EWERTON HENRIQUE DE MORAES OS BENS FERROVIÁRIOS NOS TOMBAMENTOS DO ESTADO DE SÃO PAULO (1969 – 1984) BAURU 2016 EWERTON HENRIQUE DE MORAES OS BENS FERROVIÁRIOS NOS TOMBAMENTOS DO ESTADO DE SÃO PAULO (1969 – 1984) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", campus de Bauru, como requisito final para a obtenção do título de Mestre. Orientador: Dr. Eduardo Romero de Oliveira BAURU 2016 Moraes, Ewerton Henrique de. Os bens ferroviários nos tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) / Ewerton Henrique de Moraes, 2016 191 f. Orientador: Dr. Eduardo Romero de Oliveira Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2016 1. Memória. 2. Patrimônio Ferroviário. 3. Práticas de Preservação. 4. Tombamento. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru. II. Título. III. CONDEPHAAT. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) Defesa Aprovado em: 12 de Fevereiro de 2016 Local: Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC). Universidade Estadual Paulista (UNESP). Banca Examinadora Coordenador. Dr. Eduardo Romero de Oliveira. Universidade Estadual Paulista (UNESP) Membro I. Professor do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Dr. Nilson Ghiradello. Universidade Estadual Paulista (UNESP) Membro II. Externo. Dra. Beatriz Mugayar Kühl. Universidade de São Paulo (USP) Suplente I. Professor do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Dra. Norma Regina Truppel Constantino Universidade Estadual Paulista (UNESP) Suplente II. Externo. Dra. Manoela Rufinoni. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Dedico este trabalho a Deus e à minha família. Agradecimentos Agradeço ao meu orientador, Dr. Eduardo Romero de Oliveira, por sua dedicação e paciência ao longo deste trabalho. Seu acompanhamento, desde a graduação, foi fundamental em minha formação acadêmica e pessoal, sendo, ainda, influência em meu interesse por pesquisa. À Banca Examinadora, Dra. Beatriz Kühl e Dr. Nilson Ghirardello, por aceitarem o convite e pelas ricas considerações que certamente apresentarão durante a arguição. Aos docentes e equipe administrativa do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, aqui representados pela Coordenadora, Dra. Rosio Salcedo, por contribuírem e oferecerem as condições necessárias ao bom andamento da pesquisa. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela oportunidade, financiamento da pesquisa no país e estágio no exterior. Aos entrevistados: Alberto Del Bianco, Júlio Moraes, Marly Rodrigues, Nilson Rodrigues e Simone Scifoni, pela disponibilidade e interesse em auxiliar esta pesquisa. À professora Marly, agradeço ainda por sua bondade em avaliar este trabalho e pelos ensinamentos durante o curso que realizamos. Ao CONDEPHAAT e à equipe do Centro de Documentação, em especial à Ana Luiza Martins, Elisabeth Mitiko e Norma Souza, profissionais que me receberam e colaboraram desde o início desta pesquisa. Aos pesquisadores e discentes do Projeto Memória Ferroviária (UNESP), por suas produtivas discussões e exemplos sobre o tema. Agradeço principalmente aos amigos Juan Cano, Lucina Matos, Lucas Mariani, Luís Botaro, Priscila Santos e Rafaela Rogato. Aos pesquisadores internacionais, Enrique Larive, Julián Sobrino Simal, Ana Cabanes e Domingo Cuellar, pela recepção e acompanhamento ao longo do estágio de pesquisa na Universidade de Sevilha (Espanha). Aos colegas do mestrado, arquitetos que me receberam muito bem e me ensinaram a admirar essa profissão. À minha família, em especial aos meus pais, Celso e Tania, e aos meus irmãos, Marcus e Marcelo, pelo apoio incondicional e compreensão nos momentos de ausência. Com o mesmo carinho, agradeço também à Thaís, namorada e amiga, presente durante as dificuldades tão peculiares desta fase. Assim, agradeço a todos por participarem e incentivarem a realização deste trabalho. Resumo Os tombamentos de bens ferroviários no Estado de São Paulo tiveram início com a abertura do processo de tombamento da Estação Ferroviária de Bananal, no final dos anos de 1960. Entre 1969 e 1984, recorte deste estudo, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) tombou nove bens de origem ferroviária. Tais proteções, em sua maioria, compreendem apenas o edifício de embarque e desembarque de passageiros. O elevado número de estações reconhecidas no Estado é apontado como uma tendência nostálgica e como um tratamento unitário das partes (RODRIGUES, 1994). Para a autora, não há dúvidas de que são elementos relevantes na composição das memórias, contudo, pouco esclarecedores da importância tecnológica e econômica das ferrovias. A partir dessas considerações, nos interessa saber: quais os argumentos que justificaram as proteções de bens ferroviários no período? Para investigar esse problema, tomaremos como estudo de caso o tombamento do Acervo da Estrada de Ferro Perus-Pirapora. Objetivamos, assim, compreender os argumentos de valoração e os conflitos presentes nesse processo de tombamento. Com isso, visamos contribuir com as reflexões sobre as práticas oficiais de preservação do patrimônio ferroviário no Estado de São Paulo. Dada a ausência de uma política de preservação específica dos bens ferroviários no período, temos a hipótese de que esses bens foram protegidos com base em múltiplas interpretações e valores. Palavras-chave: CONDEPHAAT, Memória, Patrimônio Ferroviário, Práticas de Preservação, Tombamento (Preservação). Abstract The preservation of railway heritage in the State of São Paulo started at the end of 1960s with the beginning of the process of Bananal Rail Station. Between 1969 and 1984, part of this study, the Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), defense council of heritage, recognized nine railway heritages. Most of these protections consists only the departure and arrival buildings for passengers. The high number of recognized stations in the State is pointed as a nostalgic tendency and unitary treatment of the parts (RODRIGUES, 1994). For the authoress, there is no doubt that are relevant elements in memory compositions, however, little illustrative for technologic and economic importance of the railways. From these considerations, is our interest: what argument justified the protections of railway heritages in the period? To act in this problem we will take as study the heritage preservation of Perus Pirapora Railway case. Thereby, we have as goal comprehend the arguments for the valuation and conflicts present in this protection process, for then contribute with reflexions about the official practices in the railway heritage preservation in the State of São Paulo. Given the lack of definition for preservation in the period, we have the hyphotesis that the railway heritages were protected based on multiple interpretations and values. Keywords: CONDEPHAAT, Memory, Railway Heritage, Preservation Practices, Heritage Preservation. Lista de Ilustrações Figura 1. Bolsas e Auxílios FAPESP - Patrimônio Ferroviário ............................................ 1 Figura 2. Locomotiva n°1 da Companhia Paulista ................................................................ 3 Figura 3. Selo Comemorativo. .................................................................................................. 4 Figura 4. Ordem Cronológica dos Fatos Mencionados ........................................................ 6 Figura 5. Fluxograma do Processo de Tombamento ......................................................... 23 Figura 6. Mapa. Distribuição dos Bens Ferroviários Tombados no Estado de São Paulo ..................................................................................................................................................... 27 Figura 7. Mapa. Bens Ferroviários abrangidos pelo Estudo ............................................. 30 Figura 8. Síntese dos Argumentos para Proteção da Estação de Cachoeira Paulista . 65 Figura 9. Transportes Ferroviários no Brasil (1966 - 1986) ............................................... 71 Figura 10. Transportes Ferroviários por Quilômetro Útil .................................................... 71 Figura 11. Recorte do Estado de SP 13/10/1970 ................................................................ 75 Figura 12. Patrick Dollinger ..................................................................................................... 78 Figura 13. Gráfico. Locomotivas a Vapor (1966 – 1984) ................................................... 81 Figura 14. Locomotivas em Operação por Força Motriz. ................................................... 82 Figura 15. Bens Ferroviários por Proprietários (1969 – 1984) .......................................... 90 Figura 16. Mapa da FEPASA. 1985 ...................................................................................... 91 Figura 17. Pátio do Corredor (km dois) ................................................................................. 93 Figura 18. Duração dos Processos de Tombamento de Bens Ferroviários (1969 - 1984)........................................................................................................................................... 99 Figura 19. Carros de Passageiros da EFPP ...................................................................... 103 Figura 20. EFPP com quilometragem ................................................................................. 106 Figura 21. Áreas ocupadas no KM 12. ................................................................................ 108 Figura 22. Mapa. Situação das Linhas Férreas ................................................................. 109 Figura 23. Antiga Ponte EFPP. Bairro Gato Preto. Cajamar. .......................................... 110 Figura 24. Caixa d´água (Pátio do Corredor) ..................................................................... 111 Figura 25. Antigo Posto Telegráfico .................................................................................... 111 Figura 26. Locomotivas na atual Fábrica da Natura ......................................................... 112 Lista de Tabelas Tabela 1. Processos de Tombamento, abertos entre 1969 e 1984 ................................. 16 Tabela 2. Publicações da ABPF - Revista Ferrovia (1969 – 1982) .................................. 18 Tabela 3. Bens Ferroviários Tombados pelo CONDEPHAAT .......................................... 28 Tabela 4. Andamento dos Processos (1969 - 1984) .......................................................... 31 Tabela 5. Valores Destacados na Resolução de Tombamento ........................................ 56 Tabela 6. Solicitantes (1969 – 1984) ..................................................................................... 67 Tabela 7. Proprietários (1969 – 1984) .................................................................................. 92 Abreviaturas e Siglas ABPF – Associação Brasileira de Preservação Ferroviária. CEIPN – Coordenadoria de Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional. CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico. CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos. DER – Departamento de Estradas de Rodagem EFPP – Estrada de Ferro Perus Pirapora FEPASA – Ferrovia Paulista S.A. IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. PMF – Projeto Memória Ferroviária. RFFSA – Rede Ferroviária Federal S.A. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 1 Problema de Pesquisa .............................................................................................. 