UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO FINAL DE ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO AO HOSPITAL VETERINÁRIO TAQUARAL (CAMPINAS - SP), AO SETOR DE CLÍNICA CIRÚRGICA DE PEQUENOS ANIMAIS DO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA (UBERLÂNDIA - MG) E À CLÍNICA VETERINÁRIA MEDCAT EIRELI (CAMPINAS - SP). Caso de interesse: Evisceração de alças intestinais em filhote felino Carolina Samogin Campioni JABOTICABAL - SP 2022 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL RELATÓRIO FINAL DE ESTÁGIO CURRICULAR OBRIGATÓRIO DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO AO HOSPITAL VETERINÁRIO TAQUARAL (CAMPINAS - SP), AO SETOR DE CLÍNICA CIRÚRGICA DE PEQUENOS ANIMAIS DO HOSPITAL VETERINÁRIO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA (UBERLÂNDIA - MG) E À CLÍNICA VETERINÁRIA MEDCAT EIRELI (CAMPINAS - SP). Caso de interesse: Evisceração de alças intestinais em filhote felino Carolina Samogin Campioni Orientadora: Profa Dra Paola Castro Moraes Relatório do Estágio Curricular em Prática Veterinária apresentado à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Câmpus de Jaboticabal, Unesp, para graduação em Medicina Veterinária. JABOTICABAL - SP 1o SEMESTRE DE 2022 C196r Campioni, Carolina Samogin Relatório final de Estágio Curricular Obrigatório do curso de Medicina Veterinária, realizado junto ao Hospital Veterinário Taquaral (Campinas - SP), ao Setor de Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia (Uberlândia - MG) e à Clínica Veterinária MedCat Eireli (Campinas - SP) : Caso de interesse: evisceração de alças intestinais em filhote felino / Carolina Samogin Campioni. – Jaboticabal, 2022 47 p. : tabs., fotos Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Medicina Veterinária) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal Orientadora: Profa. Dra. Paola Castro Moraes 1. Medicina Veterinária. 2. Emergências veterinárias. 3. Traumatologia veterinária. 4. Ferimentos penetrantes. I. Título Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Jaboticabal. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Agradecimentos Aos meus pais, Paulo e Celina, e aos meus irmãos, Paula e Daniel, por todo o amor e suporte que sempre me deram. Vocês me ajudaram a me tornar a pessoa que sou hoje e tornaram possível a realização desse sonho. Cada conquista minha é de vocês também. Ao meu amigo e companheiro, João Vitor, que desde antes da graduação vem sendo meu maior ponto de apoio. Sou grata por poder dividir tantas vivências com você. Obrigada por nunca me deixar desistir e sempre me dar a confiança que preciso para seguir. Às minhas amigas, Amanda, Adriely, Isabella e Marina, por todo o carinho, companheirismo e acolhimento durante todos esses anos de graduação. O crescimento e aprendizado que vocês me proporcionaram são imensuráveis e sem vocês eu não teria chegado até aqui. À Profa Dra Paola Castro Moraes, por ter aceitado ser minha orientadora e ter se mostrado sempre muito acessível e solícita. Sua ajuda foi essencial durante esse processo e tudo o que deu certo, foi graças a você. Não poderia ter tido orientadora melhor. Ao M.V. Gabriel de Vasconcellos Aquino, por quem tenho imensa admiração e que se tornou um amigo muito querido nesses meses de estágio curricular. Sua competência profissional me inspira e seu apoio na minha jornada pessoal me proporcionou um crescimento que eu nem imaginava alcançar. Obrigada por compartilhar suas vivências comigo. A toda a equipe do Hospital Veterinário Taquaral, do setor de Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais do HOVET UFU e da Clínica Veterinária MedCat, por terem me aceitado como estagiária, por terem me recebido com tanto carinho e atenção e também por toda a paciência e ensinamentos passados. Nesses locais fui capaz de fazer amizades que carrego com muito carinho em meu coração. Todo o meu crescimento como profissional e como pessoa nesses últimos meses eu devo a vocês. Por fim, agradeço a UNESP FCAV por ter se tornado minha segunda casa. Aqui foi o início de todo o processo para me tornar a profissional que almejo ser. Foi onde cresci e amadureci ao lado de pessoas maravilhosas e é o local que sempre lembrarei com muito carinho e orgulho de ser unespiana. “Agradeço ao universo por levar tudo o que levou e por me dar tudo o que está dando - equilíbrio” Rupi Kaur VII SUMÁRIO I. RELATÓRIO DE ESTÁGIO 8 1. INTRODUÇÃO 8 2. DESCRIÇÃO DOS LOCAIS DE ESTÁGIO 9 2.1. Hospital Veterinário Taquaral 9 2.2. Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia (HOVET UFU) 11 2.3. Clínica Veterinária MedCat Eireli 13 3. DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 14 3.1. Hospital Veterinário Taquaral 14 3.2. Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia (HOVET UFU) 17 3.3. Clínica Veterinária MedCat Eireli 20 4. DISCUSSÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 23 4.1. Hospital Veterinário Taquaral 23 4.2. Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia (HOVET UFU) 24 4.3. Clínica Veterinária MedCat Eireli 26 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 28 II. CASO DE INTERESSE 29 1. INTRODUÇÃO 29 2. REVISÃO DE LITERATURA 30 2.1. Fisiopatogenia 30 2.2. Sinais clínicos 30 2.3. Diagnóstico 31 2.4. Tratamento 32 2.4.1. Cuidados pré-operatórios 32 2.4.2. Protocolo anestésico 33 2.4.3. Correção cirúrgica 33 2.4.4. Cuidados pós-operatórios 35 2.5. Complicações 36 3. RELATO DE CASO: EVISCERAÇÃO DE ALÇAS INTESTINAIS EM FELINO 37 3.1. Histórico e diagnóstico 37 3.3. Procedimento anestésico 39 3.4. Procedimento cirúrgico 40 3.5. Pós-cirúrgico 43 4. DISCUSSÃO 44 5. CONCLUSÃO 45 6. REFERÊNCIAS 45 8 I. RELATÓRIO DE ESTÁGIO 1. INTRODUÇÃO Este trabalho objetiva a descrição e discussão das atividades realizadas durante o período de Estágio Curricular em Prática Veterinária, que consta na grade curricular do curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV - UNESP, Câmpus de Jaboticabal), sob orientação da Profa Dra Paola Castro Moraes. O Estágio Curricular em Prática Veterinária tem como objetivo proporcionar ao aluno a vivência em prática profissional, nas áreas e locais de seu interesse. Conjuntamente, permite a criação de vínculos com outros profissionais e instituições, que auxiliam no desenvolvimento pessoal e profissional do estagiário. A realização do estágio ocorreu durante o período de 03 de janeiro de 2022 a 30 de julho de 2022, em três instituições distintas, perfazendo um total de 1.085 horas oficialmente contabilizadas. Na primeira instituição, o Hospital Veterinário Taquaral, localizado em Campinas (SP), o estágio se estendeu durante os meses de janeiro, fevereiro, maio e junho de 2022, perfazendo um total de 632 horas, sob supervisão da M. V. Juliana Garcia. No segundo local, o Setor de Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia (HOVET - UFU), o estágio ocorreu durante os meses de março e abril de 2022, perfazendo um total de 317 horas, sob supervisão da Profa Dra Aracelle Elisane Alves. O terceiro estabelecimento de estágio foi a Clínica Veterinária MedCat Eireli, também localizada em Campinas (SP). O período de estágio no local foi o mês de julho de 2022, perfazendo um total de 136 horas, sob supervisão da M. V. Cynthia Scalzo Guimarães Bergamini. Por fim, este trabalho inclui o relato de um dos casos acompanhados durante o período de estágio no hospital veterinário da UFU: evisceração de alças intestinais em filhote felino. 