UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP Faculdade de Ciências e Letras - Campus de Assis PEDRO RICARDO DE SOUZA VELASCO O RITO E O DIVINO: o direito natural, o feminino e os costumes nas tragédias de Sófocles - (441 a.e.c.) Assis 2025 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP Faculdade de Ciências e Letras - Campus de Assis PEDRO RICARDO DE SOUZA VELASCO O RITO E O DIVINO: o direito natural, o feminino e os costumes nas tragédias de Sófocles - (441 A.E.C.) Dissertação apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis, para a obtenção do título de Mestre em História. Área de Conhecimento: Política: ações e representações. Orientadora: Profª Drª Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi. Bolsista: PROPG/PROGRAD (UNESP) – Jovens Talentos. Assis 2025 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Dados fornecidos pelo autor(a). V433r Velasco, Pedro Ricardo de Souza O Rito e o divino: O direito natural, o feminino e os costumes nas tragédias de Sófocles - (441 a.e.c.) / Pedro Ricardo de Souza Velasco. -- Assis, 2025 86 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis 1. Tragédia Grega. 2. História Antiga. 3. Ritos Fúnebres. 4. Antígona. 5. Sófocles. I. Título. IMPACTO POTENCIAL DESTA PESQUISA O impacto esperado por esta pesquisa é uma reflexão através da análise dos discursos nas tragédias gregas sob a ótica do lugar social das mulheres e seu papel em ritos tradicionais, visando compreender as relações no período clássico grego e acrescentar a visão historiográfica sobre o tema, tendo em vista a diminuta bibliografia sobre o tema a partir desta vertente. POTENTIAL IMPACT OF THIS RESEARCH The expected impact of this research is a reflection through the analysis of discourses in Greek tragedies from the perspective of the social position of women and their role in traditional rites, aiming to understand the relationships in the classical Greek period and to add to the historiographical view on the subject, considering the limited bibliography on the topic from this angle. Para Túlio, Sabrina, Elenice, Pedro, João Vitor e Mayara, minha árvore que faz florescer os mais belos frutos de felicidade. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, quero agradecer a minha orientadora e companheira de Rotary, Profª Drª Andrea Lúcia Dorini de Oliveira Carvalho Rossi, que desde a primeira conversa em sua sala na direção da FCL Unesp Assis, depositou confiança e principalmente, muito conhecimento para aquele Pedro recém-chegado na cidade de Assis, sempre afoito, mas que com os sábios direcionamentos e orientações, pode ao longo desses anos de parceria, desenvolver uma maturidade de pesquisa e chegar a este momento ímpar. O presente trabalho foi desenvolvido com o apoio da Pró-reitoria de Pós- graduação (PROPG UNESP) através do edital Jovens talentos – 2022, com o qual pôde-se desenvolver toda a pesquisa. Agradeço imensamente ao financiamento e ao apoio à pesquisa no Brasil. A jornada até aqui não foi fácil, e foi escrita com muitos capítulos de dificuldades e lutas. Tais obstáculos jamais poderiam ter sido transpassados sem a sempre compreensível e amável companhia de minha mulher, Sabrina, minha veterana de Unesp, e desde sempre minha parceira para tudo na vida, seu amor, carinho e compreensão, me fazem ter combustível para que eu possa chegar a lugares inimagináveis, sempre ao seu lado. Desta parceria, surgiu nossa luz de vida, Túlio, ao qual eu também quero dedicar esta etapa de minha vida, nos momentos mais difíceis de escrita, seu sorriso chegando e pedindo para sentar-se no meu colo e começar a rabiscar minhas anotações sempre foram minha fonte de inspiração para concluir a pesquisa. Eu jamais poderia deixar de mencionar as pessoas que fizeram com que eu chegasse até aqui, meus pais, Nice e Pedro, que mesmo nos mais difíceis dos problemas cotidianos, sempre depositaram em mim toda confiança e olhares de orgulho a cada conquista minha. Eu jamais me tornaria quem eu sou hoje, o profissional, o pai, o homem, sem que eles tivessem construído o caminho por onde passei. Sou a pessoa mais privilegiada do mundo, por ter o amparo destes dois em minha vida. Quero agradecer também a meu irmão João Vitor, que é uma das principais razões de minha existência, nossas conversas, discussões, conselhos, construíram a pessoa que sou hoje, e não posso imaginar minha vida sem a sua companhia. Não posso deixar de mencionar minha irmã, Mayara, que mesmo a distância, consegue externar todo seu amor e carinho, à sua maneira, mas que eu amo incondicionalmente. Bem como a irmã que a vida me deu, Marina Monteiro, que não me recordo como era a vida sem ela, mas que hoje não posso viver sem sua companhia, amizade, carinho e amor. Agradeço imensamente ao meu caro amigo e companheiro de estudos gregos, Abner Alexandre Nogueira, que mais do que conselhos, me orientou em diversas veredas para composição deste texto, sempre com sábias palavras e ensinamentos quase que como um irmão mais velho, te agradeço demais, meu amigo. A realização desta etapa tão importante em minha vida só pôde ser conquistada por conta de minha construção social, como pessoa e como homem, e a isto, devo do fundo do meu coração, a todas as pessoas que acompanham desde sempre, nas mais diferentes esferas sociais, desde minhas amizades de longa data até as entidades que fazem parte da minha vida desde sempre, destaco aqui os grupos escoteiros Guará-Mirim – Primavera - SP e Gumercindo Nogueira – Cândido Mota - SP, bem como o Rotary Club de Primavera e meus irmãos da Augusta e Respeitável Loja Maçônica 9 Acácias. No decurso dos últimos cinquenta anos, os helenistas se interrogaram sobretudo sobre as origens da tragédia. Mesmo que, quanto a esse ponto, tivessem oferecido uma resposta decisiva, nem por isso o problema da tragédia estaria resolvido (...) faltaria compreender o essencial: as inovações que a tragédia ática trouxe e que, no plano da arte, das instituições sociais, da psicologia, fazem dela uma invenção. Jean-Pierre Vernant. RESUMO O texto desta dissertação de mestrado tem o objetivo de abordar a relevância do discurso incutido na tragédia de Antígona, obra do autor grego Sófocles, em que, a personagem opondo-se a uma ordem autoritária do rei Creonte, percorre uma jornada de luta e subversão, para poder exercer seu direito natural de dar honras fúnebres ao irmão morto, mesmo que isto lhe custe a vida, posto que está inserida em uma sociedade pretensamente baseada no patriarcado. Cabe destacar, que é possível desconstruir a ideia comum de que havia uma homogeneidade entre as mulheres, ficando clara a diferenciação entre os grupos, bem como a ideia fixa de uma superioridade absoluta dos homens em detrimento das mulheres, uma vez que a própria tragédia de Antígona demonstra que essa ideia era questionada. Desta forma, foi feita uma análise do surgimento e popularização dos concursos trágicos gregos, palco em que tais tragédias eram apresentadas, no contexto das comemorações e adorações ao deus Dionísio. Posteriormente o foco é o ritual, em específico o rito fúnebre retratado nas tragédias e sua importância para os gregos deste período, bem como a figura do feminino na obra sofocliana será analisada para um levantamento da ótica dada a mulher. Como suporte ao apresentado, será utilizado obras de importantes autores gregos, como Eurípedes e Homero, para serem fonte de análise tangencial de como o papel social feminino e o rito fúnebre tem ocorrências em diversos períodos gregos. A metodologia utilizada para tal pesquisa é o estudo bibliográfico pautado na análise literária em busca de problematização do tema. Verifica-se que é necessária uma revisão da historiografia relacionada às problemáticas sobre o papel social da mulher na Grécia Clássica, estando este sempre voltado para o lado masculino dos fenômenos. Essa perspectiva é incomum na abordagem da historiografia brasileira com relação à Antiguidade, apresentando- se a conjuntura desse projeto como um novo frescor necessário. A metodologia utilizada é a análise do discurso crítico, ADC. Palavras-chave: Antígona; História Antiga; Sófocles; Direito Grego; ABSTRACT The text of this master's thesis aims to address the relevance of the discourse instilled in the tragedy of Antigone, a work by the Greek author Sophocles, in which the character, opposing an authoritarian order from King Creon, goes through a journey of struggle and subversion , to be able to exercise her natural right to give funeral honors to her dead brother, even if it costs her her life, since she is inserted in a society allegedly based on patriarchy. It is worth noting that it is possible to deconstruct the common idea that there was homogeneity among women, making the differentiation between the groups clear, as well as the fixed idea of an absolute superiority of men to the detriment of women, since the tragedy of Antigone itself demonstrates that this idea was questioned. In this way, an analysis was made of the emergence and popularization of Greek tragic contests, the stage on which such tragedies were presented, in the context of celebrations and worship of the god Dionysus. Subsequently, the focus is on ritual, specifically the funeral rite portrayed in the tragedies and its importance for the Greeks of this period, as well as the figure of the feminine in Sophoclean work will be analyzed to survey the perspective given to women.To support the presentation, works by important Greek authors, such as Euripides and Homer, will be used to be a source of tangential analysis serve as a source of analysis of how the female social role and the funeral rite occurred in different Greek periods. The methodology used for this research is bibliographical study based on literary analysis in search of problematization of the theme. It appears that a review of the historiography related to the issues surrounding the social role of women in Classical Greece is necessary, which is always focused on the male side of the phenomena. This perspective is unusual in the approach of Brazilian historiography in relation to Antiquity, presenting the situation of this project as a necessary new freshness. The methodology used is critical discourse analysis, ADC. KEYWORDS: Antígone; Ancient History; Sophocles; Greek natural law; LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS A.E.C. Antes da Era Comum ADC Análise do Discurso Crítico CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior PROPG Pró-Reitoria de Pós-Graduação V. Versos SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14 2. AS TRAGÉDIAS GREGAS SOB ÓTICAS ATUAIS ..................................................... 23 2.1 A obra de Sófocles através do tempo e a Análise do discurso crítico como método. ............... 23 2.2 Mito e Tragédia na Historiografia ............................................................................................... 26 2.2.1 Possibilidades de integração de diferentes perspectivas: Literatura, história e direito ......................... 33 2.3 O rito fúnebre na obra clássica grega e pesquisas recentes ..................................................... 38 3. O TEATRO TRÁGICO GREGO ...................................................................................... 43 3.1 As Dionisíacas ........................................................................................................................... 46 3.2 Sófocles: o poeta da ironia trágica ............................................................................................ 49 3.2.1 Antígona de Sófocles (442 a.e.c.) ...................................................................................................... 52 4. MULHERES TRÁGICAS: A FIGURA FEMININA E OS RITOS FÚNEBRES A PARTIR DO TEATRO GREGO ....................................................................................... 56 4.1 O Rito Fúnebre e sua importância na Grécia da antiguidade (Séc. IV - V A.E.C.) ....................... 