UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOTECNOLOGIA ANIMAL GLICEMIA E LACTATEMIA NA SÍNDROME CÓLICA DE EQUINOS KAMILA PINHEIRO PAIM Botucatu - SP Fevereiro, 2020 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOTECNOLOGIA ANIMAL GLICEMIA E LACTATEMIA NA SÍNDROME CÓLICA DE EQUINOS KAMILA PINHEIRO PAIM Dissertação apresentada junto ao programa de Pós-graduação em Biotecnologia Animal para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Marcos Jun Watanabe Co-orientadora: Dra. Juliana de Moura Alonso Botucatu - SP Fevereiro, 2020 Nome do Autor: Kamila Pinheiro Paim Título: Glicemia e Lactatemia na Síndrome Cólica de Equinos Comissão examinadora Prof. Dr. Marcos Jun Watanabe Presidente e Orientador Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária FMVZ – UNESP – Botucatu/SP Profa. Dra. Ana Liz Garcia Alves Membro Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária FMVZ – UNESP – Botucatu/SP Prof. Dr. Diego José Zanzarini Delfiol Membro Faculdade de Medicina Veterinária (FAMEV) Universidade Federal de Uberlândia – Uberlândia/MG Data da defesa: 17/02/2020 ii DEDICATÓRIA A minha família. iii Agradecimentos À Deus pelas oportunidades e pessoas que Ele coloca em minha vida. Ao meu orientador Marcos Jun Watanabe pelas conversas, ensinamentos e conhecimento compartilhado. À minha coorientadora Juliana de Moura Alonso pelos ensinamentos e amizade. Aos professores Dr. Carlos Alberto Hussni, Dra. Ana Liz Garcia Alves e Dr. Diego José Zanzarini Delfiol pelas contribuições no trabalho e na minha formação. À minha mãe Cláudia Alves Pinheiro pelo seu amor único me amparando em qualquer situação que eu esteja. Ao meu irmão Gabriel Pinheiro Paim por ser meu amigo e exemplo de determinação. Ao meu pai José Carlos Paim Ribeiro pelo cuidado e apoio. Aos meus avós Maria Rosalves e José Honório por todo amor e carinho que sempre me esperam e recebem. A toda minha família por entender meus momentos de ausência e torcerem pelo meu sucesso. Aos amigos de sempre e aos que conheci durante o mestrado que sorriram comigo, mas também me ampararam quando precisei. Aos professores da UFU por serem minha base de conhecimento da Medicina Veterinária. Aos professores da FMVZ – UNESP pelo exemplo e conhecimentos compartilhados. Aos funcionários técnicos da FMVZ, em especial à Clotilde Gonçalves de Oliveira por sua amizade e carinho. Aos colegas de pós-graduação pela convivência diária, auxílio e trocas de experiência. Aos animais pela sua pureza que me inspira a estudar e conhecer cada vez mais. A todos que colaboraram para realização desse trabalho. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. iv SUMÁRIO CAPÍTULO 1 .................................................................................................................... 1 1.INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA ........................................................................... 1 2. REVISÃO DE LITERATURA ..................................................................................... 2 2.1. Síndrome cólica ...................................................................................................... 2 2.2. Glicólise ................................................................................................................. 3 2.3. Métodos de coleta e análise de glicose e lactato .................................................... 4 2.4 Utilização clínica da glicemia e lactatemia ............................................................. 5 3. OBJETIVOS ................................................................................................................. 7 Referências ........................................................................................................................ 8 CAPÍTULO 2 .................................................................................................................. 12 Resumo ........................................................................................................................... 12 1. Introdução ................................................................................................................... 13 2. Materiais e Métodos .................................................................................................... 14 2.1. Critérios de inclusão e seleção dos casos ............................................................. 14 2.2. Coleta e análise das amostras ............................................................................... 15 2.3. Análise estatística ................................................................................................. 