Universidade Estadual Paulista �Júlio de Mesquita Filho� Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro Braquistócrona Ana Luísa Sader Tagliolatto Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação � Mestrado Pro�ssional em Mate- mática em Rede Nacional � PROFMAT como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre Orientadora Profa. Dra. Suzinei Aparecida Siqueira Marconato 2015 Tagliolatto, Ana Luísa Sader Braquistócrona / Ana Luísa Sader Tagliolatto. - Rio Claro, 2015 54 f. : il., figs. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Suzinei Aparecida Siqueira Marconato 1. Cálculo das variações. 2. Cicloide. 3. Proposta didática. 4. Cálculo variacional. I. Título. 517.4 T128b Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP TERMO DE APROVAÇÃO Ana Luísa Sader Tagliolatto Braquistócrona Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação Mestrado Pro�ssional em Matemática Universitária do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista �Júlio de Mesquita Filho�, pela seguinte banca examina- dora: Profa. Dra. Suzinei Aparecida Siqueira Marconato Orientadora Profa. Dra. Maria Aparecida Bená DCM - FFCLRP/USP Ribeirão Preto/SP Prof. Dr. Jair Silvério dos Santos DCM - FFCLRP/USP Ribeirão Preto/SP Rio Claro, 12 de agosto de 2015. À minha família Agradecimentos Ao meu esposo que sempre apoiou, incentivou e acompanhou nos estudos. À professora Suzinei Aparecida Siqueira Marconato pela competência e paciência durante a orientação deste trabalho. A todos os professores do Mestrado Pro�ssional em Matemática em Rede Nacional da UNESP de Rio Claro pela contribuição nesse processo de formação continuada de pro�ssionais que atuam na educação básica. Aos funcionários da secretaria de pós-graduação da UNESP de Rio Claro e da bi- blioteca do IMECC/UNICAMP pela atenção e empenho em ajudar prontamente. Ao colega André Luis Novaes pelo auxílio com o LATEX. À Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) por implementar o PROFMAT no Brasil, ao Departamento de Matemática da UNESP de Rio Claro pela apoio acadêmico e à Capes pelo apoio �nanceiro. Que aquele que consiga solucionar este problema conquiste o prêmio que prometemos. Este prêmio não é ouro nem prata [...] as honras, os elogios e os aplausos; [...] exaltaremos, pública e privadamente, por palavra e por carta, a perspicácia do nosso grande Apollo. Johann Bernoulli Resumo Neste trabalho são apresentados o famoso problema da braquistócrona e diferentes soluções através da teoria do cálculo variacional e através de conceitos da geometria e física, envolvendo situações com condições análogas às da braquistócrona. Uma proposta didática adequada a alunos do Ensino Médio que é adaptável a alunos do Ensino Fundamental foi também apresentada. Palavras-chave: Braquistócrona, Cicloide, Proposta didática. Abstract In this work it was presented the famous brachistochrone problem and the di�e- rent solutions through the theory of variational calculus and through the concepts of geometry and physics, involving situations with similar conditions to those of brachis- tochrone. Adequate didactic proposal to high school students which is also suitable for middle school students was presented. Keywords: Brachistochrone, Cycloid, Didatic proposal. Lista de Figuras 2.1 Curva isocrônica [1]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 2.2 Área delimitada por um arco de cicloide [1]. . . . . . . . . . . . . . . . 21 2.3 Curva gerada por pêndulo com arcos de cicloide como batentes [1]. . . . 22 2.4 Parametrização da cicloide [2]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.5 t = 2π 3 [2]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2.6 t = π [2]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2.7 t = 3π 2 [2]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2.8 t = 2π [2]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 2.9 Desenvolvimento da cicloide [2]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 3.1 Escolha do sistema de coordenadas para o problema da Braquistócrona. 25 3.2 Parâmetros no problema. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 3.3 Feixe de cicloides [3]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 3.4 Esquema para o fenômeno da refração de um raio de luz. . . . . . . . . 32 3.5 Meio óptico e a trajetória descrita por um raio de luz partindo de A e chegando em B [4]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 3.6 Fotogra�a que mostra a re�exão e a refração de um feixe de luz incidente em uma superfície de água horizontal [5]. . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 3.7 Uma representação de 3.6 [5]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 3.8 Ângulo que o caminho descrito pelo raio de luz e a vertical [4]. . . . . . 35 3.9 Possíveis trajetórias de um salva-vidas para socorrer uma vítima. . . . 37 4.1 Esboço de uma Pista Half Pipe [6]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 4.2 As curvas nos intervalos [0; 0, 8π] e [0, 8π+4; 1, 6π+4] representam arcos de uma cicloide (semiarcos) [6]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 4.3 Modelos de rampas de madeira [6]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 4.4 Curvas estudadas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 4.5 Momento inicial da queda [7]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 4.6 Momento intermediário da queda [7]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 4.7 Outro momento intermediário da queda [7]. . . . . . . . . . . . . . . . 44 4.8 Final da queda através da braquistócrona [7]. . . . . . . . . . . . . . . 