7 Patrimônio Industrial e Patrimônio Ferroviário ...................................................... 9 Detalhamento de Fontes e Métodos ..................................................................... 12 1. CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E TURÍSTICO ..................................................... 21 1.1. A Ferramenta de Proteção: o Tombamento ................................................ 21 1.2. O CONDEPHAAT e a Proteção de Bens Ferroviários............................... 24 1.3. Processos e Justificativas para Proteção (1969 – 1984) .......................... 31 1.3.1. A Interpretação dos Técnicos e Conselheiros ..................................... 55 2. SOBRE OS SOLICITANTES E SUAS INTERPRETAÇÕES ........................ 63 2.1. Os Solicitantes .................................................................................................. 63 2.2. A Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) .................. 76 2.2.1. Sucateamento das Locomotivas? .......................................................... 80 2.2.2. Patrimônio Histórico Ferroviário e Memória Ferroviária Nacional .... 83 2.3. O Pedido de Tombamento da Estrada de Ferro Perus-Pirapora ............. 85 3. ESTRADA DE FERRO PERUS-PIRAPORA: UM OBJETO, DIFERENTES INTERPRETAÇÕES. .................................................................................................. 89 3.1. A posição dos proprietários ............................................................................ 89 3.2. A definição de tombamento ............................................................................ 99 3.2.1. Regulamentação de Tombamento ....................................................... 102 3.3. Sobre o Estado Atual de Preservação do Bem Tombado....................... 105 3.3.1. Detalhamento de Fontes e Métodos ................................................... 105 3.3.2. Resultados ............................................................................................... 107 3.3.3. Considerações sobre o Estado de Preservação ............................... 112 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 115 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 118 APÊNDICE .................................................................................................................. 128 1. Ficha para Coleta de Dados (Processo de Tombamento) ......................... 128 2. Tabela - Bens Ferroviários Tombados entre 1969 e 1984 (Solicitante, Técnico e Conselheiro) ......................................................................................... 131 3. Lista de Documentos Destacados no Processo 21273/80 (1980 – 1987) 132 4. Locomotivas da EFPP descritas na Regulamentação de Tombamento (Registro Fotográfico). .......................................................................................... 134 5. Roteiros de Entrevistas .................................................................................... 143 5.1. Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) ................. 143 5.2. Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) ............................................................................... 145 6. Termo de Cessão de Depoimento Oral ......................................................... 148 6.1. Alberto Henrique Del Bianco .................................................................... 148 6.2. Júlio Eduardo Correa Dias de Moraes ................................................... 149 6.3. Marly Rodrigues ......................................................................................... 150 6.4. Nilson Rodrigues ........................................................................................ 151 6.5. Simone Scifoni ............................................................................................ 152 ANEXOS ..................................................................................................................... 153 1. Lei Estadual n° 10.247 de 22 de Outubro de 1968. Dispõe sobre a competência, organização e funcionamento do órgão do CONDEPHAAT (SÃO PAULO, 1968). ............................................................................................ 153 2. Decreto Federal 74.728 de 18 de outubro de 1974. Confisco da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus e Estrada de Ferro Perus Pirapora S.A. (BRASIL, 1974). ............................................................................ 156 3. Composição do Conselho (1969 – 1984) ...................................................... 158 Janeiro de 1969 – setembro de 1970. ............................................................ 158 Março de 1971 – dezembro de 1971. ............................................................. 159 Janeiro de 1972 – maio de 1975. .................................................................... 160 Outubro de 1975 – dezembro de 1975. ......................................................... 161 Maio de 1976 – maio de 1978 ......................................................................... 162 Maio de 1979 – julho de 1980 ......................................................................... 163 Setembro de 1980 – setembro de 1982 ......................................................... 164 Novembro de 1982 – março de 1983 ............................................................. 165 Março de 1983 – Outubro de 1984 ................................................................. 166 4. Composição do CONDEPHAAT (2015 – 2017). .......................................... 168 5. Proposta de Regulamentação E.F. Perus Pirapora (1995) ........................ 170 5.1. Proposta de Regulamentação do Tombamento da E.F. Perus Pirapora (CONDEPHAAT). Planta n°01 (PROCESSO CONDEPHAAT 21273/80, 1980, p. 189) ....................................................................................................... 170 5.2. Proposta de Regulamentação do Tombamento da E.F. Perus Pirapora (CONDEPHAAT). Planta n°02 (PROCESSO CONDEPHAAT 21273/80, 1980, p. 188) ....................................................................................................... 171 5.3. Proposta de Regulamentação do Tombamento da E.F. Perus Pirapora (CONDEPHAAT). Planta n°03 (PROCESSO CONDEPHAAT 21273/80, 1980, p. 188) ....................................................................................................... 172 5.4. Proposta de Regulamentação do Tombamento da E.F. Perus Pirapora (CONDEPHAAT). Planta n°04 (PROCESSO IPHAN 1104-T-83, 1983, p. 144) ...................................................................................................................... 173 5. Proposta de Regulamentação E.F. Perus Pirapora (1995) ............................ 174 Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 1 INTRODUÇÃO Possivelmente, a expressão “patrimônio ferroviário” já seja conhecida do leitor. Hoje, ela tem aparecido com frequência em diferentes reportagens, projetos culturais, além de estar presente na própria legislação brasileira. Em 2007, o Governo Federal atribuiu ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) responsabilidades específicas sobre o patrimônio artístico, cultural e histórico do setor ferroviário brasileiro, conforme dispõe a Lei 11.483, de 31/05/2007 (BRASIL, 2007). Essa ação está relacionada ao processo de extinção da Rede Ferroviária Federal (RFFSA). As pesquisas sobre ferrovias e patrimônio são anteriores aos anos 2000, porém a presença e consolidação desse termo na Academia parecem estar associadas ao contexto mencionado. Nas pesquisas financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por exemplo, a expressão “patrimônio ferroviário” aparece como palavra-chave de bolsas e auxílios aprovados a partir de 2008 (figura 1). Figura 1. Bolsas e Auxílios FAPESP - Patrimônio Ferroviário Fonte: FAPESP (2015). Conforme o IPHAN (2015a), o universo que compreende o Patrimônio Cultural Ferroviário engloba bens imóveis, bens móveis, acervos documentais, além do patrimônio imaterial, representado pelos costumes, tradições e outras influências. Posto isso, nos interessou uma questão que esteve presente logo no início deste projeto: que elementos ou características levam um bem a ser considerado patrimônio Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 2 ferroviário? Apesar de aparentemente simples, a dúvida tem razão de ser quando lembramos que a proteção institucional de bens ferroviários já ocorria antes do período aqui investigado, a exemplo da Estação Luz, tombada, em nível estadual, no ano de 1982 (PROCESSO CONDEPHAAT 20097/76, 1976), e depois, em nível federal, em 1996 (IPHAN, 2015b). Outros casos, como o tombamento do Museu e Horto Florestal Edmundo Navarro de Andrade, tornam a questão mais complexa. Essa estrutura da antiga Companhia Paulista de Estradas de Ferro foi protegida na década de 1970; para justificar o tombamento, entre outros argumentos, o Conselho cita sua vinculação à história da silvicultura nacional e diz ser ela um arquivo vivo sobre o eucalipto (PROCESSO CONDEPHAAT 00428/74, 1974). Diferente dos outros bens ferroviários, todos registrados no Livro do Tombo Histórico, em função da interpretação voltada a questões ambientais, o Horto Florestal e Museu Edmundo Navarro de Andrade foi registrado no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Assim, a proposta deste texto é problematizar a seleção dos bens que atualmente reconhecemos como patrimônio ferroviário. Objetos reconhecidos em período anterior à consolidação do conceito de patrimônio industrial na produção acadêmica brasileira1 — conceito que, aliás, será explicitado em seguida — receberam proteções que podem diferir do entendimento atual. O presente trabalho enfocará, sobretudo, as ações do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), órgão de defesa do Estado de São Paulo, entre os anos de 1969 e 1984. Para iniciar nossas reflexões, apresentamos alguns apontamentos sobre as proteções de bens ferroviários. Como já sabemos, o interesse pela preservação de objetos ferroviários no Brasil é anterior ao período investigado. Já em 1884, a locomotiva denominada Baronesa foi recolhida às Oficinas de Engenho de Dentro (Rio de Janeiro), por solicitação de Affonso Penna, então Ministro de Agricultura, do Comércio e de Obras Públicas (FIGUEIRA, 1908). O pedido encaminhado ao Imperador solicita que a locomotiva seja recebida e depositada nessas oficinas: “[...] afim [sic] de ser ali conservada, a primeira locomotiva que serviu na Estrada de Ferro de Mauá, que foi também a primeira inaugurada no Império” (FIGUEIRA, 1908, p.307). 1 Destaque para Kühl (1998) e a Carta de Campinas, declaração do Grupo de Estudos de História da Técnica (GEHT/UNICAMP), em defesa das construções e instalações utilitárias, com publicação em 1998. São exemplos dos primeiros textos brasileiros a utilizar o termo arqueologia industrial. Em nível internacional, consideramos como marco a publicação da Carta de Nizhny Tagil sobre Patrimônio Industrial. O TICCIH é a organização mundial encarregada do patrimônio industrial e assessora especial do ICOMOS nesse tema. O documento foi aprovado pelos delegados reunidos na Assembleia Nacional do TICCHI, em 17 de julho de 2003. