MARCELA ORTIZ PAGOTO DE SOUZA O ENSINO DA GRAMÁTICA DA LÍNGUA INGLESA EM UM CONTEXTO DE ESCOLA PÚBLICA: CRENÇAS, ABORDAGENS E MOTIVAÇÃO Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista, Campus de São José do Rio Preto, para obtenção do título de Mestre em Estudos Lingüísticos (Área de Concentração: Lingüística Aplicada) Orientador: Profa. Dra. Ana Mariza Benedetti São José do Rio Preto 2007 Pagoto de Souza, Marcela Ortiz. O ensino da gramática da língua inglesa em um contexto de escola pública: crenças, abordagens e motivação. / Marcela Ortiz Pagoto de Souza. São José do Rio Preto: [s.n.], 2007. 244 f. : il. ; 30 cm. Orientador: Ana Mariza Benedetti Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista. Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas 1. Língua inglesa – Estudo e ensino. 2. Escolas públicas – Ensino de línguas. 3. Formação continuada de professores - Crenças. 4. Abordagens de ensino. 3. Motivação na educação. I. Benedetti, Ana Mariza. II. Universidade Estadual Paulista. Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas. III. T. CDU – 8111.111-07 COMISSÃO JULGADORA TITULARES ___________________________________________________________ Profa. Dra. Ana Mariza Benedetti (Orientador) ___________________________________________________________ Profa. Dra. Heliana Ribeiro de Mello (UFMG) ___________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Helena Vieira-Abrahão (UNESP – S.J. do Rio Preto) SUPLENTES ___________________________________________________________ Profa. Dra. Ana Maria Ferreira Barcelos (UF-Viçosa) ___________________________________________________________ Prof. Dr. Douglas Altamiro Consolo (UNESP– S.J. do Rio Preto) Dedico esta dissertação a todos aqueles que acreditam na Educação como caminho para transformação na vida do ser humano. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, pelo presente da vida e por ter me concedido força e fé ao longo desta jornada. Aos meus pais, José Luiz e Teresa, pessoas maravilhosas e grandes exemplos a serem seguidos, por nunca terem medido esforços para o alcance do meu sucesso. Ao meu marido Peterson, pelo apoio incondicional, torcida e credibilidade em todas as fases deste trabalho e, acima de tudo, pela compreensão e paciência nos meus momentos de ausência e incertezas. Às minhas irmãs, Fernanda e Clery, pela amizade, interesse quanto ao desenvolvimento deste trabalho e grande incentivo. Aos meus cunhados, meu muito obrigada pelo estímulo. À Profa. Dra. Ana Mariza Benedetti, querida orientadora, que com imensurável paciência e dedicação me ajudou a amadurecer enquanto pessoa e pesquisadora. Agradeço-lhe pela oportunidade, amizade e incentivo. À Profa. Dra. Heliana Ribeiro de Mello, pelas ricas ponderações feitas por ocasião da defesa. Ao Prof. Dr. João Antonio Telles, pelas contribuições oferecidas no VI Seminário de Estudos Lingüísticos, realizado neste instituto em Agosto de 2006. À Profa. Dra. Maria Helena Vieira-Abrahão, não somente pelas valiosíssimas contribuições por ocasião do exame de qualificação e defesa, mas também pela maneira carinhosa e encorajadora com a qual me acolheu neste programa. Ao Prof. Dr. Douglas Altamiro Consolo, pelas riquíssimas ponderações na ocasião do exame de qualificação. À Profa. Dra. Fernanda Ortale, pelas doces palavras. À professora participante da pesquisa, profissional digna de respeito e admiração, que juntamente com seus alunos me acolheu em sua sala de aula. Às companheiras de mestrado: Angélica, Lidiane, Fátima, Lídia, Suzi e Solange, por terem dividido comigo momentos de angústias, incertezas e conquistas. Aos meus amigos, que mesmo distantes, fizeram-se presentes. A toda minha família, pelo inabalável crédito em mim depositado. Aos professores do Programa de Pós-graduação em Estudos Lingüísticos desta Instituição, pelos ensinamentos. A todos os funcionários do IBILCE, pela dedicação e competência com que prestaram o seu apoio. A todas as pessoas que, de alguma maneira, contribuíram para a realização desta pesquisa. SUMÁRIO Normas para transcrição ........................................................................................................VIII Lista de abreviações .................................................................................................................IX Lista de quadros e gráficos ........................................................................................................X Resumo ...................................................................................................................................XII Abstract .................................................................................................................................XIII INTRODUÇÃO ......................................................................................................................14 Origem e delineamento da pesquisa..........................................................................................18 Justificativa...............................................................................................................................20 Objetivos e perguntas de pesquisa............................................................................................22 Organização da dissertação.......................................................................................................23 CAPÍTULO I: ARCABOUÇO TEÓRICO .........................................................................25 1.1 Crenças no processo de ensino e aprendizagem...........................................................26 1.1.1 Definições de crença.....................................................................................................27 1.1.2 Crenças de professores..................................................................................................30 1.1.3 Crenças de aprendizes...................................................................................................34 1.1.4 Crenças sobre gramática...............................................................................................37 1.2 Gramática: foco na forma.............................................................................................39 1.2.1 Definições de gramática...............................................................................................39 1.2.2 O ensino da gramática...................................................................................................41 1.3 Abordagens de ensino e aprendizagem de línguas.......................................................50 1.3.1 A gramática em diferentes abordagens de ensino e aprendizagem de LE....................54 1.4 Motivação......................................................................................................................63 1.4.1 Definição do termo motivação......................................................................................64 1.4.2 Tipos de motivação.......................................................................................................67 1.4.2.1 Motivação integrativa e instrumental..................................................................67 1.4.2.2 Motivação intrínseca e motivação extrínseca......................................................69 1.4.2.3 Desmotivação e amotivação.................................................................................71 1.4.3 Fatores que influenciam a motivação............................................................................73 1.5 A relação entre crenças e motivação ............................................................................75 CAPÍTULO II: METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO.................................................78 2.1 Natureza da pesquisa.....................................................................................................79 2.2 O contexto da investigação...........................................................................................82 2.3 Participantes da pesquisa..............................................................................................85 2.3.1 A professora..................................................................................................................85 2.3.2 Os alunos.......................................................................................................................86 2.3.3 A pesquisadora..............................................................................................................88 2.4 Procedimentos de coleta dos dados...............................................................................89 2.4.1 Instrumentos de coleta de dados...................................................................................90 2.4.1.1 Questionários.......................................................................................................90 2.4.1.2 Entrevistas semi-estruturadas...............................................................................91 2.4.1.3 Observações em sala de aula, notas de campo e diários da pesquisadora............92 2.4.1.4 Gravações em vídeo.............................................................................................93 2.4.1.5 Logs dos alunos....................................................................................................94 2.4.1.6 Sessões de visionamento......................................................................................94 2.4.1.7 Reuniões do grupo de capacitação de professores...............................................95 2.4.2 Fases da pesquisa..........................................................................................................97 2.5 Procedimentos de análise dos dados...........................................................................100 CAPÍTULO III: ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS ................................................102 3.1 O ensino de gramática em sala de aula de LI..............................................................103 3.1.1 Crenças sobre gramática.............................................................................................104 3.1.1.1 Crenças trazidas por PP acerca de gramática.....................................................104 3.1.1.1.1 Gramática é estruturação........................................................................106 3.1.1.1.2 Gramática deve ser seguida pelo livro didático.................................... 