44 4.9 Cicloide obtida no GeoGebra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 4.10 Cicloide obtida no GeoGebra através de suas equações paramétricas. . . 45 4.11 Simulação de experimento no GeoGebra através do comando Animar [8]. 46 4.12 Modelo experimental [9]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 A.1 Curva de�nida pela equação y = f(x). . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 Sumário 1 Introdução 17 2 O problema da braquistócrona 19 2.1 Um pouco da história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2.2 A parametrização da cicloide . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 3 Busca pela solução 25 3.1 A Braquistócrona e o cálculo variacional . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 3.2 A Braquistócrona e um problema de refração . . . . . . . . . . . . . . . 31 3.3 A Braquistócrona e um problema de salvamento na praia . . . . . . . . 37 4 Proposta didática 39 4.1 Abordagem através de aplicação: rampa de skate . . . . . . . . . . . . 39 4.2 Abordagem através do uso de ferramenta tecnológica: software GeoGebra 42 4.3 Abordagem experimental: construção de rampas . . . . . . . . . . . . . 46 5 Considerações �nais 49 Referências 51 A O comprimento s de uma curva C 53 1 Introdução Se perguntarmos a alguém qual é o caminho mais rápido entre dois pontos desni- velados, possivelmente responderá que é a reta ao imaginar que o caminho mais curto é sempre, também, o mais rápido. Observar que existe um caminho maior que, porém, torna o tempo de percurso menor pode causar estranheza. Apesar de se tratar de um problema antigo, do �nal do século XVII, e bem conhe- cido no meio acadêmico, a constatação experimental ainda surpreende pessoas que a veem pela primeira vez. O problema da Braquistócrona é uma questão mecânico-geométrica sobre a curva de descida mais rápida. A palavra braquistócrona deriva das palavras gregas Brachis- tos, que signi�ca menor, e Chronos, que signi�ca tempo. Consiste em determinar a curva que une dois pontos dados a diferentes distâncias na horizontal, e não na mesma linha vertical, pela qual uma partícula móvel, sob o seu próprio peso e começando o seu movimento no ponto superior, desce o mais rapidamente possível até ao ponto inferior. Este trabalho está organizado da seguinte maneira: no capítulo 2 é apresentado o problema da braquistócrona, um pouco da história de sua proposição, curiosidades sobre a curva que é solução do problema e sua parametrização; o capítulo 3 inclui dife- rentes soluções, a saber, através da teoria do cálculo variacional e através de conceitos da geometria e física, envolvendo situações com condições análogas às da braquistó- crona; por �m, o capítulo 4 traz uma proposta didática envolvendo este problema e é adequada a alunos do Ensino Médio. 17 2 O problema da braquistócrona 2.1 Um pouco da história O desa�o de encontrar a braquistócrona foi proposto em junho de 1696 por Johann Bernoulli (1667 � 1748) na revista Acta Eruditorum de Leipzig e apresenta-se traduzido do latim em [10]: Dados dois pontos A e B em um plano vertical, fazer corresponder a uma partícula móvel M a trajetória AMB pela qual a partícula, descendo sobre o seu próprio peso, passa do ponto A para o ponto B no espaço de tempo mais curto. [10] Convidou os matemáticos da época a resolverem e ainda a�rmou que embora o segmento AB fosse, de fato, o caminho mais curto entre os pontos A e B, no entanto, não seria esse o caminho percorrido no menor tempo. A�rma ainda que tal curva é bem conhecida dos geômetras e desta forma expõe que já tinha encontrado a solução. Posteriormente, em janeiro de 1697, Johann faz uma nova publicação (Groeningen) reescrevendo o problema da seguinte maneira: Determinar a curva que junta dois pontos dados, a diferentes distâncias na horizontal e não na mesma linha vertical, pela qual uma partícula móvel, sob o seu próprio peso, e começando o seu movimento no ponto superior, desce mais rapidamente até ao ponto inferior. [10] Além disso, prolonga o prazo para que as soluções fossem apresentadas, atendendo a um pedido de Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 � 1716), único a escrever-lhe a�r- mando ter resolvido o problema. Desta forma, a questão poderia ser tornada pública na França e Itália e, ainda, para aqueles que não tiveram acesso à Acta. Com relação ao mérito em resolver tal questão, Johann a�rma que: Di�cilmente há algo que mais grandiosamente estimule espíritos nobres e engenhosos para trabalhos que conduzam ao aumento do conhecimento 19 20 O problema da braquistócrona do que propor problemas simultaneamente difíceis e úteis, e que através da solução dos mesmos, e por nenhum outro modo, lhes permitam atingir a fama e construir para si próprios monumentos eternos para a posteridade; [...] oferecemos àquele homem de nobre sangue, um prêmio, composto por honras, elogios e aplausos; assim coroaremos, honraremos e exaltaremos, pública e privadamente, por carta e por palavra, a perspicácia do nosso grande Apollo. [10] O texto da segunda publicação de Bernoulli curiosamente cita Blaise Pascal (1623 � 1662), que foi um grande estudioso da cicloide, e Pierre de Fermat (1601 � 1665), que dá nome ao princípio do tempo mínimo1. Ainda deixa expresso que utiliza a hipótese de Galileu2 em sua solução e que desconsidera a fricção, logo "velocidades adquiridas por um corpo pesado em queda são proporcionais à raiz quadrada da altura percorrida em queda"[10]. Em maio de 1697, a Acta Eruditorum publicou quatro soluções cujos autores eram Leibniz, o próprio Johann Bernoulli, seu irmão mais velho Jacob Bernoulli (1654 � 1705) e uma resolução anônima cuja autoria foi reconhecida como sendo de Isaac New- ton (1643 � 1727). "O Leão se reconhece pelas marcas de suas garras!"