Revista Brasileira de Oftalmologia PUBLICAÇÃO OFICIAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA Publicação bimestral ISSN 0034-7280 Indexada na LILACS Publicação bimestral vol. 65 - nº 5 - Setembro/Outubro 2006 Transplante de córnea por ceratocone com 2 anos de pós- operatório 263 Publicação bimestral Rev Bras Oftalmol, v. 65, n. 5, p. 263-326, Set/Out. 2006 Oftalmologia Revista Brasileira de PUBLICAÇÃO OFICIAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA Indexada na LILACS Disponível eletronicamente no site: www.sboportal.org.br ISSN 0034-7280 Editor Chefe Raul N. G. Vianna - Niterói - RJ Co-editores Acacio Muralha Neto - Rio de Janeiro - RJ Arlindo José Freire Portes - Rio de Janeiro - RJ Marcelo Palis Ventura - Niterói - RJ Riuitiro Yamane - Niterói - RJ Corpo Editorial Internacional Baruch D. Kuppermann - Long Beach, CA, EUA Christopher Rapuano - Phyladelphia - EUA Howard Fine - Eugene - EUA Jean-Jacques De Laey - Ghent - Bélgica Lawrence P. 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Nassaralla Jr, Belquiz A. Nassarala, Fernando Oréfice 307 Resultados anátomo-funcionais da cirurgia do descolamento de retina ocorrido após capsulotomia posterior com Nd:Yag laser Retinal detachment after Nd:Yag laser capsulotomy. Results Juan Carlos Caballero, Augusto Cezar Lacava, Virgilio Centurion Relato de caso 311 Síndrome de Wolfram Wolfram Syndrome Crésio Alves, Silvia Marins, Kalina Sento Sé, Patrícia Brunck Artigo de revisão 317 Antiangiogênicos: novo paradigma no tratamento da degeneração macular relacionada à idade Antiangiogenics: a new paradigm in the treatment of age-related macular degeneration Marcio B. Nehemy, Walter Takahashi, Raul N. G. Vianna Instruções aos autores 324 Normas para publicação de artigos na RBO 267EDITORIAL O estudo fascinante dos vírus e da doença Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 267-8 O riginariamente, a palavra vírus significava simplesmente veneno. Hoje em dia é aplicada a certos organismos muito diminutos que podemos considerar como germes de doença, de uma espécie particularmente pequena. São perigosos, apesar da sua pequenês; causam a influenza, o sarampo, a síndrome de imunodeficiência adquirida e muitas doenças. Os germes maiores – tais como as bactérias que causam a tuberculose, a difteria – são, ainda assim, excessivamente pequenos para serem vistos a olho nu. Um simples vidro de aumento não os tornará visíveis. Podem, todavia, ser mais facilmente vistos mediante a maior potencialidade ampliada que propor- ciona o microscópio composto; por isso, o microscópio é de grande utilidade no seu estudo. Além do mais, o cientista pode cultivá-los em seu laboratório, e a habilidade de fazer isso auxilia de maneira muito considerável os seus estudos. Mas, quando chegamos aos vírus, verificamos serem eles de dez a cinqüenta vezes menores do que as bactérias: tão minúsculos que os menores não podem ser vistos, mesmo com o microscópio óptico e ou com o eletrônico. No corpo, os vírus residem no interior das células viventes, e se não tiverem células viventes à sua disposição, simplesmente deixam de se multiplicar. Além disso, a grande maioria dos vírus não tem uma predileção só por um particular animal, mas por órgãos ou tecidos especiais daquele animal. Ora, isso é de grande importância, pois é o ataque pelo vírus contra particulares espécies de células que decide o caráter das doenças que produzirá. O vírus da paralisia infantil ataca as células dos nervos dentro da medula espinhal, e, por pô-los fora de ação, causa a paralisia, especialmente dos braços e das pernas. O sarampo cresce bem na pele e, quando o faz, suas vítimas sofrem de uma espécie de erupção de feição distinta. O sarampo também tem preferência pelas membranas do revestimento dos olhos, do nariz e da garganta. Justamente devido ao fato de que os vírus vivem no interior das células de um animal, as doenças que causam são particularmente difíceis de curar. Não é fácil destruí-los no interior de uma delicada célula animal sem destruir também a própria célula; e, se acontecesse isso, a cura, em muitos casos, faria mais mal do que a doença. O que inspira muito mais esperança do que achar uma cura é a busca de meios de prevenção, mediante a vacinação ou outro processo. Há razões muito fascinantes para que se estudem os vírus. Uma vez dentro de uma célula vivente, que é de per si um laboratório muito bem instalado, o vírus poderá utilizar-se do aparelhamento que lá encontrar. Durante milhares de anos, os vírus têm sido o flagelo da humanidade, causando doenças; e foi no último século, aproximadamente em 1981, o aparecimento do vírus da imunodeficiência humana – a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS ou SIDA). Esta patologia está associada a um retrovírus – HIV. Duas variantes foram encontradas: HIV-1 e HIV-2. O HIV-2 é similar ao vírus encontrado em macacos e chimpanzés. Aqui, as principais células infectadas são os “linfócitos T helper CD4+” e macrófagos. O genoma HIV carrega três genes gag, pol e env que são características da maioria dos retrovírus. Também carrega seis gens, cujas funções são primariamente regulatórias. O ciclo vital do HIV é dos retrovírus envolvendo o DNA. Os retrovírus tiveram um importante destaque nos recentes avanços do conhecimento molecular do câncer. A maioria dos retrovírus não destrói suas células hospedeiras, porém permanece integrada ao DNA celular, replicando quando a célula se divide. Alguns retrovírus, classificados como vírus tumorais do RNA, contêm o oncogene que pode provocar o crescimento anormal da célula. O primeiro retrovírus desse tipo a ser estudado foi o vírus do sarcoma de Rous (também chamado vírus do sarcoma de ave), assim denomi- nado por F. Peyton Rous, que estudou tumores em galinhas, e que hoje sabemos, são causados por esse 268 Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 267-8 O estudo fascinante dos vírus e da doença vírus. Desde a descoberta inicial dos oncogenes por Harold Varmus e Michael Bishop, muitos desses genes foram encontrados nos retrovírus. O vírus da imunodeficiência humana (HIV), que causa a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), é um retrovírus. Identificado em 1983, o HIV possui um genoma do RNA com gene retroviral padrão e vários outros genes incomuns. Ao contrário de outros retrovírus, o HIV destrói várias células por ele infectadas (principalmente os linfócitos T), em vez de causar a formação de tumor. Isso gradual- mente leva à extinção do sistema imunológico no organismo hospedeiro. A transcriptase reversa do HIV é ainda mais propensa a erros do que outras transcriptases reversas conhecidas – cerca de dez vezes mais – resultando em altos percentuais de mutações nesse vírus. Um ou mais erros geralmente ocorrem sem- pre que o genoma viral é replicado. Assim sendo, em cada duas moléculas virais de RNA, provavelmente há diferenças. Várias vacinas modernas para infecções virais consistem de uma ou mais proteínas revestidas do vírus. Essas proteínas, em si, não são infecciosas, mas estimulam o sistema imunológico a reconhecer e resistir às invasões virais posteriores. Devido à alta margem de erro da transcriptase reversa do HIV, o gene env nesse vírus (juntamente com o restante do genoma) sofre uma mutação muito rápida, prejudicando o desenvolvimento de uma vacina eficaz. Entretanto, os ciclos repetidos de invasão celular e a replicação são necessários para a propagação da infecção pelo HIV; assim, a inibição de enzimas virais pode ser uma terapia eficiente. A protease do HIV é combatida por uma classe de drogas denominada inibidores de protease. A transcriptase reversa é o alvo de algumas drogas adicionais, amplamente usadas para tratar indivíduos infectados pelo HIV. Adalmir Morterá Dantas Professor titular de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ 269 Anoftalmia congênita clínica - alterações oculares e sistêmicas associadas Congenital anophthalmos: ocular and systemic alterations related Paulo de Souza Segundo1, Silvana Artioli Schellini2, Carlos Roberto Padovani3 RESUMO Objetivo: Escrever as alterações observadas em portadores de anoftalmia congênita clínica e a ocorrência de associação com outras anormalidades oculares e extra-ocula- res. Métodos: Estudo retrospectivo, observacional, avaliando-se 12 portadores de anoftalmia congênita clínica, atendidos na Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, entre 1992 e 2005. Foram observadas as anormalidades oculares, gravidade, lateralidade, seguimento e alterações extra-oculares associadas. Resultados: A anoftalmia clínica esteve associada com graves alterações extra-oculares, principalmente quando a anoftalmia era bilateral, como agenesia do corpo caloso e outras alterações cranianas e defeitos cardíacos. Nos casos unilaterais, a alteração associada mais freqüente foi a assimetria da face, mostrando a relação direta da microftalmia com o comprometimen- to no desenvolvimento da órbita e face. Conclusão: Existe relação entre anoftalmia clínica e anormalidades oculares e extra-oculares. Pacientes com anoftalmia bilateral apresentam alterações mais graves. A anoftalmia cursa com comprometimento no de- senvolvimento da face. Descritores: Anoftalmia/epidemiologia; Microftalmia; Anormalidades; Estudos retros- pectivos 1 Residente do departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP - Botucatu (SP) – Brasil; 2 Livre-docente do departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP) – Brasil; 3 Professor titular do departamento de Bioestatística, Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP) – Brasil. Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP) – Brasil Recebido para publicação em: 03/04/06 - Aceito para publicação em 17/11/06 ARTIGO ORIGINAL Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 267-72 270 INTRODUÇÃO A noftalmia e microftalmia são condições oftalmológicas raras e que podem cursar com outras alterações congênitas associadas, com importante prejuízo no desenvolvimento crâniofacial e na qualidade de vida do paciente. O exato sentido do termo anoftalmo corresponde à completa ausência dos tecidos do bulbo ocular, tanto de origem ectodérmica, como mesodérmica. Embriologicamente, as estruturas do olho são formadas de tecido neural, da parede da vesícula cerebral e, etiologicamente, o correto uso do termo anoftalmo corresponde à completa falha do crescimento da vesícula óptica primária, com completa ausência das estruturas do olho. Quando ocorrem anormalidades no desenvolvi- mento da vesícula óptica, com diminuição das dimen- sões do bulbo e alterações estruturais intra-oculares, o termo mais correto a ser utilizado é microftalmo. A dife- rença entre esta condição e a anoftalmia só pode ser feita através de exame histológico seriado da órbita, ou usando métodos de imagem de alta resolução. Entretan- to, algumas vezes, não se chega a uma conclusão exata. Clinicamente, a diferença entre anoftalmo e microftalmo extremo é praticamente impossível de se verificar, sen- do este um assunto ainda muito confuso. Por estas razões, é legítimo usar o termo anoftalmia clínica quando o olho, aparentemente, está ausente, ou seja, quando não há di- agnóstico bem estabelecido entre microftalmia e anoftalmia. 1 A confusão também se dá porque, em alguns ca- sos, se verifica a presença de sinais de degeneração ou inflamação congênita. Nestas situações é possível que a atrofia e um eventual desaparecimento do bulbo pos- sam ter ocorrido subseqüentemente ao desenvolvimen- to embrionário. As alterações do bulbo ocular podem vir acom- panhar de alterações outras, orbitárias, da face ou mes- mo sistêmicas.2 Este estudo tem por objetivo descrever portado- res de anoftalmia clínica, assim como a ocorrência de associação com outras alterações, oculares e extra-ocu- lares, de indivíduos tratados no nosso serviço. MÉTODOS Foi realizado um estudo retrospectivo, observacional, avaliando-se 12 crianças portadoras de anoftalmia congênita clínica, atendidas na Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP, entre 1992 e 2005. Foram observadas as anormalidades oculares existentes no olho contralateral, gravidade, lateralidade, seguimento e alterações extra-oculares associadas. RESULTADOS No período estudado, houve uma média de ocor- rência de 1 caso por ano de anoftalmia congênita clínica no serviço. Os portadores de anoftalmia congênita clínica procuraram por tratamento entre 7 dias até 20 anos de idade; 58,3% (7/12) eram do sexo feminino. Quanto a lateralidade, ambos os olhos foram aco- metidos na mesma proporção, sendo a afecção bilateral em 16,7% (2/12) das crianças avaliadas. Alteração no olho contralateral foi vista em 41,7% (5/12), sendo a mais freqüente, o coloboma de íris, associado ao coloboma de coróide, presentes em 33,3% das crianças. A cavidade foi classificada como grau IV, ou seja, com retração de todos os fundos-de-saco em 66,7% dos casos; grau 3 em 8,3% e grau 1 em 25%. Considerando-se o grau de contração com rela- ção a classificação da cavidade, 71,4% (5/7) dos indiví- duos menores de 5 anos, apresentavam cavidade tipo IV. Assimetria óssea da face foi constatada em 33,3% (4/12), dos quais 75% (3/4) haviam feito uso de expansores. |Na amostra estudada, 41,7% haviam feito algum tipo de cirurgia prévia, realizada em crianças maiores e que já apresentavam contração importante da cavidade, sem possibilidade de colocação de expansores ou de prótese externa, quando se optou pelo enxerto dermoadiposo. As alterações encontradas em outras localizações estiveram presentes em 41,7% da amostra estudada. Na face observou-se: tricomelia (83,3%), sinofre (16,7%), deformidade óssea da face (16,7%).,Alteração do siste- ma nervoso central (25%), implantação baixa do pavi- lhão auricular (25%), defeitos em membros (16,7%), apêndice pré-auricular (8,3%) e alteração cardíaca (8,3%) também foram observadas. A grande maioria dos casos (83,3%) apresentava a anoftalmia congênita como malformação primária. Em 16,6% havia história de infecção congênita intra-uterina. Um deles era filho de mãe diabética juvenil. DISCUSSÃO A anoftalmia congênita clínica é uma entidade rara, o que se confirma no presente levantamento que mostrou média de ocorrência de 1 caso por ano, número Segundo PS, Schellini SA , Padovani CR Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 267-72 271 semelhante ao observado por outros (3). Porém, estatísti- ca baseada em registro de casos do país como um todo, revelou que, na Inglaterra, o número anual de anoftalmia congênita clínica está por volta de 74,8 casos por ano (4). A diferença grande entre os percentuais apresentados pode ser decorrente do fato de que nossas observações foram feitas em portadores que sobreviveram e os casos da Inglaterra foram baseados no total de nascimentos, tendo vários deles resultado em óbito. Avaliando-se a prevalência populacional desta afecção encontrou-se 1.18/10.000 na China (5), semelhan- te ao observado na Inglaterra, com prevalência de 1.0/ 10.000 nascimentos (4). Na casuística aqui apresentada, não houve predo- mínio com relação ao sexo, embora outros tenham acha- do maior prevalência no sexo feminino.(5) Em nossos casos, foram encontradas alterações no olho contralateral em 41.6% (5/12), mostrando a im- portância de avaliação adequada de ambos os olhos. Embora o anoftalmo unilateral tenha sido aqui mais freqüente, para outros, a bilateralidade é tida como mais comum, ocorrendo em até 88% dos casos (3). Quando bilaterais, as alterações extra-oculares estavam presentes em apenas 50% dos casos, diferente- mente do observado por outros, quando as anormalida- des cerebrais ocorreram em 71% e as sistêmicas em 58% dos portadores de anoftalmo bilateral ( 3). Conforme aqui constatado, os portadores de anoftalmia bilateral formam um grupo distinto dos com microftalmia unilateral. Usando-se exames de imagem (tomografia e ressonância), os casos bilaterais tiveram alterações como agenesia de corpo caloso, além de ou- tras alterações cerebrais. Outros observaram a agenesia ou disgenesia do corpo caloso e também associação com ausência de quiasma óptico e diminuição do trajeto do nervo óptico 6. Alterações extra-oculares foram observadas em 41.6% (5/12) dos pacientes, fato que ampara uma in- vestigação diagnóstica extensa nos portadores de anoftalmia congênita. Em outra casuística, a associa- ção de microftalmia ou anoftalmia com outras malformações foi ainda maior, da ordem de 87.7% dos casos, mais freqüentemente com as anomalias faciais, seguidas por osteomuscular e do sistema nervoso cen- tral(5).A microftalmia unilateral também pode apresen- tar severas anormalidades craniofaciais, com prejuízo da estética facial 6. Dos que tinham microftalmia grave, 51% a apre- sentavam bilateralmente, estando outras anormalida- des oculares presentes em 72% dos casos e malformações extra-oculares presentes em 65%. Se- tenta e cinco por cento dos casos gravemente afetados sobreviveram à infância, sendo a maioria atribuída à etiologia não conhecida.(4) Não se pesquisou dentre os casos de nosso estudo sobre a origem da afecção – se genética ou esporádi- ca – , tendo sido encontrado ocorrência entre irmãos em apenas um caso, um dos quais, bilateral. Porém, em co- munidade européia, há indícios de que a maioria dos casos seja decorrente de desordem genética 7. Os casos esporádicos podem ter associação com agentes teratogênicos, por ingestão materna de drogas, infecção materna, febre ou irradiação 7. Desta forma, ressalta-se a presença da afecção em filho de mãe diabética juve- nil, já observado aqui em um caso. Houve uso do expansor em 75% (9/12) dos paci- entes, desses 66.6% tinham cavidade tipo IV e 22.2%, cavidade tipo I. De todos os pacientes com cavidade do tipo I, apenas 33.3% tinham usado expansor. Achados que não mostram relação entre o uso do expansor e bons resultados no crescimento da cavidade. Dos 33.3% (4/12) de indivíduos com assimetria óssea da face, 75% (3/4) haviam feito uso do expansor. Desta forma, observando os nossos resultados, é possível sugerir que a conduta na anoftalmia congênita deve ser repensada, a fim de que se consiga melhora no aspecto final do paciente. Um maior conhecimento das características rela- cionadas à evolução, alterações congênitas associadas, complicações, opções de conduta clínica e cirúrgica, aju- dam em um melhor entendimento da anoftalmia clínica. A partir disso, pode-se melhor conduzir os casos, com adequada e precoce investigação de patologias associa- das, com menor morbidade e possibilidade de atingir um bom desenvolvimento crâniofacial e uma melhor quali- dade de vida para o paciente. CONCLUSÃO Existe relação entre anoftalmia clínica e anor- malidades oculares e extra-oculares. Pacientes com anoftalmia bilateral apresentam alterações mais gra- ves. A anoftalmia cursa com comprometimento no de- senvolvimento da face. SUMMARY Purpose: To describe alterations observed in patients with congenital clinical anophthalmia and the occurrence of association with other ocular and extra ocular abnormalities. Methods: An observational retrospective study was conducted evaluating 12 patients with congenital Anoftalmia congênita clínica - alterações oculares e sistêmicas associadas Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 267-72 272 clinical anophthalmia at Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP, between 1992 and 2005. In those patients it was observed the ocular abnormalities, severity, laterality, follow-up and to systemic abnormalities associated. The congenital clinical anophthalmia have been associated to major severity abnormalities extra-oculars, mainly when the anophthalmia was bilateral, such agenesis of corpus callosum, others craniofacial anomalies and cardiac defects. In the cases unilateral, the alteration associated more frequently was the facial asymmetry, showing the direct correlation between anophthalmos and development of orbit and face. Conclusion: There was relation between congenital clinical anophthalmia and ocular abnormally and extra-ocular abnormally. Patients with bilateral anophthalmos disease have more severe alterations. anophthalmia congenital attends a course with abnormalities of development of the face. Keywords: Anophthalmos/epidemiology; Micro- phthalmos; Abnormalities; Retrospective studies REFERÊNCIAS 1. Sun Lee SH, Chiang J, Matayoshi S. Anoftalmia clínica. In: 32º. Congresso Brasileiro de Oftalmologia, 2003, Salvador (BA); 2003. 2. Smith BC. Ophthalmic plastic and reconstructive surgery. New York: Mosby; 1987. p.1328-30. 3. Jacquemin C, Mullaney PB, Bosley TM. Ophthalmological and intracranial anomalies in patients with clinical anophthalmos. Eye. 2000;14 ( Pt 1 ): 82-7. 