UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS NAIARA SOUZA GROSSI ANÁLISE DOS PRECEDENTES JUDICIAIS A PARTIR DO PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO FRANCA 2014 19 NAIARA SOUZA GROSSI ANÁLISE DOS PRECEDENTES JUDICIAIS A PARTIR DO PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Sistemas normativos e fundamentos da cidadania. Orientador: Prof. Dr. Roberto Brocanelli Corona FRANCA 2014 20 Grossi, Naiara Souza A Análise dos precedentes judiciais a partir do projeto de no- vo Código de Processo Civil brasileiro / Naiara Souza Grossi. – Franca : [s.n.], 2014 150 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Orientador: Roberto Brocanelli Corona 1. Processo civil – Brasil. 2. Acesso à justiça. 3. Segurança jurídica. 4. Igualdade perante a lei. I. Título. CDD – 341.460981 21 NAIARA SOUZA GROSSI ANÁLISE DOS PRECEDENTES JUDICIAIS A PARTIR DO PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Sistemas normativos e fundamentos da cidadania. BANCA EXAMINADORA Presidente: _________________________________________________________________ Prof. Roberto Brocanelli Corona 1º Examinador: ____________________________________________________________ 2º Examinador: _____________________________________________________________ Franca, ______ de _____________________ de 2014. 22 À Edna Molinari (in memorian), minha primeira professora. “Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar Vamos todos numa linda passarela De uma aquarela que um dia enfim Descolorirá” Seguimos colorindo juntas. 23 AGRADECIMENTOS Os momentos finais de conclusão de um trabalho intelectual acabam deixando a impressão de que a ciência, inevitavelmente, é um fazer solitário, tal qual um náufrago isolado em uma ilha absorto em suas dúvidas, inquietações, questionamentos, aflições, medos. No campo das ciências humanas, a convivência intensa entre o autor e o seu texto, que materializa determinado esforço de pesquisa e de reflexão em cima de conceitos, aparece, ao final, como um autêntico ato científico. Ou, pelo menos, para não pecar pelo exagero, como seu ponto mais alto ou momento mais característico. No entanto, essa dissertação é o resultado de múltiplas experiências pessoas estas talvez mais significativas e relevantes que o próprio objeto da pesquisa. Sem dúvidas, o texto que segue carrega muito da reflexão pessoal de quem o escreveu. Mas quem a escreveu, por sua vez, carrega ainda mais dos caminhos pelos quais andou percorrendo. Isso posto, o que então poderia soar, à primeira vista, como um isolamento, dá lugar à verdadeira natureza de uma experiência intelectual: a persistente presença do Outro. As manifestações concretas desse outro variam de figuras, fruto da própria caminhada – que deve ser constante – mas que, independente da noção de tempo e espaço que nos persegue e ora nos afastam, sempre estão presentes de alguma forma. Embora diretamente esta Dissertação tenha sido escrita por duas mãos, indiretamente ela é obra de um coletivo. Cada olhar, cada gesto, cada abraço, cada palavra, a cada toque desse elenco de pessoas este trabalho se transformou do que passará a ser apresentado. Sob essa perspectiva, os agradecimentos são ressignificados. Assim, esta seção tem por função não compartilhar responsabilidades, como quase sempre parece sugerir a parte inicial dos trabalhos acadêmicos. De nada escrito nesta dissertação tenho como ou por que me desresponsabilizar, ainda que saiba de suas deficiências e limitações (e são muitas). Apenas pretendo distribuir, afetuosamente, os reconhecimentos que entendo devido às pessoas que, cada uma a sua maneira, deram contribuições decisivas para que eu chegasse até aqui, com essas ideias e com este trabalho. Inicialmente e no topo das minhas prioridades e redenções eternas: à minha pequena- grande família, sempre presente: antes, durante e depois de terminado este trabalho. Generosamente, essa família abriu mão, na medida do possível e não sem reclamações, do tempo de convivência que este trabalho lhes roubou. Primordialmente, agradeço por compreender essa escolha tão tortuosa que é a docência. Por compreender, acima de tudo, que assim como todas as paixões nós não as escolhemos, se não somos arrebatados por elas. E assim é com esta pesquisa. À Leilane (mãe) pelo “Souza” e ao Luiz Carlos (pai) pelo “Grossi”, assim represento minhas duas origens. Cada metade 24 contribuída por vocês me forma por completa no que sou e ainda almejo ser, a vocês meu amor e agradecimentos eternos. Ao Tácio, que é “Souza” e “Grossi” tal como eu, porém, com a mistura infinitamente melhor e maior (na bondade, generosidade, inteligência, alegria) que a minha. Você proporciona o título que mais me orgulho de possuir: o de ser sua irmã. Ao meu Thor, verdadeiro “cãopanheiro” das tardes de escrita que entre um afago e uma bronca para que lhe dispensasse a atenção que lhe é devida, mostra que o bom da vida acontece ao nosso lado. Obrigada por me ensinar a amar por completo, sem nada em troca. Ao meu orientador, professor Roberto Brocanelli Corona, por ter confiado a mim a realização do mestrado e, consequentemente, deste trabalho. Ainda que distante fisicamente, o senhor sempre se mostrou gentil e solícito as minhas necessidades mesmo que, por vezes, angustiadas e repletas de ânsia. Tenha a certeza que nada disso teria sido possível sem a sua intervenção. Espero ter correspondido as suas expectativas a despeito de, reconhecidamente, possuir tantas limitações. À professora Yvete Flávio da Costa, orientadora de graduação e amiga desde então. Agradeço pela acolhida sempre tão maternal em Franca, pela supervisão no estágio de docência na pós-graduação e pela contribuição (ainda que indireta) a este trabalho. Seja em nossas conversas em sala de aula ou virtualmente, em momentos de descontração pela Faculdade ou na Estrela, o seu carinho e cuidado pessoal comigo já fazem parte de minha trajetória. Ao professor Alexandre Walmott, durante os anos da graduação infelizmente não tive sequer uma aula com o senhor. Se estes anos impediram uma orientação acadêmica em qualquer sentido, todas às redenções foram feitas durante a banca de qualificação. Seus apontamentos, suas críticas e indagações me levaram a refletir profundamente sobre o trabalho, traçando um norte novo e revigorante para esta pesquisa, mostrando que para provar uma ideia precisamos sim recuar a fim de que o trabalho possa atingir seu propósito. Ao professor Diovani Vandrei Alvares que gentilmente aceitou o convite para compor a banca de defesa. Dio, sua perseverança, competência e didática são exemplos acadêmicos para mim; para, além disso, tenho em você igualmente um exemplo para a vida. Ao professor Paulo César Correa Borges, guia Mestre deste Programa de Pós- Graduação, cujos esforços e dedicação não foram medidos a fim de que o Mestrado da UNESP – Franca galgasse mais um degrau na consagração da eficiência que tanto merece. Aos demais Mestres que com suas disciplinas, discussões, reflexões ou simples conversa informal nos corredores da Universidade ou na cantina do Eli me (re) formaram, mostrando que o Direito só é possível ser no cotidiano, ou no melhor sentido lyriano o Direito é sendo: Antônio Alberto dos Santos Machado, Carlos de Abreu Boucault e Elisabete Maniglia. 25 Aos funcionários da UNESP – Franca, verdadeiros protagonistas da Universidade e sem os quais as dificuldades para concretização deste projeto teriam sido demasiadamente insuportáveis: ao Ícaro, um verdadeiro “anjo” na Pós-Graduação pronto a salvar todos nós desesperados mestrandos, obrigada pela paciência, gen tileza e solicitude com as quais sempre fui atendida; a Laura, pela correção deste e tantos outros trabalhos de forma precisa e segura, sempre com ternura e generosidade, a Daniela (a Dani), pelo sorriso simpático a cada retirada (e posterior atraso na entrega) de livros. Este trabalho igualmente não seria possível sem a presença de pessoas pontuais e que devem ser lembradas nominalmente pela importância que tiveram nesta caminhada, por ausência de palavras que venham a traduzir de forma adequada meu amor e gratidão pela amizade de cada um de vocês, a sensibilidade literária dirá por mim: "Um bicho igual a mim, simples e humano/ Sabendo se mover e comover/ E a disfarçar com o meu próprio engano./ O amigo: um ser que a vida não explica/ Que só se vai ao ver outro nascer/ E o espelho de minha alma multiplica." (Vinicius de Morais. Soneto do Amigo). Vocês são insubstituíveis na minha vida. Saibam disso, meus amores. À Taila Schalch, a Saralee, companheira desde os primeiros dias de graduação, acima de tudo sinto que essa conquista é tão minha quanto sua já que, pensando em outras pequenas conquistas que tive para poder chegar até aqui, bastava olhar para o lado para ver e ouvir sua torcida por mim. Sou mais completa com a nossa amizade, me faço uma pessoa melhor como fruto da nossa convivência à distância e espero compartilhar tantos outros momentos com você ao meu lado. Nas palavras de Zeca Baleiro: “Você me faz sentir menos só, menos sozinho; você me faz sentir menos pó, menos pozinho”. Amo você. À Talita Rampin, mineira-batataense-brasiliense, minha inspiração na vida acadêmica, amiga-professora (não nessa ordem, originariamente) que tem um coração de ouro e que, de tão precioso prefere revelá-lo só pra alguns. A minha empatia por você foi imediata, talvez por isso fiz questão de impor minha presença na sua vida – desde às dúvidas quanto a pesquisa até as festas mais inusitadas – e ainda bem que assim o fiz. Obrigada por me ensinar o Direito como instrumento de luta, a nunca desistir, a procurar ser melhor sempre. "Não há como substituir um velho companheiro. [...] É inútil plantar um carvalho na esperança de poder,em breve, se abrigar sob a sua sombra." (SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. Terra dos homens. In: SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. Felicidade, amor e amizade. RJ: Sextante, 2003. p.23). Você é insubstituível nos meus dias. À Elaine Santos, minha mais recente companheira de república, que aturou todas as aflições de seminários, apresentação de trabalhos, prazos sempre confiando que tudo daria 26 certo graças a minha desenvoltura (risos). Edy, obrigada pelas risadas, pelos bons momentos, por compartilhar alegrias e tristezas comigo. Nossa convivência diária me faz muita falta. À República Tropicana e todas suas filhas: à Anna De Ruijter (Tranco) e à Emmanuele Nasser (Fifi), queridas bixetes que sempre me receberam com ternura e alegria; à Bruna Peneluppi Melo (Yoko), dona do sorriso mais fraterno e acolhedor de toda a UNESP que de “filha” se tornou “mãe” e cujo gingado é capaz de sacudir qualquer tristeza, à Fernanda Antonioli Cardoso (Fura), linda no sentido mais puro da palavra porque traz a beleza que emana de dentro pra fora, à Giuliana Trefiglio (Giu) a quem sempre admirei e nominei “bixete-orgulho”, acima de tudo agradeço a confiança que você tem em mim, verdadeiramente ao longo deste trabalho você foi uma companheira – seja de dúvidas e angustias acadêmica ou para dar a volta no trio durante o carnaval. Amada, você é uma grata surpresa que a vida trouxe sigo te admirando e torcendo pelos seus passos; à Luciana de Freitas (Gole), que me conquistou na meiguice, alguém que de pequena só revela o tamanho, pois é imensa sua dedicação, solicitude e amizade por todos a sua volta e à Nathalia Ito (Shoyo), por compartilhar comigo o desejo de um Direito mais humano, por ser um