UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS CAMPUS DE MARÍLIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO RODRIGO MARTINS BERSI O BLOG ESCOLAR EM UM CENTRO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: A AUTOBIOGRAFIA COMO EMANCIPAÇÃO DOS SUJEITOS MARÍLIA/SP 2020 RODRIGO MARTINS BERSI O BLOG ESCOLAR EM UM CENTRO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: A AUTOBIOGRAFIA COMO EMANCIPAÇÃO DOS SUJEITOS Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências – UNESP – Campus Marília, como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Educação. Linha de Pesquisa: Teoria e Práticas Pedagógicas Área de Concentração: Educação de Jovens e Adultos Orientador: Prof. Dr. José Carlos Miguel Agência de Fomento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 MARÍLIA 2020 B535b Bersi, Rodrigo Martins O BLOG ESCOLAR EM UM CENTRO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS : A AUTOBIOGRAFIA COMO EMANCIPAÇÃO DOS SUJEITOS / Rodrigo Martins Bersi. -- Marília, 2020 130 p. : tabs., fotos Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Orientador: José Carlos Miguel 1. Educação de Jovens e Adultos. 2. Experimento didático-formativo. 3. Prática de Ensino. 4. Tecnologias Digitais. 5. Teoria Histórico-Cultural. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. RODRIGO MARTINS BERSI O BLOG ESCOLAR EM UM CENTRO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: A AUTOBIOGRAFIA COMO EMANCIPAÇÃO DOS SUJEITOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Campus Marília, como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Educação – Área de Concentração: Linha: Teoria e Práticas Pedagógicas. BANCA EXAMINADORA Orientador: __________________________________________________________ Prof. Dr. José Carlos Miguel Examinador: _________________________________________________________ Prof. Dr. Dagoberto Buim Arena Examinador: _________________________________________________________ Profa. Dra. Eliana Marques Zanata Marília, 12 de Março de 2020. Dedico este trabalho a minha família, a meus pais Ana Maria e Maurício, que sempre me apoiaram e socorreram nas mais diversas empreitadas de minha vida e a meus irmãos que são inspiração para mim. Agradeço a todos que passaram a meu lado neste período de incrível formação, a meu orientador pelo aprendizado, a meus professores, aos amigos que conheci neste processo, aos das antigas e a equipe do CEEJA pelo acolhimento amoroso e tão significativo. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 “A história de Bia tem algumas coisas pesadas, mas também edificantes” (Bia, Encontro Dialogado, 2019) RESUMO O presente estudo, de abordagem qualitativa, envolve um experimento formativo que se utiliza do blog como um suporte de linguagem digital em atividades pedagógicas de letramento em um CEEJA - Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos. O estudo tem por objetivo utilizar da autobiografia como elemento de emancipação dos sujeitos pelo uso da linguagem nas atividades escolares a partir de posts no blog, valorizando as vozes e histórias de vidas desses sujeitos, utilizando-se do blog enquanto uma biblioteca popular digital e investigando nos posts dos sujeitos suas vozes a partir dos conteúdos e enunciados produzidos de maneira autoral. Utilizou-se do blog como instrumento de pesquisa para promoção de práticas de leitura e escrita, de maneira a motivar os sujeitos e de valorizar suas vozes no processo de emancipação pela linguagem e pronúncia de mundo. Na perspectiva da educação libertadora a interpretação do blog como uma biblioteca popular em ambiente digital vai ao encontro dos objetivos pela utilização e valorização e suas vozes, como maneira desses se reconhecerem como autores e utilizarem da linguagem para produzir conteúdos autorais na internet, participando efetivamente da Web 2.0 pela criação de conteúdos e a partir de atividades significativas de letramento em contextos reais, tendo os sujeitos como portadores e promotores de cultura no contínuo da história, socialmente situados. O processo de utilização do blog está em sintonia com os referenciais teóricos da Teoria Histórico Cultural, da filosofia da linguagem e da educação libertadora para o desenvolvimento e a emancipação dos sujeitos, a partir de uma formação integral. Os sujeitos da pesquisa são os alunos do CEEJA convidados a participar e que neste processo de produção para o blog tornam-se autores, publicando suas próprias histórias de vida na internet. Tendo o experimento formativo compondo na dinâmica de elaboração, produção e publicação dos conteúdos, com acompanhamento dos sujeitos durante o processo para a coleta e geração dos dados, com dois instrumentos principais: o próprio blog e encontros dialogados. No blog foram publicados os posts dos sujeitos e a partir dos encontros dialogados foi possível aprofundar nossas reflexões sobre este processo. A abordagem de investigação praxiológica contou com uma relação íntima com o campo de pesquisa, atuando através da prática cotidiana para coletar dados e implementar o experimento formativo. Assim a análise dos conteúdos das publicações dos sujeitos e a reflexão sobre este processo de criação evidenciou suas vozes e a efetiva participação dos sujeitos em atividades de letramento e de emancipação, exercendo o direito ao uso da palavra e da linguagem. Tomando o blog como um instrumento de suporte de linguagem importante no ambiente escolar no CEEJA. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Experimento didático-formativo. Prática de Ensino. Tecnologias Digitais. Teoria Histórico-Cultural. ABSTRACT The present study, a qualitative approach, involves a formative experiment that uses the blog as a digital language support in pedagogical teaching activities at CEEJA - State Center for Youth and Adult Education. The study aims to use autobiography as an element of emancipation of the subjects through the use of language in school activities, from blog posts, valuing as voices and life stories of those considered, using the blog as a popular library and investigating digital in the posts of the subjects to their research from the contents and statements used by the authorial way. Use the blog as a research tool to promote reading and writing practices, in order to motivate subjects and enhance their voices in the process of emancipation through the language and pronunciation of the world. From the perspective of liberating education, the interpretation of the blog as a popular library in the digital environment meets the objectives of use and appreciation and voices, such as the way they recognize themselves as authors and use the linking of products published on the internet, effectively participating in the Web 2.0 for the creation of content and from permitted filtering activities in real contexts, with subjects as carriers and promoters of culture in the continuum of history, socially situated. The process of using the blog is in line with the theoretical references of Historical Cultural Theory, philosophy of language and liberating education for the development and emancipation of the subjects, from an integral formation. The research subjects are CEEJA students invited to participate and who in this production process for the blog become authors, publishing their own life stories on the internet. Having the formative experiment composing in the dynamics of elaboration, production and publication of the contents, with monitoring of the subjects during the process for the collection and generation of the data, with two main instruments: the blog itself and dialogued meetings. The subjects' posts were published on the blog and from the dialogued meetings it was possible to deepen our reflections on this process. The praxiological investigation approach had an intimate relationship with the research field, acting through daily practice to collect data and implement the training experiment. Thus, the analysis of the content of the subjects' publications and the reflection on this creation process showed their voices and the effective participation of the subjects in literacy and emancipation activities, exercising the right to use the word and language. Taking the blog as an important language support tool in the school environment at CEEJA. Keywords: Youth and Adult Education. Didactic-formative experiment. Teaching Practice. Digital Technologies. Historical-Cultural Theory. LISTA DE IMAGENS 1. PUBLICAÇÃO DENUNCIE VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES...................66 2. PUBLICAÇÃO HOMOFOBIA NÃO!...........................................................................67 3. PRINT DE COMENTÁRIOS NA INTERNET............................................................69 4. PRINT DO GRÁFICO DE ACESSOS NO BLOG..................................................106 5. PUBLICAÇÃO DENUNCIE VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES.................107 6. PUBLICAÇÃO HOMOFOBIA NÃO!.........................................................................111 LISTA DE TABELAS 1. ETAPAS DA PESQUISA.............................................................................................46 2. CONTAGEM DE POSTS PUBLICADOS NO BLOG.............................................. 57 3. RELAÇÃO DE POSTAGENS E AUTORES POR DATA DE PUBLICAÇÃO......58 LISTA DE SIGLAS CEEJA CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS CNBB CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL EaD EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA EJA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS LDBEN LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL MEB MOVIMENTO EDUCAÇÃO DE BASE MOBRAL MOVIMENTO BRASILEIRO DE ALFABETIZAÇÃO ODS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ONG ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL ONU ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PC PROFESSOR COORDENADOR CPC CENTRO POPULAR DE CULTURA PNE PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO PNUD PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO PPP PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO RDH RELATÓRIO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO TDIC TECNOLOGIAS DIGITAIS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO UNE UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO..............................................................................................................12 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.................................................................................15 2.1. CONTEXTO HISTÓRICO DE LEGITIMAÇÃO DA EJA E CEEJA NO BRASIL............................................................................................................................ 15 2.2. CONCEPÇÕES DIDÁTICAS, POLÍTICAS E PEDAGÓGICAS DE AÇÃO EM EJA....................................................................................................................................25 2.3. DESENVOLVIMENTO PELA LINGUAGEM E LETRAMENTO DIGITAL......37 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.................................................................45 3.1. FUNDAMENTAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA QUALITATIVA.....45 4. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE RESULTADOS........................................55 4.1. CONTEÚDOS DAS PUBLICAÇÕES DOS SUJEITOS.................................... 