16 3. Resultados ................................................................................................................... 16 3.1. Dados descritivos ................................................................................................. 16 3.2. Avaliação de glicose e lactato .............................................................................. 17 4. Discussão .................................................................................................................... 21 5. Conclusão .................................................................................................................... 25 Referências ...................................................................................................................... 25 v PAIM, K.P. Glicemia e Lactatemia na Síndrome Cólica de Equinos. Botucatu, 2020. 36p. Dissertação (Mestrado em Biotecnologia Animal) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. RESUMO Parâmetros auxiliares vem sendo investigados para definição do prognóstico na síndrome cólica de equinos. Os objetivos foram avaliar a relação das concentrações sanguíneas e peritoneais da glicose e lactato na admissão com sobrevivência, tipo de tratamento (cirúrgico ou clínico) e tipo de lesão intestinal (isquêmica ou não isquêmica). Foram coletadas amostras de sangue e líquido peritoneal de 89 cavalos com cólica atendidos no Hospital Veterinário (HV) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da UNESP, Botucatu. As amostras foram armazenadas em microtubos e posteriormente avaliadas em analisador analítico de lactato e glicose eletroenzimático. A hiperglicemia foi observada em 41% dos cavalos com cólica desse estudo. A concentração de glicose sanguínea apresentou relação com tratamento cirúrgico (P=0,0003) e mortalidade (P=0,0372) e glicemia no líquido peritoneal foi maior nos animais encaminhados para cirurgia (P=0,0114). As concentrações de lactato sanguíneo e peritoneal apresentaram correlação forte (r=0,6879; P<0,0001) e foram relacionadas a lesões intestinais isquêmicas, mortalidade e tratamento cirúrgico. As concentrações de glicose e lactato sanguíneas apresentaram correlação forte (r= 0,5802; P< 0,0001), assim como as concentrações destes no líquido peritoneal (r=0,1959; P<0,0196). As concentrações de glicose no sangue e no líquido peritoneal também apresentaram correlação (r=0,7221; P<0,0001). A hiperglicemia foi associada a prognóstico de sobrevivência desfavorável e a indicação de tratamento cirúrgico. Os resultados deste estudo reforçam a aplicabilidade da lactatemia como indicador do prognóstico de sobrevivência, tratamento cirúrgico e presença de lesões intestinais isquêmicas. Palavras Chave: abdômen, bioquímica, glicose, lactato vi PAIM, K.P. Blood glucose and lactate in horses with colic. [Glicemia e lactatemia na Síndrome Cólica de Equinos] Botucatu, 2020. 36p. Dissertation (Master course of Animal Biotechnology) – Faculty of Veterinary Medicine and Animal Science, Botucatu, São Paulo State University “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. ABSTRACT Auxiliary parameters have been investigated to define the prognosis in equine colic. The objectives were to evaluate the relation of blood and peritoneal concentrations of glucose and lactate at admission with survival, type of treatment (surgical or clinical) and type of intestinal lesion (ischemic or nonischemic). Blood and peritoneal fluid samples were collected from 89 colic horses admitted at the Veterinary Hospital (HV) of the Faculty of Veterinary Medicine and Animal Science (FMVZ) at UNESP, Botucatu. The samples were stored in microtubes and later evaluated in an analytical electro lactate and enzyme glucose analyzer. Hyperglycemia was observed in 41% of colic horses in this study. Blood glucose concentration was related to surgical treatment (P = 0.0003) and mortality (P = 0.0372) and blood glucose in the peritoneal fluid was higher in animals referred for surgery (P = 0.0114). Blood and peritoneal lactate concentrations showed a strong correlation (r = 0.6879; P <0.0001) and were related to ischemic intestinal injuries, mortality and surgical treatment. Blood glucose and lactate concentrations showed a strong correlation (r = 0.5802; P <0.0001), as well as their concentrations in the peritoneal fluid (r = 0.1959; P <0.0196). Glucose concentrations in blood and peritoneal fluid also showed a correlation (r = 0.7221; P <0.0001). Hyperglycemia was associated with an unfavorable survival prognosis and indication for surgical treatment. The results of this study reinforce the applicability of lactatemia as an indicator of survival prognosis, surgical treatment and the presence