108 3.1.1.1.3 Regras gramaticais devem ser decoradas...............................................113 3.1.1.1.4 A gramática é importante, mas não é essencial......................................116 3.1.1.2 Crenças trazidas pelos alunos acerca de gramática.,...........................................121 3.1.1.2.1 Crenças dos alunos da 6ª E....................................................................121 3.1.1.2.2 Crenças dos alunos da 6ª C.....................................................................128 3.1.1.3 Interação entre as crenças da professora e as dos alunos acerca de gramática.........................................................................................................132 3.1.2 Abordagem de ensino de gramática de PP..................................................................135 3.1.2.1 Apego ao livro didático......................................................................................137 3.1.2.2 A professora se declara tradicional....................................................................142 3.1.2.3 A professora se considera estruturalista.............................................................148 3.1.2.4 A professora está aberta a mudanças?................................................................156 3.1.3 Motivação dos alunos para aprender a língua.............................................................165 3.1.3.1 Motivação dos alunos da 6ª série E para aprender a língua...............................165 3.1.3.2 Motivação dos alunos da 6ª série C para aprender a língua...............................179 3.1.3.3 A percepção da motivação dos alunos pela professora .....................................196 3.1.4 Interação entre a abordagem de ensinar e a motivação dos alunos para aprender língua...........................................................................................................................206 3.2 Relação entre as crenças sobre gramática dos participantes, a abordagem de ensinar gramática e a motivação para aprender.......................................................................208 CAPÍTULO IV: CONSIDERAÇÕES FINAIS E ENCAMINHAMENTOS .................211 4.1 Dificuldades no desenvolvimento da pesquisa...........................................................214 4.2 Sugestões para trabalhos futuros.................................................................................216 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................217 ANEXOS................................................................................................................................229 ANEXO 1: Diário da pesquisadora.........................................................................................230 ANEXO 2: Questionário I.......................................................................................................232 ANEXO 3: Questionário II.....................................................................................................233 ANEXO 4: Entrevista semi-estruturada (professora).............................................................234 ANEXO 5: Logs dos informantes focais.................................................................................236 ANEXO 6: Projeto de Capacitação Docente para Professores de Inglês de Escolas Estaduais de Ensino Fundamental........................................................................................237 ANEXO 7: Avaliação de língua inglesa.................................................................................238 ANEXO 8: Transcrição da aula..............................................................................................239 ANEXO 9: Unidade 11 do livro didático................................................................................244 VIII NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO OCORRÊNCIAS SINAIS Sobreposição localizada de vozes [ ] Pausas (+) – 0,5 segundo (++) – 1,0 segundo Incompreensível (inc.) Dúvidas e suposições [hipótese: ....] Truncamento de palavras / (barra) Ênfase ou acento forte MAIÚSCULA Comentários desta pesquisadora (( )) (( )) Interrogação ? (ponto de interrogação) Citações literais, leituras ou discurso direto “ “ Fáticos ah, eh, hum-hum, tá, né, aí Quebra na fala: (...) (...) Redução de texto ou fala no início de parágrafo ... Adaptado de MARCUSCHI, L. A análise da conversação. São Paulo: Ática, 1986. IX LISTA DE ABREVIAÇÕES PALAVRA SIGLA ADOTADA Professora Participante PP Professora (nos diários desta pesquisadora) P Pesquisadora Pq Coordenadora do Projeto de Capacitação C Professora da rede pública estadual, participante de Projeto de Capacitação H Aluna da pós-graduação em Estudos Lingüísticos, participante do Projeto de Capacitação L Ensino de línguas EL Língua-alvo L-alvo Língua estrangeira LE Língua inglesa LI Segunda língua L2 Aluno (não identificado) A Alunos (não identificados) As X LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS Quadro 1: Definições de crença encontradas em Gimenez (1994)...........................................29 Quadro 2: Definições de crença encontradas em Pajares (1992)..............................................29 Quadro 3: Mitos sobre a gramática em Larsen-Freeman (1997)..............................................38 Quadro 4: Diferenças entre conhecimento explícito e implícito (Xavier, 2001)......................44 Quadro 5: O papel da gramática nas diferentes abordagens.....................................................62 Quadro 6: Definições de motivação..........................................................................................65 Quadro 7: Características dos informantes focais.....................................................................88 Quadro 8: Instrumentos de coleta de dados..............................................................................90 Quadro 9: Ações, datas e temas do projeto de capacitação docente.........................................95 Quadro 10: Exercícios de revisão para a prova.......................................................................107 Quadro 11: Exercícios gramaticais da prova..........................................................................115 Gráfico 1: Conceitos de gramática para os alunos da 6ª E que gostam dela..........................122 Gráfico 2: Conceitos de gramática para os alunos da 6ª E que não gostam dela...................122 Quadro 12: Crenças dos informantes focais acerca de gramática...........................................123 Gráfico 3: Conceitos de gramática para os alunos da 6ª C que gostam dela..........................129 Gráfico 4: Conceitos de gramática para os alunos da 6ª C que não gostam dela...................129 Quadro 13: Relação entre as crenças dos alunos da 6ª E e da 6ª C.........................................131 Quadro 14: Interação entre as crenças da professora e dos alunos acerca de gramática........133 Gráfico 5: Interesse dos alunos da 6ª E em aprender LI.........................................................166 Gráfico 6: Justificativas dos alunos da 6ª E que têm interesse em aprender LI....................166 Gráfico 7: Interesse dos alunos da 6ª E em estudar LI............................................................168 Gráfico 8: A preferência dos alunos da 6ª E pela gramática...................................................169 Gráfico 9: Justificativas sobre gramática para os alunos da 6ª E que gostam dela................170 Gráfico 10: Justificativas dos alunos da 6ª E que gostam de gramática em relação às aulas gramaticais...........................................................................................................170 Gráfico 11: Justificativas sobre gramática para os alunos da 6ª E que não gostam dela.......171 Gráfico 12: Justificativas dos alunos da 6ª E que não gostam de gramática em relação às aulas gramaticais..................................................................................................172 Gráfico 13: Atividades desenvolvidas em aulas de LI e atividades trabalhadas por PP na 6ª E .................................................................................................................172 Quadro 15: O gosto dos informantes focais pelo estudo de LI...............................................174 Gráfico 14: Justificativas dos alunos da 6ª E que gostam das aulas de LI.............................175 XI Gráfico 15: A motivação dos alunos da 6ª E para aprender LI...............................................176 Quadro 16: A motivação dos informantes focais para aprender LI........................................177 Gráfico 16: Interesse dos alunos da 6ª C em estudar LI.........................................................180 Gráfico 17: Justificativas dos alunos da 6ª C que têm interesse em aprender LI....................180 Gráfico 18: Interesse dos alunos da 6ª C pelo estudo de LI...................................................182 Gráfico 19: A preferência dos alunos da 6ª C pela gramática.................................................183 Gráfico 20: Justificativas sobre gramática para os alunos da 6ª C que gostam dela..............184 Gráfico 21: Justificativas sobre gramática para os alunos da 6ª C que não gostam dela.......185 Gráfico 22: Opinião dos alunos da 6ª C que gostam de gramática sobre as aulas gramaticais...........................................................................................................186 Gráfico 23: Justificativas dos alunos da 6ª C que não gostam de gramática em relação às aulas gramaticais..................................................................................................187 Gráfico 24: Atividades desenvolvidas em aulas de LI e atividades trabalhadas por PP na 6ª C..................................................................................................................187 Gráfico 25: Motivação dos alunos da 6ª C para aprender LI..................................................189 Gráfico 26: Justificativas dos alunos da 6ª C que gostam das aulas de LI.............................189 Gráfico 27: Motivação dos alunos da 6ª C para aprender LI..................................................190 Quadro 17: A motivação dos alunos das duas turmas............................................................206 XII RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo observar a concepção de ensino da gramática de uma professora de LI e de seus alunos em um contexto de ensino fundamental de escola pública bem como analisar como as crenças dos participantes com relação à gramática (BARCELOS, 1995, 2001, 2006; NUNAN, 1998, 1999; LARSEN-FREEMAN, 1993, 1997) interferiam em suas ações em sala de aula, ou seja, na abordagem de ensinar da professora e de aprender dos alunos (ALMEIDA FILHO, 1993, 2005) e suas influências na motivação (DÖRNYEI, 2001) para a aprendizagem da língua. Este estudo foi realizado em duas fases: a primeira, vinculada a um projeto de formação reflexiva de professores de língua inglesa em serviço, apresenta características de pesquisa-ação colaborativa e a segunda, realizada ao término das atividades de tal projeto, apresenta características de natureza etnográfica. Os instrumentos e procedimentos de coleta de dados utilizados no desenvolvimento desta pesquisa foram: questionários, entrevistas semi-estruturadas gravadas em áudio, observação e gravação das aulas em vídeo, diários da pesquisadora, sessões de visionamento, logs, gravação em áudio das reuniões do grupo de formação de professores ao qual o presente trabalho está vinculado, bem como os diários desta pesquisadora sobre estas reuniões. Os dados revelaram alguns encontros entre as crenças da professora e de seus alunos, porém detectou-se um desencontro entre a abordagem da professora e o gosto pela gramática em uma das turmas analisadas, na qual observou-se uma menor motivação. O trabalho de formação continuada implicou reforço de algumas crenças e mudanças pouco significativas na prática de ensino da docente participante. Palavras-chave: crenças, gramática, abordagens, motivação, escola pública. XIII ABSTRACT The present study aimed at observing a teacher´s and her students´ concepts of grammar teaching in an elementary public school, as well as analyzing how such beliefs (BARCELOS, 1995, 2001, 2006; NUNAN, 1998, 1999; LARSEN-FREEMAN, 1993, 1997) interfered with their actions in the classroom, i.e., with the teacher´s teaching approach and the students´ culture of learning (ALMEIDA FILHO, 1993, 2005), and influenced the motivation for language learning (DÖRNYEI, 2001). It was developed in two stages: the first one is linked to a reflective development project for in-service English teachers and presents characteristics of colaborative action-research. The second one, developed after the ending of the project, presents ethnographic bases characteristics. The instruments and procedures for data collection were: questionnaires, audio recorded semi-structured interviews, observation and video recording of classes, researcher´s diaries, viewing sessions, logs, audio recording of the teacher development group meetings (to which this study is linked), and the researcher´s diaries on those meetings. Data have shown some correspondence between the teacher´s and her students´ beliefs. However, less motivation was observed in one of the groups, where there was some conflict between the teacher´s approach and the students´ beliefs about grammar. The teacher´s continuing development work suggested the reinforcement of some of her beliefs and some minor changes in her practice. Key-words: beliefs, grammar, teaching