55 4.2. ENCONTROS DIALOGADOS COM OS SUJEITOS........................................80 4.3. REFLEXÕES, RELATOS E EXPERIÊNCIAS SOBRE O EXPERIMENTO FORMATIVO...................................................................................................................94 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 107 6. REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 111 7. APÊNDICE I: VOZES DOS SUJEITOS: ÍNTEGRA DOS TEXTOS PUBLICADOS NO BLOG.............................................................................................114 12 1. INTRODUÇÃO Partimos do pressuposto de que o desenvolvimento de práticas educativas significativas, de forma geral, e na educação de jovens e adultos - EJA, em particular, exige o compromisso efetivo com o acolhimento, a busca de envolvimento dos sujeitos em atividades prazerosas, o respeito às diferenças e à cooperação, com vistas à consolidação de valores e condutas voltados à superação da tendência histórica de fragmentação do conhecimento a ser socializado, o que exige reorganização de procedimentos, espaços e tempos escolares. Nesse modo de pensar, a proposição de totalidades nas quais não se trabalha com conteúdos estanques, em componentes curriculares hermeticamente fechados, impõe um olhar diferenciado às abordagens didáticas com vistas à articulação entre as diferentes frentes de conhecimento e a certeza de que a escola do giz e do apagador não atende às demandas da educação de uma maneira geral e em especial a clientela da EJA no ambiente escolar contemporâneo. Assim, a pesquisa orientou-se pela busca de novos espaços de direito e permanência na escola, fundamentando-se na perspectiva da Teoria Histórico Cultural, da Filosofia da Linguagem e da Pesquisa Qualitativa, tendo como principais nortes da reflexão o legado de Vygotsky ao pensar o desenvolvimento dos sujeitos por meio da linguagem e de Paulo Freire orientando os métodos de ação pedagógica no âmbito da EJA e ao estudo dos gêneros discursivos em Bahktin, com foco na produção de autobiografias. Orientamo-nos por uma perspectiva de formação integral de sujeito e da prática libertadora para a emancipação dos sujeitos, em que os indivíduos necessitam ser motivados no processo educativo pelo sentido da aprendizagem de maneira omnilateral, formando as pessoas para as múltiplas necessidades, interpretando a realidade e desvelando a situação social dos sujeitos neste processo, reconhecendo-se como sujeitos históricos e integrantes culturais na sociedade. Na perspectiva da Teoria Histórico Cultural os sujeitos são portadores de cultura e estão imersos em contextos históricos que dão profundidade a suas experiências sociais; são sujeitos culturais, constituídos e construtores de cultura, tendo seu desenvolvimento fundamentado em relações sociais, no contato direto com outras pessoas e mediados pela linguagem. A função do docente nesta 13 perspectiva é promover o diálogo e intensificar a comunicação verbal de maneira a criar ambientes favoráveis ao desenvolvimento dos sujeitos. O experimento didático-formativo de que trata a pesquisa foi elaborado com metodologia análoga ao pesquisador-participante, partindo de intensas trocas e envolvimento íntimo com o campo de pesquisa, procurando por meio da proximidade, da troca e da colaboração compreender as necessidades específicas na implementação das TDIC na EJA. A partir desta dinâmica objetivou-se a implementação do blog como um suporte de linguagem capaz de promover atividades de letramento que incentivem práticas de leitura e escrita em ambientes digitais. A pesquisa inclui-se no campo da EJA e das TDIC como um suporte de linguagem a ser utilizado na educação, ocorrendo especificamente em um CEEJA; desta maneira, reflete sobre a abordagem teórica e metodológica sobre estes recursos, interpretando essas como suportes de linguagem digital, com características próprias e possibilidades ampliadas de desenvolvimento nas atividades didáticas escolares, superando uma visão de uso das tecnologias na educação com viés restrito a capacitação técnica para o trabalho e de recurso de educação a distância. As TDIC neste experimento formativo são suportes de linguagem, servindo como recursos intelectuais de desenvolvimento e de comunicação humana, assim representam possibilidades ampliadas e não meros recursos técnicos, tendo o blog como uma biblioteca popular, ou seja, um espaço de valorização das vozes dos sujeitos e letramento, ou seja, de utilização situada da linguagem em contextos reais e significativos. O blog em nossa investigação aparece como uma biblioteca popular na perspectiva de Paulo Freire em ambiente digital, ou seja, um espaço digital das TDIC, localizado na internet, que valoriza as vozes dos sujeitos e suas vivências, incentivando a participação social e a intervenção na realidade por parte dos sujeitos por meio da palavra emancipadora, procedendo assim uma verdadeira inclusão digital pela ótica da atuação nestes ambientes digitais, da valorização dos sujeitos neste processo e pelo uso social da palavra, motivando assim práticas significativas de leitura e escrita nestes ambientes. A fundamentação teórica está organizada de maneira a pensar o contexto histórico de legitimação da EJA no Brasil, em face aos projetos educacionais e ao tratamento político das práticas educativas para esta modalidade educacional, 14 pensando a maneira de sua composição no Brasil e as propostas políticas e pedagógicas de ação para a EJA. O panorama histórico prepara nossa reflexão para explorar a proposta de educação libertadora e seus métodos de ação ao focar no uso da linguagem como emancipatória Os procedimentos metodológicos estão estruturados como uma pesquisa qualitativa, sendo um experimento formativo com abordagem pesquisador- participante, envolvendo-se intimamente com o campo de investigação e propondo práticas orientadas na dialética da ação-reflexão-ação, implementando metodologias de utilização do blog na EJA e refletindo a cada ação proposta, assim se propõe uma pesquisa prática de envolvimento e de reflexão direta com o campo de estudo e das múltiplas vozes envolvidas neste processo, investigando com especial atenção o processo e as produções dos sujeitos. A coleta e reflexão das informações geradas nos procedimentos de pesquisa investigam os conteúdos das publicações dos alunos, os enunciados desses sujeitos e os assuntos privilegiados, organizados em categorias orientadoras da reflexão para facilitar a análise dos resultados. As vozes dos sujeitos são de importância central na investigação, por este motivo optou-se após a publicação e análise das postagens dos sujeitos, promover encontros dialogados que buscaram evidenciar a percepção dos envolvidos sobre a dinâmica de publicação e o processo de produção dos conteúdos, investigando assim a ótica dos sujeitos sobre o experimento. A partir de práticas significativas de leitura e escrita em ambiente digital é possível promover uma verdadeira inclusão digital e a participação na Web 2.0, com valorização das vozes dos sujeitos, tanto nas produções autorais no blog, quanto nos movimentos de reflexão sobre o experimento promovido. Assim, valorizam-se os conteúdos publicados e a percepção dos sujeitos sobre este processo, criando uma documentação mais próxima aos sujeitos e suas reais necessidades para uma formação integral e a educação libertadora com vistas a emancipação. O texto que segue ficou organizado iniciando pela fundamentação teórica, subdividida em três sessões que se complementam. No primeiro capítulo, da fundamentação teórica, a primeira parte é trabalhada a perspectiva histórica sobre as ações de legitimação da EJA no âmbito do Estado brasileiro, investigando quais perspectivas teóricas são contempladas historicamente enquanto políticas de Estado, utilizando-se do recorte temporal do Brasil republicado. O segundo tópico apresenta as principais perspectivas pedagógicas em disputa para a EJA no Brasil 15 contemporâneo, situando nossa investigação neste campo. A terceira parte da fundamentação teórica embasa nossa orientação teórica e fundamenta as ações tomadas no transcorrer da investigação, justificando e referenciando a presente pesquisa. Na sequência explicita-se a metodologia de pesquisa, evidenciando as etapas da investigação, o local, os sujeitos e o método de coleta de informações, utilizando- se de um experimento formativo para a geração de informações. Após as explicações acerca do experimento, materiais, organização e métodos, parte-se para o capítulo de apresentação e discussão dos resultados. O capítulo em questão, destinado aos resultados da pesquisa, foi organizado em três sessões, sendo a primeira sobre a reflexão sobre as produções dos sujeitos, com os textos publicados no blog, procedendo com uma análise sobre os conteúdos e enunciados produzidos, organizando a exposição por autoria, de maneira a valorizar a identidade dos sujeitos. A segunda parte do capítulo dos resultados aborda os encontros dialogados, utilizando deste espaço para conhecer melhor os sujeitos pela interlocução de vozes no diálogo com os alunos sobre o experimento formativo e a terceira parte elabora reflexões sobre a experiência de implementação do experimento formativo no ambiente escolar, em diálogo com os enunciados do encontro dialogado com a coordenação pedagógica da instituição campo da pesquisa. As considerações finais fazem um apanhado sobre a pesquisa desenvolvida e os elementos pós-textuais elencam as referências que embasaram nossa investigação e os textos dos sujeitos na íntegra, organizados por data de publicação no blog. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1. CONTEXTO HISTÓRICO DE LEGITIMAÇÃO DA EJA E CEEJA NO BRASIL Iniciamos nossa reflexão com um panorama histórico sobre o campo da EJA que permite ter a profundidade no tempo das propostas pedagógicas e o contexto político deste campo de pesquisa, investigando as principais ações e políticas no Brasil que legitimam as práticas pedagógicas e investimentos na EJA enquanto modalidade de ensino no âmbito do Estado, reconhecendo este como um espaço de embates políticas e de projetos pedagógicos em disputa. A partir desta reflexão 16 histórica procedemos com a anunciação do projeto pedagógico que optamos para orientar as ações da pesquisa e da apresentação dos principais pontos da teoria que fundamentam nossa prática, sendo estes principais fatores a ação pedagógica reflexiva, praxiológica e dialógica. Busca-se, por meio do processo de ação-reflexão- ação aproximar-se as propostas pedagógicas que dão verdadeiro sentido ao processo de aprendizagem integral do ser humano. A leitura histórica sobre o campo da EJA é importante para compreender melhor e com profundidade esta realidade específica, das práticas do passado que ajudam a localizar no presente as práticas contemporâneas neste contexto. As maneiras de pensar e atuar na EJA modificam-se no tempo, abordamos por meio de um panorama histórico as especificidades da realidade brasileira em face de algumas propostas internacionais, reconhecendo sua construção histórica e seu processo de legitimação no interior do Estado brasileiro. Fazer a leitura histórica sobre a EJA permite uma reflexão crítica para desvelar a realidade e o campo de investigação, reconhecendo as tensões sociais nestes contextos, os cidadãos envolvidos nestes processos, assim como os espaços de atuação dos sujeitos nos diferentes momentos históricos, reconhecendo as discrepâncias e defasagens entre as distintas realidades sociais e os momentos da história, reconhecendo o passado para saber intervir de maneira consciente no presente e de forma intencional modificar o futuro. A EJA no contexto nacional está imersa entre duas grandes concepções de ensino. Seu surgimento no Brasil, por iniciativa do Estado, está marcado pela preocupação na capacitação dos sujeitos ao trabalho e em se alinhar aos tempos modernos. Porém, seu desenvolvimento aponta para a preocupação por uma reparação e em justiça social, proporcionando a esses sujeitos o direito ao acesso a uma educação que lhes foi negada no passado, possibilitando a educação ao longo da vida. Historicamente, propõe-se no Brasil uma formação voltada para a capacitação para o mercado de trabalho, em que os educandos estejam habilitados para apertar botões e puxar as manivelas das fábricas, assim como a necessidade que os membros de uma sociedade estejam minimamente instruídos, podendo pertencer à modernidade, período em que se depositavam muitas esperanças no desenvolvimento nacional pelo crescimento econômico do país. Porém, este desenvolvimento nacional apresentou-se na realidade como contradição histórica. 