of ischemic intestinal lesions. Keywords: abdomen, biochemical, glucose, lactate 1 CAPÍTULO 1 1.INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA Estudos recentes referentes à síndrome cólica buscam fornecer subsídios para decisão do tratamento clínico ou cirúrgico em equinos. Em função das possíveis complicações pós-operatórias, a celiotomia exploratória como tratamento deve ser cuidadosamente avaliada (FREEMAN, 2018). O exame físico é essencial para obtenção das informações necessárias e definição de suspeitas diagnósticas e tratamento (FEITOSA, 2014). Os principais fatores envolvidos na determinação do tratamento cirúrgico são o grau de dor apresentado, parâmetros circulatórios, achados de palpação transretal, exames de imagem, e/ou refratariedade às terapias clínicas (COOK; HASSEL, 2014). Considerando a possibilidade de uma lesão intestinal estrangulativa com consequente isquemia do segmento, o tempo no atendimento do paciente com síndrome cólica se torna fundamental (DI FILIPPO et al., 2010). Além do exame físico inicial, os exames laboratoriais auxiliam no direcionamento do tratamento (WESTERMAN et al., 2016). O eritrograma, leucograma e avaliação do líquido peritoneal são comumente utilizados para esse propósito (DI FILIPPO et al., 2010). A glicemia e a lactatemia têm sido estudadas na síndrome cólica como ferramentas auxiliares para direcionamento da suspeita clínica e definição do prognóstico e tratamento (ALLEN; HOLM, 2008; HASSEL; HILL; RORABECK, 2009). A sobrevivência em equinos com cólica foi relacionada em recentes estudos com glicemia instável durante a admissão e internamento. A hiperglicemia foi associada à mortalidade (HASSEL; HILL; RORABECK, 2009), necessidade de tratamento cirúrgico, presença de lesões intestinais isquêmicas e necessidade de ressecção e anastomose (HOLLIS; BOSTON; CORLEY, 2007). O lactato é um metabólito da glicólise anaeróbica, produzido na falta de oxigênio nos tecidos e tem sido estudado em cavalos atletas (WATANABE et al., 2006) e também na síndrome cólica (PELOSO; COHEN, 2012). Sua concentração sanguínea e no líquido peritoneal é correlacionada às lesões intestinais isquêmicas e diminuição das taxas de sobrevivência (LATSON et al., 2005). A hiperlactatemia é considerada um fator preditivo de lesões intestinais isquêmicas (PELOSO; COHEN, 2012) que podem 2 provocar morte celular com a falta de oxigênio podendo resultar em necrose se essa condição permanecer por um período suficiente (MATOS et al., 2000). Parâmetros auxiliares na determinação de diagnóstico, prognóstico e tratamento na síndrome cólica de equinos têm sido avaliados em pesquisas recentes com o intuito de aumentar a possibilidade de sobrevivência dos pacientes acometidos (LATSON et al., 2005; HOLLIS; BOSTON; CORLEY, 2007; TENNENT-BROWN, 2014). A mensuração do lactato já está consolidada como indicativa de prognóstico (BOOM et al., 2010), mas não quanto a sua correlação com as concentrações de glicose. A avaliação da glicemia em cavalos com cólica não está completamente elucidada, principalmente em relação ao seu papel como indicativa do tipo de tratamento e prognóstico de sobrevivência (HASSEL; HILL; RORABECK, 2009). A importância desse estudo se dá pela mensuração de glicose e lactato no sangue e no líquido peritoneal na admissão de equinos com cólica e na avaliação da correlação entre eles. 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. Síndrome cólica A domesticação dos cavalos provocou mudanças na quantidade de alimento ingerido e na sua digestão, aumentando assim as enfermidades do sistema digestório. Além disso, os equinos apresentam fatores predisponentes para o desenvolvimento de doenças do sistema gastrointestinal incluindo particularidades anatômicas e fisiológicas (THOMASSIAN, 2005). O atendimento emergencial de cavalos com cólica envolve uma análise detalhada do histórico, exame físico geral e específico do trato gastrointestinal, avaliação do líquido peritoneal, além da análise hematológica e exames de imagem como a ultrassonografia abdominal (COOK; HASSEL, 2014). As lesões intestinais podem ser divididas, quanto ao aporte sanguíneo, em isquêmicas ou não isquêmicas. As lesões intestinais isquêmicas incluem as condições estrangulantes que impedem o fluxo sanguíneo para a região intestinal acometida diminuindo a distribuição de oxigênio como, por exemplo, lipoma estrangulante, torção ou vôlvulo, encarceramento no forame epiplóico e hérnia diafragmática. A identificação do tipo de lesão intestinal é imprescindível para decisão do tratamento e prognóstico, 3 visto que lesões intestinais isquêmicas aumentam o risco de morte do animal (MAIR; DIVERS; DUCHARM, 2002). 