UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CAMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO FINAL DO ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO À AGRINDUS S/A – FAZENDA SANTA RITA Assunto de interesse: Plano APPCC do fluxograma de processamento do leite integral A2 Tipo A. Jhessye Rafaela Batista Lemes Orientador: Prof. Dr. Estevam G. Lux Hoppe Relatório do Estágio Curricular em Prática Veterinária apresentado à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Campus de Jaboticabal, Unesp, para graduação em Medicina Veterinária JABOTICABAL – SP 1° semestre/2023 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CAMPUS DE JABOTICABAL Jhessye Rafaela Batista Lemes Orientador: Prof. Dr. Estevam G. Lux Hoppe Supervisora: Isabella Strozzi JABOTICABAL – S.P. 1° SEMESTRE DE 2023 RELATÓRIO FINAL DO ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO À AGRINDUS S/A – FAZENDA SANTA RITA EM DESCALVADO, SÃO PAULO. Caso (ou Assunto) de interesse: Plano APPCC do fluxograma de processamento do leite integral A2 Tipo A. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. L552r Lemes, Jhessye Rafaela Batista Relatório final do estágio curricular obrigatório do curso de Medicina Veterinária, realizado junto à Agrindus S/A – Fazenda Santa Rita. : Assunto de interesse: Plano APPCC do fluxograma de processamento do leite integral A2 Tipo A. / Jhessye Rafaela Batista Lemes. -- Jaboticabal, 2023 Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Medicina Veterinária) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal Orientador: Estevam Guilherme Lux Hoppe 1. Qualidade do Leite. 2. APPCC. 3. Leite A2. 4. Leite Tipo A. I. Título. AGRADECIMENTO Agradeço, primeiramente a Deus, por me conceder vida, saúde e força para a realização desse sonho. Aos meus pais, Dikxon e Dalita, meus irmãos Jhonatan, Joice e Nicole, meus avós Adejar, Shirley e Amabile e meus cunhados Daniel e Stelliny, por me apoiarem durante todo o curso e se alegrarem com minhas conquistas. Vocês são minha base e exemplo em todas as esferas da minha vida. Ao meu sobrinho Luiz Francisco, por enquanto o único, nascido na pandemia, que me deu o tão ansiado título de “tia” e me trouxe de volta o ânimo da vida com sua doçura e simpatia, e que com sua simplicidade me tornou uma pessoa melhor á todos quantos vierem após ele. Devo a cada um de vocês a pessoa que me tornei hoje. À toda minha família e amigos próximos que sempre acreditaram em mim e de alguma forma se fizeram presentes em minha jornada. Ao meu companheiro de vida, Juninho, a quem devo boa parte dessa formação. Obrigada por acreditar na minha capacidade quando eu mesma não acreditei. Obrigada por ser meu melhor amigo e confidente, por fazer questão de estar sempre presente em todos os detalhes da minha vida, não me deixando desistir e me oferecendo tão grande amor e cuidado. À minha turma “vet17” e todos os agregados que passaram por ela, por todos os bons momentos vividos dentro e fora da sala de aula. Especialmente às minhas amigas e colegas de apartamento Laís, Alline e Thaís, por fazerem minha faculdade mais leve. Aos grupos que com honra participei, LASP e JABUnesp Recicla, onde adquiri grande bagagem de experiências e pude conhecer pessoas extraordinárias. À minha supervisora de estágio, Isabella, gerente de qualidade do laticínio Letti que me concedeu a oportunidade fazer parte da empresa, não mediu esforços pra me ajudar em todos os momentos e estar sempre pronta a me ensinar. Às companheiras de laboratório e todos da linha de produção por toda troca diária, tanto de aprendizado quanto de assuntos cotidianos, lembrarei de todos com carinho e de todas boas risadas que demos durante esse período. Aos meu animais de estimação Toddy, Paçoca e Nutella por serem minha motivação diária para exercer minha profissão. E, especialmente à Lilly, minha gatinha SRD com quem partilhei 18 anos da minha vida, recebi o mais puro amor e hoje já não habita mais em nosso meio. Ela, junto ao grande respeito que nutro pelos animais, foram minha maior inspiração na escolha da minha carreira. E aos que ainda cruzarão meu caminho, serão bem-vindos, amados e cuidados. Sempre farei o meu melhor por vocês. Por fim, agradeço ao meu orientador prof Dr. Estevam G. Lux Hoppe, por quem tenho grande admiração, por toda atenção e ajuda durante a elaboração desse trabalho. iv Sumário Lista de Figuras ...................................................................................................................................... vi Lista de Tabelas ..................................................................................................................................... viii I. Relatório de estágio ................................................................................................................... 9 1. Introdução ......................................................................................................................... 9 2. Descrição do local de estágio .......................................................................................... 9 3. Descrição das atividades desenvolvidas ....................................................................... 13 3.1. Composição do leite ................................................................................................. 13 3.2. Controle de qualidade ................................................................................................ 14 3.2.1. Análises realizadas no leite cru .......................................................................... 15 Teste do alizarol ................................................................................................ 15 Determinação de cloretos ................................................................................. 16 Determinação de adulteração por acréscimo de água oxigenada .................. 16 Pesquisa de Cloro e Hipoclorito ........................................................................ 16 Teste de bicarbonatos e alcalinos .................................................................... 17 Teste do Hidróxido de sódio ............................................................................. 17 Presença de sangue ......................................................................................... 18 Análise de antibióticos....................................................................................... 18 Ph ..................................................................................................................... 18 Gordura ............................................................................................................. 19 Acidez ................................................................................................................ 20 Índice Crioscópico ............................................................................................. 21 Teste enzimático: fosfatase alcalina ................................................................. 21 Densidade relativa ............................................................................................ 22 Extrato seco total (EST) e extrato seco desengordurado (ESD) ..................... 23 Microbiologia ..................................................................................................... 23 3.2.1.1 Liberação de Carretas .......................................................................... 25 3.2.2 Teste enzimático realizado no leite pasteurizado: Peroxidase ........................... 25 3.2.3 Análises realizadas nos subprodutos lácteos ..................................................... 26 Determinação da viscosidade do Iogurte ........................................................ 