9 2. DESCRIÇÃO DOS LOCAIS DE ESTÁGIO 2.1. Hospital Veterinário Taquaral O Hospital Veterinário Taquaral (HVT) conta com três unidades, incluindo a sede, que está localizada na Av. Heitor Penteado, 311, no bairro Taquaral, onde foi realizado o estágio. Trata-se de uma região bastante privilegiada, uma vez que o estabelecimento se encontra em frente ao Parque Portugal, um dos principais pontos turísticos de Campinas. A equipe é formada por mais de 50 profissionais, permitindo que o hospital ofereça serviços em diversas áreas da medicina veterinária, como acupuntura, dermatologia, oncologia, medicina felina, odontologia, oftalmologia, intensivismo, entre outras. O estágio foi realizado acompanhando profissionais das áreas de clínica médica, cirúrgica, anestesiologia, diagnóstico por imagem e internação de pequenos animais. O hospital atua 24 horas e a sede mudou para o endereço citado há poucos meses, recebendo grande aperfeiçoamento em sua estrutura. Atualmente conta com dois andares, com espaço para recepção, loja, farmácia, consultório para felinos (figura 2), caninos (figura 1) e animais silvestres no andar térreo, enquanto que no andar superior conta com três centros cirúrgicos (figura 5), internação e UTI para cães e gatos (figuras 3 e 4), laboratório clínico (figura 4), sala de ultrassonografia e radiografia, administração, estoque de rações, medicações e artigos de higiene, internação para animais com Doenças Infectocontagiosas (DIC), além da área para os funcionários. FIGURA 1. A: Fachada do HVT. B: Consultório para atendimento de cães. Fonte: Imagens cedidas pelo HVT. 10 FIGURA 2. A: Consultório para atendimento de felinos. B: Sala de espera para felinos. Fonte: Imagens cedidas pelo HVT. FIGURA 3. A: Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). B: Internação de cães. Fonte: Imagens cedidas pelo HVT. FIGURA 4. A: Internação de felinos. B: Laboratório clínico. Fonte: Imagens cedidas pelo HVT. FIGURA 5. A: Centro cirúrgico. B: Sala de paramentação. Fonte: Imagens cedidas pelo HVT. 11 2.2. Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia (HOVET UFU) O Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia localiza-se na Av. Mato Grosso, 3289, Campus Umuarama, em Uberlândia. O local atua de segunda à sexta, das 07:00 às 17:00 horas e conta com os setores de Clínica Médica de Pequenos Animais, Clínica Médica e Cirúrgica de Grandes Animais, Clínica Médica e Cirúrgica de Animais Silvestres, Diagnóstico por Imagem, Patologia Animal, Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e Laboratório Clínico, além do setor de Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais, onde foi realizado o estágio curricular. A equipe do setor inclui nove médicos veterinários residentes, três docentes, dois secretários, três técnicos responsáveis pelo estoque e duas profissionais de limpeza. Os residentes são responsáveis pela parte cirúrgica e anestésica dos procedimentos, além dos atendimentos clínicos cirúrgicos e auxílio na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), alternando entre estas áreas a cada semana. A estrutura do setor de Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais conta com três centros cirúrgicos (figura 6), sala de paramentação (figura 7), sala de preparo das medicações e baias dos animais (figura 8), acesso ao estoque, vestiário e sala dos residentes, onde são feitos os receituários, termos de autorização e demais documentações (figura 6). Além disso, há dois consultórios destinados somente para atendimento clínico cirúrgico (figura 7). Por fim, a UTI (figura 6) é um espaço separado, com baias, mesas, berços, medicações e materiais necessários para o cuidado intensivo dos animais internados, ficando próximo à recepção e todos os setores do hospital tem acesso. 12 FIGURA 6. A: Sala dos residentes. B: Centro cirúrgico. C: Unidade de Terapia Intensiva (UTI) . Fonte: imagens cedidas pelo HOVET UFU. FIGURA 7. A: Consultório para atendimento clínico cirúrgico. B: Sala de paramentação. Fonte: imagens cedidas pelo HOVET UFU. FIGURA 8. Sala de preparo com baias (A), medicações e materiais necessários (B). Fonte: imagens cedidas pelo HOVET UFU. 13 2.3. Clínica Veterinária MedCat Eireli A Clínica Veterinária MedCat Eireli localiza-se na Rua Dona Josefina Sarmento, 237, no bairro Cambuí em Campinas. O local atua de segunda à sexta das 9:00 às 18:00, e aos sábados das 9:00 às 13:00 horas. O atendimento é exclusivo e especializado para felinos, sendo que a clínica possui o selo Ouro de Cat Friendly Practice pela American Association of Feline Practitioners (AAFP). A equipe é formada por um recepcionista, uma auxiliar de veterinário e duas veterinárias especializadas na área de medicina felina, e a estrutura do local permite o oferecimento de serviços na área de clínica médica, cirúrgica, internação e laboratório clínico. Contudo, a clínica possui parceria com diversos profissionais volantes que complementam a amplitude dos serviços, como diagnóstico por imagem, anestesiologia, oftalmologia, acupuntura, fisioterapia, endocrinologia, nefrologia, entre outros. A estrutura da clínica conta com recepção (figura 9), dois consultórios (figura 10), laboratório clínico (figura 10), internação (figura 11) e centro cirúrgico (figura 11), além de estoque e área dos funcionários. FIGURA 9. A: Fachada da clínica. B: Recepção. Fonte: imagens cedidas pela MedCat. 14 FIGURA 10. A: Consultório de atendimento. B: Laboratório clínico. Fonte: imagens cedidas pela MedCat. FIGURA 11. A: Internação. B: Centro cirúrgico. Fonte: imagens cedidas pela MedCat. 3. DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 3.1. Hospital Veterinário Taquaral Durante os meses de janeiro e fevereiro foi possível alternar entre as áreas de clínica médica, cirúrgica, anestesiologia, diagnóstico por imagem e internação de pequenos animais. Como mostrado nos gráficos a seguir, foram acompanhados 341 animais, em que o perfil mais comum eram cães (72,1%), fêmeas (53,7%) e adultos (49%). É interessante ressaltar que, do total de animais atendidos, 178 (52,2%) eram animais sem raça definida, enquanto 163 (47,8%) eram animais de raça. 15 FIGURA 12. Quantidade de animais atendidos no Hospital Veterinário Taquaral, durante os meses de janeiro, fevereiro, maio e junho de 2022, separados por espécie. FIGURA 13. Quantidade de animais atendidos no Hospital Veterinário Taquaral, durante os meses de janeiro, fevereiro, maio e junho de 2022, separados por sexo. 16 FIGURA 14. Quantidade de animais atendidos no Hospital Veterinário Taquaral, durante os meses de janeiro, fevereiro, maio e junho de 2022, separados por idade, onde: “neonato” representa animais até os 15 dias de vida, “filhote” representa animais até 1 ano de idade, “adulto” representa animais entre 1 e 9 anos de idade e “idoso” representa animais a partir dos 10 anos de idade. Ao acompanhar a rotina da clínica médica, foi possível preencher fichas de anamnese, auxiliar na contenção dos animais para coleta de material para exames e aplicar medicações injetáveis. O hospital conta com médicas veterinárias especializadas em medicina felina, portanto também houve a oportunidade de aprender a base do manejo cat friendly ao acompanhar determinadas consultas. Durante as semanas no setor de diagnóstico por imagem, foi possível acompanhar três ultrassonografistas e um radiologista, portanto a quantidade de exames ultrassonográficos acompanhados foi maior, permitindo treinamento mais significativo para interpretar as imagens obtidas no exame. O procedimento de coleta de urina guiada por ultrassom também foi rotineiro. Na internação, havia sempre um veterinário e um enfermeiro de plantão, sendo responsabilidade do estagiário auxiliar em todos os procedimentos necessários, incluindo limpeza das baias, exame físico e alimentação dos animais, aplicação de medicações, contenção, sondagem uretral e nasoesofágica quando necessária, obtenção de acesso venoso, reanimação cardiorrespiratória e eutanásia. Além disso, eram feitas discussões sobre os casos que estavam sendo acompanhados, o que permitia compreender melhor a conduta médica seguida para cada caso. 17 Por fim, durante as semanas na área de cirurgia, houve a possibilidade de acompanhar também a rotina dos anestesistas do hospital, portanto ao mesmo tempo em que se observava o procedimento cirúrgico, era possível discutir o protocolo anestésico com o anestesista. Dessa forma, foi possível acompanhar todos os processos que envolvem a realização de um procedimento cirúrgico, desde a preparação do animal e aplicação da medicação pré-anestésica (MPA), até a realização da cirurgia em si e recuperação anestésica do animal em seguida. Já na segunda metade do estágio no local, durante os meses de maio e junho, é interessante ressaltar que o estágio se deu somente entre as áreas de cirurgia, anestesiologia e internação de pequenos animais, uma vez que a supervisora estava ciente da preferência da estagiária por estas áreas. Também devido ao ganho de experiência durante o período de estágios foi possível executar determinadas atividades sob supervisão, como sondagem uretral e nasoesofágica, obtenção de acesso venoso, coleta de sangue para exames, intubação endotraqueal, além de auxiliar em algumas cirurgias de castração, penectomia, nodulectomia e mastectomia. A rotina do hospital permitiu o acompanhamento de procedimentos diversos, desde eletivos e de rotina, como profilaxias odontológicas, consultas de check-up e exames de imagem, até procedimentos mais complexos e delicados como cirurgias reconstrutivas, manejo de animais em estado crítico e reanimação em paradas cardiorrespiratórias. 