é um comentário atribuído a Johann Bernoulli referindo-se a Newton, a propósito da solução anônima apresentada. Johann Bernoulli é considerado o primeiro a resolver a questão: mostrou que a solução é uma cicloide. A cicloide havia sido amplamente estudada anteriormente, inclusive por Galileu Galilei (1564 � 1643) e Christiaan Huygens (1629 � 1695). Este último encontrou apli- cação na construção de relógios utilizando o fato da curva ser isócrona (tautócrona), ou seja, fazer com que um corpo em condições ideais, sujeito apenas à ação da gravidade e restrito ao percurso da curva, atinja o ponto baixo após um intervalo de tempo que independa da altura da qual foi solto, conforme apresentado na �gura 2.1. 1O princípio de Fermat, ou princípio do tempo mínimo, enunciado em 1657, a�rma que a luz, ao propagar-se de um ponto para outro, escolhe o caminho para o qual o tempo de percurso é mínimo mesmo que, para tal, se tenha de desviar relativamente ao caminho mais curto. 2Hipótese de Galileu assume que um corpo em queda acelera uniformemente. Um pouco da história 21 Figura 2.1: Curva isocrônica [1]. A curva que responde o problema colocado é rica em propriedades curiosas e por gerar tantas controvérsias foi chamada "a Helena da geometria"ou "o pomo da dis- córdia". Algumas dessas propriedades que são encontradas e demonstradas em [1], páginas 161 � 182, estão listadas a seguir: • a área delimitada por um arco de cicloide e o eixo das abscissas é igual a três vezes a área do círculo que lhe dá origem (�gura 2.2); Figura 2.2: Área delimitada por um arco de cicloide [1]. • o comprimento de um arco de cicloide é quatro vezes o diâmetro do círculo rolante que a gerou; • se pendurar um pêndulo e colocar dois arcos de uma cicloide como batentes, este descreverá uma cicloide igual à que gerou os arcos (�gura 2.3); • quando o peso de um pêndulo move-se ao longo de uma cicloide, ainda que a amplitude de oscilação aumente ou diminua, o período do pêndulo continua sendo o mesmo, pois é uma curva isocrônica (ou tautocrônica), ou seja, o tempo gasto por um objeto para deslizar sem fricção, em gravidade uniforme, até seu ponto de mínimo é independente de seu ponto de partida (�gura 2.1); 22 O problema da braquistócrona Figura 2.3: Curva gerada por pêndulo com arcos de cicloide como batentes [1]. 2.2 A parametrização da cicloide Conforme apresentado em [2], sejam C um círculo de raio r, s uma reta e P um ponto de C. Denominamos cicloide a curva descrita pelo ponto P quando C rola sobre a reta s, sem deslizar. De�nição 2.1. Denominamos cicloide a curva de�nida por um ponto de uma circun- ferência que rola sem deslizar sobre uma reta. Uma cicloide iniciada na origem de um sistema de eixos, criado por uma circunferência de raio r, consiste nos pontos (x,y) tais que: { x = r(t− sen(t)) y = r(1− cos(t)) em que t é um parâmetro real. Vamos admitir que a reta s é o eixo OX, o círculo C inicia o movimento estando seu centro no ponto (0, r) e que o ponto P coincide com a origem do sistema de coor- denadas no início do movimento. Tracemos dois círculos: C1, representando C em sua posição inicial, e C2, represen- tando C após ter rolado alguns instantes. Sejam O1 e O2 os centros de C1 e C2, respectivamente; P = (x, y) o ponto da cicloide em C2; A o ponto em que C2 toca o eixo OX; Q = (x, 0) e T = (0, y) as projeções ortogonais de P sobre OX e OY , respectivamente; M e N as projeções ortogonais de P sobre O2O1 e O2A, respectivamente; t a medida do ângulo que O2P faz com O2A, no sentido positivo. A parametrização da cicloide 23 Figura 2.4: Parametrização da cicloide [2]. Note que o segmento OA tem o mesmo comprimento que o arco de A a P sobre o círculo C2, que consiste dos pontos de C que já �zeram contato com a reta s. Note ainda que sen(t) = |02M | r e que cos(t) = |02N | r relações facilmente observadas nos triângulos MPO2 e PO2N , respectivamente. Como t é a medida de ÂO2P , o comprimento do arco de C2 de A a P que já fez contato com s é rt. Logo, |AO| = rt. Assim, x = |OQ| = |OA| ± |QA| = |OA| ± |O2M | = rt± r| sen(t)| y = |OT | = |OO1| ± |TO1| = r ± |O2N | = rt± r| cos(t)| onde o sinal depende da posição de Q na semirreta −→ OA e da posição de T na semirreta −−→ OO1, que, por sua vez, variam com a medida t do ângulo ÂO2P . Analisando o sinal de sen(t) e cos(t) nos intervalos [ 0, π 2 ] , [π 2 , π ] , [ π, 3π 2 ] , [ 3π 2 , 2π ] , obtemos as seguintes equações paramétricas da cicloide:{ x = r(t− sen(t)) y = r − r cos(t) , t ∈ R 24 O problema da braquistócrona Veja como é feito o movimento na sequência de �guras 2.5, 2.6, 2.7, 2.8 e 2.9. Figura 2.5: t = 2π 3 [2]. Figura 2.6: t = π [2]. Figura 2.7: t = 3π 2 [2]. Figura 2.8: t = 2π [2]. Figura 2.9: Desenvolvimento da cicloide [2]. 