17 Durante a primeira metade do século XX a república brasileira passou por momentos intensos de modernização, tanto nas práticas democráticas, admitindo-se o voto secreto das populações alfabetizadas e o voto feminino; também se modernizou o cotidiano no país, com implementos tecnológicos oriundos da indústria que se instalava. Foi forte o movimento de urbanização, necessitando de maneira crescente de trabalhadores capacitados e de eleitores alfabetizados, visto que em 1920 72% da população com mais de cinco anos de idade era analfabeta (HADDAD, 2000, p. 109). A educação de adultos precisa ser analisada da perspectiva da educação formal e não formal, onde a educação formal é aquela que acontece nos espaços oficiais, com profissionais formados e métodos de ação e a educação não formal é aquela que acontece em espaços fora do Estado como a família e em outros espaços de socialização como igrejas e ONGs. A educação de adultos destaca-se no início do século em seu âmbito não formal, que acontecia principalmente nos sindicatos urbanos, principalmente das fábricas, a fim de angariar e capacitar militantes. Na primeira metade do século XX em paralelo com esses avanços de modernização do país o movimento Escola Nova foi um dos primeiros marcos para a educação enquanto um direito do cidadão para a atuação democrática, admitindo-se a necessidade de escolarizar a população brasileira diante dos ideais de modernização. Logo na Constituição Federal de 1934, consta a preocupação pela gratuidade do ensino primário extensivo aos adultos. Porém, no âmbito do Estado não foram notadas políticas para educação de adultos até a criação em 1942 do Fundo Nacional do Ensino Primário, que destinava parte dos financiamentos do Estado para o ensino supletivo. Foi instalado em 1947 o primeiro órgão com a finalidade de organizar o ensino supletivo para a alfabetização de adultos chamado SEA - Serviço de Educação de Adultos, buscando reorganizar os planos anuais de ensino supletivo, criando materiais didáticos e mobilizando a sociedade civil. Foram elaboradas campanhas de alfabetização de adultos que fizeram os índices de analfabetismo da população maior de cinco anos de idade cair de 72% para 46,7% em 1960 (HADDAD, 2000, p. 111). Neste momento os adultos não escolarizados eram vistos como problema para o desenvolvimento urbano e da modernidade nacional, sendo incapazes e devendo ser ensinados como crianças: 18 Nesse momento, o analfabetismo era concebido como causa e não efeito da situação econômica, social e cultural do país. Essa concepção legitimava a visão do adulto analfabeto como incapaz e marginal, identificado psicológica e socialmente com a criança (RIBEIRO, 2001, p. 22). Essa visão de educação de adultos ganhou nova dimensão a partir da década de 1960 com o educador Paulo Freire e seu método de alfabetização, que passava a encarar os sujeitos jovens e adultos como portadores de cultura. Após a publicação da LDB - Lei de Diretrizes e Bases 4.024 de 1961, que ainda não contempla a educação de adultos em seu texto, mas estabelece a educação como um direito de todos. Apesar da educação de adultos não aparecer no texto da LDB, a década de 1960 foi um momento importante de legitimação da educação de adultos e das diretrizes para esta modalidade de ensino principalmente no âmbito não formal. Foram feitos vários encontros e ações para debater esta questão e pressionar o governo federal para que legitimasse esta modalidade de ensino, com destaque ao II Congresso Nacional de Educação de Adultos, o MEB - Movimento Educação de Base, da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Campanha de Pé no Chão Também se Aprende, os PCPs - Centros Populares de Cultura, da UNE e os Movimentos de Cultura Popular, ações que e grande parte viabilizavam a perspectiva do método de alfabetização de Paulo Freire, porém com o regime militar Freire é exilado e em 1964 institui-se o Programa Nacional de Alfabetização do Ministério da Educação e Cultura, que se afastaria das propostas que começaram a ser trabalhadas na década de 1960. Durante o período dos governos militares deu-se início ao MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização, criado em 1968 e estabelecido pelo ensino supletivo em 1971, que se distanciou das propostas pedagógicas dos movimentos populares com orientação da pedagogia freireana e passou a assimilar as propostas conservadoras em sintonia com o endurecimento do regime, propondo acabar com o analfabetismo no Brasil, neste momento interpretado como “vergonha nacional” (HADDAD, 2000, p. 115). A LDB 5.692 de 1971 dedica um capítulo inteiro para o ensino supletivo, tratando da educação de jovens e adultos que não obtiveram o estudo em idade própria, focando nas habilidades de ler, escrever e contar, assim como a formação profissional, utilizando também de tecnologias como a televisão e o rádio. 19 A legitimação da EJA no Brasil apresenta preocupações voltadas para a capacitação desta população para o trabalho urbano e fabril, que exigiam mais especialidades de formação dos sujeitos e uma capacitação técnica mais refinada para lidar com os equipamentos, assim como as exigências modernas de instrução da população para construção de uma Nação, com cidadãos mais instruídos, de eleitores habilitados a votar, capazes de sobreviver na modernidade, objetivando a capacitação para o mercado de trabalho e a instrução para a vida democrática. Por outro lado, com a redemocratização do país, no contexto das políticas nacionais e internacionais, surgiram amplas e numerosas propostas sobre o direito à educação e à qualidade de vida, propõem uma série de direitos, além de reconhecerem todos os sujeitos como iguais, políticas confirmadas pela Constituição Federal de 1988, conhecida como constituição cidadã, que reconhece todos iguais perante a lei e o direito à educação. A normatização deste direito ocorre na LDBEN 9.394/96 que admite a necessidade de métodos didático-pedagógicos de utilização das TDIC no ambiente de escolarização de jovens e adultos. Assumimos a necessidade do acompanhamento dos sujeitos, da linguagem, das práticas de leitura e escrita, sua interação, assimilação de conteúdos, o progresso escolar, criatividade, autonomia, interações e acolhimento na escola. A reflexão sobre a realidade na EJA em face a hipermodernidade, com o sentido da atividade mais profundo e teoricamente fundamentado, identificamos especificidades da EJA na escolarização face a inclusão das tecnologias no cotidiano desta modalidade escolar. A oferta da EJA deve ser especializada às necessidades dos estudantes, dispondo de condições favoráveis ao acesso e permanência pelos sujeitos, articulando-se preferencialmente com a educação profissional. A redação original traz a EJA como um direito àqueles que não tiveram continuidade dos estudos em idade própria, já a Lei 13.632/2018 dá nova redação e atribui o Objetivamos registrar e analisar formas e métodos didático-pedagógicos de utilização das TDIC no ambiente de escolarização de jovens e adultos, observando o desenvolvimento dos sujeitos, da linguagem, das práticas de leitura e escrita, sua interação, assimilação de conteúdos, o progresso escolar, criatividade, autonomia, interações e acolhimento na escola. De maneira específica procuramos implementar uma plataforma didático-pedagógica digital no cotidiano escolar como meio de acolhimento aos sujeitos, para participar colaborativamente utilizando as tecnologias, 20 incentivando o diálogo e a interação entre os sujeitos, criando um espaço para o uso da linguagem e de práticas de leitura e escrita em ambiente digital pelos sujeitos, criando produções autorais e publicações regulares na plataforma de pesquisa. Enfatiza-se o direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida, confirmando a preocupação da educação como um direito do cidadão em qualquer idade. O Brasil, em sintonia com órgãos internacionais como a ONU contempla a EJA nos textos normativos e nos financiamentos, mesmo que de maneira ainda pouco especializada ou sem esforços mais elaborados para esta modalidade de ensino. Este campo histórico de disputas políticas em que vivem os sujeitos da EJA está permeado por disparidades sociais e marcas de exclusão social, segregação e silenciamento destas populações. Historicamente no Brasil os esforços na alfabetização e formação de adultos estão, de certo modo, afastados do âmbito do Estado, ficando a cargo de ONGs e outras instituições preocupadas com a educação popular. A EJA no Brasil apresenta-se histórica e majoritariamente fora da esfera do Estado desde suas primeiras legislações até seu reconhecimento enquanto um direito inalienável do ser humano e garantido a todos os brasileiros ao longo da vida. Trata-se de ação educativa permeada por distâncias sociais, seja na segregação econômica, na questão racial, geográfica, de linguagem ou tecnologia. O papel do Estado ao assumir oficialmente esta tarefa necessita em nossa perspectiva voltar-se para o problema da inclusão destes indivíduos na vida social enquanto cidadãos atuantes e aproximando estes da riqueza dos conteúdos culturais, tendo contato com um amplo acervo cultural humano e tomando uso da linguagem de maneira mais consciente e refinada, preocupados com a formação integral, com a emancipação dos sujeitos e com o desenvolvimento da linguagem em contextos concretos e sociais, para além da formação profissional em uma perspectiva bancária de educação. Sobre seus sujeitos, identificou-se um grande extrato da população brasileira formada por indivíduos analfabetos ou analfabetos funcionais, com 27% da totalidade nacional em 2016, composta por pessoas com mais de 35 anos em média, sendo principalmente vendedores ambulantes e donas de casa (LIMA, 2016, p. 16), porém 69% dos jovens entre 18 e 24 anos no Brasil não estão estudando em 2017 (BRASIL, 2017) e a totalidade de analfabetos funcionais no Brasil subiu para 29% em 2018 (LIMA, 2018, p. 8), visto que a migração dos sujeitos da educação regular 21 para a EJA acontece nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio (INEP, 2017, p. 17). As três características mais marcantes entre os sujeitos da EJA são cor, sexo e moradia, tendo o fator econômico como elemento que transpassa todas as classes analíticas destes contextos. Portanto, a característica mais marcante é a pobreza ou a vulnerabilidade social, seguido da cor da pele negra e população rural. Nesta perspectiva podemos analisar essa população como composta majoritariamente por pessoas em situação de vulnerabilidade social, sendo pobres, negros, mulheres e moradores da zona rural. As disparidades sociais continuam, entre as mulheres, apesar de possuírem maior grau de escolaridade em comparação aos homens, ainda acabam tendo salário inferior ao dos homens, apesar deste quadro apresentar melhorias nas diferenças entre remunerações de homens e mulheres. Entre os negros e população rural a situação se agrava, pois o IDH - Índice de Desenvolvimento Humano entre negros levou dez anos para alcançar os números da população branca, que continuou avançando. Em termos gerais, a disparidade entre brancos e negros e entre homens e mulheres diminuiu, porém o Brasil ainda figura em décimo lugar em uma lista de 147 países mais desiguais do mundo segundo o RDH - Relatório de Desenvolvimento Humano elaborado pela ONU - Organização das Nações Unidas em 2017 e com base nos dados do índice Gini, divulgados pelo PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. No Brasil, somente em 2010 o IDHM dos negros se aproximou ao IDHM dos brancos observado para o ano 2000. Em outros termos, o IDHM dos negros levou 10 anos para equiparar-se ao IDHM dos brancos. Este seguiu avançando, e ainda era 12,6% superior ao dos negros, em 2010. A renda das mulheres também apresenta disparidades marcantes: era 28% inferior à dos homens, mesmo obtendo níveis educacionais mais elevados. Entre o campo e a cidade, a desigualdade nos indicadores de renda também ganha destaque. A renda domiciliar per capita média da população urbana é quase três vezes maior do que a da população rural (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2017, p. 11). No contexto internacional destacamos a Agenda 2030 da ONU e os ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em que são propostos 17 objetivos gerais para os países, como educação de qualidade, erradicação da pobreza e redução das desigualdades, promovendo debates com a proposta de Educação para Todos, já no contexto nacional destacamos o PNE - Plano Nacional da Educação 22 com a Lei 13.005/14 que estabelece metas para a educação nacional, dentre eles a universalização da educação básica no país e a meta 10, específica para a EJA, que estabelece um mínimo de matrículas nesta modalidade integrada à educação profissional. A EJA apresenta-se