2.2. Glicólise A glicose é adquirida pelos animais a partir da ingestão de carboidratos e pode ser obtida pela glicogenólise com a quebra da reserva de glicogênio (ANDERSEN et al, 2013). A concentração plasmática da glicose é regulada pelos hormônios insulina e glucagon. A insulina promove a absorção de glicose pela musculatura esquelética, tecido adiposo e fígado e o glucagon estimula produção de glicose pelo fígado (UNGER; EISENTRAUT, 1969; GIUGLIANO et al., 2008). Com a falta de oxigênio nos tecidos o piruvato é convertido em lactato e sua elevada concentração sanguínea é definida como hiperlactatemia (ZILVA, 1978). A produção do lactato ocorre nas células do tecido muscular e a metabolização no fígado e rins (GARCIA-ALVAREZ et al., 2014). A hipoperfusão tecidual é o principal fator desencadeante da elevação da lactatemia, mas existem outras causas como disfunção mitocondrial, estado hipermetabólico e enfermidades no fígado (ANDERSEN et al., 2013). O piruvato também pode gerar energia no ciclo do ácido cítrico, em que é convertido em ácido cítrico liberando gás carbônico, elétrons, íons H + e energia na forma de trifosfato de guanosina (GTP) (HARRIS, 2011). O lactato é considerado um metabólito intermediário na bioenergia celular e sua utilização clínica auxilia na indicação do prognóstico e no monitoramento clínico (BRODER; WEIL, 1964). Para manutenção dos níveis de glicose sanguínea em períodos de jejum o lactato é utilizado como substrato para o ciclo de Cori e geração de glicose durante a gliconeogênese (HARRIS, 2011). Em situações de jejum prolongado ocorre a ß- oxidação dos lipídeos para produção de energia (SNIDER; MCGARRY; HANSON, 2011). A hipóxia pode ocorrer em situações de choque, anemia grave, angústia respiratória e estado hipermetabólico ou ainda resultante do uso de drogas, efeito de toxinas, defeitos mitocondriais e sepse (ALLEN; HOLM, 2008). 4 2.3. Métodos de coleta e análise de glicose e lactato Para mensuração do lactato e glicose, as amostras devem ser coletadas em tubos inibidores da glicólise, como o fluoreto de sódio ou oxalato de potássio, visto que as hemácias, leucócitos e plaquetas podem consumir a glicose proporcionando alteração dos valores mensurados (TOFFALETTI et al., 1992; ASTLES et al., 1994). A determinação pode ser realizada a partir do sangue total, plasma ou soro (SKELTON et al., 1995). O método de referência e de maior confiabilidade para mensuração de lactato e glicose é o analisador YSI 2300 (YSI, Yellow Springs, OH) que mede, por meio de um eletrodo, a corrente gerada por reações formadas a partir da glicose e lactato. Consiste em um espectofotômetro que fornece resultados precisos tanto em sangue total como em plasma (PLANCHE et al., 2001; BALDARI et al., 2009; TEIXEIRA-NETO et al., 2011). A análise do lactato e glicose também podem ser realizadas em aparelhos de hemogasometria como o analisador Cobas b 221 system (Roche Diagnostics GmbH, Alemania), ABL800 FLEX (Radiometer Medical ApS, Dinamarca) e ADVIA 120 (Bayer Corporation, EE. UU.) (AMEIJEIRAS et al., 2010). Ou ainda pode ser utilizado o i-STAT (i-STAT Corporation, East Windsor, USA), um hemogasômetro portátil (GAULT; HARDING, 1996; SILVERMAN; BIRKS, 2002). Equipamentos portáteis são mais utilizados por sua praticidade e rapidez. O Accuchek Advantage® (Roche Diagnostics, Indianapolis, IN) é o aparelho mais conhecido e utilizado na medicina humana (CORDOVA et al., 2009) e em hospitais veterinários e grupos de pesquisa (FARIA et al., 2005). O Accutrend (Roche Diagnostics, Boehringer Mannheim, Mannheim, Germany) e Lactate Pro (KDK corporation, Shiga, Japan) também são muito utilizados (BALDARI et al., 2009). Estudos demonstram que os analisadores portáteis podem subestimar os valores de concentração de lactato sanguíneo (FRANCHINI et al, 2004), assim como acontece com os valores de glicose e recomendam a avaliação dos equipamentos portáteis antes de sua utilização na rotina a partir da avaliação de correlação com o equipamento de referência (HOLLIS et al., 2008). 