ponto de equilíbrio na minha vida, obrigada pelas gargalhadas (em casa, nas festas, no carro, nos corredores da faculdade) sem elas não teria renovado as forças para continuar essa pesquisa. Agradeço também agregadas-oficiais: Luciana Bravo Guerreiro (a Minds) e Gabriela Guilhermitti (a Gabi,), que completam essa família de forma ímpar. Meninas, obrigada pela hospitalidade semanal, pelo carinho e alegria com os quais sempre fui recebida, por me adotarem (ainda que não mais bixete) e me mostrarem que o significado da amizade transcende tempo e espaço. A República Tropicana seria minha escolha se ingressasse na UNESP hoje. Que vocês encontrem sucesso em cada passo que derem. Ao Lucas Poianas, pelas risadas, pelas mensagens noturnas, pelo carinho e confiança, pelas “puxadas de orelha”, por ser tão ansioso quanto eu e só assim poder compreender com tamanha sensibilidade a fragilidade que carrego e ao Victor Serra, cujo caráter e leveza invadiram o meu rol de amigos amados. Queridos, vocês são as mais gratas surpresas da UNESP e que agora já carrego para a vida toda, com o maior prazer. Aos amigos que, ainda distante fisicamente desta caminhada se fizeram presentes da minha vida: Catherine Faraguthi, Juliana Buosi, Lívia Scrignoli, Paulo Fávari, Tainara Schiavo e Tássia Scrignoli. Cumpre neste momento, uma explicação ao leitor – por certo sensível –, que ousa “ganhar” alguns minutos e continua lendo meus agradecimentos. Embora ingressante no Mestrado no ano de 2011 e, portanto, pertencente [oficialmente] a Turma-2011, carrego pedaços de outras turmas que já percorreram este mesmo caminho e tanto de si deixaram, 27 assim como deixo um pouco de mim a alguns que ainda ficam: aos pedaços que carreguei da Turma-2009: à Lillian Ponchio e Silva, à Nicole Gonzáles e ao Gladstone Leonel Júnior pelas risadas, malemolências, companheirismo e “apadrinhagem” nas escolhas acadêmicas; aos companheiros da Turma-2010: Jorge Luis Serretti, Lívia Liboni e Taylisi Leite por compartilhar tantos momentos de angustia, ansiedade da forma mais doce e revigorante possível, aos que ficam Turma-2012/2013: Daiene Garcia , Henrique, Vinicius Lins Maia e Larissa Soldate que são a esperança e a certeza da grandiosidade que esse PPGD carrega consigo, obrigada pelas palavras amigas, companheirismo em viagem, por confiarem em mim e dividir as incertezas e alegrias desta caminhada. Aos queridos e queridas da minha Turma de Mestrado, fazendo, especialmente: à Júlia Lenzi Silva (a Jú), grata surpresa desta pós-graduação: “Sonho que se sonha só/ É só um sonho que se sonha só/ Mas sonho que se sonha junto é realidade”, obrigada por construir este sonho em realidade junto comigo. À Michelle Cunha Melo, amizade ímpar que Franca (e o italiano) me proporcionou. Obrigada pela presença, por sempre me acolher (e socorrer), por compartilhar sorrisos e trocas de carinho e admiração de forma peculiar (risos). À Inaiê Melo, por possuir a cor, o ritmo e a poesia tão próximos a mim e dessa forma conseguir me compreender melhor que a mim mesma. Obrigada por ser ainda mais presente quando mais longe: “Enquanto houver você do outro lado/ Aqui do outro eu consigo me orientar” Aos amigos de longa data: à Ana Elisa Adelino, a “Nê”, à Isabel Diniz, a “Bebel”, Natália Sonoda, à “Japa”, à Larissa Rosa, a “Lari”, à Sara Calastro, à Patrícia Bueno Francisco Penariol, a “Paty”, à Pamela Moreira Jordão, a “Pam: vocês são as flores mais lindas que a vida já me proporcionou conhecer e conviver. Saudades sempre. Ao Tarcísio, cuja competência e solicitude sempre foram referência nas horas mais aflitas, que de funcionário do STAEPE se tornou amigo e com suas piadas e gostos musicais continua a se fazer presente ainda que longe. E ao João Paulo Capelloti, veterano querido, que me socorreu em tantos momentos de dúvidas sempre com tamanha paciência e generosidade. Igualmente devo agradecimento à outra gama de pessoas, as “jurídicas” que contribuíram com suas perspectivas e sujeitos para reflexão e desenvolvimento desta pesquisa. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), pela bolsa concedida, financiamento que permitiu minha dedicação exclusiva ao Mestrado e sem o qual a conclusão deste trabalho seria quase impossível. À Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNESP, por mais uma vez me acolher. Passados os cinco anos da graduação e os quase três anos deste Mestrado, tendo 28 conhecido tantos unespianos, seja do campus Franca ou tantos outros espalhados pelo estado de São Paulo, concluo que antes de escolhermos a UNESP é ela quem nos escolhe. Esta Universidade me proporcionou traçar um novo caminho enquanto humana, para além das leis e Códigos, aprendi a lutar por uma sociedade mais justa, humana e fraterna; a acreditar em um Direito e em uma ciência jurídica que sejam verdadeiramente solidários, afetivos e voltados para as questões sociais. Aqui me ressignifiquei a partir de tantos e tantas com quem tive o prazer de conviver e cujos nomes já não cabem aqui. Tantos e tantas que me proporciona(ra)m um caminhar no sentido Galeano: (trans) Formador, pois acreditam na Utopia de que é possível lutar com flores e assim fazendo de mim um ser humano melhor a cada instante, a cada sentir, a cada gesto, em todo sonho que ousar sonhar. UNESP, meu amor é incondicional, carrego-te estampada no peito para onde eu for porque pra sempre: “Unesp eu sou”. 29 Cândido Portinari 30 Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça É preciso ter sonho sempre Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania de ter fé na vida (Maria Maria. Milton Nascimento) Vou mostrando como sou E vou sendo como posso, Jogando meu corpo no mundo, Andando por todos os cantos E pela lei natural dos encontros Eu deixo e recebo um tanto E passo aos olhos nus (Mistério do Planeta. Novos Baianos) A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar. (Eduardo Galeno) 31 GROSSI, Naiara Souza. Análise dos precedentes judiciais a partir do projeto de novo Código de Processo Civil brasileiro. 2014. 150 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2014. RESUMO O presente trabalho busca analisar o tratamento dispensado aos precedentes judiciais no projeto de novo Código de Processo Civil (Lei n. 8.046). Passados mais de quarenta anos da edição do Código de Processo Civil vigente, datado de 1973, é inevitável constatar que a sociedade sofreu profundas mudanças que, por sua vez, refletiram diretamente na forma de compreender determinados conceitos, valores, linguagens e igualmente modificando a maneira de relacionamento dos próprios sujeitos sociais. A partir de uma compreensão do processo civil enquanto fator cultural é possível constatar que essas mudanças sócio-culturais influenciam na sua própria compreensão. É dizer, se o processo civil é técnica para realização do direito a medida que a sociedade se altera em maior ou menor medida será possível observar uma adequação da técnica processual. O Estado é identificado como elemento com maior número de vasos comunicantes com o processo civil. A partir da Constituição Federal de 1988, passamos a falar em Estado democrático de direito um modelo que se diferencia dos anteriores na medida em que não apenas busca proclamar direitos e garantias, mas efetivamente assegurá-los, dessa forma o próprio preceito “democrático” passa a imantar todos os demais elementos que o compõem, com o processo civil não é diferente. Nessa medida, o diploma processual de 1973 começa a apresentar uma dissintonia com o ordenamento jurídico, sua edição ocorre em outro contexto e, por mais louváveis que tenham sido as tentativas de reforma na guisa por adequação era chegado o momento de assumir o compromisso com o futuro sem que o passado fosse ignorado. O projeto de novo Código de Processo Civil floresce nessa perspectiva, não propugna por uma mudança de paradigma busca enfrentar problemas que eram perceptíveis por diversos setores da sociedade. Dentre as mudanças propostas, a que ganha maior destaque é a tentativa de adoção de uma teoria de precedentes judiciais com o objetivo de solucionar a dispersão jurisprudencial existente entre os tribunais superiores, tratar casos iguais de maneira desigual afronta a igualdade e compromete a segurança jurídica princípios inerentes em um Estado que se quer de Direito. Palavras-chave: projeto de novo Código de Processo Civil. precedentes judiciais. cooperação processual. princípio da igualdade. segurança jurídica. 32 GROSSI, Naiara Souza. Análise dos precedentes judiciais a partir do projeto de novo Código de Processo Civil brasileiro. 2014. 150 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2014. RIASSUNTO Questo studio si propone di analizzare la gestione dei precedenti giudiziari nel progetto di nuovo codice di procedura civile (legge n . 8046 ) . Più di quarant'anni di corrente edizione del Codice di procedura civile , datato 1973 , è inevitabile constatare che la società ha subito profondi cambiamenti , a loro volta , si riflette direttamente nel modo di intendere certi concetti , valori, linguaggi , e modificando anche il modo rapporto dei soggetti sociali stesse . Da una comprensione della procedura civile come fattore culturale, è possibile vedere che questi cambiamenti socio-culturali influenzano la loro comprensione . Cioè, se la causa civile è realizzazione tecnica del diritto nella misura in cui la società è alterata in misura maggiore o minore possibile osservare una adeguatezza procedurale della tecnica . Lo stato è identificato come un elemento con il maggior numero di vasi comunicanti attraverso il processo civile . Dalla Costituzione federale del 1988 , abbiamo iniziato a parlare di Stato di diritto democratico un modello che è diverso dal precedente in quanto mira non solo a proclamare i diritti e le garanzie , ma efficacemente garantire , in questo modo la regola "democratica " si comincia per magnetizzare tutti gli altri elementi che lo compongono , con il caso civile non è diverso . In questo senso , il diritto processuale 1973 comincia a fare un dissintonia con il sistema giuridico , il suo problema si verifica in un altro contesto , e comunque lodevole che sono stati tentativi di riforma della idoneità veste per il tempo di impegnarsi per era arrivato futuro senza il passato sono state ignorate . Il progetto di nuovo codice di procedura civile fiori che prospettici , non gli avvocati per cercare paradigma di cambiamento affrontare i problemi che sono stati percepiti da molti settori della società . Tra le modifiche proposte , che diventa ancora più importante è il tentativo di adottare una teoria di precedenti giudiziari al fine di risolvere la dispersione giurisprudenza esistente tra le giurisdizioni superiori , trattare come casi irregolarmente affronto alla uguaglianza e mina il principio di certezza del diritto insito in uno stato che o di diritto. Parole chiave: progetto di nuovo codice di procedura civile. precedenti giudiziari. cooperazione procedurale. principio di uguaglianza. certezza del diritto. 33 LISTA DE ABREVIATURAS AgRg Agravo Regimental Art. Artigo Min. Ministro Resp Recurso Especial Rel. Relator 34 LISTA DE SIGLAS CC Código Civil CF Constituição Federal CPC Código de Processo Civil DPE Defensoria Pública do Estado FCHS Faculdade de Ciências Humanas e Sociais MC Medida Cautelar MG Minas Gerais MP Ministério Público MS Mandado de Segurança NCPC Novo Código de Processo Civil PL Projeto de Lei RE Recurso Extraordinário RJ Rio de Janeiro STJ Superior Tribunal de Justiça STF Supremo Tribunal Federal TJ Tribunal de Justiça TJSP Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo UNESP Universidade Estadual Paulista 35 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 18 CAPÍTULO 1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO BRASILEIRO E O PROCESSO CIVIL ..................................................................................... 