em meio a uma realidade de exclusões e de segregação social de seus sujeitos, que estão em situação de vulnerabilidade social e ao tratar das TDIC essa desigualdade amplia-se “o analfabetismo representa apenas uma forma extrema de exclusão, dentre as múltiplas formas de apartheid social que se mostram atreladas, e que não podemos tratar como se isoladas fossem” (CAMARGO, 2015, p. 262). A modernidade foi marcada pela inclusão das máquinas e da vida urbana, onde os sujeitos jovens e adultos não escolarizados foram instruídos a procurar capacitação para sobreviver nesta realidade. No período contemporâneo vive-se a Hipermodernidade (ROJO, 2015) ou a Sociedade da Informação (TAKAHASHI, 2000), onde os indivíduos estão imersos em ambientes digitais e necessitam utilizar das TDIC nas mais diversas atividades cotidianas. A Sociedade da Informação é a sociedade contemporânea que está fundamentalmente ancorada no fluxo de dados e na acelerada demanda por informações, onde os sujeitos sobrevivem ao relacionar e ter que lidar com múltiplas informações em tempo cada vez mais acelerado (COUTINHO, 2011). Já a hipermodernidade avança nesta análise da sociedade contemporânea e identifica aspectos novos, como a digitalização e acesso as informações, mas reconhece este momento histórico como um continuo da modernidade vivida nos séculos anteriores, tratando-se de uma modernidade exagerada ou radicalizada, por isso hipermodernidade, onde não existem rupturas com a modernidade, mas a intensificação das características já apresentadas como o desenvolvimento tecnológico, o controle e medição do tempo e a vida em massas urbanas, possibilitando, por exemplo, comunicação em tempo quase instantâneo em diferentes localidades geográficas (ROJO, 2015). Diante deste contexto de radicalização da modernização na vida cotidiana, podemos proceder a mesma crítica que se fazia à modernidade quanto a sua imersão nos espaços, afirmando que existem locais onde os tempos modernos realmente chegaram e se faz presente e outras localidades em que tais desenvolvimentos ainda são incipientes. O campo da EJA, na hipermodernidade é um contraponto importante de reflexão, pois é um espaço em que nem todos os 23 avanços propostos na hipermodernidade se fazem presentes, sendo possível encontrar disparidades entre os contextos digitais e o campo da EJA, como o acesso às informações e à equipamentos de alta tecnologia. Interpretamos nesta perspectiva as TDIC como objetos culturais que dão acesso a um universo cultural próprio, onde sujeitos que não têm acesso aos computadores ou outros suportes de linguagem digital acabam segregados deste universo da cultura digital e da hipermodernidade. Incentivados por essa reflexão, cabe na EJA investigar as tecnobiografias dos sujeitos, ou seja, seus históricos de proximidade e uso dos computadores ou outros suportes de linguagem digital, assim o fator da idade dos sujeitos não é fator determinante ao trabalhar o uso das TDIC nas atividades pedagógicas, mas o fator de maior relevância aparece na relação destes sujeitos com os recursos digitais ao longo de sua vida “É por essa razão que, ao pesquisar o uso da linguagem online, enfatizamos as vivências das pessoas e suas relações cotidianas com as tecnologias, ou o que é referido como tecnobiografias” (BARTON, 2015, p. 41). Portanto, para além da faixa etária dos sujeitos, cabe ao docente que trabalhar pedagogicamente as TDIC e investigar as tecnobiografias dos sujeitos para identificar as necessidades específicas para planejar seu trabalho docente. Quanto a utilização das TDIC no âmbito das atividades pedagógicas na EJA, encontramos uma imersão tímida e ainda voltada ao ensino técnico, priorizando a formação profissionalizante antes da formação humana, voltando todos os esforços para a capacitação técnica ou profissionalizante ou na perspectiva de um instrumento tecnológico útil para a EaD - Educação à Distância, onde o Decreto 9.057/17 confirma essa tendência e abre caminho permitindo a EJA totalmente a distância, cabendo sua regulamentação aos estados, municípios e distritos. Portanto, os investimentos em tecnologias no campo da EJA são muito similares as propostas pedagógicas do momento de modernização do país, preocupando-se com a capacitação técnica para o mercado de trabalho e para a sobrevivência nesta sociedade que denominamos já como hipermoderna. As propostas pedagógicas hegemônicas que se preocupam somente com a especialização técnica e com a capacitação para o mercado de trabalho, visam preparar os sujeitos para sobreviver nesta sociedade contemporânea, partindo dos eixos do ser social, de trabalho e cultura, das necessidades humanas, da organização do Estado, das estruturas de mediação com a linguagem e da 24 intencionalidade do trabalho pedagógico (PALUDO, 2015, p. 235). A partir desta perspectiva histórica é possível que este projeto político hegemônico para a EJA acabe por promover a manutenção das desigualdades entre os sujeitos da EJA e os da hipermodernidade, afastando os jovens e adultos não escolarizados das reais possibilidades de desenvolvimento e de atuação na hipermodernidade, focando somente na capacitação para o mercado de trabalho, representando, numa perspectiva histórica, um continuo das políticas pedagógicas desenvolvidas no Brasil para a EJA, não servindo neste caso para a efetiva emancipação dos sujeitos. O CEEJA aparece como uma alternativa no âmbito do Estado como a política pública mais aprimorada de iniciativa estadual para a educação de jovens e adultos. As instituições de ensino deste modelo apresentam características particulares, com presença flexível e acompanhamento individualizado, além de contar com propostas específicas para a educação de adultos, pensando a realidade concreta desses sujeitos. Já o CEEJA em que ocorreu a pesquisa é ainda mais diferenciado, pois tem uma coleção de prêmios, como o Prêmio Construindo a Nação, vencedor em primeiro lugar algumas vezes e finalista entre os primeiros outras tantas, tomando este local como um locus propício ao desenvolvimento de propostas pedagógicas de emancipação e de formação integral dos sujeitos, visto que os CEEJAs, apesar de apresentarem organização especializada ao atendimento dessas populações, possuem uma rotina muito individual de formação visto que cada sujeito pode fazer seu horário e percurso formativo, perdendo um pouco do contato social e do convívio escolar cotidiano. Já O CEEJA em questão funciona de maneira singular, pois a organização didático-pedagógica é diferenciada pela organização em projetos e com objetivo de formação integral dos sujeitos, além do funcionamento específico, atendimento personalizado, individualizado e presença flexível próprios de um CEEJA, atendendo ao segundo seguimento do Ensino Fundamental e Ensino Médio. O objetivo deste sistema de organização escolar procura atender as necessidades dos alunos trabalhadores, funcionando nos três turnos (manhã, tarde e noite) e permitindo a presença flexível, em que o sujeito pode frequentar a medida que conseguir, com plantões de dúvidas onde os sujeitos podem procurar a escola sempre que necessário e cumprir as atividades didáticas a seu próprio tempo, sendo esta a proposta mais especializada ao atendimento da população jovem e adulta em escolarização no âmbito do Estado. 25 2.2. CONCEPÇÕES DIDÁTICAS, POLÍTICAS E PEDAGÓGICAS DE AÇÃO EM EJA A escola ou o processo de escolarização formal é caracterizado pela sistematização dos conteúdos da cultura humana com respaldo científico, com uma metodologia específica, uma organização própria, realizada por profissionais, sendo institucionalizada e com certificação, acontecendo assim em espaços formais e com organização por parte do Estado, que atesta sua legitimidade. Já o ensino não formal é praticado por instituições diversas como igrejas, ONGs e associações de moradores, que buscam promover a cultura e a inclusão social, fora do âmbito do Estado. Os movimentos populares são os principais motivadores da educação não formal para a promoção da educação e da cultura, principalmente por seu enfoque nas relações sociais, no desvelamento da realidade e no desenvolvimento de consciência política, não sendo legitimada dentro do âmbito do Estado. A educação informal, por outro lado, é aquele processo de aprendizado cotidiano e dialético, que chamamos aqui de vivências e experiências que acontecem na família e em espaços de convívio social. A atuação pedagógica exige clareza teórica sobre os objetivos da aprendizagem, sobre quais conteúdos eleger e quais os métodos apropriados eleger para trabalhar os assuntos escolares selecionados. Na EJA esta clareza apresenta- se ainda mais cara ao educador, que lida com uma realidade específica em um campo de embates políticos e de projetos pedagógicos, com sujeitos muitas vezes segregados na sociedade, em situação de vulnerabilidade social, em que tiveram o direito a educação em idade adequada negado por diversos motivos. A conscientização do docente frente a perspectiva didática e política de sua atuação é elemento importante na definição dos conteúdos e métodos de ação por parte do profissional da educação, pois este pode optar por uma educação distante dos problemas sociais vivenciados por seus educandos, com um ensino conteudista e com viés de massificação, chamada de educação bancária por Paulo Freire, centrando a atenção em ensinar os conteúdos escolares de maneira sistematizada, porém descontextualizada da realidade concreta dos sujeitos “A prática educativa é tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança ou, lamentavelmente, da permanência do hoje” (FREIRE, 1996, p. 53). 26 Por outro lado, o educador pode optar por uma formação integral, omnilateral, que tem a preocupação de formar o cidadão para a atuação social, em sintonia com as propostas da educação popular, não preocupados somente com um aspecto da formação para o trabalho ou a instrumentalização técnica, como na aprendizagem de um determinado conteúdo escolar ou na capacitação profissional, mas sim numa formação em múltiplas frentes, preocupada com diversas necessidades humanas, aplicando estes saberes na realidade concreta, procurando situar o sujeito no contexto real e evidenciar sua importância na sociedade, partindo de um “resgate da identidade cultural do educando adulto e para a compreensão das relações de poder manifestas nos processos de produção, especialmente nas relações de trabalho produtivo, condições essenciais para o exercício da cidadania” (GIROTTO, 2004, p. 90). O profissional da educação é quem decide os objetivos da ação pedagógica, preocupado em qual o sentido do processo de aprendizagem para este sujeito, que pode pensar uma formação humana, integral e articulada à realidade concreta, especializada e que afasta-se da visão de indivíduo como mercadoria ou como mero trabalhador (FREITAS, 2005, p. 102). Para optar por um projeto de formação integral é necessário clareza teórica e reflexão sobre quem são os sujeitos e qual a concepção de sujeito que se utiliza no processo de desenvolvimento. O panorama histórico da EJA no Brasil já traz indícios de quem são esses sujeitos que estão entre os adultos não escolarizados, possibilitando reconhecer suas condições históricas, os projetos de educação para essas populações e refletir sobre as possíveis concepções pedagógicas e modos de ação ao atuar nesta modalidade de ensino. As maneiras do sujeito ler e de ser leitor, modificando assim sua leitura de mundo, através da oralidade, da escrita, do digital, das múltiplas linguagens, sabendo-se como interlocutor na comunicação humana. Em síntese a escola autônoma não é a escola abandonada à sua própria sorte pelo Estado, mas aquela dentro de um Estado que se propõe também a valorizar o município e a escola como núcleos autônomos de participação numa política mais ampla (GADOTTI, 2015, p. 135). A escolarização é esta organização e sistematização formal dos conteúdos dentro do âmbito do Estado, desta maneira os sujeitos podem ter acesso a uma riqueza de conhecimentos produzidos e acumulados pelos humanos ao longo da 27 história. Cabe ao educador tomar decisões quanto aos métodos e objetivos no trabalho pedagógico com estes conteúdos culturais humanos. Procuramos assim pensar o indivíduo no contínuo da história, a partir do acúmulo de