5 2.4 Utilização clínica da glicemia e lactatemia Existem poucos estudos que avaliaram a glicemia em cavalos adultos, porém demonstram sua importância e necessidade de pesquisas. A hiperglicemia é comum nos casos de cólica e é associada a um prognóstico desfavorável, porém seu papel como marcador ainda não foi estabelecido. O monitoramento da concentração de glicose sanguínea em pacientes críticos e sua relação com os sinais clínicos é cada vez mais utilizado em equinos (HOLLIS; BOSTON; CORLEY, 2007). Em humanos a disglicemia, ou seja, variação da glicemia ao longo do tempo de internação é utilizada como indicativa de gravidade do caso e prognóstico de sobrevivência. Pacientes que apresentam hiperglicemia tem mais probabilidade de óbito (MAYNARD et al., 2017). Em um estudo avaliando 269 cavalos com cólica a elevação de 18 mg/dL da glicemia diminuiu em 24% a probabilidade de sobrevivência depois da alta e aumentou em 11% a probabilidade de indicação cirúrgica, 13,5% a probabilidade de ter uma lesão no intestino delgado e 12% a probabilidade de necessidade de ressecção. Assim, a hiperglicemia nas primeiras 48 horas de hospitalização foi associada com um pior prognóstico (HOLLIS; BOSTON; CORLEY, 2007). A dinâmica da insulina e glicose são complexas, variam conforme o estágio e gravidade da doença. Em equinos com Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS) a hiperinsulinemia não é associada com sobrevivência. Porém a concentração de insulina sérica é maior em sobreviventes (12,6 mIU/mL) do que em não sobreviventes (6,69 mIU/mL) (BERTIN et al., 2018). A insulinemia é correlacionada com a glicemia em cavalos com colite (URAYAMA et al., 2018). Doenças graves podem resultar em altas concentrações plasmáticas de catecolaminas e possui relação com altos valores de epinefrina plasmática e maior risco de morte, assim como aumento no cortisol, lactato e glicemia. Algumas variações na concentração de epinefrina plasmática em equinos sobreviventes podem ser explicadas pela influência de medicamentos que são frequentemente utilizados em animais com cólica (HINCHCLIFF et al., 2005). A administração de dexametasona intramuscular em equinos altera as concentrações de glicose e lactato sanguíneas. Devido ao frequente uso desse medicamento na cólica, sua utilização deve ser levada em consideração na interpretação 6 de lactatemia e glicemia antes da definição de um prognóstico ou tratamento (MIZEN et al., 2017). A hiperglicemia é um achado comum em equinos admitidos com cólica e está relacionada com intensidade da dor na admissão, taquicardia, mortalidade e encaminhamento para celiotomia. Ainda que não seja claro, a glicemia nesses casos pode ser utilizada como um dos exames complementares na formação do prognóstico auxiliando na tomada de decisão (HOLLIS; BOSTON; CORLEY, 2007). Em equinos, estudos relacionam os aumentos da concentração de lactato sanguíneo e peritoneal com prognóstico da cólica, taxas de mortalidade, lesões intestinais estrangulantes ou não e tempo de sobrevivência após alta hospitalar. A partir desses estudos a concentração de lactato tem sido considerada uma ferramenta de auxílio no diagnóstico, direcionamento da terapia e prognóstico (ROSENSTEIN; TENNET-BROWN; HUGHES, 2018). Equinos com cólica por lesões intestinais isquêmicas apresentam concentração de lactato média de 4,00 ± 4,63 mmol/L e 3,00 ± 3,62 mmol/L respectivamente no líquido peritoneal e plasma, enquanto equinos saudáveis possuem concentração de 0,60 ± 0,19 mmol/L e 0,90 ± 0.53 mmol/L respectivamente no líquido peritoneal e plasma. As mensurações do lactato plasmático e peritoneal nos cavalos submetidos à cirurgia e que necessitam de ressecção e anastomose são superiores naqueles com lesões estrangulativas (LATSON et al., 2005). A concentração de lactato no líquido peritoneal de 1 a 6 horas após a admissão é relacionada com lesões isquêmicas e com menor probabilidade de sobrevivência (PELOSO; COHEN, 2012). Macroscopicamente, quanto mais avermelhada a coloração do líquido peritoneal maior a concentração de lactato (BOOM et al., 2010). Mensurações seriadas do lactato apresentam maior sensibilidade para determinação do prognóstico de cavalos com cólica do que uma única avaliação (RADCLIFFE et al., 2012). Além de promover uma ampla análise da gravidade do caso, permite o direcionamento do tratamento baseado na sua evolução (TENNENT- BROWN, 2014). A hiperlactatemia é indicativa da gravidade de doenças em potros neonatos tanto em mensurações na admissão quanto seriadas durante a internação. O monitoramento desses pacientes auxilia na indicação do tratamento e na resposta do paciente ao mesmo (CASTAGNETTI et al., 2009). 7 A importância do tempo na decisão do tratamento de cavalos com cólica se dá principalmente pelo risco de desvitalização de alças intestinas. A hiperlactatemia está relacionada à desvitalização e viabilidade intestinal, à gravidade da hipoperfusão sistêmica e consequente disfunção orgânica (JOHNSTON et al., 2007). 3. OBJETIVOS O objetivo desse estudo foi avaliar as concentrações de glicose e lactato no sangue e no líquido peritoneal de equinos com cólica e suas relações com o tipo de tratamento (clínico ou cirúrgico), sobrevivência ou óbito e tipo de lesão intestinal (isquêmica ou não isquêmica). Além disso, avaliar a correlação entre as variáveis. 