27 1.1 Considerações introdutórias ............................................................................................ 27 1.2 A organização do processo civil e os modelos estatais ................................................... 35 1.2.1 A organização do processo civil e o Estado Liberal ........................................................ 37 1.2.2 A organização do processo civil e o Estado Social ......................................................... 41 1.2.3 A organização do processo civil e o Estado Democrático de Direito ............................. 45 1.3 Uma nova fase metodológica: o deve de colaboração no processo civil ....................... 51 CAPÍTULO 2 ACESSO À JUSTIÇA E JURISDIÇÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ................................................................................................ 56 2.1 O Direito na perspectiva social: premissas para uma justiça efetiva .......................... 63 2.2 Estado democrático, processo civil e acesso à justiça: uma convergência necessária 65 2.2.1 Ondas renovatórias do acesso à justiça............................................................................ 66 2.2.2 O desafio do acesso à justiça ........................................................................................... 69 2.3 A Jurisdição no Estado Democrático de Direito ............................................................ 72 2.3.1 As transformações do judiciário em face de suas responsabilidades sociais .................. 76 2.3.2 Juiz, judiciário e decisões: análise de algumas problemáticas ........................................ 80 CAPÍTULO 3 PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E OS PRECEDENTES JUDICIAIS ..................................................................... 86 3.1 Precisamos de um novo Código de Processo Civil? Análise do contexto da proposta de um novo Código de Processo Civil ............................................................................ 89 3.2 Da lei como garantia única às cláusulas gerais: a superação do paradigma da completude ......................................................................................................... 95 3.3 Cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados ................................................. 99 3.4 Razões para observar os precedentes judiciais: a questão da segurança jurídica e da igualdade no processo ................................................................................................... 105 3.4.1 Análise crítica da segurança jurídica ............................................................................. 105 3.4.2 Conteúdo do princípio da segurança jurídica ................................................................ 107 36 3.4.3 Análise do princípio da igualdade ..................................................................... 110 3.5 O projeto de novo CPC e a valorização da jurisprudência: a guisa de uma teoria de respeito aos precedentes judiciais .......................................................................................... 113 CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 124 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 130 ANEXOS Anexo A - Sentença do processo n.737 de 2005 .................................................................. 142 Anexo B - Sentença do processo n. 513 de 2008. ................................................................ 146 18 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por escopo analisar os precedentes judiciais a partir do projeto de novo Código de Processo Civil (PL n. 8.046)1. A partir de um estudo contextualizado, buscamos analisar as bases que motivaram as mudanças propostas pelo novo Código de Processo Civil (NCPC) de maneira geral, centrando nossa análise, posteriormente, na relevância que é dada às jurisprudências dos Tribunais Superiores (precedentes judiciais). Embora a redação do trabalho tenha sido realizada primordialmente com respaldo na doutrina, esta pesquisa não se desenvolver afastada da realidade. Buscamos analisar as hipóteses de modo a promover reflexões, mas também em auxiliar no avanço da forma de pensar e reagir às mudanças propostas pelo novo Código de Processo Civil, alvo de muitas críticas durante todo seu processo de pesquisa, elaboração e votação. Para tanto, partimos de uma análise contextual do processo civil2, ou seja, adotamos ao longo do trabalho a percepção de que o processo guarda uma relação mútua e direta com o desenvolvimento sociocultural de determinada época. Em outras palavras, a pesquisa compreende o processo civil como um fenômeno cultural. Nesse sentido, um dos elementos culturais que mais dialoga com o processo é o próprio Estado de forma que é possível observar a influência direta existente entre a forma de concepção dominante do processo em um momento histórico com o papel desempenhado pelo Estado.3 Nesse rasteio, não haveria como problematizar a edição de um projeto de novo Código de Processo Civil distante da ideia de Estado democrático de direito, inaugurado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (nosso marco temporal). O novo Código de Processo Civil, quando aprovado, terá o condão de substituir o texto em vigor, elaborado por Alfredo Buzaid que foi aprovado no ano de 1973 durante a 1 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Projeto de lei 8.046, de 22 de dezembro de 2012 para revogar o Código de Processo Civil vigente. Diário da Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 22 dez. 2010. Disponível em: . Acesso em: 2 abr. 2014. 2 “O direito processual, ramo do direito público, é regido por normas que se encontram na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional. Existem, também, institutos processuais cujo âmbito de incidência e procedimento para sua aplicação se encontram na própria Constituição.” NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 41. 3 “O processo civil, nesta vereda, assume a estatura de um instrumento ético, informado pela vivencia do povo, repudiando o rótulo de mera técnica, alheia a estes ou aqueles valores. A concepção da relação jurídica processual em contraditório, destinada a buscar a justiça no caso concreto, parece-nos um bom exemplo desta realidade, uma vez que constituída em um autentico ambiente democrático [...].” MITIDIERO, Daniel. Processo e cultura: praxicismo, processualismo e formalismo em direito processual civil. Gênesis: Revista de Direito Processual Civil, Curitiba, v. 33, p. 484, jul./set. 2004. 19 Ditadura Civil e Militar4, após seis meses tramitando no parlamento brasileiro. O regramento processual anterior ao de 1973, o Código de 1939, foi instituído no chamado “Estado Novo”, por meio do Decreto Lei n. 1.608/1939, sem que houvesse qualquer debate ou mesmo votação parlamentar. Dessa forma, é possível perceber ressalvado o respeito que deve ser registrado quanto a qualidade de ambos os Códigos, nenhum deles foi precedido de qualquer tipo de consulta pública ou mesmo a oitiva dos operadores jurídicos do ordenamento. Os diplomas refletiam a sociedade da época: um Estado centralizador, pouca (ou quase nenhuma) participação popular, restrições de garantias etc. Passados os anos, nossa sociedade mudou. É fato consumado. Novos direitos e garantias foram incorporados, novas tecnologias operacionalizadas, novas organizações foram criadas e/ou reestruturadas, a economia sofreu seus influxos, a cultura avançou e também a própria área das ciências. O Direito não perpassa alheio e equidistante dessas alterações, menos ainda o processo civil. Vetores metodológicos que antes sustentavam a ciência processual são ressignificados, novos olhares e interpretações são lançados a fim de adequar o direito material ao processual e, dessa forma, primar pela efetividade. A doutrina, a jurisprudência, os operadores do direito e a comunidade científica como um todo revolucionou até onde foi possível. Mas era chegado o momento da mudança. Com o ímpeto de elaborar um diploma processual civil idealizado completamente em um contexto democrático, foi formada uma Comissão de Juristas, presidida pelo Min. Luiz Fux que durante longo período5 primou pela coleta de sugestões e debates com a participação ativa dos mais diversos segmentos da sociedade: estudantes, professores de direito, juristas especializados em processo civil, magistrados, membros do Ministério Público, Defensores Públicos, advogados que militam tanto na área pública quanto privada, tabeliães, registradores, economistas, leiloeiros, oficiais da justiça, etc., todos com o ímpeto que norteia toda a construção do NCPC: fomentar o diálogo. 4 “Muitos dos elogios decorrem do fato de o Código de 1973 ter sido elaborado em consonância com o que de mais moderno havia na legislação de outros países. Isso é algo marcante entre nós. Não raro, consideramos modelos normativos de outros países melhores que os nossos. Já não nos assustamos ao ler estudos sobre temas do direito brasileiro realizados quase que exclusivamente à luz de modelos jurídicos estrangeiros.” MEDINA, José Miguel Garcia. Do golpe a democracia, ambiente influencia a concepção de novo CPC. Consultor Jurídico, São Paulo, 31 mar. 2014b. Disponível em: . Acesso em: 4 abr. 2014. 5 Além do período de elaboração prévia, o novo Código de Processo Civil tramitou no Senado Federal por seis meses, na Câmara, a Comissão Especial iniciou os trabalhos de análise em agosto de 2011 tendo finalizado apenas em março de 2014. Foram longos dois anos e sete meses de mais debates, críticas, reflexões, mudanças etc., que comprovam o comprometimento e seriedade em promover a participação neste processo. 20 Destacamos a observação da relatora do projeto, Teresa Arruda Alvim Wambier6, ao afirmar que o objetivo na elaboração do novo Código de Processo Civil nunca foi a promoção da ruptura com o passado nem mesmo de revolucionar a ciência processual propugnando por uma quebra paradigmática. Nesse sentido, o projeto nunca se colocou algo novo, nunca observado antes ou mesmo negando o que até o presente momento foi construído historicamente. Entretanto, buscou-se sim um avanço, mais do que isso, buscou-se a aceitação das problemáticas denunciadas diuturnamente e mais ainda, buscou-se, primordialmente, a solução de problemas. Dessa forma, evidenciamos uma primeira justificativa para escolha do tema: o projeto de novo Código de Processo Civil, na medida em que se desenvolve em um ambiente verdadeiramente democrático, fomenta o debate por todos os setores do ordenamento jurídico. Por óbvio que a comunidade acadêmica não estaria à margem dessas reflexões. A atualidade do debate justifico por si só, a necessidade de diálogo é igualmente evidente: um dispositivo legal não é capaz de operar, por si só, uma mudança efetiva na atitude dos operadores do Direito e do processo muito menos no que tange a cultura jurídica ainda atrelada a litigiosidade das partes. Por esta razão, ou seja, para que essas mudanças sejam concretamente operadas, é necessário um esforço coletivo traduzido pelos cursos de Direito, por obras didáticas, pela própria prática cotidiana, mas também pela pesquisa. De outro lado, esta pesquisa foi desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da cidade de Franca. A área de concentração “Sistemas Normativos e Fundamentos de Cidadania” revela o eixo central de pesquisa e fundamentação teórica do Programa de Mestrado a circundar em torno do desenvolvimento de uma abordagem crítica, logrando a compreensão dos fenômenos do mundo jurídico, especialmente aqueles relacionados ao conhecimento sobre o papel dos espaços normativos para a construção da cidadania e, portanto, para a conformação de um Estado Democrático de Direito. Nossa vinculação à Linha de Pesquisa III: “Efetividade e Tutela dos Direitos Fundamentais” revela a proposta deste eixo específico de pesquisa no sentido de, a partir do estudo do sistema jurídico, procuramos realizar a construção de condições processuais efetivas a proporcionar a concretização da tutela jurídica e o acesso a uma ordem jurídica 6 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O projeto para um novo código de processo civil: o código possível. Migalhas, 27 jun. 2011. Disponível em: . Acesso em: 5 abr. 2014. 