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 3 Sem o propósito de historiar esses fatos, mencionamos também um exemplo similar no Estado de São Paulo. O álbum comemorativo da Companhia Paulista de Estradas de Ferro (CP) (PÉREZ, 1918) menciona uma locomotiva a vapor como digna de conservação. De maneira mais clara que a de Affonso Penna, a menção relaciona o objeto a uma memória, no caso, a “lembrança dos serviços prestados e do papel que representa na história da fundação da Companhia”, conforme legenda da imagem (figura 2). Figura 2. Locomotiva n°1 da Companhia Paulista Fonte: Pérez (1918) A dimensão representativa, simbólica, que se atribui aos objetos, lugares e edifícios os “preenche de memória” (NORA, 1993). Para o autor, nesses lugares são armazenados resíduos de memória, através dos quais se produz um sentimento de continuidade. “A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto” (NORA, 1993, p. 9). O valor simbólico é a capacidade de alguns objetos em substituir algo que não existe (CHOAY, 2006; BALLART, 1997; POMIAN; 1984). Conforme Pomian (1984), os objetos de uma coleção participam de um intercâmbio entre o mundo visível e o invisível. Neste caso, com o passado. Ainda segundo o autor, existe uma relação direta entre a representação atribuída e o observador, onde A representa B, desde o ponto de vista de C. Assim sendo, a menção a locomotiva supera seus valores de uso ou econômicos, demonstrando a representação atribuída pelo grupo e justificando sua proteção de um passado que não mais existe, mas que o objeto representa. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 4 No final dos anos de 1960, a imagem da locomotiva n° 01 da Paulista apareceu novamente vinculada a este passado. A máquina teve destaque em selo comemorativo do Centenário de Fundação da Empresa. Figura 3. Selo Comemorativo. Fonte: Bardi (1983) Anteriormente, outra locomotiva já havia integrado as comemorações de um Centenário. Em 1954, a já mencionada locomotiva Baronesa foi peça de destaque nas celebrações do Centenário das Ferrovias no Brasil (OLIVEIRA, 2013). Segundo o autor, além da publicação de um selo comemorativo, a própria locomotiva esteve presente em diferentes ocasiões do evento, por exemplo, num desfile de locomotivas históricas, no 4° Centenário da cidade de São Paulo. A celebração do Centenário das Ferrovias marca também a primeira proteção institucional de um bem ferroviário no país, o trecho ferroviário Mauá-Fragoso, parte da primeira estrada de ferro implantada no Brasil (PROCESSO DPHAN 506-T-54). A ação ocorreu por determinação do Ministério dos Transportes. O mesmo decreto determina também que o órgão de defesa federal guarde e conserve a locomotiva Baronesa, a primeira da extinta Companhia de Navegação e Estrada de Ferro Petrópolis. As semelhanças entre os exemplos não indicam, contudo, que todas as locomotivas sejam por si só representantes do passado ferroviário. Os valores nem sempre são próprios do objeto, mas atribuídos por seres contemporâneos (BALLART, 1997; POMIAN, 1984). Para Ballart (1997) esse é um conceito relativo e pode variar de acordo com as referências daqueles que atribuem valores aos objetos. No caso da Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 5 locomotiva Baronesa e do Centenário das Ferrovias no Brasil, em Oliveira (2013) é perceptível o papel fundamental do Instituto de Engenharia nos festejos, demonstrando, assim, a existência de influências desse grupo na interpretação dos objetos. Devemos ter clara também a ideia de que o observador está relacionado às suas próprias referências (BALLART, 1997) e essas, por sua vez, estão inseridas em um tempo e contexto específicos. Ou seja, as relações entre observador e objeto não são estáticas (BALART, 1997; POMIAN, 1984). No IPHAN, por exemplo, existe uma menção às locomotivas no anteprojeto para criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), elaborado por Mário de Andrade, nos anos de 1930. Nas discussões presentes, identificamos o interesse por um Museu de Artes Aplicadas e Técnica Industrial; citado juntamente com outros objetos, o interesse de guarda da locomotiva estava no registro do progresso e execução das grandes indústrias, a exemplo do que já era feito no Museu Técnico de Munique e Museu de Ciência e Indústria de Chicago (ANDRADE, 2000). Mas ainda não se tratava de um objeto patrimonial. Em verdade, atentos às práticas do IPHAN (FONSECA, 1997), sabemos que poucos objetos e bens similares — aqui inseridos os industriais — seriam considerados como portadores de relevância, sobretudo em função dos critérios vigentes de monumentalidade e excepcionalidade. Nos anos de 1980, as práticas de tombamento no Brasil começaram a incorporar as concepções mais recentes de historiografia; em nova perspectiva, foram lidos e valorados alguns testemunhos da ocupação do território, evolução das cidades, história da ciência e da tecnologia (FONSECA, 1997). As novas proteções de bens ferroviários em nível nacional são contemporâneas ao período e, provavelmente, ao contexto anteriormente mencionado. Após a proteção do trecho ferroviário, uma ação isolada, como vimos, apenas em 1985 o IPHAN voltaria a tombar um bem de origem ferroviária, a Estação de Lassance, localizada em Minas Gerais (IPHAN, 2015b). Esse tombamento, tal como o do trecho ferroviário, não nos parece inaugurar uma política de proteção; contudo, demonstra a inserção desse tipo de objeto nas práticas do órgão federal. Antes de apresentarmos as considerações sobre os atuais bens protegidos, para facilitar a organização das informações, nos parece relevante apresentar a ordem cronológica dos fatos mencionados (figura 4). Lembramos que os fatos são exemplos isolados e não necessariamente guardam relações entre si. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 6 Figura 4. Ordem Cronológica dos Fatos Mencionados Fonte: Elaborado pelo autor. Entre o conjunto de bens atualmente reconhecidos pelo IPHAN, cinco tiveram seus processos abertos nos anos de 1970 e 1980; contudo, apenas as estações de Lassance (MG), o complexo ferroviário de São João Del Rey, em Tiradentes (MG), e a estação da Luz (SP) foram reconhecidos antes dos anos de 2000. Possivelmente, dentro das práticas do órgão federal, a avaliação de bens de origem ferroviária não foi tarefa simples, conforme indica Dora Alcântara, então responsável pela Seção Técnica de Tombamento da DTC/SPHAN, em parecer de 1990: Quando de minha passagem pela Coordenadoria de Proteção, vários processos abertos a partir de pedidos de tombamentos de trechos ferroviários, de estações, de pontes, locomotivas, etc. demandaram um estudo mais global desse universo e seu patrimônio (PROCESSO SPHAN 1104-T-83, 1983, p.95). Em fragmento destacado do texto de Fonseca (1997), a mesma técnica aponta que, para o estudo de bens tradicionais nas práticas institucionais de tombamento, tal como de igrejas e teatros, não há dificuldades maiores, contudo, “[...] se, ao contrário, a proposta refere-se a um objeto não tradicional — caixa d’água, vila operária, etc. — temos necessidade de organizar um mínimo quadro de referência para opinar com menos margem de erro” (FONSECA, 1997, p.202). O início da proteção de bens ferroviários pelo CONDEPHAAT data dos anos de 1960, portanto, anterior à proteção de Lassance (MG) e ao contexto mencionado. Porém, como veremos ao longo deste trabalho, as dificuldades de valoração e constantes considerações sobre as necessidades de aprofundar os estudos também estiveram presentes no contexto do órgão estadual durante o período investigado. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 7 Problema de Pesquisa A proteção institucional de bens ferroviários em São Paulo teve início em 1969, ano de abertura do processo da Estação Ferroviária de Bananal (PROCESSO CONDEPHAAT 15465/69, 1969). Até dezembro de 2014, o CONDEPHAAT havia tombado um total de trinta e seis bens ferroviários (CONDEPHAAT, 2014). As estações, especificamente o edifício de passageiros, possuem maioria numérica nessas proteções, sendo exceções apenas: Horto e Museu Edmundo Navarro de Andrade; Acervo da Estrada de Ferro Perus-Pirapora; Complexo Ferroviário de Paranapiacaba; e Rotunda, localizada em Cruzeiro. Conforme Rodrigues (2010), as estações estão relacionadas às chegadas e partidas, separações e encontros, fatores relevantes nas memórias individuais; no entanto, quando isoladas do contexto do sistema ferroviário, pouco dizem sobre a importância tecnológica e econômica das ferrovias. Para a autora, a tendência em reduzir a complexidade das ferrovias à nostálgica estação ferroviária também está presente nas avaliações técnicas, "[...] que, muitas vezes, resistem à ampliação do tombamento para representações da complexidade do sistema ferroviário ainda presentes no mesmo ambiente" (RODRIGUES, 2010, p.39). Partimos das críticas e limitações apontadas pela autora para compor o seguinte problema de pesquisa: qual argumento justificou a proteção de bens ferroviários pelo CONDEPHAAT? Nossa análise é feita através do estudo de caso do tombamento do Acervo da Estrada de Ferro Perus-Pirapora. A escolha do objeto está relacionada a ser esse um dos exemplares que diferem da proteção isolada do prédio da estação e, sobretudo, por ser a primeira solicitação para o tombamento integral de uma ferrovia em São Paulo. Outros elementos, como o fato de já termos trabalhado esse mesmo bem em pesquisas anteriores — graduação e iniciação científica — também foram considerados na decisão. Dessa forma, nosso objetivo geral é compreender os argumentos e conflitos presentes no processo de tombamento estadual 21.273/80, referente ao Acervo da Estrada de Ferro Perus-Pirapora. Conforme Rodrigues (1994), a ação do CONDEPHAAT não estava baseada em uma política de preservação, sendo, porém, definida pelas práticas de tombamento anteriormente desenvolvidas. Tais considerações, em primeiro lugar, nos indicam a necessidade de conhecer outros tombamentos similares, visto que os processos não obedecem necessariamente a um padrão em seus argumentos. Assim, podem tanto influenciar como receber influências das medidas adotadas em outros bens. Por conseguinte, entendemos que são parte de nosso interesse também os processos de bens ferroviários concluídos antes da decisão de tombamento do objeto deste estudo. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 8 Adotamos o ano de 1984 como limite do recorte temporal, uma vez que a data corresponde à manifestação favorável do Conselho para o tombamento da Perus- Pirapora (PROCESSO CONDEPHAAT 21273/80, 1980). No outro extremo, a já mencionada abertura do processo da Estação de Bananal, ocorrida em 1969. De fato, é esta ampliação na análise do estudo de caso que nos permite tratar com mais profundidade a questão, tornando possível uma abordagem para além das datas do objeto em análise. Dessa forma, discutimos os argumentos que justificaram as proteções do CONDEPHAAT, entre 1969 e 1984. Além do Acervo da Estrada de Ferro Perus-Pirapora, outros nove bens ferroviários são compatíveis com o recorte. Somadas ao objeto de estudo, nossas análises estão baseadas nos argumentos retirados de dez bens de origem ferroviária. A indefinição de uma política específica para esse tipo de bem nos auxilia a formular questionamentos e atua como hipótese de pesquisa. Para nós, as proteções de bens ferroviários foram orientadas por múltiplos argumentos, valores originados por diferentes interpretações dos agentes sociais envolvidos no processo. Especificamente sobre os bens ferroviários, a ausência de diretrizes é indicada, por exemplo, no parecer do arquiteto Carlos Lemos para a Estação de Santa Rita do Passa Quatro (PROCESSO CONDEPHAAT 00467/74, p.20): “[...] encarecemos a necessidade de um plano de tombamentos que nos oriente no sentido de que tombar e o que não tombar dentro do Estado”. O texto indica ainda a existência de uma discussão interna sobre a questão: “Muito já foi falado a respeito disso [plano de tombamentos] e da necessidade de uma listagem lastreada em levantamentos pertinentes de dados [...]” (PROCESSO CONDEPHAAT 00467/74, p.20). Com base nessas considerações, acreditamos que o período tenha sido um momento de embate de ideias e construção das interpretações que orientaram a prática os tombamentos que investigamos. Nossa afirmação é complementar à hipótese e também é abordada neste trabalho. Nossa amostra abrange os bens ferroviários tombados até 1984, contudo, alertamos para o fato de que esta divisão ou forma de agrupamento não corresponde necessariamente ao feito pelo órgão no período. Como exemplo deste distanciamento, mencionamos novamente o tombamento do Horto Florestal e Museu Edmundo Navarro de Andrade (PROCESSO CONDEPHAAT 00428/74, 1974). Mais do que elencar particularidades de cada processo, essas informações nos servem para indicar a existência de diferentes interpretações e valores para os bens ferroviários, além de, possivelmente, serem exemplo de uma disputa simbólica (RODRIGUES, 1996). Essa consideração vem reforçar ainda mais nossa hipótese sobre os múltiplos valores relacionados ao ato de tombamento. Por esse motivo, a Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 9 forma como o bem é interpretado pelo órgão de defesa é uma informação tão relevante quanto o resultado final. A própria crítica de Rodrigues (2010), mencionada no início de nossas considerações e base do problema de pesquisa, aponta a existência de mais de uma possibilidade de leitura para os bens. O entendimento nostálgico da estação relacionado às chegadas e partidas, interpretação limitada, segundo o posicionamento da autora, não abrange outra mais ampla, atrelada ao contexto do sistema ferroviário. Patrimônio Industrial e Patrimônio Ferroviário Conforme anteriormente apresentado, o conceito de patrimônio industrial e, por consequência, a interpretação vigente de patrimônio ferroviário são posteriores ao recorte proposto. Contudo, nos pareceu necessário apresentar algumas considerações sobre o conceito. A proposta deste item é identificar os diferentes entendimentos do que seja patrimônio ferroviário, visando demonstrar sua complexidade. Para isso, além de bibliografia sobre a questão do patrimônio, mencionamos o entendimento do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) sobre a questão, e o entendimento presente nas cartas patrimoniais de nível internacional. No Brasil, de nosso conhecimento, a expressão “patrimônio ferroviário” apareceu pela primeira vez em publicação da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), na Revista Ferrovia 2 , em 1980. Elaborado por Júlio Moraes (1980), o texto “Por que Preservar o Patrimônio Histórico Ferroviário?” argumenta sobre a relevância da preservação de materiais rodantes, principalmente locomotivas a vapor, com justificativas de recordação do passado e de caráter educativo da ação. Em seu contexto, patrimônio histórico ferroviário aparece em menção aos materiais rodantes considerados portadores de características singulares. Contudo, não parece ser sua proposta definir o termo como um conceito. Acrescentamos que esse documento não é uma referência comum nas pesquisas sobre o assunto. Esse tema aparece na bibliografia atual em áreas como Arquitetura e Urbanismo, História, Geografia e Turismo. Em geral, as análises estão restritas a problemas específicos dessas áreas, em reflexões nas quais o patrimônio ferroviário pouco interessa como uma discussão em si. Com maior abrangência, os trabalhos de Oliveira (2010), Rodrigues (2010) e Kühl (1998) trazem considerações importantes sobre o conjunto de bens ferroviários do Estado de São Paulo, abordando também as 2 Fundada em 1935, a Revista Ferrovia é um órgão de comunicação oficial da Associação dos Engenheiros da Estrada de Ferro Santos a Jundiaí (AEEFSJ). Com sede em São Paulo, o periódico circula em todas as companhias ferroviárias do Brasil, algumas na América Latina e entidades afins (REVISTA FERROVIA, 1982). Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 10 práticas de tombamento e preservação. Como característica comum, Rodrigues (2010) e Kühl (1998) discutem indiretamente o patrimônio ferroviário. Nessas obras, o patrimônio industrial e sua preservação são o tema principal, englobando, por relação, os bens ferroviários. Conforme Kühl (1998), o patrimônio ferroviário é um importante testemunho do esforço do transporte do café, produto responsável pela geração de riquezas que impulsionaram o Estado. Focada em questões específicas de conservação e restauro, trata da preservação da arquitetura do ferro, contemplando também o patrimônio ferroviário. Para a autora, a preservação da arquitetura do ferro é indissociável desse patrimônio ferroviário e do patrimônio industrial, apresentado como um elemento maior, mas que abarca também o primeiro. Estando de acordo com essa relação entre os conceitos, o desenvolvimento desta reflexão teórica passará necessariamente pela definição de patrimônio industrial. O entendimento de patrimônio industrial provém de um contexto de transformações, sendo um conceito decorrente da própria ampliação da noção de bem cultural (RODRIGUES, 2010; KUHL, 1998). Casanelles i Rahóla (2007) afirma que a introdução de novos valores e a incorporação da arqueologia proporcionaram uma abrangência maior aos tipos de bens a serem valorados. Para o autor, superando a lógica anterior de patrimônio, o século XX forneceu importantes elementos para a compreensão do patrimônio industrial: o valor do objeto como testemunho de uma época e o valor do bem como documento. A importância desse tipo de patrimônio foi consolidada na Carta de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Industrial (TICCIH, 2003), resultado da Assembleia Geral do The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH), em 2003. A carta afirma que os edifícios, estruturas, processos e utensílios, bem como as localidades e paisagens, além das manifestações tangíveis e intangíveis relacionadas às atividades industriais, são de importância fundamental. Apoiados nessas considerações, definiram que: O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as estruturas e infraestruturas, assim como os locais onde se desenvolvem atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação (TICCIH, 2003). Em outras palavras, o patrimônio industrial compreende as estruturas geradas pelo desenvolvimento histórico das atividades produtivas e extrativas do homem. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 11 Interpretado em um contexto territorial, torna-se testemunho dos cotidianos, da memória do trabalho e do lugar (ALVAREZ-ARECES, 2008). Retomando a questão dos bens ferroviários, esses elementos estão abarcados no conceito, através do interesse pelos meios de transporte. Essa preocupação aparece em Casanelles i Rahóla (2007) ao abordar os interesses do patrimônio industrial; para o autor, os meios de transporte para pessoas ou mercadorias, bem como sua infraestrutura, são partes do item comunicações. Na Europa, o patrimônio ferroviário foi tema da Carta de Riga, aprovada pela European Federation of Museum & Tourist Rail (FEDECRAIL), em 2005. Esse documento trata da conservação, restauro e utilização de equipamentos históricos ferroviários e das orientações adotadas como código de conduta por organizações e ferrovias históricas em vinte e três países (FEDECRAIL, 2005) 3. Conforme consta no Artigo 2º 4 , a salvaguarda pode ser justificada pelo significativo valor tecnológico, história dos meios de transporte ou meio de perpetuar conhecimentos tradicionais, nesse caso, avançando aos aspectos imateriais relacionados aos objetos. Além dos objetos históricos, afirmam que o patrimônio ferroviário pode incluir também: “[...] ferrovias históricas ou preservadas, museus ferroviários e vias para eléctricos 5 , trabalhos ferroviários, eléctricos de museus e ferrovias turísticas, e pode estender-se aos comboios que estão activos na rede nacional e outras ferrovias” (FMNF, 2005). Distante do entendimento mais amplo do que seja patrimônio industrial, a definição está restrita aos objetos históricos e seus significados tecnológicos e à história dos meios de transportes. Mesmo a relevância dos aspectos imateriais, presentes nos dois textos, está limitada na Carta de Riga apenas quando associada ao objeto histórico. No contexto brasileiro, atualmente, a expressão “patrimônio ferroviário” aparece também na legislação. O principal exemplo é o da Lei 11.483, que atribui ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) responsabilidades específicas para preservação da memória ferroviária. Conforme definição do IPHAN (2015a), o universo que compreende o Patrimônio Cultural Ferroviário engloba bens imóveis, bens móveis e acervos documentais, além do patrimônio imaterial, representado pelos costumes, tradições e outras influências. 3 Austrália, Grã Bretanha, Irlanda, Nova Zelândia, Bélgica, Bulgária, República Checa, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Itália, Áustria, Alemanha, Suíça, Letônia, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Rússia, Espanha e Suécia. 4 The aim of preserving and restoring historic railway items and associated working practices is to safeguard them, whether they are significant technological artefacts, evidence for transport history or a means of perpetuating traditional skills (FEDECRAIL, 2005). 5 Versão em português (FMNF, 2005). O termo “elétrico”, em inglês Tramways, é de aplicação regional; em português do Brasil, seu correspondente comum é bonde ou bonde elétrico. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 12 Estabelecendo um paralelo com as teorias anteriormente apresentadas, o exemplo brasileiro nos auxilia a uma interpretação mais ampla das relações dos bens ferroviários com o patrimônio industrial. Em um primeiro momento, vimos a ferrovia como um item inserido em um sistema maior e complexo, conjunto que, em sua totalidade, forma a indústria. Por outro lado, ainda que estejamos de acordo com as relações entre a ferrovia e a indústria, pensando em uma unidade fabril, essa pode não possuir uma ferrovia, mas ser atendida por uma empresa ferroviária; logo, um sistema independente. Essa separação se faz necessária para destacar a complexidade existente dentro do próprio sistema de transportes. No texto de Jimenez Vega e Polo Muriel (2007), a complexidade é argumento para posicionar a ferrovia como uma peça-chave do patrimônio industrial. Sem desconsiderar os aspectos imateriais, para os autores, a ferrovia é um sistema complexo, dotado de estruturas edificadas como estações, obras anexas, moradias, entre outros, sendo o trem um importante elemento para que a revolução industrial fosse possível. Considerando a ferrovia como um sistema industrial complexo — dotado de outros sistemas e relações —, propomos que o conceito de patrimônio industrial seja aplicado integralmente ao patrimônio ferroviário, uma vez que esse último é indissociável do primeiro. Acrescentamos ainda os valores propostos pela Carta de Riga (FEDECRAIL, 2005), quais sejam, os significados para a história dos meios de transporte e da tecnologia. Dessa forma, entendemos o patrimônio ferroviário como um conjunto de bens (móveis, imóveis), acervos documentais, além das manifestações culturais a ele relacionadas. Quanto aos valores, ainda que esses sejam relevantes e consideráveis para a história dos transportes e da tecnologia, em primeiro plano deve estar um contexto mais amplo. A análise e valoração devem ser capazes de identificar o bem em sua relevância dentro dos diferentes sistemas — seja o socioeconômico, urbano- territorial, ferroviário —, considerando as transformações na paisagem e no lugar. Detalhamento de Fontes e Métodos O conteúdo deste trabalho está baseado em uma pesquisa exploratória, desenvolvida na forma de estudo de caso. O objeto de análise é o processo para tombamento estadual do Acervo da Estrada de Ferro Perus-Pirapora. Como visto, o problema de pesquisa está relacionado à atuação do CONDEPHAAT e podemos resumi-lo da seguinte forma: que argumentos justificaram as proteções de bens ferroviários por esse órgão de defesa entre 1969 e 1984? Nossa hipótese é a de que a Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 13 proteção desse tipo de bem foi baseada em múltiplos valores. Por sua vez, o caso da EFPP complementa a discussão e permite a identificação de particularidades na interpretação de edificações e materiais ferroviários no período. O patrimônio ferroviário é um tema de relevância internacional. Temos conhecimento de pesquisadores no Brasil, Argentina, Espanha e Inglaterra. Esses são os países de origem das diferentes instituições que colaboram com o Projeto Memória Ferroviária (PMF), iniciativa originada através de financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e que, atualmente, conecta investigadores de diferentes localidades. Por informação, esta dissertação também está inserida no PMF, o que colaborou para as discussões metodológicas e na realização de estágio de pesquisa no exterior. A Espanha, país onde realizamos o estágio e mesmo destino de um intercâmbio anterior, conta com diferentes ações relacionadas ao uso, gestão e pesquisa sobre patrimônio ferroviário. Como exemplo, está o Museu Ferroviário de Madri, gerido pela Fundación de los Ferrocarriles Españoles (FFE). Além da exposição, o museu disponibiliza aos pesquisadores serviços de consulta ao seu arquivo histórico e biblioteca (MUSEO DEL FERROCARRIL DE MADRID, 2015). A FFE também é responsável por parte considerável das publicações sobre patrimônio ferroviário no país (FFE, 2015). Sobre a produção internacional, dada a influência de nossas experiências e afinidade com a língua, tivemos maior contato com a bibliografia espanhola. Identificamos em maior quantidade publicações sobre patrimônio industrial e sua relevância enquanto bem cultural (PARDO ABAD, 2008; ALVAREZ-ARECES, 2008; CASANELES I RAHÓLA, 2007). As menções aos remanescentes ferroviários são uma característica comum entre os exemplos, nos quais o patrimônio ferroviário, ainda que nem sempre classificado nesses termos, aparece de forma indissociável ao conceito principal. As infraestruturas ferroviárias aparecem inseridas também em contextos temáticos do patrimônio industrial, a exemplo do patrimônio mineiro (SOBRINO SIMAL, 2009) e patrimônio das obras públicas (AGUILAR CIVERA, 2009). Mencionamos ainda diferentes publicações sobre a história das ferrovias no país (JIMENEZ VEGA: POLO MURIEL, 2007; CUELLAR VILLAR, 2007) e esforços para realização de inventários específicos, tais como vilas (CUELLAR VILLAR; JIMENEZ VEGA; GARCIA MATEO, 2005), túneis (MELIS MAYNAR; JIMENEZ VEJA; CUELLAR VILLAR, 2005) e pontes (CUELLAR VILLAR; JIMENEZ VEGA; POLO MURIEL, 2005). Em síntese, podemos afirmar que algumas características das pesquisas mencionadas são comuns também entre as pesquisas brasileiras sobre patrimônio Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 14 ferroviário, em destaque a relação indissociável com o patrimônio industrial (RODRIGUES, 2010; KUHL, 1998). A diferença principal fica por conta da abordagem a partir do conceito de paisagem, leitura mais recente nas pesquisas nacionais (FIGUEIREDO, 2014). As publicações internacionais foram relevantes para a compreensão do conceito de patrimônio ferroviário. A partir deste nosso estudo, optamos por não utilizar a expressão, em respeito à sua temporalidade. As infraestruturas, materiais rodantes e outros objetos de interesse patrimonial foram denominados como bens ferroviários. Quanto à bibliografia nacional, os trabalhos sobre a proteção institucional do patrimônio ferroviário estão concentrados nas ações em nível federal. Tem sido comuns nos eventos sobre o tema a presença de comunicações propostas por funcionários do IPHAN para compartilhar a experiência de diferentes Estados nas ações de preservação e gestão desses bens (CASTRO; MONASTIRSKY, 2013; CAVALCANTI NETO; CARNEIRO; GIANECCHINI, 2012). Esses trabalhos auxiliam na identificação de um cenário; contudo, colaboram pouco para compreensão das proteções estaduais. Ainda assim, destacamos o trabalho de CASTRO e MONASTIRSKY (2013) sobre o inventário feito pelo IPHAN, entre 2007 e 2010. A partir da pesquisa desse autor, foi possível identificar os tipos de bens abrangidos por essa ação, destacando, novamente, as estações ferroviárias. As estações de passageiros tiveram destaque também nas pesquisas específicas sobre o Estado de São Paulo; em sua maioria, discussões sobre os aspectos materiais dessas edificações (STOLLAR, 2010; BEM, 1998; KÜHL, 1998). O trabalho de Kühl (1998) é uma referência nesse tema. A autora trata da preservação da arquitetura do ferro e, nesse contexto, aborda também o patrimônio ferroviário em São Paulo. Concluída a pesquisa bibliográfica, identificamos que poucos trabalhos problematizaram a seleção institucional daquilo que atualmente temos denominado patrimônio ferroviário. As ações do CONDEPHAAT aparecem descritas em parte desta bibliografia, contudo, mencionadas apenas enquanto informação sobre o bem tombado. O mais próximo deste tema foi realizado por Oliveira (2010). A partir de uma amostra ampla de bens ferroviários tombados, o autor discute as condições de uso e preservação no Estado. Além das contribuições bibliográficas, o autor mencionado é orientador deste trabalho, tendo, assim, participado da formatação da proposta de pesquisa. O artigo difere de nossa dissertação em foco e profundidade. Como vimos no tópico anterior, nossa questão recai sobre os argumentos que justificaram as Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 15 proteções dos bens tombados e suas relações com os demais interessados: solicitantes e proprietários. Em função do encaminhamento dado ao tema, foi também necessário identificar a bibliografia sobre as instituições de preservação do patrimônio no Brasil e suas práticas. O IPHAN conta com maioria absoluta das publicações, sendo referência comum os trabalhos de Chuva (2009) e Fonseca (1997). Sobre o CONDEPHAAT, o trabalho de Rodrigues (1994) aparece em destaque. A autora discute as práticas da instituição entre 1969 e 1987. Considerada a compatibilidade com nosso recorte e consistência dos argumentos apresentados por Rodrigues (1994), essa obra tornou-se nossa base teórica. Identificamos também autores que investigaram a atuação do CONDEPHAAT sobre tipos específicos de bens, por exemplo: a relação com a cidade a partir da problematização dos tombamentos de bairros (PRATA, 2009); as fazendas de café do Vale do Paraíba (MOURA, 2014); ou ainda a preservação das paisagens paulistas (CRISPIM, 2014). Entendemos que esta dissertação seja similar aos trabalhos mencionados, na medida em que problematiza a valorização do órgão atribuída a um tipo de bem, neste caso, a seleção institucional dos bens ferroviários. Com papel de destaque nesta pesquisa, os processos de tombamento foram nossa fonte principal. Conforme Fonseca (1997, p.181), em função da natureza conflitante dos interesses na proteção de bens imóveis e do peso dos monumentos no patrimônio nacional, os processos de tombamento constituem espaços de expressão desses confrontos, “onde se podem captar as várias vozes envolvidas na questão da preservação e sua influência na condução dos processos”. Dessa forma, a escolha da fonte está pautada na importância das informações que concentra, sendo entendida por nós como um registro oficial das práticas. A presença da mesma fonte e a relevância dos resultados alcançados por outros trabalhos também foram consideradas. Os processos de tombamento aparecem em todos os trabalhos citados neste tópico: Oliveira (2010); Prata (2009); Fonseca (1997); e Rodrigues (1994). Pelo mesmo motivo, tais leituras nos auxiliaram na elaboração do instrumento de coleta. A Ficha para Coleta de Dados (Apêndice) foi elaborada para registrar os diferentes argumentos apresentados pelos diferentes agentes envolvidos no processo. Ela conta com campos específicos para o registro individual das justificativas do solicitante para abertura, corpo técnico e decisão do Conselho, divisão baseada na hipótese de existência de múltiplos valores. Este instrumento foi adaptado a partir de outras propostas desenvolvidas no Laboratório de Patrimônio Cultural da UNESP, como exemplo o próprio artigo de Oliveira (2010). Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 16 Justificada a fonte e apresentado o instrumento de coleta, falta-nos apenas falar sobre a quantidade de documentos consultados. Segundo Rodrigues (1994), não houve uma definição da política de preservação para bens culturais, em geral, entre 1969 e 1987. Por esse motivo, o estudo individual de um bem não seria capaz de responder nossas questões sobre as ações do CONDEPHAAT. Para este objetivo, optamos por consultar todos os processos de bens ferroviários concluídos até 1984, ano do parecer favorável do Conselho para proteção da Estrada de Ferro Perus- Pirapora. Neste primeiro momento, consultamos e elaboramos fichas para nove bens tombados (tabela 1). Tabela 1. Processos de Tombamento, abertos entre 1969 e 1984 Fonte: Elaborado pelo autor, com base em CONDEPHAAT (2015). Em uma segunda etapa, complementar, consultamos também as solicitações e processos de tombamentos negados. Adotamos como critério o ano de abertura, tendo estabelecido 1984 como limite do recorte. Dessa forma, identificamos oito processos compatíveis:  Estação Ferroviária de Ourinhos (1977);  Horto Florestal de Jaboticabal (PROCESSO CONDEPHAAT 20428/77, 1977);  Horto Florestal Sumaré (PROCESSO CONDEPHAAT 20652/78, 1978);  Horto Florestal de Bebedouro Bem Tombado Ano de Abertura Número do Processo Data da Resolução Publicação em D.O Livro do Tombo Estação Ferroviária de Bananal 1969 15465/69 10/07/1974 13/07/1974 Histórico Horto e Museu Edmundo Navarro de Andrade 1974 00428/74 09/12/1977 10/12/1977 Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico Estação Ferroviária de Santa Rita do Passa Quatro 1974 00467/74 23/05/1981 27/05/1981 Histórico Estação da Luz 1976 20097/76 05/05/1982 13/05/1982 Histórico Estação Ferroviária de Cachoeira Paulista 1977 20316/77 18/04/1982 23/04/1982 Histórico Estação Ferroviária de Campinas 1978 20682/78 15/04/1982 30/04/1982 Histórico Estação do Brás 1978 20699/78 03/05/1982 07/05/1982 Histórico Acervo da Estrada de Ferro Perus Pirapora 1980 21273/80 19/01/1987 20/01/1987 Histórico Estação Barracão 1980 21364/80 07/05/1982 13/05/1982 Histórico Estação Ferroviária de Guaratinguetá 1982 22090/82 17/12/1982 18/12/1982 Histórico Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 17 (PROCESSO CONDEPHAAT 20654/78, 1978);  Horto Florestal de Loreto (PROCESSO CONDEPHAAT 20653/79, 1979);  Estação Ferroviária de Muritinga do Sul (GUICHE CONDEPHAAT 00104/84, 