experiências humanas que foram sistematizados através do tempo e que formam a cultura, que de fato nos tornam seres humanos, situando os educandos neste continuo. A escolarização é esta sistematização da cultura de maneira formal, organizando conhecimentos em uma forma mais elaborada de pensar. Cabe a escola também adequar os métodos e conteúdos para a EJA, sabendo que seus sujeitos possuem especificidades e rotina, sendo portadores de cultura e não meros receptáculos de informações ou crianças crescidas “a adultos; a diferença está, fundamentalmente, na natureza das experiências e práticas de leitura e escrita proporcionadas a estes, e na necessária adequação do material escrito envolvido nessas experiências e práticas” (SOARES, 2004, p. 16). Os conhecimentos mais elaborados ou sistematizados, chamados de científicos ou formais, são frutos de constantes reflexões e diálogos ao longo da história, pela relação social entre indivíduos na ação comunicativa e que possuem esses conhecimentos internalizados. A partir desta perspectiva o profissional da educação não transfere conhecimentos, mas compartilha saberes, debate ideias, pensa a realidade em diálogo com os sujeitos no processo de aprendizagem, modificando-se mutuamente durante o percurso formativo. A cultura humana possui um acervo incrível de conhecimentos para os mais diversos objetivos, acreditamos, portanto, na perspectiva de que a escola deve estar atenta às necessidades e realidades específicas dos sujeitos da EJA, sabendo quais conteúdos formais organizar nas atividades didáticas, de que maneira e com quais objetivos, buscando não massificar as ações educativas observando o currículo e as necessidades dos educandos. Ao reconhecer a importância dos conteúdos formais da escolarização enquanto constitutivos de uma cultura mais elaborada e que o sujeito precisa ter contato, valorizamos a heterogeneidade dos conteúdos da aprendizagem, contemplando as múltiplas necessidades de aprendizagem e enriquecendo o processo educacional com uma variedade de assuntos a serem conhecidos e pensados pelos sujeitos de maneira significativa pelos sujeitos em seu próprio processo de desenvolvimento. A cultura primeira nesta perspectiva serve de base para articular múltiplos conteúdos em uma variedade imensa de assuntos que 28 precisam ser claramente pensados e objetivados pelo profissional da educação “O ponto de partida do trabalho pedagógico na EJA deve ser os saberes das vivências das/os educandas/os e o ponto de chegada, o conhecimento, por eles sistematizado” (GIROTTO, 2015, p. 267). Por outro lado, existem outros projetos cujo objetivo é a preparação focada somente para o mercado de trabalho, objetivando a formação profissional, como, por exemplo, o material escolar que orientou as ações pedagógicas no CEEJA durante o experimento da pesquisa foi o EJA Mundo do Trabalho, sendo uma coleção de materiais e vídeos que organizam os conteúdos escolares para este público, propondo aproximar-se da realidade destes sujeitos, por meio do eixo temático do trabalho, propondo assuntos que não infantilizem os adultos e também sejam mais próximos de suas realidades, porém com foco principal na preparação do sujeito para o trabalho, sem reflexões aprofundadas sobre a realidade concreta, sem propor momentos de fruição ou de apreciação cultural, apresentando os assuntos objetivados e massificados, sem a preocupação explícita com a emancipação dos sujeitos. O material EJA Mundo do Trabalho foi descontinuado, não sendo mais fornecido após o período da pesquisa, porém foi o principal material orientador de conteúdos durante o período do estudo. Fornecido pelo governo estadual, foi pensando na transmissão de conteúdos escolares sistematizados, com objetivo na instrumentalização para o mundo do trabalho, apresentando uma cultura mais elaborada, dos conhecimentos formais e científicos, porém sem se preocupar com a cultura primeira dos indivíduos, com a profundidade ou com a historicidade dos conteúdos, assim sem refletir sobre os sentidos da aprendizagem para esses indivíduos e sem reconhecer a dialogicidade necessária para a prática educativa. Este material representa o projeto hegemônico no âmbito do Estado para a EJA, mas a partir desta perspectiva escapa ao processo educacional a emancipação, a formação integral e omnilateral do ser humano, não refletindo sobre a profundidade histórica e sobre os múltiplos objetivos da aprendizagem, que podem extrapolar as necessidades de trabalho, em detrimento de uma perspectiva de formação para a vida cotidiana, conscientização sobre a realidade concreta e formação humana omnilateral. 29 O educador estabeleceu, a partir de sua convivência com o povo, as bases de uma pedagogia onde tanto o educador como o educando, homens igualmente livres e críticos, aprendem no trabalho comum de uma tomada de consciência da situação que vivem. Uma pedagogia que elimina pela raiz as relações autoritárias, onde não há “escola” nem “professor”, mas círculos de cultura e um coordenador cuja tarefa essencial é o diálogo [...] O educador, cujo campo fundamental de reflexão é a consciência do mundo, criou, não obstante, uma pedagogia voltada para a prática histórica real (FREIRE, 1967, p. 26). Para uma aprendizagem significativa faz-se necessário pensar os objetivos da atividade pedagógica e qual o sentido do processo educativo para o sujeito, desta maneira a relação teoria e prática se faz importante ao passo que auxilia a pensar maneiras de atuação na realidade concreta mediados pela linguagem na ação comunicativa. Refletir assim as contradições sociais, as tensões históricas e a participação do sujeito na realidade concreta, permite-nos refletir sobre o processo de construção do sujeito histórico, sabendo se posicionar, tomando uma postura clara e consciente frente aos desafios cotidianos. Os conteúdos da aprendizagem são reveladores sobre esses objetivos do processo educativo, pois podem favorecer uma reflexão crítica sobre as tensões sociais e a construção histórica dos sujeitos e da realidade social, mas podem também propor assuntos desconectados da realidade concreta, de maneira massificante, apresentando somente um acervo de assuntos formais e sistematizados, porém alheios aos sujeitos, numa perspectiva acrítica, que não favoreça a conscientização deste indivíduo enquanto sujeito atuante na sociedade e portador de cultura. A relação de conteúdos escolhida pelo educador revela seus objetivos e precisa buscar refletir sobre a realidade em seus pontos de tensões, por meio de temas geradores, que procuram engajar os educandos nos diálogos escolares e na reflexão sobre problemas cotidianos, muitos propostos por eles mesmos, em um processo dialógico de ensino, ouvindo e fazendo-se ouvir, valorizando assim suas vozes, experiências e opiniões, sabendo-se importantes, sabendo que estes são verdadeiramente portadores de saberes próprios e portadores de cultura, que deve ser valorizada no processo de escolarização num processo de educação libertadora onde a dialogicidade é a essência da prática libertadora (FREIRE, 2015, p. 107). O papel do profissional da educação é central nesta perspectiva, pois apesar do processo de aprendizado estar focado no sujeito e em sua atuação enquanto autor e ator de sua própria aprendizagem, o profissional é de extrema importância 30 como um facilitador, sendo aquele que organiza os saberes escolares, trabalha metodologicamente com os educandos e cria os ambientes favoráveis ao desenvolvimento dos sujeitos, interpretando a educação como “aprendizagem ao longo da vida como novo paradigma da educação do futuro, fundado em quatro pilares: aprender a aprender, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a ser” (GADOTTI 2010, p. 15), a despeito de questionamentos que podem ser feitos ao conceito de “aprender a aprender” no âmbito da teoria histórico-cultural. Em um plano ideal cabe ao profissional da educação bem formado escolher quais conteúdos trabalhar, com quais objetivos e métodos, tendo clareza sobre as maneiras de ensinar e as múltiplas formas de aprender mediados pela linguagem, conhecendo seus alunos e em dialogicidade com estes definir os objetivos da aprendizagem, porém no plano real das práticas pedagógicas concretas o que se percebe é a relação de conteúdos organizados em um currículo prévio alheio aos sujeitos. Assim o investimento na formação do educador é necessário para uma educação de melhor qualidade, reconhecendo a atuação docente como elemento estimulador do desenvolvimento dos sujeitos, na definição da qualidade da aprendizagem, relacionando os conteúdos e nos objetivos de ensino, avançando para uma educação dialógica e não meramente bancária conforme Freire (2015). Nessa perspectiva o educador não é um mero transmissor de saberes listados ou um organizador de conteúdos, mas um comunicador e um estimulador do debate e de ideias, quem já conhece os assuntos e faz papel de facilitador do desenvolvimento, procurando meios para que o indivíduo possa se apropriar dos conteúdos, internalizando essas saberes de maneira significativa ao passo de se ressignificar neste processo, transformando mutuamente a si mesmo, ao docente e a realidade durante o percurso formativo. A prática educativa formal nesta perspectiva vai além da relação de conteúdos listados, sistematizados e formalmente apresentados aos alunos, pois é praticada pelo profissional da educação, com fundamentação teórica e métodos de ação específicos, com legitimidade e respaldo estatal, em um processo dialético, exigindo ética e rigor científico, clareza nos objetivos da aprendizagem, além de uma estética agradável, que busque aproximar os assuntos formais aos temas geradores dos educandos. Assim toda educação é essencialmente política e dialética, comunicativa e responsiva, em que os sujeitos devem ouvir e ser ouvidos durante todo o processo, onde os objetivos da ação educativa deixam claras as intenções políticas, seja ela 31 libertadora ou bancária e alienante. Busca-se, neste sentido, ter clareza dos objetivos pretendidos no processo educativo, sem perder de vista sua eminência política, orientadora da educação e das práticas adotadas pelos educadores. Desta maneira toda ação pedagógica possui sua orientação política, seja ela velada ou explícita, não se admitindo uma educação que se diga neutra ou não ideológica, pois toda ação comunicativa está em defesa de algo, cabendo observar neste processo quais os objetivos das atividades propostas no âmbito escolar. Um currículo flexível é necessário para atuar na realidade da EJA, pois as práticas pedagógicas vão se definindo a medida que os sujeitos demonstram, nos diálogos e interlocuções com o educador, seus próprios temas geradores, apresentando assim demandas próprias, atribuindo mais sentido ao processo de aprendizagem, pensando a realidade e seu desvelamento. O campo da EJA está permeado por esses embates para a legitimação das práticas pedagógicas, assim novas abordagens fazem-se necessárias para o efetivo aprendizado significativo, que vise uma formação humanizada, especializada e preocupada com o desenvolvimento destes sujeitos, utilizando-se das TDIC como elementos de aproximação e valorização dos indivíduos e não como meros recursos de capacitação, mas como suporte de desenvolvimento e de linguagem. Orientados pela perspectiva de um trabalho pedagógico em um plano de ação que oriente a tomada de consciência dos sujeitos sobre sua realidade social concreta, buscando por meio da mediação com a linguagem o desenvolvimento da capacidade de leitura e escrita, assim como sua leitura de mundo e do desvelamento de suas condições históricas de vida, busca-se o enriquecimento cultural dos sujeitos mediante a um rico e variado acervo a partir da riqueza produzida pelos humanos ao decorrer da história, para articular os objetos de aprendizagem com intuito de alcançar a reflexão crítica sobre a realidade e os objetivos propostos no processo educativo. Sabendo da palavra enquanto emancipadora do sujeito que é capaz de comunicar-se e pronunciar a sua própria realidade, atuando conscientemente, mediado pela linguagem, na sociedade. Pensamos a educação como emancipadora por intermédio da linguagem, sendo de formação integral, pela formação omnilateral, refletindo sobre as mais diversas possibilidades humanas, com