Cerâmica utilitária de alta temperatura Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Departamento de Design Bong’aloo Cerâmica utilitária de alta temperatura Lucas Ikeda Martins Projeto de conclusão de curso para Design de Produto Orientação: Profª. Dra. Fernanda Henriques Bauru 2018 4 Agradecimentos “Algo tão pequeno como o bater de asas de uma borboleta pode causar um tufão do outro lado do mundo.” Teoria do Caos. Aos meus pais Lídia e Tadeu, agradeço pelo carinho, amor e paciência. Nesse momento estou fazendo uma retrospectiva da minha vida universitária, a procura de pes- soas a agradecer, mas são tantas que ficaria trabalhoso enumerar todas e reconhecer sua partici- pação na minha jornada. Acredito que nessa faculdade da vida que foi a Unesp cada conversa nas festas, cada fugida das aulas, cada debate sobre arte/design, cada Interdesigners, cada conversa fiada de domingo, cada oficina, enfim, cada bater de asas das borboletas me trouxeram aqui e por isso sou muito grato a todos que passaram pelo meu caminho. Aos que participaram diretamente nesse projeto: Thais de Caroline, Lucas Tioda, Vida Nurani, Maria Claudia Sousa, Aline Darc, Adriano Antonio de Andrade e Marcos Takeshi Matsumoto, a ajuda de vocês foi essencial para que esse projeto ganhasse vida. Aos Taquarinos que me acolheram quando retornei do intercâmbio e ao Inky Design que me deu um grande pontapé na área gráfica do design, à Fernanda Henriques obrigado pelas dicas tipográ- ficas e à Cassia Carrara pelos ensinamentos na área gráfica no geral, jamais esquecerei o que é uma orfã e viúva, muito embora vou confundir qual é qual, à vocês agradeço pelo carinho. Por último e não menos importante fica meu agradecimento aos membros das Repúblicas de Base, Frente, Penumbra, Bangalô, Frafru e Ponto, valeu pelo companheirismo e pelas festas! 5 Resumo Abstract O projeto compreende a criação de bongs feitos de cerâmica para o público fumante. Os bongs foram desenvolvidos com a intenção de assimilar várias características do design de produto a cerâmica utilitária de alta temperatura, oferecen- do mais uma possibilidade de produto para esse público. Para realizar o projeto foram realizados estudos acerca de tipos de argilas, básico de esmaltação, temperatura de queima, análise histórica de bongs encontrados em partes do mundo, além de um extenso estudo prático no torno afim de desenvolver designs que aumentassem a eficácia do produto. Este projeto surgiu a partir da ideia de explorar a argila, pouco utilizada na graduação, e a partir dela criar peças utilitárias. Palavras-chave: Bong, cachimbo, fumo, cerâmica, design de produto. The project comprehends the creation of bongs made of ceramics for a smoking audience. The bongs were developed with the intention of assigning several features from product design to the high tempera- ture utilitarian ceramic, offering another possibility of product for this audience. To make this project happens were realized researches on types of clays, glazing basic, kiln temperatures, a historical anal- yses of the bongs found around the world, besides an extensive prac- tical studies on the throwing wheel to develop designs that could in- crease the product effectiveness. This project came up from the idea of exploring clay, no common in the graduation, and starting creating utilitarian pieces from it. Keywords: Bong, water pipe, pipe, smoking, ceramics, pottery, clay, product design. 6 Sumário 4 Agradecimentos 5 Resumo/ Abstract 7 Introdução 8 Objetivos 9 Fundamentação Teórica 9 Processos 11 História 14 Bongs 19 Desenvolvimento 22 Treinar e explorar 31 Argilas 32 Projetando 37 Protótipos 48 Esmaltação 50 Conjunto Final 61 Identidade 71 Considerações Finais 72 Referências 75 Anexos 7 Introdução Somando interesses pessoais como antropologia, história e cerâmica, resolvi consolidar meu pro- jeto: estudaria o objeto em si, a sua relação com a prática de fumar, por que resolvemos melhorar o que já possuímos, se isso já não é design por si só e por fim recriar alguns bongs em argila. A cerâmica foi o meio de transformar esses estudos em algo palpável, onde o desafio foi adequar o que aprendi em design de produto em um material que não temos muito contato durante a graduação, apesar de existir uma enorme gama de produtos feitos de argila, como azulejos, assentos sanitários, telhas, pratos, vasos, até tecidos cerâmicos, utilizados em aeronaves espaciais e satélites. A intenção com este projeto é criar uma peça com foco no aspecto funcional do que no aspecto estético, de- scobrir quais características podem ser criadas para melhorar a experiência do usuário ao fumar e aprender mais sobre a cerâmica. Como no momento ainda estou em fase de aprendizagem, a parte relacionada aos esmaltes e grafismos não será explorada a fundo, contudo, os esmaltes serão usados, pois possuem valor imprescindível para o projeto. O bong, ou cachimbo d’água, existe há muitos séculos e no passado fora e ainda é comum em diversos países como Índia, China e algumas regiões da África, porém cada região adota um nome diferente para o artefato, entretanto os princípios funcionais permanecem. Trata-se de um objeto criado para suavizar a fumaça que irá ser inalada. Isso acontece quando a fumaça, de um determi- nado fumo ou erva queimado passa pela água que fica dentro do bong. A fumaça é suavizada pois sua temperatura abaixa passando pela água até ser inalada. 8 Objetivos -Criar uma coleção de bongs(objeto utilitário) feitos integralmente de cerâmica(argila e vidra- dos). -Explorar mais a fundo novos materiais, como no caso a argila e a cerâmica no geral, estudando os processos de criação, queima, esmaltação e toxicologia dos materiais empregados. -Introduzir o que for possível dos métodos de design na produção artesanal, tanto na parte gráfi- ca, criando uma identidade para os produtos, quanto no desenvolvimento em si, introduzindo o usuário na fase de testes, e análises do produto para sua produção em série. 