3.2. Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia (HOVET UFU) Os residentes e estagiários alternavam a cada semana entre as áreas que compõem o Setor de Clínica Cirúrgica, auxiliando no atendimento clínico cirúrgico, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), na parte anestésica dos procedimentos cirúrgicos e na parte cirúrgica em si. Conforme mostrado nos gráficos a seguir, foram acompanhados 144 animais, dos quais o perfil mais comum foram cães, fêmeas e adultos. É interessante ressaltar que, destes 144 animais, 49 (34,03%) eram animais de raça, enquanto 95 (65,97%) eram animais sem raça definida. 18 FIGURA 15. Quantidade de animais atendidos no Setor de Clínica Cirúrgica do HOVET UFU, durante os meses de março e abril de 2022, separados por espécie. FIGURA 16. Quantidade de animais atendidos no Setor de Clínica Cirúrgica do HOVET UFU, durante os meses de março e abril de 2022, separados por sexo. 19 FIGURA 17. Quantidade de animais atendidos no Setor de Clínica Cirúrgica do HOVET UFU, durante os meses de março e abril de 2022, separados por idade, onde: “neonato” representa animais até os 15 dias de vida, “filhote” representa animais até 1 ano de idade, “adulto” representa animais entre 1 e 9 anos de idade e “idoso” representa animais a partir dos 10 anos de idade. Durante as semanas acompanhando a rotina do atendimento, foi possível conduzir a consulta, realizando anamnese e exame físico, sob supervisão de um residente, que ao final solicitava os exames necessários, permitindo aos estagiários realizar a coleta de sangue quando preciso. Os estagiários também eram responsáveis por acompanhar e auxiliar na contenção do animal durante os exames de imagem, caso fossem solicitados, além da confecção dos receituários eventualmente, prescrevendo os medicamentos solicitados pelo residente. Ao acompanhar a UTI, os estagiários eram responsáveis por repor os materiais e medicações toda manhã, além de preparar as mesas para receber as emergências que chegassem ao hospital. Os parâmetros vitais dos animais internados eram mensurados a cada hora pelos estagiários e, ao final do dia, os animais eram encaminhados para uma clínica 24 horas próxima ao hospital, já que o mesmo encerra as atividades às 17:00 horas. Foi possível acompanhar e auxiliar em procedimentos de salvamento dos animais em estado crítico, como reanimação cardiopulmonar, fluidoterapia de prova de carga, transfusão sanguínea, drenagem de ascite e pneumotórax e aplicação de 20 soro antiofídico, além de outros procedimentos mais rotineiros, como sondagem uretral e nasoesofágica. Durante as semanas no centro cirúrgico, toda manhã, os estagiários eram responsáveis por repor todos os materiais da sala de preparo e das salas de cirurgia, mensurar os parâmetros vitais dos pacientes (frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial, coloração de mucosas, tempo de preenchimento capilar e turgor cutâneo), obter acesso venoso de cada paciente, além de preparar as baias para os animais e eventualmente calibrar o aparelho de anestesia. Os estagiários também alternavam entre si para auxiliar nas cirurgias e nas anestesias, sendo responsáveis pela instrumentação e auxílio ao cirurgião ao acompanhar as cirurgias, e pelo monitoramento dos parâmetros vitais do paciente e preenchimento da ficha anestésica ao acompanhar as anestesias. Eventualmente, nas cirurgias era permitido que os estagiários realizassem castrações, além de procedimentos simples como a sutura de musculatura, subcutâneo e pele na maioria dos procedimentos, enquanto que nas anestesias era permitido realizarem intubação, técnicas de bloqueio local e obtenção de acesso arterial para aferição da pressão invasiva. Ocasionalmente, os estagiários também ocupavam o cargo de volante, ficando responsáveis por buscar e abrir de forma estéril os materiais e medicamentos que acabassem se tornando necessários durante o procedimento. 3.3. Clínica Veterinária MedCat Eireli Durante o período de estágio foi possível acompanhar todos os serviços oferecidos pela clínica (atendimento clínico, cirúrgico, internação e exames laboratoriais), além de serviços de outras especialidades, como diagnóstico por imagem e oncologia. Conforme mostrado nos gráficos a seguir, foram acompanhados 86 felinos, em que o perfil mais comum eram machos (58,1%) adultos (59,3%). É interessante ressaltar que, do total de felinos atendidos, 69 (80,2%) eram animais sem raça definida, enquanto 17 (19,8%) eram animais de raça. 21 FIGURA 18. Quantidade de felinos atendidos no Clínica Veterinária MedCat Eireli, durante o mês de julho de 2022, separados por sexo. FIGURA 19. Quantidade de felinos atendidos no Clínica Veterinária MedCat Eireli, durante o mês de julho de 2022, separados por idade, onde: “filhote” representa felinos até 1 ano de idade, “adulto” representa felinos entre 1 e 9 anos de idade e “idoso” representa felinos a partir dos 10 anos de idade. Ao acompanhar os atendimentos, foi possível observar a conduta da consulta, que era padronizada entre as duas veterinárias responsáveis, de forma a seguir o protocolo de manejo cat friendly estabelecido na clínica. Portanto, em todas as 22 consultas era permitido deixar o felino solto pelo consultório, evitava-se produzir sons altos ou realizar movimentos bruscos, preconizava-se realizar o mínimo necessário de contenção, além de que em todos os ambientes da clínica havia difusores de feromônio sintético semelhante ao feromônio facial felino. Também era padronizado entre as duas veterinárias a conduta de nunca ultrapassar o limite do felino, portanto em casos de animais que apresentassem comportamentos agressivos, a consulta era finalizada e o tutor era instruído a retornar em poucos dias, para que se pudesse seguir com os procedimentos necessários. Nesses casos também era comum a recomendação do uso de gabapentina, sendo inclusive fornecida uma cápsula ao tutor, para este administrar no paciente no dia do retorno. Durante o estágio também foi possível acompanhar e auxiliar em procedimentos cirúrgicos de castração, realizados pelas veterinárias da própria clínica, além de acompanhar cirurgias realizadas por profissionais volantes, como criocirurgia, colocação de sonda esofágica e nodulectomia. Era permitido o acompanhamento de todo o processo, desde a aplicação de medicação pré-anestésica até a recuperação do paciente. Dessa forma, foi possível perceber a coesão entre a equipe da clínica e os profissionais volantes, de forma a garantir que todo o procedimento seguisse com o mínimo de fatores estressantes. Exames ultrassonográficos também foram acompanhados, para aprendizado e auxílio na contenção dos pacientes. Em felinos que não permitiam manipulação, qualquer que fosse o procedimento, não havia dúvidas quanto à realização de sedação, sempre com autorização do tutor e sob monitoração dos parâmetros vitais do paciente. Por fim, foi possível acompanhar a realização de diversos exames clínicos, entre eles: bioquímica sérica, SNAP para FIV e FeLV, citologia e coproparasitologia, os quais eram sempre discutidos entre as veterinárias, possibilitando à estagiária maior compreensão de cada caso. Além disso, quando havia pacientes internados era solicitado à estagiária que ficasse responsável pelo monitoramento do animal, avaliando parâmetros vitais e aplicando medicações injetáveis quando necessário. Estes e todos os demais procedimentos realizados na clínica sempre eram feitos com cautela e paciência, de forma a evitar assustar ou estressar o paciente de qualquer forma. 