56 4.1.1 O Ultraje ao cadáver como forma de vingança (Heitor e Polinices) .................................................... 60 4.2 O lugar social da mulher em seu âmbito público e privado ....................................................... 68 4.2.1 A figura feminina como parte essencial no rito funerário ..................................................................... 72 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 76 6. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................ 80 FONTE PRIMÁRIA ..................................................................................................................... 80 REFERÊNCIAS...........................................................................................................................80 14 1. INTRODUÇÃO Esta dissertação surge a partir de um projeto de pesquisa em nível de iniciação científica, onde pôde-se ter contato com o gênero de tragédia grega. Inicialmente passou-se a analisar a peça Antígona, e posteriormente, após um período de estudos de intercâmbio na Universidad du Oviedo, cidade de Oviedo, Espanha, viu-se a oportunidade de se fazer uma análise de gênero com base em autoras com as quais se obteve contato durante os estudos no exterior. A partir de então, a pesquisa de iniciação científica foi levada até o final do curso de graduação em história, e foi a gênese da atual pesquisa para obtenção do título de mestrado. Desta forma, preliminarmente será analisada a abordagem recente da tragédia, segundo autores e autoras que buscaram evidenciar a importância e o surgimento do gênero trágico no contexto do século V Antes da era comum1. Tal análise, pautada no estado da arte na ótica de escritos sobre literatura e teatro, busca situar o âmbito atual de entendimento de como o contexto político e citadino é abordado e retratado nos concursos trágicos gregos. Posteriormente, a partir da visão do historiador, o objetivo será de destacar e compreender o papel social da mulher na Grécia da antiguidade, representada nas tragédias, com foco especial na Antígona de Sófocles, e sua participação nos ritos fúnebres. Esta visão, a partir do ponto de vista do historiador, pouco abordada, em detrimento de trabalhos partindo da visão do jurista, comumente encontrados, contribuirá para uma visão geral do contexto histórico em que a obra está inserida. As tragédias gregas são fonte de uma rica gama de análises possíveis a serem feitas, ainda que muito já se tenha debatido a respeito de seus diversos aspectos. Partindo da ótica do historiador, um dos maiores nomes sobre o assunto é Jean Pierre Vernant, autor de diversas obras que analisam a tragédia grega, bem como suas nuances e representações. O gênero, surge por volta do século V a.e.c, e sua importância se expande para além dos teatros citadinos, 1 A partir deste ponto, será abreviado para a.e.c tal posicionamento no tempo. 15 vindo a ser parte de um contexto de festas, celebrações, concursos dentre outros. A tragédia como representação artística, irá trazer consigo um fundo mítico muito antigo, baseado em ciclos lendários relatando episódios ligados à fundação das cidades e às vicissitudes das suas linhagens, sendo as mais conhecidas os Atridas, descendentes de Atreu, ancestral de Agamemnon e Orestes; e os Labdácidas2, ancestrais de Édipo e Antígona (ROSENFIELD, 2002, p.06). Desta forma, estes mitos antigos foram passados entre as gerações, através da tradição oral, com o intuito de educar pela transmissão de valores e normas para o convívio em sociedade. Com isto, é perceptível como os cultos, que estão intimamente ligados aos mitos, são a própria manifestação da vida pública que, por sua vez, fornece o fundamento às instituições da cidade. Neste período, os poetas retomam os mitos antigos, reescrevendo o passado remoto da lenda heroica, que se converte em pano de fundo para reflexões sobre problemas atuais. A tragédia reflete de forma simbólica sobre a organização social, os modos de governar e de fazer justiça, as obrigações familiares contra as obrigações civis (como tratado em Antígona, que será o tema aqui discutido), tornando-se assim, uma instituição bem concebida dentro do conservadorismo religioso com diversas inovações sociais e políticas, o que faz com que as representações trágicas não sejam um entretenimento consumível a qualquer momento. Ocorrendo durante duas festas dedicadas a Dioniso, apresentadas em edifício público, tais apresentações se dão no âmbito dos concursos trágicos, que ocorrem durante as festividades citadinas, e os próprios poetas representavam um papel em seus dramas. Os juízes eram escolhidos entre os cidadãos, através de sorteios, tendo as tragédias de Sófocles ganhado por diversas vezes o prêmio de melhor peça. Sobre o contexto em que se desenvolve Antígona, devemos lembrar que ela se insere no período de tais concursos trágicos mencionados, assim, Vernant nos lembra que “O contexto, no sentido que entendemos, não se situa 2 Antígona é filha de Édipo Rei e descendente, portanto, da linhagem dos Labdácidas e de Cadmo, fundador de Tebas. De acordo com essa mitologia, quando sai para procurar sua irmã Europa, raptada por Zeus, Cadmo se vê obrigado a matar o dragão que havia assassinado todos os seus companheiros, e, orientado pelo oráculo, semeia na terra os dentes do dragão morto. Ali nascem os Spartoi, raça selvagem, que guerreiam entre si até a sua eliminação quase completa. Os cinco sobreviventes dos Spartoi se unem então aos filhos humanos de Cadmo; dessa união se originam os tebanos (que, por essa origem mítica, também são chamados de Cadmeus). 16 ao lado das obras, à margem da tragédia; ele é tanto justaposto quanto subjacente a ela” (2005, p. 23). Desse modo, podemos analisar que a tragédia é um reflexo e transmite as inquietações e as estruturas sociais do espaço-tempo naqual está inserida, bem como se estrutura na forma de uma instituição e influência na formação deste pensamento. Sófocles vivenciou tais inquietações, e soube transmiti-las em suas obras, dando vida a personagens que suscitaram discussões alinhadas com o que se pensava neste contexto. A partir das tragédias gregas como Antígona de Sófocles e Alceste de Eurípedes, bem como ainda de obras renomadas como a Ilíada de Homero, que abordam a temática tanto da mulher como do rito fúnebre, este trabalho será composto por uma análise sobre como o discurso jurídico, frequentemente utilizado no contexto trágico e cênico da tragédia, reflete o papel social da mulher no âmbito da sociedade grega, e demonstrar a importância da trajetória de Antígona para opor-se a estes costumes tirânicos. Por meio da tragédia, busca- se uma análise da história das mulheres, pretendendo-se assim, examinar como as tragédias, especificamente Antígona, são obras que possibilitam identificar o feminino e os papéis sociais atribuídos à mulher no mundo grego da antiguidade, bem como as práticas e costumes do período refletiam tais ações, por meio da tragédia. As obras Homéricas, ainda que situadas em um período anterior à Grécia clássica foi base para diversos autores e obras, dada a grandiosidade que suas linhas alcançaram. Sendo assim, as obras de Homero é apoio fundamental para demonstrar como o rito fúnebre e sua importância são mencionados em diversos períodos, e em todos eles, são retratados como essenciais para a crença e imaginário grego. Assim sendo, em uma análise preliminar da mulher na Grécia antiga especificamente, podemos afirmar que é pacífica a ideia de que a mulher no decorrer da história é representada como inferior frente à supremacia da sociedade patriarcal, como aponta a autora Gerda Lerner em seu livro A Criação do Patriarcado (2019): “O patriarcado é uma criação histórica elaborada por homens e mulheres em um processo que demorou quase 2.500 anos para se completar”. Com isto, a sociedade grega da Antiguidade vivia cotidianamente 17 estas práticas3, com normas baseadas em costumes que regulamentavam tais processos. Em um contraponto, podemos colocar como exceção, as mulheres míticas, deusas, principalmente, que de certa forma, em uma análise inicial, possam fugir a essa inferiorização das mulheres, porém, é importante destacar suas características, sempre retratadas como ardilosas ou vingativas. Um clássico exemplo da representação de tais características é no conhecido julgamento de Páris ou mito do pomo da discórdia; no mito, Éris, indignada por não ter sido convidada para o casamento de Peleu e Tétis, resolve pôr as deusas gregas Afrodite, Atena e Hera uma contra a outra, entrando na festa e rolando uma maçã dourada com a palavra grega καλλίστη4, fazendo com que as três deusas brigassem pela reivindicação da maçã. Zeus, para resolver a situação, chama Príamo, o rei de Troia, que envia seu filho Páris, um príncipe troiano, para então decidir qual a mais bela das deusas. Segundo o mito, as três deusas tentaram subornar Páris. Hera ofereceu poder político para que ele fosse o maior rei já visto, Atena lhe ofereceu sabedoria e vitórias em batalha, enquanto Afrodite lhe prometeu o amor da mulher mais bela do mundo, que acabou sendo a escolha do jovem troiano. A questão é que tal mulher era Helena, a esposa de Menelau, um rei de Esparta, cujo sequestro culminou na guerra de Troia, como cantam os versos da Ilíada de Homero. (BRANDÃO, 1987) Como visto, todo o conflito é iniciado em como as figuras femininas são retratadas como tomadas pela vaidade, ira e vingança, o que acaba sendo o motivo de Hera e Atena apoiarem os gregos na guerra de Troia, para que se vingassem de Afrodite, que estava apoiando os troianos. Ao longo do épico A Odisseia, por diversas vezes Ulisses/Odisseu vê- se em situações em que precisa vencer desafios ou perigos que são impostos por figuras femininas, para que possa retornar à Ítaca. Quando chega à terra dos feácios, por exemplo, o multiastucioso tem que conquistar a confiança de Nausícaa e, depois, a de Arete, para conseguir assegurar seu retorno à terra 3 Tais práticas mencionadas referem-se a inferiorização das mulheres neste período, relegadas a determinadas práticas e relegadas a obediências e subserviência a figura masculina. 4 “Para a mais bela” em uma tradução para o português. 18 natal; tendo conseguido a ajuda dos feácios e chegado à Ítaca, precisa não apenas vencer os pretendentes. Mas também convencer Penélope sobre sua identidade e ganhar a confiança dela. (SAIS, 2016) Em sua tese de doutorado, Lilia Sais faz uma análise profunda sobre as esposas presentes na Odisseia, como podemos analisar: As ameaças, riscos ou desafios representados por uma figura feminina no processo do retorno de Odisseu, contudo, estão presentes não apenas em Penélope e Arete, mas em muitas outras passagens do poema, em figuras como Circe, Calipso, as sereias: Odisseu tem que vencer um obstáculo “feminino” em diferentes etapas de seu retorno. Nesse sentido podemos afirmar que as mulheres na Odisséia são, sim, a priori, vistas como perigosas, ou como um símbolo de uma ameaça/ perigo/ desafio a ser vencido, e que conquistar a confiança e a benevolência delas, ou vencê-las, constitui algumas das tarefas essenciais para que o retorno de Odisseu possa se concluir. (SAIS, 2016, p. 20) A pesquisadora continua a discorrer neste sentido, observando que é perceptível a maneira como parte dos personagens presente na obra, olham com desconfiança para a figura feminina, a exemplo dos conselhos de Atena e Agamêmnom a Odisseu, sobre como ele deve proceder quando de sua chegada à Ítaca e a cautela que mesmo deve ter. Tais exemplos nos dão base para esta análise de como a mulher era vista na Grécia no período em debate, assim, podemos observar o que diz Giuseppe Cambiano, no livro O Homem Grego: O sexo era outro fator decisivo para a determinação de quem podia tornar-se cidadão adulto no sentido pleno do termo: as mulheres estavam excluídas. Havia, naturalmente, algumas exceções, sobretudo na época helenística e fora de Atenas, mas, de uma forma geral e sobretudo em Atenas, uma mulher estava integrada na cidade não como cidadã, mas como filha ou mulher de um cidadão. (CAMBIANO, 1994, p. 81). Desta forma, destaca-se a posição da mulher na sociedade grega5, ser a filha que aprende os afazeres domésticos e a esposa, que cuida da casa, filhos e marido, nos moldes de um suposto domínio absoluto masculino. 