4. Busby A, Dolk H, Collin R, Jones RB, Winter R. Compiling a national register of babies born with anophthalmia/ microphthalmia in England 1988-94. Arch Dis Child Fetal Neonatal Ed. 1998;79(3):168-73. 5. Zhu J, Wang Y, Zhou G, Liang J, Dai L. [A descriptive epidemiological investigation of anophthalmos and microphthalmos in China during 1988 - 1992]. Zhonghua Yan Ke Za Zhi. 2000;36(2):141-4. 6. Albernaz VS, Castillo M, Hudgins PA, Mukherji SK. Imaging findings in patients with clinical anophthalmos. AJNR Am J Neuroradiol. 1997;18(3):555-61. 7. Warburg M. Update of sporadic microphthalmos and coloboma. Non-inherited anomalies. Ophthalmic Paediatr Genet. 1992;13(2):111-22. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Silvana Artioli Schellini Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP) – Brasil CEP 18618-000 - Botucatu - São Paulo E-mail:sartioli@fmb.unesp.br Segundo PS, Schellini SA , Padovani CR Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 267-72 273 Comportamento do implante contendo bone morphogenetic protein (bmp) associado ao plasma rico em plaquetas na reparação de fraturas orbitárias Bone morphogenetic protein (bmp) implant associated with platelet rich plasma in orbit fracture repair – experimental study Fábio Henrique da Silva Ferraz1, Silvana Artioli Schellini2, Cláudia Helena Pellizzon3, Ricardo de Campos Schellini4, Carlos Roberto Padovani5. 1 Mestre pela Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP) – Brasil; 2 Livre-docente do departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP) – Brasil; 3 Professora assistente do departamento de Morfologia e Histologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP) – Brasil; 4 Médico assistente do departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP) – Brasil; 5 Professor titular do departamento de Bioestatística, Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP) – Brasil. Parte do trabalho “Comportamento do implante contendo BMP associado ao plasma rico em plaquetas na reparação de fraturas orbitárias - estudo experimental.” Vencedor na Categoria Senior do 34º Prêmio Varilux - 2005 Recebido para publicação em: 25/10/06 - Aceito para publicação em 25/10/06 ARTIGO ORIGINAL Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 273-84 RESUMO Objetivo: Avaliar o implante de BMP (Bone Morphogenetic Protein) e o implante de BMP associado ao PRP (Plasma Rico em Plaquetas) para tratamento de fratura orbitária.Métodos: Estudo experimental, utilizando 36 coelhos, submetidos à fratura do assoalho da órbita e divididos em 3 grupos: G1, composto por animais que receberam implante de BMP; G2, implante de BMP associado ao PRP; G3, animais do grupo controle, nos quais foi apenas feita a fratura. Os animais foram avaliados radiologica- mente 7 dias após a cirurgia e no momento de sacrifício que ocorreu 7, 30, 90 e 180 dias após a cirurgia. Após o sacrifício, o material orbitário foi removido e preparado para exame morfológico e morfométrico. Resultados:A reação inflamatória foi semelhante no G1 e no G2, do tipo linfomononuclear, mais intensa 7 dias após o início do experi- mento, com redução após 30 dias. Ocorreu ossificação do tipo intramembranosa e cavitação progressiva, sem redução das dimensões do implante e com sinais de deposi- ção cálcica, sugeridos pelo exame radiológico e confirmados pelo exame histológico. A associação do PRP ao BMP não acelerou a indução óssea. Conclusão: O implante de BMP pode ser uma alternativa adequada para a reconstrução de fraturas orbitárias, dada a reação inflamatória pouco importante, capacidade de indução óssea, integração no local da fratura, não sendo necessário o uso do PRP. Descritores: Fraturas orbitárias; Proteínas morfogenéticas ósseas/uso terapêutico; Re- modelação óssea; Plasma; Plaquetas 274 INTRODUÇÃO O trauma facial encontra-se intimamente rela- cionado com acidentes automobilísticos, agres- sões físicas em geral, quedas e outras causas externas. Em meio a este panorama, são as agressões físicas que predominam com 51,2% dos casos. No entan- to, quando estão associadas a lesões oculares, a partici- pação dos acidentes automobilísticos aumenta para 39 %, equiparando-se com as agressões físicas (43%). Na presença de trauma facial com lesão ocular, as fratu- ras orbitárias estão associadas em 18% dos casos, sem contar as fraturas de assoalho orbitário que são inclusas nas fraturas zigomáticas ou complexas (1). As fraturas do tipo blow-out é um tipo específico dentre as fraturas incidentes na órbita. O sexo masculi- no é o mais afetado, com 81% a 96% dos casos e a faixa etária mais atingida encontra-se entre 20 e 29 anos, em- bora possam ser atingidos indivíduos entre 15 a 88 anos de idade (2). O mecanismo do trauma pelo qual ocorre esse tipo de fratura inicia-se com uma força externa que atinge a órbita, causando uma fratura nos pontos de mai- or fraqueza do cone orbitário, ou seja, a lâmina papirácea do etmóide na parede medial e o assoalho orbitário (3). Em se tratando de fratura blow-out, as causas mais freqüentes são, em ordem decrescente, agressões físicas (60% dos casos), quedas (21%) e acidente automobilís- tico (9%) (4). Os sinais e sintomas associados à fratura blow-out incluem diplopia horizontal, retração orbitária e enoftalmo (Figura 1). Em caso de encarceramento do músculo reto medial, pode haver limitação importante da ducção para o lado oposto (5). O defeito no assoalho orbitário pode também le- var à queda do bulbo ocular em direção ao seio maxilar, com enoftalmo, aprofundamento do sulco palpebral su- perior e diplopia associada (6). Alguns autores advogam a necessidade de insti- tuir o tratamento cirúrgico tão logo seja possível, a fim de reduzir totalmente o conteúdo deslocado e, principal- mente, prevenir a formação de adesões provocadas por tecido cicatricial (7). Quando está indicado o tratamento cirúrgico, a fratura orbitária deve ser reparada, utilizando enxertos autólogos ou implantes aloplásticos, a fim de restaurar a anatomia orbitária, devolvendo a função às estruturas lesadas e à estética para o paciente. Existe, ainda, controvérsia com relação ao mate- rial ideal a ser utilizado na reparação orbitária pós-fra- tura. Diversas técnicas já foram aventadas e vários tipos de implantes testados, cada qual com suas característi- cas específicas, sejam eles autólogos, sintéticos, alógenos, xenógenos ou combinações (8). Alguns materiais dos des- critos estão listados a seguir (Tabela 1). O uso de osso autólogo é defendido por alguns autores por não apresentar risco de rejeição ou extrusão. No entanto, a morbidade do procedimento é alta e o tem- po cirúrgico maior (9).Além do mais, a porcentagem do enxerto que será absorvido é imprevisível (10-11). Outra alternativa é o enxerto cartilaginoso retroauricular ou nasoseptal, porém com resultados es- téticos e funcionais muito imprecisos, além do risco de deformidades no sítio doador (12,13). Devido a esses fatores, a busca de materiais alter- nativos para a reparação de fraturas orbitárias torna-se necessária. O implante ideal deve ser biocompatível, quimicamente inerte, não carcinogênico, fácil de ser cor- tado, moldado, posicionado, fixado e associado com pou- cas complicações (14-15). O silicone, inicialmente utilizado, promove a apro- ximação de polimorfonucleares e células fibroblásticas no local, com formação de uma cápsula ao redor do materi- al (8). As complicações observadas com o implante de silicone são: a infecção, a extrusão (uma vez que não existe ade- rência aos tecidos adjacentes) e a dacriocistite. São descri- tos também casos de deformidade palpebral, devido a ex- FIGURA 1: Paciente com fratura do assoalho orbitário, mostrando enoftalmo e hipotropia do olho direito Osso autógeno Polietileno poroso Polietileno sólido Supramyd Lã de vidro Fascia lata Dura-máter liofilizada Cartilagem homóloga Gordura dérmica Poli-L-lactídeo Silicone Tela de Marlex Gelfilm Teflon Osso homólogo Tela de titânio Cartilagem autógena Metil-metacrilato Periósteo Poliglactina Tabela 1 Materiais utilizados na reconstrução do assoalho orbitário Ferraz FHS, Schellini SA, Pellizzon CH, Schellini RC, Padovani CR Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 273-84 275 posições recorrentes do implante. A taxa de extrusão liga- da ao silicone encontra-se em torno de 10% (16). O polietileno poroso é um material que tem sido largamente utilizado como implante em perdas de teci- do em todo o segmento craniano. Sua estrutura com microporos facilita o crescimento fibroblástico em seu interior, com formação de tecido e vasos sangüíneos, pro- movendo uma maior integração, processo esse que acon- tece após cerca de 3 semanas. Isso reduz as chances de migração e rejeição do implante devido a sua maior adesão aos tecidos ao redor. Contudo, até que haja a vascularização, o polietileno poroso está sujeito a maior risco de infecção, uma vez que os poros podem albergar microorganismos (8).Ainda, a forte adesão que ocorre após a integração dificulta bastante uma reintervenção onde seja necessária uma revisão das estruturas locais (14). O BMP é um fator de crescimento e diferencia- ção óssea, formado por dímeros interconectados por sete ligações dissulfídicas (17). É derivado do Transforming Grouth Factor-ß (TGF-ß) que corresponde a uma famí- lia de fatores de crescimento que atuam naturalmente na formação e diferenciação dos tecidos. Foram identifi- cados 15 tipos diferentes de BMP que podem ser dividi- dos de acordo com a similaridade de sua seqüência de aminoácidos. O primeiro subgrupo é formado pelos BMPs 2 e 4, o segundo pelos BMPs de 5 a 8 e o terceiro pelo BMP 3 e GDF-10. Membros de todos os grupos são implicados na osteoindução, ao contrário do BMP 1 que não apresenta essa característica (18). A diferenciação do estágio de maturação das célu- las multipotentes parece ter importância no processo de osteoindução. Células mioblásticas expressam a caracte- rística de diferenciação óssea quando submetidas ao BMP, o mesmo não ocorrendo com células osteoblásticas ma- duras. O mesmo insucesso acontece quando são estimula- dos fibroblastos maduros. Tais resultados limitam a influ- ência do BMP a células imaturas e multipotentes (19). Diversos estudos experimentais já foram realiza- dos com o intuito de demonstrar a eficácia do BMP em produzir a osteoindução. Defeitos