1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE ARTES LICENCIATURA EM ARTE - TEATRO “HAMLET” DE STANISLÁVSKI E CRAIG O DRAMA DOS BASTIDORES EDILAINE DIAS SÃO PAULO 2017 2 Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP D541h Dias, Edilaine, 1990- Hamlet de Stanislávski e Craig : o drama dos bastidores / Edilaine Dias. – São Paulo, 2017. 115 f. : il. Orientador: Profª. Drª. Lúcia Regina Vieira Romano Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Arte - Teatro) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes. 1. Teatro russo -- História e crítica. 2. Representação teatral. 3. Stanislavski, Konstantin. 4. Craig, Edward Gordon. I. Romano, Lúcia Regina Vieira. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 792.0922 (Mariana Borges Gasparino - CRB 8/7762) 3 EDILAINE DIAS “HAMLET” DE STANISLÁVSKI E CRAIG O DRAMA DOS BASTIDORES Monografia de graduação apresentada à banca de Graduação do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito para obtenção do diploma de Licenciatura em Arte – Teatro, com orientação da Profa. Dra. Lucia R. V. Romano. SÃO PAULO 2017 4 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE ARTES TERMO DE APROVAÇÃO A Banca Examinadora, abaixo assinada, avalia a Monografia “Hamlet” de Stanislávski e Craig: o drama dos bastidores, elaborada por Edilaine Dias. Monografia examinada: São Paulo, no dia ........./........./.......... Comissão Examinadora: Orientadora: Profa. Dra. Lúcia Regina Vieira Romano Doutora em Artes Cênicas pela Escola de Comunicação e Artes - USP Departamento de Artes Cênicas, Educação e Fundamentos da Comunicação - UNESP Prof. Dr. José Manuel Lázaro de Ortecho Ramírez Doutor em Artes Cênicas pela Escola de e Artes - USP Departamento de Artes Cênicas, Educação e Fundamentos da Comunicação - UNESP Aprovada em: Grau: SÃO PAULO 2017 5 Dedico à minha família, Com amor. 6 AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Ana e Valdomiro, por todo a dedicação, carinho e apoio incondicional. Às minhas irmãs, Alessandra Dias Laine e Elisandra Dias Peiker, por serem as melhores em tudo, e principalmente minhas melhores amigas. À minha orientadora, Dra. Lúcia Romano, por elucidar caminhos, dar conselhos preciosos e me incentivar a encontrar beleza nesse processo. Aos professores do DACEFC e do DAP: José Manuel O. Ramírez, Marianna M. Monteiro, Rita B. Bredariolli, Mário Bolognesi, Eliane B. G. Bruno (em memória), Theda Cabrera, Alexandre Francischini, Pedro Haddad, Natália S. Marpica, Gabriel Bueno, Paco Abreu, Suely Master, Carminda M. André, Lilian F. Vilela, Kathya A. Godoy, Mariana Souto, José Leonardo do Nascimento, Fabíola C. Alves, José P. Spaniol e Percival Tirapeli; pela generosidade e o valioso aprendizado ao longo dos anos, e por me mostrarem outra forma de estar no mundo. Ao professor Alexandre Mate, que teve papel fundamental no meu ingresso à pesquisa histórica, através do trabalho no Portal Teatro sem Cortinas. Aos funcionários do Instituto de Artes, que tornam todas as coisas possíveis. Às minhas avaliadoras no XXIX Congresso de Iniciação Científica da UNESP, Professoras Wania Storolli e Rejane Coutinho, com quem eu pude conversar sobre esse trabalho e me ofereceram uma importante devolutiva para os momentos finais. Ao LAT 013: Caio Bichaff, Camila Rodrigues, Ingrid Taveira, Ana Lee, Thiago Camacho, Thays Bassi, Catarina Milani, Laís Yumi, Valéria Cardozo, Thais Kaori, Tathi Yates, Vanessa Furtoso, Bibiana Caneppele, Amanda Stahl, Caroline Araújo, Iolanda Lourenço, Zé Olegário Neto, Sofia Vercelli e Ricardo Vizinho; por todas as loucuras que passamos juntos e por serem os melhores parceiros de jornada. Agradecimentos especiais à Tati Steinecke, que esteve comigo durante os melhores e piores espetáculos que vi na vida; Igor Erbert, grande companheiro de shows de rock; Fernando Lopes, com quem compartilhei tanto ao longo dos anos; e Raphael Andrade, meu gêmeo, que me faz uma falta enorme! À Anne Courtois, Virginie Loth e Jean Pierre Kaletrianos, professores maravilhosos com quem tive a sorte e a alegria de estagiar no Liceu Pasteur, e que me ensinaram tanto. Ao Júlio César Nogueira, que sempre acreditou na beleza e na verdade, que trilhou os caminhos dessa universidade antes de mim e me ajudou a seguir esses passos. Ao Lucas Manzano, pelas conversas filosóficas, por estar sempre pronto para criticar toda a cena teatral contemporânea, e pelos memes motivacionais! Aos pesquisadores e tradutores que produziram e tornaram acessíveis as obras que fizeram esse trabalho possível. E ao meu grande ídolo, William Shakespeare, cujas palavras mágicas me motivaram a buscar o teatro; da mesma forma que instigaram Stanislávksi e Gordon Craig a produzir Hamlet, e começar uma revolução! 