and learning approaches, motivation, public school. INTRODUÇÃO 15 A pessoa que se predispõe a aprender uma língua estrangeira é afetada por inteiro, uma vez que ela se esforça para alcançar metas além dos limites da nova língua. Uma língua estrangeira (LE) equivale à língua do outro, de uma outra cultura pela qual se desenvolve interesse em conhecê-la. Por isso, para aprender uma outra língua é necessário um grande envolvimento emocional, físico e intelectual para se obter êxito na construção de significados na / da LE / L21. Tal processo é complexo, envolve muitas variáveis e, por esta razão, poucas pessoas atingirão fluência na língua-alvo (L-alvo) se seu ensino e aprendizagem se limitar à sala de aula (BROWN, 1994; NUNAN, 2005). Por outro lado, ensinar uma LE é viabilizar seu conhecimento em uma operação orientada por uma abordagem ou filosofia vigente. Para Almeida Filho (2005), o que acontece em uma sala de aula é muito mais do que a implementação de um método particular ou de técnicas específicas de ensino. O autor acredita ser preciso investigar o que ocorre em sala de aula e fora dela com o intuito de aprender e ensinar línguas para que se compreenda esse processo complexo. Tal compreensão guiará o ensino, que deverá interagir com os processos de aprendizagem. Durante alguns séculos de história de ensino de línguas, a gramática e a tradução foram a base para a aprendizagem de uma LE, crença que permanece até os dias de hoje, pois para algumas pessoas envolvidas ou não no processo de ensino e aprendizagem, ao pensar em ensino de uma língua, é a gramática que vem à mente, seguida de exercícios de tradução. Esta crença é antiga e está embasada no método Gramática-Tradução. Em oposição a tal método, originou-se o Audiolingualismo, criado a partir de uma combinação da teoria lingüística estruturalista, análise contrastiva e procedimentos de compreensão e produção oral. Neste método, a língua era vista como um sistema de 1L2 é concebida como língua não-materna (quando, por exemplo, indivíduos de uma determinada língua residem temporariamente em outro país falante de outra língua ou quando indivíduos de um grupo étnico com uma língua própria precisam aprender uma outra língua no mesmo país); LE é a língua estrangeira, que equivale a outra língua em outra cultura de outro país (ALMEIDA FILHO, 2005, p. 65 e 66). Nesta pesquisa, porém, os termos L2 e LE serão usados como sinônimos. 16 elementos estruturalmente relacionados para codificar significados, fonemas, morfemas, palavras, estruturas e sentenças. Neste período, as teorias lingüísticas vigentes sofriam influência do Behaviorismo, o qual estudava o comportamento humano. Nesta corrente, o ser humano é um organismo capaz de apresentar vários comportamentos, dependentes de três principais elementos na aprendizagem: estímulo, respostas e reforço (que serve para marcar a resposta - como apropriada ou não - e encorajar a repetição a qual se tornará ou não um hábito). No audiolingualismo, aprender uma língua é basicamente um processo mecânico de formação de hábitos através da correção de respostas, para que os erros não se sedimentem (RICHARDS e RODGERS, 2001). No início dos anos 70, questionou-se o ensino de línguas estrangeiras com ênfase na gramática e na memorização de estruturas, inaugurando-se, assim, a Abordagem Comunicativa. Os proponentes desta abordagem afirmavam que a simples prática gramatical e a memorização de estruturas eram mecanismos que não garantiriam a capacidade de comunicação. O ensino com base gramatical passou a ser “execrado” e associado ao fracasso em se aprender uma LE. (LOURENÇO, 2006). Almeida Filho (2005) endossa o que foi dito, ressaltando, porém, que na realidade, o que tem ocorrido ao longo da história é uma forte tendência de se estudar a língua por meio de aspectos sistêmicos da L-alvo vestidos com roupagem situacional em diálogos e reconhecíveis em pequenos textos. Algumas tendências mais contemporâneas do estudo de uma língua são reconhecidas na Abordagem Comunicativa, que ocasionou uma mudança de perspectiva do ensino de línguas em razão da globalização, que passou a demandar falantes fluentes de línguas estrangeiras, fato que valorizou a língua oral, devido à necessidade de comunicação face a face. A Abordagem Comunicativa será vista mais detalhadamente na seção 1.3.1 neste trabalho. 17 Devido às mudanças de abordagens, Almeida Filho (op. cit.) propõe, então, que se mude o foco de ensino: de metodologias prescritivas para descrição e análise das abordagens; e de atividades de ensino para o ensino interagindo com processos de aprendizagem. O autor apresenta um diagnóstico a partir de suas observações do ensino de língua em salas de aula de sua cidade através de depoimentos dos professores e dos alunos participantes de sua pesquisa, descobrindo o que tais pessoas pensam a respeito do ensino e aprendizagem de línguas. Como resultado tem-se que para os participantes, cabe ao professor evitar que o aluno cometa erros e corrigi-los quando inevitáveis; prever a ordenação do conteúdo das lições e unidades; “dar para o aluno receber” (p. 68, 69). Por sua vez, o aluno tende a ser passivo e desenvolver a linguagem por meio de procedimentos mecânicos ou repetitivos. Almeida Filho (op. cit.) sugere que em uma visão renovada, o professor minimize as diferenças de status entre ele e os alunos, agindo como orientador e não como autoridade e facilite as atividades de forma que os alunos aprendam com crescente independência. O aluno, por sua vez, deve assumir responsabilidades pelo seu aprendizado, ser ativo em sala de aula e regular seu ritmo de aprender. Percebe-se, então, que a partir da Abordagem Comunicativa, fez-se necessário conhecer melhor o aluno e também que o professor se conheça melhor. A partir desta nova abordagem de ensinar e aprender língua, com alunos e professores “dividindo” responsabilidades para com a aprendizagem, na década de oitenta, as crenças sobre o processo de aprender e ensinar uma LE de ambos passaram a ser consideradas. Pode-se dizer que há um consenso entre vários autores e estudiosos de que as crenças são um dos principais fatores para o sucesso na aquisição de uma língua (HORWITZ, 1998; VIEIRA-ABRAHÃO, 1999; 2006; BARCELOS, 2004, 2006). Com a abordagem comunicativa, outro componente que passou a ser bastante discutido foi o ensino da gramática, que deixou de ter papel essencial e, em uma fase mais radical dessa nova abordagem, foi fortemente questionada. Atualmente, discute-se a 18 importância de mesclar o foco na forma e o foco no significado, para que haja um equilíbrio entre esses dois elementos e para que os alunos possam usar a língua para se comunicar de maneira adequada, considerando não somente aspectos sociolingüísticos, mas também a acuidade lingüística (LARSEN-FREEMAN, 1997; NUNAN, 1999; ELLIS, 2001; HINKLEN e FOTOS, 2002; GIL, 2004). Passou-se a ter também uma maior preocupação com o contexto no qual acontece o aprendizado e, então, a sala de aula, bem como seus componentes, passaram a ser cenário de investigações. Os acontecimentos em sala de aula passaram a ter importância e como os alunos e professores começaram a ser investigados, bem como suas crenças e seu comportamento, passou-se a questionar também a motivação destes participantes (GARDNER, 1985; DÖRNYEI, 2001; VIANA, 1999; JACOB, 2002). Almeida Filho (1993) enfatiza que as crenças de aprender dos alunos e a abordagem de ensinar dos professores influenciam suas ações e seu discurso e que a discrepância entre elas afetará a motivação dos alunos. Por isso é importante que se conheça a fundo a cultura de aprender dos alunos e a abordagem de ensinar do professor. Percebe-se que crenças, abordagens e motivação estão bastante interligadas e, por isso, considero relevante aprofundar o estudo destes três tópicos. Pretendo somar a tal estudo uma investigação sobre a relação entre eles e o ensino da gramática. Origem e delineamento da pesquisa A idéia de desenvolver uma pesquisa com o tema ora proposto surgiu a partir de um projeto de formação continuada de professores de inglês da rede pública estadual, coordenado por duas docentes de uma universidade pública do interior de São Paulo, do qual também participaram duas professoras de inglês de uma escola pública de ensino 19 fundamental; uma estagiária e uma aluna do Curso de Letras da referida faculdade e duas alunas do Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos da mesma universidade (sendo que uma delas é esta pesquisadora). A relevância de tal projeto está no fato de que para avançar na qualidade profissional do seu trabalho, os professores precisam continuar a aprimorar-se após concluída a formação inicial, por meio da realização de seminários com vistas à sua formação continuada. Ao professor contemporâneo cabe refletir sobre sua ação e esta reflexão deve reconhecer que o ensino e aprendizagem de línguas têm uma natureza própria com estruturas que precisam ser reconhecidas para ajudar no processo de aperfeiçoamento refletido (ALMEIDA FILHO, 2005). O mencionado projeto, intitulado “Compartilhando experiências e conhecimentos na (Co)Construção da Prática de Ensino de Inglês na Escola Pública” tinha por objetivo geral a (co)construção do ensino de inglês em uma escola pública, a partir da discussão de questões e / ou problemas da prática de sala de aula à luz das experiências e conhecimentos das professoras, das alunas de graduação, de pós-graduação, das docentes universitárias envolvidas e das teorias da Lingüística Aplicada e da Educação. Os objetivos específicos eram: o aprimoramento da prática de ensino de língua inglesa na escola em questão; a integração universidade e escola pública de ensino fundamental; a geração de dados para a pesquisa desenvolvida na universidade; e o aprimoramento profissional de todos os participantes envolvidos. O grupo encontrou-se mensalmente durante um ano e meio, em reuniões com duração de aproximadamente oito horas. Nestas reuniões, as questões e / ou problemas que interferiam na construção da prática de ensino de inglês na escola pública, foco do estudo, eram mapeadas para que, então, fosse buscada fundamentação teórica que pudesse subsidiar a reflexão dos participantes sobre tais questões e problemas. A partir disto eram promovidas 20 discussões de grupo, visando-se encaminhamentos para os assuntos levantados. Por fim, desejava-se acompanhar a implementação de novas ações e refletir sobre seus resultados, reiniciando o ciclo, se necessário. Através dos encontros do grupo, percebeu-se que os temas profissionais definidos como conflituosos eram: motivação, indisciplina e gramática. Aliás, um dos tópicos mais freqüentes nos relatos da professora observada por esta pesquisadora foi exatamente o ensino da gramática da Língua Inglesa (LI), fato que foi determinante na escolha do tema a ser desenvolvido no presente estudo. Justificativa De acordo com Barcelos (2001), o interesse pelo tópico crenças sobre aprendizagem de línguas em LA surgiu em meados dos anos 80 no exterior e no início dos anos 90 no Brasil, embora os estudos até então tenham focado a descrição delas e não o seu entendimento, no sentido de saber suas origens ou o papel que elas exercem no aprendizado de línguas. Barcelos (op. cit.) também afirma que muitos estudos têm sido publicados sobre as crenças, mas poucos deles têm examinado a metodologia de investigação das mesmas . Porém, a própria autora afirma que há uma tendência nos estudos recentes a se tentar entender a função das crenças no processo de ensino e aprendizagem, seja através da análise do papel que elas exercem no ensino reflexivo, na tomada de decisões dos professores, na sua identidade, ou em como elas interferem na relação professor-aluno (BARCELOS, 2006). Também, segundo a autora, há uma preocupação maior com o contexto, principalmente o das escolas públicas, uma vez que este faz parte da realidade brasileira de ensino de línguas, merecendo, portanto, ser foco de pesquisa. 