vertebrais em cães mostraram correção após 3 meses da implantação de rhBMP-2. Já, em coelhos, o fechamento de lesões ulnares grandes ocorreu dentro dos dois primeiros meses, com formação de osso lamelar e elementos de medula óssea. Apesar da diferença entre espécies, o reparo ósseo ocor- re dentro dos 3 primeiros meses, na maioria dos casos (19). O BMP também tem sido usado em humanos, no auxílio à correção de defeitos ósseos grandes ou no in- cremento de enxertos ósseos. É empregado no tratamento de atrofias mandibulares e como preparo para implan- tes dentários (20). Plasma rico em plaquetas é um componente autólogo que pode ser preparado através da coleta sangüínea. A alta concentração plaquetária pode ser atingida usando o processo de centrifugação com in- cremento significativo da concentração de plaquetas, em torno de 338% (21-22). Utilizado como adjuvante de enxertos, apresenta atividade osteocondutora, atua facilitando a compactação e a aglomeração do enxerto particulado, aumentando sua estabilidade na área receptora e evi- tando sua dispersão no sítio de implantação (23). Os defei- tos tratados com o PRP parecem apresentar melhor epitelização e deposição de osso trabeculado (24). O PRP funciona como um aglomerado de fato- res de crescimento nativos e concentrados em meio a um veículo constituído de fibrina, fibronectina e vitronectina, que é o coágulo (22).As plaquetas sangüíneas são uma fonte importante de fatores de crescimento, onde os mais importantes são: platelet-derived growth factor (PDGF), transforming growth factor ß1 (TGF- ß1) e transforming growth factor ß2 (TGF-ß2). Esses constituintes apresentam a propriedade de acelerar o processo de maturação óssea, através do aumento da impregnação e densidade óssea 21. O PRP não apresenta atividade osteoindutora, não sendo capaz de estimular a produção de osso novo, característica essa atribuída ao BMP (22). Os objetivos deste estudo foram: estudar a evo- lução da reação inflamatória frente ao implante de BMP, associado ou não ao PRP em fraturas orbitárias de co- elhos, bem como avaliar a indução óssea promovida, o papel do PRP como incremento do processo de remo- delação óssea, e finalmente o comportamento do BMP como uma possível alternativa para reconstrução de fraturas da órbita. MÉTODOS O estudo realizado apresentou caráter experi- mental, prospectivo e casualizado. Foram utilizados 36 coelhos albinos da raça Norfolk (Oryctolagus cuniculus), linhagem Botucatu, com média de peso de 2500 gramas (variando entre 2200 e 2800 gramas), e média de idade de 50 semanas (variando de 48 a 53 semanas). Os ani- mais foram fornecidos pelo Biotério Central da UNESP – Campus de Botucatu. Os animais foram divididos por sorteio em três grupos experimentais: animais que receberam uma pla- ca de matriz óssea descalcificada, associada à BMP (IBM – BMP) para recobrir o defeito ósseo provocado na pa- rede da órbita (G1), animais que receberam a placa de Comportamento do implante contendo bone morphogenetic protein (bmp) associado ao plasma rico em plaquetas ... Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 273-84 276 IBM – BMP envolta por uma camada de PRP (G2) e animais do grupo controle sem interposição de implante no local da fratura (G3). Os animais foram sacrificados com 7, 30, 90 e 180 dias a partir do implante do material. Procedimento anestésico-cirúrgico Os animais foram anestesiados com 1ml/kg de Pentobarbital sódico 3% (Fontoveter, divisão veteriná- ria da Cristália) por via endovenosa associado à aplica- ção peribulbar de 1ml de cloridrato de lidocaína 2% (Hypofarma) e epinefrina 0,005mg/ml (Hypofarma), à frente do olho direito do animal. Após assepsia, procedeu-se a abertura transconjuntival, no fórnice anterior, posteriormente à terceira pálpebra do animal, utilizando-se uma tesoura de argola, acessando-se a periórbita e observando-se o tecido adiposo e a musculatura extrínseca do bulbo ocu- lar. A periórbita foi incisada expondo a parede orbitária anterior. Com o auxílio da mesma lâmina 15 e de um osteótomo tipo Citelli, produziu-se uma fratura na pare- de anterior com dimensão de 10 mm de comprimento e 6 mm de largura, defeito suficiente para permitir o posicionamento da placa a ser implantada. No G1, foi posicionada no defeito ósseo, uma placa de IBM/BMP. A placa foi fixada na posição com 2 pontos simples, utilizando-se fio monofilamentar, o Mononylon 6-0 (Ethicon, Johnson e Johnson). A sutu- ra foi feita passando-se o fio na placa e no periósteo das margens do defeito ósseo provocado, com o intui- to de impedir que o implante sofresse migração. No G2, a placa de IBM/BMP foi revestida por uma ca- mada de PRP, sendo, em seguida, posicionada e fixa- da, da mesma forma que o realizado nos animais de G1. No grupo controle, o mesmo procedimento anes- tésico-cirúrgico foi realizado, porém sem interposição de implantes. O conteúdo orbitário foi, então, reposicionado e a conjuntiva fechada com sutura contínua utilizando-se um fio trançado absorvível 7-0 de poliglactina (Vicryl - Ethicon, Johnson & Johnson). Terminado o procedimento, cada animal recebeu uma dose de 0,1 ml/kg intramuscular de Enrofloxacino 10 % (Mogivet, produtos agroveterinários) e instilação de 0,1 ml de solução oftálmica de Ciprofloxacina 3 % (Ciloxan, Alcon Laboratórios do Brasil). Os animais fo- ram mantidos em gaiolas separadas, sob condições ide- ais de temperatura, umidade e iluminação e receberam água e ração própria para a espécie ad libitum. Foram avaliados semanalmente, atentando-se para sinais de reação inflamatória, exposição, extrusão ou infecção no local do implante ou dos tecidos vizinhos. Placa de IBM-BMP Foi utilizada uma placa de matriz óssea descalcificada, impregnada com BMP (IBM-BMP), com 10 mm de comprimento, 6 mm de largura e 2 mm de espessura. A placa foi fornecida pela Mackron Biotecnologia – São Paulo – Brasil. As placas eram constituídas por um veículo de grânulos de osso cortical descalcificado, de origem bovi- na e de tenra idade, a 82%, onde foi acrescido o BMP extraído de osso bovino de tenra idade, na proporção de 1:8. O material desenvolvido apresentava porosidade de 100 a 400 µ. Os implantes aqui empregados estão ainda em fase de licenciamento junto à Agência Nacional de Vi- gilância Sanitária - Anvisa. Gel de PRP O plasma rico em plaquetas foi produzido se- guindo-se o modelo proposto por Anitua (1999) (24), segundo o qual são retirados do próprio animal que será submetido ao procedimento, 5 ml de sangue, por meio de acesso venoso da veia auricular. O conteú- do é coletado e introduzido em um tubo de ensaio, contendo 1,26 ml de agente anticoagulante, o citrato de sódio a 10% (Belliver Industrial Estate. O tubo é, então, introduzido em uma centrífuga (Fanem, mode- lo 208 N) e submetido à 500 rotações por minuto, durante 3 minutos, em temperatura ambiente. Ob- tém-se, a partir daí, 3 frações distintas: o plasma po- bre em plaquetas (PPP), o plasma rico em plaquetas (PRP) e células sangüíneas. Após, 0,3 ml do PRP são extraídos e adicionados a 0,3 ml de gluconato de cálcio a 10% (Halex Istar), juntamente com a placa de IBM-BMP. Preparação do material Os animais foram sacrificados de acordo com o momento padronizado com sobredose de Pentobaribital sódico a 3%. Após o sacrifício, proce- deu-se a retirada da pele e tecido subcutâneo do crânio com lâmina de bisturi nº 23 e feita a desarticulação do crânio com tesoura de Metsembaum. O crânio foi fixa- do em solução de ácido acético a 10%, permanecendo por 3 semanas na solução para descalcificação. Reti- rou-se então, um paralelepípedo do crânio abrangendo a órbita direita e o fragmento retirado foi mergulhado novamente em solução descalcificadora, permanecen- do por mais 3 semanas. Após esse período, cada frag- mento foi segmentado no plano coronal, em cortes seqüenciais de 0,3 mm de espessura. O corte abrangen- do o implante foi, então, introduzido em um pequeno Ferraz FHS, Schellini SA, Pellizzon CH, Schellini RC, Padovani CR Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 273-84 277 cassete e permaneceu em álcool absoluto por 48 horas sendo submetido a cortes seriados com intervalos de 4 µm e coloracão com Hematoxilina e Eosina. Parâmetros Avaliados Os parâmetros foram analisados através de estudo radiológico e histológico que, por sua vez foi dividido em avaliação morfológica e morfométrica. O estudo radioló- gico procedeu-se através de 2 radiografias retiradas de cada animal sob sedação, sendo a primeira no 7º pós-ope- ratório e a segunda no momento do sacrifício. A técnica empregada foi através do posicionamento do animal em decúbito dorsal horizontal e a cabeça em hiperflexão, uti- lizando-se um aparelho da marca PHILIPS modelo DR3- T1000, pertencente a Faculdade de Medicina Veterinária – UNESP, Campus de Botucatu, e parâmetros de 50 Kilovolts e 6,6 miliAmpéres por segundo. A avaliação morfológica analisou a estrutura microscópica do implante, sua interação com as estru- turas vizinhas, a reação inflamatória e suas células constituintes, bem como a formação de neovasos e te- cido osteogênico na região próxima e dentro dos im- plantes. Já o estudo morfométrico utilizou o progra- ma analisador de imagens Leica Qwin V2.4 acoplado ao microscópio Leica modelo DMLB e a uma câmera digital (marca JVC, modelo CCD) analisando-se a espessura do tecido inflamatório induzido pelo proce- dimento cirúrgico e pela presença do implante, bem como sua evolução, dentro dos momentos estudados. As imagens capturadas foram as referentes à interface do implante com o tecido ao redor, em aumento de 20 vezes. Os valores obtidos no exame morfométrico fo- ram submetidos à análise estatística por meio de Aná- lise de Variância para experimentos inteiramente casualizados, optando-se pela Análise de Variância não Paramétrica para o modelo com dois fatores (25). RESULTADOS Todos os animais apresentaram-se ativos, alimen- tando-se normalmente e sem alterações de comporta- mento durante todo o período experimental. Quatro ani- mais desenvolveram processo infeccioso com formação de abscessos intra-orbitários e em outras partes do cor- po. Os animais que desenvolveram a infecção apresen- taram secreção purulenta, queda de pêlos ao redor das pálpebras e aumento de volume orbitário. Os demais animais apresentaram apenas discreta secreção nos pri- meiros 15 dias, com melhora