9 Fundamentação Teórica A história do ser humano está diretamente ligada à cerâmica. Há milhares de anos atrás deu-se inicio ao uso do barro para criar vasilhames para serem recipientes de sementes e outros alimen- tos(CERAMICS.ORG, 2014). Entretanto, quando chovia ou se estes recipientes fossem molha- dos de alguma forma, eles se desmanchavam e se tornavam argila novamente, impossibilitando o uso mais abrangente desses potes. A descoberta que a argila seca, sob ação da temperatura, mudava suas propriedades mecânicas fez com que a cerâmica ganhasse extrema importância no papel evolucionista da humanidade(CE- RAMICS.ORG, 2014). Esse processo, onde suas propriedades físicas são mudadas, é chamado de sinterização. Isso acontece na argila quando ela é aquecida a partir de 350ºC, que é a temperatura onde sua água química (água que só é eliminada através da queima) começa a ser eliminada e passa a ser cerâmica. Esta queima confere novas características à peça cerâmica tais como maior resistên- cia mecânica e dureza, fazendo com que a peça não volte mais a ser argila. Com esta descoberta, o uso da cerâmica foi expandido, podendo-se criar caldeiras e panelas que possibilitariam o cozimento de alimentos que antes não faziam parte da dieta do ser humano, proporcionando maior produção de alimentos e possibilitando maior crescimento populacional (MASSOLA, 1994). Como o ser humano evoluiu em tempos diferentes, não se pode afirmar em quais épocas e locais e quais civilizações ou grupos foram responsáveis pelas invenções, mas através de estudos arque- ológicos pode-se concluir que a cerâmica teve papel importante na vida do ser humano. Processos No princípio, as primeiras técnicas eram totalmente manuais, não utilizando as ferramentas que hoje usamos. O processo básico da criação de peças se dava pela criação de várias “anéis” de argila que eram sobrepostas e feitas de diversos tamanhos para que a peça ficasse no formato desejado. 10 Após essa fase de empilhamento, pressionavam-se as argolas de argila uma contra a outra, misturando-as para que ficasse uni- forme. Após a peça terminada, era necessária a secagem da mes- ma, antes da queima e, com isso, ela estaria pronta. Com o passar do tempo, novas técnicas foram descobertas. O torno como é conhecido hoje, não era nem de perto a reali- dade de quando fora inventado. Sua origem data de aproximad- amente 4000-3500 a.C.(Período Ubaid) na Mesopotâmia, feito de pedaços pesados de pedra ou madeira(COOPER, 1988). Era movimentado manualmente e não se movia tão rapidamente como os atuais, entretanto, o efeito que essa simples e lenta roda teve na produção de potes foi considerável, já que possibilitou uma produção mais rápida e uniforme. Figura 4: Rodo de pedra, Mesopotâmia, 2200 a.C. (British Museum) Fonte: A History of World Pottery, Emmanuel Cooper. Figura 1: Início da montagem da peça, com os anéis de argila já empilhados. Fonte: Cerâmica, Uma história feita à mão, Doroti Massola. Figura 2: Junção dos anéis de argila Fonte: Cerâmica, Uma história feita à mão, Doroti Massola. Figura 3: Utilizando ferramenta para nive- lar unificar a peça. Fonte: Cerâmica, Uma história feita à mão, Doroti Massola. Os processos de produção da cerâmica nunca param de evoluir. Atualmente a argila também tem sido utilizada como matéria-prima de impressoras 3D(VAN HERPT, 2012). Essa forma de produção, apesar de distanciar um pouco as pessoas do contato com a argila, visto que a pessoa é responsável apenas pelo modelo digital, não entrando em contato direto com a ar- gila, permite a criação de formas e desenhos que antes eram im- 11 possíveis de serem modelos a mão. Essa inovação com certeza trará novas formas de uso para a cerâmica, tanto artística quanto utilitária. História Além das utilizações citadas acima, a cerâmica teve e ainda tem grande presença em nossas vidas. No passado facilitou o comér- cio com seus grandes vasos para transporte de óleos e vinhos, serviu como suporte para contar mitos e histórias de conquista- dores na Roma antiga e na Grécia e, também, como suporte para uma das formas mais antigas de escrita, a cuneiforme(COOP- ER, 1988). Dentre todas essas utilidades, a cerâmica também serve como objeto de datação histórica. Através desses achados arqueológicos pode-se escrever um pouco da história não con- Figura 6: Peça em processo de “impressão”. Olivier van Herpt Fonte: http://oliviervanherpt.com/ Figura 5: Peça feita por um extrusora 3D. Olivier van Herpt Fonte: http://oliviervanherpt.com/ 12 tada da humanidade e é a partir desses objetos que os estudos para este projeto se iniciam. Observar o momento em que se começaram a criar objetos para facilitar o fumo de diferentes substâncias e fazer uma análise de outros produtos criados com o mesmo intuito durante os anos. Achados arqueológicos apontam diversos cachimbos en- contrados na África, que eram feitos de diversos materiais tais como barro, pedra e metal. Também foram encontrados em di- versos estilos. Esses cachimbos ajudam arqueólogos a relacionar os estilos com as épocas que foram criados, datando períodos de acordo com os estilos encontrados. Os cachimbos mais es- tudados são do tipo Cachimbo Cotovelo (tradução livre) en- contrados no Oeste Africano, feitos basicamente de cerâmica (somente argila queimada). Além dos cachimbos convencionais, foram encontradas evi- dências de Cachimbos da Terra (tradução livre) no sul da África e Ásia Central. Esses cachimbos eram moldados ou cavados. Embora não exista datação de tais instrumentos, acredita-se que foram umas das primeiras criações que antecederam o cachimbo de argila(PHILIPS, 1983). Figura 7: Grande vaso para armazenamento com decoração de cordas. Altura 1,15m. Creta Fonte: A History of World Pottery, Emmanuel Cooper. Figura 8: Guerreiro lutando com leão. Altura 30cm. Atenas 520 a.C. Fonte: A History of World Pottery, Emmanuel Cooper. Figura 9: Tablete cuneiforme. Museu do Vaticano Fonte: http://www.museivaticani.va 13 Figura 10: Cachimbos decorados para tabaco de Mali. Nota-se o ângulo agudo que carac- teriza os cachimbos-cotovelo(tradução livre). Fonte: The Journal of African History, John Edward Philips. Figura 11: Diagrama de um cachimbo da terra(tradução livre) cavado da terra. Fonte: The Journal of African History, John Edward Philips. Figura 12: Cachimbos da terra e formas de uso. (12a) Duas vistas de um cachimbo feito da terra. (12b) Africano fumando desse cachimbo. Fonte: The Journal of African History, John Edward Philips. 