8 Referências ALLEN, S. E.; HOLM, J. L. Lactate : physiology and clinical utility. Journal of Veterinary Emergency and Critical Care. 18, 123–132. 2008. AMEIJEIRAS, F. J. H.; PONCE, B. G.; NORENA, B. R. 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E-mail address: marcos.jun@unesp.br Resumo A hiperglicemia em equinos com cólica é associada à prognóstico desfavorável de sobrevivência, porém suas causas não estão totalmente elucidadas e pesquisas na área são escassas. As concentrações de lactato no sangue e líquido peritoneal são utilizadas em casos de cólica como indicadoras da presença de lesões intestinais isquêmicas e prognóstico desfavorável. O objetivo deste estudo foi avaliar as concentrações de glicose e lactato sanguíneo e peritoneal na admissão de equinos com cólica e suas relações com o tipo de lesão intestinal, sobrevivência ou óbito e tipo de tratamento (clínico ou cirúrgico). Foram coletadas amostras de sangue e líquido peritoneal na admissão de 89 cavalos com cólica. As mensurações foram realizadas em analisador eletroenzimático de lactato e glicose. A hiperglicemia foi observada em 41,5% dos cavalos com cólica desse estudo. A glicemia sanguínea foi relacionada com tratamento cirúrgico (P=0,0003) e mortalidade (P=0,0473). A concentração de glicose no líquido peritoneal foi maior nos animais encaminhados para cirurgia (P=0,0132). As concentrações da glicose sanguíneas e peritoneais apresentaram correlação forte https://www.elsevier.com/journals/research-in-veterinary-science/0034-5288/guide-for-authors mailto:marcos.jun@unesp.br 13 (r=0,8280; P<0,0001). As concentrações de lactato sanguíneas e peritoneais também apresentaram correlação forte (r=0,8824; P<0,0001). As concentrações de lactato no líquido peritoneal foram relacionadas a lesões intestinais isquêmicas (P=0,0005), mortalidade (P<0,0001) e tratamento cirúrgico (P<0,0001). Assim como as concentrações no sangue foram maiores nos cavalos com lesões intestinais isquêmicas (P=0,0014), os que vieram a óbito (P<0,0001) e os submetidos ao tratamento cirúrgico (P=0,0040). As concentrações de glicose e lactato apresentaram correlação no sangue (r=0,4279; P<0,0001) e no líquido peritoneal (r=0,2504; P=0,0442). Os resultados desse estudo reforçam a aplicabilidade da lactatemia como indicador do prognóstico de sobrevivência e indicativo de lesões intestinais isquêmicas. A avaliação da glicemia em equinos com cólica foi associada a prognóstico desfavorável de sobrevivência e indicativa de tratamento cirúrgico. Palavras-chave: abdômen agudo; disglicemia; lactatemia; líquido peritoneal; parâmetros 1. Introdução Em unidades de atendimento intensivo, a avaliação de níveis glicêmicos durante a internação de pacientes críticos é rotineiramente utilizada. A hiperglicemia em humanos é associada a prognósticos desfavoráveis e mortalidade (Aramendi et al., 2017). Neste sentido, estudos recentes tem avaliado a utilização da glicemia na predição do prognóstico de sobrevivência em equinos encaminhados a centros de referência. A hiperglicemia foi diretamente relacionada com a mortalidade e prognóstico desfavorável em potros neonatos (Hug et al., 2013), cavalos com colite (Urayama et al., 2018) e cavalos com síndrome cólica (Hollis et al., 2007; Hassel et al., 2009). Apesar dos mecanismos da elevação da glicemia não estarem totalmente elucidados, causas descritas em recentes estudos como a liberação de cortisol após situações de estresse (Hinchcliff et al, 2005), administração de anti-inflamatórios esteroidais (Mizen et al, 2017), uso de alfa 2 agonistas (Ambrósio et al, 2012) e desenvolvimento de síndrome da resposta inflamatória sistêmica são consideradas em equinos com cólica (Tóth et al, 2008). 14 Concentrações sanguíneas e peritoneais elevadas de lactato são indicativas da presença de lesões intestinais estrangulativas em cavalos com cólica (Peloso e Cohen, 2012). É descrita a associação dessa condição com elevada mortalidade e prognóstico desfavorável (Boom et al., 2010). Existe ainda uma forte correlação entre as concentrações sanguíneas e peritoneais do lactato, e associação destas com sua coloração levando o clínico a considerar esse parâmetro durante o atendimento e decisão do tratamento (Latson et al., 2005). O aumento dos níveis de lactato ocorre em condições de hipóxia quando alças intestinais são acometidas por torção, estrangulamento, vôlvulo ou qualquer enfermidade com diminuição do fluxo sanguíneo. A produção de ácido lático aumenta no líquido peritoneal e por difusão eleva a concentração de lactato no sangue. Com a liberação de endotoxinas e hipovolemia ocorre falência circulatória sistêmica e hipoperfusão hepática, que também contribui para a hiperlactatemia (Moore et al, 1977; Parry et al, 1983). Portanto, a mensuração da concentração de lactato no sangue e no líquido peritoneal conjuntamente tem melhor valor prognóstico do que apenas uma das mensurações (Delesalle et al., 2007). O objetivo desse estudo foi avaliar as concentrações sanguíneas e peritoneais de glicose e lactato na admissão de equinos com cólica, bem como suas relações com o tipo de lesão intestinal (isquêmica ou não isquêmica), sobrevivência e tipo de tratamento (clínico ou cirúrgico). Além disso, avaliar a correlação entre as variáveis. 