5 Apenas na época helenística é que se tem conhecimento de mulheres que firmam pessoalmente um contrato de matrimônio com o futuro esposo, antes, o pai é quem seria o responsável e transferiria para o marido. 19 Destarte, a mulher deveria ser a zeladora da harmonia do lar, ostentar os aspectos de pessoa frágil, passiva e submissa, devendo por esses motivos, ficar reclusa no Gineceu, cômodo reservado somente às mulheres. Cabe aqui ressaltar, que dentro deste contexto, este grupo é representado pelas esposas “bem-nascidas”6, como explica o historiador Fábio Lessa (2004), uma vez que o papel social da mulher era diferenciado por seus deveres e seu lugar na Polis: Não nos esqueçamos de que o discurso masculino já enfatizava o que a Polis esperava da população feminina. Das Hetaírai, os atenienses buscavam o prazer; das concubinas – Pallakaí – o cuidado cotidiano do corpo e das esposas legítimas; a procriação legítima e a preservação do grupo doméstico (...). Na sociedade Políade, as mulheres definiam-se, principalmente, pelo seu lugar e pelos seus deveres. (LESSA, 2004, p.12). Diante disto, nos fica claro que os papéis e localização geográfica da mulher dentro da polis, e nosso recorte aqui recai sobre Tebas do período clássico, é definido de acordo com o que o discurso masculino esperava da população feminina. Podemos observar, ainda, que é possível desconstruir a ideia comum de que havia uma homogeneidade entre as mulheres, ficando clara a diferenciação entre os grupos, mas ainda assim, em posição de inferioridade em relação aos homens, e estando diretamente submissa à definição por eles imposta. Autores como David Cohen (1989) e Christianne Sourvinou-Inwood (1995) narraram que as mulheres a quem os atenienses denominavam astai (cidadãs) tinham papel importante constantemente reiterado, aliás, pelos ideais normativos que impunham seus lugares a homens e mulheres (não necessariamente cidadãos), tanto na gestão cooperativa da casa quanto no domínio da condução de práticas e ritos religiosos. Porém, como descreve Marta Mega de Andrade (2020) devemos observar que este lugar comum na gestão da casa e religião é relativo, tendo em vista que apesar de as astai gozarem de prerrogativas que outras mulheres não dispunham, ainda sim não estavam em pé de igualdade com oss homens cidadãos. Independentemente de se perguntar se as mulheres esposas tinham tal prerrogativa ou não na gestão de um oikos 6 Modelo organizado de acordo com pesquisa do autor Fábio Lessa: “Podemos dizer que as mulheres administram o Oîkos(...) se casam muito jovens, se dedicam à fiação e à tecelagem, possuem como função primordial a concepção de filhos”. (2001, p 17). 20 em que elas entravam como estranhas, devemos enfatizar que a proposta de complementaridade no casamento oferece, de fato, um lugar que pode ser reivindicado por aquelas que adquirem tal condição (esposas de cidadãos com posses, modelo feminino de status mais elevado). Os discursos sobre a representação da mulher, sua posição na pólis, definiam não somente normas de comportamento, mas normas jurídicas e preceitos morais, referendados por construções textuais de diversos autores e pensadores, bem como dentro do imaginário religioso. Assim, a junção do pensamento filosófico grego com outros discursos, especialmente o religioso, foi responsável por moldar a moral sexual ocidental, definindo assim, a ideia da inferioridade feminina. Aristóteles é um importante pensador que transforma a diferença sexual em desigualdade, como se observa: Em consequência da sua juventude, da sua velhice ou de qualquer outra causa(...) dá forma a um produto imperfeito, defeituoso, de segunda escolha.(...)Aquele que não se assemelha aos pais é já, em certos aspectos, um monstro (teras): porque, neste caso, a natureza afastou-se, em certa medida, do tipo genérico (genos). O primeiro desvio é exatamente o nascimento de uma fêmea em vez de um macho. (ARISTÓTELES, 1957, p. 157)7. Assim, Aristóteles reflete o pensamento sobre a inferioridade das mulheres em relação aos homens: a figura perfeita e desenvolvida seria o nascimento de um homem, sendo as mulheres um desvio da natureza, por serem frágeis e de segunda escolha. O que faz com que a iniciativa de Antígona em se opor ao edito proibitivo de Creonte e arriscar sua própria vida para prestar honras fúnebres ao seu querido irmão seja um ato em si de coragem e demonstração da força feminina, insurgindo contra o status quo no qual se encontravam as mulheres. Antígona, filha de Édipo, perdeu seus pais em uma tragédia familiar, posteriormente, perde seus dois irmãos em uma guerra por disputa de poder sobrando-lhe apenas sua irmã Ismêne que, ao escutar de Antígona seu plano 7 Tradução do autor. 21 para sepultar o irmão e agir contra o edito proibitivo, se esforça para tentar mostrar a posição delas, como mulheres, na sociedade em que vivem: E agora, que estamos a sós, pensa na morte ainda mais terrível que teremos se contrariarmos o decreto e o poder de nossos governantes! Convém não esquecer ainda que somos mulheres, e, como tais, não podemos lutar contra homens; e, também, que estamos submetidas a outros, mais poderosos, e que nos é forçoso obedecer a suas ordens, por muito dolorosas que nos sejam. De minha parte, pedindo a nossos mortos que me perdoem, visto que sou obrigada, obedecerei aos que estão no poder. É loucura tentar aquilo que ultrapassa nossas forças! (SÓFOCLES. Versos 65/75) Isto posto, podemos observar que a violência e tirania8 aplicada por Creonte, é característica daqueles que detêm o poder, mas teme pela perda dessa posição, passando assim a usar de artifícios violentos para provar a todos, principalmente para si, de que é o verdadeiro detentor deste poder. Como se observa o que escreve Vicenç Fisas Armengol: Muita da violência exercida contra as mulheres tem sua explicação no medo ou temor que sentem alguns homens de perder sua identidade e posição de domínio no sistema patriarcal. (ARMENGOL, 1998, p. 09) Podemos analisar que, ainda que uma forma de educação institucionalizada ou formalizada como a educação sofística e filosófica fosse buscada no período clássico, foi a literatura, com destaque para a tragédia grega, uma continuadora no processo educativo do homem: “Sem sombra de dúvida, o desenvolvimento cultural e/ou educacional passa pela poesia, pela tragédia, pela comédia” (NAGEL, 2006, p. 80). O teatro (tragédia e comédia) também se destacou como um gênero educativo que passou a exercer influência na formação do pensamento. Para Nagel, o desenvolvimento cultural e/ou educacional grego passa pela poesia, principalmente pela tragédia: 8 É importante destacar que a tirania enquanto forma de governo se estabeleceu no mundo grego antigo tendo como base a insatisfação com os regimes até então vigentes. Insatisfação essa que foi muito bem cooptada pelos tiranos que se apossaram do poder. Além disso, embora houvesse sistematicamente mecanismos de opressão do povo, operado diretamente pela tirania, bem como a destruição da legislação e dos costumes anteriores, a tirania chegou até mesmo a ser considerada uma forma de governo legítima e o tirano em alguns casos foi até visto com bons olhos quando não se utilizava de violência para com o seu povo. Isto posto, cabe esta diferenciação com o conceito moderno de tirania. 22 O poder de formação dos homens por meio dessa arte só pode ser dimensionado pela importância dada ao teatro, pelo fato do poeta ser conhecido como herdeiro das musas que tinham como função [...] presidir ao pensamento sob todas as formas possíveis: sabedoria, eloquência, persuasão, história, matemática, astronomia (NAGEL, 2006, p. 80). Apesar de inspirada no mito e na sua versão épica, a tragédia era uma arte de expressão da cidade e foi no governo dos tiranos que foi instituída como uma festa oficial de Atenas. Segundo Paulo Rogério de Souza em sua dissertação intitulada O ideal de homem e de sociedade na obra de Sófocles, o objetivo da tirania não era a “[...] propagação da arte das líricas corais, nem de tornar populares as apresentações trágicas, ou difundir o teatro na Grécia. Muito menos tinha ela preocupação com a influência da temática religiosa do teatro. Seus motivos eram políticos” (2007, p. 54). O tirano pretendia alcançar a simpatia do povo, para reforçar o apoio recebido dos setores empobrecidos contra a aristocracia, oficializando a tragédia como manifestação artística numa festa popular: [...] foi Pisístrato quem determinou que fossem encenadas em umas das festas mais populares, justamente as Grandes Dionísias Urbanas, em fins de março. Pisístrato com isso estava fazendo uso da religião contra a aristocracia, reorganizando as festas tradicionais dando patrocínio estatal ao culto mais popular do momento, o de Dioniso e de sua festa mais importante, as Dionísias Urbanas (PIQUÉ, 1998, p. 207). Mas se a tragédia surgiu com a tirania, foi com a democracia que atingiu seu apogeu. Segundo Hauser (1990, p. 124); “A tragédia é a criação de arte mais característica da democracia ateniense, e em nenhuma outra forma de arte se discernem, tão direto e tão claramente como nela, os conflitos internos de sua estrutura social”. Diante do exposto preliminarmente, busca-se através desta dissertação, a análise da importância do papel da mulher ao fazer oposição a um direito misógino e de raízes patriarcais, pautado na ideia do androcentrismo9. Esta reflexão se faz necessária para que possamos obter uma análise dos aspectos acerca do direito grego e acerca da posição feminina na sociedade. 9 Termo tratado aqui no sentido relativo à tendência para assumir o masculino como único modelo de representação coletiva, sendo os comportamentos, pensamentos ou experiências, associados ao sexo masculino, os que devem ser tidos como padrão. 23 Propõe-se um estudo sob a perspectiva do historiador, para sintetizar os aspectos da materialidade histórica contida nos costumes e nas normas que constituíam a relação entre o direito e a mulher. 