14 Bongs/ Cachimbo d’água/ Water pipe Os bongs, ou water pipe (cachimbo de água em um tradução livre) é uma evolução na forma de fumar. Seu cachimbo tem uma parte de água onde a fumaça que passa é ligeiramente res- friada e terá alguma parte das substâncias indesejáveis(alcatrão) retida. Eles funcionam da seguinte maneira: Ilustração 1: Primeiramente se coloca o fumo desejado na cumbuca(semi-círculo verde) e a boca no bocal. Ilustração 2: Queime o fumo que está na cumbuca e comece a puxar o ar, então a fumaça do fumo passará pela cumbuca e pela água. Ilustração 3: Retire a cumbuca para equalizar a pressão no bong, com a boca ainda no bocal inale a fumaça. Figura 1: Cachimbo d’água da Tanzania. O recipiente no topo é conectado por um tubo a câmara com água, o bocal se encontra no final do pescoço curvado. (Dunhill, The pipe book) Fonte: The Journal of African History, John Edward Philips. Ilustração 1. Ilustração 2. Ilustração 3. 15 Figura 2: Artefatos de ouro encontrados no sul da Rússia, pertencentes à civilização Cítia, incluem duas vasilhas grandes, três copinhos com furos, um anel, dois colares e um bracelete. Fonte: news.nationalgeographic.com Figura 3: Homem enfurecido matando o filho de uma esposa infiel(uma das interpretações para a gravura). Fonte: news.nationalgeographic.com Bong de ouro Em 2013, arqueólogos encontraram artefatos de ouro em uma mamoa (espécie de tumba), na região sul da Rússia, den- tre eles, anéis, braceletes, copos e o que pode-se chamar de bong. Provavelmente esteja sendo chamado de bong porque os arqueólogos encontraram resíduos pretos nas peças que, após análises criminológicas, deram positivo para ópio e cannabis sugerindo a sua utilização como tal instrumento. As peças pertencem à civilização Cítia, que habitou a região 2400 anos atrás. Embora o funcionamento deste bong não seja informado, o que compromete a análise projetual do mesmo, fica evidente sua importância histórica, contando a história de um homem matando o filho de uma esposa infiel (uma das interpretações para a peça) e também a utilização do objeto para fumar (CURRY, 2015). 16 Bong chinês É possível que não exista somente um design para os bongs chineses, já que é uma vasta nação, podendo ter desenvolvi- do inúmeros formatos desse objeto, entretanto, o que mais se assemelha ao bong contemporâneo é o da figura ao lado. Esses bongs eram usados, principalmente, para fumar ópio e taba- co, comum durante séculos na China(BROUGHTTOLIFE. SCIENCEMUSEUM.ORG.UK). Eram confeccionados de diversos materiais como metal, bambu e madeira, alguns apre- sentavam ornamentos e jóias, o que refletia a classe econômica a quem pertencia o artefato. Figura 4: Cachimbo d’água chinês para fumar ópio e tabaco. Fonte: http://sciencemuseum.org.uk Figura 5: Cachimbo d’água chinês feito de cobre, do século XIX. Fonte: ebay.fr Figura 6: Narguilé feito de cobre e pintado a mão com temas tradi- cionais turcos. Fonte: http://mesopotamiart. fancy.com Narguilé No Brasil ficou conhecido como Narguilé, mas na Índia, país onde acredita-se ser o local de origem desse artefato, é chamado de Hookah e é utilizado desde o século XVI para fumar taba- co(BENEDICT, 2011). No Brasil e nas culturas ocidentais, o fumo usado sofreu algumas modificações: o tabaco foi mis- turado com mel e essências de diversos sabores como morango, maçã verde, chocolate por exemplo (NARGUILEATOMICO. COM.BR, 2017). Muito similar ao bong, o Narguile difere em poucos aspectos como a forma de combustão do fumo, por ex- emplo. Ao invés de utilizar o fogo diretamente, aquece-se, pre- viamente, um carvão que ficará no topo do narguile e queimará durante uma sessão. O tempo de queima varia de acordo com a qualidade do carvão utilizado. O narguile pode apresentar de uma a quatro mangueiras, sen- do um atrativo para o uso em grupos. 17 Vidro Atualmente o vidro, mais precisamente o borosilicato, é o ma- terial mais utilizado na confecção de bongs devido à sua qual- idade e facilidade de limpeza (APAVIATA.COM)Apresenta baixa expansão térmica, o que o faz mais resistente ao choque térmico e oferece grande plasticidade ao artista no momento da criação, além de uma considerável melhoria na qualidade da fumaça através do uso de múltiplos filtros chamados Percolators e “pontas” internas que servem para segurar o gelo(HERB.CO, 2015). O vidro, sem dúvida, foi uma revolução na história do bong. Graças à sua plasticidade, hoje pode-se encontrar designs incríveis que além de agradáveis ao olhos, também são muito eficientes ao seu propósito. Figura 8: Bong de vidro com vários percolators(oferece ainda mais filtragem da fumação). Marca Toro Glass Art Fonte: stonerspros.com Figura 7: Bong feito de vidro com temática de polvo. Nota-se a plasti- cidade que o vidro oferece ao artista. Fonte: kravinglass.com 18 Bong Silicone Recentemente algumas empresas têm utilizado o silicone como principal material do bong. Elas utilizam o silicone na base e no “pescoço”, ou seja, basicamente no “corpo” inteiro do bong exceto na cumbuca, que comportará o fumo, que ainda é feita de vidro. O silicone traz diversas vantagens em relação ao vidro: é super maleável, tornando o bong praticamente inquebrável. O bong pode cair da mesa ou até mesmo de alturas maiores e não irá quebrar. Essa característica também é importante durante o transporte. O bong pode ser dobrado e carregado para qualquer lugar sem preocupações. O quesito higienização é outro ponto positivo. Ele é simples e fácil de limpar, não sendo necessária a utilização de diversos produtos ou cuidados específicos durante a limpeza, já que não existe a chance de quebra. A marca Tokorama relata, ainda, que é possível colocar seus bongs na máquina de lavar louça. Na hora da compra, ele também sai à frente do vidro. Enquanto estes (bongs de vidro) são feitos, em sua grande maioria, de forma artesanal, os de sil- icone são feitos por máquinas, o que os tornam mais acessíveis. Além de todas essas vantagens, algumas empresas ainda criar- am bongs com materiais fluorescentes, ou seja, o bong brilha no escuro, o que torna uma facilidade na hora da procura em ambientes escuros além de uma vantagem estética que pode in- fluenciar durante o ato de compra. Figura 9: Demonstrativo de como o silicone pode ser retorcido sem comprometer a peça. Marca: Strong Silicone. Fonte: strongsilicone.com Figura 10: Material fluorescente utiliziado no bong da marca Strong Silicone. Fonte: strongsilicone.com 19 Através desta análise histórica dos bongs e cachimbos, pode-se concluir que indiferente dos mo- tivos para se fumar, sejam eles medicinais, recreativos ou religiosos, estes artefatos estão presentes no dia-a-dia do ser