21 O ensino da gramática aparenta ser, em ocasiões, pouco atraente e de difícil compreensão por parte dos alunos, o que pode gerar baixa motivação para o aprendizado. Segundo Johnson e Johnson (1998, apud TUDOR, 2001), é difícil manter a gramática no foco do ensino de línguas porque sua ligação com o mundo fora da sala de aula é muito abstrata. Para que seja um tópico mais atraente, o aprendiz precisa ter a oportunidade de ver a relação existente entre forma, significado e uso. Tal afirmação implica a necessidade de se averiguar a influência da abordagem de ensino do professor na motivação dos alunos para aprender a gramática da LI, uma vez que se apenas formas forem ensinadas, sem que os alunos possam entender o uso da língua, eles podem ficar desmotivados para o seu aprendizado. Segundo Cunningsworth (1995), a gramática é o componente principal de qualquer curso de línguas, ou seja, é a base para se aprender uma língua. E, embora a abordagem comunicativa, em sua fase inicial, tenha dado menos protagonismo ao seu ensino, ela ainda tem grande destaque nas aulas de Língua Estrangeira (LE) atualmente, fato que pode ser positivo segundo Larsen-Freeman (1997), a qual acredita que o ensino explícito da gramática é importante e pode acelerar o processo de aquisição da língua. Por sua vez, Borg (2001) analisa quais estratégias os professores utilizam para apresentar tópicos gramaticais, observando as práticas individuais de cada professor, com o objetivo de discutir como as crenças influenciam o ensino da gramática, o que será também abordado sob a ótica do aluno. Alguns trabalhos realizados na Área de Lingüística Aplicada focalizando as crenças sobre gramática, seu ensino e aprendizagem merecem destaque. Em seu estudo, Dutra e Mello (2004) discutem os conceitos de língua que subjazem aos métodos mais populares no século XX e como a gramática e seu ensino são vistos por eles. Gil (2004), por sua vez, reporta-se às descobertas de um estudo de episódios gramaticais numa sala de aula de inglês como língua estrangeira, onde existe um tipo especial de interação com dois focos complementares: o foco-na-forma (refere-se à fala na língua-alvo com um objetivo 22 pedagógico formal) e o foco-na-comunicação (refere-se à fala na língua-alvo sem um objetivo pedagógico formal). A autora esclarece que a razão para se adotar esta perspectiva é que ela parece ser mais adequada para criar uma ponte entre a teoria e a prática pedagógica real, do que a oposição entre os dois focos. O estudo de Pinto (2004), cuja pesquisa de intervenção teve como foco as crenças de alunos e professores quanto ao ensino de gramática, enfatizou os desvios formais na comunicação de alunos de um curso de Letras. O trabalho de Lourenço (2006) aborda o sistema de crenças construído por aprendizes de LE a respeito do papel do enfoque explícito da gramática desde a vida escolar e o confronto dessas concepções com a maneira (explícita ou implícita) como as regras gramaticais eram evocadas na produção de texto escrito na L-alvo. Finalmente, o trabalho de Bassetti (2006), cujo objetivo era observar a prática de ensino da gramática de uma professora de uma escola Municipal de Ensino Fundamental e apontar as crenças e pressupostos sobre o ensino da gramática que norteavam sua prática. Em seu estudo, a autora mostrou os resultados da implementação de tal prática, por meio de atividades voltadas para a comunicação, através de um trabalho de intervenção. A pesquisa que proponho apresenta um contexto e enfoque diferentes daqueles citados anteriormente. Analisando o ensino da gramática (foco na forma) por parte do professor, a motivação do aluno em aprendê-la e as crenças de ambos envolvidas no processo de ensino e aprendizagem, o presente estudo busca contribuir, ainda que de maneira singela, para o aprimoramento do ensino de LI na rede pública, podendo ser aproveitado nos demais contextos de ensino de LE. Objetivos e perguntas de pesquisa O objetivo da presente pesquisa é analisar como uma professora e seus alunos concebem e vivenciam o ensino da gramática da língua inglesa (LI) em sala de aula, e como a 23 abordagem de ensinar da professora, na perspectiva de ensinar gramática, e a cultura de aprender dos alunos influenciam a motivação para o aprendizado da língua. Através da análise da abordagem de ensinar da professora e a de aprender dos alunos, busco apontar as crenças dos participantes acerca da gramática, uma vez que parto da premissa de que elas norteiam e influenciam o modo de agir dentro da sala de aula (ALMEIDA FILHO, 1993, 1995, 2005; BARCELOS, 1995, 1999, 2001; TUDOR, 2001). Após este levantamento, será observada a motivação dos alunos para aprender a LI a partir da maneira de ensinar da professora. Este trabalho também tem por objetivo contribuir com novas perspectivas para o ensino da gramática no período pós-método, uma vez que seu ensino ora com instrução implícita ora explícita, ora com foco no significado ora na forma, ainda fomenta discussões. A pergunta e sub-perguntas de pesquisa que orientam este trabalho são as seguintes: • Como uma professora e seus alunos concebem e vivenciam o ensino de gramática em sala de aula de LI? a) Quais crenças da professora e dos alunos sobre o ensino de gramática são trazidas para a sala de aula? b) Como a abordagem de ensinar gramática e acultura de aprender dos alunos influenciam sua motivação para aprender a língua? Organização da dissertação Esta dissertação está organizada em cinco partes. Nesta primeira, apresento a introdução ao tema, a qual traz uma visão geral do problema da pesquisa, as justificativas e os objetivos para sua realização. 24 Na segunda parte, equivalente ao capítulo I, trago o Arcabouço Teórico que se divide em quatro seções: 1- crenças sobre o processo de ensino e aprendizagem, na qual, baseada na literatura, apresento as teorias sobre crenças de professores e alunos e crenças sobre a gramática; 2- gramática: foco na forma, no qual faz-se um panorama sobre o ensino da gramática e as questões concernentes ao seu ensino; 3- abordagens de ensino e aprendizagem de línguas, seção na qual discorro sobre teorias acerca do complexo processo de ensino e aprendizagem, fazendo um resumo sobre as diferentes abordagens de ensino de línguas ao longo dos anos e focando o papel da gramática em cada uma delas e 4- motivação, seção na qual são expostos os diferentes tipos de motivação, bem como as teorias sobre o assunto. No capítulo II, enfoco a metodologia de investigação desta pesquisa, destacando as teorias sobre a pesquisa qualitativa e sobre dois de seus tipos, a pesquisa-ação colaborativa e a etnográfica. Além disso, apresento informações sobre os participantes da pesquisa, uma descrição do contexto e do projeto de capacitação de professores e os instrumentos utilizados para a coleta de dados, bem como suas finalidades no trabalho. Exponho, ainda, os procedimentos utilizados para a coleta e análise dos dados. Em seguida, no capítulo III, a pergunta e as sub-perguntas de pesquisa são respondidas por meio da apresentação dos resultados obtidos na análise dos dados nas duas fases da pesquisa: as crenças dos participantes acerca de gramática, a abordagem da professora para ensiná-la, a cultura de aprender dos alunos e a motivação dos mesmos para aprender gramática. No último capítulo, são apresentadas as considerações finais acerca deste estudo, bem como as limitações em seu desenvolvimento e algumas sugestões para possíveis pesquisas futuras nesta mesma área de investigação. CAPÍTULO I: ARCABOUÇO TEÓRICO 26 1.1 Crenças no processo de ensino e aprendizagem De acordo com Barcelos (2006), nos estudos recentes sobre crenças nota-se uma tendência em se tentar entender sua função no processo de ensino e aprendizagem de línguas, seja através da análise do papel que elas exercem no ensino reflexivo, na tomada de decisões dos professores, na sua identidade ou em como elas interferem na relação professor-aluno. Também, segundo a autora, foi a partir dos anos 90 que, no Brasil, percebeu-se uma preocupação maior com o contexto, principalmente o das escolas públicas, posto que este faz parte da realidade de ensino de línguas do país e, portanto, merece ser foco de investigações. Coelho (2006) salienta, porém, que fazer pesquisa sobre crenças em escola pública exige, do pesquisador, consciência sobre a abrangência deste contexto e percepção da influência dos fatores que terão repercussão sobre aquilo que acontece em sala de aula. No que concerne às crenças, Pajares (1992), afirma que estas influenciam o modo como as pessoas organizam e definem suas tarefas e são fortes indicadores de como elas agem. A importância das crenças no processo de ensino e aprendizagem está relacionada principalmente à sua influência na abordagem de aprender dos alunos. De acordo com o autor, as crenças são formadas cedo e tendem a se perpetuar, sendo estáveis e resistentes a mudanças, são de natureza hierárquica e se interligam umas às outras. O autor cita Nibett e Ross (1980) para os quais também as crenças são difíceis de serem modificadas, mas não são necessariamente estáveis, podendo sofrer alterações quando necessário. Não obstante, Barcelos (1995) discorda de Pajares (op.cit) ao acreditar que as crenças são passíveis de mudanças, devido a fatores como a abordagem de ensinar do professor, o material didático, a hierarquia com relação aos colegas e o ambiente escolar. A autora, apoiando-se em Murphey (1996), afirma que as ações podem influenciar e mudar as crenças, desde que haja tempo e um modelo adequado. Assim, as crenças não somente 27 influenciam as ações, mas estas, acompanhadas de reflexões sobre as experiências, podem mudar as crenças ou inclusive criar outras novas. A autora acredita existir uma relação entre crenças e comportamento, que depende de alguns fatores como, por exemplo: a experiência prévia de aprendizagem dos alunos, a abordagem de ensinar do professor, o seu nível de proficiência, a motivação e o contexto. Para Pajares (1992), as crenças devem ser inferidas através das afirmações verbais dos participantes (de um contexto de ensino e aprendizagem) e também de suas intenções e ações. Segundo Araújo (2006), as crenças são consideradas uma das grandes forças que atuam na dinâmica da sala de aula e as ações e decisões dos professores podem ser um reflexo de suas crenças a respeito de si próprios e de seus aprendizes, sobre linguagem e língua estrangeira, e sobre o processo de ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira. Para Moraes (2005), é importante que se tenha conscientização a respeito das crenças de professores e aprendizes, uma vez que, segundo a autora, ensinar e aprender uma língua estrangeira é, de certo modo, o resultado de experiências que trazem em si valores, crenças e tradições de uma abordagem de ensinar e de uma abordagem de aprender línguas. Portanto, é necessário que as crenças sejam entendidas, por um lado, como filtros usados pelos alunos para dar sentido e lidar com contextos específicos de aprendizagem e, por outro, como uma investigação sobre as experiências e ações deles e dos professores, suas interpretações, o contexto social, e como todos os envolvidos neste contexto usam suas crenças na complexa tarefa de aprender e ensinar línguas. 