21 mais justa. Pois bem. Se for certo que a cabeça pensa onde os pés pisam7 a justificativa específica do objeto da nossa pesquisa encontra respaldo neste contexto retro apresentado. Entre as alterações propostas pelo NCPC, o estudo dos precedentes judiciais vai ao encontro dessas inquietações. Assim, na esfera de fundamentação do nosso trabalho buscamos revelar que a via judiciária ainda se coloca como arena apta a efetivação de direitos não apenas no seu sentido formal, mas verdadeiramente potencializando a sua concretização no seu aspecto material. Todavia, a crescente recorrência ao Poder Judiciário não o isentou de certas problemáticas. A mais sensível delas é justamente a questão da controvérsia entre as decisões judiciais, ou seja, observamos hoje em nossos Tribunais situações semelhantes sendo decididas de forma desconexas8. Este problema além de criar um obstáculo para o acesso efetivo à justiça, vez que cada vez mais são colocadas condições para análise do mérito objeto da ação processual sob o argumento de não “sobrecarregar” as instancias superiores, estimula a própria ética da litigiosidade uma vez que as partes “escolhem” a arbitragem, a mediação ou a conciliação não por saberem que estas são vias legítimas para solução das controvérsias, onde estarão dialogando em busca de um objetivo em comum, a solução da controvérsia, mas sim por um descrédito no judiciário frente a sua morosidade. Portanto, como objetivo geral, procuraremos analisar o contexto em que a mudança do novel dispositivo processual se enquadra. A partir disso, nossos objetivos específicos serão (a) compreender o processo civil enquanto fenômeno cultural; (b) relacionar o Estado enquanto principal expressão do processo civil a fim de demonstrar de que forma o processo é compreendido de acordo com modelos estatais específicos; (c) analisar especificamente o Estado Democrático de Direito, modelo estatal vigente a partir da Constituição Federal de 1988 evidenciando as principais características que o modelo impõe na compreensão do processo civil para superação dos outros paradigmas; (d) verificar em que medida o acesso à justiça é efetivamente promovido assim como identificar sua reinterpretação ante esse contexto; (e) destacar o papel do judiciário como via de efetivação da tutela processual apta a 7 “Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é a sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação. Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita.” BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. 38. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. 8 “A sociedade é um organismo vivo, e, como acontece com os organismos vivos, as mudanças pelas quais passa, ocorrem lentamente. Não há alterações sociais bruscas. Portanto, já que o direito muda quando precisa adaptar-se, nada justifica que as alterações ocorram da noite para o dia, em situações de normal desenvolvimento.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e a evolução do direito. In: ______. (Coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2012. p. 12. 22 concretizar o direito material; (f) contextualizar a proposta de alteração do Código de Processo Civil nesse contexto emergente e, por fim, (g) compreender a proposta de criação de uma cultura de respeito aos precedentes judiciais. Nesse sentido, nosso trabalho passou a ser estruturado em três capítulos: no primeiro capitulo, tomando como premissa o processo civil enquanto fenômeno cultural buscou-se relacionar o seu desenvolvimento com a própria noção de Estado predominante em cada época e, a partir do modelo vigente com o marco temporal da Constituição Federal de 1988, qual seja o Estado democrático de direito, analisou-se a necessidade de avançar na compreensão do processo civil como instrumento apto a receber novas influencias da realidade social9 assegurando a participação dos cidadãos; no segundo capítulo avançamos a análise para compreender o acesso à justiça no contexto de um processo civil democrático, outrossim, destacamos os entraves ainda preponderantes na temática lançando os desafios que deverão ser enfrentados a fim de superar a questão, igualmente nossa análise não poderia ignorar o campo que a problemática da pesquisa aflora. Portanto, nesse sentido, analisamos a jurisdição enquanto arena promotora da efetividade de direitos evidenciando os fatores sociais que passam a imantá-la; finalmente, no terceiro capítulo após contextualizado o cenário no qual aflora, buscamos trazer a perspectiva que motivou os próprios integrantes da comissão de juristas responsável pela elaboração do novo Código de Processo Civil demonstrando a confluência de anseios para, finalmente, adentrar a problemática das decisões destoantes fator propulsor a uniformização da jurisprudência dos Tribunais Superiores. A pesquisa jurídica ora desenvolvida se caracteriza por ser uma pesquisa teórico- científica (ao estudar teorias e conceitos) na mesma medida em que nos propomos a realizar uma pesquisa metodológica porque nos propomos a estudar os caminhos, os instrumentos e a “[...] produzir técnicas de tratamento da realidade, ou a discutir abordagens teóricas-práticas [...]”10 do problema e das hipóteses destacados. O tipo de pesquisa utilizado na elaboração da presente dissertação científica ou exercitação11 é, predominantemente, a pesquisa 9 Deveras, o processo instrumental deve estar sempre disposto a receber novas influencias da realidade social e dos novos perfis do direito material, mudando sua feição conforme esses novos influxos. Essa permeabilidade do processo a tais informações externas é o que lhe permite manter-se moderno e hábil a lidar com as necessidades sociais. Dessa necessária mutabilidade dos institutos processuais deve o jurista estar consciente, pois aí reside o real coração do movimento em prol da efetividade do processo e de seu caráter instrumental. Deve o processualista estar sempre sensível à realidade material, capaz de compreender os anseios da sociedade e as peculiaridades de cada situação carente de tutela. ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. (Temas atuais de direito processual civil, v. 6). p. 39. 10 DEMO, Pedro. Metodologia das ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 13. 11 SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia: elementos de metodologia de trabalho cientifico. 6. ed. Belo Horizonte: Interlibros, 1979. p. 222. 23 bibliográfica tendo por “[...] finalidade conhecer as diferentes formas de contribuição científica que se realizaram sobre diverso assunto ou fenômeno.”12 Para isso utilizaremos como métodos científicos principais o dialético13 14 – mediante enfrentamento discursivo frente à processualidade das estruturas históricas estatais – e o método hipotético-dedutivo. A dogmática jurídica também se faz presente em nosso trabalho vez que se revela como metodologia específica das pesquisas jurídicas. Assim, fazendo uso precipuamente da análise de leis, livros, artigos, revistas, periódicos, publicações científicas, apresentações de trabalhos, anais, congressos e debates acadêmicos; além de sites e domínios da internet especializados sobre este assunto é que o tema busca se desenvolver. Valemo-nos ainda como referenciais teóricos os estudos e concepções atuais trazidos à discussão pelas teorias, doutrinas, estudiosos e pesquisadores da atualidade sem jamais nos esquecermos das contribuições clássicas e essenciais para o estudo de nosso objeto. Dessa forma procuramos tratar de temas científicos caros como: a instrumentalidade e eficiência processuais, o desafio do enfrentamento do acesso à justiça e do papel do judiciário; dentre outras. Trata-se de pesquisa de proeminência metodológica de revisão bibliográfica e, sendo nossa fundamentação lastreada no constitucionalismo contemporâneo15 e no direito processual constitucional16. O referencial teórico adotado17 é predominantemente composto por doutrinas 12 OLIVEIRA, Silvio Luiz de. Tratado de metodologia cientifica. 2. ed. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002. p. 119. 13 Para Pedro Demo a dialética é a metodologia mais conveniente para a realidade social, objeto de nosso estudo e não a realidade natural carente do fenômeno histórico subjetivo das relações sociais. DEMO, Pedro. Metodologia das ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 88. 14 “[...] parece-nos que apenas o método dialético, na dinâmica relacional que estabelece entre sujeito e objeto, levando em conta todos os fatores históricos, sociais, econômicos, políticos e culturais – que interferem no processo de conhecimento do direito – será capaz de proporcionar uma compreensão adequada do fenômeno jurídico em suas manifestações concretas, condicionadas pela base material da sociedade, onde ele se manifesta como um processo relacional, historicamente vivenciado, e em constante ‘devir’.” MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 36. 15 Compreendemos por “constitucionalismo” o movimento juspolítico embasador de uma ordem estatal específica, fundamentada em princípios democráticos garantidores dos direitos fundamentais do homem, da limitação, da participação popular e da alternância do poder. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 1-2. 16 A compreensão do processo civil à luz dos direitos e garantias constitucionais é algo balizado por grande parte da doutrina. Sendo o processo civil ramo do direito público, é regido por normas que se encontram na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional. Na mesma sorte, existem institutos processuais cujo âmbito de incidência e procedimento para sua aplicação estão contidos na própria Constituição. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. p. 41. Todavia, quando falamos em processo constitucional desejamos ir além. Por esta razão, coadunamos com Gregório Assagra de Almeida na proposta por um método pluralista na compreensão processual como contraposição ao método técnico-jurídico tradicional. Segundo o autor, este método incorpora vários elementos alem do tecnico-juridico, são eles o elemento social, histórico, econômico, político, ético. ALMEIDA, Gregorio Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 7-8. 