um amplo acervo cultural oriundo de uma cultura elaborada, sem polir seu desenvolvimento com objetivos enquadrados em necessidades delimitadas somente para a capacitação para o trabalho, sem 32 profundas reflexões sobre a realidade e sobre o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem. Destacamos, portanto, os objetivos da educação libertadora, pensando o indivíduo enquanto sujeito de ação social, entendendo este como um ser histórico, portador de cultura, membro da sociedade, socialmente localizado que é capaz de se emancipar pela palavra e pronunciar sua própria realidade concreta e denunciamos, por outro lado, o projeto de uma educação alienante, voltada para um indivíduo objeto, passivo, raso e sem consciência de suas condições sociais e históricas, sem se preocupar com a necessidade de refletir sobre a realidade concreta. A linguagem é emancipadora à medida que permite ao sujeito a reflexão crítica para a transformação da sociedade e de sí mesmo, encarnada e modificadora da realidade, em diálogo direto com outros sujeitos no processo de aprendizagem, utilizada como pronúncia da própria realidade e de intervenção social, para se expressar, atuar no mundo e dar sentido ao processo educacional. Assim não se trata de reproduzir outras palavras, dita por outros, mas sim de dizer suas próprias palavras, em seus contextos específicos, respondendo às necessidades imediatas particulares e coletivas de comunicação e socialização dos sujeitos, atendendo a anseios mais complexos de motivação pessoal, enquanto emancipadora e transformadora dos sujeitos “em vez de ser veículo das ideologias alienantes e/ou de uma cultura ociosa tornar-se-á geradora, isto é, o instrumento de uma transformação global do homem e da sociedade” (FREIRE, 1967, p. 3). A palavra nunca pode ser um dado, doado pelo educador, mas precisa ser tema de debate entre os participantes de um circulo de cultura, ação comunicativa ou ação educativa, enquanto processo de conhecimento e de aprendizagem, sendo a palavra estudada não enquanto composição de fonemas ou de estruturas sintáticas, mas sim enquanto elemento desvelador e problematizador da realidade, de comunicação e expressão humana, mobilizando a atenção dos sujeitos para o sentido da linguagem no processo de aprendizagem, focando a atividade de estudo nos sentidos das palavras para os sujeitos e não em seus meros significados generalizados ou em conteúdos listados, só desta maneira é possível, portanto, trabalhar a linguagem enquanto elemento de emancipação humana. Preocupamo-nos em negociar sentidos com os sujeitos e produzir significados em diálogo e parceria com os educandos, num processo dialético de diálogo, onde a palavra alcança sentido em seu contexto específico, de maneira individual e coletiva. 33 A palavra não pode ser morta ou mórbida, fria e definida em significados estanques, jamais restrita ao aprendizado de técnicas e noções gramaticais abstratas, alheias ao sujeito, mas precisa ser dialógica, viva e construída no âmbito do diálogo e das relações sociais concretas, pelas vivências dos sujeitos, dizendo sobre suas vivências, dores, alegrias, anseios, sobre seus saberes concretos em contextos reais, dando voz a estes, que outrora foram silenciados e segregados do direito à educação. O educador de jovens e adultos jamais pode impor algo aos estudantes, o diálogo deve ser a principal maneira de atuação docente e metodologia de ensino, pois é por meio da dialética da conversa aberta, realmente interessada na palavra do outro é que o processo comunicativo e de aprendizagem pode se concretizar de maneira mais efetiva e consciente, sendo possível reconhecer as necessidades dos sujeitos e articular esses anseios aos conteúdos formais e culturais do contexto escolar. O processo educacional precisa servir como afirmação da liberdade dos sujeitos e de valorização de suas vozes e vivências para seu desenvolvimento, instrumento de confirmar a liberdade, de escolher conscientemente e de ter clareza dos contextos concretos que permeiam as vivências dos sujeitos. A leitura histórica e reconhecer-se enquanto pertencente a este processo é essencial para a emancipação e afirmação da liberdade, pois remete a reconhecer a significação real do termo liberdade e suas implicações na história e cultura dos sujeitos, tomando a opressão como realidade histórica e antagônica à liberdade, utilizando a educação nos círculos de cultura como prática crítica e libertadora de emancipação dos sujeitos, sabendo por meio da linguagem fazer sua própria leitura e pronúncia de mundo sobre a realidade concreta. A palavra geradora, neste contexto, serve como início da reflexão para quebrar o silêncio de populações silenciadas na sociedade, pois permite pensar a realidade a partir de uma expressão verdadeira e legítima dos sujeitos que tiveram suas vozes silenciadas em seu passado, que foram segregadas do direito à educação e à voz no âmbito social. Quebrar o silêncio, permitir possibilitar que essas vozes sejam ouvidas e ouvir verdadeiramente, com interesse e intencionalidade, permitindo modificar e ser modificado pelas palavras dos indivíduos, oriundas de motivações particulares de seus contextos reais no processo de aprendizagem. Apostamos em uma educação libertadora e dialógica, que reconhece o contexto social, a cultura e a história dos sujeitos, assim como as mazelas 34 vivenciadas e suas especificidades, sabendo também da responsabilidade da escola enquanto instrumento ideológico do Estado, de desenvolvimento e atentos sobre quais os objetivos da aprendizagem e os métodos de ação para intervenção nestas realidades. Valores e regras são transmitidos pelos professores, pelos livros didáticos, pela organização institucional, pela forma de avaliação [...] espaço de práticas sociais em que os alunos não apenas entrem em contato com valores determinados, mas também aprendam a estabelecer hierarquia entre eles, ampliam sua capacidade de julgamento e a consciência de como realizam escolhas [...] capaz de posicionar-se e atuar em situações de conflito. Educar para a cidadania é a exigência atual (VAIDERGORN, 2000, p. 109). Com o auxílio de Paulo Freire reconhecemos que existe uma decisão política em que pode-se optar, por um lado, por uma educação libertadora, que se pretende dar voz aos sujeitos da aprendizagem e desvelar questões da realidade, como desigualdades sociais, direitos políticos e comunicação responsiva, prospectiva, objetivo e foco de nossos esforços, ou, por outro lado, pode-se utilizar uma educação massificante, bancária e não-responsiva, em que a voz dos sujeitos não é importante, não se levam em conta suas necessidades e anseios perante a sociedade, tratando os aprendizes como meros receptáculos de informações, passivos e não importantes, que devem simplesmente ouvir e obedecer, assimilando conteúdos formais de uma cultura erudita alheia a ele. Nossas ações propõem uma educação responsiva e prospectiva, capaz de ultrapassar a rebeldia da rebelião irresponsável, para alcançar uma integração responsável com a realidade e com os direitos dos sujeitos, capaz de argumentar por meio da linguagem de maneira crítica e consciente sobre os assuntos que lhes são caros e que consideram importantes, possibilitando por intermédio da linguagem a emancipação pela pronúncia de mundo. Preocupando-se com a formação de conceitos científicos e o acesso a conteúdos culturais elaborados, mas também com a constituição do cidadão, com direitos e responsabilidades perante a sociedade, enquanto membro importante e constitutivo da realidade, capaz de fazer escolhas e modificar a realidade de maneira consciente e autônoma, entendendo como emancipação tal atuação consciente na realidade mediados pela linguagem. Cabe a educação libertadora motivar as condições necessárias para a expressão dos sujeitos nas atividades comunicativas, buscamos a participação 35 crítica e livre dos sujeitos no processo educativo, dando a estes a visibilidade e relevância que lhes foi negada no passado. Pensamos a educação como prática de liberdade, com condições econômicas, sociais e políticas para efetivar a participação dos sujeitos na sociedade de maneira efetiva e valorizada, para que suas vozes sejam realmente ouvidas e respeitadas enquanto pessoas autônomas e membros valorosos e verdadeiramente integrados a sociedade, buscando superar “uma visão instrumental da EJA, subordinando-a às exigências do mercado de trabalho em detrimento de uma concepção de educação como direito humano” (DI PIERRO, 2015, p. 205). A relação entre teoria e prática é condição necessária para um educação responsiva e libertadora, que pretende não somente sistematizar saberes, focando em questões formais, em conteúdos sistematizados e na cultura erudita, mas utiliza dos saberes sistematizados para desvelar a realidade, para enxergar as condições concretas da sociedade e saber conscientemente atuar nestes contextos reais, atuando assim efetivamente como emancipadora. Portanto, não se trata de uma educação formalizada e sistematizada meramente como uma listagem de conteúdos, tampouco pretende-se uma prática pouco fundamentada, sem clareza nos objetivos das ações pedagógicas. Optamos pela interação didática dialética entre os sujeitos da aprendizagem, entre saberes formais e sistematizados com a realidade concreta dos educandos, sabendo reconhecer por meio da palavra dos educandos as questões que lhes são importantes e assim atuar de maneira crítica e significativa sobre estes contextos reais. Para estes objetivos a teoria precisa se articular à prática e em constante reformulação dialética em um processo constante de ação- reflexão-ação. A articulação teoria e prática no âmbito da pesquisa no cotidiano escolar busca motivar os sujeitos a interagir no interior da escola, para que produzam suas próprias narrativas, contando suas vivências, tendo a experiência formativa da escrita de textos autobiográficos para publicação na internet e participação na Web 2.0, exigindo o resgate da memória e a inserção dessas práticas no cotidiano escolar concreto, utilizando-se dos gêneros discursivos como elementos para viabilizar a emancipação pela mediação com a linguagem. Buscamos nessas práticas valorizar as vozes dos sujeitos, suas vivências e experiências nas práticas cotidianas na escola, assim como suas produções autorais, a participação e a 36 valorização de suas vozes na Web 2.0 para a efetiva inclusão destes sujeitos nos ambientes digitais e pronúncia de suas realidades. Por meio das publicações de suas autobiografias ou outros conteúdos autorais que estes sujeitos consideram de importância compartilhar com a comunidade, procuramos a valorização destes sujeitos, de suas vivências, experiências, opiniões, pesquisas, atividades escolares, interações, dentre outros conteúdos produzidos nas atividades escolares. Nos interessamos pelo ponto de vista dos sujeitos, em saber suas trajetórias de vida e investigar o processo de desenvolvimento da linguagem com o objetivo de pronúncia de mundo e efetiva emancipação. A memória nesta perspectiva não pode ser encarada como algo estático, como uma verdade inquestionável, pois trata-se de um processo de lembrar e esquecer, de enganos, incertezas e instabilidades. Desta maneira, não pode ser abordada enquanto informações confiáveis e dogmáticas, mas sim como um texto instável e que revela a experiência refletida e reflexiva dos sujeitos neste processo de contar e lembrar. São as relevâncias emocionais sobre suas próprias histórias, o que se considera relevante e o que se acredita ser importante expor na internet para a comunidade, sendo esta atividade “outra mirada sobre o mundo escolar, seus tempos e seus ritmos culturas e poderes e pretende ser uma alternativa à documentação dominante e uma modalidade de produção do saber pedagógico” (SOUZA, 2011, p. 330). O PEJA – Programa UNESP de Educação de Jovens e Adultos é uma iniciativa institucional que propõe pensar a relação teoria e prática especificamente no contexto da EJA. Com objetivo de construção de referenciais teóricos e metodológicos que valorizem a formação humana, o desenvolvimento dos sujeitos e seu acolhimento no ambiente escolar, pensando também a formação especializada para esta modalidade de ensino (MIGUEL, 2009). A pesquisa está alinhada com a proposta do PEJA e com suas práticas e implementou a plataforma digital do blog, utilizando as TDIC, para incentivar o desenvolvimento e o acolhimento destes sujeitos no processo de escolarização e de desenvolvimento da linguagem, superando visões utilitaristas e profissionalizantes da educação e das tecnologias, para abordar esses elementos como instrumentos importantes de mediação para o desenvolvimento integral do ser humano, incentivando o acolhimento, a colaboração e a autonomia entre os sujeitos no interior do contexto escolar e em face à comunidade externa. 