3 Busca pela solução 3.1 A Braquistócrona e o cálculo variacional No contexto disputado do problema da Braquistócrona foi produzido material sig- ni�cativo para explorar uma nova área na matemática: o cálculo variacional. Esta teoria é utilizada na resolução apresentada nesta seção. Figura 3.1: Escolha do sistema de coordenadas para o problema da Braquistócrona. Segundo o princípio geral da conservação de energia, a energia total de um sistema isolado é sempre constante, ou seja, a energia mecânica Emec de um sistema no qual agem somente forças conservativas não se altera com o passar do tempo. Temos então que a soma das energias cinética K e potencial U é constante para qualquer intervalo de tempo. Sendo assim, dados quaisquer pontos A e B, Emec = KA + UA = KB + UB = constante. Consideremos, tal como apresentado em [11], que a partícula de massa m tem um 25 26 Busca pela solução deslocamento vertical y e v é o módulo da velocidade em um determinado instante. Note que o eixo Y foi orientado no sentido oposto ao usual. Tal escolha é conveniente, pois, nesse caso, a força exercida pela gravidade �ca orientada no sentido positivo. Além disso, o sistema de coordenadas foi escolhido de modo que o ponto inicial �que localizado na origem. Temos que a energia potencial gravitacional associada a um sistema partícula-Terra depende apenas da altura (posição vertical) da partícula em relação à posição de re- ferência, e não da posição horizontal. A variação da energia potencial não depende da escolha do ponto de referência, mas apenas da variação de altura. No ponto A, a esfera possui energia potencial dada por Ugravitacional = mgy e energia cinética nula, pois parte do repouso. Já no ponto B, a energia potencial é nula e a energia cinética é dada por mv2 2 . Dessa forma, podemos obter a velocidade de uma partícula em queda livre, a partir do repouso, a qualquer momento mgy = mv2 2 ⇒ v = √ 2gy Por outro lado, da de�nição de velocidade, v = ds dt ⇒ dt ds = 1 v ⇒ dt ds ds dx = 1 v ds dx Substituindo v por √ 2gy e ds dx por √ 1 + y′2 teremos a seguinte expressão para a derivada do tempo com relação ao deslocamento horizontal dt dx = 1√ 2gy √ 1 + y′2 O desenvolvimento da expressão para comprimento de uma curva é apresentado no apêndice. A Braquistócrona e o cálculo variacional 27 Assim, integrando com relação a x pode-se determinar o tempo total para se des- locar de A para B t = ∫ x1 0 √ 1 + y′2 2gy dx Portanto o tempo total gasto para tal deslocamento é t = 1√ 2g ∫ x1 0 √ 1 + y′2 y dx (3.1) Queremos encontrar y = f(x) tal que t seja mínimo. Ainda temos y(0) = 0 e y(x1) = y1, como condições de fronteira. A descrição matemática de sistemas relacionados a leis da física comumente envolve máximos e mínimos e existe um conjunto de ferramentas desenvolvidas com o objetivo de solucionar problemas desse tipo. O cálculo variacional é uma ferramenta utilizada para resolver problemas de otimização, em especial, o problema da Braquistócrona. A diferença entre os cálculos variacional e diferencial é a natureza dos respectivos objetos a serem maximizados ou minimizados: enquanto o cálculo diferencial procura números que tenham a propriedade de otimizar, o cálculo variacional procura funções com tal propriedade. O desenvolvimento da teoria do cálculo variacional utilizada a seguir encontra-se em [12], páginas 13-17, 21-22. Do cálculo variacional, supondo que exista uma função escalar y(x) de classe C1, satisfazendo as condições de fronteira y(x0) = y0 e y(x1) = y1, e que seja um extremo para o funcional v[y(x)] = ∫ x1 x0 F (x, y(x), y′(x)) dx onde F é uma função de classe C2, tem-se que tal função extremal deve satisfazer a equação diferencial de segunda ordem dada por Fy − d dx Fy′ = 0 (3.2) denominada Equação de Euler. Em particular, F depende somente de y e y′, logo é possível reduzir a equação de Euler à identidade F − y′Fy′ = C proposta por Eugenio Beltrami (1835 � 1900) em 1868 e que leva seu sobrenome. 28 Busca pela solução De fato, para veri�car a validade desta identidade, multiplicaremos a equação 3.2 por y′ y′ ∂F ∂y − y′ d dx ∂F ∂y′ = 0 (3.3) Por outro lado, a derivada total nos fornece a seguinte relação dF dx = ∂F ∂x + ∂F ∂y y′ + ∂F ∂y′ y′′ ou ainda, ∂F ∂y y′ = dF dx − ∂F ∂x − ∂F ∂y′ y′′ Como F não depende da variável x, então ∂F ∂x = 0. Substituindo a expressão acima em 3.3 dF dx − ∂F ∂y′ y′′ − y′ d dx ∂F ∂y′ = 0 (3.4) Como, pela regra do produto, d dx ( y′ ∂F ∂y′ ) = y′′ ∂F ∂y′ + y′ d dx ∂F ∂y′ , então y′ d dx ∂F ∂y′ = d dx ( y′ ∂F ∂y′ ) − y′′∂F ∂y′ Substituindo na equação 3.4, teremos dF dx − ∂F ∂y′ y′′ − d dx ( y′ ∂F ∂y′ ) + y′′ ∂F ∂y′ = 0 A expressão fornece d dx ( F − y′∂F ∂y′ ) = 0 que, por integração, resulta na Identidade de Beltrami: F − y′Fy′ = C (3.5) A Braquistócrona e o cálculo variacional 29 Vamos utilizar esta identidade na resolução do problema da braquistócrona. Seja F (y, y′) = √ 1+y′2 y , então Fy′ será dada por Fy′(y, y ′) = ∂ ( 1 √ y √ 1 + y′2 ) ∂y′ = 1 √ y d (√ 1 + y′2 ) dy′ para encontrar o resultado desejado fazemos u = 1 + y′2, logo du dy′ = 2y′. Assim, Fy′ = 1 √ y d √ u du du dy′ = 1 √ y 1 2 √ u 2y′ = y′√ y(1 + y′2) Segue que F − y′Fy′ = √ 1 + y′2 y − y′ · ( y′√ y(1 + y′2) ) = (√ 1 + y′2 )2 √ y(1 + y′2) − y′2√ y(1 + y′2) = 1 + y′2 − y′2√ y(1 + y′2) = 1√ y(1 + y′2) Ou seja, F−y′Fy′ é equivalente a 1√ y(1+y′2) , consequentemente temos pela identidade 3.5 1√ y(1 + y′2) = C que pode ser reescrita, de forma mais simples, como y(1 + y′2) = 1 C2 = k, com k > 0 (3.6) Assim, temos uma equação diferencial de primeira ordem não linear. Para resolvê- la, consideremos a substituição y′ (x(t)) = cotg(t) tendo em vista a identidade csc2(t) = 1 + cotg2(t). Temos y = k 1 + cotg2(t) = k csc2(t) = k sen2(t) (3.7) 30 Busca pela solução Derivando y com relação a t, utilizando a regra da cadeia, dy dt = k · 2 sen(t) cos(t) Como y′(x) = dy dx , então dx dy = 1 y′(x) , assim dx dt = dx dy dy dt = 1 cotg(t) · 2k sen(t) cos(t) = 2k sen2(t) Integrando dx dt = 2k sen2(t) obteremos uma expressão para x(t). Para tal integração utilizamos a identidade sen2(t) = 1 2 − 1 2 cos(2t) que pode ser facilmente veri�cada utilizando a relação de cosseno de arco duplo e a identidade trigonométrica fundamental x(t) = ∫ 2k sen2(t)dt = 2k ∫ [ 1 2 − 1 2 cos(2t) ] dt = kt− k sen(2t) 2 + k2 ou seja, x(t) = k 2 (2t− sen(2t)) + k2 Consequentemente, pela expressão 3.7, y(t) = k 2 (1− cos(2t)) Assim, fazendo 2t = θ e sendo k2 = 0, pois x(0) = 0, obtemos x = k 2 (θ − sen(θ)) (3.8) e y = k 2 (1− cos(θ)) (3.9) As equações 3.8 e 3.9 formam a solução de 3.6, na forma paramétrica, cujo grá�co é uma cicloide. A Braquistócrona e um problema de refração 31 Figura 3.2: Parâmetros no problema. Figura 3.3: Feixe de cicloides [3]. O grá�co contém o ponto A(0, 0), já que satisfaz o sistema. Podemos escolher a constante r de modo que a curva passe também pelo ponto B. O problema proposto considera condições ideais, porém há a possibilidade de torná- lo mais próximo da situação real: considerar o atrito. Há abordagem da braquistócrona com atrito em [4]. 