17 Não pretendemos realizar neste momento uma enumeração exaustiva dos referenciais adotados nessa pesquisa, esse desenvolvimento guarda seu momento oportuno ao final do trabalho. Entretanto, prontamente fazemos destaques que revelam a perspectiva adotada por essa pesquisa. 24 brasileiras18 com destaque para a análise constitucional da teoria do processo proposta por Luiz Guilherme Marinoni19; a análise do processo civil enquanto fenômeno cultural assim como a problematização por um processo cooperativo realizada por Daniel Mitidiero20, a sistematização processual feira por Gregório Assagra de Almeida21, a análise das transformações operadas sobre o poder judiciário em face de suas responsabilidades sociais feita por José Eduardo Faria22 e os apontamentos e críticas ao projeto de novo Código de Processo Civil pontuados por José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier. Por se tratar de um trabalho de pós-graduação em nível stricto sensu, buscou-se não apenas efetuar uma mera transmissão de conhecimento, mas sim (re)construir o conhecimento sobre o tema, forjando as condições estruturais para a ocupação de um espaço científico próprio e sedimentando esta construção em um questionamento sistemático crítico e criativo de modo a melhor intervir na realidade do fenômeno processual a partir da análise dos precedentes no novo Código de Processo Civil, apresentando como norte uma temática recorrente mas que demanda esforços sobre sua problematização: o acesso à justiça e efetividade da tutela jurídica. Em boa parte a “mentalidade brasileira” sobre o objetivo da pós-graduação stricto sensu (Mestrados e Doutorados) está em processo mudança. Enquanto para alguns a titulação advinda da pesquisa acadêmica objetivaria tão somente uma ascensão hierárquica em sua carreira ou área de atuação, para outros a pesquisa tem como função principal o avanço científico na área do Direito, contribuindo na tríplice função das universidades no contexto da sociedade: pesquisa, ensino e extensão. Se for certo, conforme afirmado anteriormente nesta introdução que um paradigma normativo não tem, por si só, o condão de transformar toda 18 Procuramos utilizar arcabouço teórico brasileiro por ser expressão cultural desta realidade histórica. Ademais, não e excessivo ressaltar a relevância de prestigiar autores brasileiros e latino-americanos. Nesse sentido, nossa pesquisa buscou romper com a postura processual tradicional que importa teorias europeias hegemônicas e as aplica a hipótese latino-americana como sendo expressão do “moderno”, do “racional”, do “evoluído”. O eurocentrismo não se justifica, ainda mais em um ramo cientifico cuja técnica não pode ser encarada como um fim em si mesma. E preciso analisar nosso contexto geopolítico, inverter a perspectiva polarizadora de norte-desenvolvido-dominante e sul-subdesenvolvido-subjugado. No mesmo sentido, afirma Eduardo Galeano: “La causa nacional latinoamericana es, ante todo,uma causa social: para que América Latina pueda nacer de nuevo, habrá que empezar por derribar a sus dueños, país por país. Se abren tiempos de rebelión y de cambio. Hay quines creen que el destino descansa en lãs rodillas de los dioses, pero la verdad es que trabaja, como um desafio candente, sobre las conciencias de los hombres.” GALEANO, Eduardo. Las venas abiertas de América Latina. 10. ed. Montevideo: Del Chanchito, 2010a. p. 414. 19 MARINONI, Luis Guilherme. Técnica processual e tutela dos diretos. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008a; Id. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008b. 20 MITIDIERO, Daniel. Processo e cultura: praxicismo, processualismo e formalismo em direito processual civil. Gênesis: Revista de Direito Processual Civil, Curitiba, v. 33, p. 484-510, jul./set. 2004. 21 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. (princípios, regras interpretativas e a problemática de sua interpretação e aplicação). São Paulo: Saraiva, 2003. 22 FARIA, José Eduardo Campos de Oliveira. Retórica política e ideologia democrática: a legitimação do discurso jurídico liberal. 1982. 442 f. Tese (Livre-docência) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982. 25 uma realidade processual de cunho individualista, lastreado em uma ética da litigância e da conflituosidade, igualmente certo é que este esforço somente é possível se realizado coletivamente. A única revolução possível é dentro de nós23. Nesse sentido, a preparação nos bancos escolar superiores demanda profissionais (professores) habilitados a desenvolver nos alunos a vontade de aprender na medida em que ensina aquilo que já conhecem enquanto disseminam os primeiros passos no processo de pensamento, crítica e, sobretudo, iniciativa para o estudo. A extensão, como produto obtido a partir da pesquisa e do ensino deve devolver à sociedade e ao país o incentivo, o financiamento e principalmente as esperanças depositadas na formação de profissionais especializados e de pesquisadores capacitados. A ciência como vocação e a pesquisa como dedicação especialmente no âmbito das Ciências do Direito não exclui a possibilidade de capacitar o profissional jurídico para um melhor exercício de sua atividade nas práticas jurídicas dos tribunais e dos poderes do Estado; entretanto, a nosso ver24 devem ser realizadas preferencialmente para a formação de professores, educadores, pesquisadores e pensadores que possam efetiva e verdadeiramente contribuir em seu exercício acadêmico e profissional nas lides forenses para a crítica aos modelos estruturais vigentes, propondo reformulações e inclusive novas teorias e práticas para pensar e fazer o Direito25. Ademais, acreditamos ser inerente a função de todo pesquisador que busca a partir do seu trabalho desvendar problemáticas, apresentando respostas ou ainda levantando novos questionamentos, o comprometimento com o objeto de sua pesquisa logrando precipuamente contribuir com a sociedade. A pesquisa por si só descompromissada e escamoteada no manto da neutralidade não é capaz de romper paradigmas, de inquietar o leitor, de fomentar outros debates. Somente um trabalho comprometido com a amenização das injustiças, dos sofrimentos humanos, pulsante pela construção de outra realidade possível – e quesível – é verdadeiramente propício a revolucionar qualquer cenário. Nesse sentido, mais do que 23 GANDHI, Mahatman. A única revolução possível é dentro de nós. (e-book). Disponível em: . Acesso em: 1 abr. 2014. 24 VIEIRA, André Luiz Valim. Direito social à alimentação: tutela jurisdicional e efetividade do direito fundamental. 2012. 301 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2012. p. 18. 25 “Por isso, é importante verificar se há condições objetivas (históricas) para a emergência de novos paradigmas que apontem uma concepção processual e construtiva [...] que proporcionem o conhecimento concreto [...] que indiquem as funções e os objetivos capazes de assegurar a dignidade humana pela efetividade dos direitos básicos, bem como a partilha e até a transferência de poder que assegura as diversas formas de dominação na sociedade capitalista (socialismo); e que, por fim, consiga incorporar a realidade histórica de que a construção dos direitos fundamentais se dá a partir da ação prática e das lutas sociais (filosofia da práxis).” MACHADO, Antônio Alberto. A teoria do direito e os paradigmas positivistas. In: BORGES, Paulo César Côrrea (Org.). Marcadores sociais da diferença e repressão penal. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. p. 29. 26 apresentar respostas, ao longo deste trabalho buscamos a contextualização de nossa proposta. Somente assim, inseridos no plano concreto é que o pesquisador verdadeiramente se (trans) forma um educador. Isto para não dizer, em nosso entendimento, um verdadeiro e eterno sonhador! 27 CAPÍTULO 1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, PROCESSO CIVIL E JUDICIALIZAÇÃO DE DIREITOS “O senhor... Mire e veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.” (Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas) 1.1 Considerações iniciais Com a devida vênia poética, iniciamos a reflexão do presente capítulo a partir do excerto exposto acima. O trecho é retirado da obra Grande Sertão: Veredas do escritor brasileiro Guimarães Rosa, por meio dela o sertão é retratado e vivido de maneira profunda e não meramente estática tal qual uma paisagem a ser descrita. Utilizando-se de idioma próprio, encontramos em Grande Sertão: Veredas dimensões universais da própria condição humana. Pois bem. Se for certo que, nos apontamentos de Albert Camus em seu ensaio O mito de Sísifo26 de que certos textos clássicos possuem a vantagem de possibilitar diversas releituras, as palavras traduzidas pelo jagunço Riobaldo, narrador-protagonista do romance, querem apresentar inúmeras possibilidades de interpretação. Para o presente trabalho, servem, outrossim, como introdutor do contexto paradigmático sobre o qual o presente capítulo se desenvolverá: o Estado Democrático de Direito, o desenvolvimento do processo civil e, consequentemente, o processo de judicialização de direitos. O romance “Grande Sertão: Veredas” é considerado uma das obras mais significativas do cenário literário brasileiro. A obra chama atenção já pela sua extensão, são mais de seiscentas páginas sem qualquer capítulo. A eloquência da linguagem, a originalidade no relato do estilo sertanejo, além do experimentalismo linguístico típico da primeira fase do modernismo, são utilizados em abundância por Guimarães Rosa para relatar as lutas, medos e 26 CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Lisboa: Livros Brasil, 1988. p. 119-130. Apêndice : A esperança e o absurdo na obra de Franz Kafka - “Toda a arte de Kafka consiste em obrigar o leitor a reler. Seus desenlaces, ou suas faltas de desenlace, sugerem explicações, mas que não são reveladas com clareza e exigem, para nos parecerem fundadas, que a história seja relida sob um novo ângulo. Às vezes há uma dupla possibilidade de interpretação, donde aparece a necessidade de duas leituras. É o que pretendia o autor. Mas não estaríamos certos se quiséssemos, em Kafka, interpretar tudo minuciosamente. Um símbolo está sempre expresso no sentido geral e, por mais precisa que seja a tradução, um artista só pode recuperar, através dela, o movimento: não há literalidade. Além disso, nada é mais difícil de entender do que uma obra simbólica. Um símbolo ultrapassa sempre quem faz uso dele e o leva a dizer mais, na realidade, do que tem intenção de dizer. Nesse caso, o meio mais seguro de dominar a situação é não o provocar, principiar a obra com um espírito não deliberado e não buscar suas correntes secretas [...].” 