26 Microbiologia .................................................................................................... 26 Vida de Prateleira .............................................................................................. 28 3.2.4 Liberação de produtos de programação diária .................................................. 29 3.2.5 Análise e liberação do leite de vacas da ordenha e maternidade ..................... 29 v 4. Discussão das atividades desenvolvidas ............................................................................. 31 5. Considerações finais ........................................................................................................... 32 6. Referências ........................................................................................................................... 32 II. Assunto de interesse (Plano APPCC do fluxograma de processamento do Leite Integral A2 Tipo A ................................................................................................................................ 36 1. Introdução e fundamentação teórica .................................................................................. 36 2. Relato do caso de interesse ............................................................................................... 37 3. Discussão ............................................................................................................................. 39 4. Considerações finais ............................................................................................................ 41 5. Referências .......................................................................................................................... 42 vi LISTA DE FIGURAS Figura 1. Portfólio atual dos produtos Letti e Agrindus, junto a suas siglas e prazos de validade .................................................................... 10 Figura 2. Testes realizados no leite cru. (A) Teste de cloretos; (B) Teste do Alizarol; (C) Teste da água oxigenada; (D) Teste de hidróxido de sódio; (E) Teste de bicarbonatos e alcalinos; (F) Teste de cloro e hipocloritos… ........................................................................................... 16 Figura 3. Tiras de teste para verificação da presença de fosfatase alcalina ........................................................................................................ 21 Figura 4. Termolactodensimetro imerso em 250 ml de amostra, aguardando 15°C para leitura ................................................................ 22 Figura 5. Desinfecção antes da coleta de amostra para a microbiologia ............................................................................................. 23 Figura 6. Teste qualitativo da peroxidase............................................. 24 Figura 7. Placas Peel Plate® Charm antes do plaqueamento das amostras ......................................................................................... 26 Figura 8. Placa de coliformes com contagem além do limite estabelecido, à esquerda e à direita, placa de CBT com contagem acima do limite estabelecido ........................................................... 27 Figura 9. Diferentes produtos Letti com seus respectivos vencimentos e análises realizadas durante a vida de prateleira ............................... 27 Figura 10. Teste de gentamicina positivo à esquerda e negativo à direita........................................................................................................... 29 Figura 11. Testes Delvotest. Escala de cores do positivo ao negativo, da direita para a esquerda ....................................................................... 30 vii Figura 12. Processo de controle do PC 1 (Q)…................................. 39 Figura 13. Processo de controle do PCC 1 (Q1), PC 2 (B) e PC 3 (Q2)… ......................................................................................................... 39 Figura 14. Processo de controle do PCC 2 (B)… ............................... 40 viii Lista de quadros Quadro 1. Valores de pH para alguns produtos lácteos… ................ 19 Quadro 2. Teores de gordura de diferentes produtos lácteos… ....... 20 Quadro 3. Valores aceitos para acidez de alguns produtos lácteos. 21 Quadro 4. Placas feitas para liberação de diferentes produtos da Letti ........................................................................................................ 26 Quadro 5. Limites máximos de CBT…………………………………27 Quadro 6. Análises necessárias para liberação de produtos… ........ 29 9 I. Relatório de estágio 1. Introdução O presente relatório apresenta as atividades desenvolvidas pela acadêmica Jhessye Rafaela Batista Lemes, graduanda do décimo período de Medicina Veterinária pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – FCAV/UNESP – Campus de Jaboticabal, SP, durante a realização do Estágio Curricular Obrigatório para a conclusão do curso. O estágio foi realizado sob orientação da Prof. Dr. Estevam G. Lux Hoppe, do Departamento de Patologia, Reprodução e Saúde Única da FCAV/UNESP. O objetivo do estágio foi desenvolver conhecimentos teóricos e práticos sobre o controle de qualidade do leite e o desenvolvimento de produtos lácteos, através do acompanhamento da rotina do laboratório de qualidade do leite da Agrindus S/A. O estágio foi realizado em um único local, no laboratório de qualidade do leite da empresa Agrindus S/A, cuja marca própria é denominada Letti. A carga horária inicial foi de 07 horas diárias (35 horas semanais) durante o período de 05/12/2022 a 12/01/2023 e 23/01/2023 a 31/01/2023, e de 08 horas diárias (40 horas semanais) a partir de 01/02/2023 a 05/04/2023, totalizando 606 horas. 2. Descrição do local de estágio A Agrindus S/A está localizada na Fazenda Santa Rita, na cidade de Descalvado, interior do estado de São Paulo. Trata-se de uma empresa agropecuária familiar fundada em 1945 que está em exponencial crescimento, conduzida por Roberto Hugo Jank e seus dois filhos, Roberto Jank Junior e Jorge Jank. Recentemente, Diana Jank e Thais Jank, filhas de Roberto Jank, também passaram a ocupar importantes funções na Agrindus S/A. A fazenda dedica-se à pecuária leiteira, de corte e à avicultura, posicionando-se atualmente entre os cinco maiores produtores de leite do Brasil. O rebanho leiteiro da Agrindus S/A tem cerca de 6 mil animais, sendo apr ox im adam ente 40% de les vacas em lactação, garantindo uma produção diária média de 38L de leite por animal, totalizando 65.000 litros de leite por dia. A seleção genética minuciosa do rebanho aliado ao manejo da ordenha, totalmente automatizado e realizado três vezes ao dia, asseguram a alta 10 produtividade. Além disso, a fazenda também é autossuficiente na alimentação de seus animais, contando com ampla área de plantações e rastreabilidade sobre aos processos produtivos. O leite produzido é destinado ao laticínio Letti A² e para a produção da linha Agrindus. Parte da produção diária que não é utilizada para os produtos é vendida como leite cru refrigerado para outras indústrias. A Letti, marca própria criada em 2007, conta com uma vasta linha de produtos, todos produzidos e envasados dentro da fazenda, o que lhes garante a denominação de Tipo A. O portfólio atual contém os seguintes produtos: leite tipo A integral, semidesnatado e desnatado em embalagens de garrafa de 1L, manteiga com sal 200g, iogurte de morango nas versões 180g e 600g, iogurte natural em potes de 130g e garrafas de 600g, creme de leite fresco de 1L, queijo minas frescal, doce de leite em embalagens de 400g e 10kg, café com leite 600g, leite fermentado 180ml, coalhada natural de 600g e 130g, e 03 versões de coalhada em potes de 130g, com bananada, goiabada e doce de abóbora. A linha Agrindus, por sua vez, conta com leites integral, semidesnatado, desnatado e fermentado, todos em embalagens plásticas tipo saco de 1L. Para restaurantes e outros estabelecimentos, a empresa oferece a opção de leites e creme de leite fresco em bags de 10kg (Figura 1). 