3.2 A Braquistócrona e um problema de refração A resolução do problema da Braquistócrona apresentado na seção anterior tem como base a teoria do cálculo variacional, porém na época em que o problema foi proposto este ramo de pesquisa na matemática não era desenvolvido e foram apresentadas outras soluções. Em especial, a solução apresentada por Johann Bernoulli envolve princípios da física (óptica) e da matemática (geometria) e será apresentada nesta seção: utili- zando o princípio de Fermat para deduzir a lei de Snell que envolve condições análogas às da braquistócrona. 32 Busca pela solução Pelo princípio do tempo mínimo de Fermat, sabemos que a trajetória real percor- rida por um raio de luz de A para B é a que minimiza o tempo total de percurso. Sabemos também, pelo fenômeno da refração1, que se tivermos dois meios distintos a lei da refração de Snell nos fornece a relação senµ1 senµ2 = v1 v2 onde o ângulo de incidência é µ1, o ângulo de refração é µ2, ambos medidos com relação à normal, e v1 e v2 são as velocidades da luz nos meios 1 e 2, respectivamente. A luz tem uma velocidade, em geral, diferente conforme o meio em que se propaga. Considerando um raio de luz que vai de A a P com velocidade constante igual a v1 e segue de P a B com velocidade constante v2 temos na �gura 3.4 um esquema para o fenômeno da refração de um raio de luz. Figura 3.4: Esquema para o fenômeno da refração de um raio de luz. Ainda temos que v1 v2 = velocidade da luz no vácuo n1 velocidade da luz no vácuo n2 = n1 n2 = cte = K onde n1 e n2 são constantes adimensionais, denominadas índices de refração, que de- pendem do meio onde a luz está se propagando. A lei de Snell foi descoberta empiricamente pelo físico holandês Willebrord van Roijen Snell (1591-1626), em 1621, teve sua primeira prova matemática fornecida por 1Desvio da direção da luz ao atravessar a fronteira entre dois meios com diferentes velocidades A Braquistócrona e um problema de refração 33 Fermat e tem como base o princípio do tempo mínimo. De fato, considerando o Teorema de Pitágoras e que tempo gasto = espaço percorrido velocidade temos que o tempo gasto para o raio de luz ir de A até B é dado pela soma entre o tempo gasto de A a P e o tempo gasto de P a B. T (x) = √ a2 + x2 v1 + √ b2 + (c− x)2 v2 Assim, nosso problema está reduzido a calcular x que minimize T (x), logo tal ponto deve satisfazer T ′(x) = 0. T ′(x) = 1 v1 x√ a2 + x2 − 1 v2 c− x√ b2 + (c− x)2 = 0 ⇒ 1 v1 x√ a2 + x2 = 1 v2 c− x√ b2 + (c− x)2 (3.10) Observe a partir dos triângulos QAP e RPB, respectivamente, que x√ a2+x2 = sen(µ1) e que c−x√ b2+(c−x)2 = sen(µ2). Substituindo estas expressões na equação 3.10 chegamos a 1 v1 sen(µ1) = 1 v2 sen(µ2) ou seja, sen(µ1) sen(µ2) = v1 v2 que é a relação procurada. Imaginemos agora um meio óptico formado por lâminas l1, l2, · · · , ln horizontais e �nas tais que a velocidade da luz em cada lâmina é v1, v2, · · · , vn conforme mostra a �gura 3.5. Então, um raio de luz que parte de A e chega a B, seguirá uma trajetória de modo que sen(µj) vj = K Esse caminho percorrido pelo raio de luz é o que fornece tempo mínimo para ir de A a B com as velocidades indicadas. 34 Busca pela solução Figura 3.5: Meio óptico e a trajetória descrita por um raio de luz partindo de A e chegando em B [4]. Dizemos que um meio é menos refringente que outro quando seu índice de refração n é menor que o do outro, consequentemente a luz se propaga por ele com velocidade maior. No exemplo apresentado na �gura 3.5, o raio passa por meios cada vez menos refringentes, ou seja, onde a velocidade é maior. Figura 3.6: Fotogra�a que mostra a re- �exão e a refração de um feixe de luz in- cidente em uma superfície de água ho- rizontal [5]. Figura 3.7: Uma representação de 3.6 [5]. Quando temos um meio lj+1 menos refringente que o meio lj (nj+1 < nj), o raio refratado se afastará da normal à superfície no ponto de incidência. Isso signi�ca dizer que o ângulo de refração é maior do que o ângulo do raio incidente. De fato, como consequência da lei de Snell, nj+1 ·sen (µj) = nj ·sen(µj+1). Se nj+1 < nj temos que ter sen(µj+1) > sen(µj) para que a multiplicação do primeiro membro da A Braquistócrona e um problema de refração 35 lei de Snell seja igual à multiplicação do segundo membro. Sendo sen(µj+1) > sen(µj), temos que µ(j + 1) > µj. Isso signi�ca que o raio se afastará da normal. O princípio do tempo mínimo e a lei de Snell vêm ao encontro do problema da braquistócrona, porém encontramos uma di�culdade maior: a velocidade com que a partícula se desloca sobre a curva varia de acordo com a posição em que ela se encontra, enquanto no caso da refração do raio de luz a velocidade é constante em cada meio. Para transpor esta di�culdade faremos uso da noção de limite. Quando a partícula tiver descido uma altura