humano há milhares de anos, indicando grande apreço pelo hábito de fumar e evidenciando, também, a vontade de melhorar a qualidade da fumaça, suavizando-a através deles. Desenvolvimento do Projeto Sempre que penso em design logo me vem a cabeça produtos funcionais, estéticos e duráveis. Acredito que o design deve ser funcional acima de tudo para atender às pessoas de maneira prática e eficiente. Partindo desses preceitos, não tive dúvidas que aplicaria essas ideias à minha cerâmica. Porém o design também está ligado a uma produção em larga escala já que a ideia é que o produto seja utilizado pela a maior quantidade de pessoas possível e também eliminar o trabalho artesanal da produção. Entretanto, como projeto pessoal resolvi que deixaria esse aspecto industrial do de- sign de lado e produziria as peças de forma artesanal, pois acredito que o primeiro contato com o material deve ser íntimo e próximo para ter o conhecimento de quais formas podemos explorá-lo, seus limites e possíveis aplicações. ‘‘Meu prazer como designer é conceber formas para o uso diário, e criar peças para a produção nas fábricas, dessa forma muitas pessoas podem apreciá-las’’ Masahiro Mori Encontrei na cerâmica japonesa o designer e ceramista Masahiro Mori, um dos poucos que tra- balhavam com a cerâmica utilitária em larga escala no Japão - onde o grande mercado é a cerâmica artística - ganhador do 1º Good Design Award em 1960 e também ganhador do Industrial De- partment Gold Award na Exibição Internacional de Cerâmica de Faença, Itália 1975, entre outros prêmios e honrarias. Masahiro Mori criava vasilhas, bules, saleiros, canecas, entre outros utensílios 20 domésticos. Ele acreditava que a cerâmica de alta qualidade, ain- da que com preços razoáveis, fosse acessível ao grande público, ao contrário da cerâmica artística que seleciona um público mui- to específico. Mori também foi um dos primeiros a reconhecer que a cerâmica artística poderia ser produzida em massa. Figura 2: Vasilhames. Masahiro Mori, 1958. Fonte: https://www.morimasahiro-ds.org/open-archives/ Figura 1: Colheres para servir. Masahiro Mori, 1982. https://www.morimasahiro-ds.org/open-archives/ 21 Figura 3: Frasco para Shoyu G-Type. Masahiro Mori, 1958. Fonte: https://www.morimasahiro-ds.org/open-archives/ Figura 4: Pote para geléia. Masahiro Mori, 1966. Fonte: https://www.morimasahiro-ds.org/open-archives/ Figura 5: Conjunto de chá. Masahiro Mori, 1983. Fonte: https://www.morimasahiro-ds.org/open-archives/ Figura 6: Bandejas para petiscos. Masahiro Mori, 1994. Fonte: https://www.morimasahiro-ds.org/open-archives/ 22 Comecei a definição dos valores para o bong. Gostaria que fosse um produto eficiente e estético. No âmbito da eficácia, ele deveria resfriar a fumaça, filtrar parte da mesma, facilitar a limpeza e ser um objeto resistente. Quanto a estética, gostaria que fosse algo discreto. No momento que não estivesse em uso, o bong poderia ser usado como ornamento, porém não mui- to chamativo. Para o resfriamento da fumaça pensei em duas características: o prolongamento do “pescoço”, o que faria com que a fumaça percorresse um caminho maior até a inalação pelo usuário; além de pequenos “ganchos” nesse “pescoço”, que teria o papel de segurar cubos de gelo, fazendo com que a fumaça diminuísse sua temperatura ainda mais. No quesito limpeza, re- solvi que a cumbuca, onde é inserido o fumo, seria removível para facilitar a higienização tanto do corpo do bong como da cumbuca em si, parte onde ocorre grande acúmulo de alcatrão. Para a criação de uma peça mais resistente, a queima da massa deveria ser feita em alta temperatura, em torno de 1250º C, pois o barro a esta temperatura fica mais resistente e menos poroso, assim como os vidrados(esmaltes) ficam mais duros e resistentes que os queimados a baixa temperatura. Treinar e Explorar Meu último contato com argila foi há 2 anos aproximada- mente durante uma disciplina de cerâmica que estudei no meu último semestre do intercâmbio, na University of South Aus- tralia, Adelaide. Nessa disciplina aprendi o básico da cerâmica; preparo da argila antes de seu uso no torno, técnicas de dec- oração, esmaltação e criação de peças a partir de formas. Após esse longo período sem prática, era necessário um tre- inamento intensivo. Foi então que durante 1 mês e meio fui ao Ateliê de Artes todas as tardes durante a semana para praticar. Um tempo de prática muito valioso pois além de reaprender o que já sabia, corrigi erros que cometi no passado e também explorei novos formatos, os quais nunca tinha trabalhado, já que no intercâmbio o foco era a criação de vasilhas. Criei uma gama de vasos e recipientes, altos e baixos, para saber o que seria ca- paz de criar quando tivesse que definir os desenhos das minhas peças(Figuras p. 24-30). Com isso, pude me atentar mais as esp- essuras das peças, se seriam grossas ou finas e como isso poderia influenciar em suas estruturas e alturas. Caso fossem muito fi- nas seriam muito frágeis e, consequentemente, se quebrariam a qualquer contato brusco. Se tivessem paredes muito grossas, a peça ficaria muito pesada, o que talvez tornasse a peça não muito agradável de usar e até difícil de segurar. Era necessário encontrar o equilíbrio dessas características. A criação de peças no torno é feita de forma simétrica. Logo, o primeiro passo é centralizar a argila no torno. Para isso, deve- se levantar e abaixar a argila inúmeras vezes até que a mesma se encontre no centro. Caso ela não esteja centralizada a peça ficará assimétrica, o que dificultará o seu manuseio e modelagem. O segundo passo é criar um furo no centro da argila e ir apro- fundando. O objetivo nesta fase é criar uma forma cilíndrica similar a um copo. Este cilindro é a forma básica para criação de qualquer peça, independendo do seu formato. Durante esta eta- pa, é interessante destacar que o fundo não deve ficar com uma espessura muito fina, pois haverá o desbaste da parte inferior da peça, onde surgirá o “pé” da mesma. 23 Figura 1: Praticando no torno, atêlie de artes da Unesp Bauru. 