23 4. DISCUSSÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 4.1. Hospital Veterinário Taquaral A casuística do hospital manteve-se similar durante todo o período de estágio. Como demonstra a tabela a seguir (tabela 1), os casos de gastroenterologia foram os mais frequentes (17,3%), representados em sua maioria por queixas de vômito e/ou diarreia. Porém as causas desses sinais eram diversas, como corpo estranho, intoxicações, doença inflamatória intestinal, verminose, linfoma intestinal, megaesôfago, troca abrupta de alimentação, entre outras. TABELA 1. Quantidade de casos atendidos no Hospital Veterinário Taquaral, durante os meses de janeiro, fevereiro, maio e junho de 2022, separados de acordo com a especialidade necessária em cada caso. Casuística Especialidade Quantidade de casos Cardiologia 7 (2,1%) Dermatologia 9 (2,6%) Endocrinologia 12 (3,5%) Gastroenterologia 59 (17,3%) Hepatobiliar 5 (1,5%) Imunoprofilaxia 7 (2,1%) Infectologia 17 (5%) Nefrologia e Urologia 32 (9,4%) Neurologia 6 (1,8%) Odontologia 22 (6,5%) Oftalmologia 5 (1,5%) Oncologia 48 (14,1%) Ortopedia 20 (5,9%) Outros (retirada de pontos, check-ups, feridas, coleta de exames pré-operatórios, biópsias) 22 (6,5%) Pneumologia 10 (2,9%) Reprodução 42 (12,3%) Toxicologia 8 (2,3%) Traumatologia de tecidos moles 10 (2,9%) 24 Em seguida, os casos de oncologia foram bastante frequentes (14,1%), já que o hospital conta com profissionais especializados na área, tornando os procedimentos de nodulectomia e quimioterapia rotineiros. As áreas de reprodução (12,3%) e nefrologia (9,4%) aparecem logo em seguida como as de maior casuística, uma vez que procedimentos de castração, desobstrução uretral e internação de doentes renais foram bastante presentes na rotina. Por se tratar do local com o período mais longo de estágio, o networking pôde ser desenvolvido e os conhecimentos prévios demonstrados, o que permitiu que a equipe confiasse cada vez mais na estagiária, possibilitando mais oportunidades para vivenciar a rotina e executar tarefas. Dessa forma, foi possível aprender sobre trabalho em equipe e desenvolver bastante essa habilidade. Além de perceber a importância de ter uma equipe coesa e multidisciplinar, para que os casos sejam conduzidos de forma adequada, uma vez que a discussão de casos entre os veterinários de todas as áreas do hospital era frequente, o que permitiu chegar a conclusões mais certeiras em relação aos casos mais complexos. Conjuntamente, a oportunidade cedida à estagiária de focar na área de interesse na segunda metade do estágio (cirurgia), permitiu que houvesse o privilégio de acompanhar casos pouco comuns, como tireoidectomia e reconstrução de reto. Porém, mesmo os procedimentos rotineiros foram capazes de engrandecer o repertório de aprendizados do estágio. 4.2. Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia (HOVET UFU) O Setor de Clínica Cirúrgica de Pequenos animais possui uma rotina intensa, chegando a ser realizado até 6 procedimentos por dia, uma vez que o hospital é bastante procurado por ONGs e tutores de baixa renda. Desta forma, havia uma limitação diária de atendimentos, sendo permitido 4 atendimentos agendados e mais 2 encaixes para emergências (geralmente casos de trauma em coluna, piometra e ruptura diafragmática). A tabela a seguir (tabela 2) demonstra a casuística do setor, de acordo com o sistema acometido em cada caso. 25 TABELA 2. Quantidade de casos atendidos no Setor de Clínica Cirúrgica, durante os meses de março e abril de 2022, separados de acordo com a especialidade necessária em cada caso. Casuística Especialidade Quantidade de casos Cardiologia 5 (3,5%) Endocrinologia 2 (1,4%) Hepatobiliar 1 (0,7%) Nefrologia e Urologia 7 (4,9%) Neurologia 3 (2,1%) Odontologia 3 (2,1%) Oftalmologia 4 (2,8%) Oncologia 29 (20,1%) Ortopedia 39 (27,1%) Outros (retirada de pontos, check-ups, feridas, coleta de exames pré-operatórios, biópsias) 18 (12,5%) Reprodução 24 (16,7%) Toxicologia 1 (0,7%) Traumatologia de tecidos moles 8 (5,6%) A maior demanda do setor eram os procedimentos ortopédicos (27,1%), visto que a maioria dos animais levados ao hospital eram resgatados de acidentes traumáticos, como atropelamentos, brigas e quedas. Portanto, foi possível acompanhar diversos procedimentos/técnicas, como osteotomia de nivelamento do platô tibial (TPLO), correção de luxação coxofemoral e de patela, osteossíntese de pelve, entre outros. Sendo os procedimentos mais comuns, as osteossínteses de ossos longos (fêmur, úmero, tíbia e rádio) e de coluna vertebral, seguidos pelas mastectomias (20,1%) e castrações (16,7%). Essa casuística se reflete também na demanda do atendimento clínico cirúrgico, uma vez que os casos ortopédicos, de neoplasia mamária e de castração atendidos eram agendados na rotina do centro cirúrgico sempre que possível. Adicionalmente, as semanas de atendimento proporcionaram grande treinamento em relação ao discurso e conduta para com o tutor. A anamnese e o exame físico eram feitos com base numa ficha completa no sistema informatizado do hospital, o que tornou as consultas bem mais fáceis e dinâmicas. Em relação à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), conforme citado, os animais internados eram encaminhados para uma clínica 24h próxima ao hospital no final do 26 dia. No dia seguinte, esses animais que passaram a noite internados acabavam retornando devido ao custo mais acessível do HOVET UFU. Assim, foi possível acompanhar a evolução dos casos, permitindo a observação das diferentes condutas dos residentes, além de treinar a audição para auscultação cardíaca e pulmonar ao aferir os parâmetros vitais dos animais. Devido ao fato das áreas de cirurgia e anestesia estarem integradas no mesmo setor, foi possível acompanhar todas as etapas que envolvem a realização de um procedimento cirúrgico, desde a preparação do animal, aplicação da medicação pré-anestésica (MPA), intubação endotraqueal, posicionamento, até a realização da cirurgia em si e recuperação anestésica do animal em seguida, tornando a experiência completa. Semanalmente, os professores responsáveis iam em dias alternados (um da área de ortopedia e outra da área de tecidos moles) para ajudar em procedimentos mais complexos, como remoção de neoplasia perianal, correção de hérnia de disco, osteotomia de nivelamento do platô tibial (TPLO), enxerto cutâneo, entre outros. Assim, foi possível aprender com as dúvidas dos residentes e observar a atuação dos professores. As cirurgias que tiveram menor incidência, portanto saíram da rotina do setor durante o período de estágio, agregando conhecimentos interessantes e importantes, foram as de cesárea, laparotomia exploratória e evisceração de alças intestinais, as quais ocorreram uma vez cada. Esses procedimentos possibilitaram a realização de reanimação neonatal, treinamento de raciocínio rápido (uma vez que não se sabia ao certo o que encontrar na laparotomia exploratória) e a importância de se ter uma equipe coesa para lidar com uma emergência. Outros procedimentos que a estagiária teve a oportunidade de realizar foram imobilizações do modelo Robert Jones, curativos, cálculo de fluidoterapia, prova de carga, sutura de bolsa de fumo e sondagem uretral. 4.3. Clínica Veterinária MedCat Eireli Por se tratar de um estabelecimento menor, a casuística do local foi bastante reduzida em relação aos demais locais de estágio. Porém, não houve prejuízo em relação ao aprendizado, uma vez que foi possível acompanhar desde procedimentos eletivos e rotineiros até casos excepcionais e complexos. Como 27 demonstra a tabela a seguir (tabela 3), os casos mais frequentes enquadram-se na área de gastroenterologia (18,6%), representados em sua maioria por queixas de vômitos e/ou diarreia. As principais causas desses sinais foram doenças renais agudas ou crônicas, doença inflamatória intestinal (DII) ou intoxicações. TABELA 3. Quantidade de casos atendidos na Clínica Veterinária MedCat Eireli, durante o mês de julho de 2022, separados de acordo com a especialidade necessária em cada caso. Casuística Especialidade Quantidade de casos Dermatologia 8 (9,3%) Endocrinologia 1 (1,2%) Gastroenterologia 16 (18,6%) Hepatobiliar 1 (1,2%) Imunoprofilaxia 15 (17,4%) Infectologia 1 (1,2%) Nefrologia e Urologia 12 (14,0%) Neurologia 3 (3,5%) Odontologia 4 (4,7%) Oftalmologia 1 (1,2%) Oncologia 4 (4,7%) Outros (retirada de pontos, check-ups, feridas, coleta de exames pré-operatórios, biópsias) 10 (11,6%) Pneumologia 5 (5,8%) Reprodução 4 (4,7%) Toxicologia 1 (1,2%) Em seguida, as consultas para vacinação tiveram a segunda maior casuística (17,4%), uma vez que os tutores eram sempre muito bem orientados e incentivados a manter o protocolo vacinal do paciente em dia. A área de nefrologia e urologia aparece como a terceira área de maior casuística (14%), pois é sabido que obstruções do trato urinário e doença renal crônica são afecções bastante comuns na medicina de felinos. Apesar da rotina menos intensa, foi possível acompanhar casos bastante interessantes, como peritonite infecciosa felina (PIF) e estenose cranial em íleo. Tais casos demonstraram a importância da comunicação clara, objetiva e paciente com o tutor, além da importância da tomada de decisão de forma responsável, para se 28 instituir o tratamento adequado, uma vez que ambos tratavam-se de casos com meses de evolução. Por fim, o acompanhamento da rotina permitiu a percepção do quão necessária é a coesão entre todas as pessoas envolvidas com a clínica. Desde funcionários, veterinários e profissionais volantes, todos devem estar alinhados quanto às técnicas de manejo cat friendly, respeitando-as com afinco, pois estímulos negativos mínimos já são suficientes para promover grandes estresses/traumas nos pacientes felinos. Porém, foi possível observar como o manejo cat friendly é bastante efetivo, quando realizado com dedicação, sendo possível até mesmo reduzir o medo em relação à ida ao veterinário, em um paciente já traumatizado. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estágio permitiu aprofundamento na rotina hospitalar, com foco em cirurgia de pequenos animais e clínica médica de felinos. Dessa forma, foi possível ampliar os conhecimentos, associando teoria e prática, além do desenvolvimento de senso crítico e agregando vivências que são possíveis apenas acompanhando realidades diferentes daquela da faculdade de origem, por conta das diversas estruturas e casuísticas em cada local. Neste período também foi possível estabelecer relações com diversos profissionais de diferentes áreas, o que contribuiu grandemente para o network e crescimento pessoal e profissional da graduanda. Além de ter possibilitado grande aprendizado sobre diferentes condutas em relação aos tutores, frente aos mais diversos cenários. Também foi possível viver em diferentes espaços e contextos, permitindo visualizar as diferenças e semelhanças entre hospital particular e hospital escola e entre estabelecimentos com estrutura para diversas espécies e estabelecimentos para espécies específicas. Portanto, os objetivos do estágio curricular foram alcançados, possibilitando direcionamento profissional, amplitude de aprendizados e aplicabilidade de conhecimentos, estabelecendo associação entre a teoria, prática, ética e trabalho em equipe. 29 II. CASO DE INTERESSE EVISCERAÇÃO DE ALÇAS INTESTINAIS EM FILHOTE FELINO 1. INTRODUÇÃO O trauma abdominal representa uma das principais causas de atendimento emergencial na população de pequenos animais. Dentre os animais que vivem em áreas urbanas, os principais históricos são quedas, atropelamentos, brigas com outros animais e agressões humanas. Quando se trata de gatos, o estilo de vida interno-externo predispõe esses animais a um risco ainda maior. Na maioria dos casos, as lesões causadas são mais graves, visto que, em geral, são animais menores em comparação aos cães, permitindo que áreas vitais do corpo sejam facilmente expostas (LIMA, 2011; LITTLE, 2015; CASTRO, 2019). Tendo em vista este risco aumentado, alguns pacientes podem necessitar de cirurgia abdominal de emergência. Condições que trazem risco de vida requerem terapia prontamente instituída, porém deve-se saber diferenciar casos cirúrgicos daqueles que podem ser tratados clinicamente (FOSSUM, 2014). Para casos traumáticos em geral, é necessário dar ênfase na importância da preparação da equipe médica para receber estes animais. O manejo inicial, intermediário e avançado do traumatismo, a aproximação diagnóstica e o tratamento diferem de acordo com o tipo de trauma abdominal e com os sistemas afetados, além de ser necessário um conhecimento prévio acerca de medicamentos ideais para cada situação, doses e valores fisiológicos de cada espécie (LIMA, 2011). Sendo a fisiologia dos filhotes diferente de um animal adulto, estes se apresentam como um desafio maior na abordagem do trauma. Segundo Little (2015), a maioria dos valores de bioquímica sanguínea e hematologia se normalizam nos níveis de um animal adulto por volta dos três a quatro meses de idade, sendo que os pontos de alto risco para morbimortalidade de filhotes felinos são o nascimento, as primeiras duas semanas de vida, e próximo ao período de desmame. Portanto, objetiva-se com este trabalho relatar um caso de trauma abdominal, que resultou em evisceração de alças intestinais, em um gato filhote atendido no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia. 30 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. Fisiopatogenia O trauma abdominal ocorre como resultado de forças mecânicas (compressão, separação, desaceleração e/ou penetração) aplicadas sobre a região. Essas forças provocam lesões contusas, geralmente causadas por acidentes automobilísticos e quedas, ou penetrantes, causadas por agressões com materiais perfurocortantes e brigas com outros animais, por exemplo (LIMA, 2011). As lesões penetrantes apresentam danos causados por uma velocidade maior que a das lesões contusas. Assim, muitas vezes resultam em lesões superficiais e internas, sendo que as superficiais podem não revelar toda a extensão da lesão nos tecidos mais profundos. Segundo Tello (2008), conforme citado por Lima (2011), nesses casos a forma, tamanho e espessura do objeto ajudam a estabelecer a lesão na cavidade abdominal, sendo maior o comprometimento quanto maior for a penetração dentro da cavidade peritoneal. Em situações de ataques e brigas, animais menores podem ser levantados e agitados, o que pode resultar em danos severos por esmagamento e lacerações. Também pode ocorrer avulsão de órgãos internos ou ruptura diafragmática (LIMA, 2011). De acordo com Fossum (2014), a avulsão de órgãos internos, ou evisceração abdominal, caracteriza-se pela herniação de conteúdo peritoneal, com exposição de vísceras, através da parede abdominal. Tal condição geralmente ocasiona evisceração dos intestinos, que podem ser contaminados por sujeira ou outros resíduos grosseiros. Independentemente da causa, a exposição e a contaminação das vísceras abdominais justificam a intervenção cirúrgica imediata. 2.2. Sinais clínicos Devido às forças envolvidas no momento do trauma, podem ocorrer lesões e/ou rupturas em diferentes órgãos, acarretando em sinais clínicos diversos, dependendo dos sistemas afetados. Porém, alguns órgãos da cavidade abdominal estão mais predispostos a sofrerem injúrias, como rins, intestinos e baço. Devido ao risco de hemorragia pelo acometimento dos órgãos internos, é importante estar 31 atento a sinais como desidratação, hipotensão, anemia, dispneia, alterações na frequência cardíaca e no estado de consciência (SCREMIN, 2017; FOSSUM, 2014). Quando há acometimento dos intestinos, os sinais clínicos que o animal apresenta geralmente são inespecíficos e variados, sendo vômito, diarreia, anorexia e depressão os mais comuns. Dor e choque hipovolêmico também são consequências comuns do trauma abdominal, podendo indicar mau posicionamento das vísceras, isquemia, perfuração ou obstrução intestinal (FOSSUM, 2014). Em filhotes, os sinais apresentados tendem a ser mais preocupantes, uma vez que sua fisiologia é diferente de animais adultos, pois o organismo ainda encontra-se em desenvolvimento. Os mecanismos hematopoiéticos em filhotes não são eficazes até os dois a três meses de idade, portanto é esperado encontrar valores abaixo do intervalo de animais adultos no eritrograma, por exemplo. Também é esperado que filhotes possuam pressão arterial periférica menor e frequência cardíaca maior que animais adultos, devido às diferenças no funcionamento do sistema circulatório (CHAVES, 2011; LITTLE, 2015). Neonatos são muito suscetíveis à hipotermia em razão da maior área de superfície em relação ao peso corporal, da imaturidade do metabolismo e da imaturidade do reflexo de tremor. Os rins nos filhotes também apresentam-se imaturos, dificultando a concentração de urina e aumentando a tendência à desidratação. Assim, hipotermia, desidratação e hipoglicemia (por conta da baixa reserva de glicogênio hepático) são alterações comuns nesses pacientes, devendo ser prontamente tratadas para promover a estabilização do quadro clínico (CHAVES, 2011; LITTLE, 2015). 