11 Figura 1. Portfólio atual dos produtos Letti e Agrindus, junto a suas siglas e prazos de validade. Fonte: Leite Letti. Além de todo cuidado na qualidade da sua produção, a marca se tornou pioneira no Brasil no ramo leiteiro ao obter certificação kosher. Esse certificado atesta que todos os produtos obedecem às normas para consumo dentro da comunidade judaica. Os rabinos supervisionam a produção por câmeras distribuídas pelo laticínio, desde a ordenha até o final do sistema, assegurando o respeito às regras. Nesse contexto, a marca conta com a certificação BDK. Seguidores da Torá como judeus e outras denominações religiosas devem consumir apenas alimentos produzidos seguindo as normas kashrut, passando então a serem denominados kosher, ou “adequados para consumo”. Para garantir que todo o processo de fabricação segue as normas da kashrut, 12 surgiram diversas certificadoras como, por exemplo, o BDK do Brasil, que desempenham a tarefa de avaliação e certificação das indústrias alimentícias. Os profissionais da certificadora verificam os insumos e suas procedências, o processo de fabricação, assim como a eventual influência de outros produtos e linhas de produção dentro da fábrica. Os produtos Letti são distribuídos em 60 cidades dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina. Isso é possível graças à inspeção federal pelo SIF (Serviço de Inspeção Federal), que é um sistema de controle do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Esse órgão utiliza-se de fiscais que avaliam a qualidade de produtos de origem animal, comestíveis ou não, e verificam se esses preenchem os requisitos mínimos para consumo. Além disso, os produtos da empresa conquistaram recentemente mais dois selos, o selo verde “eu reciclo”, que representa empresas que produzem com menor impacto ambiental possível e de forma socialmente responsável, e o selo de bem-estar animal, que garante uma criação respeitando as 5 liberdades dos animais, são elas: livre de fome e sede, livre de desconfortos, livre de doenças ou injúrias, liberdade para expressar o comportamento natural e livre de medo e estresse. Outra certificação que os produtos possuem é o selo “Vacas A2A2” do movimento “#BebaMaisLeite”. Os produtos Letti são fabricados exclusivamente com leite proveniente de vacas A2A2, já o leite A1 produzido é vendido para outros lacticínios. A intenção da Fazenda é zerar a quantidade de vacas com genótipo A1 ou A1A2 no rebanho até o final do ano de 2023. As vacas com a característica A2A2 produzem apenas a beta-caseína A2, diferentemente de vacas não-selecionadas que produzem leite com os tipos A1 e A2 da beta- caseína. Todas essas certificações fazem da Letti uma marca compromissada com a garantia da qualidade. A caseína representa cerca de 30% da proteína total contida no leite e a diferença entre A1 e A2 se dá em um único aminoácido da cadeia, o que resulta em uma diferença na hidrólise enzimática. Alguns estudos revelam que o consumo de leite com beta-caseína A1 está relacionado com o surgimento de algumas doenças devido à liberação da βcasomorfina-7 (BCM-7) durante a digestão, a mesma é liberada em quantidades mínimas na digestão do leite A2. 13 Isso se dá porque o BCM-7 é um conhecido agonista do receptor µ- opioide que pode influenciar na fisiologia gastrointestinal diretamente e pode exercer efeitos em outros lugares do corpo com o mesmo receptor, como nos sistemas cardiovascular, neurológico e endócrino (XIMENES, 2019; LOUISE, 2020; PAL, 2015). Os benefícios do leite A2 foram estudados e alguns trabalhos mostram que esse leite é muito vantajoso. Em contrapartida, outros estudos demonstram que não há correlação da beta-caseína A1 com efeitos adversos no organismo do consumidor. Por exemplo, Jianqin et al., (2016) realizou um estudo com pessoas declaradas intolerantes ao leite de vaca, ofertando a elas leite apenas A1 ou A2. Nesse estudo foi obtido que a ingestão somente de leite A1 esteve relacionada a piora de sintomas gastrointestinais como o aumento do tempo de trânsito gastrointestinal, aumento de marcadores de inflamação sérica, redução do conteúdo total de ácidos graxos de cadeia curta (SCFA) fecal, diminuição da velocidade de processamento cognitivo, além de diminuir a precisão do processamento comparados com os valores basais. Já os participantes que consumiram leite A2 não tiveram alterações nessas variáveis. Sendo assim, cogitou-se nesse estudo que os participantes intolerantes poderiam não ter intolerância à lactose, mas sim a caseína A1. Enquanto isso, Garibaldi et al., (2022) fez uma revisão de diversos trabalhos, onde concluiu que a β-caseína A2 pode exercer efeitos benéficos no sistema gastrointestinal quando comparada com a β-caseína A1, mas não há evidência de que a β-caseína A1 tem efeitos negativos comprovados a saúde humana. É importante destacar que esse leite não é indicado a intolerantes à lactose pois o açúcar do leite, a lactose, está presente. 3. Descrição das atividades desenvolvidas 1- Composição do leite Os sólidos totais são responsáveis por determinar tanto a qualidade nutricional do leite, como o seu valor industrial, pois quando mais proteína e gordura em sua composição, maior será o rendimento dos derivados (COSTA; 14 TEIXEIRA, 2007). Por isso, é importante acompanhar diariamente esses parâmetros para ter uma estimativa de rendimento. O leite de vaca é composto aproximadamente por 87,3% de água, 3,25% de proteínas, 4,6% lactose, 3,9% gordura e o restante em vitaminas e minerais (NORO, 2001). Essa composição físico-química do leite pode variar dependendo do ambiente ou da genética do animal. Na fazenda da Agrindus, o rebanho é todo composto por gado holandês, que têm por característica marcante a alta produção leiteira diária; sua média de gordura é de 3,5%, de lactose, 4,9% e de proteína, 3,1%. 2- Controle de qualidade Por apresentar o selo do SIF o laticínio tem o controle de qualidade realizado de acordo segundo a Instrução Normativa n° 76 e n° 77, de 26 de novembro de 2018; Decreto n° 9, 013/2017- RIISPOA (Regulamento e Inspeção Industrial e Sanitária de produtos de Origem Animal); Portaria Nº 352, de 04 de setembro de 1997 e Instrução Normativa nº4 de 1 março de 2004, determinam os parâmetros do queijo minas frescal; a IN nº 46 de 23 de outubro de 2007, que estabelece a identidade e qualidade de leites fermentados, tais como iogurtes e coalhada; a Portaria do MAPA n° 354, de 04 de setembro de 1997 e Portaria n° 355, de 27 de setembro de 2010 que regulamentam e identificam a qualidade do doce de leite, e por fim, a Portaria Nº 146, de 07 de março de 1996, que regulamenta a identidade e qualidade de creme de leite fresco. Segundo a Instrução Normativa 76 de 26 de novembro de 2018, uma Granja Leiteira é o estabelecimento destinado a todas as etapas desde a produção até à expedição do leite para o consumo humano, podendo também elaborar derivados lácteos a partir de leite exclusivo de sua produção, envolvendo as etapas de pré-beneficiamento, beneficiamento, manipulação, fabricação, maturação, ralação, fracionamento, acondicionamento, rotulagem, armazenagem e expedição. Esse é o requisito para ser denominado leite tipo A. 15 A IN n° 62, de 29 de dezembro de 2011, antiga IN n° 51, de 18 de setembro de 2002, aprova os regulamentos técnicos de produção, identidade e qualidade do leite cru e pasteurizado. Ela estabelece também os valores de limite para contagem bacteriana total (CBT) e contagem de células somáticas (CCS), sendo de 3x105 (UFC/mL) e de até 5,0x105 (CS/mL), respectivamente. Além disso, determina ainda o índice crioscópico, teor de sólidos totais e não- gordurosos, pesquisa de resíduos de antibióticos, acidez titulável, teor de gordura, temperatura do leite, densidade relativa, além de todas as especificidades ligadas às instalações da fábrica e quais tecnologias devem ser utilizadas. Todas essas normativas têm por objetivo padronizar a qualidade do leite que é produzido em nosso país e reduzir custos para as propriedades. 