7 RESUMO A presente pesquisa propõe estudar o processo de criação do espetáculo Hamlet, de William Shakespeare, pelo Teatro de Arte de Moscou; espetáculo apresentado em 1912, icônico por suas inovações técnicas e cenográficas. Contraditório em suas tendências artísticas, nascidas do encontro criativo entre Konstantin Stanislávski e Edward Gordon Craig, a obra exemplifica a confluência (e o choque) entre o naturalismo e o simbolismo, duas correntes artísticas das mais dominantes no século XX. Através da análise desse encontro ímpar na perspectiva da encenação, buscaremos estabelecer a discussão sobre estéticas teatrais, questionando a distinção entre as linhas de cunho ilusionista e as linhas mais teatralistas, tendo nos dois diretores o nascedouro de duas vertentes específicas tanto em relação ao lugar da interpretação, quanto aos demais elementos da cena. PALAVRAS-CHAVE Teatro de Arte de Moscou; Stanislávski; Craig; Hamlet; História do Teatro; Encenação. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES 1. Retrato de Kontantin Stanislávski................................................................................15 2. Primeira formação do Teatro de Arte de Moscou........................................................19 3. Anton Tchèkhov com o elenco do espetáculo A Gaivota............................................23 4. Retrato de Edward Gordon Craig.................................................................................29 5. Gordon Craig em espetáculo com Ellen Terry.............................................................31 6. Isadora Duncan e Edward Gordon Craig.....................................................................35 7. Stanislávski em cena no espetáculo Muito Barulho por Nada.....................................38 8. Stanislávski em cena como Otelo.................................................................................40 9. Edward Gordon Craig em cena como Hamlet..............................................................43 10. Vista interior do Teatro de Arte de Moscou.................................................................49 11. Isadora Duncan em cena...............................................................................................50 12. Vista exterior do Teatro de Arte de Moscou................................................................60 13. Vasily Kachalov como Hamlet.....................................................................................66 14. Desenho de Gordon Craig para cenário de Hamlet......................................................67 15. Vasily Kachalov e Olga Knípper em Hamlet...............................................................77 16. Gordon Craig com maquete do cenário........................................................................82 17. Retrato de Nemiróvitch Dântchenko............................................................................84 18. Retrato de Leopold Sulerjítski......................................................................................87 19. Desenho de Gordon Craig para figurino de Hamlet.....................................................90 20. Desenho de Gordon Craig para figurino da personagem Ofélia..................................91 21. Desenho de Craig para cenário de Hamlet...................................................................94 22. Nikolai Massalitinov e Olga Knípper em Hamlet......................................................100 23. Desenho de Craig para cena de Hamlet......................................................................102 24. Ator do TAM caracterizado para cena do espetáculo................................................102 25. Cena final do espetáculo.............................................................................................105 9 SUMÁRIO 1. Considerações sobre um espetáculo que deu errado: os caminhos da pesquisa.........9 2. Prólogo.....................................................................................................................12 3. Ato I: Um profeta da beleza e da verdade................................................................15 3.1. Cena 1: O Teatro da Gaivota.............................................................................16 3.2. Cena 2. Inteligência, Vontade e Sentimento.....................................................23 4. Ato II: O Teatro do Futuro......................................................................................29 4.1. Cena 1: Os Artistas do Teatro do Passado........................................................30 4.2. Cena II: Voz, Cenário e Movimento.................................................................34 5. Ato III: A Cena Shakespeariana...............................................................................38 5.1. Cena 1: Um Shakespeare Russo........................................................................39 5.2. Cena 2: Um Shakespeare Vitoriano..................................................................43 