1984);  Estação Ferroviária de Aguaí (GUICHE CONDEPHAAT 00120/84, 1984);  Diversas Estações Ferroviárias em Campinas (GUICHE CONDEPHAAT 00123/84,1984). Somadas as duas etapas, atingimos um total de dezoito processos consultados. Entre os abrangidos pelos critérios estabelecidos, a única ausência é o processo da Estação Ferroviária de Ourinhos, uma vez que não encontramos cópia deste documento.6 De qualquer forma, acreditamos que a amostra seja mais que suficiente para o objetivo proposto. Outras fontes documentais foram consultadas para questões específicas, caso dos apontamentos sobre a ABPF. Para tal, consultamos a Revista Ferrovia, periódico no qual o grupo publicou textos de maneira contínua, entre 1979 e 1982. Fundada em 1935, esta revista ainda é publicada e segue como um órgão de comunicação oficial da Associação dos Engenheiros da Estrada de Ferro Santos a Jundiaí (AEEFSJ) (2015). Conforme informação dada em um exemplar de 1982 (REVISTA FERROVIA, 1982) o periódico circula em todas as companhias ferroviárias do Brasil, na América Latina e entidades afins (REVISTA FERROVIA, 1982). A partir do conjunto investigado (tabela) notamos que a maior parte das publicações possui caráter técnico, tais como estudos sobre sistemas de operação ou equipamentos. Outras matérias tratam ainda de políticas públicas para o setor e ações da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), além da seção “Agenda”, espaço destinado para notas coletadas em diferentes jornais. Dessa forma, devemos ter claro que a fonte é uma publicação especializada e voltada aos interesses de determinado grupo, engenheiros ferroviários. As matérias sobre ações da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) figuram nesse periódico desde meados dos anos de 1970. Contudo, apenas em 1979 foi publicado o primeiro artigo com autoria da própria Associação (DEL 6 - No Centro de Documentação do CONDEPHAAT, fomos orientados a buscar informações na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação, responsável atual pela custódia do documento. Contudo, em contato telefônico com o setor responsável, fomos informados de que o órgão não possuía cópia desse processo, possivelmente descartado em função da falta de andamento. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 18 BIANCO, 1979). Os textos aparecem de forma contínua até 1982, alternando entre reflexões sobre preservação da memória ferroviária, ações da ABPF e históricos de ferrovias ou material rodante. Tabela 2. Publicações da ABPF - Revista Ferrovia (1969 – 1982) Fonte: Elaborado pelo autor. Com propósito similar ao anterior, reunir informações sobre o contexto de surgimento da ABPF, consultamos os Anuários Estatísticos do Brasil, publicados entre 1968 e 1985. Esse conjunto de documentos nos permitiu identificar o número de locomotivas a vapor em funcionamento no período e apresentar um panorama sobre essa quantidade. Essa consulta não estava prevista, uma vez que extrapola os nossos objetivos; contudo, foi relevante para quantificar a redução desse tipo de equipamento e para compreensão do cenário interpretado como risco de desaparecimento pela Associação. Esse conjunto de documentos está disponível para consulta online, na página do IBGE (2015). O Anuário Estatístico do Brasil (AEB) é editado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sua primeira edição data do início do século XX, Vol.1 Ano Título Autor 1979 69 NOV/DEZ Aos Amigos Ferroviários Alberto H. Del Bianco 1979 70 JAN/FEV Não publicado - 1980 71 MAR/ABR Sem Título Patrick Dollinger 1980 72 MAI/JUN Porque Preservar o Patrimônio Histórico Ferroviário Julio E. C. D. de Moraes 1980 73 JUL/AGO Para que serve um ramal? Patrick Dollinger 1980 74 SET/OUT Sesquicentenário da Liverpool and Manchester Sérgio Martire 1980 75 NOV/DEZ Como Preservar o Patrimônio Histórico Ferroviário Julio E. C. D. de Moraes 1981 76 JAN/FEV Porque Preservar a Locomotiva Elétrica N° 6405? Sérgio Martire 1981 77 MAR/ABR ALCO RSC 1 de 1.000 - Uma Locomotiva que tem que ser Preservada! Alberto H. Del Bianco 1981 78 MAI/JUN As "Lambretas" da Santos Jundiaí Sérgio Martire 1981 79 JUL/AGO ALCO FA1 - Uma Locomotiva de Raça Cid J. Beraldo e Fabio Dartes 1981 80 SET/OUT Companhia de Estradas de Ferro Oeste de Minas Sérgio Martire 1981 81 NOV/DEZ A Velha Senhora na Trilha da Aventura Sérgio Martire 1981 82 JAN/FEV Não publicado - 1982 83 MAR/ABR As Locomotivas "English Eletric" da EFSJ Alberto H. Del Bianco 1982 84 MAI/JUN O Material Rodante da Viação Férrea Campinas - Jaguariúna Alberto H. Del Bianco 1982 85 JUL/AGO Não publicado - 1982 86 SET/OUT Não publicado - 1982 87 NOV/DEZ O Alargamento da Bitola da E.F. Araraquara Paulo Modé Publicações da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária - REVISTA FERROVIA Edição N° Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 19 (1908/1912), publicado pela Diretoria Geral de Estatística do Ministério da Agricultura, Indústria e Commérico (sic). Nas edições relevantes ao nosso recorte, foram anualmente publicadas informações sobre os transportes no Brasil, dentre essas a situação das estradas de ferro. Conforme o AEB de 1968 (IBGE, 1968), os dados são provenientes do Departamento Nacional de Estradas de Ferro e da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), em ambos os casos, órgãos federais. Como complemento, utilizamos também fontes orais. Realizamos entrevistas com membros da ABPF e Técnicos do CONDEPHAAT. Em ambos os casos, as atividades foram baseadas em roteiros estruturados com perguntas abertas e a escolha dos entrevistados, baseada em suas participações nos processos de tombamento. Para coletar informações sobre a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), entrevistamos: Alberto Del Bianco, Júlio Eduardo Correa Dias de Moraes e Nilson Rodrigues. Todos eles participaram da Associação nos anos de 1980 e foram mencionados pelo menos uma vez ao longo do processo da Estrada de Ferro Perus-Pirapora (PROCESSO CONDEPHAAT 212373/80, 1980). Sobre o CONDEPHAAT, falamos com Marly Rodrigues e Simone Scifoni, ambas com atuação na área técnica do órgão de defesa. As entrevistas tiveram duração média de 1h e 30min. Com a autorização dos entrevistados, o conteúdo foi gravado. Não foram realizadas transcrições. O material está disponível para consulta, mediante contato com este pesquisador.  A dissertação está organizada em três capítulos. No primeiro capítulo estão apresentados os processos de tombamento de bens ferroviários, concluídos pelo CONDEPHAAT, entre 1969 e 1984. Nesta parte, estão concentradas as informações sobre esse órgão e nossos argumentos sobre a interpretação dos bens ferroviários no período. Foram destaque os valores arquitetônicos e os argumentos sobre a relação com o café no Estado. Na sequência, abordamos os solicitantes. O segundo capítulo tem início com uma apresentação geral dos grupos e pessoas relacionadas aos tombamentos mencionados na etapa anterior, e parte para o estudo de caso da Estrada de Ferro Perus-Pirapora. Para tal aprofundamento, foram necessários tópicos específicos sobre a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) e sobre o pedido de tombamento encaminhado pelo grupo. No terceiro capítulo, demonstramos a existência de múltiplas interpretações sobre a relevância do Acervo da Estrada de Ferro Perus-Pirapora. Iniciamos as discussões com a posição dos proprietários desse bem e as relações de seus argumentos com outras manifestações contrárias aos tombamentos. Como Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 20 complemento, indicamos, através de tabela, a propriedade de cada um dos bens investigados, em sua maioria, administrados pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA) e Ferrovia Paulista S.A. (FEPASA). Os detalhes do processo de tombamento e a apresentação da abrangência da proteção são assuntos do item 3.2. O último item, 3.3., trata do Estado Atual de Preservação, funciona de maneira independente e atua como um complemento das discussões. Com foco diferente dos anteriores, este item considera os aspectos materiais do bem tombado. A partir dos resultados das pesquisas de campo, apresentamos uma atualização sobre a situação do bem tombado. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 21 1. CONSELHO DE DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, ARQUEOLÓGICO, ARTÍSTICO E TURÍSTICO Neste capítulo, abordamos os tombamentos de bens ferroviários realizados pelo CONDEPHAAT, entre 1969 e 1984. Antes desse assunto, apresentamos considerações básicas sobre a legislação que regula o instrumento de tombamento. Ainda que a ferramenta não seja nosso objeto ou mesmo o foco do capítulo, pensar as ações de preservação requer minimamente conhecer a ferramenta de proteção e suas implicações legais. As justificativas para proteção estão em questão nos tópicos seguintes. O objetivo é reunir os argumentos e justificativas dessas proteções a fim de identificar a interpretação dos Técnicos e Conselheiros sobre esse tipo de bem. 1.1. A Ferramenta de Proteção: o Tombamento A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) prevê diferentes formas para preservação e acautelamento do patrimônio cultural brasileiro, sendo o tombamento uma entre as demais ferramentas. Contudo, na prática, ele tem sido a principal (FONSECA, 1997; MIRANDA, 2006; RABELLO, 2009). A origem desse instrumento de proteção está relacionada à criação do primeiro órgão de preservação no Brasil, em 1937. O Decreto-lei n° 25, de 30 de novembro de 1937 (BRASIL, 1937), que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, prevê o tombamento como a ferramenta para efetivar a proteção. O tombamento é um ato administrativo que visa à conservação da integridade física dos bens de interesse público. A proteção impõe limites ao exercício da propriedade para realização de interesses coletivos de preservação (RABELLO, 2009; MIRANDA, 2006). Assim sendo, o processo de tombamento é uma sequência lógica e ordenada de atos do Poder Público, com objetivo de identificar valores culturais capazes de justificar a proteção (MIRANDA, 2006). Ainda conforme o autor, suas fases são comuns a todos os processos administrativos: instauração, instrução, defesa, relatório e julgamento. O tombamento está além de suas implicações jurídicas, sendo utilizado por agentes oficiais e grupos sociais como meio de consagração do valor cultural de um bem (FONSECA, 1997; RODRIGUES, 1996). Essa abordagem, a partir de seu aspecto simbólico, nos apresenta outra face do tombamento. Para Lemos (2004, p. 85), trata-se de “[...] um atributo que se dá ao bem cultural escolhido e separado dos demais para que, nele, fique assegurada a garantia de perpetuação da memória”. No mesmo sentido, Rodrigues (1996) afirma que o reconhecimento oficial é responsável Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 22 pelo destaque do patrimônio frente aos demais locais de memória (RODRIGUES, 1996). O patrimônio está sujeito a disputas econômicas e simbólicas. Conforme Fonseca (1997), em função da natureza conflitante dos interesses e o peso dos monumentos no patrimônio nacional, os processos de tombamento são espaços de expressão desses conflitos, nos quais podemos notar as vozes envolvidas na questão da preservação e sua influência nos processos. Não por menos, adotamos o processo como fonte principal de nosso trabalho. No Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), o processo de tombamento é regulamentado pelo Decreto Estadual n°13.426, de 16 de março de 1979 (SÃO PAULO, 1979). 