1.1.1 Definições de crença O conceito de crenças não é apenas foco de investigação específico da área de Lingüística Aplicada. Outras áreas, como a Sociologia, a Filosofia, a Educação, a 28 Antropologia e a Psicologia, também têm focalizado crenças, razão pela qual o termo crença recebe diferentes definições. Baseado nisso, Pajares (1992) aponta a extrema dificuldade em se definir este termo e defende a necessidade de se adotar uma definição coerente com o foco de cada pesquisa. Neste estudo, o termo crença será visto no âmbito de ensino e aprendizagem de línguas. De acordo com Almeida Filho (1993), as crenças são forças capazes de influenciar todo o processo de ensino e aprendizagem de LE. O autor foi um dos primeiros a tratar do termo, encontrado dentro da definição de cultura de aprender e usado para se referir ao conhecimento intuitivo do aprendiz, constituído de crenças, concepções e mitos sobre aprendizagem de línguas. Almeida Filho (op.cit.) acredita que pode haver a possibilidade de se detectar uma incompatibilização entre a abordagem de ensinar do professor e a forma de aprender dos alunos, o que poderia gerar desistência e dificuldade para o ensino/aprendizagem da língua-alvo, justificando também a importância de se saber sobre a cultura de aprender. Barcelos (1995, 1999), concordando com Almeida Filho, também faz uso do termo cultura de aprender línguas justificando a relevância de se estudar tal cultura de aprender, pois ela pode revelar possíveis divergências entre o que o aluno espera do ensino e o que o professor espera do aluno. Em Lingüística Aplicada (LA), não existe uma definição única para este conceito. Holec (1987, apud BARCELOS, op. cit.) define crenças como “suposições dos aprendizes sobre seus papéis e funções dos professores e dos materiais de ensino” (p. 152). Para Gardner (1988, apud BARCELOS, op. cit., p. 110), crenças são “expectativas na mente dos professores, pais e alunos referentes a toda tarefa de aquisição de uma segunda língua”. Para Barcelos (2006) apoiada em Dewey (1933), “crença é entendida como uma forma de pensamento, construções da realidade, maneiras de ver e perceber o mundo e seus fenômenos, 29 co-construídas em nossas experiências e resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)significação” (p. 18). Outras definições de crenças, propostas por vários autores podem ser encontradas em Gimenez (1994, p. 65): Autor Definição Elbaz (1981) Um conjunto complexo, praticamente orientado, de entendimentos que professores usam ativamente para moldar e dirigir o trabalho de ensino. Janesick (1982) Uma interpretação reflexiva, socialmente derivada de experiência que serve como base para uma ação subseqüente. Connelly & Clandinin (1984) Estruturas conceituais e concepções que sustentam os professores com razões para atuar do modo como atuam. Breen (1990) Conceitualização pessoal do processo de ensino-aprendizagem. Acarreta um conjunto de justificativas para a ação na sala de aula. Quadro 1: Definições de crença encontradas em Gimenez (1994) Também em Pajares (1992, p. 313-314) são encontradas definições de outros autores, como: Autor Definição Brown and Cooney (1982) São disposições para a ação e principal determinante de comportamento. Siegel (1985) Construções mentais de experiência, freqüentemente condensadas em um esquema ou conceito; verdades que guiam o comportamento. Harvey (1986) Representações individuais da realidade que tem validade suficiente, verdade, ou credibilidade para guiar pensamento e comportamento. Rockeach (1968) Qualquer proposição simples, consciente ou inconsciente, inferida do que uma pessoa diz ou faz, capaz de ser precedido pela frase: eu acredito que. Quadro 2: Definições de crença encontradas em Pajares (1992) Segundo Coelho (2006), crenças são “teorias implícitas e assumidas com base em opiniões, tradições e costumes, teorias que podem ser questionadas e modificadas pelo efeito de novas experiências” (p. 128). A autora também traz a definição de Clark e Peterson (1986), para os quais as crenças fazem parte dos processos mentais que influenciam e são influenciados pelas ações e por seus efeitos em sala de aula. Com base em Siegel (1985), Harvey (1986) e Barcelos (1995, 2006), nesta pesquisa, o termo “crença” é definido como pressupostos adquiridos de experiências 30 prévias, construídas socialmente, a partir da percepção individual destas experiências, que têm valor de verdade e credibilidade para guiar o pensamento e o comportamento e que são passíveis de mudanças. 1.1.2 Crenças dos professores As crenças são consideradas como umas das grandes forças que atuam na dinâmica de sala de aula. Assim, de acordo com Vieira-Abrahão (2005), os professores são altamente influenciados por suas crenças, que por sua vez, são reflexo de seus valores pessoais e de seus conhecimentos prévios. Os professores têm a tendência de recuperar suas experiências da época na qual eram alunos e construir seus conhecimentos e sua prática de ensino com base nessas lembranças. Johnson (1994) considera a compreensão das crenças essencial para a melhora da prática dos professores e a preparação de programas de ensino. Ao refletir sobre suas crenças, eles são submetidos a um processo de reflexão que pode torná-los mais conscientes sobre elas e sobre as inconsistências de suas práticas. Porém, os professores podem entrar em conflito ao tentarem mudar suas crenças, pois geralmente eles não têm “imagens alternativas de ensino” (JOHNSON, 1994, p. 443). Segundo o autor, as crenças dos professores advêm das imagens que eles têm da experiência de aprendizagem, das imagens deles mesmos como professores e de seus formadores que servem de modelo para sua prática institucional. Para Woods (2003), a relação entre crenças e ações é crucial para a pesquisa das crenças dos aprendizes e, de acordo com Barcelos (2006), principalmente das crenças e da prática dos professores. Porém, Garbuio (2006) cita alguns autores (FEIMAN-NEMSER e FLODEN, 1986; RICHARDSON, 1996; WOOLFOLK HOY e MURPHY, 2001; VIEIRA- ABRAHÃO, 2004; BARCELOS, 2001, 2004, e outros) que acreditam que pesquisar as 31 crenças dos professores seja uma tarefa complexa e que, muitas vezes, o professor não consegue articulá-las, uma vez que se encontram em permanente construção e reconstrução e, à medida que se deparam com novas situações de ensino e informações, outras crenças são formadas. Buchmm (1983, 1994, apud LIMA, 2005), por sua vez, aponta que as crenças permanecem abertas a mudanças por influência de fatores sociais e políticos. Segundo Pennington (1995, apud PESSOA, 2006), a mudança do professor é tanto comportamental quanto cognitiva e pressupõe que ele perceba a necessidade de mudar ou, pelo menos, demonstrar o desejo de experimentação e as alternativas disponíveis. Pessoa (op.cit.) acredita que “uma mudança duradoura no comportamento do professor ocorre apenas quando os professores se sentem capazes e motivados para experimentar algo novo, refletir sobre as conseqüências, e, então, ajustar sua prática e seu pensamento com base nos resultados alcançados” (p. 45). Para Willians e Burden (1997), os professores são altamente influenciados por suas crenças, as quais estão intimamente ligadas aos seus valores, às suas concepções de mundo e de seu lugar dentro dele. Os autores concordam com Woods (2003) e acham importante os professores refletirem sobre suas próprias ações para explicitar seus sistemas de crenças, visto que estas irão afetar tudo aquilo que fazem em sala de aula. Garbuio (2006) também compartilha desta opinião, acreditando que além de fazer um levantamento sobre as crenças dos professores, é necessário refletir sobre elas e sobre suas influências em sua prática, pois estas são importantes na condução de suas ações em sala de aula. De acordo com Richards e Lockhart (1994), as crenças dos professores podem ser originadas de diferentes modos: de suas próprias experiências como aprendizes, de suas experiências práticas em sala de aula, da prática estabelecida e preferência dos professores por estilos de ensino, de fatores de personalidade, de princípios embasados em pesquisas e de princípios derivados de uma abordagem ou método. Lortie (1975, apud GIMENEZ, 1994) 32 propõe um modelo que demonstra que as crenças de professores de línguas podem ser formadas por suas experiências anteriores de aprendizagem de LE, pelo treinamento formal em programas de formação de professores e por suas experiências de ensino. Ao se referir ao modelo proposto por Handal e Lauvas, citados por Zeichner e Liston (1996), Vieira-Abrahão (2001) depreende alguns componentes que fazem parte da prática do professor e que interagem e se misturam para constituí-la. São eles: a experiência pessoal, o conhecimento transmitido e os valores pessoais. Tais componentes também se aproximam das opiniões de Gimenez (op. cit.) e de Richards e Lockhart (op. cit). Algumas crenças de professores são sugeridas por Woolfolk Hoy e Murphy (2001, apud GARBUIO, 2006): ensinar é cobrir o material, entreter os alunos, direcionar e envolver os alunos, é uma atividade melhor realizada através de tentativas e erros, é aprender a ensinar e a fazer. Os autores ainda afirmam que as crenças podem variar devido ao fato de suas origens estarem ligadas às experiências pessoais. Para Tabachnick e Zeichner (1984, apud FÉLIX, 1999), as crenças de professores são uma interpretação reflexiva e socialmente definida das experiências que servem de base para ações subseqüentes e, de acordo com Clark (1988, apud FÉLIX, op. cit.), crenças de professores são pré-concepções e teorias implícitas. De acordo com Almeida Filho (1993, p. 21), para que o professor usufrua de uma desejável abordagem consciente e mapeada, ele “necessita desenvolver uma competência aplicada”, aquela que “capacita o professor a ensinar de acordo com o que sabe conscientemente (subconsciência teórica) permitindo a ele explicar com plausibilidade porque ensina da maneira como ensina e porque obtém os resultados que obtém”. Para se elevar ao nível mais alto de consciência e fruição profissional, o autor afirma que o professor precisa desenvolver uma competência profissional capaz de fazê-lo conhecer seus deveres, potencial e importância social no exercício do magistério na área de ensino de línguas. Almeida Filho 33 (1999) acredita que é preciso permitir a tomada de consciência do professor a respeito das forças que estão envolvidas na operação de ensino: as abordagens de terceiros, dos autores do livro didático adotado, os filtros afetivos do professor e dos alunos e a cultura de aprender línguas dos alunos, pois, como visto anteriormente, pode haver incompatibilização entre a cultura de aprender e a abordagem de ensinar. Félix (1999) diz que seria desejável que os professores tivessem conhecimento e desenvolvessem suas competências, o que significa estar em constante processo de formação a partir de uma tomada de consciência dos seus conhecimentos implícitos para que se tornem profissionais mais críticos e autônomos. No entanto, para a autora, esse mecanismo de mudança encontra-se ainda longe de ser resolvido, pois muitos professores de LE nem sempre têm condições de participar de cursos de extensão ou pós-graduação devido a fatores financeiros, falta de tempo, sobrecarga de trabalho ou falta de informação. A autora acrescenta que se o professor aprimora o seu conhecimento, estando em constante crescimento profissional, ele é capaz de sair do nível da intuição e das crenças e passar a explicar com explicitude e articulação porque ensina como ensina e obtém os resultados que obtém. Moraes (2005) acredita ser importante que, primeiramente, os professores entendam e articulem suas próprias perspectivas teóricas para que, como educadores, estejam constantemente se reavaliando à luz do seu novo conhecimento ou repensando suas crenças sobre linguagem, sobre como a língua é aprendida, ou sobre educação. Concordo com a posição de Félix (op. cit.) e a de Moraes (op. cit.) quanto à importância de o professor participar de cursos e, principalmente, de projetos de capacitação docência de longo prazo, que o levem a refletir acerca de suas crenças sobre a língua e acerca de sua abordagem de ensinar. Porém, hei de acrescentar que nem sempre tais reflexões levarão a uma mudança de crença e, conseqüentemente, a ação / abordagem do professor também se manterá. 