5.3. Cena 3. O Shakespeare Elisabetano..................................................................46 6. Ato IV: Grandes emoções para retratar e grandes palavras para dizer....................49 6.1. Cena 1: A Divina Ninfa vinda do Olimpo.........................................................49 6.2. Cena 2: Rumo à um Novo Teatro......................................................................56 6.3. Cena 3: Primeira Viagem à Moscou..................................................................60 6.4. Cena 4: Segunda Viagem à Moscou..................................................................64 7. Ato V: O inverno do nosso descontentamento.........................................................77 7.1. Cena 1: O Espírito contra a Matéria..................................................................77 7.2. Cena 2: Terceira viagem à Moscou...................................................................81 7.3. Cena 3: Som e fúria...........................................................................................88 7.4. Cena 4: Estar preparado é tudo..........................................................................95 8. Epílogo...................................................................................................................108 9. Bibliografia.............................................................................................................113 10 CONSIDERAÇÕES SOBRE UM ESPETÁCULO QUE DEU ERRADO OS CAMINHOS DA PESQUISA No ano de 2014, meu segundo ano na graduação, seguindo uma proposta da Profª. Drª. Lúcia Romano para a disciplina Laboratório da Atuação e da Performance, eu entrevistei dois intérpretes teatrais - Chico Carvalho e Marco França, da companhia Clowns de Shakespeare - que eu havia assistido em espetáculos distintos, encarnando o mesmo papel - Ricardo III, da peça de mesmo nome de William Shakespeare. As duas entrevistas tiveram como assunto principal as diferentes formas, linguagens e significados, que damos às obras do dramaturgo renascentista contemporaneamente. Surgiu nesta ocasião o interesse por desenvolver um pesquisa que tratasse da encenação de obras clássicas no teatro contemporâneo. No ano seguinte, vinculado ao trabalho que eu realizava no projeto de extensão Portal Teatro sem Cortinas com pesquisa histórica em artes cênicas, em conversa com a Profª. Lúcia, fizemos um levantamento sobre o tema, onde surgiu a sugestão de rastrear o trato com tais obras na história da encenação e, desde o primeiro momento com grande destaque, apareceu o interesse sobre a produção de Hamlet do Teatro de Arte de Moscou, espetáculo fruto da então misteriosa parceria entre Stanislávski e o simbolista Edward Gordon Craig. Nos três anos decorridos entre o momento que decidi ter esta montagem como objeto de estudo até a finalização do trabalho aqui apresentado, muitas descobertas e mudanças foram feitas. Com uma bibliografia rara e escassa, um aprofundamento no assunto parecia impossível à princípio. As fontes que compõem essa pesquisa foram obtidas por uma eventual mistura de empenho e sorte. Por sorte (ou sinais do tempo, quem sabe...), nos últimos anos parece ter surgido um movimento de "revisar" a obra de Konstantin Stanislávski, que costumava estar arraigado em nosso imaginário coletivo como um artista do realismo teatral, cujo trabalho seria indissociável das produções de Anton Tchékhov; realizações de tamanho cunho ilusionista, que os atores do Teatro de Arte de Moscou chegavam a sentar-se em um banco de costas para o público de modo a criar uma quarta parede entre palco e plateia. Inaugurando a linha de revisão do trabalho e dos objetivos artísticos de Stanislávski, figura a publicação de 2015, Stanislávski: Vida, Obra e Sistema, de Elena Vássina e Aimar Labaki; uma das minhas principais fontes, que traz uma variedade de informações e documentos até então inéditos e traduzidos pelos autores diretamente do russo. Paralelamente, também têm sido lançados trabalhos sobre a teoria e produção artística de Gordon Craig, realizador que ocupa papel crucial como um dos teóricos e 11 encenadores responsáveis pelas revoluções da cena teatral do início do século XX, mas cuja obra não tem encontrado grande repercussão na cena brasileira, onde não costuma ser comentado ou estudado. Contando anteriormente com somente com uma antiga edição portuguesa do primeiro livro de Craig, Da Arte do Teatro, pude ter como fontes essenciais os livros Gordon Craig: A Pedagogia do Über-marionette, lançado por Almir Ribeiro em 2016, e Rumo a um Novo Teatro & Cena, publicação do próprio Craig, em edição de 2017 traduzida e comentada por Luiz Fernando Ramos. Ainda como obras bibliográficas centrais nesta monografia, encontram-se O Cotidiano de uma Lenda: Cartas do Teatro de Arte de Moscou, na qual Cristiane Takeda reconstrói