28 o amor reprimido de Riobaldo por Diadorim. Já na primeira parte da obra, o narrador em primeira pessoa, Riobaldo, realiza um relato de diversos fatos aparentando, em um primeiro momento, como desconexos entre si. Versam sobre suas inquietações sobre a vida. Os temas giram em torno das clássicas questões filosóficas ocidentais, tais como: a origem do homem, reflexões sobre a vida, o bem e o mal, Deus e o diabo. Contudo, Riobaldo não consegue organizar suas ideias e expressá-las de modo satisfatório, o que gera um relato bastante caótico. Pontualmente no excerto inaugural do presente capítulo, Riobaldo admira a incompletude do ser humano que, em um movimento quase secular, está sempre voltando para si a fim de transformar-se, completar-se vez que é inacabado. Destarte, a possibilidade vislumbrada é a de constante (re) interpretação, a depender do contexto vislumbrado, desvelando, outrossim, permanentes e inúmeras (re) leituras. Nos dizeres de José Eduardo Campos Oliveira de Faria27: Elas podem mostrar, de maneira metafórica, o homem como um ser social que age em função dos estímulos recebidos de seus semelhantes e, vice- versa, das reações de seus semelhantes à sua própria ação. Daí a ideia de complexidade social, ou seja, de um conjunto aberto e infinito de possibilidades de interações. Pode mostrar, também as contradições in adjecto nas referencias ao homem isolado e independente, portador de direitos anteriores à sociedade. Daí a idéia de que todo direito implica, por definição uma relação entre dois sujeitos, expressando, como decorrência, uma redução seletiva – e sua consequente imposição – daquela complexidade. Pode mostrar, igualmente, que as formas de organização social, são, ao mesmo tempo, formas de distribuição de poder. Daí a ideia de estrutura político-jurídica como garantia contra a contingência das possibilidades efetivamente escolhidas e impostas como obrigatórias. Ao desenvolver sua tese de livre docência do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo, José Eduardo Campos de Oliveira28 Faria, interpreta o clássico da literatura de forma a conformar as ideias desenvolvidas ao longo de seu trabalho. No presente momento, diante da proposta metodológica e do objeto de pesquisa a ser desenvolvido ao longo desta dissertação (sentido amplo) e, mais especificamente, no presente capítulo (sentido restrito), interessa-nos apresentar ao leitor a (re) leitura apta a conduzir considerações iniciais que alicerçarão o desenvolvimento do tema ao longo da pesquisa. 27 FARIA, José Eduardo Campos de Oliveira. Retórica política e ideologia democrática: a legitimação do discurso jurídico liberal. 1982. 442 f. Tese (Livre-docência) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982. p. 6-7. 28 Ibid. 29 Desta forma, o objeto em sentido amplo, da presente pesquisa, logra analisar as modificações que o Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL do Senado n. 166/2010) propõe acerca do tratamento conferido a jurisprudência (precedentes judiciais) e mais, analisar o papel a ser desempenhado pelo judiciário enquanto face conformadora29 de realização e efetivação da tutela jurisdicional, para então, por fim, observar em que medida o tratamento jurisprudencial proposto aproxima-se ou não de uma tentativa de adoção e respeito aos precedentes judiciais. Para isso, em um primeiro momento, é necessário tecer algumas considerações e realizar algumas premissas sob as quais o presente trabalho é pautado. Cumpre salientar, que a adoção de tais premissas ou paradigmas30 para desenvolvimento da pesquisa, deseja tão somente, estabelecer um norte sob o qual se sustentará. É dizer, não ignoramos a existência de outros paradigmas que, por sua vez, possam traduzir outros posicionamentos distintos – e, talvez, até conflitantes – ao adotado. Tão somente como forma de estabelecer um corte temático e metodológico e, assim, proporcionar uma clarificação do objeto a ser estudado, é que se adota tal postura. Outrossim, cumpre-nos evidenciar de plano, que a presente abordagem que será conferida ao longo deste trabalho confluirá com o posicionamento de José Eduardo Campos de Oliveira Faria31 ao dizer que, muito embora “[...] discurso científico tenha de ser aberto”, este não pode ser apresentado de forma desinteressada ou até mesmo neutra, uma vez que “[...] o discurso científico está relacionado com o modo de produção material e compromissado com o sistema social.” Quer dizer, muito embora o se revelará nas próximas páginas seja uma pesquisa efetivamente científica no que se refere à pesquisa bibliográfica 29 O termo “conformador” possui diferentes significados. Segundo o Dicionário Aurélio da língua portuguesa: “Conformar. V.t.d. 1. Formar, configurar. 2. Conciliar, harmonizar. T.d.i. 3. Conformar (2). p. 4. Acomodar- se, resignar-se” (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. 7. ed. Curitiba: Positivo, 2008. p. 256). No presente trabalho, adotamos a significação expressa na primeira designação. Outrossim, para além de um papel harmonizador do processo, o judiciário se coloca enquanto órgão de efetivação da tutela jurisdicional. A medida então passa a ser analisar se o seu papel, no cenário do processo civil atual é desempenhado de forma concretamente satisfativa e mais, observar se o próprio processo civil está adequado às demandas da sociedade. 30 Explicitando sobre a obra de Thomas Kuhn, A estrutura das revoluções científicas, Antônio Alberto Machado, durante exposição em aula da disciplina Teoria dos Direitos Fundamentais, 23 set 2012, revela: “Para Thomas Kuhn, as ciências naturais assim se definem porque são capazes de criar o que ele chama de ‘comunidade científica’, que seria formada a partir do consenso entre os pesquisadores, estudiosos e cientistas de uma dada ciência sobre qual é seu objeto, qual é seu métodos, etc. Portanto, o paradigma seria algo sobre o que as pessoas se referem coincidentemente, de forma uníssona. Paradigma é parâmetro, é horizonte, é o ponto em comum para onde uma comunidade cientifica olha e se identifica, se reconhece.” Esta também é a posição adotada no presente trabalho ao cunhar a expressão. 31 FARIA, José Eduardo. A noção de paradigma na ciência do direito: notas para uma crítica ao idealismo jurídico. In. ______. (Org.). A crise do direito numa sociedade em mudança. Brasília, DF: Ed. UnB, 1988a. (Roberto Lyra Filho. Pensamento crítico no direito). passim. 30 (livros e artigos), jurisprudencial, disciplinas cursadas32, debates em sala de aula33, trabalhos apresentados34, artigos publicados etc., e, nesse sentido possa despertar a expectativa do seu 32 A discente, em respeito ao cronograma estabelecido pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais deveria cursar um total de oito disciplinas distribuídas da seguinte forma: duas disciplinas classificadas como obrigatórias três disciplinas intituladas “comuns” e três disciplinas denominadas “específicas”. Assim, cumprindo a exigência e avançado nos créditos mínimos exigidos em razão da pertinência temática de outras disciplinas com o presente trabalho, foram cursadas as seguintes: “Fundamentos Metodológicos de Pesquisa Jurídica” lecionada pelo prof. Carlos Eduardo de Abreu Boucaul; “Tópicos especiais: Direitos Humanos: fundamentos e desafios” lecionada pelo prof. David Sanchez Rubio (Universidad de Sevilla), “Direito e Políticas Públicas de Sustentabilidade”, lecionada pela profa. Elisabete Maniglia, “Direito da Sociedade Tecnocrática”, lecionada pelo prof. Jorge David Barrientos Parra, “Tópicos especiais: Estudos de bioetica e direito” lecionada pelo prof. Salvador Darío Bergel (Unviersidad de Buenos Aires) e pela profa. Patrícia Borba Marchetto; “Tutela Penal dos Direitos Humano” lecionada pelo prof. Paulo César Correa Borges; Tópicos Especiais - Hans Kelsen: para além dos limites da "Teoria Pura do Direito": as vertentes constitucionais, internacionais e a defesa da democracia”; “Tópicos Especiais - Historia da Lei” ambas lecionadas pelo prof. Carlos Eduardo de Abreu Boucault; “Transformações da Constituição: as Reformas e as Mutações Constitucionais enquanto expressões da tensão entre os Princípios do Estado de Direito e da Democracia” lecionada pelo prof. José Duarte; “Tutela dos Direitos Coletivos: Fundamentos e Pressupostos” tendo como professores responsáveis Yvete Flávio da Costa e Nelson Nery Júnior e “Teoria dos Direitos Fundamentais” ministrada pelo professor Antônio Alberto Machado. 33 Ao longo do mestrado, foram apresentados trabalhos e seminários nas disciplinas cursadas, lastreados em temas e bibliográficas pré-estabelecidos pelo docente responsável na respectiva matéria. Cumpre ressaltar que a discente buscou adequar as escolhas das disciplinas e, consequentemtente, dos temas apresentados em cada trabalho de forma a aprofundar algum aspecto que, futuramente, fosse desenvolvido na pesquisa. Dessa forma, nenhuma das escolhas temáticas aqui apresentada se deu de forma desinteressada com esta pesquisa. Na modalidade “texto”, elaboramos os seguintes trabalhos: O veneno está na mesa: reflexões a partir do conceito de segurança/ soberania alimentar; As veias abertas do terrorismo na América Latina: percepções sobre o uso dos “direitos humanos” no vilipendio aos Direitos Humanos – Chile, Brasil e Argentina; Ação coletiva e controle de constitucionalidade: o processo coletivo especial enquanto instrumento potencializador do Estado Democrático de Direito brasileiro; Os meios de comunicação (manipulação) das massas no sistema técnico; O guardião da democracia: o poder judiciário enquanto arena para efetivação de direitos fundamentais; Lua e estrelas: a transexualidade analisada sob uma perspectiva de (des) construção de gênero. Na modalidade “seminário”, apresentamos os seguintes trabalhos: Atores da sociedade civil, Política ambiental no Brasil, As veias abertas do terrorismo na América Latina: percepções sobre o uso dos “direitos humanos” no vilipendio aos Direitos Humanos – Chile, Brasil e Argentina; Os meios de comunicação (manipulação) das massas no sistema técnico; Ação coletica e controle de constitucionalidade; A tradição do cnostitucionalismo; A garantia da Constituição: o controle de constitucionalidade; O uso dos precedentes judiciais e o duplo grau de jurisdição. 34 A discente ao longo do curso do Mestrado no PPGD da UNESP teve oportunidade de apresentar alguns trabalhos em eventos locais, regionais e internacionais que contribuíram com seus debates e reflexões para as percepções que serão desenvolvidas no trabalho. São eles: “Lei 6.683/79 e a guerrilha do Araguaia: uma análise ante a (in) eficácia dos direitos humanos no ordenamento brasileiro” apresentado pela discente no evento Marcadores sociais da diferença e repressão; “As múltiplas facetas da violência: a mulher idosa”, apresentado pela discente em co-autoria com Lillian Ponchio e Silva e professor João Bosco Penna no evento IV Fórum Sociojurídico: políticas públicas para a efetivação de direitos no processo de envelhecimento; “A atuação da Defensoria Pública na efetivação do direito dos idosos: uma análise a partir do Estatuto do Idoso”, apresentado pela discente em co-autoria com o orientador deste trabalho Roberto Brocanelli Corona no evento IV Fórum Sociojurídico: políticas públicas para a efetivação de direitos no processo de envelhecimento; “Equipe multidisciplinar: um imperativo em situações de violência doméstica.”, apresentado pela discente conjuntamente com Talita Tatiana Dias Rampin e com a profa. Yvete Flávio da Costa no evento IV Fórum Sociojurídico: políticas públicas para a efetivação de direitos no processo de envelhecimento; “Lei de Falência e Recuperação de Empresas (Lei n. 11.101/2005): uma análise ante a função social e a hierarquia de credores” apresentado pela discente juntamente com prof. Roberto Brocanelli Corona no evento Conferências – Jornadas Preparatórias para o VII Congresso Iberoamericano de Direito Concursal; “A Tutela do Direito Transidividual à Probidade Administrativa: Ação de Improbidade”, apresentado pela discente com o prof. Roberto Brocanelli Corona no evento: I Seminário de Direito Administrativo; “Lei nº 1.060/50: instrumento de democratização do acesso à justiça ou de abuso?” apresentado pela discente juntamente com Maria Claudia Jardini Barbosa e Uelton Porto no evento: Ciclo