após, coincidente com o período de absorção do fio de poligalactina. Análise Morfológica Momento 1 Após 7 dias da implantação do material na órbita do coelho, este é visto como uma placa retangular eosinofílica, homogênea e acelular, envolta por uma ca- mada de tecido inflamatório, com um grande número de células e vasos sangüíneos, dentre as quais predominam os fibroblastos, linfócitos, neutrófilos, macrófagos e células com núcleo evidente e formato estrelado, possivelmente células mesequimais. Nessa região pode-se notar a pre- sença de células com a cromatina frouxa e nucléolo evi- dente, morfologia indicativa de uma grande atividade de síntese protéica nesta região (Figura 2A). Nas adjacências do implante encontra-se uma considerável concentração de macrófagos e eosinófilos, juntamente com grande número de neovasos. O número de eosinófilos é maior, quanto mais próximo do BMP. Já no grupo submetido ao implante de BMP + PRP os achados morfológicos apresentaram-se seme- lhantes ao dos animais do mesmo período com BMP. Observa-se a presença de um grande número de células ao redor do implante, sendo estas, predominantemente, eosinófilos e pequenos linfócitos. Porém, a quantidade de eosinófilos é notoriamente maior neste grupo, quan- do comparado com o G1. Assim como, no grupo contendo apenas BMP, as células mesenquimais dispostas em paliçada são uma característica, presentes já nesta fase. Apresentam-se com a cromatina frouxa e o nucléolo bastante evi- dente, demonstrando sinais morfológicos de franca ati- vidade metabólica. Em meio a todo o infiltrado infla- matório e envolvendo o implante, uma trama eosinofílica, amorfa e homogênea pode ser identi- ficada, provavelmente correspondendo ao plasma rico em plaquetas associado. O mesmo componente pode ser visto no interior do implante. A presença de macrófagos associados a esta trama de fibrina é outra característica desta fase. Algumas células contendo grânulos são observadas na camada basofílica, sendo que parte deles apresenta aspecto de de granulação, lembrando mastócitos em atividade. Neste mesmo momento, o grupo controle apre- sentou uma resposta inflamatória formada, principalmen- te por linfócitos e tecido conjuntivo frouxo, disposto em paliçadas presente no foco de fratura e envolvendo o fio de sutura (Mononylon). Ainda, entremeando blocos e ilhas de tecido adiposo orbitários, observa-se um tecido fibroso em organização, formado basicamente de fibroblastos em meio a uma matriz colágena abundante. Não são vistas células mesenquimais. Comportamento do implante contendo bone morphogenetic protein (bmp) associado ao plasma rico em plaquetas ... Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 273-84 278 Momento 2 Após 30 dias da implantação do material BMP, observa-se redução da espessura do tecido inflamatório ao redor do implante. Pode-se notar ainda, que existe uma maior cavitação do material implantado, possivel- mente focos de reabsorção da matriz, onde é possível notar a presença de células no interior dessas cavidades. Existe uma grande quantidade de células com formato estrelado, com morfologia semelhante a células mesenquimais. Esboçam o início de um processo de or- ganização e diferenciação e alguns osteoblastos podem ser vistos povoando o implante. As cavidades maiores são revestidas por uma camada de células com aspecto epitelial. O periósteo nesse período aparece organizado e com aspecto clássico (Figura 2B). Ainda, a condensação do núcleo observado nas células inflamatórias remanescentes fala a favor de re- dução na sua atividade metabólica. Aqui, também a morfologia do grupo 2 se asseme- lha bastante com a do grupo 1.Além da organização das células no interior das cavidades em formação semelhan- te ao endósteo pode-se notar a presença de osteoclastos, redução importante do infiltrado inflamatório e a forma- ção de uma monocamada de células osteoblásticas ao redor do implante, semelhante ao periósteo. No grupo controle, nota-se uma fibrose importan- te nesta fase e alguns fragmentos ósseos isolados, prova- velmente resultantes da osteólise produzida. Momento 3 Após 3 meses da implantação do BMP, observa- se no interior do implante maior quantidade de cavida- des, com dimensões mais amplas, e formação de septos. Algumas cavidades são revestidas pelo endósteo e por tecido conjuntivo frouxo, enquanto outras são preenchi- das por tecido adiposo unilocular. FIGURA 2: Implante de BMP com 7 dias, apresentando infiltrado inflamatório adjacente importante (A); após 30 dias o implante apresenta cavitações (seta branca), passa a ser povoado por osteoblastos e revestido por periósteo (seta preta) (B) Resultado do Grupo Momento da avaliação teste estatístico 7 dias 30 dias 90 dias 180 dias de momento BMP 477,52 + 44,92 a B* 51,09 + 7,21 a A 58,64 + 13,49 a A 53,56 + 9,34 a A P < 0,05 BMP + PRP 359,05 + 98,32 a B 62,96 + 6,42 a A 54,94 + 11,26 a A 47,45 + 0,17 a A P < 0,05 Resultado do teste estatístico de grupo P > 0,05 P > 0,05 P > 0,05 P > 0,05 * As letras minúsculas expressam a análise comparativa entre os grupos estudados. As letras maiúsculas expressam a análise entre os momentos estudados. Letras diferentes dentro de cada análise separadamente significam diferença estatística, ao passo que letras iguais exprimem o inverso Tabela 2 Mediana e semi-amplitude total da espessura do tecido inflamatório e conectivo, segundo grupo e momento de avaliação A B Ferraz FHS, Schellini SA, Pellizzon CH, Schellini RC, Padovani CR Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 273-84 279 Também não se observa mais sinais de atividade inflamatória, predominando uma camada de células fusiformes, com núcleo condensado. A porção mais compacta do material apresenta arquitetura melhor organizada, mais densa e seme- lhante ao osso original.A quantidade de células ósse- as dentro do implante é notoriamente maior que nas fases anteriores. A camada de tecido conjuntivo, envolvendo o implante, também apresenta sinais de estabilização, com manutenção de sua espessura, predomínio de fibroblastos e ausência de células inflamatórias. Nesta fase, o im- plante apresenta maior aderência aos tecidos adjacen- tes que emitem prolongamentos de tecido conectivo em direção ao interior da placa.Vasos sangüíneos também são observados no interior do implante, reforçando a in- corporação do material ao hospedeiro. No grupo 2, as células mesenquimais, presentes nas fases anteriores, não são mais observadas. Ao redor do implante estão presentes apenas os fibroblastos e depósitos de colágeno. Não há mais indícios de respos- ta inflamatória ao redor do material. O processo de cavitação parece se manter em andamento, visto que podem ser identificados osteoclastos ao redor e no in- terior do implante, aumentando a formação de espaços e septações. De maneira semelhante ao observado em fases anteriores, esses espaços são preenchidos por te- cido adiposo unilocular, tecido conjuntivo frouxo e endósteo (Figura 3A). O grupo controle apresenta nesta fase uma esta- bilização com tecido fibroso associado a tecido adiposo unilocular, sem atividade inflamatória, preenchendo todo o espaço da fratura (Figura 3B). Momento 4 Após 6 meses da implantação do BMP, poucas mudanças ocorrem em relação à fase anterior. Uma maior cavitação do material é observada, sendo que essas cavidades são preenchidas por tecido adiposo unilocular e envoltas por endósteo. O interior do im- plante é totalmente povoado com osteócitos, em meio a uma matriz óssea, com disposição semelhante ao osso cortical maduro, com canais de Havens e vasos sangüíneos intra-ósseos. Contudo, semelhante ao obser- vado após 30 dias, existem alguns focos de menor den- sidade da matriz que parecem estar em reabsorção, demonstrando indícios ainda de atividade, com ampli- ação das cavidades. Observa-se uma maior eosinofilia nos limites com as cavidades internas, provavelmente significando deposição de cálcio. Da mesma forma, no grupo 2 o implante apresen- ta poucos sinais diferentes da fase anterior. A estrutura óssea do material se apresenta bem organizada, com aspecto de osso maduro. A matriz óssea ainda apresenta alguns focos de reabsorção, contrastando com áreas de osso bastante compacto. Neste momento é possível notar que não há dife- renças expressivas entre os processos de ossificação de G1 e G2, no que tange à quimiotaxia de células multipotentes, sua diferenciação para osteoblastos, de- posição óssea e cavitação. De acordo com o observado, o revestimento de PRP parece não ter influenciado no momento e intensidade da osteoindução, promovida pelo BMP. No grupo controle, apenas tecido fibroso pode ser evidenciado no local da fratura, com predomínio de fibrócitos. FIGURA 3: Implante com 90 dias, mostrando aumento das dimensões das cavidades, preenchidas por tecido conectivo. Presença de osteoclasto na cavidade (seta branca) (A); controle apresentando tecido fibroso associado a tecido adiposo unilocular (seta preta) (B). A B Comportamento do implante contendo bone morphogenetic protein (bmp) associado ao plasma rico em plaquetas ... Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 273-84 280 Análise Morfométrica A espessura do tecido inflamatório e conectivo ao redor dos implantes está apresentada na Tabela 2, podendo-se observar a evolução destes parâmetros, nos diversos momentos estudados. Analisando-se o G1, submetido ao implante con- tendo BMP e observado com 7 dias da implantação, evi- dencia-se um tecido inflamatório inicial bastante espes- so (477,52 µm + 44,92). Contudo, com 30 dias houve re- dução importante do tecido inflamatório (51,09 µm + 7,21).Após os 30 dias e até o final do experimento, essa espessura se manteve constante. A avaliação estatística destes resultados mostrou que houve diferença estatísti- ca significativa entre as medidas de M1 e M2 (P<0,05). Porém, não houve diferença estatística entre os momen- tos M2, M3 e M4 (de 30, 90 e 180 dias, respectivamente). No grupo contendo BMP associado ao PRP, o teci- do inflamatório se comporta de maneira semelhante. Inicialmente, com 7 dias, uma camada espessa de célu- las basofílicas é observada (359,05µm + 98,32). Porém, sofre redução importante aos 30 dias (62,96 µm + 6,42), se mantendo constante após este momento e até o final do experimento. Novamente, houve diferença, estatisti- camente significativa, apenas entre M1 e M2 (P<0,05), o mesmo não ocorrendo entre os momentos M2, M3 e M4. Por outro lado, comparando-se o G1 (BMP) e o G2 (BMP+PRP), não houve diferença, estatisticamente significativa, entre as espessuras do tecido inflamatório de ambos, em todos os momentos em questão (P > 0,05). Análise Radiológica Avaliando-se comparativamente as radiografias 7 dias após o procedimento e aquelas realizadas imedi- atamente antes do sacrifício, observa-se não haver si- nais expressivos de deposição óssea no local correspon- dente à área de fratura.A comparação do local operado com o seu correspondente contralateral também não mostrou diferenças de densidade radiológica. Essa ca- racterística pode ser evidenciada nos três grupos e nos quatro momentos estudados. No entanto, em dois animais (um do G1 em M2 e outro do G2 em M3), nota-se um nítido aumento de den- sidade no contorno do material implantado, quando com- parado com a radiografia inicial e também com a órbita contralateral. Há uma maior densidade apenas no con- torno do implante, porém o centro do mesmo apresenta- se com uma densidade radiologicamente menor. O con- torno apresenta-se homogêneo, porém com limites bor- rados, principalmente em sua porção superior e inferior. Apesar de esses dois casos apontarem favora- velmente para uma deposição cálcica, principalmente na periferia do implante, o mesmo não ocorreu com os demais animais e momentos. DISCUSSÃO Dentre as modalidades terapêuticas utilizadas para a correção de fratura do assoalho orbitário, a im- plantação de materiais aloplásticos tem um papel bem definido, com o objetivo de corrigir soluções de conti- nuidade, devolvendo ao paciente uma melhora da sime- tria facial e da função perdida. Em detrimento dos enxertos autólogos, associa- dos a um maior tempo de cirurgia, pela necessidade de realização de um duplo procedimento, bem como uma maior morbidade a que o paciente é submetido, sem con- tar a possibilidade de reabsorção parcial do enxerto, os implantes aloplásticos oferecem uma alternativa bas- tante interessante (9). No entanto, com o uso dos implantes, complica- ções outras, agora relacionadas com as características físico-químicas de cada material, podem ser enumera- das, sendo as mais comuns: extrusão do implante com formação de fístula para a pele ou fórnice conjuntival (26), migração do implante (27), restrição da motilidade ocular, infecção e hemorragia ao redor do implante, levando a diplopia e proptose (28). A pobre aderência de determinados materiais, como o silicone que não permite uma osteointegração satisfatória, faz com que extrusões sejam comumente observadas, mesmo após longos períodos de seguimento. Wolfe relata um caso em que uma paciente apresentou infecção, seguida de extrusão do implante de silicone para dentro do seio maxilar, após 8 anos da primeira cirurgia.A mesma paciente foi submetida a duas novas intervenções que cursaram com novas extrusões (16). Mesmo com uma melhora da integração do ma- terial, como o observado com o polietileno poroso que oferece uma integração maior do implante, complica- ções estão relacionadas com o risco inicial de infecção do material. Enquanto os microporos não são preenchi- dos por tecido fibrovascular, estes podem albergar microorganismos que, conseqüentemente, podem se multiplicar e iniciar um quadro infeccioso a partir da placa de polietileno (8). A substituição de materiais inertes ou integráveis, porém não absorvíveis, por um implante que possa induzir a formação de osso autólogo, reduzindo os riscos de extrusão ou infecção a médio e longo prazo, parece oferecer uma alternativa interessante no capítulo das fraturas orbitárias. Ferraz FHS, Schellini SA, Pellizzon CH, Schellini RC, Padovani CR Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 273-84 281 Poucos estudos versam a respeito desse tipo de implante orbitário. O BMP tem sido muito utilizado no campo da Odontologia e Cirurgia buco-maxilo-facial, associando-o a implantes dentários, outras fraturas de face e defeitos congênitos de formação craniana, como a craniossinostose (29-33). As características do BMP de induzir a formação de osso novo em substituição da matriz implantada, ofe- recem a possibilidade de uma reconstrução mais aceitá- vel por parte do organismo receptor, haja vista que a consolidação com osso autólogo, ao invés de material aloplástico, seja capaz de diminuir as chances de infec- ção e extrusão. Estas foram as características que nos levaram a optar pelo estudo do BMP, uma substância que poderia, com o passar do tempo, ser substituída pela resposta do próprio indivíduo, evitando as extrusões e expulsões, que são freqüentes com outros tipos de materiais. Um fator interessante e que mais uma vez favo- receu a utilização do coelho como modelo experimen- tal foi o fato de que o BMP produzido pelo coelho não é espécie-específico, facilitando a receptividade do BMP bovino pelo animal (34). Há necessidade de se utilizar o BMP ligado a um carreador, substância que deve ser liberada paulatina- mente, à medida que o BMP vai se incorporando ao teci- do do hospedeiro. Diversas substâncias já foram indicadas como prováveis carreadores para o BMP como colágeno, polímeros biodegradáveis, ácido poliglicólico, matriz óssea descalcificada e alginato (35). Neste estudo, foi utilizada a matriz óssea descalcificada devido às suas características que favo- recem o processo de formação óssea. Jiang et al. estuda- ram in vitro a osteoindução decorrente da matriz óssea descalcificada. Quando introduzida em cultura de célu- las embrionárias de ratos, a matriz funciona como exce- lente substrato para a adesividade de células mesenquimais e fornece suporte adequado para o cres- cimento de osteoblastos. Ainda, a matriz óssea, quando associada a fatores de crescimento, promove absorção desses fatores até sua saturação. Isto faz com que a con- centração dos fatores de crescimento seja crescente, até o limite em que a matriz fique saturada, não absorvendo mais a partir deste ponto (36). Por gradiente, quando a matriz é colocada na cul- tura de células, promove uma liberação lenta destes fa- tores. Segundo Jiang et al., com 10 dias do experimento cerca de 50% do fator de crescimento é liberado (36). Embora, no presente estudo, não tenham sido evi- denciadas alterações radiológicas expressivas, foram detectados em dois animais indícios de maior densidade no local correspondente ao sítio de implantação, coinci- dente com o contorno do material, com rarefação no seu interior. Este sinal radiológico poderia significar depo- sição óssea, com maior calcificação na periferia do im- plante, fato comprovado mais tarde com maior clareza pelo exame histológico. Trabalhos avaliando a osteoindução do BMP em sítios ectópicos fizeram uso da análise radiográfica com o objetivo de estudar a deposição de osso novo no local. Foram introduzidos no interior do músculo esterno- cleidomastoideo de ovelhas, implantes contendo BMP que foram avaliados após 3 meses do procedimento ci- rúrgico, através de estudo radiológico e histológico. Não foram evidenciadas alterações, comparando-se as radi- ografias imediatamente após o implante do BMP e no momento do sacrifício. Por outro lado, também não foi detectada uma ossificação expressiva após esse período em todos os animais (37). Entretanto, outros autores como Li et al. observa- ram o crescimento ósseo ectópico em implantes de BMP em ratos através de análise histológica e radiográfica (38). Logo na primeira semana após a implantação do material na parede orbitária do coelho, foi possível ob- servar uma intensa reação inflamatória ao redor do BMP. Após 30 dias da colocação do implante, a população ce- lular caiu dramaticamente. Tanto no grupo contendo BMP isolado, como naquele contendo BMP associado ao PRP, o infiltrado basofílico não foi mais observado de forma expressiva. O exame morfométrico reforçou vários pontos que foram observados no exame histológico subjetivo. Utilizando este meio quantitativo, foi possível reforçar que a celularidade e o infiltrado inflamatório, em ambos os grupos (G1 e G2), foram semelhantes, não havendo diferença estatística entre eles. Este mesmo tipo de reação inflamatória foi ob- servado por outros, usando outros sítios de implantação, assim como outros materiais. Alberius et al. implanta- ram uma placa de BMP sobre a caixa craniana de ratos em três posições distintas: subperiostal, submuscular e intramuscular, estudando o seu comportamento com re- lação aos tecidos vizinhos e sua integração. Observaram que, já com 30 dias, a reação inflamatória ao redor do implante era pouco pronunciada e, em alguns casos, já se observava sinais de deposição óssea (39). Em estudo preliminar, utilizando cobaias, foram implantadas placas com 1 cm2, constituídas de matriz óssea bovina contendo BMP no subcutâneo dorsal dos animais. O mesmo processo de cavitação foi observado Comportamento do implante contendo bone morphogenetic protein (bmp) associado ao plasma rico em plaquetas ... Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 273-84 282 no interior daquele material, com aumento da porosidade do material e da superfície de contato, po- rém, sem comprometer as dimensões do implante. A re- ação inflamatória contendo predominantemente macrófagos e linfócitos apresentou-se bastante expres- siva no início, mas evoluiu com rápida redução de sua atividade já após 15 dias do experimento, dando lugar a uma camada de tecido colágeno fina. No entanto, não foram observados sinais de formação óssea local, o que foi atribuído à possível incompatibilidade entre a espé- cie estudada e o veículo de origem bovina e, principal- mente à topografia do implante, uma vez que o contato com tecido muscular ou esquelético, e não apenas tecido subcutâneo, pareça ser importante. Apesar de não ter sido detectada a formação óssea, o implante induziu a uma resposta inflamatória linfocitária pouco duradoura, com boa aceitação pelo hospedeiro e sem sinais de re- jeição ou extrusão (40). No presente estudo, um grande número de células mesenquimais de aspecto estrelado e cromatina frouxa podem ser observado ao redor do implante de BMP, as- sociado ou não ao PRP. Essas células estavam presentes já no momento de 7 dias, porém de forma dispersa e sem uma organização definida. No entanto, após 30 dias, o tecido inflamatório dá lugar a uma população grande de células mesenquimais e fibroblastos, ambas agrupadas em feixes ao redor do implante. Essas células apresen- tam-se em início de organização, procurando manter um sentido único. Ainda, algumas células osteoblásticas fo- ram observadas no interior do implante, como sinal de diferenciação. Murata et al. demonstraram em experimento uti- lizando ratos da raça Wistar, nos quais foram implanta- das placas de BMP associado à matriz óssea que, logo nos primeiros cinco dias após o procedimento, já era pos- sível identificar o mesênquima indiferenciado invadin- do os espaços e trabéculas do implante. Descrevem, tam- bém, a presença de eosinófilos associados aos feixes de células mesenquimais, sem sinais de diferenciação em células ósseas ou cartilaginosas. No entanto, já com 14 dias se podia identificar a deposição de “osso novo” e osteoblastos no local e, com 21 dias, observaram a for- mação de tecido hematopoiético. Acrescentam ainda que, no grupo contendo apenas a matriz óssea, não foi observado crescimento ósseo, mas apenas o infiltrado inflamatório contendo neutrófilos e eosinófilos em gran- de quantidade (41). O PRP não possui propriedades osteoindutoras, isto é, não é capaz de produzir a diferenciação e a forma- ção de novo osso, como o BMP. Apresenta sim, proprie- dade osteocondutora, estimulando as células osteocompetentes, presentes no enxerto, em virtude da trama de fibrina desenvolvida pelo PRP (21). Por isso, quando utilizado no processo de reparação ou de aumento de volume ósseo, o PRP deve ser associado a enxerto autólogo, a fim de promover a regeneração óssea através de uma maior compactação do enxerto e da maior concentração dos fatores de crescimento (22,24) . No entanto, aventa-se a possibilidade do PRP acelerar o processo de formação óssea do BMP, uma vez que atua de maneira expressiva na primeira fase da reparação óssea (22). No presente estudo, foi observada uma semelhan- ça importante entre os processos de ossificação do im- plante de BMP, associado ou não ao PRP, mesmo nos primeiros dias do experimento. Com exceção da presen- ça da trama de fibrina e dos grânulos observados no gru- po contendo PRP, não existem diferenças significativas na intensidade da resposta inflamatória induzida, na pre- sença e disposição das células mesenquimais, na inva- são do implante pelos osteoblastos, no processo de depo- sição óssea e cavitação do material e na atividade dos osteoclastos. Dado ao fato da implantação de um mate- rial de origem bovina em um receptor de outra espécie, a incompatibilidade do PRP leporino com o implante pode ser um fator determinante no resultado observado. Além disso, o período de atuação do PRP mostra-se muito curto, não exercendo mais influência após a segunda se- mana do implante do material. Em suma, os nossos achados apontam para seme- lhança entre o implante contendo BMP e a associação deste ao PRP. A resposta inflamatória em ambos os gru- pos é maior logo após a implantação e se reduz depois dos 30 dias da implantação. Estas características fazem pensar na proposição do BMP como material a ser utili- zado na reconstrução de fraturas orbitárias. CONCLUSÃO Em suma, foi possível observar que: A resposta inflamatória frente ao implante con- tendo BMP ou implante de BMP associado ao PRP é semelhante, do tipo linfomononuclear, mais importante inicialmente e com regressão espontânea após 30 dias da implantação. Os implantes orbitários de BMP ou de BMP asso- ciado ao PRP promovem ossificação do tipo intramembranosa, com a diferenciação de células mesenquimais em osteoblastos e posteriormente osteócitos, após 30 dias da implantação. Concomi- tantemente, ocorre a formação de cavidades no interior do implante, revelando uma atividade constante de re- modelação óssea. Ferraz FHS, Schellini SA, Pellizzon CH, Schellini RC, Padovani CR Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 273-84 283 O PRP associado ao implante orbitário contendo BMP não acelerou a ossificação, quando comparado com o implante contendo apenas BMP. Os resultados obtidos no presente estudo permi- tem afirmar que o implante de BMP pode ser uma alter- nativa adequada para a reconstrução de fraturas orbitárias, dada a reação inflamatória pouco importan- te, capacidade de indução óssea e integração no local da fratura, não havendo necessidade de uso do PRP. SUMMARY Purpose: This study intends to evaluate BMP (Bone Morphogenetic Protein) implant and BMP implant plus PRP (Platelet Rich Plasma) in rabbit orbital fractures, searching for tissue reaction, by radiological and morfometrical analysis. Methods:Third six white rabbits were submitted to orbital floor fracture and distributed in three groups: G1, with rabbits receiving a plate containing decalcified bone matrix and BMP; G2, with rabbits receiving the implant with BMP wrapped by PRP; G3, the control group where it was made the fracture only. The animals were evaluated radiologically after surgery and at sacrifice time in 7, 30, 90 and 180th day after surgery. After sacrifice, a block containing the right orbital tissue was extracted and prepared to morphological and morphometrical analysis. Results: An intensive linfomononuclear inflammatory reaction was observed at 7th day in G1 e G2, witch decreased after the 30th day; mesenchimal cells, osteoblasts, “new bone” and progressive cavitation of the implant were also observed, besides signs of calcium deposition by radiological study. In the control group fibrosis at the site of fracture was identified only. Conclusion: BMP seemed a good orbital implant producing “new bone” at the implant site and correcting bone defect.There was not observed acceleration of osteoinduction when the implant was associated with PRP. Keywords: Orbital fractures; Bone morphogenetic proteins/therapeutic use; Bone remodeling; Plasma; Blood platelets REFERÊNCIAS 1. Lim LH, Lam LK, Moore MH, Trott JA, David DJ. Associated injuries in facial fractures: review of 839 patients. Br J Plast Surg. 1993; 46(8):635-8. 2. Shere JL, Boole JR, Holtel MR, Amoroso PJ. An analysis of 3599 midfacial and 1141 orbital blowout fractures among 4426 United States Army Soldiers, 1980-2000. Otolaryngol Head Neck Surg. 2004; 130(2):164-70. 3. Jones DE, Evans JN. “Blow-out” fractures of the orbit: an investigation into their anatomical basis. J Laryngol Otol. 1967; 81(10):1109-20. 4. Burm JS, Chung CH, Oh SJ. Pure orbital blowout fracture: new concepts and importance of medial orbital blowout fracture. 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A microscopia especular destes dois grupos foi analisada retrospectivamente desde o pré-operatório, 3 meses, 6 meses, 1 ano, 2 anos e 3 anos de pós-operatório. Retransplantes precoces, olhos contralaterais de casos bilaterais e transplantes sem acompanhamento especular suficiente para aná- lise estatística foram excluídos. O comportamento endotelial através da microscopia especular no pós-operatório foi estudado em 112 pacientes e submetido aos testes esta- tísticos. Resultados: Aplicando-se o Teste de Mann-Whitney tanto para o ceratocone como para a ceratopatia bolhosa, observou-se entre o sexto mês e primeiro ano de pós- operatório do transplante penetrante uma diferença estatisticamente significante (p<0,05), quanto à intensidade da perda endotelial, mais intensa nos pacientes cujo diagnóstico foi ceratopatia bolhosa, parecendo haver uma desaceleração das perdas endoteliais nos pacientes com diagnóstico de ceratocone, o que não foi observado na ceratopatia bolhosa. Conclusão:Apesar da perda de células endoteliais no transplante de córnea depender de inúmeros fatores pré-operatórios, intra-operatórios e pós-opera- tórios bem conhecidos, a patologia original do receptor parece exercer influência na curva de perda celular endotelial. O comportamento endotelial no pós-operatório da ceratoplastia penetrante nos portadores de ceratocone parece ser diferente dos porta- dores de ceratopatia bolhosa. Descritores: Transplante de córnea; Endotélio da córnea/fisiopatologia; Ceratocone; Doenças da córnea; Estudos retrospectivos 1 Assistente do departamento de córnea do Instituto de Oftalmologia Tadeu Cvintal – São Paulo (SP) – Brasil; 2 Residente do Instituto de Oftalmologia Tadeu Cvintal – São Paulo (SP) – Brasil; 3 Assistente do departamento de Córnea do Instituto de Oftalmologia Tadeu Cvintal – São Paulo (SP) – Brasil; 4 Residente do Instituto de Oftalmologia Tadeu Cvintal – São Paulo (SP) – Brasil; 5 Assistente do departamento de Córnea do Instituto de Oftalmologia Tadeu Cvintal – São Paulo (SP) – Brasil; 6 Diretor do Instituto de Oftalmologia Tadeu Cvintal – São Paulo (SP), Brasil. Recebido para publicação em: 03/04/06 - Aceito para publicação em 01/11/06 ARTIGO ORIGINAL Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 285-90 286 INTRODUÇÃO A s células endoteliais em olhos transplantados permanecem viáveis por anos após um proce- dimento bem-sucedido. As células endoteliais que morrem não são repostas, pois as mesmas só se di- videm em circunstâncias excepcionais. No entanto, a perda celular após uma ceratoplastia penetrante ou até mesmo após uma cirurgia de catarata bem-sucedida ocorre de maneira muito mais intensa do que em um olho normal. Em olhos transplantados, o comportamen- to endotelial no pós-operatório parece ser diferente, dependendo da patologia do receptor. A periferia endotelial do receptor parece ter influência crucial na perda de células endoteliais no pós-operatório de ceratoplastias penetrantes (1-2). O presente trabalho tem por objetivo estudar o comportamento do endotélio no pós-operatório do transplante de córnea, em dois gru- pos distintos de patologias que diferem primordialmen- te, na população de células endoteliais, observando se existe uma correlação entre a periferia endotelial do receptor e o comportamento do endotélio no pós-ope- ratório do transplante de córnea. MÉTODOS Realizamos a revisão aleatória e retrospectiva de 300 casos de transplante de córnea, realizados pelo mes- mo cirurgião, no período entre 1998 e 2002. O endotélio dos transplantes foi documentado e analisado através de microscopia especular realizada no pré-operatório (bo- tão doador) e pós-operatório de três meses, seis meses, um ano, dois anos e três anos. Retransplantes precoces e olhos contralaterais de casos bilaterais foram excluídos. Desta amostragem