2017 Foto: Adriano de Andrade. Figura 2: Primeira etapa para cen- tralizar a argila no torno; levantar. Fonte: https://nehalembaypot- tery.files.wordpress.com/2012/05/ p1080643.jpg Figura 3: Após levantar a argila o segundo passo é “descer” ela, se estiver centralizada seguir para o próximo passo, caso contrário, repetir a primeira etapa. Fonte: http://www.blankcanvasstudios.org/up- loads/5/4/3/6/54368783/2520675_orig.jpeg Figura 4: Após centralizada, o próximo passo é fazer um buraco no centro da argila com o de- dos, atentando-se para não atravessar a massa com o dedo, dessa forma arruinaria o que seria o fundo da peça. Fonte: http://hgtv.sndimg.com/ HGTV/2005/10/19/hclvr123_1b_lg.jpg Figura 5: Gradativamente vá aumentando o bura- co, apertando os dedos contra a argila para erguer as paredes do cilindro. Fonte: https://i.ytimg.com/vi/wxhl8CJO3Lk/ maxresdefault.jpg Figura 6: Objetivo é criar um cilindro, forma base que dará origem a qualquer outro formato de vaso. Fonte: https://i.ytimg.com/vi/b-o1hTijGpk/max- resdefault.jpg 24 Figura 7: Peças treinamento. Fotos: Marcos Takeshi Matsumoto. 25 Figura 8: Peças treinamento. Fotos: Marcos Takeshi Matsumoto. 26 Figura 9: Peças treinamento. Fotos: Marcos Takeshi Matsumoto. 27 Figura 10: Peças treinamento. Fotos: Marcos Takeshi Matsumoto. 28 Figura 11: Peças treinamento. Fotos: Marcos Takeshi Matsumoto. 29 Figura 12: Peças treinamento. Fotos: Marcos Takeshi Matsumoto. 30 Figura 13: Peças treinamento. Fotos: Marcos Takeshi Matsumoto. 31 Argilas Durante a fase de treinamento e estudos foi utilizado a argila Terracota, disponível no Ateliê de Cerâmica de Artes. Esta argi- la possui boa qualidade, porém baixa resistência mecânica e alta porosidade, é muito usada para fazer filtros e moringas. A ar- gila utilizada também apresentava algumas impurezas na com- posição como pequenos pedaços de galhos. A presença destes materiais poderiam causar machucados leves durante a elabo- ração da peça e também poderiam comprometer a resistência da peça, podendo até causar alguma implosão caso estivesse no interior da peça durante o processo de queima. Para o projeto final, foram adquiridos dois tipos de argila da Oficina de Cerâmica Augusto e Leí, da cidade de Cunha-SP. Estas duas argilas são acinzentadas e quando secam ficam mais claras, realçando as cores dos esmaltes, o que não acontece se a argila for muito escura. A única diferença entre essas argilas é a presença de chamote em sua composição. O chamote consiste em argila queimada e moída, podendo ser usada em diversas granulações. Quando misturado à massa argilosa, este possibilita ao ceramista a confecção de peças maiores, conferindo maior estabilidade e também auxiliando na secagem da peça, fazendo com que o processo de secagem ocorra de forma equivalente, o que reduz as probabilidades de ocorrência de trincas nas peças. Figura 1: Bloco de argila terracota. Fonte: http://www.artcamargo.com.br/argila-terracota-profissional-10-quilos.html Figura 2: Argila adquirida do ateliê Augusto & Leí, em Cunha-SP. 32 Projetando Com a intenção de facilitar a explicação e o entendimento do projeto criei meu próprio vocabulário para descrever a anatomia do bong. Dividi o bong em 4 partes: Corpo, Pescoço, Cano de passagem e Cumbuca. MODELOS: Esbocei 3 modelos de bong que seriam con- struídos de formas distintas umas das outras para explorar a maior quantidade de formas possíveis para a construção do mesmo objeto. Classifiquei e nomeei a partir de suas diferenças e formas mais conhecidas. Tradicional- Sua forma mais simples remete a vasos e também a forma mais tradicional do bong, que apresenta sua parte principal integrada com o “tubo” por onde o usuário irá sugar o ar. Com tampa- Integrando à cumbuca junto à tampa, facilitan- do a limpeza do bong. Esse bong seria composto por uma quinta parte, a tampa, porém, durante a etapa de desenvolvimento, constatei que não teria o tempo e recursos para criar seus protótipos nem para criar a peça final, então esse bong não passou da fase de idealização. Fechado- Projetado em um única peça . O projeto se aprox- ima muito do desenho “Tradicional”, no entanto, por ser quase em sua totalidade fechado, dificulta um pouco a limpeza da peça. Sketches Antes de levar ideias para o torno, utilizei bastante do desenho a mão, esboçando inúmeras formas de vasos, bongs, e demais objetos que pudessem ser feitos no torno. Para gerar diversas formas esbocei muitas silhuetas. Desen- hando desta forma, só me prendi a forma mais simples da peça, deixando os detalhes para a fase posterior. Como as peças cria- das no torno tendem a ser simétricas, essa técnica possibilita a geração de várias formas em pouco tempo. Continuando com o desenho comecei a esboçar bongs com mais detalhes, formatos de tampas e pescoços, cumbucas e como seriam sua estrutura e funcionamento. Figura 1: Alguns esboços do modelo “tradicional” dos bongs. 33 Figura 4 : Mais sketches de silhuetas e alguns do modelo “fechado” no canto inferior direito. Figura 2 e 3: Sketches das silhuetas para geração de ideias. 34 Figura 7: Mais sketches de modelos “fechados” e alguns de silhuetas no canto superior direito. Figura 5: Sketch mais detalha- do de um modelo “com tampa”. Figura 6: Sketch de modelo “com tampa” com algumas in- dicações funcionais(setas). 35 Figura 8: Sketches de modelos “fechados” e “tradicionais” Figura 9: Sketches diversos. 36 Figura 10: Sketches de tampas e cumbucas. Figura 11: Sketches diversos. 37 Protótipos A funcionalidade da peça é muito importante para o projeto, então criei alguns protótipos pra testar as passagens de ar, peso, a pegada e medidas como distância do rosto e inclinação. Antes mesmo de levar os protótipos para as pessoas, testei em casa e identifiquei alguns problemas, mas esperei pelo feedback antes ter quaisquers conclusões. O teste foi realizado com 5 pes- soas entre a faixa etária de 21 a 26 anos, homens e mulheres que já eram consumidores experientes. Protótipo #1 Este protótipo teve falhas marcantes que inviabilizaram os testes. Primeiramente, o “pescoço” do bong ficou muito curto, fazendo com que o rosto do participante ficasse muito próxi- mo da cumbuca, o que poderia ocasionar queimas no rosto do participante no momento da queima do fumo. Outro fator foi a rachadura no fundo da peça, que só foi identificada quando colocada água dentro para fazer os testes. Para a resolução dessas falhas, seria necessário o prolongamento do “pescoço”, o que já fora criado nos outros protótipos. Para não ocorrer mais racha- duras o fundo deve possuir uma espessura maior. Protótipo #2 Este protótipo funcionou da forma esperada, apesar de também apresentar alguns problemas. A cumbuca ficava muito próxima do rosto, o que gerou um certo desconforto dos partic- ipantes na hora de acender o fumo, além de causar a queima de alguns pelos faciais em dois participantes durante as tentativas. Por não ser uma peça pesada e nem grande, os participantes não tiveram problema em segurar ou manusear a mesma. Os “gan- Figura 12: Sketches diversos. 