de Palestras Juizado Especial Cível; “Cultura juridica e o 31 desenvolvimento em um campo neutro, racionalizado e metódico, o tratamento dispensado no desenvolver deste trabalho não pode ser traduzido de forma cartesiana, isolada, fria e hiática. O campo das ciências humanas não pode ser (e não é) um simples transpasse ou reflexo paradigmático do campo das ciências naturais.35 Isso porque, no seu objeto de estudo, também se encontra o Homem (ser-pesquisador) que confronta sua cultura, crenças, ideologias com seu objeto-científico, a Norma. Outrossim, enquanto seres humanos, estamos impedidos de dissociar nossa existência da problematização do tema proposto. Tratar do processo civil enquanto meio para efetivação de direitos e mais, analisar esta efetivação a partir da atuação do Poder Judiciário, na prestação da tutela jurisdicional, é tratar de uma dimensão normativa que nos afeta diretamente enquanto sujeitos demandantes pela efetivação de direito. Não por outra razão, não apresentaremos o excerto de forma indiferente, como se fosse possível dissecar o objeto cognoscente do sujeito cogniscível/investigador.36 Pois bem. desafio do enfrentamento do mérito no âmbito dos juizados especiais cíveis”, apresentado pela discente em co- autoria com Talita Tatiana Dias Rampin e profa. Yvete Flávio da Costa; “Entraves ao efetivo acesso à justiça: o valor da causa no Juizado Especial Cível”, apresentado pela discente juntamente com Vinicius Fernandes Ormelesi e prof. Roberto Brocanelli Corona no evento: Ciclo de Palestras Juizado Especial Cível; “Linguagem e direito: notas sobre a marginalização do sujeito no JEC. 2011”, apresentado pela discente em co-autoria com Talita Tatiana Dias Rampin e a profa. Yvete Flávio da Costa; “Transexualidade e (des) construção de gênero: a importância das equipes multidisciplinares”, apresentado pela discente em co-autoria com Talita Tatiana Dias Rampin e Lillian Ponchio no evento: III Congresso Serviço Social - A Ética na Formação e no Trabalho Profissional do Assistente Social; “A tutela coletiva como arena de luta dos movimentos sociais”, apresentado pela discente em co-autoria com Talita Tatiana Dias Rampin e Lillian Ponchio e Silva no evento: III Congresso Serviço Social - A Ética na Formação e no Trabalho Profissional do Assistente Social; “(Bio) ética feminista, direitos humanos e saúde: uma necessária relação” apresentado pela discente em co-autoria com Lillian Ponchio e Silva e Talita Tatiana Dias Rampin no evento: III Congresso Serviço Social - A Ética na Formação e no Trabalho Profissional do Assistente Social; “O papel do magistrado na efetividade de direitos e mudança paradigmática cultural: a questão da união homoafetiva” apresentado pela discente em co-autoria com prof. Roberto Brocanelli Corona no evento: 4ª Semana Jurídica da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto; “Infanticídio, bioética e punições (in) formais: a pedagogia de condutas femininas” apresentado pela discente em co-autoria com Lillian Ponchio e Silva e Talita Tatiana Dias Rampin no evento: XXII Semana Jurídica; “Gender and human rights: in search of female otherness”, apresentado pela discente no evento: 2nd ISA Fórum of Sociology SOCIAL JUSTICE & DEMOCRATIZATION – Buenos Aires, Argentina e “Public justice policy” apresentado pela discente em co-autoria com Roberto Brocanelli Corona no evento: 2nd ISA Fórum of Sociology SOCIAL JUSTICE & DEMOCRATIZATION – Buenos Aires, Argentina. 35 Em discussões durante a disciplina Teoria dos Direitos Fundamentais, ministrada pelo professor Antônio Alberto Machado, questionou-se se, as ciências humanas constituíram verdadeiramente um campo científico ou, ao contrário, por não conformar os mesmos paradigmas das ciências naturais, traduziriam apenas narrativas, persuasões, discursos, argumentações acerca do real, da realidade histórica, não revelando, portanto, qualquer verdade científica, passível de comprovação ou verificação. Compreendemos ser esta uma reflexão já superada, adotamos no presente trabalho a noção de que é possível também estudar os fenômenos históricos de uma forma sistemática, com algum rigor metodológico que, de uma forma, nos faça ser considerados uma comunidade científica (Cf. KHUN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1998). Pois o fato de não se pautar pelos mesmos paradigmas das ciências naturais não descaracteriza, portanto, as ciências do homem como tal. 36 GROSSI, Naiara Souza; CORONA, Roberto Brocanelli. Mito e encantamento: os direitos humanos no contexto latino-americano. Prisma Jurídico, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 33-52, ene./jun., 2012. Disponível em: . Acesso em: 03 jan 2014. 32 Dessa maneira, assim como Riobaldo afirma que as pessoas não são sempre iguais posto que ainda não foram terminadas, é possível traçar um paralelo desta concepção sob a própria forma de se compreender, apreender e aplicar – de forma imediata – o Direito e –, de formar mediata –, o próprio direito processual civil. É dizer, em uma visão lyriana37, o Direito “[...] nada é, num sentido perfeito e acabado; que tudo é, sendo.” Outrossim, o Direito seja enquanto fenômeno social seja como ciência, não é uma “[...] construção única, estática, absoluta, total e metafísica, não se justifica, na medida em que essa concepção, no mínimo, exclui sua dinamicidade e complexidade histórica, sociológica, antropológica, política e econômica.”38 Quando transpomos essas indagações e, questionamos o processo civil, não é improvável conceber um sistema que, muitas vezes, não proporciona a realização e concretização de direitos (ameaçados ou violados)39. Destarte, é possível perceber uma clara dissonância com as próprias garantias de um Estado democrático de direito. Eduardo Galeano40 traduz esta falta de harmonia de forma poética, ao denunciar o abismo existente entre a prática e a teoria, diz o jornalista uruguaio que se estas se cruzassem em uma esquina, sequer se reconheceriam ou mesmo dariam as mãos para cumprimentar-se. Identificando essa patologia no campo do processo civil, Luiz Guilherme Marinoni41 complementa a análise: El proceso civil nada más es una técnica que sirve para la tutela de los derechos. Como técnica que es, debe estar en constante evolución, procurando siempre adaptarse a las modificaciones que transforman la sustancia con que debe estar en contacto. Así, una vez que la sociedad y los derechos a ella inherentes se alteran en todo momento, el cultor de la técnica procesal, o mejor, el legislador y su interprete, no pueden ignorar la ardua tarea que tienen en manos, vale decir, el deber de elaborar un proceso que realmente proteja a los ciudadanos y sus derechos. 37 LYRA FILHO, Roberto. O que é direito? 17. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006 (Primeiros passos, v. 62). p. 12. 38Cf. RAMPIN, Talita Tatiana Dias. A tutela coletiva como pressuposto conformador do Estado democrático de direito brasileiro. 2011. 350 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2011. 39 BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil: anteprojeto. Brasília, DF, 2010. Disponível em: . Acesso em: 05 mar 2014. Exposição de motivos. 40 Afirma Eduardo Galeano que “[…] tan grande es el abismo entre lo que se dice y lo que se hace sobre derechos humanos que, cuando ambos van caminando por la calle y se cruzan en una esquina, pasan de largo sin saludarse porque no se conocen.” (SÁNCHEZ RUBIO, David. Repensar derechos humanos: de la anestesia a la sinestesia. Sevilha: MAD, 2007. p. 11). 41 MARINONI, Luiz Guilherme. La efectividad de los derechos y la necesidad de un nuevo proceso civil. Disponível em: . Acesso em: 31 mar. 2012. 33 Destarte, o processo civil igualmente não foi terminado, afina e desafina, estando em constante mudança. Isso porque o processo civil é um fenômeno cultural42, existindo uma relação mútua de forma a implicar processo e cultura. Assim, ao fazer parte da cultura jurídica o processo passa a ser seu próprio reflexo – aqui compreendida em sentido amplo, enquanto cultura geral – conformando em uma autêntica simbiose, quer dizer, ao tempo em que o processo influencia a cultura jurídica, igualmente é influenciado pelas próprias demandas culturais. Funcionando enquanto um autêntico refratário. Ainda nas lições de Luiz Guilherme Marinoni43: Desde el momento en que fue inventada la rueda, el hombre a procurado elaborar técnicas para atender la vida social cada vez de forma más adecuada. El proceso civil debe ser visto en esta perspectiva; solamente el interprete de la norma procesal que desconoce la sociedad y sus derechos puede generar tesis que no respondan a la necesidad de un proceso que sea el reflejo del principio constitucional de la efectividad, de las garantías de justicia contenidas en la Constitución y de la propia naturaleza del derecho material. Outrossim, igualmente o processo civil [friso] enquanto fenômeno cultural, não pode ser tomado como objeto neutro. O processo civil é produto de uma “[...] confluência das idéias, projetos sociais, utopias44, interesses econômicos, sociais, políticos e estratégias de poder reinantes em determinada sociedade, com notas específicas de tempo e espaço.”45 Dessa maneira, em que pese o processo civil dotar de um aspecto formal, torna-se impossível assimilá-lo de forma reducionista, ou seja, enquanto um mero ordenamento de atividades, dotado de cunho exclusivamente tecnicista, composto por regras externas, estabelecidas pelo legislador de modo totalmente arbitrário. Carlos Alberto de Oliveira46 leciona ainda que a estrutura do processo civil é moldada “[...] por escolhas de natureza política, em busca dos 42 TARUFFO, Michelle. Cultura e processo. Rivista Trimestale di Diritto e Procedura Civile, Milano, v. 63, n. 1, p. 63-92, mar. 2009. 43 MARINONI. Luiz Guilherme. La efectividad de los derechos y la necesidad de un nuevo proceso civil. Disponível em: . Acesso em: 31 mar 2013, p. 3. 44 “Utopia [...] ella está en el horizonte. Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo camine, nunca la alcanzaré. Para que sirve la utopia? Para eso sirve: para caminar.” (Fernando Birri apud GALEANO, Eduardo. Las palabras andantes. Argentina: Siglo XXI, 1994. p. 310). Tal como citado pelo jornalista uruguaio, Eduardo Galeano, o presente trabalho apresenta-se de forma utópica. Aqui não desejamos traduzir utopia enquanto algo inalcançável, impossível, fantasioso. Nossa tradução revela o caminhar, o transformar, a necessidade de avanço da ciência processual em conformação com a efetividade da tutela jurisdicional. 45 OLIVEIRA, Carlos Alberto de. A garantia do contraditório. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2013. 46 Ibid. (grifo nosso). 