2. AS TRAGÉDIAS GREGAS SOB ÓTICAS ATUAIS 2.1 A obra de Sófocles através do tempo e a Análise do discurso crítico como método. Neste momento, passaremos a analisar a transmissão dos dramas de Sófocles, uma tarefa que exige a atenção do historiador de forma particularmente especial. Compreender a transmissão das peças de Sófocles, que está longe de ser uma distração, na verdade auxilia sua interpretação literária. Ninguém pode começar um estudo sério desses dramas sem perceber rapidamente que nossa evidência para o que Sófocles escreveu é muitas vezes tênue ou obscura. Uma noção de como as palavras de Sófocles foram transmitidas ao longo dos séculos, e dos processos de corrupção a que foram expostos, é uma importante ferramenta intelectual para lidar com este problema e, assim, para garantir, na medida do possível, que as interpretações são baseadas no que Sófocles escreveu, e não nos erros introduzidos durante a transmissão. As peças de Sófocles não estavam entre as primeiras obras clássicas destinadas para impressão. Segundo Kirk Ormand (2012) as obras de Sófocles apareceram pela primeira vez neste meio em 1502, graças ao famoso editor veneziano Aldus Manutius. A publicação da edição Aldine é um marco na área textual histórica de Sófocles por duas razões. Primeiro, garantiu a sobrevivência contínua das peças que foram preservadas até aquele ponto. Em 1501, havia talvez algumas dezenas de cópias existentes da peça Antígona, todas em manuscritos de até meio milênio, encontrando-se em estado precário. Em 1502, a peça podia ser encontrada em centenas de cópias e logo estar disponível em milhares, à medida que novas tiragens e novas edições viessem à luz. Com isto, Aldine tornou o texto de Sófocles acessível a um maior número de estudiosos do que antes. Qualquer pessoa com meios e tempo suficientes poderia adquirir uma cópia e sujeitá-la a escrutínio e emendas; não era mais necessário consultar, ou 24 transcrever laboriosamente um manuscrito trancado em alguma coleção particular simplesmente para ler e estudar as peças. Como afirma Rehm (1992, p. 15-16), são do séc. IV a.e.c. o maior número de documentos no que concerne às Dionísias Rurais, nos mostrando que em seu início, a tragédia viria de zonas rurais para as zonas urbanas e que após os seus surgimentos nas zonas urbanas, viria, posteriormente para as zonas rurais um maior desenvolvimento. As Dionísias rurais eram celebradas em diversas demos, todas no período clássico da Ática, contando com apresentações de ditirambo, que era uma declamação lírica apresentada ao público por um coro munido de acompanhamento musical a evocar os feitos de Dioniso, de outros deuses e dos heróis (Almeida, 2010. P. 7). As Dionísias Rurais, também serviam como um veículo para performances teatrais formais, sendo possível que estas peças fossem subsequentemente transferidas para um outro local da Ática. De acordo com Paul Cartledge, os festivais eram uma ocasião de descanso e relaxamento, para se recuperar das penosas jornadas de trabalho braçal que a maior parte dos habitantes da Ática deveriam fazer (1997. P. 6). Posto isto, uma vez que o texto de Sófocles, trabalhado como fonte principal neste projeto, data de um período tão longínquo, busca-se um método que possa abarcar todas as análises das fontes, garantindo as mesmas possibilidades qualitativas de análise, trabalhando com o discurso. A análise de discurso crítica (ADC) fomenta-se na vertente britânica, configurando-se a linguagem como uma prática social. “Isso porque a linguagem se mostra um recurso capaz de ser usado tanto para estabelecer e sustentar relações de dominação quanto, ao contrário, para contestar e superar tais problemas”. (RAMALHO; RESENDE, 2011, p.13) A ADC habilita-se como ferramenta necessária ao estudo da história antiga, em especial, por ser a tragédia um gênero educativo que passou a exercer influência na formação do pensamento grego na Antiguidade, uma vez que, permite o estudo, a análise da legitimação ou oposição das formas de ver 25 o mundo construídas não apenas por grupos, mas também por seres individuais, os atores sociais de Fairclough. (FAIRCLOUGH, 2005, p.309-310). Como o autor aponta, a ADC apresenta-se com uma recepção interdisciplinar, preocupando-se com o “papel que a semiose tem dentro dos processos de mudança e nas relações entre semiose e outros elementos sociais dentro de uma rede de práticas” (2005, p.309). Constatando-se assim a necessidade, a importância da linguagem na vida social, consolidando-se como irredutível. A aparelhagem linguística por si só, engloba consequências e efeitos abrangentes das mais distintas matrizes, como sociais, políticas, cognitivas e materiais, Fairclough aponta como essa ligação entre linguística e o social se produz, uma vez que os seres – tidos como atores sociais pelo autor – são produtores ativos de representações. “Os atores sociais, no curso de sua atividade, produzem não só representações das práticas em que estão inseridos (representações reflexivas) como de outras, recontextualizando-as e incorporando-as às suas próprias” (FAIRCLOUGH, 2005, p.309-310). Para o autor, representações são processos de construção social, modificando-se conforme a posição que os atores sociais assumem em relação a prática social. Com isto, a escrita da tragédia, é visível e claro como nela, os conflitos internos de sua estrutura social são abordados e discutidos. O discurso proposto tanto por Fairclough quanto por Ramalho e Resende se apresenta imposto em uma forma específica, o texto, não necessariamente o texto escrito, mesmo que seja o ponto focal do projeto; ademais, para com as outras possiblidades, como textos audiovisuais, por exemplo. Ligado às práticas sociais, o texto figura-se como o intermediário conciso entre níveis máximos e mínimos, pois além de atuar, traz consigo as percepções da individualidade e sociabilidade. Por ora, cabe entender que, como evento discursivo ligado a práticas sociais, o texto traz em si traços da ação individual e social que lhe deu origem e de que fez parte; da interação possibilitada também por ele; das relações sociais, mais ou menos assimétricas, entre as pessoas envolvidas na interação; 26 de suas crenças, valores, histórias; do contexto sócio-histórico específico num mundo material particular, com mais ou menos recursos (RAMALHO; RESENDE, 2011, p.23). Em sua criticidade, a ADC, volta-se ao caráter ideológico dos textos, vislumbrando como estes atuam em diferentes etapas do meio social, saindo das relações, passando pelas crenças, estendendo-se até a formação das identidades. Tal percepção ideológica como ilustram as autoras só se fomenta nos textos se servem a um processo de domínio, a “universalização” de perspectivas de caráter particular perante o público visando à manutenção e mesmo a legitimação esse domínio. Ou seja, “a ADC é ‘crítica’ porque sua abordagem é relacional/dialética, orientada para a compreensão dos modos como o momento discursivo trabalha na prática social, especificamente no que se refere a seus efeitos em lutas hegemônicas” (RAMALHO; RESENDE, 2011, p.36) A ADC volta sua análise a três pontos: os gêneros, os discursos e os estilos, sendo estes os meios que possibilitam estabelecer relações entre os “aspectos discursivos e não discursivos de práticas sociais” (RAMALHO; RESENDE, 2011, p.49), sendo este estudo pautado na análise dos discursos. Os gêneros discursivos são abstratos e se estabelecem como relações e/ou ações que se manifestam/consolidam pelo discurso, sendo assim meio de “(inter)ação” através do discurso. Eles se apontam como essenciais pois “gêneros, como maneiras particulares de ação e relação, podem servir para legitimar discursos ideológicos, conduzir maneiras particulares de representar práticas, influenciar modos de identificação” (2011, p.61) Sua abstração só se verifica por textos concretos. 2.2 Mito e Tragédia na Historiografia A partir deste ponto, será feita uma breve análise de autores e pesquisadores que se debruçaram no estudo das tragédias gregas, festivais dionisíacos e as representações femininas neste contexto. Tal capítulo tem por objetivo fazer um levantamento das publicações recentes acerca do tema 27 pesquisado nesta dissertação, a fim de embasar as ideias apresentadas, partindo de uma ótica historiográfica. Trajano Vieira, em seu texto de introdução no livro Mito e Tragédia na Grécia Antiga (2014), de autoria de Vernant e Naquet, desenvolve sobre a autoridade que Jean Pierre Vernant se tornou para a tragédia grega. Em suas linhas, Trajano descreve que a partir dos anos 60, nenhum autor influenciou tanto os estudos helenísticos de um modo geral quanto Jean-Pierre Vernant. Sua originalidade teórica, elegância estilística, capacidade argumentativa e coerência intelectual justificam a projeção desse estudioso sobre Grécia (TRAJANO, apud VERNANT. 2014). A importância maior da obra de Vernant talvez não decorra do valor reduzido que ele atribuiu ao comparativismo, abordagem recorrente atualmente nos estudos clássicos, muito menos do destaque pequeno que dá ao aspecto poético da linguagem de autores como Homero, Ésquilo e Sófocles. Trajano descreve bem alguns aspectos da visão teórica de Vernant: Entre outras coisas, Vernant nos ensina a evitar generalizações teóricas, e imprecisões conceituais. Desta forma, por exemplo, se alguém fizesse uso do termo racionalismo, ele poderia indagar: a que racionalismo você se refere, ao socrático, ao sofístico, ao de Tucídides, ou ao de Homero? (TRAJANO, apud VERNANT. 2014). A ausência de conceitos opacos, decorrentes muitas vezes do uso abrangente de certos vocábulos, é uma das principais marcas da linguagem de Jean-Pierre Vernant. Quando nos debruçamos sobre estudos acerca da tragédia, não se pode deixar de mencionar a obra do filósofo Friedrich Nietzsche, intitulada ‘O nascimento da tragédia’ (1992), sem dúvida uma das obras mais densas do autor. Em suas linhas, Nietzsche destaca a relação entre a arte e a verdade em sua filosofia, esclarecendo a união entre a ética e a estética, entre a vontade e o processo de simbolização das formas artísticas. Em seu desenvolvimento, a obra nos apresenta o essencial de sua estética; pela qual ele entende não somente o estudo das obras de arte, mas também e, sobretudo, sua genealogia e seus efeitos na cultura e na vida de um povo. 28 Ao analisar as linhas da tragédia ática , Niezsche emprega o mesmo argumento dado tanto para a poesia lírica quanto para a canção popular: a origem da tragédia está no espírito da música (CASTRO, 2008). No drama trágico, a música é primária, e o diálogo é secundário. Como obra de arte apolíneo-dionisíaca, a tragédia reúne sonho e embriaguez, luz e sombra, aparência e essência, imagem e música. A tragédia nasceu da música, do canto em louvor a Dionísio, entoado por um grupo de pessoas que percorrendo florestas faziam-se passar por sátiros, seres naturais-fictícios, homens com pés de capro e pequenos chifres. Em estado extático, com o rosto pintado da seiva de diferentes plantas e a testa coberta de flores, estas criaturas híbridas erravam pelos matos cantando, dançando e tocando flauta rústica. Esse coro de sátiros, conjunto de seres transformados, a um só tempo atores e expectadores, via desenrolar diante de si um espetáculo visível apenas para aqueles que participavam da excitação dionisíaca. Apenas posteriormente a tragédia passou a apresentar-se em um teatro. Por fim, a conclusão do livro, é a de que a morte da tragédia ocasionada pela vitória do racionalismo socrático ecoa no século XIX, na medida em que esse racionalismo teria encontrado na ciência triunfante daquele momento uma espécie de acabamento, mostra muito bem que o objetivo de Nietzsche era menos nos levar de volta a Grécia e mais em nos fazer pensar em que medida a compreensão de nossa época exige uma confrontação com os gregos. Em suma, o objetivo de Nietzsche era muito mais o de fazer uma espécie de um diagnóstico do seu presente. Como posto, diversos autores, da antiguidade ou contemporâneos, demonstram visões sobre a obra de Sófocles, e principalmente, fazem uma análise a partir do direito incutido na obra. O pesquisador João Estevam L. de Almeida, em sua dissertação de mestrado para a Universidade de São Paulo intitulada “Um deus a céu aberto: dionísio e a expressão material do teatro na paisagem da pólis na Grécia arcaica e clássica – séc. VI-III a.e.c.” buscou analisar a arquitetura teatral como uma espécie de tecnologia simbólica e sua disposição na paisagem para assim tentar 29 compreender os códigos implícitos que denotam indícios de uma comunicação não verbal, presente no ambiente construído. Como o autor observa: Apesar do imenso mistério que ainda envolve a cena trágica grega dos séculos V a.C., estudos da referida linha de pesquisa, à qual se filiam Easterling e outros autores apresentados ao longo desta pesquisa, nos aproximam da compreensão do impacto sensível dessa espetacularidade. Nesse sentido, a reconsideração do valor iconográfico de cerâmicas encontradas principalmente no sul da Itália tem papel fundamental, uma vez que apresentam alguns indícios das movimentações que ocorriam no espaço cênico. Além disso, análises arqueológicas das estruturas dos edifícios teatrais, por sua vez, redimensionam a nossa compreensão sobre esse espaço cênico. (ALMEIDA, 2014, P. 75). A importância de tal pesquisa para esta dissertação, bem como para o estudo historiográfico da tragédia grega está no embasamento teórico e prático da importância das festividades dionisíacas através das ruínas e vestígios encontrados. Esta análise nos proporciona um estudo arquitetônico do teatro grego e de como isto revela a