3.2.1 Análises realizadas no leite cru Para assegurar a qualidade do leite, em respeito à legislação vigente, são realizados os testes do alizarol, da determinação de cloretos, da detecção de peróxido de hidrogênio, pesquisa de cloro e hipoclorito, teste de bicarbonato e alcalinizantes e teste do hidróxido de sódio (Figura 2). As metodologias empregadas pela empresa e os parâmetros estão de acordo com as normas atuais do MAPA (BRASIL, 2011). Teste do Alizarol Esse teste é utilizado para determinação rápida da acidez do leite. Esse aumento da acidez pode ocorrer devido a degradação da lactose por microrganismos, produzindo ácido lático (SANTOS; CONTI, 2009). Para a realização desse teste, é utilizado um tubo de ensaio com 2 ml de leite e 2 ml de alizarol a 72°GL, em seguida essa mistura é agitada cuidadosamente a fim de verificar a coloração formada. O leite normal deve apresentar coloração violeta-clara sem coágulo ao final da reação. Coloração amarela com coágulo sinaliza leite ácido e coloração violeta-escuro sinaliza fraude com água ou adição de substâncias alcalinizantes (BRASIL, 2018a,b). 16 Determinação de cloretos Esse teste é capaz de identificar substâncias adicionadas ao leite a fim de aumentar o teor de sólidos ou encobrir uma fraude por adição de água. Para tal, é utilizado um tubo de ensaio com 2 ml de leite e 2 ml de cromato de potássio a 5%. Após agitação, adiciona-se 2 ml de nitrato de prata a 10% e agita-se novamente. Coloração vermelho-tijolo sinaliza concentração normal de cloreto (0,14 a 0,16%), e a coloração amarela indica fraude por excesso desse íon (BRASIL, 2011). Determinação de adulteração por acréscimo de água oxigenada Quando adicionada ao leite, a água oxigenada ou peróxido de hidrogênio mascara a acidez ocasionada pela degradação da lactose em ácido lático por microrganismos mesofílicos (TRONCO, 2018). Para detecção desse tipo de fraude, são misturados 2 ml de leite com 2 ml de guaiacol em um tubo de ensaio. Após a homogeneização, a coloração branca sinaliza ausência de peróxido e coloração salmão indica a presença dessa substância proibida (BRASIL, 2011). Pesquisa de Cloro e Hipoclorito A desinfecção da pele dos tetos no início da ordenha é feita com produtos à base de cloro e hipoclorito. Esse processo tem por objetivo diminuir a quantidade de bactérias do leite, evitando a disseminação de microrganismos patogênicos causadores de mastite (SANTOS, 2002). Para esse teste utilizamos 5 ml de leite em um tubo de ensaio, misturado a 0,5 ml de solução de iodeto de potássio a 7,5%. Após agitar, se houver uma coloração amarela, determina-se presença de cloro livre. Caso não haja alteração na cor, partimos para determinação de hipocloritos. Nesse mesmo tubo adicionamos 4 ml de solução de ácido acético ou ácido clorídrico e levamos ao banho-maria a 80°C por 10 minutos, em seguida resfriamos em água corrente. Havendo aparecimento de coloração amarela, determinamos presença de hipocloritos (BRASIL, 2011). 17 Teste de bicarbonatos e alcalinos O leite pode conter alcalinizantes adicionados de forma intencional ou não intencional. No caso de fraude, os alcalinizantes são usados para mascarar a acidez resultante de fermentação bacteriana. Por outro lado, substâncias utilizadas para remoção da gordura do leite durante a limpeza de tanques, utensílios e equipamentos podem contaminar o leite acidentalmente (FIRMINO et al., 2010). Para avaliar a presença dessas substâncias, adicionam-se 5 ml de leite em um tubo de ensaio com 10 ml de álcool 96°GL, agita-se e acrescenta 04 gotas de ácido rosólico a 1% à mistura. Leite adequado para consumo apresenta coloração alaranjada, enquanto leite adulterado ou contaminado resulta em coloração vermelho-carmim (BRASIL, 2011). Teste do Hidróxido de sódio O hidróxido de sódio tem efeito somente sobre o pH. Ele é considerado um neutralizante, pois é capaz de mascarar a acidez ocasionada pela fermentação microbiana, porém não possui nenhum efeito bacteriostático ou bactericida. Em um tubo de ensaio, adicionam-se 05 gotas de azul de bromotimol a 5 ml de leite. Coloração amarela indica leite adequado para consumo, enquanto coloração esverdeada indica presença da substância (BRASIL, 2011). Figura 2. (A) Teste de cloretos; (B) Teste do alizarol; (C) Teste da água oxigenada; (D) Teste de hidróxido de sódio; (E) Teste de bicarbonato e alcalinos; (F) Teste de cloro e hipocloritos. Fonte: Arquivo pessoal. 18 Presença de sangue A presença de sangue no leite pode significar a ruptura de vasos da glândula mamária, dentre outros motivos, por mastite, hemorragia pós-parto ou traumas (CASTANHEIRA, 2010). Para avaliar a presença de sangue, adiciona-se 10 mL de leite em um tubo de ensaio e leva à centrifuga por 5 minutos a 1.200 rpm. Após a centrifugação, o sangue será observado ao fundo do tubo, se presente. Com esse teste é possível estabelecer uma ligação direta com a saúde da vaca lactante. Análise de antibióticos Essa análise é muito importante para detectar resíduos de antibióticos no leite, dessa forma evitando sua transmissão ao consumidor final. Além da resistência a grupos de antimicrobianos, a ingestão desses resíduos pode ocasionar alergias e até mesmo alteração da microflora gastrointestinal. Em animais de produção, os grupos mais utilizados de antimicrobianos podem ser divididos em sulfonamidas, macrolídeos, tetraciclinas, -lactâmicos e aminoglicosídeos (MITCHELL et al., 1998). O teste mais utilizado no laboratório é o Delvotest® da DSM. Ele é capaz de identificar uma grande variedade de grupos de antimicrobianos. Para realizar essa análise, a amostra deve ser levemente aquecida em banho-maria a 37°, por 5 minutos e, em seguida, com auxílio de uma pipeta, adicionar 100l da amostra em um tubo Delvotest®. O tubo é incubado a 64°C por aproximadamente 3 horas, até a mudança na coloração. Se a cor não se alterar, esse teste é considerado positivo. Caso a cor mude para amarelo, o teste é negativo. Ph O leite cru de boa qualidade possui constituintes como caseína, gás carbônico, albumina, dentre outros, que o tornam levemente ácido, na faixa de 6,6 a 6,8 (BRASIL, 19 2018). Para determinação do Ph, é utilizado um pHmetro devidamente aferido com solução tampão de pH 9,0, 4,0 e 7,0. A realização é bem simples, basta inserir o eletrodo na amostra e aguardar alguns segundos até o resultado estabilizar no leitor da tela. Na tabela a seguir, temos os valores padrão para diferentes produtos, de acordo com a legislação. Quadro 1. Valores de pH para alguns produtos lácteos. Fonte: Instrução Normativa nº 76, de 26 de novembro de 2018. Gordura Em se tratando de facilidade de alteração, a gordura é a principal. Afinal, ela pode variar devido à alimentação da vaca, seu período de lactação, pela estação do ano ou até mesmo pela raça (CARVALHO, 2002). Para determinação da quantidade de gordura dos produtos, utiliza-se um instrumento chamado butirômetro. Nele, para determinação da gordura do leite ou iogurte, coloca-se 10 ml de ácido sulfúrico (d20=1,825 g/l) com 11 mL de leite e 1 mL de álcool isoamílico. O butirômetro é vedado com rolha de borracha e agitado vigrosamente, até a dissolução completa da amostra. Devemos tomar cuidado, pois a reação é exotérmica. Após a mistura, seguimos para a centrífuga a 1.200 RPM por 5 minutos. Ao final, é feita a leitura diretamente pela escala do instrumento, que já é dada em porcentagem (m/v). Para os demais produtos, o