34 meios mais adequados e eficientes para a realização dos valores que dominam o meio social, estes sim estruturando a vida jurídica de cada povo, de cada nação, de cada Estado.” Nota-se assim, que um dos elementos que apresenta maiores vasos comunicantes com o processo é o próprio Estado. Isso porque, para além da compreensão, questionamentos, críticas, propostas, análises obtemperadas acerca do processo e de suas fases metodológicas, é notório que o processo civil espelha suas concepções dominantes sobre o papel do próprio modelo estatal que o conforma em um dado momento histórico. No mesmo sentido Daniel Mitidiero47 leciona: O direito processual civil, como manifestação de cultura, evidentemente não pode sobrar infenso à influência das características que a sociedade imprime ao Estado. Sendo o processo civil o meio pelo qual, diante de determinadas crises de colaboração no plano de direito material, se busca velar pela supremacia do direito, natural que o seu formalismo reaja às peculiaridades de cada experiência de organização estatal. O formalismo do processo tem de se adequar aos instrumentos pelos quais o Estado busca realizar seus fins sociais, assegurando o império do direito. Assim, dentro desse contexto e do modo de organização processual, torna-se necessário contextualizar a concepção e desempenho que o processo civil apresentou de acordo com três modelos estatais, compreendidos todos eles dentro da forma estatal contemporânea, quais sejam: o Estado Liberal, o Estado Social e o Estado Democrático de Direito. Urge ressalvar, que não pretendemos desvelar um resgate histórico de cada modelo estatal em minúcia, posto não ser este o objeto desta pesquisa. Logramos, em verdade, analisar os aludidos modelos apenas quanto às confluências e na medida das influências que cada forma estatal apresentou/ realizou sobre o processo civil, objetivando assim, ao analisar as fases metodológicas do processo civil48, identificar em que medida devemos avançar para [quiçá] uma nova fase e, posteriormente, ao analisar as propostas do Projeto de Novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei n. 8.046)49, verificar se esta evolução se faz presente. 47 MITIDIERO, Daniel. Bases para construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teórico do formalismo-valorativo. 2007. 146 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. Disponível em: . Acesso em: 30 jul. 2013. p. 32-33. 48 A análise das fases metodológicas do processo mencionadas serão realizadas ainda neste capítulo, a partir do item 1.3 do trabalho. 49 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Projeto de lei 8.046, de 22 de dezembro de 2012 para revogar o Código de Processo Civil vigente. Diário da Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 22 dez. 2010. Disponível em: . Acesso em: 2 abr. 2014. 35 O objeto de análise neste primeiro capítulo é verificar se o processo civil da forma como é concebido atualmente é um refratário do modelo estatal vigente, em outras palavras, logramos verificar se esta adequação é harmoniosa propiciando a efetivação da tutela jurisdicional ou se o avanço na sua compreensão metodológica ainda se faz necessário e mais, obtemperamos verificar se a proposta do Projeto de Novo Código de Processo Civil (PL n. 8.046) avança nesse sentido. 1.2 A organização do processo civil e os modelos estatais No estudo do processo civil, se ganha relevância e amplitude a afirmação de que o direito se relaciona de forma íntima com a experiência e cultura de um povo. Essa relação entre direito e cultura, parece se evidenciar ainda mais quando a analisamos sob a ótica do processo civil, “ramo das leis mais rente à vida”50 conforme aponta Pontes de Miranda. Segundo Daniel Mitidiero51, citando Carlos Alberto Álvaro de Oliveira: Com efeito, tem-se defendido, não sem razão, que “a estrutura mesma do processo civil depende dos valores adotados e, então, não se trata de simples adaptação técnica do instrumento processual a um objetivo determinado, mas especialmente de uma escolha de natureza política escolha essa ligada às formas e ao objetivo da própria administração judicial [...]. Desse modo, a questão axiológica termina por se precipitar no ordenamento de cada sistema e na própria configuração interna do processo, pela indubitável natureza de fenômeno cultural deste e do próprio direito, fazendo com que aí interfira o conjunto de modos de vida criados, apreendidos e transmitidos de geração em geração, entre os membros de uma determinada sociedade”. São muitos os exemplos que podemos remeter para demonstrar esta afirmação. Vittorio Denti, afirma que no que se refere às influencias de concepções religiosas (e, portanto, culturais) na conformação do próprio fenômeno jurídico-processual, a maneira de compreender a busca pela “verdade” no processo e a defesa da privacidade em face dos meios de prova, é bastante dicotômica quando comparamos países de inspiração católica com países de inspiração protestante: “[...] usualmente, a cultura católica tende a ser mais ciosa da tutela de sua intimidade do que a cultura protestante, limitando-se, assim, a pesquisa probatória 50 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. t. 1. p. XIII. Prólogo. 51 MITIDIERO, Daniel. Processo e cultura: praxismo, processualismo e formalismo em direito processual civil. Gênesis: Revista de Direito Processual Civil, Curitiba, v. 33, p.11-128, jul./set. 2004. Disponível em: < http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Daniel%20Mitidiero(3)-%20formatado.pdf> Acesso em: 09 jan 2014. 36 àquilo que não desafie a moral cristã.”52 Ainda quanto a influencia religiosa na construção do processo civil, Max Weber aponta que a acentuação do que conhecemos hoje por princípio inquisitório não fora mais do que a contribuição da justiça teocrática à justiça profana, uma vez que àquela interessa com aguda intensidade a “averiguação ótima dos fatos verdadeiros”, o que de modo nenhum poderia ficar, dessarte, “à mercê do arbítrio das partes”.53 Daniel Mitidiero54 ainda continua exemplificando: Explorando a mesma relação entre processo e religião, observa Galeno Lacerda que “é interessante o paralelismo que se verifica entre a fase mais recuada do processo romano, o período das ações da lei, que vigorou desde os primórdios de Roma até o segundo século antes de Cristo, e o formalismo do processo germânico primitivo, vigente entre os bárbaros e dominante no processo feudal da Idade Média. O formalismo do processo romano das legis actiones nos é descrito com abundância de detalhes por Gaio. Bastava que o litigante não reproduzisse com absoluta fidelidade as palavras da lei, ou deixasse de praticar o ato na forma prescrita, para que perdesse a demanda, sem que fizesse qualquer mossa ao espírito do julgador o mérito da lide. Hoje, os romanistas mais eminentes reconhecem no ritual simbólico do sacramentum, a mais antiga ação da lei, traços inequívocos da concepção religiosa da época. O mesmo acontece no processo primitivo dos povos germânicos, a refletir-se por largo período da história medieval. O que importa é harmonizar o grupo social, para que esteja sempre pronto aos empreendimentos bélicos do chefe. E isto se logra através das ordálias, ou juízos divinos, pois, com efeito, corresponde à concepção religiosa dominante, não poder a divindade permitir que o infrator, que o criminoso, triunfe no processo. Omite-se, assim, o juízo humano, e o processo se limita a uma prova imposta pela comunidade às partes. O resultado da prova será juízo de Deus. E êste é o que importa. Elimina-se o conflito, para o bem comum. Acata-se a vontade divina. E então os litígios se resolvem pelo duelo, pelas provas da água, do fogo, e tantas outras.” Diante dos exemplos acima descritos, torna-se inegável reconhecer que o direito processual civil possui um caráter eminentemente histórico e cultural. Neste diapasão, sentimos a necessidade de destinar um item de nossa pesquisa a fim de estabelecer uma reflexão entre a forma estatal e o modo de organização do processo civil segundo aqueles modelos. Com isso, buscaremos evidenciar a tangência existente entre ambos de forma a comprovar: (a) não há como pensar na ciência processual desconectada do contexto social posto que este reflete diretamente na forma como aquela é interpretada; (b) o Estado, modelo organizacional da vida em sociedade, igualmente é reflexo das nuances de cada época 52 DENTI, Vittorio. Diritto comparato e scienza del processo. Rivista de Diritto Processuale, Padova, v. 34, p. 335, 1979. 53 WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília, DF: Ed. UnB, 1999. v. 2. p. 116. 54 MITIDIERO, Daniel. Processo e cultura: praxismo, processualismo e formalismo em direito processual civil. Gênesis: Revista de Direito Processual Civil, Curitiba, v. 33, p.11-128, jul./set. 2004. Disponível em: < http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Daniel%20Mitidiero(3)-%20formatado.pdf> Acesso em: 09 jan 2014. 37 histórica; (c) outrossim, processo e forma estatal caminham quase simbióticamente nas suas transformações; (d) por sim, contextualizando nosso objeto de pesquisa, evidenciaremos que: não há como pensar em um processo civil que não atenda aos fins de um modelo estatal Democrático de Direito. No que se refere a abordagem dos modelos estatais, procuramos desenvolvê-la de forma objetiva a fim de não desvirtuar demasiadamente do objeto da nossa pesquisa. Isso porque o estudo do Estado Contemporâneo se revela como um dos temas mais complexos da atualidade55 o que, por si só, já demandaria esforços para uma pesquisa autônoma. Nesse diapasão, apoiados em Gregório Assagra de Almeida56, tomamos como ponto de partida as Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789)57, e suas respectivas Constituições (1787 e 1791), a fim de que fosse analisado o Estado Contemporâneo: primeiramente o modelo do Estado Liberal de Direito e a respectiva organização processual; avançando para o Estado Social de Direito (ou Estado-Providência) e a respectiva organização processual; e, atualmente corroborando no modelo estatal Democrático de Direito. 1.2.1 A organização do processo civil e o Estado Liberal Situando historicamente o marco do Estado Liberal, cumpre asseverar as palavras de Gregório Assagra de Almeida58: A passagem do Estado Absolutista para o Estado Liberal de Direito deu-se em razão do movimento iluminista surgido na Europa, tendo como principal centro a França. Locke, Montesquieu, Rousseau, dentre outros, sustentando os ideais iluiministas no sentido da proteção dos indivíduos contra a ingerência e a interferência absolutista do Estado, inspiraram a declaração de independência dos Estados Unidos, ocorrida em 1776, que consagrou o nascimento, em 1787, da garantia de liberdade individual, da proteção dos direitos do cidadão e da propriedade privada. Esses ideais também 55 Celso Fernandes Campilongo, em trabalho sobre direito e democracia, esclarece a complexidade do tema afirmando que o Estado e o próprio Direito estão passando por uma transformação radical, especialmente em decorrência da complexidade social e das relações internacionais entre os Estados. Sustenta o jurista que existe hoje duplo desafio da teoria do Direito e do Estado: “[...] de um lado, superar as amarras metodológicas que enclausuram o direito, a soberania e a democracia no espaço estatal; de outro, construir modelos explicativos que dêem conta da nova realidade.” (CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e democracia. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 104). 56 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. (princípios, regras interpretativas e a problemática de sua interpretação e aplicação). São Paulo: Saraiva, 2003. p. 47. 57 A transformação radical da regulação do poder político, dando-lhe a feição que tem hoje e ensejando a construção da ciência do direito público, ocorrerá na Idade Contemporânea, sendo as Revoluções Americana e Francesa (e as Constituições delas resultantes) seus marcos históricos mais notáveis (SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros, 5ª Ed., 2010. p. 36). 58ALMEIDA, op. cit., p. 48. 38 inspiraram a Revolução Francesa de 1789 e a mudança de regime político na França, com a elaboração d