grandiosidade e reverência que eram dadas aos concursos trágicos. João Estevam continua a abordar o tema em um artigo publicado com o título O Teatro, a pólis: Dioniso e seu espaço norteador da identidade políade (2010) onde expõe que o problema das origens da tragédia não foi totalmente solucionado pelos helenistas, mas sabe-se que por volta de 534 a.e.c. se deu seu início oficial com a encenação de peças satíricas e que a comédia deve ter surgido por volta de 486 a.e.c. Antes destas datas, segundo T. B. Webster, o que se tem são performances que com o tempo tornaram-se as três formas da arte dramática: a tragédia, a comédia e o drama satírico (WEBSTER, 1963). Essencialmente, o surgimento da tragédia, como bem nota J. Green, parece ter sido representado por um elemento primitivo: um coro de homens, personificando os sátiros, esses seres selvagens com caudas e orelhas de cavalo, seguidores de Dioniso. Para Aristóteles, o teatro surge quando o coro assume o seu papel (GREEN, 1995). Este autor salienta que o quinto século a.e.c. presenciou grandes espetáculos teatrais; a seu ver, a Grande Dionísia e a performance teatral estiveram intimam ente ligadas à democracia ateniense, que certam ente serviram para fomentá-la, tendo a mesma, por seu turno, servido para promover o festival e o teatro 30 Como aponta Eric Csapo (2007) em The man who built the theatres: Theatropolai, Theatronai, and Arkhitektones, escavações durante a década de 1960 no santuário de Dionísio, forneceram evidências de que as fundações do primeiro theatron, literalmente o lugar onde se vê, de pedra nas enormes proporções circulares que permeiam o nosso imaginário não podem ser datadas de antes do século IV a.C., quando foi realizada a reforma de Licurgo. O theatron do século V a.C. era construído sobre o chão de terra batida em madeira, estrutura essa que emprestava ao espaço cênico uma forma retilínea e comportava uma quantidade muito menor de pessoas: Os únicos vestígios materiais das arquibancadas do século V a.C. são cerca de dez blocos [de madeira] que formaram uma plataforma para a prohedria [...]. As faixas salientes distintas [...] nas extremidades desses blocos indicam que eles foram projetados para se encostarem, formando uma linha reta. [...] Quando esta evidência é combinada com evidências comparativas de outras teatros do século V a.C. e do início do século IV a.C., todos trapezoidais ou retilíneos, o caso de um theatron trapezoidal para o teatro de Dionísio do século V a.C. parece conclusivo. Assim, o theatron do século V a.C. tinha uma capacidade muito menor do que seu sucessor licurguiano, não só por causa de sua extensão menor, mas também por causa de sua retilinearidade (Csapo, 2007, p. 99). João Estevam conclui que, além das pesquisas arqueológicas, um outro caminho fundamental para o estabelecimento dessas novas perspectivas da cena trágica grega no século V a.C. partiu do trabalho de reavaliar a espetacularidade trágica a partir dos indícios de entrada, saída e movimentação dos atores presentes nos próprios textos dos poetas trágicos. Destaca-se, nessa direção, o trabalho pioneiro de Oliver Taplin (1977) em The stagecraft of Aeschylus: the dramatic use of exits and entrances in Greek tragedy. (Almeida, 2010). Em seguida, são apontadas duas publicações de artigos em periódicos especializados sobre a tragédia clássica grega, entretanto, será efetuada, uma vez mais, a análise a partir de óticas linguísticas e das artes, carecendo de uma análise do objeto partindo do prisma historiográfico, como será levantado nesta pesquisa. O professor Marcos F. Campos da Rocha, buscou em seu artigo “Memória, passagens e permanência da tragédia na literatura alemã’, proceder a um breve levantamento do gênero tragédia e verificar até que ponto ele está 31 realmente representado no Iluminismo e no Classicismo alemão dentro da obra de G. E. Lessing e de F. Schiller. Para isto, ele faz uma análise dos fundamentos deste gênero, através de uma retomada na Antiguidade Clássica dos textos em questão. Marco Valério Classe Colonelli, em seu artigo intitulado ‘Cena de caracteres na épica arcaica e na tragédia grega clássica’ abordou o uso de uma técnica narrativa presente na épica homérica e na tragédia Ifigênia em Áulis, de Eurípides, a fim de demonstrar os efeitos produzidos por tal expediente. O estudioso relata que como resultado da investigação, pode-se apontar não só a diferença entre os níveis narrativos épico e trágico, mas também a produção de um quadro narrativo específico em ambas as narrativas: a cena de caracteres. Este levantamento acerca de pesquisas que colocaram a tragédia como centro, nos mostra a diversidade e riqueza com que se pode abordar tal tema, suscitando questões a serem respondidas e trazendo à luz resultados de imensa importância para nosso entendimento sobre esta arte que surge no século V A.E.C., ambientada nas festividades ofertadas a Dionísio, porém, nos deixa claro o quanto ainda se pode analisar as nuances e dicotomias que envolvem o contexto trágico da Grécia em seu período clássico. A obra de Sófocles é constantemente alvo de estudos das mais variadas vertentes, como abordado nesta dissertação. São inúmeras as possibilidades e óticas advindas de diversos campos de pesquisa. Antígona, por ser uma obra que em sua essência, é composta diretamente por uma disputa sobre direito – natural, por parte de Antígona, positivista por parte de Creonte – que é corriqueiramente abordada em estudos jurídicos e artigos que abordem as origens do direito moderno. Porém, como veremos, a abordagem da historiografia a partir dos versos sofoclianos não é extensa, e justifica a investigação atual. Em uma busca referencial em periódicos nacionais e pelo portal de teses e dissertações da CAPES10, foi revelada uma quantidade de produções 10 Acesso em 17 de maio 2024. 32 relativamente pequena no que diz respeito ao interesse pela Antígona, de Sófocles. Esta busca teve um recorte temporal entre os anos 2015 e 2025, resultando em 11 trabalhos referenciando Antígona, porém sendo das mais diversas áreas das ciências humanas. Solange Aparecida de Campos Costa, publicou a tradução de Antígona de María Zambrano, obra de María Zambrano intitulada La tumba de Antigona. Camila Lobo Gama Alves, Saada Zouhair Daou e Sandra Suely Moreira Lurine Guimarães, publicaram artigo intitulado O discurso oficial e o silenciamento de mulheres insubmissas: de Antígona à Marielle, O artigo procura saber se mulheres insubmissas são mortas pelo discurso oficial. Rodrigo Tadeu Gonçalves e Julia Nascimento, escreveram um artigo intitulado A tradutora e o diálogo intermidiático em Antigonick de Anne Carson, este artigo pretende discutir como as referências intertextuais e intermidiáticas contribuem para uma leitura que englobe a vasta tradição de recepção dos clássicos sem deixar de considerar as particularidades do trabalho da tradutora e do seu comprometimento com a “mulher de palavra”. Em se tratando da análise histórica da figura do feminino e da disputa entre Antígona e Creonte, é ainda menor a quantidade, reduzindo-se a alguns poucos trabalhos nos últimos anos, predominantemente no campo dos estudos linguísticos e da filosofia. Rodrigo de Miranda Pereira desenvolveu sua dissertação de mestrado em história visando à elaboração de uma investigação sobre a construção dos éthe no drama Antígona (442-1 a.e.c.), de Sófocles . O objetivo dele foi identificar quais são os éthe11 possíveis no teatro de Sófocles em sua historicidade a partir das disputas agônicas entre os agentes dramáticos. Percebe-se que apesar do objeto de pesquisa de Rodrigo ser a tragédia de Antígona, sua abordagem distingue-se desta dissertação, buscando uma ótica acerca das figuras de caracteres da obra. O mesmo já levanta a questão da diminuta quantidade de pesquisas nacionais sobre o prisma de Antígona, em 11 Aristóteles estabelece a divisão da tragédia em algumas partes: o mito ( mythos, entendido como enredo); os caracteres (éthe); a elocução (léxis, as formas de dizer); o pensamento (diánoia o que dizem as personagens); o espetáculo (hópsis); e a melopeia (melopoiía, sua parte musical). 33 específico a análise da retórica do drama, cujo tema é o foco principal de sua pesquisa. Embora haja na literatura estrangeira, sobretudo de língua inglesa, várias análises rigorosas e profícuas sobre o tema da retórica aplicada à tragédia grega, a pesquisa nacional procura privilegiar outras análises possíveis do drama (PEREIRA, 2021). 2.2.1 Possibilidades de integração de diferentes perspectivas: Literatura, história e direito Para a melhor compreensão da pesquisa e de sua importância dentro do cenário acadêmico, faz-se necessário discutir alguns pontos chaves: O Direito grego dentro da política na Polis e a religião Grega. Partes de um todo que não devem ser separadas. Na análise da obra, podemos nos deparar com diversas formas de abordagens e ângulos para estudos e reflexões: religioso, moral, político, psicológico, jurídico, cênico, literário, sexológico, criminológico e assim por diante. Ao analisarmos as tragédias, fica-nos claro como é recorrente o uso do direito e da linguagem jurídica nos versos de clássicos como a Antígona de Sófocles, tão conhecida mesmo nos estudos jurídicos, bem como Édipo Rei, e As troianas de Eurípedes; todos trazendo em seus textos, situações que precisam ser resolvidas através dos meios jurídicos da época em que são ambientadas, e demonstram os costumes rotineiros dos personagens e suas vinculações ao sagrado e ao cívico, refletindo as ânsias e inquietações do período através do teatro e da tragédia. Pouco mais de meio século depois da estreia da peça de Sófocles no teatro grego, Aristóteles, na Arte Retórica, ao escrever sobre justiça e equidade, procura interpretar as palavras de Antígona: Digo que, de um lado, há a lei particular e, do outro lado, a lei comum: a primeira varia segundo os povos e define-se em relação a estes, quer seja escrita ou não escrita; a lei comum é aquela que é segundo a natureza. Pois há uma justiça e uma injustiça, de que o homem tem, de algum modo, a intuição, e que são comuns a todos, mesmo fora de toda comunidade e de toda convenção recíproca. É o que expressamente diz a Antígona de Sófocles, quando, a despeito da proibição que lhe foi feita, declara haver procedido justamente, 34 enterrando Polinices: era esse seu direito natural: Não é de hoje, nem de ontem, mas de todos os tempos que estas leis existem e ninguém sabe qual a origem delas (ARISTÓTELES, 1959, p. 86). Como analisou Aristóteles, os personagens centrais buscam defender seus atos baseados na convicção de que estão certos, amparados pela religião. Ocorre que se pode dizer que havia coerência no discurso de ambos, no entanto, baseados em dois tipos diferentes de religiosidade: Antígona, baseada na religião familiar, puramente privada, limitada ao círculo estreito dos parentes próximos, os Phíloi, centrada no lar familiar e nos mortos, o Direito Natural – e Creonte, baseado em uma religião pública onde os deuses tutelares da cidade tendem finalmente a confundir-se com os valores supremos do Estado (VERNANT, 2005, p. 18). Michel Foucault, em sua obra A Verdade e as Formas Jurídicas, busca compreender como a tragédia de Édipo é representativa e, de certa maneira, instauradora de um determinado tipo de relação entre poder e saber, entre poder político e conhecimento. Baseando-se nessa ideia, analisaremos a relação de Antígona e Creonte, sob essa ótica de Foucault de poder e saber. Como ele narra: A tragédia de Édipo é fundamentalmente o primeiro testemunho que temos das práticas judiciárias gregas. Como todo mundo sabe, trata- se de uma história em que pessoas, um soberano, um povo - ignorando uma certa verdade, conseguem, por uma série de técnicas de que falaremos, descobrir uma verdade que coloca em questão a própria soberania do soberano. A tragédia de Édipo é, portanto, a história de uma pesquisa da verdade; é um procedimento de pesquisa da verdade que