diálogos e processos travados entre figuras de destaque do TAM (e, conseqüentemente, da história do teatro moderno); a autobiografia de Konstantin Stanislávski, Minha Vida na Arte, traduzida do russo e que encontra-se atualmente fora de catálogo; e a biografia de Craig escrita por seu filho Edward Craig, com o nome de Gordon Craig: The Story of His Life, sem tradução para o português. Finalizando a bibliografia principal deste trabalho, estão outros dois livros que não possuem edições brasileiras, Your Isadora: The Love Story of Isadora Duncan and Edward Gordon Craig de Francis Steegmuller, que apresenta diários e correspondências trocadas entre o encenador e a bailarina, revelando muito do início do processo de produção de Hamlet; e por fim Gordon Craig's Moscow Hamlet: A Reconstruction, onde o pesquisador Laurence Senelick reconstrói cada etapa da criação do espetáculo e sua influência na cena teatral posterior. Tendo acesso à esse rico material, estabeleci como base do trabalho o máximo aproveitamento dessa bibliografia de difícil acesso, com a esperança de que as informações contidas nela possam atingir de forma mais abrangente um público interessado. A concretização da presente pesquisa deve-se à minha crença de que é fundamental compreender as origens da arte e do teatro feito hoje. Tendo participado de diversos cursos e oficinas teatrais ao longo da minha formação, vejo que o Sistema de Stanislávski compõem a base da maneira como estudamos e experienciamos o teatro. No entanto, como dito anteriormente, creio haver uma visão parcial do Sistema, que limita a forma como o entendemos e experimentamos. Acredito ser nesse contexto essencial rever, redescobrir e revisitar as propostas de Stanislávski, e espero contribuir para isso, lançando luz sobre Hamlet, esta que se apresenta como uma das produções mais obscuras do artista russo. O ponto de maior interesse em Hamlet encontrasse precisamente no fato de que, à despeito da repercussão que a montagem obteve ao longo dos anos, para ambos os criadores ela constituiu um fracasso. Contrapondo as aspirações de Stanislávski e Craig com as limitações impostas pela materialidade da cena e os resultados por eles obtidos, percebemos a potencialidade deste espetáculo no desenlace de discussões relativas não 12 somente à linhas estéticas teatrais, mas também em relação às limitações humanas expressas na arte. À respeito dos caminhos que percorri durante a realização desta pesquisa, creio que o envolvimento que acabei por estabelecer com as personagens dessa história tem grande responsabilidade pela forma que o trabalho assumiu, títulos “literários” e uma brincadeira com a clássica estrutura dramática. À princípio, tinha o desejo de realizar uma escrita romanceada, que apresentasse parte do evento ou alguns de seus momentos na forma de uma narrativa ficcional. No entanto, a ideia foi descartada no momento em que tive acesso às cartas aqui apresentadas. Além de trazerem muito bem para o texto a perspectiva em primeira pessoa, elas nos revelam uma história conflituosa e emotiva. Provavelmente a realidade que elas testemunham é muito superior em dramaticidade à qualquer ficção que eu poderia criar. As cartas aqui transcritas humanizaram estas grandes figuras históricas e me fizeram entender melhor as limitações e problemas enfrentados em sua produção artística. Algo que eu acredito ser fundamental enquanto estudante de licenciatura. Vendo na produção deste afamado espetáculo um processo pedagógico (algo que ganha destaque ao longo do texto através da aplicação por Stanislávski de seu Sistema na preparação dos atores), percebo melhor a necessidade de construir percursos materialmente realizáveis para a consecução de qualquer projeto em teatro; ao mesmo tempo que, contrapondo as ambições e realizações de Stanislávski e de Craig, acredito tê-los retratado de forma palpável e sensível, e as conversas travadas entre eles poderiam muito bem ter surgido entre os estudantes do Instituto de Artes, à partir de alguma das aulas que cursei nesta graduação. 13 PRÓLOGO Há muitas lendas que cercam a história do Teatro de Arte de Moscou (TAM), desde acontecimentos reais que se tornaram míticos, até visões parciais ou mesmo distorcidas de certos fatos que, com o passar do tempo, ganharam dimensões grandiosas, ultrapassando o limiar da especulação, para juntarem-se (quase) definitivamente ao imaginário que temos do TAM hoje. Essa pesquisa consiste no debruçamento sobre um destes momentos que adquiriram ares míticos para a história do Teatro Ocidental, a montagem de Hamlet pelo TAM. O trabalho constrói-se na tentativa de desvendar um pouco do percurso desta encenação e os personagens envolvidos em sua criação, que são figuras que revolucionaram a arte teatral de seu tempo e das quais ainda sentimos forte influência no teatro contemporâneo, fundamentado, em grande