processo é praticamente o mesmo. Para determinar a gordura em creme de leite, é adicionado 5 mL do creme com 5 mL de água destilada repetindo a quantidade de ácido sulfúrico e álcool isoamílico utilizada no leite. Já para 20 determinar a gordura no queijo, o butirômetro é diferente, ele possui um copo onde acomodam-se 3 gramas que são necessárias para a amostra. Acopla-se esse copo no butirômetro e adiciona-se 10 mL de ácido sulfúrico, 1 mL de álcool amílico e 5 mL de água destilada. O processo seguinte é vedar e agitar. Após a amostra dissolver inteiramente, completa-se com água destilada até a marcação. Em seguida, centrifuga-se por 10 minutos a 1.200 RPM. O resultado também é expresso em porcentagem (m/v). Quadro 2. Teores de gordura de diferentes produtos lácteos. Fonte: IN n° 76, de 26 de novembro de 2018. Acidez Essa medida é uma das mais utilizadas para acompanhamento da matéria- prima. Os constituintes que abaixam o pH, são os mesmos que acidificam o leite. Uma amostra com acidez elevada, porém ainda dentro do aceitável, possivelmente terá em sua composição maior quantidade de proteína e minerais. Por isso, a titulação do leite pode variar de 0,14 a 0,18g ácido lático/100ml (RODRIGUES et al., 1995), sendo esse o valor aceitável, tanto para leite cru quanto para pasteurizado. Menor que 0,14 o leite é considerado alcalino e maior que 0,18, ácido. Em ambos os casos, será investigada uma possível fraude ou descuido na higienização das linhas. Para determinar a acidez do leite, iogurte e creme de leite, utiliza-se um béquer com 10 ml do produto com 4 gotas de fenolftaleína. A mistura é agitada e titulada com 21 solução de hidróxido de sódio 0,1N até obter a coloração rosada clara. O resultado é expresso em gramas de ácido lácteo. Quadro 3. Valores aceitos para acidez de alguns produtos lácteos. Fonte: IN n° 76, de 26 de novembro de 2018. Índice crioscópico Esse índice mede o ponto de congelamento do leite. Devido a presença de extrato seco, lactose e sais minerais no leite, a sua temperatura de congelamento tende a ser mais baixa que a da água, que é 0°C. Portanto, quando há adição fraudulenta de água ao leite, a crioscopia tende a se aproximar mais do 0°C. O parâmetro utilizado para comparação é dado pela normativa 76, de 26 de novembro de 2018, e deve estar entre -0,530ºH a -0,550ºH (equivalentes a -0,512ºC e a - 0,531ºC). Resultados altos também devem ser inspecionados, acima de -0,555 °H sugere-se fraude adição de álcool ou resíduo acidental de produtos de limpeza a base de ácidos (BRASIL, 2011). Para realizar a crioscopia adicionamos 2,5ml de leite em tubo próprio do equipamento de leitura. O resultado é dado automaticamente e em poucos minutos no visor da máquina. Teste enzimático: Fosfatase alcalina A fosfatase está presente naturalmente no leite cru e é desnaturada a cerca de 72°C por 15 segundos, essa temperatura é semelhante à da pasteurização, por isso ela é utilizada como um indicador de eficiência desse tratamento térmico. Após 22 pasteurizado, o leite deve ter fosfatase negativa. Isso indicará que as temperaturas utilizadas estavam dentro do padrão exigido (ANDRADE, 2014). O teste consiste em imergir a tira reagente (CapLab®) na amostra durante 10 segundos para absorção. Retirar a tira da amostra, aguardar 2-3 minutos e proceder com a leitura. O aparecimento de uma coloração amarela mais escura na tira indica teste positivo e se não houver alteração na coloração da tira considera-se o resultado negativo (Figura 3). Figura 3. Tiras de teste para verificação da presença de fosfatase alcalina. Fonte: Manual CapLab Densidade relativa A densidade varia indiretamente com a água e a gordura e diretamente com o extrato seco desengordurado (ZENEBON et al., 2008). Portanto, o aumento do teor de lactose, proteína e sais minerais causa aumento da densidade, enquanto o aumento na quantidade de água, seja por ação fraudulenta ou não, e gordura causam uma diminuição da densidade. Segundo a IN n° 62, vigente atualmente, o valor da densidade relativa à 15°C deve estar entre 1,028 e 1,034 g/ml (BRASIL, 2011). Esse teste é feito com um instrumento chamado termolactodensímetro (Figura 4) e uma proveta de 250 ml, para onde o leite será transferido. A leitura é feita no nível do leite em relação a escala graduada do termolactodensimetro e a amostra deve estar a 15°C. Caso a temperatura não esteja nesse nível, realiza-se correção acrescentando 0,0002 para cada grau acima de 15°C ou diminuindo 0,0002 para cada grau abaixo de 15°C. 23 Figura 4. Termolactodensimetro imerso em 250mL de amostra, aguardando 15°C para leitura. Fonte: Arquivo pessoal. Extrato seco total (EST) e extrato seco desengordurado (ESD) O EST é a soma de todos os componentes do leite, exceto água, enquanto o ESD é a diferença entre o EST e o teor de gordura. Esses parâmetros são muito utilizados pelas empresas, pois a partir deles pode-se presumir o rendimento da produção de derivados, como queijo por exemplo. Segundo a IN n° 62, o teor de EST para os leites integral, desnatado ou semidesnatado deve ser de no mínimo 8,4%. Para encontrar o valor do EST, utilizamos um instrumento chamado disco de Ackermann, que leva em consideração a gordura e densidade relativa. Ele é constituído por dois discos concêntricos com escalas seguindo os valores de gordura e densidade, e uma escala externa que indica os valores de EST. Já para determinação do ESD deve-se subtrair a gordura, em percentagem, do valor de EST. 24 Microbiologia Com a microbiologia é possível fazer um acompanhamento de todas as etapas do processamento, e em casos de contaminação, pode-se auxiliar na identificação de onde pode estar ocorrendo. É importante para um produto final de boa qualidade manter boa higiene na ordenha, pasteurização e armazenamento até a distribuição comercial. A análise mais utilizada para controlar a qualidade microbiológica do leite é pela contagem padrão em placas (CPP) ou Contagem bacteriana total (CBT). Essa é uma análise quantitativa, ou seja, ela indica a quantidade de bactérias presentes na amostra, porém sem identificação do grupo. Para a coleta da amostra da microbiologia, inicialmente deve-se flambar a torneira de saída do leite, utilizando algodão umedecido com álcool 70°, prevenindo contaminação. Essa etapa é feita em todos os tanques onde serão coletadas amostras para a microbiologia (Figura 5). Figura 5. Desinfecção antes da coleta de amostra para a microbiologia. Fonte: Arquivo pessoal. É importante ressaltar que todas as análises são realizadas dentro da capela de fluxo laminar. Esse equipamento é muito utilizado em laboratórios para proteger os materiais biológicos pois promove a recirculação de 100% do ar, criando zonas de trabalho estéreis para manusear amostras que não podem sofrer contaminação do meio externo. 25 3.2.1.1 Liberação de carretas Uma das atividades mais importantes e rentáveis do lacticínio é a venda de leite cru refrigerado A1 ou A2 para outros laticínios. Essas carretas são próprias para esse tipo de atividade e possuem controle de temperatura. Todos os compartimentos da carreta possuem uma saída de onde é coletada uma amostra para análise e liberação. Os testes feitos são: presença de sangue, resíduo de antibiótico, gordura e índice crioscópico. Cada empresa possui seu protocolo em relação ao teste de resíduo antibiótico, portanto, esse é o único que pode variar de empresa para empresa. 