inicial, analisamos em separado o grupo de pacientes com diagnóstico de ceratocone e o grupo de pacientes com diagnóstico de ceratopatia bolhosa.A dife- rença a ser considerada entre os grupos estudados foi a celularidade endotelial do leito receptor; enquanto no ceratocone encontramos grandes populações endoteliais, nas ceratopatias bolhosas temos populações endoteliais pequenas. Foram excluídos do estudo os transplantes com diagnóstico de ceratocone e com diagnóstico de ceratopatia bolhosa, que não tinham o seguimento da microscopia especular satisfatório para análise estatísti- ca.Analisamos assim, o comportamento endotelial no pós- operatório do transplante de córnea nos dois grupos. Os dados foram submetidos à análise estatística através do Teste de Mann-Whitney. A microscopia especular foi realizada na córnea central. O microscópio especular é de contato (Bioptics LSM-2000 C, com sistema Bambi de análise de imagens ver. 6.07). Os transplantes foram realizados com a mesma técnica cirúrgica com oito pontos isolados e sutura contí- nua. O diâmetro doador mais utilizado foi 8.5 mm e o diâmetro receptor mais utilizado foi 8.0mm.As córneas doadoras foram preservadas em meio optisol.Todas as cirurgias foram realizadas com anestesia geral e segui- ram o mesmo protocolo pós-operatório. RESULTADOS Do total de 300 pacientes submetidos ao trans- plante penetrante, 65,17% tinham diagnóstico de ceratocone, 14,28% de ceratopatia bolhosa pós- facectomia, 9,82% de distrofia endotelial de Fuchs’, 5,35% seqüela de ceratite herpética e 5,35% de falên- cia endotelial tardia (Tabela 1). Foram selecionados dois grupos (portadores de ceratocone e portadores de ceratopatia bolhosa) que totalizaram 112 pacientes. Destes pacientes, 52 (46,42%) eram do sexo fe- minino e 60 (53,57%) do masculino. A idade média em que estes pacientes foram submetidos à cirurgia variou significativamente entre os dois grupos prevalentes: 31,2 anos no ceratocone e 69 anos na ceratopatia bolhosa. A densidade endotelial pré-operatória média no ceratocone foi de 2654,4 células/mm² (DP 392,9) e 1482,8 células/mm² (DP 614,3) no terceiro ano de pós-operató- rio (Tabela 2). A densidade endotelial pré-operatória média na ceratopatia bolhosa foi de 2940 células/mm² (DP 474,7) e 1163,2 células/mm² (DP 517,1) no terceiro Tabela 1 Patologias primárias dos pacientes submetidos ao transplante de córnea Moro F, Antunes C, Moysés K, Engel É, Antunes VC, Cvintal T Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 285-90 287 Tabela 2 Perda endotelial nos transplantes de córnea por ceratocone Tabela 3 Perda endotelial nos transplantes de córnea por ceratopatia bolhosa MES 3_POR MES6_POR ANO1_POR ANO2_POR ANO3_POR PRE (detal%) (delta%) (delta%) (delta%) (delta%) Mann-Whitney U 65,000 10,00 5,000 5,000 4,00 2,000 Wilcoxon W 255,000 25,000 11,000 15,000 10,000 8,000 Z calculado = -1,701 ,000 1,878 -2,006 -1,633 -1,091 Asymp. Sig. (2-tailed) p= ,089 1,000 ,060 ,045 ,102 ,275 Exact Sig. [2*(1-tailed Sig.)] ,094a 1,000a ,070a ,050a ,133a ,400a a. Not corrected for ties b. Grouping Variable: GRUPO Test Statisticsb Teste estatístico de Mann-Whitney Tabela 4 Aplicação do teste de Mann-Whitney no grupo de pacientes com ceratocone e no grupo de pacientes com ceratopatia bolhosa 3 meses 6 meses 1 ano 2 anos 3 anos Grupo Pré-operatório (delta%) (delta%) (delta%) (delta%) (delta%) Bolhosa Média 2940,6 -15,4 -36,6 -50,2 -56,8 -46,4 Desvio padrão 474,7 20,0 4,4 21,2 23,9 21,9 Ceratocone Média 2654,4 -13,3 -14,8 -23,9 27,1 -29,0 Desvio padrão 392,9 17,5 17,5 19,6 -31,0 17,2 Tabela 5 Desvios padrão nos grupos 3 meses, 6 meses, 1 ano, 2 anos, 3 anos no grupo de pacientes com ceratocone e no grupo de pacientes com ceratopatia bolhosa Comportamento endotelial no transplante de córnea em portadores de ceratocone e ceratopatia bolhosa: follow-up de 3 anos Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 285-90 288 ano de pós-operatório (Tabela 3). A perda endotelial, ava- liada pela microscopia especular central, desde o pré-ope- ratório até o terceiro ano do pós-operatório foi de 29% no ceratocone e de 46,4% na ceratopatia bolhosa. Aplicando-se o Teste de Mann-Whitney, tanto para o ceratocone como para a ceratopatia bolhosa, observou- se entre o sexto mês e primeiro ano de pós-operatório do transplante penetrante uma diferença estatisticamente significante (p<0,05), quanto à intensidade da perda endotelial, mais acentuada nos pacientes com ceratopatia bolhosa, parecendo haver uma desaceleração das perdas endoteliais nos pacientes com ceratocone, o que não foi observado na ceratopatia bolhosa (Tabelas 4 e 5). No entanto, uma observação mais prolongada se faz necessá- ria para confirmar esta hipótese. DISCUSSÃO A porção mais interna da córnea é formada por uma única camada de células conhecida como endotélio. Esta camada é composta por células poligonais, em sua maioria hexagonais, dispostas de maneira regular. Sua in- tegridade funcional é imprescindível para manutenção da deturgescência e transparência corneana. Em casos de dano endotelial incluindo o trauma cirúrgico, a hexagonalidade diminui e o tamanho celular aumenta 3 (Figura 1). Similarmente às células do tecido nervoso, as cé- lulas do endotélio corneano não sofrem mitose após o nascimento. No entanto, estas células têm uma extraor- dinária capacidade de aumentar seu tamanho e manter uma função normal apesar da redução de seu número, como é observado durante o crescimento corneano pós- natal, com o processo de envelhecimento natural e após cirurgias intra-oculares e trauma (3). Em pacientes sem história de doenças corneanas ou cirurgias oftalmológicas, Bourne relatou uma redução de 0,6% ao ano da densidade celular endotelial central (1). Além de ter uma densidade celular adequada para manter suas funções, o endotélio corneano necessita ser formado por células de tamanho e conformação relati- vamente uniformes. O aumento do tamanho das células é conhecido como polimegatismo; a redução do número de células hexagonais e concomitante aumento de célu- las com mais ou menos do que seis superfícies é conheci- da como pleomorfismo. Ambos são sinais indicativos de estresse endotelial. Um mínimo de 400 a 700 células/ mm2 é necessário para manter uma função corneana adequada 2 (Figura 2). Segundo Abib, ao longo da vida, algumas córneas perdem mais células por apoptose e esta perda se acen- tua à medida que as décadas de vida passam (3).A eleva- ção do desvio padrão da densidade endotelial, à medida que a idade aumenta, pode ser justificada por uma gama de padrões de comportamento de vida da célula endotelial: algumas córneas, com determinadas densi- dades endoteliais, dentro da mesma faixa etária, perdem mais células por apoptose; outras perdem menos, e entre estes dois extremos existem padrões intermediários de comportamento de perda endotelial. Crê-se serem estes padrões de comportamento durante a vida, determina- dos pelo código genético (3-4). Os efeitos das cirurgias oftalmológicas sobre a morfologia endotelial já foram amplamente documen- tados. Em humanos, a cirurgia ceratorefrativa pelo mé- todo LASIK, não apresentou efeitos significativos sobre a densidade celular endotelial ou a porcentagem de cé- Figura 1: Microscopia especular de um transplante de córnea por ceratocone demonstrando pleomorfismo e polimegatismo Figura 2: Transplante de córnea por ceratocone com 2 anos de pós- operatório Moro F, Antunes C, Moysés K, Engel É, Antunes VC, Cvintal T Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (5): 285-90 289 lulas hexagonais após três anos de acompanhamento (5). Nas facectomias, em pacientes submetidos à facoemulsificação, com implante de lente intra-ocular sem intercorrências, observou-se uma redução das células endoteliais centrais de 8,5% após um ano da cirurgia.6 Moller-Pedersen relata que pacientes submetidos à extração extracapsular de catarata, com ou sem im- plante de lente intra-ocular, apresentam um incremento na perda endotelial de 2,5% ao ano, observando-se uma perda ainda mais significativa naqueles submetidos ao transplante penetrante de córnea (7). As células endoteliais que sobrevivem após o trans- plante penetrante dependem diretamente da adequada preservação da córnea doadora e do grau de trauma sofri- do durante a cirurgia.Após a preservação e o subseqüen- te transplante, até o segundo mês de pós-operatório, a córnea doadora perde aproximadamente 10% das célu- las endoteliais. O trauma cirúrgico indiscutivelmente tor- nou-se menos importante com o uso de substâncias viscoelásticas ao prevenir o contato da íris com o endotélio.8 Matsuda et al. e Bourne et al. constataram que mesmo a partir do quinto ano de pós-operatório as célu- las não voltam ao normal, indicando que ainda há insta- bilidade endotelial. Entre cinco e 10 anos, transplantes não complicados perdem 5,7% de endotélio ao ano (6, 9) . Bourne et al. demonstraram uma perda endotelial de 7,8% ao ano entre o terceiro e quinto ano do transplante penetrante, treze vezes superior ao observado em córneas normais 1. Este estudo de 500 pacientes submetidos ao transplante penetrante, reavaliados através da microscopia especular aos dois meses, um, três e cinco anos de pós-operatório, sem episódios de rejeição, observou uma perda endotelial progressiva de 7,8% ao ano entre o terceiro e quinto ano do transplante, muito superior ao esperado de 0,5% ao ano em olhos não submetidos à cirurgia com córnea normal (10). A porcentagem de células hexago- nais não retoma aos valores pré-operatórios nos cinco anos após o transplante, sugerindo uma instabilidade endotelial continuada (9). No entanto, a explicação mais aceita para a perda endotelial acelerada e continuada no pós-operatório tar- dio seria de cunho imunológico. O enxerto é um tecido estranho ao organismo e as células alogênicas persistem. Porém, estudos não confirmaram a presença desta espé- cie de rejeição endotelial subclínica. A perda endotelial em córneas auto-enxertadas, que não podem sofrer ação imunológica de rejeição, foi semelhante ao observado nos aloenxertos. Estes achados sugerem que o processo imunológico não pode ser responsabilizado pelas perdas endoteliais aceleradas da maioria dos transplantes. A causa continua desconhecida (2). A cicatriz incisional do transplante parece funci- onar como uma fonte contínua de perda celular, onde a c