34 1.1.3 Crenças de aprendizes Segundo o que se viu anteriormente na subseção 1.1.1, Almeida Filho (1993) e Barcelos (1995) utilizam o termo cultura de aprender para se referir ao conhecimento intuitivo do aprendiz, constituído de crenças, concepções e mitos sobre aprendizagem de línguas. Para Erickson (1987, apud BARCELOS, 1995), uma das razões para se adotar o termo cultura no contexto educacional é que este diz respeito à ação humana como principal agente das práticas educacionais. Barcelos (op. cit.) esclarece que ao se referir à cultura de aprender está enfatizando as maneiras de atribuir sentido à tarefa de aprender línguas, compartilhadas pelos alunos, salientando que as ações em sala de aula e na escola recebem influência do que ocorre numa esfera maior da organização social, ou seja, as crenças e as ações dos alunos em sala de aula estão relacionadas com seus hábitos familiares, escolarização e papéis culturais reservados a eles e aos professores naquela sociedade. É importante citar novamente que, de acordo com Almeida Filho (1993), pode haver uma incompatibilização entre a cultura de aprender e a de ensinar línguas, o que poderia gerar resistência e dificuldade para o ensino e aprendizagem da língua-alvo e, por isso, é interessante que se saiba sobre a cultura de aprender línguas. Ao conhecer tal cultura, os professores desempenhariam um trabalho mais consciente, visando uma aprendizagem de sucesso. Ao se referir à cultura de aprender, Barcelos (1995) utiliza o termo mitos no sentido de serem idéias falsas, sem correspondentes na realidade, e cita o trabalho de Viana (1993) que detectou alguns deles. O primeiro foi com relação ao tempo de aprendizagem, no qual boa parte dos alunos acredita que é possível aprender uma LE em pouco tempo. Outro mito apontado é acreditar que viver no país da língua-alvo é suficiente para aprendê-la. Um terceiro mito está relacionado ao desempenho: os alunos acham que vão atingir um bom 35 desempenho apenas com músicas e tradução, ou falando depressa um texto oral ou escrito, ou falando sem apresentar sotaque. Larsen-Freeman (1998) acredita que uma investigação sobre o que os alunos sabem ou acreditam deve envolver suas experiências e ações, suas interpretações dessas experiências, o contexto social, e como ele molda suas experiências e suas crenças para lidar com a tarefa complexa de aprender línguas. De acordo com Coterall (1995, apud BARCELOS, 1999), a experiência anterior de aprendizagem exerce um papel crucial tanto no desenvolvimento de crenças quanto na percepção que o aluno tem de si mesmo. Por isso há a necessidade de explorar melhor as crenças dos alunos e de ajudá-los a se conscientizar sobre elas, já que podem ser prejudiciais a sua aprendizagem. Erickson (1986) se preocupa com o fato de que quando os alunos se comportam de uma maneira diferente das expectativas culturais do professor, esse comportamento possa causar dificuldades na interação entre eles, pois os professores podem perceber como frustrante, confuso e, às vezes, assustador, o fato de o aluno não agir de acordo com as suas expectativas culturais. Apesar dessa possível dificuldade na interação, Lima (2005), no entanto, acredita não ser necessário que o professor direcione as crenças dos alunos para obter sucesso no processo de ensino e aprendizagem, mas acha necessário que o professor se conscientize de que seu sistema de crenças pode não ser válido para os alunos. Barcelos (2004) julga, inclusive, que essas divergências entre crenças são necessárias e podem ser positivas, à medida que possam gerar reflexões por parte dos professores e dos alunos sobre suas crenças, visando aumentar as chances de sucesso no processo de ensino e aprendizagem. No entanto, segundo Richards & Lockhart (1994), as diferenças entre as crenças do professor e dos alunos podem fazer com que estes desvalorizem uma atividade proposta pelo professor. Sobre isso, Lima (op. cit.) acrescenta que tais diferenças fazem com que o professor deixe de satisfazer uma atividade esperada pelo aluno. 36 Através da definição de crenças proposta por Wenden (1986, apud BARCELOS, 1995) de que elas são como “opiniões baseadas na experiência e em opiniões de pessoas respeitadas que influenciam a maneira de agir dos aprendizes de língua”, pode-se inferir que a experiência educacional dos alunos pode fazer com que eles acreditem, por exemplo, que vão aprender toda uma língua em pouco tempo. Em sua pesquisa, Barcelos (1999) detectou 3 crenças dos alunos: aprender inglês é saber sobre a estrutura dessa língua; o professor é responsável pela aprendizagem do aluno; e o inglês que se aprende no Brasil não é o mesmo que se aprende no país em que ela é falada como língua materna. Essa última crença pode levar os alunos a não procurar criar oportunidades de uso da língua em contexto nacional e contentar-se com a realização de exercícios gramaticais e com o sonho de “passar um tempo fora” um dia. Para Richards e Lockhart (op. cit.), “as crenças dos alunos são influenciadas pelo contexto social da aprendizagem e podem influenciar ambas as atitudes em relação à língua em si, como também a aprendizagem da língua no geral” (p. 52). As crenças dos alunos influenciam a motivação para aprender, as expectativas em relação à matéria, as percepções sobre a facilidade ou dificuldade em aprender a língua ou as estratégias de aprendizado (EA). A relação entre as crenças dos alunos e suas estratégias de aprendizagem foi discutida no trabalho de Piteli (2006). A autora traz a visão de Oxford (1990), que sugere que as atitudes e as crenças têm efeito sobre as estratégias dos aprendizes, sendo que as atitudes negativas e as crenças podem gerar falta de harmonia entre as mesmas. Barcelos (2003, apud PITELI, op. cit.) esclarece que não caracteriza esta relação como unidirecional, uma vez que se trata de um processo recíproco, ou seja, “não somente as crenças direcionam as ações, mas as ações e reflexões podem levar a mudanças ou até mesmo criar outras crenças” (PITELI, op. cit., p. 60). 37 Segundo Barcelos (1999), a consciência sobre as crenças dos aprendizes pode ajudar na compreensão da suas frustrações e dificuldades, permitindo aos professores a elaboração de um plano de ação mais efetivo com os seus alunos no propósito comum de aprender a língua. Pode-se perceber que as crenças dos professores e dos alunos estão intimamente ligadas à motivação de ambos, seja para aprender ou para ensinar. Devido a essa constatação, em seções posteriores (1.4 e 1.5), serão abordadas teorias sobre motivação e a influência das crenças no processo motivacional dos alunos, respectivamente. 1.1.4 Crenças sobre gramática De acordo com o que se viu anteriormente, para Barcelos (2001), crenças são opiniões e idéias que alunos e professores têm a respeito dos processos de ensino e aprendizagem de línguas. Elas guiam os comportamentos, são adquiridas nas mais diversas situações desde cedo na vida das pessoas, são representações da realidade e surgem quando o conhecimento pessoal não é suficiente para lidar com uma determinada situação. Por isso, as crenças podem ser fatores determinantes nas decisões em sala de aula, influenciando o ensino e a aprendizagem da língua estrangeira ou segunda língua (L2). Para Dutra e outros (2003), em muitos casos, as crenças refletem nas atitudes de professores, como, por exemplo, quais tópicos enfatizar em sala de aula e de que maneira abordá-los. Borg (1998) apresenta um estudo sobre a influência das crenças no ensino de gramática e, segundo o autor, o sistema pedagógico pessoal do professor é um sistema complexo que pode apresentar crenças conflitantes que influenciam as suas tomadas de decisão. Buscando uma maior compreensão do papel do ensino da gramática nas aulas de LE, Borg (2001) analisa quais estratégias os professores utilizam para apresentar tópicos gramaticais, observando as práticas individuais de cada professor. Borg (1998) argumenta que 38 é necessário retomar as raízes do aprendizado de LE e refletir sobre como toda experiência prévia do professor pode influenciá-lo, para que haja um entendimento de sua prática. Larsen-Freeman (1997) aponta que a gramática é freqüentemente incompreendida no campo de ensino de línguas e aponta dez mitos2 sobre ela: Mitos O debate de Larsen-Freeman (1997) 1- A gramática é adquirida naturalmente, não é preciso ser ensinada. Isso não se aplica a todos os aprendizes. 2- A gramática é um conjunto de regras sem sentido. Este termo engloba três dimensões: morfossintaxe (forma), semântica (significado) e pragmática (uso). 3- A gramática consiste em regras arbitrárias. A razão para que se use uma forma gramatical em detrimento de outra nem sempre é arbitrária. 4- Gramática é entediante. Ensinar gramática não significa repetir modelos ou memorizar regras. 5- Os alunos têm diferentes estilos de aprendizagem. Nem todos podem aprender gramática. Os alunos podem até ter diferentes estilos e aptidões, mas todos podem aprender, porém de formas e em ritmos diferentes. 6- Estruturas gramaticais são aprendidas uma de cada vez. Há uma constante interação entre formas novas e velhas; a aquisição não se dá de forma linear. 7- A gramática está relacionada apenas com os níveis de sentença e subsentença. Nem sempre o uso e as diferenças entre duas estruturas podem ser entendidos em nível de sentença, mas sim em nível de discurso. 8- Gramática e vocabulário são áreas do conhecimento. Leitura, escrita, fala e compreensão auditiva são as quatro habilidades. Saber as regras (knowledge) e não saber aplicá-las para fins comunicativos (use) não é realmente o objetivo do ensino da gramática. 9- Gramáticas fornecem regras / explicações para todas as estruturas de uma língua. A língua é algo dinâmico e não estático. As línguas mudam e com elas mudam também as regras gramaticais. 10- “Eu não sei o suficiente para ensinar gramática”. A autora sugere que os professores não se esqueçam das três dimensões gramaticais (forma, significado e uso) para checar os itens gramaticais. Quadro 3: Mitos sobre a gramática em Larsen-Freeman (1997) Ao desvendar estes mitos sobre o ensino da gramática, a autora conclui que se os objetivos de ensinar uma língua incluem ensinar os alunos a usarem gramática de maneira precisa, com significado e adequadamente, então há uma razão para se ensinar gramática. Compartilho da mesma visão e acredito que as aulas com foco nas estruturas gramaticais, embora importantes, podem ser repensadas pelos professores para que se tente mudar as crenças dos alunos quanto à gramática e seu ensino. Saliento a importância de ensinar 2 Neste trabalho não se intenciona fazer a distinção entre os termos “mito” e “crença”, portanto, eles serão usados como sinônimos. 39 gramática considerando-se as três dimensões: forma, significado e uso. Desta maneira, os alunos estariam aptos a usar a língua para a comunicação com precisão gramatical, sem deixar de considerar os aspectos sociolingüísticos. Assim, retomando Johnson e Johnson (1998, apud TUDOR, 2001), a gramática poderia se tornar um tópico um pouco mais atraente, uma vez que teria uma ligação com o mundo fora da sala de aula, pois o aluno teria a oportunidade de relacionar forma, significado e uso. Nas seções seguintes, serão expostas algumas teorias sobre a gramática, o seu ensino e o seu papel nas diferentes abordagens ao longo da história de ensino e aprendizagem de línguas. 1.2 Gramática: foco na forma Segundo Nunan (1999), durante muito tempo da história do ensino de línguas, a gramática lidava com correções e o papel do professor era conferir as regras que deveriam ser usadas corretamente. A concepção de gramática tem sofrido algumas mudanças e seu ensino tem se moldado dentro das várias abordagens de EL. Por esta razão, julgo pertinente trazer algumas definições de gramática antes de discutir questões que enfoquem o seu ensino. 