h, sua velocidade será √ 2gh (Lei da queda livre). Então o caminho que fornecerá o tempo mínimo será a trajetória seguida por um raio de luz num meio tal que a velocidade da luz varie continuamente com a descida h e seja precisamente √ 2gh. Teremos sen(µj)√ 2gh = K (3.11) sendo µ o ângulo que tal caminho faz com a vertical, conforme �gura 3.8. Figura 3.8: Ângulo que o caminho descrito pelo raio de luz e a vertical [4]. Vamos, agora, veri�car que a cicloide satisfaz a condição 3.11. Conhecendo suas equações paramétricas obtemos dx dθ = r(1− cos(θ)) dy dθ = r sen(θ) Podemos relacionar µ e θ da seguinte maneira, 36 Busca pela solução tg(µ) = dx dy = dx dθ dθ dy = 1− cos(θ) sen(θ) = 1− ( cos2 ( θ 2 ) − sen2 ( θ 2 )) 2 sen ( θ 2 ) cos ( θ 2 ) = 1− cos2 ( θ 2 ) + sen2 ( θ 2 ) 2 sen ( θ 2 ) cos ( θ 2 ) = 1− ( 1− sen2 ( θ 2 )) + sen2 ( θ 2 ) 2 sen ( θ 2 ) cos ( θ 2 ) = − 2 sen2 ( θ 2 ) 2 sen ( θ 2 ) cos ( θ 2 ) = sen2 ( θ 2 ) cos2 ( θ 2 ) = tg ( θ 2 ) Assim, tg(µ) = tg ( θ 2 ) e, portanto, µ = θ 2 Por outro lado, utilizando a expressão para cosseno de arco duplo e a identidade trigonométrica fundamental, v = √ 2gy = √ 2gr(1− cos(θ)) = 2 √ gr sen ( θ 2 ) Assim, de fato, sen(µ) v = sen ( θ 2 ) 2 sen ( θ 2 ) √ gr = 1 2 √ gr = cte = K A Braquistócrona e um problema de salvamento na praia 37 onde K não depende de θ. Portanto, a cicloide tem a propriedade que procuramos e assim, ela é solução do problema da Braquistócrona, como já havíamos obtido na resolução variacional do problema. 3.3 A Braquistócrona e um problema de salvamento na praia Os conteúdos da física e da matemática que foram utilizados como base na sessão anterior constam tradicionalmente no programa previsto para o segundo ano do En- sino Médio o que torna a resolução compreensível a alunos a partir deste nível de ensino. O problema de salvamento na praia, exposto nesta seção, envolve condições análo- gas às do problema de refração e, consequentemente, às do problema da braquistócrona e pode auxiliar na compreensão da resposta ao problema que não é intuitiva a qualquer pessoa. Se perguntarmos a alguém qual é o caminho mais rápido entre dois pontos desni- velados, possivelmente responderá que é a reta ao imaginar que o caminho mais curto é sempre, também, o mais rápido. Se os dois pontos estiverem sob um campo uniforme, então a trajetória de menor tempo será retilínea, porém no problema da braquistócrona a partícula está sob a ação da gravidade, logo a velocidade varia conforme a altura. Figura 3.9: Possíveis trajetórias de um salva-vidas para socorrer uma vítima. Observe a �gura 3.9 e imagine que você é o salva-vidas da e precisa salvar a pessoa 38 Busca pela solução que está no mar no menor tempo possível. Qual trajetória seria escolhida para chegar o mais rápido possível até a vítima? Seguir a trajetória 1 até a vítima não é a melhor opção de caminho. Isso acontece porque na areia você tem uma velocidade maior do que na água. Assim, é melhor correr um pouco mais na areia, porque sua velocidade será maior e deixar para depois entrar na água, ou seja, é melhor seguir a trajetória 2. Com a luz acontece a mesma coisa: a luz propaga-se com velocidades diferentes em meios diferentes, conforme exposto na seção anterior. Ainda poderíamos imaginar que o salva-vidas está em um calçadão, onde sua ve- locidade seria ainda maior com relação à areia, portanto seria conveniente correr um pouco mais nele. Voltando ao problema da braquistócrona, como a velocidade com que a partícula se desloca sobre a curva varia de acordo com a posição em que ela se encontra, enquanto no caso da refração do raio de luz a velocidade é constante em cada meio, também faremos uso da noção de limite para transpor esta di�culdade. Essa situação também está representada na �gura 3.5. A analogia entre o problema da braquistócrona e o problema de salvamento na praia diminui a estranheza com relação ao fato de existir um caminho maior que, po- rém, torna o tempo de percurso menor. 4 Proposta didática Neste capítulo, é apresentada uma proposta didática relacionada ao problema da braquistócrona envolvendo diferentes abordagens: aplicação, uso de ferramenta tecno- lógica e experimentação. O objetivo desta proposta é contribuir com a prática pedagógica do professor, apre- sentando o conteúdo de forma contextualizada e relacionando a matemática e a física. O professor tem autonomia para optar pelas sugestões que julgar adequadas ao seu planejamento didático podendo também modi�cá-las ou ainda criar outras, sendo im- portante que as atividades estimulem a re�exão e a visão crítica dos alunos. O público alvo são alunos do segundo e terceiro anos do Ensino Médio. 4.1 Abordagem através de aplicação: rampa de skate Conforme apresentado em [6], nas competições de vertical, os skatistas são avaliados segundo critérios de criatividade e grau de di�culdade das manobras, que devem ser executadas em um intervalo de tempo pré-estabelecido. Dessa forma, quanto menos tempo o skatista gastar percorrendo a extensão da rampa de um lado para o outro, mais tempo lhe sobrará para executar as manobras que contam pontos. Sendo assim, é interessante encontrar uma curva, para que possa ser construída uma pista de skate, que possua o menor tempo de descida, fazendo com que o skatista tenha mais tempo para realizar mais manobras durante a competição. Poderíamos nos perguntar se a circunferência que compõe a lateral da rampa da �gura 4.1 é, de fato, a curva de tempo mínimo de descida. Uma situação semelhante seria perguntar: qual deve ser a forma do escorregador de um parque infantil para que o tempo de