38 Figura 1: Protótipos testados. Fotos: Marcos Takeshi Matsumoto. #3 #2 #1 39 chos” de gelo que se encontram no pescoço atendeu sua função, porém como o “pescoço” era curto só foi possível utilizar um cubo de gelo, o que não interferiu significativamente no refres- camento da fumaça. Protótipo #3 Uma versão um pouco maior do #2 o #3 também funcionou, porém o acúmulo de fumaça foi menor por problemas no bocal. Os participantes relataram que o bocal ficara um pouco grande, comprometendo o encaixe com a boca, criando pequenos “vaza- mentos” ao redor da boca, fazendo com que o ar passasse, difi- cultando, assim, a criação do “vácuo” dentro do bong, o que fa- zia, por sua vez, com que o participante precisasse de mais fôlego para gerar a mesma quantidade de fumaça. Houve uma pequena rachadura no fundo desse protótipo também, provavelmente oc- asionado pela fina espessura do mesmo. Uma constatação minha em relação ao peso é que talvez tenha ficado um pouco pesado para seu tamanho. Identifiquei que esse problema se dava por possuir paredes muito grossas e não uniformes. Detalhes Para acabamento de cada peça também foi feito o fundo das peças e o furos onde a cumbuca se encaixa. No fundo das peças utilizei duas ferramentas para modelagem cerâmica(estecas), lem- brando que para se realizar cortes, aparar o fundo ou adicionar partes à peça ela deve estar em ponto de couro(consistência de sabão). Para o furo de encaixe da cumbuca fiz com um canudo de metal, nessa etapa a argila também deve estar em ponto de couro. Figura 2: Estecas utilizadas no acabamento do fundo das peças. Figura 4: Acabamento terminado, peça pronta para secagem. Fonte Figura 3: Raspas de argilas retiradas da peça. Fonte: Acervo do autor. 40 Figura 5: Canudo de metal utilizado para fazer os furos de encaixe das cumbucas. Figura 6: Peças furadas, pronta para secagem. Figura 7: Fazendo as cumbucas no torno. Cumbuca: Acredito que a cumbuca utilizada nos testes tenha ficado um pouco funda, o que gerou certa dificuldade na combustão do fumo. Um isqueiro BIC foi utilizado, o que talvez tenha se somado ao problema, já que a chama não se projetava em direção a cumbuca. Penso em utilizar o isqueiro tipo maçarico em testes futuros, se necessário. Outro proble- ma detectado foi a quantidade de furos. Com apenas um furo não passava muito ar através da cumbuca fazendo com que o usuário perdesse o fôlego e não conseguisse gerar muita fuma- ça. Além disso, por exister apenas um furo na cumbuca, ocorria o entupimento da mesma, criando a necessidade de limpeza com certa frequência. O próximo passo foi criar uma cumbuca com mais furos para gerar maior passagem de ar. A utilização de telinhas de metal, utilizadas em cachimbos, pode resolver o problema do entupimento. 41 Figura 8: Cumbuca pronta para ser aparada, mesmo processo feito no acabamento inferior das peças. Figura 9: Cumbuca no torno para acabamento. Figura 11: Aplicação de barbotina(argila líquida) na cumbuca, para realizar a co- lagem com o canudo de argila. Figura 12: Barbotina aplicada no canudo de argila e na cumbuca, peças prontas para colagem. Figura 13: Peça finalizada, pronta para secagem. Figura 10: Acabamento finalizado. 42 43Figura 15: Cumbucas. Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 44 Figura 16: Cumbucas. Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 45 Após essa primeira leva de protótipos, deixei de lado a ideia de criar os 3 tipos diferentes de bongs, pois a demanda de tempo para testar os três tipos seria muito grande, o que comprome- teria outras fases do projeto, como a parte da esmaltação, por exemplo. Decidi trabalhar somente com o modelo que chamei de “tradicional”, pois dessa forma conseguiria colocar todos os meus esforços no aperfeiçoamento de somente um tipo de bong. Criei outros protótipos de outros tipos, mas não levei adiante mais testes pois já abrira mão da produção de modelos diferentes e o mais importante é que a peça já se mostrara funcional nos primei- ros testes, o que foi o suficiente para dar continuidade ao projeto. Figura 17: Protótipos não testados. Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 46 Figura 18: Protótipos não testados. Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 47 Figura 19: Protótipos. Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 48 Esmaltação Toxicologia e Segurança O que destaca e chama a atenção em muitas peças de cerâmica não é somente sua forma, mas também seu acabamento, como pintura, esmaltação, cores e texturas. É na superfície onde o cer- amista se expressa e concede significados às suas obras, porém quase todos materiais cerâmicos utilizados nos acabamentos, sejam colorantes ou esmaltes, possuem, em sua composição, el- ementos potencialmente tóxicos e é necessário extremo cuida- do no momento da manipulação deles. Independente da forma como será feito o esmalte, se o ceramista fizer toda a mistura do zero, escolhendo cada elemento para criar um esmalte específico ou até mesmo o ceramista amador que irá adquirir o esmalte em pó pronto; é de extrema necessidade o uso de EPIs ao realizar essa mistura dos pós. Como os pós dos esmaltes e colorantes são muito finos, é preciso utilizar máscaras de respiração com filtros para partículas sólidas. É recomendável a utilização de más- caras semi-faciais que selem o rosto e a boca. Pode-se utilizar também respiradores descartáveis PFF1 (eficiência mínima de 80%). Máscaras cirúrgicas não devem ser utilizadas de forma alguma, pois não oferecem nenhum tipo de filtragem.Com o uso destes equipamentos, evita-se o acúmulo das substâncias tóxicas no pulmão, o que a longo prazo podem causar séri- as doenças. Ainda durante a manipulação destes materiais, é recomendável a utilização de luvas e aventais, lembrando que não se deve comer, beber e nem fumar durante o preparos de massas cerâmicas e vidrados. Figura 1: Máscara semi-facil 3M, indicada para uso durante o manuseio de pós. Fonte: https://www.artwax.com.br/Respirador-3M-serie-6000-2-filtros-completo Figura 2: Máscara descartável