7 O documento apresenta informações sobre as particularidades da aplicação do instrumento e informações sobre as questões administrativas. As informações sobre as etapas do processo são escassas nesse Decreto; estavam claras apenas a solicitação (Artigo 142), a efetivação da decisão (Artigo 139) e a possibilidade de contestação da proteção por parte dos proprietários (Artigo 143) (SÃO PAULO, 1979). Destaque para o Artigo 139, que condiciona a decisão de tombamento à aprovação do Secretário da Cultura, e posterior inscrição do bem em um dos livros do tombo. Atualmente, o CONDEPHAAT disponibiliza em sua página informações sobre os trâmites internos pelos quais passam os processos de tombamento (CONDEPHAAT, 2015). A partir dessa referência, elaboramos um esquema gráfico para representar as etapas (figura 5).8 7 Decreto revogado pelo Decreto n° 20.955, de 01 de junho de 1983 (esse também revogado pelo Decreto n°50.941, de 05 de julho de 2006), exceto os Artigos 134 a 149, que permanecem em vigor (SÃO PAULO, 2015). 8 Além de facilitar o entendimento do processo, a figura foi fundamental para a compreensão das formas de produção do documento (processo de tombamento), esforço destacado por Le Goff (1990) para o trabalho com fontes documentais. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 23 Figura 5. Fluxograma do Processo de Tombamento : Fonte: Elaborado pelo autor, com base na legislação estadual (SÃO PAULO, 1979) e nas informações públicas do CONDEPHAAT (2015). Estão ausentes no modelo as manifestações externas aos interessados ou mesmo contestações dos proprietários que, em alguns casos, são anteriores à decisão do Conselho pelo tombamento, exemplo que veremos no caso do acervo da Estrada de Ferro Perus-Pirapora. Assim sendo, lembramos que os trâmites podem variar de acordo com o contexto e necessidade de cada processo. Em função da complexidade dos objetos tornou-se necessária a elaboração de estudos técnicos que examinem o bem para tombamento (RABELLO, 2009). A autora afirma que esses não constituem atos administrativos, contudo, são procedimentos preparatórios que facilitarão a manifestação do Conselho sobre o assunto proposto. Ainda conforme ela, os estudos "[...] se impõem, não por força de lei, mas para esclarecer a motivação do ato administrativo, explicitando a relação entre a escolha de um determinado bem e o interesse público em conservá-lo” (RABELLO, 2009, p.64). No caso aqui estudado, nem todas as Resoluções de Tombamento apresentam as justificativas de proteção; por este motivo, recorremos aos estudos e pareceres para compreender a interpretação que justifica a proteção do bem. É válido destacar que as escolhas não são aleatórias, contudo, tampouco poderiam ser objetivas. Para Rabello (2009, p.93), "será excepcional e notável aquilo que a administração, no âmbito de sua legalidade e legitimidade, assim o considerar”. Ela explica que o tombamento é um ato administrativo discricionário (RABELLO, 2009), em que o legislador, não podendo prever a melhor decisão a ser tomada, Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 24 confere ao administrador uma margem de liberdade de decisão, dentro da lei (JUSBRASIL, 2015). Entendemos que essa característica seja também capaz de demonstrar a necessidade de conhecer os critérios de tombamento adotados pelo órgão de defesa, em nosso caso o CONDEPHAAT. 1.2. O CONDEPHAAT e a Proteção de Bens Ferroviários Segundo Rodrigues (1994), a criação do CONDEPHAAT atendia ao interesse federal de ampliação da participação dos Estados na produção cultural, posteriormente indicado no Encontro Nacional para Defesa do Patrimônio, Compromisso de Brasília, 1970. Por outro lado, a criação do órgão paulista estava inserida no culto cívico e consagração pragmática do passado e, ainda que não fossem formalmente distintas da proposta federal, opunham-se à concepção que orientara a formação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), "[...] segundo a qual o passado era referência para a constituição da nacionalidade e fonte de conhecimento da história da arquitetura." (RODRIGUES, 1994, p.40). O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) foi criado pelo Governo do Estado de São Paulo, através do Artigo 128, da Constituição Estadual de São Paulo, de 1967 (SÃO PAULO, 1967) e organizado pela lei n° 10.247, de 22 de Outubro de 1968 (SÃO PAULO, 1968). Esse documento dispõe sobre a competência, organização e funcionamento do órgão de defesa. Conforme a legislação estadual, cabe ao CONDEPHAAT: [...] a adoção de todas as medidas para a defesa do patrimônio histórico, artístico e turístico do Estado, cuja conservação se imponha em razão de fatos históricos memoráveis, do seu valor folclórico, artístico, documental ou turístico, bem assim dos recantos paisagísticos, que mereçam ser preservados. (SÃO PAULO, 1968) A lei n°10.247 (SÃO PAULO, 1968) determina que o Conselho fique diretamente subordinado ao Secretário de Cultura, Esportes e Turismo (Artigo 1°) e esclarece que essa secretaria deixa à disposição do CONDEPHAAT o pessoal técnico e administrativo necessário ao seu funcionamento (Artigo 4°). Informa ainda que os membros do Conselho são designados pelo Governador e devem possuir notórios conhecimentos relativos às finalidades do órgão, além de comprovada idoneidade moral (Artigo 3°). Quanto à composição, são representantes das seguintes secretarias e entidades: (1) Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo; (2) Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP); (3) Instituto de Pré-História, da Universidade de São Paulo (USP); (4) Diretoria Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 25 do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); (5) Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo; (6) Serviço de Museus Históricos do Estado de São Paulo; (7) Instituto dos Arquitetos do Brasil, Secção de São Paulo; (8) Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga; (9) Cúria Metropolitana de São Paulo. Por outro lado, a lei era omissa em relação à estrutura administrativa necessária, o que obrigou os Conselheiros a acumularem funções técnicas e administrativas por um longo tempo, fato que culminou em paralisação das atividades entre maio e agosto de 1969 (RODRIGUES, 1994). Ainda segundo a autora, a necessidade de regulamentar a atividade levou os Conselheiros a elaborarem um anteprojeto de lei, visando ainda contornar aspectos que lhes pareciam falhos, tais como a omissão sobre o suporte financeiro para as atividades e o Artigo 6°, que estabelecia o uso dos bens tombados do Estado para uso exclusivo como museus. [?] Em 1971, através do Decreto n°52.620 (SÃO PAULO, 1971), foi criada a Secretaria Executiva do CONDEPHAAT, responsável pela execução de atividades relacionadas a tombamento, restauro e cadastramento do patrimônio, além de tarefas administrativas. Conforme o documento, tal Secretaria estava composta da seguinte forma: (1) Assistência Jurídica; (2) Comissão Técnica de Estudos e Tombamento; (3) Serviço Técnico de Conservação e Restauro; (4) Seção Técnico-Auxiliar; (5) Seção Administrativa. Além de demonstrar a hierarquia, o decreto em questão traz informações sobre as atribuições de cada setor e formação de seus profissionais. O documento nos permite identificar que a Comissão Técnica de Estudos e Tombamentos deveria ser composta por profissionais com formação superior nas áreas de Arquitetura e História, a segunda com a formação geral e também especializações: Historiador da Arte e Historiador Paleógrafo (Artigo 4°) (SÃO PAULO, 1971). O texto prevê ainda que profissionais com outras formações podem integrar essa Comissão, de acordo com a necessidade.9 A formação em áreas específicas também é solicitada na composição do Serviço Técnico de Conservação e Restauro: "(I) um Arquiteto com pós-graduação em Restauro; (II) um Desenhista; (III) um Desenhista-Topógrafo; (IV) um Restaurador de Pinturas; (V) um Restaurador de Esculturas; (VI) um Marceneiro; (VII) um Engenheiro Civil." (SÃO PAULO, 1971). A contratação de um corpo técnico permanente para o Serviço Técnico de Conservação e Restauro (STCR) ocorreu 9 O Artigo 4° aponta que a Comissão Técnica de Estudos e Tombamentos deverá ser composta por Assistentes Técnicos de Direção II "[...] com formação universitária de Historiador, Historiador da Arte, Historiador Paleógrafo, Arquiteto e outros que se fizerem necessários" (SÃO PAULO, 1971). Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 26 apenas em 1982, sendo prioritariamente composto por arquitetos e historiadores (RODRIGUES, 1994). Rodrigues (1994) explica que, anteriormente, quando do início dos trabalhos do CONDEPHAAT, o órgão não contava com um setor técnico. Esse começou a ser formado em Outubro de 1969, por profissionais comissionados de outras secretarias, embora não estruturado por lei. Conforme a autora, foi Carlos Lemos, arquiteto do setor de engenharia sanitária da Secretaria de Saúde, o primeiro responsável pela coleta de dados para os tombamentos em estudo. Em função da escassez de técnicos, a maioria dos serviços necessários eram externos e orientados por Lemos, posteriormente responsável pela Comissão Técnica de Estudos e Tombamentos (RODRIGUES, 1994). Posterior à lei nº 10.247 (SÃO PAULO,1968), a composição do Conselho foi alterada por decretos, a exemplo do Decreto n° 7.516, de 03 de fevereiro de 1976 (SÃO PAULO, 1976) e o Decreto n°22.986, de 30 de novembro de 1984, ambos responsáveis por alterações e novas inclusões no Colegiado, o segundo totalizando doze Secretarias e Entidades representadas, em alguns casos, por mais de um departamento.10 Atualmente, após reorganizações administrativas, o CONDEPHAAT está subordinado ao Secretário da Cultura do Estado de São Paulo e conta com 26 representantes de Secretarias Estaduais, Entidades de Classe, Universidades e pela Procuradoria Geral do Estado (SÃO PAULO, 2015).11 Na mesma reorganização, foi criada a Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH), setor técnico e executivo do CONDEPHAAT. Criado em 2006, o departamento é formado pelo Grupo de Estudos de Inventário e Reconhecimento do Patrimônio Cultural e Natural e Grupo de Conservação e Restauração de Bens Tombados (CONDEPHAAT, 2015). A concentração de arquitetos e historiadores é ainda uma realidade, a mesma página cita que os grupos são compostos por profissionais das áreas de Arquitetura, História e Sociologia. Sobre a proteção de bens ferroviários, o CONDEPHAAT tombou um total de 36 bens desse tipo, patrimônios presentes em vinte e nove municípios paulistas (figura 6). 10 O trabalho de Rodrigues (1994) conta com informações sobre as Secretarias e Entidades que compunham o Conselho e seus respectivos representantes, entre 1969 e 1987 (p. 48 - 49). 11 Vide entidades e respectivos representantes nos anexos deste trabalho. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 27 Figura 6. Mapa. Distribuição dos Bens Ferroviários Tombados no Estado de São Paulo Fonte: Elaborado pelo autor. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 28 Tabela 3. Bens Ferroviários Tombados pelo CONDEPHAAT Fonte: Elaborado pelo autor, com base em CONDEPHAAT (2014). Bem Tombado Abertura Processo Tombamento Publicação D.O. Livro do Tombo Estação Ferroviária de Bananal 1969 15465/69 1974 13/07/1974 Histórico Horto e Museu Edmundo Navarro de Andrade 1974 00428/74 1977 09/12/1977 Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico Estação Ferroviária de Santa Rita do Passa Quatro 1974 00467/74 1981 23/05/1981 Histórico Estação Ferroviária de Campinas 1978 20682/78 1982 15/04/1982 Histórico Estação Ferroviária de Cachoeira Paulista 1977 20316/77 1982 18/04/1982 Histórico Estação do Brás 1978 20699/78 1982 03/05/1982 Histórico Estação da Luz 1976 20097/76 1982 05/05/1982 Histórico Estação Barracão 1980 21364/80 1982 08/05/1982 Histórico Estação Ferroviária de Guaratinguetá 1982 22090/82 1982 17/12/1982 Histórico Estação Ferroviária de Rio Claro 1982 22295/82 1985 14/11/1985 Histórico Estação Ferroviária de Mairinque 1986 24383/86 1986 28/10/1986 Histórico Acervo da Estrada de Ferro Perus–Pirapora 1980 21273/80 1987 19/01/1987 Histórico Estação Ferroviária de Descalvado 1985 23320/85 1987 22/01/1987 Histórico Complexo Ferroviário de Paranapiacaba 1982 22209/82 1987 30/09/1987 Histórico Rotunda de Cruzeiro 1987 25566/87 1988 02/09/1988 Histórico Edifício da Estação Ferroviária de Espírito Santo do Pinhal¹ 1988 26264/88 1992 16/11/1992 Histórico Estação Julio Prestes 1997 36990/97 1999 08/07/1999 Histórico Edificio do Antigo DOPS 1999 38685/99 1999 09/07/1999 Histórico Estação Ferroviária de Jundiaí 2009 60142/09 2011 13/06/2011 Histórico Conjunto da Estação Ferroviária de Franco da Rocha 2009 60305/09 2011 19/08/2011 Histórico Conjunto da Estação Ferroviária de Rio Grande da Serra 2009 60309/09 2011 19/08/2011 Histórico Conjunto da Estação Ferroviária de Jaraguá 2009 60308/09 2011 19/08/2011 Histórico Conjunto Ferroviário de Caieiras 2009 60306/09 2011 18/10/2011 Histórico Conjunto Ferroviário de Ribeirão Pires 2009 60313/09 2011 18/10/2011 Histórico Conjunto Ferroviário de Perus 2009 60307/09 2011 18/10/2011 Histórico Conjunto Ferroviário de Várzea Paulista 2009 60304/09 2011 18/10/2011 Histórico Conjunto da Estação Ferroviária de Andradina 1992 30215/92 2012 16/07/2012 Histórico Conjunto Ferroviário Central de Araçatuba 2001 42095/01 2012 16/07/2012 Histórico Complexo Ferroviário de Louveira 2010 61063/10 2012 16/07/2012 Histórico Conjunto da Estação Ferroviária de Vinhedo 2010 61056/10 2012 16/07/2012 Histórico Complexo da Estação Ferroviária de Botucatu 2009 59930/09 2012 11/10/2012 Histórico Conjunto Ferroviário de Valinhos 2010 61057/10 2013 23/10/2013 Histórico Conjunto da Estação Ferroviária de Piratininga 2009 59339/09 2013 10/06/2013 Histórico Conjunto da Estação Ferroviária de Piraju 1986 24812/86 2013 27/03/2013 Histórico Conjunto da Estação Ferroviária de Sumaré 2003 46225/03 2013 06/02/2013 Histórico Estação Ferroviária de Piquete 1986 24271/86 2014 21/01/2014 Histórico 1 - Integrado ao tombamento do Conjunto Urbano de Espirito Santo do Pinhal Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 29 Como visto (tabela 3), a maior parte das proteções foi concluída na década atual, sendo dezoito tombamentos, entre 2011 e 2014. Ainda que se trate de uma amostra não compreendida pelo recorte, alguns apontamentos se fazem necessários. As proteções mencionadas são resultados dos estudos realizados pelo Grupo de Estudos de Inventários e Tombamentos (GEI/UPPH) para identificação do patrimônio ferroviário (MARTINS, 2011). Diferente do período investigado, as atuais proteções de bens ferroviários foram baseadas em critérios de seleção específicos. Segundo Martins (2011), os critérios estabelecidos abrangiam as estações com conjuntos completos, entroncamentos ferroviários, relevância histórica, integridade física, e algumas estações localizadas em estâncias turísticas. Os critérios foram mencionados também em pareceres técnicos do período, por exemplo, a recomendação de arquivar o Guichê da Estação de Muritinga do Sul, documento elaborado pela própria Ana Martins, em agosto de 2008. Por ora, nas análises desenvolvidas por esse órgão estão sendo contempladas as estações de entroncamento, as estações com oficinas, as estações com hortos florestais ou que sediaram pontos iniciais ou terminais de trajeto ferroviário. (GUICHE CONDEPHAAT 00104, 1984, p. 11) Os anos de 1980 foi o segundo período com maior número de proteções, foram treze bens ferroviários tombados. Entre eles, nove bens tiveram seus processos concluídos até 1984, sendo, portanto, compatíveis com nosso recorte temporal. Dada a importância desses documentos para o argumento geral da dissertação, o andamento e análise geral desses processos estão descritos no tópico seguinte. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 30 Figura 7. Mapa. Bens Ferroviários abrangidos pelo Estudo Fonte: Elaborado pelo autor. Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 31 1.3. Processos e Justificativas para Proteção (1969 – 1984) Conforme citado anteriormente, a ação do CONDEPHAAT não teve por base uma política de preservação, sendo, porém, definida pelas práticas desenvolvidas (RODRIGUES, 1994). No mesmo sentido, Prata (2009) afirma que a prática informa muito a teoria, uma vez que no cotidiano algumas respostas acabam se tornando recorrentes. As considerações dessas autoras nos permitem crer na existência de uma orientação não formal nas decisões de tombamento. Dessa forma, para compreendermos os argumentos aplicados à proteção da Estrada de Ferro Perus- Pirapora, entendemos como necessária a investigação dos bens ferroviários tombados antes e simultaneamente a esse reconhecimento. Ressaltamos que não se trata de um resumo dos andamentos, mas sim uma análise sobre a interpretação de cada personagem acerca da importância do objeto.12 Tabela 4. Andamento dos Processos (1969 - 1984) Fonte: Elaborado pelo autor, com base em SÃO PAULO (2015). Estação Ferroviária de Bananal O primeiro bem ferroviário tombado pelo CONDEPHAAT foi a Estação Ferroviária de Bananal. Localizada no Vale do Paraíba, a cidade fica a aproximadamente 330 quilômetros de São Paulo. O edifício foi inaugurado em 1888, pela Estrada de Ferro Bananal (SÃO PAULO, 2015). Conforme consta na mesma página, após a encampação pela União, a estação esteve ligada à Estrada de Ferro Central do Brasil e, por algum tempo, à Estrada de Ferro Oestes de Minas. Em 1964, sob a administração da Central do Brasil, o ramal foi desativado. Quando da solicitação do tombamento, anos de 1960, o prédio abrigava uma Agência Postal da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos 12 Nos Apêndices está disponível uma tabela síntese com o nome dos Técnicos, Conselheiros, bem como a data de publicação de seus pareceres. 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 Estação Ferroviária de Bananal Horto e Museu Edmundo Navarro de Andrade Estação Ferroviária de Santa Rita do Passa Quatro Estação da Luz Estação Ferroviária de Cachoeira Paulista Estação Ferroviária de Campinas Estação do Brás Estação Barracão Acervo da Estrada de Ferro Perus–Pirapora¹ ... Estação Ferroviária de Guaratinguetá 1 - Bem tombado em 1987 Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 32 (Correios), sendo ainda uma propriedade da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) (PROCESSO CONDEPHAAT 15465/69, 1969). Em 1969, por solicitação interna do CONDEPHAAT, foi aberto o processo 15.465/69, referente ao tombamento da Estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, situada em Bananal. O pedido foi realizado por Vinício Stein Campos, Conselheiro representante do então Serviço de Museus Históricos, o SMH (PROCESSO CONDEPHAAT 15465/69, 1969). Os argumentos do solicitante destacam as características construtivas da edificação e sua excepcionalidade: "O mencionado prédio é todo em placas de aço desmontáveis, importadas da Bélgica em 1954, constituindo monumento único em seu gênero em todo país." (PROCESSO CONDEPHAAT 15465/69, 1969, p.03). O Conselheiro Aureliano Leite, representante do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), foi responsável pelas informações históricas sobre a cidade de Bananal. 13 Ainda que não houvesse uma política cultural definida (RODRIGUES, 1994) (Vide 1.2.), o parecer indica a existência de uma recomendação relacionada à história da cidade e personalidades ilustres: "Determina a Presidente14 que se lembre aqui da história da cidade de BANANAL e de suas grandes figuras. Vamos obedecer- lhe [...]" (PROCESSO CONDEPHAAT 15465/69, 1969, p. 10). O documento reúne informações sobre as personalidades e o desenvolvimento, sobretudo econômico, do município. A estação ferroviária é mencionada enquanto lembrança do antigo ramal, relacionada à cultura do café: A despeito dessa decadência [principais lavradores rumo ao Oeste Paulista], capitalistas do município fizeram funcionar por algum tempo um ramal férreo que se entroncava com a E.F.C. do Brasil na Estação da Saudade. A cidade conserva como lembrança desse fato a estação férrea, em sinco [sic] e aço, material vindo da Bélgica, por sinal já tombada pelo Patrimônio Nacional. (PROCESSO CONDEPHAAT 15465/69, 1969, p.11, grifo nosso). 13 É válido recordar que nesse momento o órgão ainda não contava com um setor executivo (vide 1.2.). A ausência de uma estrutura administrativa e o momento de estruturação são visíveis também na representação de Vinício Stein Campos em resposta à solicitação de informações da Assessoria Jurídica: “I – O Conselho, de conformidade com a lei que o criou, não é órgão executivo, mas deliberativo, não competindo aos seus Conselheiros a execução de tarefas administrativas resultantes dos tombamentos por eles propostos ao Estado. O Conselheiro propõe o tombamento, requer as providências cabíveis, solicita o estudo do assunto, delibera em reunião sobre a viabilidade do caso, pede realização de diligências e juntada de documentos, — não estando porém em suas atribuições procurar documentos, cuidar de fotografias, pesquisar dados para instrução do processo. Tais encargos competem ao órgão administrativo do Conselho. Acontece porém que o Conselho não possui esses órgãos. Nesse caso, a obrigação da realização desse trabalho é da secção administrativa da própria Secretaria à qual pertence o Conselho, isto é, a Secretaria de Cultura, Esportes e Turismo.” (PROCESSO CONDEPHAAT 15465/69, p.09, grifo nosso). 14 Lucia Falkenberg, representante do Instituto Histórico e Geográfico de Guarujá-Bertioga — IHGGB (RODRIGUES 1994). Os Bens Ferroviários nos Tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984) 33 Destacamos que a estação não estava tombada pelo órgão nacional, informação esclarecida por Vinício Stein Campos, em 06 de março de 1974, após decisão de adiamento do tombamento. A atuação do CONDEPHAAT sobre bens de propriedade da União foi tema de discussão nesse processo e responsável pela recomendação de adiamento por parte da Assessoria Jurídica (PROCESSO CONDEPHAAT 15465/69, 1969). Retomado o andamento do processo, o técnico Carlos Lemos dá parecer favorável ao tombamento. Para Lemos (PROCESSO CONDEPHAAT 15465/69, 1969), trata-se de um bem de importância documental — documento da história da arquitetura — sendo um exemplo de construção totalmente pré-fabricada, segundo ele, técnica possivelmente iniciada pelo Palácio de Cristal, de Londres. Atribui ainda essa importância ao fato de ser um raro remanescente das primeiras vias férreas brasileiras. Seu parecer indica que a proteção da Estação de Bananal deveria ser acompanhada pelas estações de Santa Rita do Passa Quatro e Mairinque, "[...] mas esta memorável pelas qualidades artísticas e não tanto pela idade." (PROCESSO CONDEPHAAT 15465/69, 1969, p.27). Outro parecer favorável foi de Luis Saia, Conselheiro representante do órgão federal de patrimônio. Esse é sucinto, e compreende o edifício da estação como um exemplar da arquitetura do ferro (PROCESSO CONDEPHAAT 15465/69, 1969). A intenção de converter