3.2.2 Teste enzimático realizado no leite pasteurizado: Peroxidase A enzima peroxidase também está presente no leite cru e é desnaturada a 80°C por alguns segundos. Da mesma forma que a fosfatase, ela igualmente indica se a temperatura de pasteurização estava correta. Após esse tratamento térmico, ela não deve ser inativada, garantindo que o leite não foi superaquecido a ponto de eliminar alguns de seus constituintes e até “mascarar” algum contaminante (ANDRADE, 2014). Para esse teste, utilizamos um tubo de ensaio com 10 ml de leite, aquecemos em banho-maria a 45°C por 5 minutos e em seguida adicionamos 2 ml de guaiacol 1% e 3 gotas de peróxido de hidrogênio 3%. Não é necessária agitação, devendo apenas aguardar a formação de uma nova coloração. O resultado será negativo quando não houver alteração na cor da amostra e positivo quando se formar um anel de coloração lilás. Se permanecer branco, indica que o leite foi superaquecido (acima de 80°C e a peroxidase não está presente) e o anel lilás indica que a pasteurização foi realizada com a temperatura correta entre 72 e 75°C (Figura 6). Figura 6. Teste qualitativo da Peroxidase Fonte: Arquivo pessoal. 26 3.2.3 Análises realizadas nos subprodutos lácteos Determinação da viscosidade do Iogurte É importante acompanhar a viscosidade dos iogurtes para mantê-la sempre dentro dos parâmetros da marca, ou seja, podemos ter um iogurte mais fluido ou mais denso. Para tanto, utiliza-se um béquer e um instrumento chamado Viscosímetro Copo Ford. São medidos 100ml da amostra e transferidos para o copo do viscosímetro, com o orifício inferior fechado. Com o copo cheio, o orifício para saída do iogurte é liberado ao mesmo tempo em que o cronômetro é acionado. Quando o copo esvaziar completamente, o cronômetro é parado. O padrão que deve ser encontrado é de 40 a 50 segundos. Microbiologia De todos os produtos feitos durante o dia, são coletadas amostras do início, meio e fim de sua produção e cada uma dessas amostras passam pela microbiologia para serem testadas a fim de garantir sua qualidade microbiológica antes de serem liberados para a venda. A Tabela 4 mostra quais microrganismos são testados em cada produto com sua respectiva diluição em água destilada. Quadro 4. Placas feitas para liberação de diferentes produtos Letti. Fonte: Arquivo pessoal. 27 As placas utilizadas no laboratório são Peel Plate® Charm (Figura 7). A placa rosa identifica CBT, a placa laranja as enterobactérias e a placa verde bolores e leveduras. Além dessas, na placa de Petri é feita análise de coliformes. Figura 7. Placas Peel Plate® Charm antes do plaqueamento das amostras. Fonte: Arquivo pessoal. Após plaqueadas, as rosas e as laranjas seguem para estufa a 35°C, onde ficam por pelo menos 24h antes de ser realizada a leitura. As placas verdes são incubadas a temperatura ambiente por 48h antes da leitura e as placas Petri, antes da incubação devem ser cultivadas com ágar e em seguida permanecerem na estufa por pelo menos 24h. Para a leitura, são contados os pontos que apareceram na cultura e em seguida, multiplicados pela diluição que sofreu a placa (Figura 8). Quadro 5. Limites máximos de CBT. Fonte: IN 58, de 6 de novembro de 2019, para leites tipo A e pela IN n° 76, de 26 de novembro de 2018. 28 Figura 8. Placa de coliformes com contagem além do limite estabelecido à esquerda e Placa de CBT com contagem acima do limite estabelecido à direita Fonte: Arquivo pessoal. Vida de prateleira Da mesma forma que são colhidas amostras para a microbiologia, também são obtidas 2 a 3 amostras de cada produto para avaliar o shelf-life (“Vida de Prateleira”). Essas amostras servem para termos o controle de cada lote fabricado, pois elas são guardadas na câmara fria até o seu vencimento e são analisadas periodicamente. Além disso, quando há abertura de algum SAC, essas amostras também servem como contraprova, a fim de verificar se os valores estão dentro do padrão de qualidade. Figura 9. Diferentes produtos Letti com seus respectivos vencimentos e análises realizadas durante a vida de prateleira. Fonte: Arquivo Pessoal. 29 3.2.4 Liberação de produtos da programação diária Uma das atividades mais importantes no laticínio é a liberação dos leites e subprodutos que estão na programação do dia. Alguns produtos possuem certas características próprias para confirmar antes de liberar para a equipe da produção dar início, conforme tabela 5. Quadro 6. Análises necessárias para liberação de produtos. Fonte: Arquivo pessoal. 3.2.5 Análise e liberação do leite de vacas da ordenha e maternidade O sistema usado na Agrindus para criação das vacas é o Free Stall. Trata-se de um método de criação de gado leiteiro muito popular e muito utilizado por produtores de todo o mundo pois apresenta diversas vantagens. Nesse sistema as vacas possuem uma área livre para caminhadas e recebem o alimento verde nos cochos, além de cada animal também possuir uma baia para descanso. Através dele, então, é possível manter mais controle sobre os animais, tanto em relação ao cio e parto dos animais como nos cuidados com a alimentação. Dito isso, o manuseio desses animais é feito diariamente, permitindo identificar infecções e enfermidades que podem prejudicar a qualidade do leite, como por exemplo a mastite. Todas as vacas que receberam algum tipo de tratamento têm uma amostra do seu leite coletada e levada até o laboratório do laticínio, onde serão feitas análises de presença de sangue e resíduos de antibiótico com os testes Snap test Gentamicina e Devoltest. É importante realizar esses testes, pois além de prejudicar os derivados que 30 serão fabricados, também diminui a qualidade do leite cru que será vendido para outros lacticínios. Da mesma forma, o leite das vacas recém-paridas que se encontram na maternidade (que é outro setor), também é analisado para presença de sangue e testes de resíduo antibiótico Delvotest e Gentamicina. Somente após a liberação do laboratório que essas vacas podem retornar aos piquetes Free stall onde serão novamente inseridas nos grupos de ordenha. Tanto a ordenha quanto a maternidade, os testes são realizados em pools. Para essa análise utilizamos 1 mL da amostra misturado a 5 mL de outro leite, seja ele cru ou pasteurizado. Dessa forma, é possível simular como será a proporção desse leite quando misturado aos demais nos tanques de refrigeração. A detecção de sangue é feita pela centrífuga. Para o snap test de gentamicina (Figura 10), são utilizados 450 µL da amostra já diluída e transfere- se para o tubo do próprio teste onde será incubado a 64°C por 2 minutos antes de transferir para o snap. Para leitura do teste, deve-se aguardar pelo menos 7 minutos. O teste será positivo quando o lado do controle estiver igual ou mais fraco que a amostra; e negativo quando o lado do controle estiver mais forte que o da amostra. Para o Delvotest (Figura 11), utiliza-se apenas 100 µL da amostra e transfere-se ao tubo onde será incubada a 64°C por pelo menos 3 horas. O teste será positivo quando não houver alteração de cor, e negativo quando a cor lilás se transformar em amarelo forte. Figura 10. Teste gentamicina positivo à esquerda e negativo à direita. Fonte: Arquivo Pessoal. 31 Figura 11. Testes Delvotest. Escala de cores positivo à direita e negativo à esquerda. Fonte: Manual Delvotest®T, Operating Instructions. 