37 Neste esforço de utilizar uma variedade de conteúdos ou de temas geradores para a aprendizagem, durante o processo de construção de narrativas autobiográficas é possível notar tensões e dilemas da relação história e memória, sendo estas produções nunca um resgate integral do passado, mas sim uma reconstrução das experiências com base na memória dos sujeitos que contam suas vivências. Interpretação de crenças, valores e de mundo pelos sujeitos que narram suas autobiografias, a compreensão destes indivíduos sobre os acontecimentos e relatos de sua memória, assim como sobre contextos mais amplos e também sobre os conteúdos escolares tornaram-se acessíveis às nossas atividades de pesquisa. O olhar de investigação está orientado a compreender o processo de produção das publicações dos sujeitos da EJA na internet, com narrativas que tratem de suas experiências e memórias, sabendo-se da instabilidade da memória, não são investigadas verdades absolutas e relatos concretos sobre a história destes sujeitos, mas sim as reflexões, indicativos, categorias e relatos apresentados por estes indivíduos durante o processo de produção textual em atividades no CEEJA, investigando o que estes valorizam e quais suas relações emocionais com suas próprias histórias, relacionando sempre com os conteúdos de aprendizagem, com contextos mais amplos e com o desenvolvimento da prática de leitura e escrita. 2.3. DESENVOLVIMENTO PELA LINGUAGEM E LETRAMENTO DIGITAL O desenvolvimento humano acontece nas relações sociais mediados pela linguagem, onde o ser humano na ação comunicativa interage com outros sujeitos e conhece novos saberes por meio da interação e no diálogo, numa comunicação responsiva, procedendo com sua própria leitura sobre o mundo, sua história e realidade concreta. O significado das palavras é portanto cultural e é construído pelo sujeito a partir dos intercâmbios sociais que este interage, atribuindo sentido às palavras a partir de intensa construção social. O desenvolvimento acontece entre sujeitos em ação comunicativa mediados pela linguagem, interpretando sujeito como: [...] o ser humano como sujeito sociocultural interativo, criador de cultura, inconcluso e consciente de sua inconclusão, inserido num meio histórico e socialmente construído por ele em conjunto com outros membros do grupo social [...] sujeito de reflexão e de ação, de 38 criação e de reconstrução, em constante processo de transformação na busca por tornar-se humano (VARGAS, 2013, p. 451). Esta noção de sujeito corrobora nossa perspectiva integral de ser humano e de formação omnilateral, pois o indivíduo tem múltiplas necessidades para sua vida em sociedade, sendo função da escola interpretar estes sujeitos de maneira integral e reconhecer sua complexidade nos trabalhos pedagógicos. Desta maneira é importante reconhecer o ser humano como sujeito sociocultural, portador de cultura e importante na sociedade, capaz pela mediação com a linguagem de intervir da realidade concreta, de modificar aos outros e a si mesmo neste processo de desenvolvimento e de pronúncia de mundo pela palavra. A cultura escrita possibilita que os sujeitos transformem e sejam transformados pelo contato social direto mediados pela linguagem, através da cultura escrita e da linguagem o indivíduo pode compartilhar conhecimentos, comunicar-se e conhecer novos saberes, assim como expressar-se e atuar diretamente no mundo material, sabendo desvelar e transformar a realidade, partindo do abstrato para o concreto pensado a partir de suas próprias necessidades e anseios, desenvolvendo nesta prática o pensamento verbal. Os materiais e suportes da linguagem, como a língua escrita ou digital, modificam a maneira como os sujeitos atuam e percebem a realidade, assim como as relações sociais. Por estes motivos, a formação não pode centrar-se em apenas e um aspecto da língua ou em categorizações abstratas, alheias à realidade dos sujeitos ou com um objetivo muito delimitado como a formação restrita ao trabalho, mas necessita pensar a partir do abstrato a realidade concreta e o desenvolvimento integral dos sujeitos, pensando a formação a partir das múltiplas necessidades do sujeito integral. A partir desta ótica de sujeitos complexos, históricos e culturais, buscamos sujeitos capazes de participar de um círculo de cultura, fazer parte, construir e ser constituído por uma coletividade humana que os represente e onde estes se identifiquem, sabendo-se enquanto membro importante na sociedade, reconhecendo sua constituição histórica e social, busca-se valorizar além da listagem de conteúdos teóricos, também os contextos concretos e culturais dos sujeitos, suas histórias de vida, gostos, vivências, perspectivas, apreensões, medos, vontades e sonhos. Um sujeito mais complexo do que um mero trabalhador e receptáculo de assuntos formais, rigorosamente organizados. Atribuímos especial importância aos sentidos 39 da aprendizagem e a gerar necessidades nos sujeitos, de reconhecer-se enquanto seres humanos construtores e constituidores de cultura, conscientes enquanto seres históricos e sociais, portadores de cultura, sujeitos históricos e culturais, como membros da realidade social e constitutivos dela, desenvolvendo-se no contato social e pela mediação com a linguagem “população, embora alfabetizada, não dominava as habilidades de leitura e de escrita necessárias para uma participação efetiva e competente nas práticas sociais e profissionais” (VYGOTSKY, 2001, p. 28). O desenvolvimento do intelecto humano está associado, além do intercâmbio social mediado pela linguagem, também pelo sentido emocional que o sujeito atribui aos objetos de conhecimento. Assim o pensamento humano passa pela atribuição de sentido e construção de significados pelos próprios sujeitos, relacionando pensamento e linguagem a partir da comunicação verbal. A palavra é o condutora do pensamento verbal, utilizada pelos sujeitos para construir o significado das coisas e para a ação comunicativa que proporciona o desenvolvimento. A ação comunicativa e o desenvolvimento mediado pela linguagem acontece numa relação dialógica entre pensamento e linguagem, onde o ser humano parte do pensamento para atribuir sentido às palavras e ao mesmo tempo utiliza a linguagem para a comunicação verbal e no pensamento verbalizado (VYGOTSKY, 2001). Esta perspectiva de sujeito e de desenvolvimento humano nos permite encarar melhor a complexidade da formação humana e trabalhar o processo educacional em uma perspectiva omnilateral e de formação integral. Nossas preocupações centram-se nas necessidades individuais, nos sentidos que estes indivíduos atribuem ao processo educativo e nos objetivos da aprendizagem que estes se propõem enquanto sujeitos do próprio desenvolvimento, buscando criar necessidades no uso da linguagem. Ao alinhar-se a esta perspectiva, os conteúdos e objetivos da aprendizagem não podem ser impostos pelo profissional da educação, mas articulados em parceria e diálogo direto com o educando, enquanto sujeito e agente de sua própria aprendizagem, investigando suas necessidades, respeitando sua complexidade enquanto ser humano em um processo de formação integral e estimulando necessidades para uso da linguagem nos contextos concretos e reais. Nos círculos culturais é essencial que os sujeitos se reconheçam enquanto seres de cultura e atores sociais, sendo criadores, motivadores e transformadores da realidade concreta, onde modificam e são modificados num processo dialético de desenvolvimento, reconhecendo-se enquanto agentes de cultura. O trabalho 40 docente nesta perspectiva orienta-se com o uso da autobiografia para a tomada de consciência pelo educando de sua situação social concreta, sabendo-se como sujeito historicamente situado, localizando-se neste espaço social de cultura, para a tomada de consciência de sua condição social concreta, podendo fazer sua própria pronúncia de mundo objetivando sua emancipação enquanto sujeito social. Entendemos como uma relação direta e dialética entre a compreensão que o sujeito tem a respeito da sociedade e seu acervo sobre sua própria história e cultura, reconhecendo-se e modificando-se nesta relação com a leitura diagnóstica que faz sobre a realidade, sobre as situações e contradições vividas no âmbito social, apoiando-se em seus conhecimentos sobre o passado, em sua leitura sobre o presente, possibilitando prognósticos para seu próprio futuro. Utilizar da autobiografia para saber reconhecer-se enquanto cidadão histórico portador de cultura, que pode intervir diretamente no presente para modificar o futuro, implica munir este sujeito de elementos culturais e de linguagem, não por uma perspectiva impositiva e unilateral, mas por meio do diálogo e da formação integral, atribuindo responsabilidade, poder, autoria e autonomia aos indivíduos para atuar e modificar a coletividade social mediados pela palavra. O tempo, apesar de parecer acelerado perante ao fluxo crescente de informações, continua sendo dialético quando se trata de aprendizagem, portanto, não é viável que o tempo das produções escolares exceda o tempo da aprendizagem. Muitas atividades são executadas de maneira agilizada em ambientes digitais e sua prática vai se construindo de maneira aprimorada, com mais qualidade e de maneira mais ágil. Por outro lado, a aprendizagem deve ser atenta e respeitar os momentos de reflexão e aprimoramento dos saberes dos sujeitos, sabendo-se dialética. Aprender a ler ou tornar-se leitor de textos e da própria realidade deve ser o objetivo primordial das ações pedagógicas emancipadoras, visando estimular práticas de leitura e escrita que permitam que os sujeitos, ao longo das atividades e no decorrer do tempo, reconheçam-se como sujeitos autores e leitores, criando a necessidade e o costume da leitura no decorrer deste processo “o conteúdo escolar deva conduzir ou ao menos contribuir para a emancipação dos sujeitos, volte-se para o desenvolvimento da consciência crítica, propicie emoção ao ler e encaminhe o processo educativo pautado por relações dialógicas” (ARIOSI, 2016, p. 8), assim as atividades pedagógicas precisam estimular o fascínio pela leitura, levando os 41 sujeitos a refletir sobre a produção dos textos escritos e a aplicação prática destes nos contextos reais, nesta ótica aprender a ler ou desenvolver a prática de letramento em contextos digitais é importante não somente como “forma de possibilidades ampliadas de comunicação, mas como tecnologia a transformar o sujeito aprendiz em sua inserção direta num mundo mediado por novas e sofisticadas tecnologias” (GIROTTO, 2013, p. 344). Os computadores, a internet e todos os demais recursos digitais que contemplam as TDIC são interpretados como suportes da comunicação verbal ou da linguagem em ambientes digitais, sendo esta uma nova maneira de comunicação humana, assim como a folha ou o papiro. A inclusão de um novo suporte de linguagem implica em novas práticas de comunicação verbal e de expressão humana. Entendemos o letramento como a capacidade do sujeito em utilizar da linguagem, seja oral, escrita ou digital, para compreender e atuar na realidade concreta em contextos reais, comunicar, expressar e agir, desta maneira, o indivíduo pode internalizar conhecimentos exteriores e ressignificar estes saberes para atuar de maneira consciente e autônoma na sociedade por meio do uso desta linguagem e de seus múltiplos suportes. Compreendemos o trabalho docente com o letramento como: [...] um trabalho docente com as linguagens no sentido de contribuir com a construção de sujeitos capazes de transitar, compreendendo, interpretando e respondendo, a partir de posicionamentos valorados, (a)os discursos produzidos e circulantes nessa sociedade [...] concepção de linguagem/língua voltada para o acontecimento