obedece exatamente às práticas judiciárias gregas dessa época. Por esta razão o primeiro problema que se coloca é o de saber o que era na Grécia arcaica a pesquisa judiciária da verdade. (FOUCAULT, 2006, p 15). Segundo o autor, se existe complexo de Édipo, ele se dá não ao nível individual, mas coletivo; não a propósito de desejo e inconsciente, mas de poder e de saber (FOUCAULT, 2006, p.14) Como analisado nesta dissertação, as leis na Grécia antiga eram tradicionais e respeitadas, e possuíam o vínculo com o divino e com o a democracia, como analisa Pedro Paulo Funari em sua obra Grécia e Roma (2002): 35 As leis consideradas divinas (Themis), dadas pela tradição, que não podiam ser alteradas pelos homens (como a proibição de matar os próprios pais ou casar-se com os familiares em primeiro grau, como os irmãos) e havia também as leis tidas como feitas pelos homens, que todos conheciam e eram reproduzidas, por escrito, em inscrições monumentais, para que todos pudessem ver. (FUNARI, 2002, p. 37). O Direito Positivo, em seu conceito contemporâneo, se conceitua pelo apego ao direito vigente no âmbito de uma sociedade/Estado. Ou seja, as leis em vigor devem ser usadas e seguidas, assim, limitando o conhecimento científico-jurídico, elimina os princípios dedutivos e a explicação divina, buscando as ciências para explicar os fenômenos e ultrapassando o Direito Natural e a Filosofia Moral, impondo o Estado de sociedade e legislação a ser seguida. Hans Kelsen, em seu livro Teoria pura do direito (1998), afirma que a lei é lei, sendo abstrata, não se trata de ser justa ou injusta, basta ser legal e verdadeira para ser aplicada. Enquanto o Direito Natural se volta à ideia do ideal de justiça, seja por meio das tradições ou mesmo intervenções divinas, o direito positivo quer a estabilidade e a ordem social. Com isto, cabe um comparativo sobre o conceito de direito positivo presente no discurso do rei Creonte, que em seu primeiro pronunciamento em direção ao povo de Tebas, já o faz impondo um edito proibitivo, mostrando que como soberano, fará valer seu poder e sua vontade: Cidadãos! Os deuses, depois que esta cidade foi rudemente abalada por um vendaval, deram—nos a segurança e a calma! Fostes aqui reunidos por meus arautos, porque sempre venerastes o trono de Laio, bem assim durante o reinado de Édipo, e, mesmo após sua morte, conservastes constante fidelidade a seus filhos. Visto que esses filhos, por um duplo destino, pereceram no mesmo dia, ferindo e feridos ambos por suas próprias mãos criminosas, cabe-me ocupar o trono, e exercer o poder dos que já não vivem, pelo direito que me advém do parentesco que a eles me ligava. Ora, é impossível conhecer a alma, o sentir e o pensar de quem quer que seja, se não o vimos agir, com autoridade, aplicando as leis. Em minha opinião, aquele que, como soberano de um Estado, não se inclina para as melhores decisões, e se abstém de falar, cedendo a qualquer temor, é um miserável! (...) Obedecendo a estes princípios é que desejo promover a felicidade de Tebas. E, com esse mesmo espírito ordenei fosse tornado público o meu decreto concernente aos filhos de Édipo: Etéocles, que, lutando em prol da cidade, morreu com inigualável bravura, seja, por minha ordem expressa, devidamente sepultado; e que se lhe consagrem todas as oferendas que se depositam sob a terra, para os mortos mais ilustres! Quanto a seu irmão, - quero dizer: Polinice, - (...) declaro que fica terminantemente proibido honrá-lo com um túmulo, ou de lamentar 36 sua morte; que seu corpo fique insepulto, para que seja devorado por aves e cães, e se transforme em objeto de horror. Eis aí como penso; jamais os criminosos obterão de mim qualquer honraria(...). (SÓFOCLES, Antígona, Versos 185/240) Como vemos, em pouco tempo de reinado Creonte já externa seu poder executório e sua aversão para com as figuras de Édipo e seus descendentes, com a exceção de Etéocles que, contrariando a vontade de seus irmãos, pôs-se ao lado de Creonte na luta contra a tomada do trono por Polinice. Em seu discurso e suas ações, Creonte demonstra seu autoritarismo através do positivismo das leis que lhe são conferidas após sua coroação. Isso demonstrado leva a suscitar questões de: por que se castigar um morto? Por que o edito se resume em proibir o enterro de um corpo, uma vez que é sabido da importância das tradições fúnebres? Creonte, que fora irmão de Jocasta, portanto tio de Antígona, era descendente de conselheiros reais e regentes, que só assumiram o trono em situações emergenciais. Enquanto Édipo reinava sobre Tebas, Creonte era o príncipe irmão da rainha e foi o responsável por transmitir a fúria dos deuses para Édipo e alertá-lo sobre as consequências em caso do responsável não fosse punido. Como governante, percebemos que Creonte possui características como a de tirano, inflexível e egoísta, porém quando se mantém irredutível quanto ao destino de Antígona, podemos analisar que há motivações para além da aplicação da lei de Tebas, como a possibilidade de Antígona ser mais uma herdeira a disputar seu reinado. No período clássico grego, resguardava-se a sucessão ao trono ao filho da princesa de um líder morto. Por este estatuto, Creonte teria a obrigação de casar Antígona com o seu mais próximo parente – Hémon, seu filho. Desta forma, os filhos deste casamento seriam uma sucessão de Édipo, e não da linhagem de Creonte. Como ele não possuía outros filhos, sua linhagem se extinguiria em Hémon. Não obstante, Antígona, filha de Édipo e Jocasta, fruto de um casamento incestuoso, irmã dos fratricidas Polinices e Etéocles, representava a continuação de uma maldição que recaíra sobre Tebas. Sendo ela “a última raiz”, persona que carrega consigo a estirpe altiva de seu pai, para 37 Creonte atrairia com sua linhagem dos Labdácias a ira dos deuses. Este fato explica a antipatia de Creonte para com Antígona, somado ao sentimento de ultraje que sofreu por ter tido uma ordem direta sua desrespeitada por uma mulher, o que faz com que ele seja ainda mais enérgico em seu autoritarismo. Não haja mais delongas: leve-as para dentro, servos! São mulheres e agora serão confinadas, como as outras. Além do mais, mesmo as pessoas corajosas tentam fugir se ameaçadas pela morte. (SÓFOCLES, Antígona, Versos 657/661). Hémon em seu discurso perante o corifeu, não atende às advertências de seu pai e prossegue com sua posição de defesa da liberdade de Antígona, ressaltando que o povo vê nas atitudes dela, um feito heroico e digno de respeito, mesmo que a maior parte de sua motivação seja a paixão que sente por Antígona. Nenhuma mulher (...) mereceu jamais menos que ela essa condenação. Nenhuma, em tempo algum, terá por feitos, tão gloriosos quanto os dela sofrido morte mais ignóbil; ela que, quando em sangrento embate seu irmão morreu, não o deixou sem sepultura, para pasto de carniceiros cães ou aves de rapina, não merece, ao contrário, um áureo galardão? (SÓFOCLES, Antígona,Versos 787/795). Na discussão entre ele e Creonte percebe-se um impasse entre a democracia e a tirania. De um lado, Hémon sustenta que seu pai não deve ignorar a justiça e que não se mantenha irredutível. Por outro lado, Creonte defende que sua soberania deve ser respeitada, e que todos, incluindo seu filho, Antígona e o povo, devem curvar-se perante seus atos. Para Hémon, o povo constitui a soberania de Tebas, e sendo assim, Creonte deveria respeitar a vontade de seu povo, “Não há cidade que pertença a um homem só.” (SÓFOCLES, Antígona,Verso 837). Creonte por sua vez, defende que apenas está impondo respeito ao seu poder como rei “Ofendo-a (justiça) por impor respeito ao meu poder?” (SÓFOCLES, Antígona,Verso 844). Este exemplo tem a capacidade de expor que a narrativa do controle absoluto do masculino sobre o feminino pode ser debatido, tendo em vista que é inegável as mostras que as mulheres eram tratadas como um escalão abaixo dos homens, porém vemos que o fato dos autores trazerem personagens como Antígona e Alceste, figuras de subversão, demonstra que este domínio total por parte dos homens já era debatido. 38 Por fim, tais exemplos refletem a necessidade de uma análise mais aprofundada da importância da trajetória de Antígona, frente não só a Creonte, como também aos costumes, no contexto trágico e cênico da tragédia grega, analisando outros autores no decorrer deste estudo, com suas obras trágicas no cenário grego. É possível demonstrar como é recorrente o uso do direito e da linguagem jurídica nos versos de clássicos como a Antígona, de Sófocles, tão conhecida mesmo nos estudos jurídicos; bem como Édipo Rei, e As troianas de Eurípedes, todos trazem em seus textos, situações que precisam ser resolvidas através dos meios jurídicos da época em que são ambientadas, e demonstram os costumes rotineiros dos personagens e suas vinculações ao sagrado e ao cívico, fazendo com que Antígona coloque sua segurança em risco, para poder alcançar seu objetivo de honrar a memória de seu irmão, mostrando a força da mulher frente às instituições gregas. 2.3 O rito fúnebre na obra clássica grega e pesquisas recentes A luta de Antígona em dar os devidos ritos fúnebres à Polinices nos leva a refletir sobre o tamanho da importância da religião grega nos ritos para descanso eterno. Pode-se observar tamanha importância no texto de outra obra de sucesso, narrada nos cantos de Homero, em A Ilíada, em que se descreve o suplício do rei de Tróia, Príamo, que arriscando a própria vida pelos campos de batalha, se dirige em terreno inimigo para que possa suplicar a devolução do corpo de seu filho Heitor, morto por Aquiles, para que pudesse dar suas devidas cerimônias fúnebres, para assim, Heitor poder atravessar o rio dos mortos em eterno descanso: Súplice roga: “Lembre-te, ó Pelides, O idoso pai, como eu posto à soleira Da pesada velhice. Por vizinhos Talvez opresso, defensor não tenha; Vivo ao menos te sabe, e folga e espera Ver tornar cada dia o egrégio filho. Ai! Gerei tantos bravos na ampla Tróia, Dos quais eu penso que nenhum me resta. 39 Cinqüenta ao vir o assédio, eram de um leito Dezenove, os demais de outras mulheres: Morte nos tem segado quase todos. O único esteio nosso, pela pátria A combater, acabas de roubar-mo, Heitor... Venho remi-lo à frota Argiva Com magníficos dons. Respeita os numes; Por teu bom pai, de um velho te apiades: Mais infeliz do que ele, estou fazendo O que nunca mortal fez sobre a terra: Esta mão beijo que matou meus filhos.” (Odisseia/ Homero Livro XXIV, P. 437). A Ilíada apresenta o tema dos cuidados aos mortos como uma de suas preocupações centrais. Já no início, o poema descreve sobre cadáveres insepultos e, em seu desenvolvimento, observam-se várias passagens em que um guerreiro ameaça seu oponente prometendo não permitir que o outro obtivesse ritos fúnebres de seus familiares, bem como referências constantes ao medo dos heróis – não o medo da morte, mas o medo de, depois da morte, terem seus cadáveres ultrajados. Com isto, a possibilidade de ver o corpo de Polinices comido pelos animais e se decompondo de forma ultrajante, desperta a revolta de Antígona, que em seu discurso a Creonte, se esforça para mostrar que seu direito era justo por natureza: Não é de hoje, não é de ontem, é desde os tempos mais remotos, que elas vigem sem que ninguém possa dizer quando surgiram. E não seria por temer homem algum, nem o mais arrogante, que me arriscaria a ser punida pelos deuses por violá-las. (SÓFOCLES, Antígona,versos 518/523). Nestes versos, Antígona mostra a Creonte que seu direito de honrar Polinice é ancestral e provém dos deuses, e não cabe a ele, mesmo que rei, modificar tal rito fúnebre, sob pena de despertar a ira dos deuses, o que se concretiza ao final da tragédia. Fabrício Possebon e Gracilene Felix Medeiros assinam juntos um artigo intitulado “Os Rituais Fúnebres da Pré-história à Grécia Antiga: As Bases de uma Religião” realizam um estudo acerca de como surgiram os primeiros 40 momentos de religiosidade e comprovar que esta ligação com o sagrado