1.2.1 Definições de gramática De acordo com Johnson e Johnson (1998, apud TUDOR, 2001), a gramática é um termo mutável, com diferentes significados para diferentes pessoas, mas que geralmente é usado com referências variadas pelo mesmo falante. Segundo Tudor (op. cit.), o termo, às vezes, é usado para se referir a aspectos do sistema lingüístico ou está relacionado a aspectos do processo de ensino ou a algumas atividades de aprendizagem. De acordo com o autor, 40 gramática está relacionada a regularidades ou padrões da língua através dos quais o falante organiza sua mensagem. Apresento, a seguir, algumas definições de gramática, que de acordo com Nunan (1999) tem sofrido alterações ao longo dos anos, uma vez que seu ensino tem se moldado aos interesses e necessidades dos aprendizes de língua, que tendem a ter uma maior preocupação com uma aprendizagem com foco na comunicação. Larsen-Freeman (2003) define gramática como uma habilidade para se fazer algo e não simplesmente armazenar conhecimento sobre a língua em uso. Para a autora, a gramática não é apenas forma, mas possui outras dimensões, como significado (semântica) e uso (pragmática); é a quinta habilidade a ser desenvolvida no aluno, ao lado da escrita, leitura, compreensão oral e fala. Em Nunan (1999) encontram-se as seguintes definições de gramática: (1) uma análise da estrutura da língua tanto em um corpus de discurso ou escrita (desempenho gramatical) quanto como um prognóstico do conhecimento de um falante (competência gramatical); (2) uma análise das propriedades estruturais que definem a linguagem humana (gramática universal); (3) um nível de organização estrutural que pode ser estudado independentemente da fonética ou semântica. A definição de gramática para o autor é: o estudo de como a sintaxe (forma), a semântica (significado) e a pragmática (uso) trabalham juntas para possibilitar que os indivíduos se comuniquem através da língua. Na área de Lingüística Aplicada também são encontradas algumas definições para o termo, como a de Richards, Platt e Platt (1997), para os quais gramática é a descrição da estrutura de uma língua e a forma como as unidades lingüísticas (como as palavras) e os sintagmas se combinam para produzir orações na língua. Geralmente, leva em conta os significados e as funções que as orações têm no conjunto do sistema da língua e que pode ou não incluir os sons de uma língua. Os autores também trazem a definição de gramática pedagógica, que seria a descrição gramatical de uma língua com fins pedagógicos, como por 41 exemplo, o ensino das línguas, a elaboração de programas ou a preparação de materiais didáticos. Uma gramática pedagógica pode embasar-se na análise gramatical e na descrição de uma língua; em uma teoria gramatical determinada; nos estudos dos problemas gramaticais dos que aprendem uma língua. De acordo com Ferreira (2001, p. 108), “a gramática pedagógica pode ser construída a partir de materiais bastante diversificados, fazer parte do próprio método utilizado na sala de aula ou integrar outros instrumentos pedagógicos”. Além disso, o professor e sua intervenção pedagógica também constituem tal gramática, que serve para os aprendizes construírem a sua aprendizagem. Neste trabalho, o termo gramática será definido como uma quinta habilidade a ser desenvolvida, juntamente com a fala, escrita, leitura e compreensão oral, convergindo com Larsen-Freeman (2003) e com Nunan (1999), para os quais gramática é um estudo de como forma, significado e uso interagem para que ocorra a comunicação. 1.2.2 O ensino da gramática Segundo Cobbett (1819, apud NUNAN, 1999), a gramática nos ensina a usar as palavras, ou seja, nos ensina a fazer uso delas de uma maneira correta, nos ensina a sermos capazes de escolher as palavras que devem ser usadas e, para tal, devemos nos atentar a princípios e regras, que constituem o que se chama de gramática. Assim, surgiu uma gramática para escolas que reforçava que esta estava relacionada ao “fazer correto”, para que os pensamentos fossem expressos de maneira adequada, seja em forma de discurso ou escrita. De acordo com Nunan (op. cit.), para a maioria das pessoas, a essência da língua está relacionada à gramática, ou seja, quando se diz que “faltam habilidades lingüísticas” para 42 alguém, geralmente o que falta é habilidade para que as pessoas se expressem gramaticalmente. Para Larsen-Freeman (1991), talvez a associação mais comum à palavra gramática seja a palavra regra. A autora faz, porém, duas qualificações para o uso de tal termo. A primeira é que as regras sempre têm exceções e a segunda é que as regras gramaticais sempre parecem ser formulações arbitrárias. Quanto ao fato de a gramática ser um conjunto de regras arbitrárias, Larsen-Freeman (1997) aponta que este é um dos mitos que se tem sobre o ensino da gramática e acrescenta que, ao contrário disso, a gramática é um conjunto de regras com sentido. Também de acordo com a autora, há três dimensões lingüísticas que se deve saber: forma, significado e uso, e como a gramática não se refere somente à forma, os professores de língua devem ajudar os alunos a usar as estruturas de acordo com o significado e de maneira apropriada. Portanto, as três dimensões explicitam a necessidade de que os alunos aprendam a usar as estruturas gramaticais com precisão, significado e de maneira apropriada. A autora acrescenta que é a favor de uma abordagem multifacetada do ensino da gramática, utilizando- se diferentes técnicas de ensino para cada uma das diferentes dimensões. Ainda com relação às regras, Zozzoli (2001) faz uma distinção entre as regras gramaticais que pertencem a um construto teórico e as regras em constituição pelo aluno, dizendo que as primeiras são levadas pelo professor, pelo livro didático e pela abordagem subjacente às atividades propostas, presentes também no discurso normativo da escola ou sociedade, que defende a idéia de que saber sobre a língua proporciona saber usá-la. As segundas estão presentes nas etapas subjetivas da evolução da aprendizagem, mas não dependem somente de processos subjetivos, pois também são conseqüências de saberes veiculados tanto em ambiente formal de aprendizagem como em ambiente não institucional. De acordo com Bon (1995), em gramática, é freqüente que se estabeleçam hierarquias entre as formas apresentadas e que se considerem algumas melhores e mais 43 corretas que outras. Geralmente, as consideradas melhores são as mais formais ou mais literárias, o que contradiz o funcionamento real dos idiomas, uma vez que não se leva em conta que não se fala da mesma maneira em todas as situações, pois existem diferentes registros. Ainda de acordo com o autor, um bom domínio do idioma consiste, entre outras coisas, em adaptar-se ao registro mais apropriado para cada situação. Essa análise do funcionamento de um idioma através de uma perspectiva que leve em conta a comunicação e que situa os interlocutores e a interação que existe entre eles é chamada, segundo o autor, de gramática comunicativa. Além das regras gramaticais, outro ponto que se discute em relação à gramática é a maneira como ela é adquirida. De acordo com Ferreira (2001), do ponto de vista da pedagogia das línguas (maternas, segundas ou estrangeiras) há duas situações muito diferentes: a criança e o adolescente que, na escola, aprendem a refletir sobre o funcionamento da L1, fazem essa reflexão a partir de um saber internalizado prévio; já o adulto e o adolescente expostos a um sistema lingüístico que lhes é estrangeiro, para lidar com os dados de um novo sistema, devem contar com a gramática internalizada da L1, por vezes muito diferente da LE. Observa-se, então, que de um lado a gramática é vista como saber intuitivo, implícito e, do outro, como construtos metalingüísticos explícitos que se oferecem como um saber declarativo, explícito. O ensino da gramática, tanto de L1 quanto de LE, tem sido paradigmático das discussões a respeito das relações entre saber explícito e saber implícito. Para Bialystock (1978, 1981, apud XAVIER, 2001), há duas fontes de conhecimento no cérebro, o implícito e o explícito, que são considerados construtos hipotéticos, pois eles não representam em nenhum sentido psicológico a maneira como a informação da língua é ali armazenada. Donaldson (1993, apud FERREIRA, op.cit.) aponta que uma definição para saber explícito e implícito consiste em distinguir entre saber e saber que sabe. Poder dizer o que se 44 sabe e investigar o nosso próprio conhecimento e refletir sobre ele, este é o saber explícito para o autor. Para Ellis (1994, apud FERREIRA, op. cit.), saber implícito é a aquisição de conhecimento sobre a estrutura subjacente de um estímulo ambiental complexo por um processo que ocorre naturalmente. O saber explícito é uma operação mais consciente, com a construção e testes de hipóteses pelos indivíduos que buscam uma organização estruturada. A diferença entre eles é a maneira como o conhecimento é adquirido, como mostra Xavier (2001): Conhecimento Explícito Conhecimento Implícito � Foco na forma. � Conhecimento consciente. � Informação analisada. � Correção explícita. � Feedback metalingüístico . � Uso de materiais complementares para o estudo da gramática. � O acesso à informação é deliberado e fácil. � Conduz à precisão lingüística e ao monitoramento. � Foco no significado. � A gramática é adquirida através do significado. � Utilização de leituras, filmes, conversas com nativos. � A aquisição da forma através do significado se dá de maneira implícita. � O acesso à informação é fluente e automático. � Conduz à fluência. Quadro 4: Diferenças entre conhecimento explícito e implícito, extraído de Xavier (2001). Segundo Pinto (2004), questiona-se, então, se na pedagogia de gramática de LE / L2 o aprendiz deve adotar uma conduta de aprendizagem consciente (explícito) ou assumir uma postura que privilegie a absorção da linguagem de forma incidental e intuitiva (implícita). De acordo com o que será exposto mais detalhadamente na seção a qual tratará das abordagens de ensino e aprendizagem de LE neste estudo, até meados do século XX, no Método Gramática-Tradução, predominavam as técnicas de ensino explícito. Com o audiolingualismo, um dos pioneiros na tentativa de se ensinar a LE para comunicação oral no Brasil, a abordagem explícita foi minimizada. A partir dos estudos de Krashen (1982, apud PINTO, 2004), o conceito de aprendizagem implícita transformou-se em aprendizagem irrefletida, com uma absorção inconsciente e a aquisição se dava através da exposição de forma incidental. Para Krashen (op. cit.), o termo explícito significa o conhecimento consciente das regras gramaticais e a aquisição ocorre quando os alunos estiverem expostos a 45 um insumo compreensível, que deve ser um pouco além do nível da competência atual e um filtro afetivo propício. Segundo Xavier (2001), não se deve banir completamente das aulas de inglês as explicações gramaticais, uma vez que o ensino explícito da gramática pode acelerar o processo de aquisição, pois se o aprendiz souber um dado conteúdo gramatical, ele poderá identificá-lo na produção de outros e a aquisição implícita pode ocorrer; pode facilitar a aquisição de formas, que não foram explicitamente ensinadas; pode exercer um monitoramento na produção oral ou escrita; pode funcionar como um sistema para checar hipóteses feitas pelos alunos. A autora, porém, acredita que o ensino não deva ser centrado na gramática, posição convergente com o que se acredita nesta pesquisa. Para Foto e Ellis (1991), a gramática pode ser ensinada para que situações comunicativas sejam desenvolvidas, ou seja, para que os alunos sejam capazes de utilizar os conteúdos gramaticais em situações reais de uso da língua. Esta é a chamada posição de interface forte. Por outro lado, os mesmos autores sugerem que na posição de interface fraca, a instrução gramatical chama a atenção dos alunos para características da língua e permite que eles desenvolvam seus conhecimentos, porém não os incorporem em sua interlíngua até que alcancem o estágio de desenvolvimento exigido e adequado. Através destes três pontos de vista, percebe-se que há muitas controvérsias em relação ao estudo da gramática. Nas propostas atuais de ensino de LE, a gramática pode oferecer ajuda aos alunos para que eles desempenhem sua função comunicativa. Nunan (1998) aborda outra questão a ser tratada no ensino da gramática que é a maneira como ela é vista nos programas de língua estrangeira e materiais de ensino, que são baseados em um modelo linear de aquisição de língua, no qual ela é adquirida item por item, um por vez, em um modelo seqüencial de passo a passo. O autor, metaforicamente considerou este processo como a construção de uma parede, na qual, aos poucos colocava-se um “tijolo” 46 lingüístico. Os tijolos gramaticais fáceis eram colocados na parte inferior da parede, dando suporte aos mais difíceis, baseando-se na premissa de que os alunos adquirem um item gramatical de cada vez. Porém, ao observar os alunos, percebe-se que a