descida seja o menor possível? Descobrir qual é a curva que possui o tempo de descida mais curto é o mesmo que resolver o 39 40 Proposta didática problema da braquistócrona. Figura 4.1: Esboço de uma Pista Half Pipe [6]. Nesse contexto, pode ser introduzido o problema e um pouco de sua história, pre- sentes no capítulo 2. Quanto à solução, apesar do estudo do cálculo variacional, da sessão 3.1, não ser acessível aos alunos desta faixa, o professor pode relatar que a matemática oferece com rigor a resposta ao problema, a partir das condições dadas e chega à solução que era desconhecida. A relação entre a braquistócrona e um problema de salvamento, seção 3.3, pode au- xiliar na compreensão do fato de o caminho mais rápido entre dois pontos desnivelados não ser a reta apesar de ser o caminho mais curto. Em associação ao estudo de óp- tica, presente na disciplina de física, a relação entre a braquistócrona e um problema de refração, sessão 3.2, levará os alunos a concluirem que a cicloide é a resposta procurada. Voltando à rampa de skate da �gura 4.1, substituindo os arcos de circunferência por arcos de cicloide, teremos uma rampa ligando um ponto de altura 1,6 metros e outro a zero metro, que melhora a e�ciência para as competições de vertical. Equacionando a nova planta de rampa em um sistema de coordenadas, com θ (em radianos) no eixo das abscissas, temos a curva apresentada na �gura 4.2. Partindo de uma cicloide, podemos obter a curva de �gura 4.2 tendo em vista as seguintes transformações geométricas: Abordagem através de aplicação: rampa de skate 41 Figura 4.2: As curvas nos intervalos [0; 0, 8π] e [0, 8π + 4; 1, 6π + 4] representam arcos de uma cicloide (semiarcos) [6]. • adotando r = 0, 8, a equação paramétrica da cicloide será:{ x = 0, 8(θ − sen(θ)) y = 0, 8(1− cos(θ)) • fazendo uma re�exão dessa curva pelo eixo das abscissas, obtemos uma nova curva de equação: { x = 0, 8(θ − sen(θ)) y = −0, 8(1− cos(θ)) • transladando a nova curva 1.6 unidades para cima, obtemos uma curva de equa- ção: { x = 0, 8(θ − sen(θ)) y = 1, 6− 0, 8(1− cos(θ)) • pelo eixo vertical de simetria da nova curva, translada-se apenas o semiarco do lado direito 4 unidades para a direita:{ x = 4 + 0, 8(θ − sen(θ)) y = 1, 6− 0, 8(1− cos(θ)) Em resumo, a rampa indicada na �gura 4.2 é modelada da seguinte maneira: θ ∈ [0; 0, 8π]⇒ { x = 0, 8(θ − sen(θ)) y = 1, 6− 0, 8(1− cos(θ)) θ ∈ [0, 8π; 0, 8π + 4]⇒ y = 0 θ ∈ [0, 8π + 4; 6π + 4]⇒ { x = 4 + 0, 8(θ − sen(θ)) y = 1, 6− 0, 8(1− cos(θ)) 42 Proposta didática 4.2 Abordagem através do uso de ferramenta tecno- lógica: software GeoGebra Tendo modelado o problema da rampa de skate através de equações, pode ser utili- zado um programa de computador para construir o grá�co da curva e, com isso, gerar uma planta para a construção de modelos experimentais. Utilizando o GeoGebra, podem ser descritas curvas no formato de circunferência, reta, parábola e cicloide para a construção de rampas, em modelos de madeira (Figura 4.3), que permitam a investigação experimental da braquistócrona na cicloide. Figura 4.3: Modelos de rampas de madeira [6]. A proposta é modelar rampas de altura 2 unidades, com 0 6 x 6 π, em um sistema de coordenadas, com as seguintes características: • Cicloide: gerada pela circunferência de raio 1, com máximo em (0, 2) e mínimo em (π, 0), logo x = θ − sen(θ) e y = 2− (1− cos(θ)) • Reta: passando pelos pontos (0, 2) e (π, 0), ou seja, 2x+ πy − 2π = 0 • Parábola: com vértice em (π, 0) e passando por (0, 2), portanto y = 2 π2 x2 − 4 π x+ 2 Abordagem através do uso de ferramenta tecnológica: software GeoGebra 43 • Circunferência: com centro C = (π, y0) e passando pelos pontos P = (π, 0) e Q = (0, 2), assim (x− π)2 + [ y − ( π2 + 4 4 )]2 = ( π2 + 4 4 )2 O grá�co das curvas apresentadas aumenta a curiosidade por uma veri�cação ex- perimental de que a cicloide seja a curva do tempo mínimo, já que é a curva de maior comprimento entre as quatro comparadas, conforme �gura 4.4. Figura 4.4: Curvas estudadas. Nas �guras 4.5, 4.6, 4.7 e 4.8 é apresentada uma sequência que mostra a simulação da descida de uma bola. Nela podemos observar que a cicloide é uma curva que tem tempo mínimo de descida em relação às outras curvas dadas e é interessante destacar que a reta, apesar de ser a curva de menor comprimento, é a de maior tempo de descida. Pode ser proposto aos alunos, tal como apresentado em [8], traçar a cicloide par- tindo do fato de ser obtida pelo movimento de um ponto P sobre uma circunferência de centro C e raio r quando esta gira sobre uma reta sem escorregar. Inicia-se o traçado com a criação de dois controles deslizantes: o primeiro será chamado de r, destinado à medida do raio da circunferência geradora variando no intervalo [0, 4] e o segundo denominado a variando no intervalo [0, 4πr] sendo que o valor 4πr corresponde a duas vezes o comprimento da circunferência geradora. 