4. Discussão das atividades desenvolvidas Durante os meses de estágio foi possível notar a grande importância de manter sempre uma boa conduta de higiene dentro da produção, seguindo os padrões de Boas Práticas de Fabricação. De todos os eventos de contaminação que foram registrados foi possível descobrir qual o ponto que estava prejudicando através do acompanhamento dos resultados da microbiologia. Também foi observado aumento na quantidade de vacas com mastite e presença de sangue no leite. Possivelmente essa infecção tenha se disseminado por deslizes na higiene pré, durante e pós ordenha ou até mesmo por mudanças no clima e alimentação desses animais. Todas as análises são realizadas diariamente e diversas vezes ao dia, o que torna mais fácil a fixação do conteúdo. Em relação ao selo Kosher, tive a oportunidade de conhecer uma cultura e seus costumes. Toda sexta-feira, um rabino visita o lacticínio para abençoar as vacas e posteriormente os tanques dos leites e dos derivados. O judaísmo acredita na comida como o primeiro item de necessidade e levam como questão espiritual, portanto, qualidade e respeito devem andar lado-a-lado. 32 5. Considerações finais O estágio na Letti representou uma boa complementação da formação profissional, e também uma experiência pessoal. Além de adquirir conhecimento prático e teórico na área de lácteos, tive a oportunidade de conhecer diversas pessoas com histórias marcantes e muita experiência para compartilhar. Pude provar na prática a importância do setor de qualidade de uma empresa e as dificuldades em treinar o pessoal responsável e fazê-los entender a importância de manter sempre uma boa higiene operacional. O conhecimento teórico que obtive durante as disciplinas voltadas ao leite durante faculdade somado à experiência profissional da indústria, acompanhando os riscos e perigos da produção de alimentos de origem animal, foram fundamentais para a formação profissional. O estágio supervisionado expande horizontes, aumenta a responsabilidade e ensina a lidar com todos os desafios da fabricação. 6. REFERÊNCIAS ANDRADE, R. B.. Pesquisa de Fosfatase Alcalina em Leite Fluido por Colorimetria. Laboratório Nacional Agropecuário - LANAGRO/RS, Rio Grande do Sul .2014. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portaria n°146, de 07 de março de 1996. Aprova os Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade dos Produtos Lácteos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 mar. 1996. . Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portaria nº 352, de 4 de setembro de 1997. Aprova o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Queijo Minas Frescal. Diário Oficial [da] União. 08 set 1997. . Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 4, de 01 de março de 2004. Regulamento Técnico para Fixação de Identidade e Qualidade do Queijo Minas Frescal. Diário Oficial da União, Brasília, 02 mar. 2004. 33 _. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n° 68, de 12 de dezembro de 2006. Oficializa os métodos analíticos oficiais físicoquímicos, para controle de leite e produtos lácteos, em conformidade com o anexo desta Instrução Normativa, determinando que sejam utilizados nos Laboratórios Nacionais Agropecuários. Diário Oficial da União, Brasília, 14 dez. 2006. _. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 46 de 23 de outubro de 2007. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leites Fermentados. Diário Oficial da União, Brasília, 24 out. 2007, Seção 1. _. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Decreto nº Nº 9.013, de 29 de março de 2017. Regulamenta a Lei Nº 1.283, de 18 de Dezembro de 1950, e a Lei Nº 7.889, de 23 de Novembro de 1989, que Dispõem Sobre a Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal. Diário Oficial da União, Brasília (DF). BRASILIA, 30 mar. 2017. INSTRUÇÃO NORMATIVA N°58, DE 06 DE NOVEMBRO DE 2019. INSTRUÇÃO NORMATIVA MAPA N° 58, DE 06 DE NOVEMBRO DE 2019 – ALTERA A IN n° 76, de 26 de novembro de 2018. CARVALHO, G.F., et al. Milk yield, somatic cell count and physicochemical characteristics of raw milk collected from dairy cows in Minas Gerais state. In: Congresso Panamericano de Qualidade do Leite e Controle da Mastite. Anais. Ribeirão Preto, 2002. CASTANHEIRA, A.C.G., Manual Básico de Controle de Qualidade de Leite e Derivados. Cap Lab, 2010. 34 COSTA, C. N.; TEIXEIRA, N. M. Estratégias para melhoria da qualidade do leite com foco na IN51. In: MARTINS, P. do C.; SOUZA, V. F. de; MOREIRA, M. S. de P.; ROSA NETO, C. (Ed.). Conhecimentos e tecnologias para produção de leite no Estado de Rondônia. Juiz de Fora: Embrapa Gado de Leite; Porto Velho: Embrapa Rondônia, 2007. p. 35- 53 FIRMINO, F.C.; TALMA, S.V.; MARTINS, M.L.; LEITE, M.O.; MARTINS, A.D.O. Detecção de fraudes em leite cru dos tanques de expansão da região de Rio Pomba. Minas Gerais. Rev Inst Latic Cândido Tostes. 2010;65(376)5-11 GIRIBALDI M, LAMBERTI C, CIRRINCIONE S, GIUFFRIDA MG AND CAVALLARIN L. A2 Milk and BCM-7 Peptide as Emerging Parameters of Milk Quality, 2022. JIANQIN S, LEIMING X, LU X, YELLAND GW, NI J, CLARKE AJ. 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Introdução e fundamentação teórica O leite está sujeito a sofrer contaminações de ordem física (pêlos, terra, fragmentos metálicos), química (sanitizantes, medicamentos, resíduo de produtos de limpeza) ou biológica (microrganismos patogênicos) devido a falhas higiênicas e operacionais na cadeia produtiva, o que o torna um potencial veículo de doenças de origem animal. Com o intuito de garantir um consumo seguro do leite à população, foi implantado segundo a regulamentação vigente, o plano APPCC no processamento do leite pasteurizado tipo A. A análise de perigos e pontos críticos de controle (APPCC) é a principal ferramenta utilizada na atualidade para garantir qualidade, inocuidade e integridade dos alimentos (KHATRY & COLLINS, 2007; VIOLARIS et al., 2008). Trata-se de um sistema que abrange tanto a prevenção de perigos associados com a produção ou uso dos alimentos quanto a identificação das estratégias que permitem o controle desses perigos. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) instituiu em 1998 a implantação do sistema APPCC nas indústrias de produtos de origem animal em nível nacional (BRASIL, 1998) e, a partir de 2001, iniciou auditorias nas indústrias de laticínios, fazendo com que esses estabelecimentos se empenhassem na implantação do projeto da melhor forma possível (BRUM, 2004). O sistema APPCC estabelecido pelo MAPA segue o padrão descrito no Codex Alimentarius, que contempla sete princípios básicos: 1- Análise de perigos; 2- Determinação dos Pontos Críticos de Controle (PCC); 3- Estabelecimento do(s) limite(s) crítico(s); 4- Estabelecimento de ações de monitoramento dos PCC; 5- Estabelecimento de ações corretivas para o controle dos PCC; 6- Estabelecimento de procedimentos para a verificação do funcionamento do sistema; e 37 7- Estabelecimento de um sistema de documentação e registro (CODEX ALIMENTARIUS COMMISSION, 2003). O sucesso do sistema APPCC na prevenção de perigos à saúde do consumidor depende diretamente da correta aplicação desses princípios combinados à execução dos programas de pré-requisitos como as Boas Práticas de Fabricação (BPF) e Procedimentos Operacionais Padronizados (POP) (ROBERTO et al., 2006). As BPF são parte indispensável desse sistema pois, contém requerimentos para evitar contratempos durante o processo produtivo e inclusive, a partir de 1997 passou a ser regulamentada pelo Ministério da Saúde – MS (BRASIL, 1997b) e pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento – MAA (BRASIL, 1997a), como instrumento de fiscalização. (SANDROU & ARVANITOYANNIS, 2000). Até outubro de 2002, os Procedimentos Padrão de Higiene Operacional (PPHO) preconizados pelo órgão americano FDA (Food and Drug Administration), constituíram-se como refêrencia para controle de procedimentos de higiene no Brasil. A partir daí, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estabeleceu os POP, que vão além do controle de higiene, eles são definidos como procedimentos descritos objetivamente, com instruções sequenciais para realização de operações específicas e rotineiras da produção, armazenamento e transporte de alimentos (BRASIL, 2002). Além disso, desde 1993 o plano APPCC é uma exigência do Ministério da Saúde (MS) no que se refere a empresas alimentícias. 