precisão gramatical não acontece de uma maneia linear, pelo contrário, os vários elementos da língua interagem e são afetados por outros elementos lingüísticos (NUNAN, 1999). Devido a essa observação, Nunan (1998, 1999) adotou o que se chamou de “abordagem orgânica” para a pedagogia de LE, na qual, a aquisição é vista como um jardim no qual as flores lingüísticas não aparecem ao mesmo tempo e nem crescem na mesma proporção. Através desta perspectiva, os alunos não aprendem um item perfeitamente, cada um na sua vez, mas vários itens simultaneamente e de maneira imperfeita. A precisão se desenvolve irregularmente e o ritmo do desenvolvimento é determinado por fatores pessoais, intervenções pedagógicas, processos de aquisição e ambiente em que o discurso ocorre. O autor, porém, não nega que alguns itens são adquiridos antes de outros ou que haja uma certa linearidade em seu desenvolvimento e se explica dizendo que aquisição de línguas é um fenômeno complexo e multifacetado no qual os itens são adquiridos tanto hierarquicamente como a partir de desenvolvimentos lingüísticos. Através da “abordagem orgânica”, os alunos aprendem as formas estruturais corretamente além de aprender como usá-las em um sentido comunicativo, ou seja, ensina aos alunos como atingir seus objetivos comunicativos através do uso de recursos gramaticais existentes na língua. Lightbown e Spada (1993), referindo-se a algumas idéias populares sobre o ensino de gramática, criticam a crença generalizada de que “os professores deveriam apresentar regras gramaticais uma de cada vez e os alunos deveriam praticar exemplos de cada uma antes de ir para uma outra” (p. 113)3. A posição das autoras quanto a essa questão é a de que a aprendizagem não é linear e que os alunos devem aprender a usar adequadamente uma 3 Teachers should present grammatical rules one at a time, and learners should practise examples of each one before going on to another. 47 determinada forma em um estágio, errar seu uso em um outro estágio, para acertá-lo novamente em um nível superior. Para as autoras, é o que geralmente acontece ao se incorporar uma nova informação sobre a língua que se está aprendendo, o que se comprova que desenvolver uma língua não é apenas acrescentar regras e mais regras, mas integrar regras novas ao antigo sistema, reajustá-las e reestruturá-las até que todas as peças se encaixem. Concorda-se com as autoras e também com a posição de Nunan (op. cit.) quanto à abordagem orgânica: vários itens gramaticais podem ser ensinados de uma vez e o uso de tais itens levará à incorporação das regras. Também de acordo com Nunan (1998), os livros de cursos geralmente apresentam a gramática fora de contexto e aos alunos são apresentadas frases isoladas, as quais espera-se que eles as internalizem através de exercícios de repetição, manipulação e transformação gramatical. Isso pode levar o aluno a ter um conhecimento “sobre” a língua e o que ele precisa é ter oportunidade de ver a relação existente entre forma, significado e uso. Os aprendizes não têm oportunidades de explorar a gramática em contexto e é difícil para eles ver como e porque formas alternativas existem para expressar diferentes significados comunicativos. Se o valor comunicativo e não o das formas gramaticais alternativas não se tornar claro para os aprendizes, eles podem sair das salas de aula com a impressão de que as formas alternativas só existem para dificultar as coisas. Ainda com relação ao foco na forma ou no significado, Larsen-Freeman (1991) afirma que durante anos os professores de línguas alternaram entre ser favoráveis ao ensino baseado na forma ou no uso, levando-se à discussão de que um estudante estaria apto a usar a língua de maneira comunicativa a partir da comunicação real naquela língua ou aprendendo a léxicogramática, ou seja, aprendendo palavras e estruturas gramaticais. Segundo a autora, esta é uma questão de difícil solução, pois para alguns alunos, é possível aprender a se comunicar sem a exposição à instrução formal e, para outros, é necessário que haja tal instrução, embora 48 estes também atinjam uma boa proficiência comunicativa. Isto prova a versatilidade dos aprendizes e também o fato de que algumas pessoas têm uma aptidão natural para adquirir língua e obterão sucesso em qualquer circunstância. Por outro lado, há também os alunos para os quais nenhuma abordagem leva a um sucesso absoluto na aprendizagem de uma segunda língua. Portanto, talvez uma questão mais importante do que se enfocar foco na forma ou no uso seja como ajudar todos os aprendizes a obter sucesso naquilo que eles querem ou precisam. Para isso, o professor precisa atentar-se às várias abordagens de se ensinar gramática e às necessidades dos seus alunos. O arcabouço teórico deste trabalho, na seção 1.3, discutirá as abordagens de maneira mais aprofundada. Widdowson (1991) faz uma distinção entre forma e uso. “O primeiro se refere à citação de palavras e frases enquanto manifestação de um sistema lingüístico e o segundo, à maneira pela qual o sistema se materializa com a finalidade de comunicação” (p. 36). Para se saber uma língua, não basta ter um conhecimento das formas corretas (gramática), mas o aprendizado dever ser complementado pelo conhecimento de uso (comunicativo). Porém, de acordo com o autor, o contrário não procede: é possível obter conhecimento de estruturas lingüísticas sem que se atinja um conhecimento de uso comunicativo. O professor deveria, então, preocupar-se com o ensino de ambas as formas de conhecimento, pois aparentemente, os aprendizes com bom conhecimento sobre as formas de uma língua sentem-se perdidos em situações de uso real desta língua, visão compartilhada por mim. Seedhouse (1997) faz uma comparação entre as aulas focadas somente na forma ou somente no significado. Para o autor, algumas das desvantagens das aulas com foco na forma são: a falta de correspondência entre as formas praticadas e qualquer tipo de palavra de significado real; falta de desenvolvimento da fluência e o discurso natural não ocorre fora da sala de aula. O autor também cita as desvantagens de se focar somente no significado: as expectativas das formas lingüísticas produzidas pelos alunos são diminuídas pelos 49 professores, que fazem concessões para entender e aceitar sua interlíngua e o fato de o professor não corrigir os erros, pode levar à fossilização dos mesmos. Seedhouse (op. cit.) propõe, então, o chamado “foco duo”, uma maneira de focar simultaneamente na forma e no significado, idéia compartilhada com Ellis (1994, apud SEEDHOUSE, op. cit.), que sugere que as atividades podem ser comunicativas enquanto os aprendizes também prestam atenção nas formas lingüísticas, e com Widdowson (1990, apud SEEDHOUSE, op. cit), que propõe atividades gramaticais comunicativas com o objetivo de combinar “repetições lingüísticas” com o seu necessário foco na forma, e propósitos não-lingüísticos com seu necessário foco no significado. Seedhouse (op. cit.) considera, então, ser possível que os professores criem e mantenham o “foco duo”, unindo na sala de aula o foco na forma e o foco no significado. O lugar da instrução gramatical na grade curricular de ensino de LE também tem sido fortemente debatido nos últimos 30 anos. Com o método Gramática-Tradução a gramática apresentava grande peso, que começou a declinar com a chegada do Audiolingualismo, perdendo quase que exclusivamente sua importância com o advento da Abordagem Comunicativa, proposta por alguns pesquisadores e lingüistas aplicados, que defendiam, no seu início, o abandono do ensino da gramática, em favor de se criar oportunidades para o uso natural da língua (ELLIS, 2001; HINKEL e FOTOS, 2002). Hinkel e Fotos (2002) propõem que a gramática seja incluída no currículo para ser usada inclusive junto a tarefas de base comunicativa, porém sugerem que se ensine gramática somente aos alunos que já desenvolveram base lexical e que são capazes de se engajar em atividades com foco no significado, embora tenham ainda uma língua gramaticalmente inadequada. Outra proposta das autoras é que a gramática seja ensinada separadamente, sem que haja tentativa de integrá-la a componentes baseados em tarefas e que os professores ensinem gramática focando a ajudar os alunos a desenvolverem o conhecimento explícito. Concordo com as autoras que a gramática também seja ensinada em aulas cujo objetivo seja mais comunicativo, 50 porém que esta seja ensinada sempre e desde os primeiros estágios, e não apenas aos alunos que já desenvolveram uma base lexical. À guisa de fechamento desta seção, concordo com Hinkel e Fotos (op. cit.) para as quais o lugar da gramática na grade curricular será tema de debate por longos anos, bem como todas as questões aqui levantadas, como o conhecimento implícito e explícito, o foco na forma ou no significado e a abordagem linear ou “orgânica” de se ensinar gramática. Percebe- se que o ensino da gramática é um tema vasto e que ainda tem muito a ser pensado e estudado. 1.3 Abordagens de ensino e aprendizagem de línguas O ensino de línguas (EL) é um fenômeno social influenciado pelo contexto sociocultural no qual ocorre. Por isso, as várias opções de escolhas em termos de materiais não garantem resultados prontos, pois ensinar é uma atividade humana complexa. Segundo a abordagem ecológica – o ensino de línguas entendido como fenômeno emergente da dinâmica interacional de pessoas atuando dentro de contextos específicos (TUDOR, 2001), para se entender o que se passa em sala de aula, é necessário entender os diferentes participantes (internos e externos) da sala de aula e explorar as suas identidades. Porém, a diversidade dos alunos e professores faz com que o EL seja um processo abrangente, uma vez que seus participantes têm diferentes percepções sobre ele, sobre a língua-alvo (L-alvo) e sobre si mesmos. De acordo com Tudor (op. cit.), se todos os participantes vissem o ensino e a aprendizagem de línguas da mesma maneira e definissem seus objetivos com os mesmos termos, uma abordagem tecnológica do ensino (que foca potencialidades e adquire uma relação bastante linear entre a produção e o processo) provavelmente seria bem adequada. 51 De acordo com Tudor (op. cit.), a sala de aula também é formada pelas racionalidades, conjunto coerente de crenças sobre a natureza e os objetivos do EL que podem ou não ser explicitamente formuladas, mas constituem a estrutura de referência dentro do qual os participantes interagem e o avaliam. Deve-se, portanto, considerar a racionalidade dos alunos, dos professores, bem como as metodológicas, as socioculturais e as institucionais e corporativas ao analisar-se uma sala de aula. Nesta pesquisa, porém, serão consideradas apenas as duas primeiras (alunos e professores). De acordo com Almeida Filho (1993), “aprender uma nova língua na escola é uma experiência educacional que se realiza para e pelo aprendiz/aluno como reflexo de valores específicos do grupo social e/ou étnico que mantém essa escola” (p. 11). As tradições de ensinar línguas nas escolas exercem influências sobre o professor, que traz para o ensino disposições pessoais e valores desejáveis da sua própria abordagem. Para Almeida Filho (2005), o termo “ensinar”, concebido como dar, passar, transmitir conhecimentos, tem sentidos mais amplos “que se expandiu para construção de experiências válidas (re)afirmadoras de auto-estima, envolventes e motivadoras para e com os alunos no sentido de apoiar a aprendizagem (...)” (p. 63). Ainda é possível presenciar no contexto brasileiro salas de aulas organizadas de maneira que o ensino fique centralizado no professor. Um exemplo disso é a própria disposição das carteiras em sala de aula: enfileiradas, com os alunos virados de frente para a lousa e para a mesa do professor, que passa praticamente a aula toda em pé, com as atenções voltadas para a sua fala e suas ações, ou seja, sua abordagem. Almeida Filho (1993) entende que abordagem “é uma filosofia de trabalho, um conjunto de pressupostos explicitados, princípios estabilizados ou mesmo crenças intuitivas quanto à natureza da linguagem humana, de uma língua estra