2.3. Diagnóstico Os principais exames laboratoriais que podem ser feitos em casos de trauma são hemograma, contagem de plaquetas, proteína sérica total, glicose sérica, ureia, perfil bioquímico e parâmetros de coagulação, dependendo da condição do animal e da suspeita de doença de base (FOSSUM, 2014). Os exames de imagem também podem ser bastante úteis, pois ajudarão o clínico a visualizar a extensão dos danos causados ao animal, uma vez que achados como presença de ar ou líquido na cavidade podem indicar ruptura do trato gastrointestinal ou de bexiga, respectivamente. Radiografias simples, contrastadas e 32 tomografia computadorizada podem ser realizadas, porém a ultrassonografia na modalidade de Avaliação Focalizada com Sonografia para Trauma (FAST) é o exame de escolha. Abdominocentese e lavagem peritoneal também são análises bastante úteis para a aproximação diagnóstica (LIMA, 2011; FOSSUM, 2014). Segundo Little (2015), a radiografia abdominal em filhotes felinos é difícil, pois estes apresentam pequena quantidade de líquido peritoneal considerada normal, pouca gordura abdominal e maior proporção de água no corpo, resultando em fracos detalhes abdominais radiográficos. Em contrapartida, a ultrassonografia é considerada eficaz em pacientes pediátricos, principalmente para estudo da região abdominal. Os exames laboratoriais seriados são importantes para detectar a estabilização ou deterioração no quadro do paciente. Distúrbios hidroeletrolíticos, desidratação e a perda excessiva de sangue devem ser corrigidos antes do paciente ser submetido à cirurgia, quando necessária (FOSSUM, 2014). 2.4. Tratamento 2.4.1. Cuidados pré-operatórios A conduta inicial para o animal traumatizado é a realização do protocolo de ABCDE do trauma, em que o tempo é fator crucial. Um exame clínico rápido e objetivo deve ser a primeira etapa a ser realizada, a fim de identificar os sistemas que necessitam de maior atenção para preservar a vida do paciente. Em um segundo momento, pode-se fazer um exame físico mais detalhado, para aproximação diagnóstica (SCREMIN, 2017). Em caso de trauma abdominal, é indicado que o exame físico geral inclua a inspeção do estado de consciência e postura do animal, avaliação da temperatura, da frequência e esforço respiratório e da frequência e ritmo cardíaco. Também são indicadas auscultação, percussão e palpação abdominal, além de exame retal (FOSSUM, 2014). Em 2018, o acrônimo do trauma recebeu atualizações na 9a edição do Prehospital Trauma Life Support (PHTLS). Foi acrescida a letra “X” ao início da sigla, que representa o controle da hemorragia externa, dando ênfase para que este cuidado ocorra antes das demais etapas. As letras seguintes do XABCDE do trauma representam: A (airway) - avaliação de presença de obstrução das vias aéreas; B 33 (breathing) - observação da capacidade respiratória do paciente, avaliando se há necessidade de oxigenioterapia; C (circulation) - busca por sinais de choque, realizando reposição volêmica por meio de fluidoterapia; D (disability) - avaliação do estado neurológico, utilizando a escala de coma de Glasgow e E (exposure) - análise da extensão das lesões e controle da temperatura do paciente (FARIAS, 2020). Existem outros protocolos descritos em literatura, mas uma vez estabilizado o paciente, pode-se seguir a regra ACRASHPLAN, que traz a seguinte sequência para o exame físico detalhado: A: vias aéreas (airway), C: cardiovascular, R: respiratório (respiratory), A: abdômen (abdomen), S: medula espinhal (spine), H: cabeça (head), P: pélvis (pelvis), L: extremidades (limbs), A: artérias (arteries) e N: nervos (nerves) (LIMA, 2011). 2.4.2. Protocolo anestésico Em animais que sofreram um evento traumático, deve-se adequar o protocolo anestésico para cada caso, dependendo principalmente do estado geral do paciente e do tipo de procedimento ao qual será submetido. Muitas vezes a medicação pré-anestésica torna-se dispensável, pois o paciente apresenta-se deprimido, porém caso este encontre-se ansioso ou não estiver apático, pode-se optar pela aplicação de benzodiazepínicos, como midazolam ou diazepam (0,1-0,2mg/kg IV), e opióides, como morfina (0,2-0,4mg/kg IM) ou metadona (0,1-0,5mg/kg SC, IM, IV). Agonistas alfa 2 e acepromazina devem ser evitados (FOSSUM, 2014; FRAGATA et al., 2008). O propofol acaba sendo o fármaco mais utilizado na indução por ser bastante seguro, possuir rápida metabolização, promover boa recuperação e ser mais acessível que o etomidato, por exemplo. Para a manutenção do plano anestésico, o isofluorano é uma boa opção, pois permite indução e recuperação rápidas, além de possuir efeitos cardiovasculares mínimos, sendo o agente escolhido para pacientes de risco (FRAGATA et al., 2008). 2.4.3. Correção cirúrgica Para a laparotomia exploratória, é interessante que toda a parede abdominal seja preparada com tricotomia e antissepsia amplas. Dessa forma, é possível 34 realizar uma incisão extensa, do processo xifoide ao púbis, como é indicado para os casos traumáticos, permitindo a inspeção adequada de todas as estruturas abdominais. Outro cuidado importante antes de iniciar a cirurgia, é a contagem das compressas cirúrgicas, de forma que, ao final do procedimento, seja possível conferir se nenhuma foi deixada dentro da cavidade (ENDO et. al., 2008; FOSSUM, 2014). O posicionamento ideal é em decúbito dorsal, possibilitando a realização de uma incisão ventral mediana. Realiza-se a hemostasia de pequenos sangramentos subcutâneos para identificar a linha alba e incisioná-la com a lâmina de bisturi. Palpa-se a superfície interna da linha em busca de adesões e utiliza-se uma tesoura para estender a incisão cranial e/ou caudalmente. Inspeciona-se cautelosamente todo o abdômen, devendo cada cirurgião desenvolver um padrão sistemático que garanta que toda a cavidade abdominal e suas estruturas sejam visibilizadas e/ou palpadas (FOSSUM, 2014). Alguns cuidados que devem ser tomados durante o procedimento são a utilização de compressas estéreis umedecidas para proteger os tecidos do ressecamento, e a lavagem abdominal em caso de infecção generalizada ou contaminação da cavidade. A lavagem deve ser realizada com solução salina aquecida e estéril, não sendo recomendada a adição de produtos antissépticos ou antibióticos à solução, uma vez que não há evidências de que essa prática traga benefícios ao paciente, podendo inclusive produzir efeitos tóxicos aos tecidos (KIRBY, 2012). Antes de iniciar a síntese da parede abdominal, deve-se remover o fluido de lavagem e o sangue, além de assegurar-se de que nenhum material ou equipamento cirúrgico tenha sido deixado dentro da cavidade. A linha alba pode ser fechada com suturas interrompidas ou contínuas simples, com fio absorvível preferencialmente. O tecido subcutâneo pode ser fechado com padrão contínuo simples e fio absorvível, enquanto que para a dermorrafia pode-se utilizar padrão simples interrompido ou contínuo, com fio inabsorvível (FOSSUM, 2014). Ao se deparar com um trauma abdominal, é indicada uma exploração da cavidade abdominal minuciosa, uma vez que, dependendo da extensão dos danos causados durante o evento traumático, pode ser necessário realizar outros procedimentos cirúrgicos, a fim de resolver um possível estrangulamento, necrose ou ruptura de vísceras (ENDO et. al., 2008). 35 Quando se trata dos intestinos, que são comumente acometidos nos traumas, é importante estar atento a sinais de desvitalização do tecido. Para avaliar a viabilidade, observa-se a coloração (ideal é de rósea a vermelha), textura da parede, peristaltismo, pulsação das artérias e sangramento à incisão. Por se tratar de uma avaliação subjetiva, pode levar à uma sub ou superestimação da área de ressecção. Porém, a superestimação geralmente não traz prejuízos ao paciente quando é feita por um profissional experiente (FOSSUM, 2014; BROWN, 2012). A técnica de enterectomia se caracteriza pela exteriorização e isolamento da porção intestinal comprometida com compressas cirúrgicas. Em seguida deve-se afastar o conteúdo intestinal do segmento em questão, ocluindo suas extremidades (por meio de dígito-compressão ou utilizando pinças de Doyen) para evitar contaminação durante o procedimento. Também deve ser feita a ligadura dos vasos que irrigam o segmento a ser removido, para assim, transeccionar a porção intestinal com uma lâmina de bisturi ou tesoura Metzenbaum (GORJÃO, 2017). Para promover a anastomose das extremidades, a mucosa evertida deve ser aparada, de forma que seja possível promover o alinhamento entre as camadas da parede intestinal. A sutura deve ser iniciada com dois pontos de fixação, um na borda mesentérica e outro na borda antimesentérica, e então realiza-se uma sutura simples contínua ou separada entre os pontos de fixação em cada lado. É interessante tomar o cuidado de inclinar a agulha de modo a envolver mais camada serosa do que mucosa, pois isso ajuda a reposicionar a mucosa evertida para dentro do lúmen. Indica-se utilizar fio absorvível monofilamentar, porém em casos de peritonite, pode-se considerar o uso de fios inabsorvíveis (ENDO et. al., 2008). Por fim, pode-se inspecionar a anastomose, injetando solução salina estéril no lúmen intestinal com agulha fina, a fim de se verificar um possível extravasamento, que deve ser fechado colocando-se mais pontos. Em caso de contaminação abdominal, lavar a porção isolada do intestino e todo o abdômen, posicionando o omento sobre o local da anastomose antes de fechar a cavidade (FOSSUM, 2014). 