44 Proposta didática Figura 4.5: Momento inicial da queda [7]. Figura 4.6: Momento intermediário da queda [7]. Figura 4.7: Outro momento interme- diário da queda [7]. Figura 4.8: Final da queda através da braquistócrona [7]. A partir desses parâmetros criados, constrói-se uma circunferência de centro C = (a, r) e raio r. Constrói-se também o ponto A de coordenadas (a, 0). Para obter a cicloide, devemos considerar que à medida que a circunferência gira sobre o eixo Ox, um ponto P sobre a circunferência descreve uma curva. Para vi- sualizar tal situação, no GeoGebra utiliza-se o comando Ângulo com Amplitude Fixa (seleciona-se o ponto A, o ponto C como vértice, a amplitude dada por a/r e habilita-se a opção sentido horário). Assim é gerado o ponto P : bastará ativar a opção habilitar rastro e movimentar o seletor a para obter a cicloide conforme a �gura 4.9. Já para traçar a cicloide através de suas equações paramétricas, pode-se criar um controle deslizante denominado r para o raio da circunferência geradora. Inserindo-se Abordagem através do uso de ferramenta tecnológica: software GeoGebra 45 Figura 4.9: Cicloide obtida no GeoGebra. no campo de entrada p(t) = r(t− sent) e q(t) = r(1− cost) e utilizando-se o comando Curva[p(t), q(t), t, 0, 4π] teremos a cicloide apresentada na �gura 4.10. Figura 4.10: Cicloide obtida no GeoGebra através de suas equações paramétricas. O GeoGebra ainda permite uma simulação da queda de uma esfera por diferentes curvas, ambas com mesmo desnível de altura e com mesmo ponto inicial e �nal, através do comando Animar. 46 Proposta didática Figura 4.11: Simulação de experimento no GeoGebra através do comando Animar [8]. 4.3 Abordagem experimental: construção de rampas A construção de diferentes rampas pode ser proposta com a intenção de veri�car experimentalmente o modelo teórico e as curvas modeladas na seção anterior podem ser plotadas para servir de base para tais construções. Uma pista cuja primeira metade segue o formato de uma cicloide e a segunda me- tade em formato reto é apresentada em [9]. Foi construída a partir de duas chapas de madeira do tipo compensado de 50cm x 20cm x 10mm coladas de modo a aumentar a espessura, cortadas utilizando uma serra tico tico de bancada e �xadas em uma base. As curvas estão dispostas dessa forma para permitir a comparação entre os resultados de tempo nas duas partes da pista sem a necessidade de um cronômetro já que duas bolinhas podem ser soltas simultaneamente, de uma mesma altura, nas diferentes pistas (�gura 4.12). Este experimento con�rma que o tempo de descida através da cicloide é menor do que o tempo de descida pela reta. O modelos experimentais podem ser construídos separadamente conforme �gura 4.3. Abordagem experimental: construção de rampas 47 Figura 4.12: Modelo experimental [9]. 5 Considerações �nais A ciência, em geral, envolve um trabalho de exploração dos muitos enigmas que a natureza apresenta. Algumas vezes estes enigmas são bem concretos e próximos como no caso da curva de descida mais rápida. Este trabalho apresentou o contexto histórico ligado à proposição do problema da braquistócrona bem como o desenvolvimento de soluções. A resolução de Jakob Ber- noulli constituiu o princípio de um novo ramo da matemática, o cálculo variacional, e rati�ca a ideia de que questões, em matemática, podem dar lugar a desenvolvimentos de dimensão imprevisível. Já a resolução de Johann Bernoulli, seu irmão, foi notável por estar fundamentada em conceitos da física (óptica). Uma proposta didática, praticável no Ensino Médio, foi apresentada visando a um estudo interdisciplinar do problema e contempla diferentes abordagens. A abordagem através de experimento, com a possibilidade de aplicação, foi exibida como atrativo para o estudo do objeto matemático, podendo também incluir o uso de um recurso computacional no ensino e aprendizagem da matemática. O software GeoGebra além de estabelecer-se como um recurso computacional auxi- liar no ensino e aprendizagem, permite exploração e interação de modo dinâmico, além de auxiliar na validação das hipóteses formuladas. 49 Referências [1] GUSMÁN, M. d. Aventuras Matemáticas. 2. ed. Lisboa: Gradiva, 1990. [2] PROFMAT - Notas de aula - Geometria analítica. 2012. [3] ELSGOLTZ, L. Ecuaciones diferenciales y cálculo variacional. 1. ed. Moscou: Mir, 1969. [4] LIMA, G. Cálculo Variacional: Problemas clássicos, aspectos teóricos e desdobra- mentos. Tese (Doutorado) � Unicamp, 2004. [5] HALLIDAY, D.; RESNIK, R.; WALKER, J. Fundamentos de Física - Ótica. - volume 4. 8. Rio de Janeiro: LTC, 2008. [6] MELLO, J. L. P. A rampa de skate de tempo mínimo. Revista do professor de matemática (RPM), v. 59, p. 9�15, 2006. [7] MARQUES, D. A.; OLIVEIRA, R. H. A. de; JAFELICE, R. S. M. Modelagem matemática das pistas de skate. FAMAT em revista, v. 10, p. 253�270, 2008. [8] GRANDE, A. L. O estudo da cicloide utilizando o software Geogebra. XIV Confe- rência Interamericana de Educação Matemática. Tuxtla Gutiérrez, Chiapas, México, 2015. [9] CAETANO, W. L. Queda em curvas de menor tempo e tempo independente da altura - Braquistócrona e Tautócrona. Unicamp, 2008. [10] SMITH, D. E. A source book in mathematics. - volume 2. 1. New York: Dover publications, Inc, 1959. [11] ZANI, S. L. O problema da Braquistócrona. ICMC - USP, 2000. [12] JÚNIOR, J. R. S. O Cálculo Variacional e o Problema da Braquistócrona. UNESP � Rio Claro. 2010. 51 A O comprimento s de uma curva C Figura A.1: Curva de�nida pela equação y = f(x). Consideremos a linha poligonal determinada pelos pontos Pi, i = 0, . . . , n e uma partição do intervalo [a, b]: P = {a = x0, x1, x2, x3, . . . , b = xn} Assim, o comprimento é dado por s = lim n→∞ n∑ i=1 |Pi−1Pi| onde |Pi−1Pi| = √ ∆x2i + ∆y2i = √ (xi − xi−1)2 + (f(xi)− f(xi−1)) 2. Colocaremos (xi − xi−1)2 em evidência com a intenção de utilizar o teorema do valor médio Seja f derivável em (a, b) e contínua em [a, b], então existe c ∈ (a, b) tal que f ′(c) = f(b)−f(a) b−a : √ (xi − xi−1)2 (f ′(x̄i)) 2 = ∆xi √ (f ′(x̄i)) 2. 53 54 O comprimento s de uma curva C Desta maneira, s = lim n→∞ n∑ i=1 ∆xi √ (f ′(x̄i)) 2 = ∫ b a √ (f ′(x̄i)) 2dx. ∑n i=1 ∆xi √ (f ′(x̄i)) 2 é a soma de Riemann para a função g(x) = √ (f ′(x̄i)) 2 relativa à partição P do intervalo [a, b]. Consequentemente, ds dx = √ 1 + y′2.