PFF1. Fonte: https://www.superepi.com.br/mascara-respirador-pff1-com-valvula-alli- ance-ca-39238-p1321/ 49 Com isso em mente, o ceramista deve prezar também pela saúde de seus consumidores, caso suas peças sejam voltadas ao uso cotidiano como tigelas, pratos, canecas, entre outros. Esse cuidado é necessário porque muitos metais pesados são utiliza- dos nos vidrados cerâmicos e alguns deles como o bário, cádmio, chumbo e zinco não devem ser utilizados na cerâmica utilitária de forma alguma, pois são muito instáveis, mesmo após a quei- ma. Essa instabilidade pode fazer com que a peça cerâmica solte resíduos em contato com alimentos ácidos como limão, vinagre, refrigerantes, por exemplo, ocasionando o envenenamento crôni- co da pessoa que utilizar a peça para consumir esses alimentos. A princípio planejava seguir algumas receitas de vidrados en- contradas na internet, porém descobri que a criação do esmalte do zero é uma tarefa trabalhosa que requer tempo e conheci- mento. Existem muito materiais para serem estudados e para cada receita é necessária uma variedade de materiais que não se encontra com facilidade. Entretanto, o esmalte era uma parte fundamental no projeto, já que conferiria à peça características importantes como impermeabilidade, resistência e valor estéti- co. Recorri então aos esmaltes prontos. Adquiri 3 cores na loja Arte Brasil Materiais (artebrasilmateriais.com.br). Optei por comprar vidrados de alta temperatura (queimam até 1240ºC) e em pó, pois desta forma aprenderia a mistura-los e descobrir como se comportam. Preparo de esmalte Para utilizar o esmalte, é preciso, primeiramente, prepará-lo. Para isso, é necessário a adição de água ao pó. É recomendável adicionar o pó à água e não o contrário pois, desta forma, todo o pó entrará em contato com a água, facilitando a mistura. Após adicionar o esmalte em pó na água, o próximo passo é mistu- rar. Para isso, utilizei uma furadeira e um misturador de tinta. É necessário misturar por aproximadamente 10 minutos, até que o líquido fique homogêneo. Para garantir a qualidade da mistura, deixei o líquido curtir por 24 horas antes de usá-lo, assegurando que todo o pó entrasse em contato com a água. É válido lembrar que antes de utilizar o esmalte é necessário misturar novamente por mais 10 minutos, visto que a matéria sólida decanta rapidamente e vai para o fundo, tornando-se, novamente, uma mistura heterogênea. Proporções utilizadas Foram adquiridas 3 cores diferentes de esmaltes: azul pavão, marrom e amarelo. Como nunca havia feito o preparo dos es- maltes, resolvi utilizar diferentes proporções de água para cada uma delas: Azul pavão (500g) - 800ml de água; Marrom (500g) - 700 ml de água; Amarelo (400g) - 700 ml de água. Teste com esmalte #1 No primeiro teste foram utilizadas duas cores de esmalte: azul e amarelo. Para usá-las, o preparo foi feito com 48 horas de antecedência, para que, assim, todo o pó ficasse bem hidrata- do. Foi utilizado uma peça que se acopla na furadeira para a mistura. Esta peça também é usada para misturar tintas. Para que a mistura fique homogênea, misturou-se por 10 minutos, lembrando que sempre que for utilizar o esmalte deve-se mis- turá-lo, também, por alguns minutos, já que o sólido tende a se concentrar no fundo, deixando a água na parte superficial. 50 Figura 3: Se deve adicionar o pó do vidrado na água, caso contrário quando se adicionar água ao pó pode ser que se criem pelotas secas do pó e dificulte a penetração da água. Figura 4: Adicionando o pó do vidrado gradativamente. Figura 4: Adicionando o pó do vidrado gra- dativamente. Figura 4: Adicionando o pó do vidrado grada- tivamente. 51 Foram selecionadas algumas peças de terracota, já testadas anteriormente. Foi realizada a aplicação por meio da submersão, que fora a maneira que aprendi durante aulas no intercâmbio. Apliquei as duas cores do esmalte em cada peça. Em algumas peças, os esmaltes foram sobrepostos para descobrir de qual for- ma seriam as suas interações, sejam elas formando cores difer- entes ou simplesmente sobrepondo um ao outro. A queima aconteceu a 1240º C, com velocidade de aqueci- mento de 1.8º C por minuto, fazendo com que o período de que- ima fosse de aproximadamente 10h com 0 minutos de duração no patamar de temperatura, que uma vez atingido, começaria o resfriamento, voltando a temperatura ambiente. Porém, aconte- ceu um imprevisto técnico. O forno foi configurado para ficar 0 minutos no patamar da temperatura (1240º C), porém, a config- uração de 0 minutos é interpretada como manual, logo, quando ela atingiu o ápice, ele continuou queimando por mais algumas horas, até que o técnico do laboratório percebesse e desligasse o forno. O resultado foi que o grande parte do esmalte evaporou e somente aderiu em algumas partes de poucas peças, não criando o resultado esperado. Figura 5: Peças escolhidas para teste do esmalte Figura 6: Peças escolhidas para teste do esmalte 52 Figura 7: Esmalte amarelo aplicado às peças. Figura 10: peças esmaltadas nas cores amarelo e azul, prontas para queima final.Figura 8: Cumbuca esmaltada com esmalte azul. Figura 9: Vista superior da cumbuca es- maltada. 53 Figura 11: Peça teste #1 de esmaltes. Fotos: Marcos Takeshi Matsumoto. 54 Figura 12: Peça teste #1 de esmaltes. Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 55 Figura 13: Peça teste #1 de esmaltes. Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 56 Figura 14: Peça teste #1 de esmaltes. Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 57 Figura 15: Peças teste #1 de esmaltes. Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 58 Teste de esmaltes #2 No segundo teste foram utilizadas poucas peças e também testado o amarelo que ainda não havia sido utilizado. Para esse teste, foi aplicado em algumas peças apenas uma camadas de esmalte e em outras peças, duas camadas. Isto foi feito para de- scobrir com quantas camadas seria obtido o melhor resultado de impermeabilização e estética. Ocorreu tudo bem nessa fornada e os esmaltes marrom e azul funcionaram como o esperado, dando cor e brilho as peças; porém, o esmalte amarelo ficou um pouco desbotado, mesmo nas peças com duas camadas. Acredito que tenha utilizado mui- ta água no preparo e o pigmento não ficou muito concentrado na mistura. Resolvi esperar a mistura decantar e retirar um pou- co da água do esmalte para mais uma leva de testes. Figura 16: Peças do segundo teste após a primeira queima. Figura 17: Peças do segundo teste já esmaltadas nas cores azul, amarelo e marrom. 