2.4.4. Cuidados pós-operatórios Os cuidados pós-operatórios devem ser pensados para cada caso, dependendo das necessidades do paciente. Após passar por cirurgia abdominal, principalmente cirurgias do trato gastrointestinal, é importante estar atento à 36 apresentação de sinais como vômito, por exemplo, para se prescrever a terapia adequada, com protetores gástricos e antieméticos. Ademais, é imperativo sempre estabelecer uma terapia analgésica, a fim de evitar os efeitos deletérios da dor. Opioides como butorfanol ou buprenorfina são comumente utilizados, pois possuem boa ação para dor visceral (FOSSUM, 2014; FRAGATA et al, 2008). A terapia antimicrobiana profilática nos casos de trauma abdominal penetrante é necessária, devido ao risco de peritonite e choque séptico. Enquanto o resultado de exames de cultura e antibiograma não são obtidos, pode-se utilizar antibióticos de amplo espectro, fazendo associações (FRAGATA et al, 2008). Segundo Little (2015), amoxicilina com clavulanato (12,5-25mg/kg BID VO), ampicilina (25mg/kg TID, IV, IO, IM), cefalexina (10-30mg/kg BID VO) e enrofloxacino (2,5-5mg/kg SID, SC ou IV) são alguns exemplos interessantes, uma vez que também podem ser utilizados em filhotes nas doses indicadas. Nos casos de cirurgia do trato gastrointestinal, outra recomendação bastante relevante é a terapia nutricional, uma vez que a alimentação precoce aumenta o fluxo sanguíneo gastrointestinal, previne úlceras e estimula o sistema imunológico e a cicatrização. Caso não ocorra vômito, pequenas quantidades de alimento já podem ser oferecidas 12 a 24 horas após o procedimento cirúrgico, e a dieta normal pode ser reintroduzida gradualmente em 48 a 72 horas pós-cirurgia (FOSSUM, 2014). Entretanto, é importante ter cuidado para não alimentar excessivamente o paciente, o que é comum quando se trata de filhotes. Em felinos, a capacidade máxima do estômago de um filhote é cerca de 4 a 5ml/100g de peso corporal. A partir da 6a semana de vida, os filhotes já são capazes de ingerir ração seca (LITTLE, 2015). 2.5. Complicações Segundo Lima (2011), hérnia diafragmática, peritonite séptica, lesões hepáticas e esplênicas e uroperitônio são algumas das principais complicações do trauma abdominal. Tratam-se de alterações importantes, que geralmente representam risco de vida ao paciente, portanto requerem intervenção rápida. Os casos que exigem cirurgia do trato gastrointestinal podem levar a complicações como: deiscência de pontos, choque, vazamentos, perfuração, 37 peritonite, estenose e síndrome do intestino curto (SIC). Porém estenoses significativas e a SIC são pouco comuns, ocorrendo apenas se houver muita tensão no local da ressecção ou se 70 a 80% do intestino delgado for removido, respectivamente (FOSSUM, 2014). Já complicações como a deiscência de pontos possuem uma alta taxa de ocorrência em pacientes com ferida contaminada, desequilíbrios hidroeletrolíticos, anemia, hipoproteinemia, doenças metabólicas, imunossupressão ou que foram tratados com corticosteróides, quimioterápicos ou radiação. Há relatos de aparecimento de fístulas associadas às suturas não absorvíveis, devendo ser removidas cirurgicamente, junto com o tecido comprometido (FOSSUM, 2014). 3. RELATO DE CASO: EVISCERAÇÃO DE ALÇAS INTESTINAIS EM FELINO 3.1. Histórico e diagnóstico Um felino macho, não castrado e sem raça definida, de aproximadamente dois meses de idade e pesando 0,500 kg, chegou à UTI do Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia com queixa de exposição de vísceras abdominais. Segundo os tutores, o animal apareceu em sua casa no dia anterior e, no dia seguinte, por volta das 6:30 horas da manhã, foi atacado por outro gato, adulto. Os tutores negaram a aplicação de medicações no paciente e relataram um episódio de vômito após o incidente. No exame físico, a principal condição observada foram as alças intestinais evisceradas, sujas de terra e com a vascularização mesentérica preservada, porém o mesentério em si encontrava-se rompido em diversos pontos. O paciente apresentou depressão do estado de consciência, frequência respiratória de 36 mrpm, campos pulmonares limpos à ausculta, estado de hidratação adequado, ECC 4/9, mucosas normocoradas, normoglicemia, linfonodos submandibulares e poplíteos não reativos, abdominalgia, frequência cardíaca de 120 bpm (bradicardia para filhotes) e hipotermia (36,1°C). Antes de ser encaminhado para o setor de cirurgia, foi coletado sangue para realização do protocolo de exames pré-operatórios (hemograma e bioquímica sérica - creatinina, ALT e albumina), para garantir que o animal estava apto para passar por procedimento cirúrgico. Os exames pré-operatórios foram reduzidos aos poucos 38 citados pois o tutor não tinha condições financeiras para arcar com um exame mais completo. A série vermelha do paciente encontrava-se dentro dos intervalos de normalidade, entretanto o leucograma apresentava neutropenia com linfocitose, além de anisocitose e plaquetas baixas, que podem ser explicadas, respectivamente, pelo recrutamento de hemácias jovens e pela intensa agregação plaquetária observada (tabela 4). TABELA 4. Resultados do hemograma e leucograma do paciente felino, macho, SRD de 2 meses de idade com presença de evisceração de alças intestinais. 39 Em relação ao exame de bioquímica sérica, foi constatada creatinina e albumina abaixo dos valores de referência, enquanto a ALT apresentava-se acima do intervalo esperado (tabela 5). TABELA 5. Resultados do exame de bioquímica sérica do paciente felino, macho, SRD de 2 meses de idade com presença de evisceração de alças intestinais. Na sala de preparo do setor de cirurgia, o paciente recebeu cateterização venosa com uso de cateter 24G e fluidoterapia com ringer com lactato na taxa de 8 ml/kg/hora, enquanto iniciavam-se os preparativos para a realização do procedimento. 3.3. Procedimento anestésico A medicação pré-anestésica (MPA) do paciente consistiu em metadona na dose de 0,2 mg/kg pela via intramuscular (IM). Em seguida, o animal foi levado para o centro cirúrgico, onde foi induzido com propofol dose-efeito, pela via intravenosa (IV). Para a intubação orotraqueal, aplicou-se lidocaína nas cartilagens aritenoides, sendo utilizada uma sonda endotraqueal número 2. Para a manutenção anestésica foi usado isofluorano e o animal foi mantido na ventilação espontânea durante todo o procedimento. 40 Durante o transcirúrgico, o animal apresentou hipotermia, a qual foi controlada com uso de aquecedor e compressas quentes. Como medicação pós-operatória foi aplicado dipirona na dose de 25 mg/kg, pela via subcutânea. 3.4. Procedimento cirúrgico O paciente foi posicionado em decúbito dorsal, sendo realizada tricotomia ampla e antissepsia da região abdominal, que permitiram melhor visibilização da extensão das lesões. A evisceração provinha de um corte à direita da linha alba, com presença de lacerações importantes na pele e musculatura adjacentes, além de haverem mais duas feridas menores próximas à região inguinal. Não foi necessário amarrar os membros à mesa, uma vez que o animal era pequeno e apenas as compressas quentes deram apoio suficiente. Em seguida, foram posicionados os panos de campo, sendo fixados com as pinças de Backhaus. Não foi realizada antissepsia definitiva, apenas limpeza da pele e lavagem das alças com solução fisiológica, a fim de evitar que o produto antisséptico padrão do local (clorexidine alcoólico 0,5%) entrasse em contato com as vísceras, devido ao seu potencial citotóxico. As alças intestinais que estavam expostas, as quais eram da porção jejunal, foram lavadas copiosamente com solução salina estéril de NaCl 0,9% aquecida. Após esse processo, foi feita inspeção das alças e identificação de região com ausência de motilidade e coloração escurecida, sendo recomendada a enterectomia, como demonstra a figura a seguir (figura 11). 