concepções, referências ao ethos “regional” da geopolítica foram também encontradas na proposição de “regiões geopolíticas” de Samuel Cohen (2003) e no trabalho de Hurrell (2005, p.45), que reconheceu os desafios enfrentados pelos projetos regionalistas enquanto “decisivamente influenciados por imperativos geopolíticos de segurança”. Trazendo o debate para próximo das discussões pretendidas por este trabalho, tais convergências são pertinentes para entendermos o espaço regional e suas instituições enquanto a extensão natural do ambiente espacial e de projeção do poder do Estado. Ademais, enquanto a literatura sobre regionalismo geralmente destaca os aspectos cooperativos entre tais entidades, especialmente sob a ótica liberal das Relações Internacionais, a perspectiva geopolítica, mais alinhada ao paradigma realista, evidencia as rivalidades e os interesses estratégicos que promovem ou restringem essa cooperação. Buscando unificar essas diferentes interpretações num só modelo, Kai He (2008) estabeleceu o que chamou de “equilíbrio institucional”, cuja principal hipótese debruça-se sobre a interação de pressupostos realistas, como a distribuição de capacidades de poder, e liberais, como a interdependência econômica, buscando compreender como essa relação estatal determina o seu comportamento externo, seja por meio do balanceamento militar tradicional ou de um “equilíbrio” em organizações regionais. A primeira variável considerada por tal proposição, a interdependência econômica, é explicada por indicadores de relação comercial entre os Estados analisados, como o rácio entre exportação e importação, além da natureza das mercadorias transacionadas. Já a segunda variável, referente à distribuição de poder no Sistema Internacional, é avaliada com base em fatores concretos e potenciais, incluindo PIB, população, capacidade militar, entre outros. De forma geral, o modelo do equilíbrio institucional não prevê, como faz o idealismo/liberalismo, a cooperação entre países por meio de organismos internacionais, mas 43 sim uma “luta institucional”, a partir de confrontos, barganhas e negociações dentro desses espaços geopolíticos. Especificamente, He (2008) defende que uma alta interdependência leva os países a optarem por uma estratégia de balanceamento alternativa — o equilíbrio institucional — em vez de alianças militares tradicionais para lidar com ameaças; e que a distribuição regional e internacional de capacidades determina como esses países realizarão o equilíbrio, seja de forma inclusiva ou exclusiva. Além disso, para o autor, tal escolha é orientada por cálculos racionais de custo-benefício e pela percepção dos tomadores de decisão sobre as suas possibilidades de atuação — via geoestratégia, por exemplo —, de forma que a interdependência econômica não impede os Estados de optarem pelo balanceamento se essa estratégia lhe oferecer maior segurança, apenas aumenta os custos de comportamentos conflituosos (He, 2008). Nesse contexto, a contribuição de Kai He converge com o objetivo central deste trabalho, ao buscar compreender como regionalismo e geopolítica interagem no processo de formação de organizações regionais, especialmente nos casos de sobreposição de arranjos em uma mesma região geográfica, conforme será explorado no Capítulo 5. 2.4 Considerações finais do capítulo Como visto, este capítulo buscou revisitar as principais contribuições do regionalismo e da geopolítica para a análise das Relações Internacionais, destacando como sua inserção nos debates epistemológicos do campo nos permite identificar pontos de conexão entre essas diferentes abordagens. Ao situar o leitor no panorama teórico que fundamenta a pesquisa, pretendeu-se estabelecer conceitos-chave para as discussões realizadas ao longo do trabalho, tais como “região”, “regionalismo”, “integração”, “cooperação”, “geopolítica” e “regionalismo sobreposto”. Além disso, o capítulo destaca como as perspectivas do realismo e do idealismo interpretam a formação de blocos regionais e a interação entre os Estados no Sistema Internacional. Enquanto a primeira entende tal fenômeno como estratégia de sobrevivência e balanceamento, a segunda enfatiza a interdependência e a institucionalização das relações regionais enquanto instrumentos para minimizar conflitos. Ademais, podemos considerar que a interpretação liberal tende a explicar o regionalismo sobreposto enquanto a busca por cooperação em diferentes segmentos. Demonstrou-se também que apesar do regionalismo estar frequentemente vinculado ao liberalismo, especialmente em suas vertentes institucionalista e comercial, a regionalização pode ser igualmente analisada a partir de outras perspectivas teóricas, como no construtivismo e em sua conexão com a cultura, formação de identidades e normas compartilhadas, e mesmo 44 no realismo, enquanto um reflexo da competição entre grandes potências. Nesse sentido, embora possuam enfoques distintos, os paradigmas realista e geopolítico compartilham pressupostos essenciais, como o papel central do Estado e a noção de que seu poder deriva de atributos geográficos, populacionais e econômicos, por exemplo. Para a geopolítica, o regionalismo pode ser interpretado como a extensão estratégica do Estado, manifestando-se nas transformações territoriais que este vivencia. Em outras palavras, percebe-se como tal abordagem amplia os pressupostos realistas ao inferir que a conexão do Estado com a dimensão regional não apenas desempenha um papel essencial para a sua própria consolidação, mas também fortalece os laços entre as populações que compartilham um mesmo espaço geográfico, promovendo uma maior coesão. Tal percepção fornece pistas para a análise da Ásia Central ao demonstrar que investigações apartadas de pressupostos estratégicos sobre este espaço ainda carecem de subsídios para, sozinhas, explicar determinados fenômenos, como o caso do regionalismo sobreposto. Logo, o modelo do equilíbrio institucional proposto por Kai He (2008) emerge como uma síntese teórica relevante, ao integrar os aspectos cooperativos e competitivos do debate idealista-realista das RIs, e fornecer uma base analítica robusta para compreender como as sobreposições institucionais podem tanto refletir a interação entre regionalismo e geopolítica quanto influenciar os padrões de comportamento na Ásia Central, abrindo caminho para o estudo de caso que será desenvolvido a seguir. 45 3.A ÁSIA CENTRAL PÓS-1991 E SUAS INICIATIVAS REGIONAIS: ALCANCES E LIMITAÇÕES Este capítulo propõe examinar os dilemas das independências dos países da Ásia Central e os desafios enfrentados por esses Estados no período pós-1991. Considerando o fim da URSS enquanto ponto de partida, o objetivo é identificar as características da inserção internacional centro-asiática e seus modelos de cooperação regional, abordando as relações político-econômicas entre as repúblicas e suas estratégias para a integração da região. Por intermédio dessa análise exploratória, busca-se compreender as oportunidades e os obstáculos para o regionalismo da Ásia Central no cenário contemporâneo e o contexto das agendas extrarregionais divergentes, analisadas no capítulo seguinte. 3.1 Os desafios pós-independência e a concertação regional A Revolução Russa de 1917 e o posterior estabelecimento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1922, representaram verdadeiro ponto de inflexão para o desenvolvimento social e político da Ásia Central.