2. Relato do caso de interesse A Agrindus SA possui um plano de APPCC bem desenvolvido para o leite A2. As etapas pelas quais o leite passa são: ordenha, filtração, resfriamento, recepção/indústria, filtração, pré-aquecimento (50-55°C), clarificação/padronização, homogeneização, pasteurização (72-75°C/15seg), resfriamento a 5°C, armazenagem, envase, estocagem a 5°C e expedição/transporte. Para todas essas etapas do processamento do leite, inicialmente foi realizada uma análise dos perigos de processo da matéria prima e em seguida a determinação do risco (probabilidade de ocorrência classificado em baixo, médio ou alto) e gravidade desse perigo, também classificada em 38 baixa, média ou alta. Com esse levantamento foi possível determinar quais eram os pontos que realmente trariam algum tipo de malefício ao alimento, ou seja, os pontos críticos de controle (PCC). Os perigos não identificados como PCC são os PC (pontos críticos), os quais dentro do próprio processamento existem medidas de controle que os eliminem, evitando que se agravem à níveis prejudiciais. Já para os PCC são estabelecidos os limites críticos que devem ser monitoráveis, caso contrário a segurança alimentar não poderá ser garantida. Esse é o critério que definirá a aceitação ou rejeição no processo. Ou seja, monitorando uma medida de controle para um perigo, garantimos que ele esteja em níveis aceitáveis no alimento, em um teor que não ocasione efeitos adversos à saúde do consumidor. Esses níveis são controlados por normas e legislações, como por exemplo a RDC N°14/2014 para perigos físicos, RDC N°331/2013 e IN 60/2019 para perigos microbiológicos e a RDC N°487/2021 e IN 88/2021 para perigos químicos. Após definidos os limites, foram determinados procedimentos de monitoração para que tudo estivesse se desenvolvendo dentro do pré-estabelecido, só assim é possível garantir que esses perigos estão sendo controlados. Se algum limite crítico não está sendo atendido, então deve-se colocar em prática as ações corretivas. Portanto, sempre que algo sair fora do padrão, as ações corretivas devem ser eficazes em garantir novamente a segurança do alimento. E para saber se o plano está sendo seguido corretamente, se os resultados são os esperados e se essas ações corretivas estão sendo monitoradas, é estabelecido um processo de verificação. Essa etapa depende da organização, mas geralmente é feita com uma periodicidade de acordo a necessidade de acompanhamento. O último passo do APPCC é estabelecer procedimentos de registro, ou seja, todas as informações devem ser documentadas e arquivadas como relatórios, principalmente com os resultados das análises feitas na etapa de verificação. 39 3. Discussão A análise de perigos feita no processo do leite A2 tipo A identificou diversos pontos que serão analisados em todo o fluxograma de processamento do leite e engloba a presença de microrganismos patogênicos (Escherichia coli, Salmonella spp., entre outros) como perigo biológico, resíduos de antibióticos, mistura com leite A1, presença de alérgenos (proteínas do leite) e aflatoxina M1 como perigos químicos e sujidades como pelos, silagem, areia ou insetos como perigos físicos. Na fase inicial, ordenha, a analise de criticidade não indicou perigos de qualquer natureza que não pudessem ser eliminados ou reduzidos a níveis aceitáveis em alguma parte do processo, exceto a presença de proteínas no leite. Na realidade, o leite em si é considerado um alérgeno por conta da sua composição bioquímica, e isso deve ser retratado na embalagem do produto (conforme RDC 26/2015). Portanto, a presença de caseína, beta- lactoglobina e alfa-lactoalbumina são descritas como alerta ao consumidor e não podem ser alteradas no processo. Logo, nessa primeira fase não foram identificados nenhum PCC, apenas um PC químico: a mistura de leite A1 ao leite A2. Na segunda fase (filtração) e terceira fase (resfriamento), nenhum dos perigos químicos, físicos e biológicos classificaram-se como PCC. Já na próxima fase, que é a recepção pela indústria, os perigos biológicos e químicos permanecem e não há perigos físicos. Porém, foram identificados um PC biológico, um PC químico e um PCC químico. Nas etapas de filtração na indústria, pré-aquecimento, clarificação/padronização e homogeneização não foram identificados PCC e PC. Na fase seguinte, que é a pasteurização, encontramos um PCC biológico. Nas demais fases (resfriamento, envase, estocagem e expedição/transporte), também não há perigos críticos de controle identificados. 40 As figuras 12 a 14 demonstram os procedimentos realizados dentro do plano APPCC da Agrindus para o controle e garantia da segurança alimentar. Figura 12. Processo de controle do PC 1 (Q). Fonte: Leite LETTI. Figura 13. Processo de controle do PCC 1 (Q1), PC 2 (B) e PC 3 (Q2). Fonte: Leite LETTI. 41 Figura 14. Processo de controle do PCC 2 (B). Fonte: Leite LETTI. Com todas essas informações compiladas é possível ver como as BPF são de extrema importância para o controle dos perigos identificados. O resultado das análises de qualidade como por exemplo da contagem padrão em placas realizadas diariamente, permitem inferir que, uma vez realizados de forma correta a higiene do processo, a segurança e vida de prateleira do produto estará garantida. 4. Considerações finais Em se tratando de alimentos, tudo requer muita atenção e comprometimento, afinal estamos lidando com a saúde de uma população e diante desse quadro, o sistema APPCC, associado às BPF e aos POP, tem se revelado como ferramenta básica do sistema moderno de gestão da qualidade nas indústrias de alimentos, garantindo a segurança dos produtos, reduzindo custos e aumentando a lucratividade, por meio da diminuição das perdas e do retrabalho. Pude avaliar na prática a importância do setor de qualidade para o bom andamento da produção com segurança e ainda a dificuldade do mesmo setor em convencer os trabalhadores em manter a higiene operacional para garantir a integridade do produto final. A implantação do plano APPCC na empresa, além de se adequar a legislação brasileira, é eficiente no controle dos perigos e ainda traz diversos benefícios consigo. Juntamente a segurança, conquistamos a confiança e a 42 satisfação do nosso consumidor. 43 5. Referências BRASIL. Ministério da Agricultura e Abastecimento. Portaria n.368, de 04 de setembro de 1997. Aprova o Regulamento Técnico sobre as condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Estabelecimentos Elaboradores / Industrializadores de Alimentos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 8 de setembro de 1997a. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução RDC n.275, de 21 de outubro de 2002. Regulamento Técnico de Procedimentos Operacionais Padronizados aplicados aos Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos e Lista de Verifi cação das Boas Práticas de Fabricação em Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos. Diário Ofi cial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 23 outubro 2002. Seção 1, p. 126 BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n.326, de 30 de julho de 1997. Aprova o Regulamento Técnico “Condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Estabelecimentos Produtores/Industrializadores de Alimentos”. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1 de agosto de 1997b. BRUM, J.V.F. Análise de perigos e pontos críticos de controle em indústrias de lacticínios de Curitiba- PR. 2004. 146f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia de Alimentos) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR. CODEX ALIMENTARIUS COMMISSION (CAC). Hazard analysis and critical control point (HACCP) system and guidelines for its application. ANNEX to recommended international code of practice/general principles of food hygiene. CAC/RCP 1-1969, Rev 4. Roma: FAO/WHO Codex Alimentarius Commission, 2003. 68 p. KHATRY, Y; COLLINS, R. Impact and status of HACCP in the Australian meat industry. British Food Journal, v.109, p.343- 354, 2007. doi: 10.1108/00070700710746768. 44 ROBERTO, C.D. et al. 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