aconteceu proveniente de atos concretos, como o ritual fúnebre (POSSEBON e FELIX, 2014). Tais autores narram ainda que o culto aos mortos, na Grécia Antiga, assim como desde o momento da explosão cultural sofrida pelo homem moderno, era algo sagrado que deveria ser realizado por diversos motivos da ideologia religiosa, mas o que também norteava esses cultos era o medo do que estava obscuro, distante, nos reinos infernais (POSSEBON e FELIX, 2014. P. 70). A respeito desse receio dos vivos em relação aos não-vivos, Vernant diz: [...], durante a festa dos genésia, dos antepassados, no mês Boedromion (setembro); porém, mais do que um ato de veneração diante das Potências superiores, elas aparecem como o prolongamento temporário do cerimonial dos funerais e das práticas de luto: trata-se, ao abrir para o defunto as portas do Hades, de fazê-lo desaparecer para sempre deste mundo, onde ele já não tem seu lugar [...] (VERNANT, 2006, p. 46) A partir da análise de Possebon e Félix, podemos inferir que a afirmação acima nos mostra que os rituais fúnebres eram realizados para direcionar os mortos ao Hades e afastá-los do mundo real. Porém, esta não era apenas uma necessidade dos vivos, pois, os rituais eram fundamentais para o próprio morto. O túmulo é determinante para o culto e parte dos rituais neste período, sendo a análise da importância do túmulo para os gregos parte da pesquisa dos autores acima citados. Sobre isto, Vernant afirma que: [...] Durante o século VIII, desenvolveu-se rapidamente o costume de reaproveitar construções micenianas, funerárias em sua maioria, que estavam em desuso havia séculos. Reformadas, elas servem de locais de culto para homenagens fúnebres prestadas a personagens lendários, [...] o culto dos heróis tem um valor ao mesmo tempo cívico e territorial; está associado a um local preciso, um túmulo com a presença subterrânea do defunto, cujos restos foram às vezes buscados em regiões distantes para serem reconduzidos ao seu lugar [...](VERNANT, 2006, p. 44) Muitos túmulos encontrados na Grécia que remetiam a épocas longínquas foram direcionados a determinados heróis. Esses túmulos, 41 normalmente, pertenciam a pessoas de destaque e, assim, surgiam narrativas acerca daquela pessoa, tornando-a um herói ou um semideus (POSSEBON e FELIX, 2014. P. 74). Jacquelyne Taís Farias Queiroz, desenvolveu em sua dissertação de mestrado em Letras, intitulada “Os direitos do cadáver: Ritos fúnebres na poesia épica e trágica da grécia antiga” uma estrutura a partir de um duplo objetivo: em primeiro lugar, procurou, ao longo da Ilíada e da poesia trágica do século V A.E.C, destacar as várias referências aos modos de homenagem e honra aos mortos, assim como o seu oposto, ou seja, os modos de ultraje e desonra dos cadáveres. Com isto, a pesquisadora buscou identificar elementos relacionados às homenagens aos mortos, como, por exemplo, a distinção dos responsáveis pela realização das homenagens (familiares, amigos, companheiros de armas), as formas de efetivação destas homenagens (os procedimentos para incineração e/ou inumação dos corpos, a presença, ou não, de jogos em honra aos defuntos, de cânticos, de sacrifícios etc.), bem como os expedientes utilizados para negar honra e ultrajar os mortos (mutilação do cadáver, exposição ao sol e aos animais, dentre outros). Em um segundo momento, o trabalho procurou associar tais procedimentos empregados para honrar/desonrar os mortos com a afirmação das hierarquias sociais e dos códigos de comportamento que embasam a autoridade das aristocracias guerreiras, no período homérico, ou para reforçar os vínculos dos cidadãos com a polis, no período clássico (QUEIROZ, 2012). A dissertação mencionada se relaciona diretamente com o tema abordado nesta pesquisa historiográfica, uma vez que se buscou aqui analisar o grau de importância do rito fúnebre na cultura grega, e como tal ritual é representado em diversas obras do período estudado (séc. V a.e.c), uma vez que o debate incutido em Antígona, guarda semelhanças e distinções, em relação a Ájax, também de Sófocles, quanto às motivações que conduzem ao desejo de se ultrajar um cadáver. Ájax, filho de Télamon, era o mais poderoso guerreiro grego depois de seu amigo Aquiles, morto havia pouco tempo. Enlouquecido por não ter 42 recebido dos atridas12, Menelau e Agamêmnon, as armas divinas do amigo, massacra os rebanhos ao invés de atacar os "inimigos". Ao perceber o que fizera, se sente desonrado e comete suicídio. Após sua morte, Agamêmnon e Menelau se recusam a permitir que Ájax seja enterrado com as devidas honras fúnebres, mas após a intervenção de seu irmão Teucro e de Odisseu, que havia recebido as armas de Aquiles, Agamêmnon volta atrás e permite que lhe sejam prestadas as honras fúnebres. O embate em torno do cadáver somente terá conclusão com a chegada de Odisseu, guerreiro que segundo o perfil que dele traça Sófocles, revela um comandante sensato, prudente, conciliador, atento tanto às vicissitudes do comando como à necessidade de observação dos direitos tradicionais, em particular os direitos reconhecidos aos mortos. É, então, Odisseu quem irá se insurgir contra a pretensão dos atridas de que, diante do poder das autoridades, cabe aos demais, aos grandes e aos pequenos, simplesmente ceder sobre suas vontades. Escuta então [a Agamémnon]: este homem [Ájax] – pelos deuses! – não ouses tão insensivelmente atirar insepulto! Que a violência [bía] de modo algum te force a odiar tanto que chegues a pisar a justiça [díkē]! Também contra mim ele era antes o mais hostil da tropa, desde que me apoderei das armas de Aquiles. Mas ainda que tenha sido tal para mim, eu em todo caso não o desonraria, a ponto de não dizer que vi nele o homem melhor [áristos] dentre os argivos – quantos em Tróia chegamos – exceto Aquiles. Assim, não com justiça seria desonrado por ti: não seria ele, mas as leis dos deuses que destruirias. O homem bravo, se morre, lesar não é justo – nem se o estás odiando! (Sóf., Ájax, v. 1332-1345) Na obra, percebe-se que a figura de Odisseu deixa bem claro que o exercício da autoridade e do poder não deve ser absoluto; todo aquele que 12 Os Atridas são uma linhagem de personagens da mitologia grega, que se referem a todos os descendentes de Atreu, filho de Pélops, sendo os mais famosos Agamêmnon e Menelau. 43 exerce o poder, ao recorrer à violência, deve recuar diante da injustiça (QUEIROZ, 2012). Honrar ao cadáver é uma exigência perante as “leis dos deuses” e tais leis devem ser respeitadas mesmo por aqueles que detêm a capacidade de mando (ultrajando o cadáver do guerreiro, “não seria ele [Ájax], mas as leis dos deuses” que Agamémnon destruiria). Percebemos neste trecho, a semelhança entre o discurso de Antígona perante Creonte, onde ela expressa que seu direito em dar honras ao seu irmão está acima de qualquer decisão de um homem, mesmo que este seja o rei em questão, afinal seu direito provém dos deuses, ou seja, um direito natural. Desta forma, continuando na obra Ajáx, para Odisseu, o poder do rei deve ser limitado pela observância às leis divinas e, dentre estas, sobressai a necessidade de honrar os mortos com os devidos ritos fúnebres. 3. O TEATRO TRÁGICO GREGO O teatro, tal qual conhecemos na atualidade, está fixo no imaginário da sociedade com certo padrão básico: palco com cortinas que se abrem para que os atores interpretem seus personagens, figurinos e cenário que compõe o espetáculo (guardadas as devidas vertentes que se pode ter). Fato é que temos internalizado em nosso ideário a perspectiva estética de como o teatro se apresenta. A origem do teatro remonta à Grécia da Antiguidade, no contexto dos Grandes festivais Dionísicos, como será visto mais adiante. Os edifícios onde eram apresentadas as tragédias, comédias e dramas, o théatron (θέατρον) – segundo Patricia Elizabeth Easterling, tem na origem etimológica do seu nome o sentido de lugar para ver – sua nomeação já expressa seu objetivo inicial, porém, o teatro exerce na pólis uma função muito maior do que meramente entretenimento, sendo responsável por exprimir ânsias almejadas pelos cidadãos gregos, tradições compartilhadas oralmente de geração em geração, narrando eventos heroicos e passagens das aventuras dos deuses entre os mortais (Almeida, 2010. p. 2). Desse modo, podemos afirmar que a tragédia é 44 um reflexo e transmite as inquietações e as estruturas sociais do espaço-tempo em que está inserida, bem como se estrutura na forma de uma instituição e influência na formação deste pensamento. Tragediógrafos como Ésquilo e Sófocles vivenciaram tais inquietações, e souberam transmiti-las em suas obras, dando vida a personagens que suscitaram discussões alinhadas com o que se pensava neste contexto. A tragédia, que se ambientava em duas faces, política e religiosa, não era uma forma de representação artística com a função exclusiva de entreter e divertir. Serviu também como um artifício usado, inicialmente, pela tirania e depois pela democracia para auxiliar na organização e na administração da comunidade: A relação que existe entre a política e a religiosidade no funcionamento da instituição teatral obriga-nos a não considerar esse espetáculo como um divertimento, e sim como um dos meios que um grupo humano criou para expressar a si mesmo frente aos outros. Assim como as instituições políticas, esta é a forma como o grupo tentou, num dado momento, traduzir em práticas, em fatos, a noção que tinha sobre o poder no interior do próprio grupo (VERNANT, 2002b, p. 361). Por representar a sua sociedade, Souza (2007, p. 55) reforça a ideia de que, por vezes, a tragédia acaba por representar como essa sociedade deveria ser para sua manutenção e como deveria agir para sua continuação, é que o teatro revela o caráter didático que a tragédia teve no período clássico. A história da tragédia grega no século V a.C. é extraordinariamente difícil de contar. De um lado há trinta e duas peças conhecidas transmitidas desde a antiguidade até a tradição medieval, peças que exerceram uma influência profunda, até mesmo incomensurável, na cultura ocidental, enquanto do outro há fragmentos de evidências, muitas vezes distorcidas pelos preconceitos de tempos posteriores, a partir dos quais os estudiosos tentam reconstruir toda a história de uma instituição. Como os festivais dionisíacos eram organizados, como eram os primeiros teatros, máscaras e figurinos, como a música soava, que tipo de estilos de performance e convenções dramáticas se desenvolveram, até que ponto as peças sobreviventes são típicas das centenas ou milhares que devem ter sido compostas durante o período, e o que a tragédia significou para o público contemporâneo ateniense - e não ateniense - que a assistiu: essas são as perguntas que precisam de respostas [Tradução nossa]1 (Easterling, 1997a, p. 151). Apesar do imenso mistério que ainda envolve a cena trágica grega dos séculos V a.C., estudos da referida linha de pesquisa, à qual se filiam Easterling e outros autores apresentados ao longo desta pesquisa, nos 45 aproximam da compreensão do impacto sensível dessa espetacularidade. Nesse sentido, a reconsideração do valor iconográfico de cerâmicas encontradas principalmente no sul da Itália tem papel fundamental, uma vez que apresentam alguns indícios das movimentações que ocorriam no espaço cênico. Além disso, análises arqueológicas das estruturas dos edifícios teatrais, por sua vez, redimensionam a nossa compreensão sobre esse espaço cênico. Como aponta Eric Csapo (2007) em The man who built the theatres: Theatropolai, Theatronai, and Arkhitektones, escavações durante a década de 1960 no santuário de Dionísio, forneceram evidências de que as fundações do primeiro theatron, literalmente o lugar onde se vê, de pedra nas enormes proporções circulares que permeiam o nosso imaginário não podem ser datadas de antes do século IV a.e.c., quando foi realizada a reforma de Licurgo. O theatron do século V a.e.c. era construído sobre o chão de terra batida em madeira, estrutura essa que emprestava ao espaço cênico uma forma retilínea e comportava uma quantidade muito menor de pessoas: Os únicos vestígios materiais das arquibancadas do século V a.C. são cerca de dez blocos [de madeira] que formaram uma plataforma para a prohedria [...]