2. Materiais e Métodos 2.1. Critérios de inclusão e seleção dos casos O presente estudo foi realizado de acordo com os princípios de ética e bem-estar em experimentação animal e foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais - CEUA da instituição (protocolo 84/2016). Foram incluídos no estudo 89 equinos admitidos entre outubro de 2013 e dezembro de 2016 diagnosticados com síndrome cólica. A amostragem dos animais foi de conveniência devido à imprevisibilidade dos casos de cólica em equinos. 15 Os animais foram submetidos a protocolo de atendimento emergencial de cólica, onde foram registrados o histórico, avaliação física incluindo frequência cardíaca e respiratória, temperatura retal, coloração das mucosas, tempo de preenchimento capilar, avaliação da motilidade intestinal e palpação transretal. Os procedimentos emergenciais tais como sondagem nasogástrica, acesso venoso e tiflocentese foram realizados conforme a necessidade. De forma concomitante ao atendimento foi realizada ultrassonografia abdominal e foram coletadas amostras de sangue e líquido peritoneal para realização de hemograma, análise macroscópica, físico química e citológica do líquido peritoneal, bem como análise das concentrações sanguíneas e peritoneais de lactato e glicose. 2.2. Coleta e análise das amostras No momento da admissão, as amostras de sangue foram obtidas por venopunção jugular utilizando um sistema de vácuo (BD Vacutainer®), após antissepsia com solução de álcool e iodopolividona. Na linha média ventral do abdômen foi realizada tricotomia de uma região de aproximadamente 5 x 5 cm, antissepsia com solução de digliconato de clorexidina 2% degermante e clorexidina álcoolica 0,5% e coleta das amostras de líquido peritoneal através de agulha hipodérmica 40 x 12 mm. Para realização do hemograma utilizou-se tubos contendo ácido etilenodiamino- tetracético (EDTA). O líquido peritoneal foi coletado em tubos sem anticoagulante para avaliação macroscópica e físico química e em tubo contendo EDTA para análise citológica. Para avaliação da concentração da glicose e lactato no sangue e líquido peritoneal foram utilizados tubos contendo fluoreto de sódio com EDTA. Imediatamente após a coleta, as amostras de sangue com EDTA e líquido peritoneal sem anticoagulante foram encaminhadas ao laboratório para a realização das análises de rotina através dos métodos convencionais. As amostras de sangue e de líquido peritoneal com fluoreto de sódio foram imediatamente processadas, sendo centrifugadas a 3.600 rpm durante 10 minutos. Duas alíquotas de sobrenadante de cada amostra foram pipetadas em microtubos plásticos devidamente identificados, e congeladas a - 80°C até à análise. As concentrações de lactato e glicose das amostras de sangue e líquido peritoneal foram determinadas pelo método eletroenzimático em Analisador Analítico 16 de Lactato e Glicose (YSI 2300 STAT PLUS – YSI Life Sciences, EUA®). Foram considerados como hiperglicemia os valores ≥7,2705 mmol/L no sangue (Hollis et al., 2007) e > 6,3 mmol/L no líquido peritoneal (Romero et al, 2011) e hiperlactatemia ≥2 mmol/L no sangue e > 0,6 mmol/L no líquido peritoneal (Latson et al., 2005). Os dados relacionados ao diagnóstico, tipo de lesão intestinal (isquêmica ou não isquêmica), tipo de tratamento realizado (clínico ou cirúrgico), sobrevivência, idade, peso, sexo e raça foram armazenados em uma tabela para posterior análise. Os critérios para indicação cirúrgica foram: dor não responsiva ao tratamento; achados de palpação transretal; líquido peritoneal indicativo de lesão isquêmica e achados ultrassonográficos. 2.3. Análise estatística Realizou-se inicialmente a análise descritiva das variáveis e teste de normalidade Shapiro-Wilk. Posteriormente, os dados das concentrações plasmáticas e peritoneais de lactato e glicose foram avaliados pelo teste t em caso de distribuição paramétrica dos dados e pelo teste de Mann-Whitney ou teste t de Student em caso de distribuição não paramétrica. A avaliação das correlações entre as variáveis foi realizada a partir do teste de Spearman para dados não paramétricos. A análise estatística foi realizada através do software Graphpadprism 8.0® e os resultados foram considerados significativos quando o valor de P foi ≤ 0,05. 