discursivo, configurado em enunciados inacabados, irrepetíveis, cujo funcionamento não se dá pela estrutura, mas em rede (OLIVEIRA, 2014, p. 186). As TDIC apresentam-se como suportes de linguagem e meio para a aprendizagem e mobilização de sujeitos com as atividades de letramento, também como espaço digital de alfabetização escrita e digital que aproxima os sujeitos do ambiente escolar e não numa proposta de educação à distância, no sentido de estar afastado ou de deslocamento com a escola, mas trabalhamos as TDIC no contexto escolar no sentido de proximidade com sujeito com a escola, com a linguagem e de valorização dos sujeitos no processo de desenvolvimento. O contato direto com os objetos culturais e de conhecimento, em seus contextos reais de utilização, com aplicação prática e direta na realidade concreta é a atividade central em nosso 42 processo de ação educativa e dos objetivos de pesquisa. Incentivamos, através do diálogo e do contato direto com os objetos de estudo, a apropriação de objetos culturais pelos sujeitos, trata-se de incentivar a apropriação pelo sujeito de um conjunto de materiais simbólicos abstratos para a construção do concreto pensado, para um inteligível objeto cultural, efetivamente apropriado pelo sujeito, em toda sua complexidade de construção e aplicação real de maneira significativa para o sujeito neste processo. A comunicação deve ser dialética e é elemento central de nossas ações e condição para o desenvolvimento pela linguagem, pois acontece na troca entre os sujeitos no processo de comunicação verbal, em que as palavras circulam entre as pessoas e as modificam mutuamente neste processo de comunicar-se e expressar- se no mundo, dizendo e fazendo-se entender. Ao mesmo tempo em que me comunico e expresso um pensamento, sou modificado pelo que pensou e pelo que escuto, leio ou escrevo e comunico. Desta maneira, trata-se de uma comunicação responsiva e não unilateral, ocorre em que o diálogo, acontece em via de mão dupla, com todos os participantes da ação comunicativa atuando e modificando-se neste processo. Essa comunicação dialética e responsiva não se trata de um acontecimento passivo em que a pessoa simplesmente escuta ou aceita passivamente uma informação ou expressão verbal imposta pelo parceiro mais experiente, mas é o espaço de ouvir e fazer-se ouvir, refletindo sobre novas informações e internalizando novos saberes, enriquecendo o acervo cultural do sujeito. Trata-se de um processo de modificar e ser modificado pela palavra, ao mesmo tempo em que acontece a comunicação verbal no contexto concreto da vida humana e em situação de comunicação. O momento da ação educativa é o espaço para dar voz ao educando sujeito de seu desenvolvimento e ouvir com atenção o que este tem a enriquecer neste processo. A leitura da escrita em papel é mais linear e sequencial, enquanto o texto na tela – o hipertexto – pode ser lido de forma multilinear, acionando links, abrindo a leitura para múltiplas possibilidades [...] presente não em páginas, mas em dimensões superpostas e que se reconfiguram a cada nova leitura (GIROTTO, 2013, p. 344). A escrita em ambiente digital apresenta peculiaridades inerentes a este novo suporte e escrever na Web 2.0 é efetivamente estar incluído na internet, colaborar 43 ativamente na construção dos textos digitais e fazer parte deste ambiente mediado pela linguagem digital. Os textos digitais apresentam-se multimodais, repletos de hipertextos e múltiplas mídias, textos escritos, áudios, imagens, imagens em movimento e links, assim a leitura nestes suportes apresenta-se mais dinâmica, relacionando múltiplas mídias e vozes “recursos semióticos disponíveis para construir sentido e afirmar suas relações com os significados expressos. Em particular, elas combinam imagens e outros recursos visuais com a palavra escrita online” (BARTON, 2015, p. 33). A multimodalidade também implica na construção simultânea destes textos, ou seja, são os usuários da Web 2.0 que em coletividade constroem os textos, por meio de suas múltiplas vozes. Diferentes modos de ser leitor se constroem na hipermodernidade e a comunicação verbal amplia-se e ganha novas características com a multimodalidade dos textos digitais, pois implica em novas práticas de comunicação verbal nestes novos contextos. Assim, a comunicação continua sendo significativa, só que apresenta novos aspectos e novas maneiras de ser construída, mais rápida e dinâmica, contando com múltiplas vozes e de variadas mídias. As investigações sobre a blogosfera, ou seja, sobre a cultura do uso de blogs apresentou uma ampla utilização deste recurso em contextos educacionais, inclusive com produções acadêmicas (BEZERRA, 2011, p. 26) e múltiplas práticas pedagógicas que envolvem a utilização do blog como um acervo de conteúdo, como espaço de comunicação entre docente e discente e como espaço de desenvolvimento de atividades de classe como provas e trabalhos escolares, já outra propostas aproximam-se mais com as nossas, com a perspectiva do multiletramento, investindo em práticas de letramento nestes contextos digitais, promovendo assim práticas de leitura e escrita em ambientes digitais e de maneira colaborativa entre os sujeitos (BORTOLOZO, 2016, p. 49). O letramento envolve o uso da linguagem em contextos concretos e nossa abordagem vai neste encontro, propondo ainda o uso do blog enquanto uma Biblioteca Popular em ambiente digital: [...] biblioteca popular, com inclusão de páginas escritas pelos próprios educandos. [...] a acreditar nas massas populares. Já não apenas fale a elas ou sobre elas, mas a ouça, para poder falar com elas [...] como centro cultural e não como depósito silencioso de livros (FREIRE, 1989. p. 20). 44 O blog neste contexto de hipermodernidade e de linguagem digital aparece como uma alternativa pedagógica de inclusão das TDIC nas atividades pedagógicas de maneira significativa e de letramento digital, estimulando práticas de letramento nestes novos contextos aliadas ao uso dos gêneros discursivos, em especial a autobiografia. Como metodologia de ação em EJA, propomos na investigação utilizar o blog como uma Biblioteca Popular na perspectiva de Paulo Freire, utilizando deste espaço digital para dar voz aos sujeitos, para participar e atuar na sociedade contemporânea objetivando sua emancipação. As práticas de letramento que propomos com o uso do Blog no contexto da EJA implica refletir sobre as desigualdades sociais, interpretando este modo de ação pedagógica como uma maneira de incluir por meio das práticas de letramento, com domínio da linguagem digital, visando a participação social e a transformação da realidade concreta, promovendo situações de aprendizagem que incluam estes sujeitos nos ambientes digitais e que possam participar verdadeiramente da Web 2.0 (BRAGA, 2015, p. 46) e desta maneira que possam efetivamente fazer parte da hipermodernidade, tendo uma participação cidadã através do blog enquanto uma biblioteca popular de valorização de suas vozes, utilizando da autobiografia como estratégia para a emancipação, estimulando a reflexão crítica sobre a realidade, a pronúncia de mundo e o reconhecimento de sua própria história enquanto ser social e cultural. Apesar da ampla utilização utilização de blogs em atividades pedagógicas e inclusive em pesquisas acadêmicas na área da educação, não encontramos propostas que associem as atividades de letramento nestes contextos digitais com os instrumentos propostos na pesquisa e com a orientação teórica da biblioteca popular, ampliando o ambiente digital do blog como um espaço de valorização das vozes dos sujeitos e como método de incentivar a leitura e a escrita na EJA, atribuindo aos sujeitos o status de autores e conteúdos no blog e promovendo o letramento em contextos significativos. Utilizamos durante a pesquisa preferencialmente softwares livres como uma alternativa de trabalhar com diversas mídias “tão facilmente quanto trabalhamos hoje com a escrita, sem necessidade de materiais de custo proibitivo, sem uma aprendizagem excessivamente complexa” (LÉVY, 1993, p. 103), TDIC construídas por uma coletividade na internet e partimos da noção de hacker em uma perspectiva pedagógica: 45 Essa figura, o hacker, nas comunidades de Software Livre não é definida por intenções escusas, mas, antes, pela característica proativa, curiosa, sedenta de conhecimento, aquele que constrói o que falta, refaz os passos de outros pra aprender e reinventar seus próprios, sem medo de errar, sem vergonha de pedir ajuda. O hacker é o aprendiz ideal da educação libertária, pois ama aprender e adora compartilhar esse prazer com os outros (MATTE, 2018, p. 349). Assim como uma biblioteca popular, o blog apresenta-se como um espaço de voz desses sujeitos da EJA, de compartilhamento de ideias e experiências, local em que podem expressar-se e contar suas vivências e histórias de vida, valorizando sua expressão enquanto cultura e reforçando sua própria identidade. Interpretamos o blog enquanto uma biblioteca popular, no sentido de ser um espaço de valorização dessas vozes populares, nem sempre ouvidas ou valorizadas. Preocupamo-nos em enxergar os educandos como sujeitos complexos e portadores de riqueza cultural, enquanto membros importantes e constitutivos da sociedade, como parte de um contexto mais amplo, que merecem além do direito à educação, o direito de serem ouvidas e de se expressas nos ambientes digitais, sendo estes espaços contextos reais contemporâneos, participando ativamente da Web 2.0, colaborando com conteúdos e produzindo novos conhecimentos em cooperação com outros sujeitos, uma colaboração criativa que mira no desenvolvimento da linguagem por meio das práticas de letramento. 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 3.1. FUNDAMENTAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA QUALITATIVA A pesquisa participativa foi de tipo qualitativa e utilizou a abordagem pesquisador-participante (LÜDKE, 1986), sendo que durante os procedimentos metodológicos para geração e coleta de dados foi elaborado um experimento formativo de utilização do blog diretamente no campo de investigação e em relação direta com os sujeitos. A pesquisa ocorreu em uma realidade específica e singular, de um CEEJA com características próprias, como prêmios nacionais e uma organização diferenciada em projetos e rodas de conversas extracurriculares (SOUZA, 2018, p. 10). Portanto, pode-se afirmar que a pesquisa desenvolveu-se em ambiente favorável a sua aplicação. Por outro lado, os materiais e os métodos de 46 utilização do blog na realidade escolar foram organizados de maneira que possam ser generalizados e possivelmente utilizados por outras instituições de ensino que assim o desejarem, respeitando as especificidades de cada local e a dialogicidade entre os sujeitos. Tabela 1 - Etapas da Pesquisa ETAPAS DA PESQUISA ETAPA PERÍODO DESCRIÇÃO DAS AÇÕES DE PESQUISA 1ª Mar/2018 - Fev/2019 Primeiros contatos, diálogos no local de pesquisa e implementação do blog no CEEJA 2ª Mar/2019 - Mai/2019 Publicações, acompanhamento de alunos e coleta de dados via posts no blog 3ª Jun/2019 - Nov/2019 Encontros dialogados com sujeitos para geração de dados, acompanhamento de autores em publicações no blog e atividades de formação 4ª Dez/2019 - Mar/2020 Reflexão sobre os resultados e dados obtidos e publicação de material acadêmico e dissertação Fonte: Elaboração própria. Os procedimentos metodológicos iniciam-se na implementação de uma plataforma didático-pedagógica digital no cotidiano escolar do CEEJA, utilizando das TDIC para promover práticas de leitura e escrita em ambiente digital com foco no desenvolvimento dos sujeitos pela linguagem. A implementação do blog objetiva efetivar a utilização dos gêneros discursivos, em especial da autobiografia, com foco na emancipação dos sujeitos, utilizam-se das TDIC como meio de acolhimento aos sujeitos, incentivo a participação colaborativa, estímulo ao diálogo e a interação entre os sujeitos, enquanto um espaço de letramento, por meio de práticas de leitura e escrita que promovam a emancipação pelo uso da linguagem, com criação de produções autorais de valorização de suas vozes e publicações regulares na plataforma de pesquisa dos materiais produzidos. Buscamos refletir sobre a realidade dos indivíduos na EJA a partir de seus próprios relatos de autobiog