. As faixas salientes distintas [...] nas extremidades desses blocos indicam que eles foram projetados para se encostarem, formando uma linha reta. [...] Quando esta evidência é combinada com evidências comparativas de outras teatros do século V a.C. e do início do século IV a.C., todos trapezoidais ou retilíneos, o caso de um theatron trapezoidal para o teatro de Dionísio do século V a.C. parece conclusivo. Assim, o theatron do século V a.C. tinha uma capacidade muito menor do que seu sucessor licurguiano, não só por causa de sua extensão menor, mas também por causa de sua retilinearidade (Csapo, 2007, p. 99). Além das pesquisas arqueológicas, um outro caminho fundamental para o estabelecimento dessas novas perspectivas da cena trágica grega no século V a.e.c. partiu do trabalho de reavaliar a espetacularidade trágica a partir dos indícios de entrada, saída e movimentação dos atores presentes nos próprios textos dos poetas trágicos. Destaca-se, nessa direção, o trabalho pioneiro de Oliver Taplin (1977) em The stagecraft of Aeschylus: the dramatic use of exits and entrances in Greek tragedy. (Almeida, 2010). Como descreve João Estevam (2010) o problema das origens da tragédia não foi totalmente solucionado pelos helenistas, mas sabe-se que por volta de 534 a.e.c. se deu seu início oficial com a encenação de peças satíricas 46 e que a comédia deve ter surgido por volta de 486 a.e.c. Antes destas datas, segundo T. B. Webster, o que se tem são performances que com o tempo tornaram-se as três formas da arte dramática: a tragédia, a comédia e o drama satírico (Webster 1963: 28-9). Essencialmente, o surgimento da tragédia, com o bem nota J. Green, parece ter sido representado por um elemento primitivo: um coro de homens, personificando os sátiros, esses seres selvagens com caudas e orelhas de cavalo, seguidores de Dioniso. Para Aristóteles, o teatro surge quando o coro assume o seu papel (Green 1995: 14 e 24). Este autor salienta que o quinto século a.e.c. presenciou grandes espetáculos teatrais; a seu ver, a Grande Dionísia e a performance teatral estiveram intimam ente ligadas à democracia ateniense, que certam ente serviram para fomentá-la, tendo a mesma, por seu turno, servido para promover o festival e o teatro 3.1 As Dionisíacas Para que possamos compreender como surgem os grandes festivais dionisíacos precisamos visualizar a cultura do vinho em alguns lugares da jônia e da Ática. As ilhas, particularmente Quios e Naxos, foram líderes na produção de vinho e firmaram Dionisio como como deus da vinicultura, cujo casamento sagrado com Ariadne assegurava a prosperidade. Os rituais e mitos que envolvem a chegada de Dionísio pelo mar, é uma das influências destas ilhas. (Almeida, 2010). Os silenos e sátiros que estão em destaque na iconografia dos vasos possuem vários mitos estabelecidos em Naxos, é também parte de uma tradição dionisíaca no Egeu. Estes sátiros são ausentes dos mitos de origem da Beócia que envolve a resistência ao deus do vinho por mulheres da família real, como as filhas de Cadmo, Mínias, Eleutherios e Proitos. A costa beociana/tebana, exportou o culto dionisíaco para o resto do continente e para além dele, com ênfase em temas como nascimento do deus, morte e ressurreição e nos vários benefícios obtidos por meio da purificação quando da iniciação dos thíasos13 dionisíacos, em que os grupos se organizavam para adorá-lo (Almeida, 2014. p. 58-59). 13 Eram as comitivas eufóricas de Dionísio, frequentemente retratada como foliões embriagados. 47 O calendário do povo ático era composto por festividades que ocorriam nos meses em honra aos seus deuses e seguia uma determinada ordem de comemoração. As festas tinham os nomes de Hecatombeión, Metageitnión, Boedromión, Pyanepsión, bem como as festas de Maimakterión e Poseideón (estas não ficaram documentadas, de acordo com Walter Burket). Hecatombeión era o nome que deriva de uma das festas das hecatombes em honra ao deus Apolo. Metageitnión era considerada a festa da vizinhança. O Boedromión era a festa do ajudante e Pyanepsión, que significava cozer da papa. Posteriormente era a comemoração de gamelión, com as festividades dos noivos, o Anthesterión, com a festa das Antestérias, o Elaphebolión, cuja festividade era voltada à deusa Ártemis, em seguida era comemorado o Munikhión e a festa dedicada a Ártemis Muníquia; as Thargélia no mês de Thargelion, que eram festas que marcavam o início da colheita dos cereais e, no fim do ano as Skíria, no mês de Skirophorión. Os gregos, segundo as documentações, davam importância às Pianópsias, Antestérias, Targélias e Skiras. No que concerne às festas maiores de Atenas, tinham maior relevância as Panateneias, no Hecatombeión; os mistérios celebrados no Boedromión; as Grandes Dionísias no Elaphebolión, não assimiladas nos nomes dos meses, como acontecia com as Tesmoforias no Pyanopsión,, as Dionísias Rurais no Posideón e as Leneias no Gamélion. No entanto, outros calendários jônicos conheciam meses denominados Thesmophori e Lenaión (Burkert, 1993. p. 438- 439). A religião grega arcaica possuía um caráter essencialmente cívico, tornou o dionisismo parte integrante da pólis e das novas formas de vida social que a cidade representava. As festas em honra a Dionísio eram celebradas com os mesmos direitos que todas as outras comemorações, tendo ainda seu lugar no calendário sagrado. M. Bieber nos dá a seguinte observação dos festivais dionisíacos: Na Ática eles eram quatro, celebrados num período próximo ao solstício de inverno. Segundo a autora, eles poderiam ser divididos da seguinte forma: I – Dionísias rurais – no mês de Poseidon - dezembro até o início de janeiro, seria um mês repleto de atividades dionisíacas, com ritos num período festivo denominado ta kat’agrous Dionýsia ou Dionísia Rural, celebrada pelos 48 camponeses áticos; II. As Lenéias – no mês de Gamelión – De janeiro a início de fevereiro. III. Antestérica – No mês de Anthesterión, o mês das flores – fevereiro a inicio de março. IV. Grande Dionísia ou Dionísia Urbana – celebradas no Elaphebolin, de março para o início de abril (Bieber, 1961. P. 42). No caso das Grandes Dionísias, segundo Jean-Pierre Vernant: Eram chamadas Dionísias urbanas, para distingui-las das Dionísias ditas rurais, cujos cortejos alegres, coros, torneios de dança e de canto animavam no meio do inverno, em dezembro, as aldeias e os vilarejos dos campos áticos (...) Integrado às festividades mais marcantes de Dioniso, o espetáculo dramático, que durava três dias, estava intimamente associado a outras cerimônias: concurso de ditirambos, procissão de jovens, sacrifícios violentos, transporte e exibição do ídolo divino; constituía, assim, um momento no cerimonial do culto, um dos componentes de um conjunto ritual complexo. (Vernant, 2014. P. 158). O autor narra ainda, que no edifício do teatro consagrado a Dioniso era reservado um lugar para um templo do deus, onde sua imagem permanecia, tendo ainda, no centro da orkhéstra, onde evoluía o coro, erguia-se um altar de pedra, a thymélë, finalmente, sobre as arquibancadas, no lugar de honra, um belo trono esculpido era reservado a quem era de direito: o sacerdote de Dioniso. De acordo com o autor Cartledge, o uso de rituais – padronizados, eventos repetidos e de caráter simbólico, afirmações simbólicas da ordem social – e especialmente o ritual coletivo do sacrifício animal, ajudou a reforçar e internalizar a identidade cívica ateniense (Cartledge, 1997, p. 6) As Dionísias rurais eram celebradas em diversas demos, todas no período clássico da Ática, contando com apresentações de ditirambo, que era uma declamação lírica apresenta ao público por um coro munido de acompanhamento musical a evocar os feitos de Dioniso, de outros deuses e dos heróis (Almeida, 2010. P. 7). Como afirma Rehm (1992, p. 15-16), são do séc. IV a.e.c. o maior número de documentos no que concerne às Dionísias Rurais, nos mostrando que em seu início, a tragédia viria de zonas rurais para as zonas urbanas e que após os seus surgimentos nas zonas urbanas, teria posteriormente para as zonas rurais com um maior desenvolvimento. As Dionísias Rurais, que eram celebradas por todos os demos, também serviam como um veículo para para performances teatrais formais, sendo possível que estas peças fossem 49 subsequentemente transferidas para um outro local da Ática. De acordo com Paul Cartledge, os festivais eram uma ocasião de descanso e relaxamento, para se recuperar das penosas jornadas de trabalho braçal que a maior parte dos habitantes da Ática deveriam fazer (Cartledge, 1997. P. 6). As Dionísias urbanas eram celebradas pelos atenienses como a mais importante de todas as festividades. O deus do vinho era celebrado a partir da instituição das grandes procissões dionisíacas e as encenações dramáticas para o deus eram chamadas de Dionisos Eleuthérios (Kerényi, 2004. P.254). O deus teria sido introduzido na pólis de Atenas por um Pégaso de Eleutherái14. Segundo Vernant, o dionisismo introduz no próprio coração da religião, da qual constitui uma peça, uma experiência estranha e sobrenatural e em muitos aspectos oposta ao espírito do culto oficial (Vernant, 1992. P. 49). As Dionísias Urbanas, festas de caráter popular que unem a divindade à esfera pública, surgem como oposição à Dionísia Rural, que segundo Kerényi, tal oposição só se torna possível após serem instituídas procissões e encenações. Criada pelos próprios atenienses, a Dionísia Urbana exerceu significativa influência sobre as comunidades rurais e proporcionou a construção de teatros em pequenas cidades (Kerényi, 2002. P. 254). Desta forma, tal oposição, campo/cidade pode ser visualizada como um complemento, a cidade não existe sua zona rural. 3.2 Sófocles: o poeta da ironia trágica Nascido em Colono, aproximadamente no ano 496 a.e.c., Sófocles foi filho de família abastada e por isso teve boa educação, principalmente nos ramos fundamentais da cultura grega como a música e a ginástica. Aos dezesseis anos, foi escolhido, por conta de seus dotes físicos, para dirigir o coro dos adolescentes 14 Eleutheria é um termo grego que significa liberdade e também a personificação dela. 50 que dançaram nus em honra a Apolo após a vitória de Salamina15. Margot Berthold (2006) descreve que aos vinte e cinco anos Sófocles escreveu sua primeira tragédia, e aos vinte e nove enfrentou pela primeira vez o experiente tragediógrafo Ésquilo, no tradicional concurso de tragédias, durante as dionisíacas.Os dois inscreveram suas tetralogias que foram aceitas e apresentadas com sucesso, tendo Sófocles se sagrando como vencedor. Os dois poetas nutriram uma forte amizade, tendo dividido as glórias dos concursos trágicos até o momento em que Ésquilo deixou Atenas. Sófocles venceu dezoito prêmios dramáticos, e dos cento e vinte e três dramas que escreveu, conhecemos cento e onze títulos, sendo porém, apenas sete tragédias e restos de uma sátira que tenham chegado até nós. As sete tragédias conservadas de Sófocles são: Ajax, As traquinianas, Antígona, Édipo rei, Electra, Filoctetes e Édipo em Colono. Sófocles escreveu Antígona em sua maturidade, antes de Édipo rei e de Édipo em Colono. O tragediógrafo jamais obteve menos que o terceiro lugar (seu grande predecessor, Ésquilo, obteve por 13 vezes a vitória; Eurípides, cinco vitórias apenas). As honrarias acumulam-se ao longo de sua vida e não o abandonam nem na morte: esta lhe concede a honra suprema da heroização. Berthold cita que o poeta foi um grande admirador de Fídias16 que, na mesma época, criava em mármore, bronze e marfim a imagem do homem semelhante aos deuses. Da mesma forma que Fídias deu uma alma à estatuária arcaica, assim Sófocles deu alma às personagens em suas tragédias. Ele os despiu da arcaica vestimenta tipifi