3. Resultados 3.1. Dados descritivos Dentre os 89 equinos incluídos no estudo, 48 (53,9%) eram fêmeas e 41 (46,1%) eram machos, com idades entre 1,5 meses e 28 anos (mediana = 6 anos), e com pesos entre 45 e 571 Kg (mediana = 407,5 Kg). A distribuição de raças nessa população foi de 44 (49,4%) Quartos de Milha, 15 (16,8%) sem raça definida, oito (8,9%) Mangalargas, dois (2,2%) Pôneis, três (3,3%) Puro Sangue Inglês, dois (2,2%) Brasileiros de Hipismo, dois (2,2%) Lusitanos, três (3,3%) Árabes e 10 (11,2%) cavalos de outras raças. 17 Do total de 89 casos, 55 (61,7%) foram tratados clinicamente e 34 (38,3%) cirurgicamente. De acordo com o desfecho de cada caso, 50 (56,2%) cavalos receberam alta, sendo considerados sobreviventes, 19 (21,3%) vieram a óbito e 19 (21,3%) foram submetidos à eutanásia devido ao prognóstico desfavorável, compondo 38 (42,6%) cavalos não sobreviventes. Um animal não possui registro do desfecho. De acordo com o diagnóstico, 73 animais apresentaram lesões não isquêmicas (82,1%) e 14 lesões isquêmicas (15,8%). Dois animais não possuem registros do tipo de lesão intestinal. As enfermidades que acometeram os equinos foram colite (3); compactação de ceco (2); compactação cólon maior (18); compactação cólon menor (4); compactação de cólon transverso (1); compactação de íleo (1); sobrecarga gástrica (8); deslocamento de cólon maior (4); ruptura de alças intestinais (8); encarceramento no forame epiploico (2); enterite (1); gastrite (8); ingestão de corpo estranho (1); intussuscepção jejuno- jejunal (1); lipoma estrangulante (2); peritonite (8); sablose (3); sem diagnóstico (5); torção de cólon menor (1); torção de cólon maior (3); torção de intestino delgado (3); aderências (1); verminose (1). 3.2. Avaliação de glicose e lactato As concentrações de glicose no sangue e no líquido peritoneal apresentaram correlação positiva (r= 0,8280, P<0,0001), assim como as concentrações de lactato sanguíneo e peritoneal (r= 0,8824, P<0,0001), glicose e lactato sanguíneos (r= 0,4279, P<0,0001) e glicose e lactato no líquido peritoneal (r= 0,2504, P=0,0442). As correlações estão apresentadas na Figura 1. Os resultados das análises estatísticas da relação das concentrações de lactato e glicose sanguíneas e peritoneais com sobrevivência, tipo de tratamento (clínico ou cirúrgico) e tipo de lesão intestinal (isquêmica ou não) estão apresentadas na Tabela 1. A avaliação da concentração de glicose sanguínea nos animais que foram a óbito foi realizada com o teste t simples considerando ≥7,2705 mmol/L o valor de referência. A definição do tratamento clínico ou cirúrgico foi realizada considerando a suspeita clínica do tipo de lesão intestinal do paciente. Os critérios definidos para eutanásia foram presença de lesões intestinais com impossibilidade de tratamento durante a cirurgia ou fatores financeiros dos proprietários dos animais. A distribuição dos casos de acordo com o tipo de tratamento (clínico ou 18 FIGURA 1. A- Correlação positiva entre concentrações de glicose no sangue e líquido peritoneal. B- Correlação positiva entre as concentrações de lactato e glicose no sangue. C- Correlação positiva entre as concentrações de lactato no sangue e líquido peritoneal. D- Correlação positiva entre as concentrações de lactato e glicose no líquido peritoneal. cirúrgico), o desfecho (óbito, eutanásia ou alta) e a relação destes com a ocorrência de hiperglicemia ou hiperlactatemia estão apresentados na Figura 2. A D C B 19 Glicose sanguínea (mmol/L) Glicose LP (mmol/L) Lactato sanguíneo (mmol/L) Lactato LP (mmol/L) Tratamento Clínico 6,69 ± 0,30 a 6,47 (0,09-12,60) a 1,95 (0,76-25,00) a 1,92 (0,77- 14,80) a Cirúrgico 10,36 ± 0,97 b**** 8,70 (0,11-30,80) b* 4,82 (1,06-27,00) b** 9,59 (1,26- 30,90) b**** Sobrevivência Sim 6,48 (4,38-17,50) 7,36 (0,22-19,00) 1,77 (0,76-13,30) a 1,90 (0,77- 12,90) a Não 7,43 (2,55-26,80) 7,21 (0,10-30,80) 6,85 (0,85-27,00) b**** 9,59 (0,98- 30,90) b**** Lesão isquêmica Sim 8,68 (3,02-26,80) 9,18 (0,11-23,90) 8,10 (1,06-25,00) a** 11,90 (3,04-30,90) a*** Não 6,54 (2,55-26,80) 7,28 (0,10-30,80) 2,165 (0,76-27,00) b 2,77 (0,77-19,20) b TABELA 1. Comparação da glicose sanguínea entre os tratamentos foram realizadas com testes paramétricos. Dados apresentados como média ± EPM. Comparação entre os tipos de lesão e sobrevivência foram realizados com dados não paramétricos, assim como a comparação da glicose LP, lactato sanguíneo e lactato LP entre os tratamentos. Dados apresentados como mediana e limites superior e inferior. *P<0,05; **0,01