59 Figura 18: Peças teste #2 de esmaltes. Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 60 Conjunto Final Para o conjunto final criei seis peças. A estética adotada em cada peça não tem nenhuma proposta específica, pois elas ainda fazem parte dessa fase de exploração das formas. Procurei tra- balhar ângulos retos em algumas peças e desenhos mais orgâni- cos em outras. Uma das peças não ficou conforme o esperado, pois ela apresentou o mesmo problema dos primeiros protóti- pos. Ela apresentava a cumbuca do fumo muito próxima ao rosto, devido à angulação, então resolvi não esmaltar esta peça, deixando-a de lado. Após a queima biscoito (primeira queima realizada, a partir de 650ºC), as peças estavam prontas para a última queima, de es- malte. Procurei diversificar o uso dos três esmaltes nas cinco peças, mas basicamente utilizando somente duas cores em cada peça. Com o esmalte em sua superfície, elas estavam prontas para sua queima final, de 1200ºC aproximadamente. Figura 1: Peças finais após a primeira queima. Prontas para serem esmaltadas. Figura 2: Peças no forno, já com esmaltes aplicados em sua superfície. 61 Figura 3: Parte de cima das cumbucas prontas, próximo passo é dar acabamento no fundo e colar o canudo de argila Figura 1: Assinaturas feitas para protagonizar a identidade. Cumbucas Finais Como as cumbucas feitas anteriormente apresentaram prob- lemas de entupimento,resolvi criar várias para poder testar o es- malte e ainda ter peças de reserva caso algo desse errado. Foram criadas quinze cumbucas no total, três para cada bong. Marca e Identidade Foi utilizado o lettering para desenvolver a identidade da linha de bongs, pois foi algo aprendido durante o curso que realmente gostei e também acredito que o lettering proporciona uma car- acterística única para as marcas e um toque pessoal. A escolha do nome para o projeto foi um pouco difícil no início, pois queria que ficasse claro logo na primeira leitura que se tratava de bongs. Então, um dia me veio a cabeça o nome da última república que tinha montado com uns amigos: Bangalô, na hora já me veio a cabeça o nome inteiro: Bong’aloo, já apre- sentando o que um nome precisa ter: sonoridade. A partir de então, foram criados alguns letterings, sempre brincando com a estrutura da palavra, experimentando. Adicionei o apóstrofe após a letra “g” para criar uma leve pausa na leitura e enfatizar o a palavra “Bong”. Decidi utilizar as duas letras “o” no final, não com o intuito de americanizar a palavra, apesar de possuir o som de “u” como no inglês; mas para brincar com a ideia de bolhas, que acaba se criando dentro do bong quando utilizado. No trabalho de cerâmica é comum o autor das obras criar uma pequena assinatura que vai embaixo da peça para servir de iden- tificação do seu trabalho, além é claro do estilo em si. Para essa marca eu já possuía uma assinatura, que utilizava em alguns tra- balhos. Trata-se da letra inicial do meu sobrenome Ikeda, porém com alguma estilização. 62 Figura 3: Experimentações em lettering. Figura 2: Testando o lettering dentro de círculos e possível assinatura da letra B para trabalhar como assinatura. 63 Cerâmica utilitária de alta temperatura Figura 4: Letterings vetorizados. Figura 5: Assinatura aplicada no fundo das peças para identificação. Após escolher como seria o logo, vetorizei o lettering escolhi- do no Illustrator e adicionei o subtítulo “Cerâmica utilitária de alta temperatura” à marca, para inteirar o leitor de que material e produto se está comunicando.Utilizei a fonte “Playfair Display” no subtítulo da marca, pra mim cria um contraste interessante entre os estilos. 64 Produto final Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 65 Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 66 Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 67 Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 68 Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 69 Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 70 Foto: Marcos Takeshi Matsumoto. 71 Estou satisfeito com o trabalho que realizei, o produto final foi testado e funcionou melhor que os protótipos, pois houve uma redução no bocal, facilitando o encaixe da boca, o ângulo que a ca- beça do usuário ficava em relação a cumbuca também mudou, dessa forma a chama não oferecia mais riscos para a face do usuário. As peças esmaltadas também mostraram diferenças ao conservar a temperatura da água, graças a impermeabilidade concedida pelo esmalte, a água conservava sua temperatura por mais tempo. Porém o problema do vazamento de ar pela falta de vedação no local onde se aloca a cumbuca persistiu, essa carência de vedação na região faz com que o usuário precise de mais fôlego para puxar o ar, pois se perde uma quantia considerável pelas latereis da cumbuca. Para solucionar o problema seria necessário a utilização de outro tipo de material, como uma bor- racha ou silicone no encaixe da cumbuca no furo. Acredito que o próximo passo para esse projeto é um estudo mais aprofundado em relação a físi- ca do bong, estudar angulação mais ergonômica, como funciona a pressão dentro da peça e também aliar outros materiais à cerâmica, sempre a favor de criar produtos mais eficazes. Minha habilidade no torno também limitou algumas possibilidades de criação nas peças, mas é algo que se resolve com tempo e prática. Ainda que pouco explorado pelos designers, a cerâmica é um material muito interessante a ser estudado, espero que esse trabalho inspire mais pessoas a se aventurar na cerâmica e mistura-lá ao design. Considerações finais 72 Referências BRUGUERA, J. Manual Práctico de Cerámica. Barcelona: Omega, 1986. CARDOSO, A. Manual de Cerâmica. Bertrand, 1980 VOLKSWAGEN DO BRASIL S.A. Artistas da Cerâmica Brasileira. Brasil, 1985. DAVID, M. Cerâmicas e Porcelanas Chinesas. 1a edição. Martins Fontes, 1991. COOPER, E. A history of world pottery: revised and updated edition. 3a edição. Inglaterra, Bats- ford, 1988. MASSOLA, D. Cerâmica: uma história feita a mão. São Paulo: Editora Ática S.A., 1994. KAMEKURA, Y. Masahiro Mori’s design philosophy. Ceramics Art and Perception, n. 29, pági- nas 74-75, 1997. DE GUIRE, E. History of Ceramics. 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