41 Figura 11. Imagem transoperatória de felino submetido a enterectomia e laparotomia exploratória. A: alças jejunais expostas, sujas de terra, desidratadas e com mesentério lesionado, além de pontos de laceração pelo abdômen. B: destaque para a porção intestinal desvitalizada, que necessitou de enterectomia. Foi realizada coprostase com os dedos e delimitação da porção intestinal a ser resseccionada com pinças de Doyen. Os vasos do mesentério estavam preservados, não sendo necessária a hemostasia dessa vasculatura, somente a sutura do mesentério, para evitar encarceramento de alças. Em seguida, foi realizada ressecção da porção intestinal afetada, medindo aproximadamente dois centímetros de comprimento (figura 12). Foram posicionados pontos de fixação na porção mesentérica e anti-mesentérica com fio absorvível monofilamentar (Polidioxanona 5-0), permitindo a realização da enterorrafia com padrão simples contínuo em sentidos opostos em cada semicircunferência. 42 Figura 12. Procedimento cirúrgico de enterectomia. A: ressecção da porção desvitalizada. B: Porção de alça jejunal removida, medindo aproximadamente 2 centímetros. C: aspecto final após a enterorrafia. Foi introduzida solução salina estéril aquecida no lúmen na região da sutura e, como não houve extravasamento, o intestino foi reposicionado de volta à cavidade. Em seguida, fora realizado a correção das lacerações musculares com fio inabsorvível monofilamentar (nylon 5-0) e padrão de sutura interrompida (Sultan). Por fim, a cavidade abdominal foi acessada mais uma vez, pela linha mediana, para realização de laparotomia exploratória, com exteriorização e inspeção das vísceras, além de lavagem de toda a cavidade abdominal com solução salina estéril aquecida, como mostra a figura a seguir (figura 13). Assim, foi feita a rafia da musculatura com nylon 5-0 em padrão Sultan, rafia do tecido subcutâneo com o mesmo fio em padrão Zig Zag e, ao final, dermorrafia com mesmo fio em padrão Wolff. 43 Figura 13. Procedimento cirúrgico de laparotomia exploratória. A: lavagem da cavidade abdominal, onde é possível observar exposição das alças intestinais e da vesícula urinária. B: sutura das lacerações na musculatura, com padrão Sultan, após celiotomia. C: dermorrafia com padrão Wolff, após laparotomia exploratória e lavagem da cavidade abdominal. 3.5. Pós-cirúrgico Ao final do procedimento, o animal foi novamente levado à UTI do hospital, para ter melhor acompanhamento da recuperação anestésica, em que o paciente apresentou apatia, frequência cardíaca de 168 bpm, taquipneia e hipoglicemia. O animal então foi mantido aquecido e foi realizado bolus de 0,5ml/kg de glicose 50% IV, o que foi suficiente para normalizar a glicemia (120 mg/dL) e melhorar o nível de consciência do paciente. Foi prescrito metronidazol na dose de 15 mg/kg duas vezes ao dia, durante cinco dias e ampicilina na dose de 20 mg/kg duas vezes ao dia, durante dez dias, como terapia antimicrobiana. Para controle de dor, foi prescrito metadona na dose de 0,2 mg/kg três vezes ao dia, durante quatro dias, além de omeprazol na dose de 1mg/kg uma vez ao dia e ondansetrona na mesma dose, três vezes ao dia durante cinco dias, para proteção gástrica e controle da náusea. Também foi recomendado manejo alimentar específico, de forma que nas primeiras 12 horas após o procedimento, o paciente deveria receber 0,5 ml/kg/hora de alimentação microenteral (⅓ de solução de ringer com lactato, ⅓ de glicose 50% e ⅓ de Glicopan Pet®). Após essas 12 horas, a alimentação deveria ser de 1,5 44 ml/kg/hora de microenteral e, 48 horas após o procedimento, poderia-se introduzir a alimentação pastosa junto com a microenteral. A introdução da alimentação sólida foi recomendada somente 10 dias após o procedimento. Ao final do expediente, o animal foi encaminhado para uma clínica 24 horas próxima ao hospital, para continuar sob observação durante o final de semana e receber as medicações prescritas. O paciente não retornou ao hospital até o encerramento do período de estágio. 4. DISCUSSÃO O prognóstico do paciente com trauma abdominal depende da rapidez com que este é levado ao hospital, da agilidade do atendimento, do tipo e intensidade do trauma, das condições do animal (idade, doenças concomitantes, estado nutricional, etc) e da terapêutica estabelecida. Portanto, em um primeiro momento, é prudente considerar sempre um prognóstico reservado, até que o paciente seja estabilizado e melhor avaliado (BROWN, 2012). Em relação às alterações hematológicas apresentadas pelo animal, a neutropenia pode ser explicada pelo aumento do consumo de neutrófilos nos tecidos inflamados, enquanto que a linfocitose pode ter sido ocasionada pelos fatores estressantes aos quais o animal foi submetido (dor, medo, transporte). A creatinina sérica abaixo dos valores de referência pode ser explicada pela idade do animal, uma vez que os rins dos filhotes se apresentam imaturos até as oito semanas de vida. A perda sanguínea justifica a hipoalbuminemia apresentada, enquanto que o aumento nos valores da ALT podem ter ocorrido por conta das lesões musculares extensas que o paciente sofreu (LAURINO, 2009; CHAVES, 2011). Em relação ao procedimento cirúrgico, optou-se por, em vez de realizar a antissepsia definitiva, apenas lavar as alças intestinais expostas e toda a cavidade abdominal copiosamente com solução de NaCl 0,9%. Esta decisão baseou-se no fato de que produtos antissépticos como o clorexidine podem prejudicar a cicatrização, interferindo na função de macrófagos e demais células envolvidas. Além disso, os estudos acerca do uso de antissépticos e antimicrobianos na lavagem peritoneal ainda são controversos. Contudo, devido ao alto risco de peritonite, foi prescrita terapia antimicrobiana de amplo espectro e, para a 45 laparorrafia, optou-se por utilizar fio inabsorvível (nylon) (FRAGATA et al, 2008; BICALHO, 2009). Já que a pressão arterial do paciente era desconhecida e este manteve os demais parâmetros vitais estáveis durante a cirurgia, optou-se por não submetê-lo à prova de carga ou uso de fármacos vasoativos. Dessa forma, evita-se possíveis efeitos deletérios devido ao uso incorreto dessas substâncias, uma vez que causam mudanças hemodinâmicas drásticas (OSTINI et al, 1998). A terapia nutricional para o paciente poderia ter sido prescrita de maneira diferente, uma vez que a fluidoterapia microenteral deve ser empregada como terapia auxiliar, sendo associada com a nutrição parenteral, ainda mais em filhotes, em que a nutrição inadequada está entre as principais causas de mortalidade (CRIVELLENTI & BORIN-CRIVELLENTI, 2015; LITTLE, 2015). Além disso, como citado anteriormente, em cirurgias do trato gastrointestinal a alimentação precoce (12 a 24 horas após o procedimento) promove grandes benefícios. 5. CONCLUSÃO Traumas abdominais, principalmente em filhotes, exigem coesão entre a equipe médica para rápido atendimento, pois o tempo é um fator crucial. Muitas vezes, o profissional depara-se com desafios que o impossibilitam de tomar determinadas ações. Portanto, é de extrema importância que haja conhecimento acerca das necessidades do paciente, de acordo com suas condições (espécie, idade, intensidade do trauma, comorbidades) para que o tratamento seja conduzido de forma adequada. 6. REFERÊNCIAS ANGELI, M. B. et al. Emergências em pacientes neonatos e pediátricos. In: SANTOS M. M. & FRAGATA F. S. Emergência e terapia intensiva veterinária em pequenos animais: bases para o atendimento hospitalar. 1. ed. São Paulo: Roca, 2008. p. 623-630. BICALHO, P. R. R. A influência da irrigação peritoneal de clohexidina ou de solução salina na cicatrização do cólon de ratos com peritonite. 48 p. Dissertação (Mestrado em Medicina) – Universidade Federal de Minas Gerais. 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