parte, sobre seus trabalhos. Assim, o que aqui está reunido foi escrito com a esperança de ajudar a esclarecer alguns dos caminhos, atalhos e trajetos tortuosos que temos trilhado. O Teatro fundado por Konstantin Stanislávski (1863-1938) e Vladímir Ivanovitch Nemiróvitch Dântchenko (1858-1943) na Rússia, após uma conversa que durou, segundo consta, 16 horas - iniciada no restaurante Slaviánski Bazar, em Moscou, e finalizada da casa de Stanislávski -, iniciou suas atividades em 1898 e acabou por tornar-se mundialmente famoso, em virtude de seu trabalho. São repetidamente citadas as obras de veracidade na reconstrução histórica, apresentada desde os primeiros anos do TAM, em espetáculos como O Czar Fiódor, de Aleksei Tolstói, e Júlio César, de William Shakespeare; e de realismo psicológico, especialmente, vinculado às peças do escritor e dramaturgo Anton Tchékhov (1860-1904), tornado uma espécie de “dramaturgo oficial” do TAM, através dos espetáculos A Gaivota, Tio Vânia, As Três Irmãs e O Jardim das Cerejeiras. Posterior à fase das reconstruções históricas, as montagens dos textos de Tchékhov foram ovacionadas pela maestria das direção de Stanislávski e Nemiróvitch Dântchenko, nos anos finais do século XIX e início do século XX. Paralelamente às experimentações temáticas e estéticas, ao longo de seus anos de trabalho no TAM (desde a fundação, em 1898, até sua morte, em 1938), Stanislávski elaborou os elementos de um sistema para a arte do ator, que redefiniu as possibilidades da interpretação teatral e tornou-se a base indispensável para a prática atoral no século XX. O chamado Sistema Stanislávski tem por bases a organicidade no trabalho do ator e a busca pela verdade cênica, em oposição à atuação declamatória e estereotipada, de gestos exagerados e voz impostada, oriunda da tradição romântica e do teatro das grandes vedetes, até então em voga no século XIX. Com sua afamada carreira e sua teoria difundida 14 através de suas montagens e ensinamentos, popularizados através do lançamento de sua obra escrita, a partir da década de 1920 (1926 é o ano de lançamento da autobiografia Minha Vida na Arte na União Soviética, posterior à publicação da versão estadunidense, de 1924; enquanto os livros sobre pedagogia teatral e o trabalho do ator são quase todos publicações póstumas, com exceção de A preparação do ator, que teve sua primeira edição nos Estados Unidos, em 1936), Stanislávski transformou todos os aspectos da cena teatral, conferindo ao trabalho atoral estatuto de objeto científico e promovendo a imaginação criadora como disparadora da veracidade na arte do ator. Simultaneamente ao surgimento do Teatro de Arte de Moscou, porém sem nenhum contato ou conhecimento da cena teatral da longínqua Rússia, Edward Gordon Craig (1872- 1966) abandonava uma promissora carreira como ator no teatro inglês. Tendo debutado no teatro muito jovem, era tido como sucessor de seu mentor, Henry Irving (1832-1905), grande astro da cena teatral britânica da época; até que Craig decidi dedicar-se ao trabalho de cenógrafo e encenador, com o intuito de renovar a arte teatral. Com algumas produções experimentais no início da década de 1900, Craig logo passa a dedicar-se à teoria do teatro e torna-se um crítico manifesto do realismo no palco. Em 1905, publica seu primeiro livro, Da Arte do Teatro, uma coletânea de ensaios dedicados à revisão crítica de todos os aspectos da cena teatral, onde lança sua proposta mais polêmica e duradoura: o über-marionette, que deveria substituir os atores no teatro do futuro. A teoria do über-marionette pode não ter sido tão difundida, mas foi inúmeras vezes tão mal interpretada quanto o Sistema Stanislávski, em grande parte por responsabilidade do próprio Craig, que parecia querer manter uma névoa em torno de sua utópica criação, como se quisesse tê-la como um enigma. A produção teórica de Craig segue como uma desaprovação explícita ao teatro de sua época e aos seu fundamento no trabalho do intérprete. Para Craig, atores e atrizes eram despreparados e incapazes de criar uma obra de arte pura, algo que só poderia ser atingido através de propósito e de controle. Segundo Craig, sendo o intérprete teatral um ser humano sob influência de emoções que ditam suas vontades, apoderam-se de seus membros e movimentos, e manifestam-se através de sua voz e expressões faciais, não seria ele o “material” adequado para a criação artística, uma vez que tudo o que vem dele é de natureza acidental. Partindo dessa crítica, Craig apregoa ainda a igualdade de importância entre todos os elementos do espetáculo, que sob o comando da figura de um responsável pela encenação, seriam os geradores da arte teatral como um todo. Craig pensa, em ambos os casos, na função do encenador. Sua carreira como diretor e cenógrafo, em particular, foi marcada pela exploração dos elementos de cena e pela inovação cenográfica: jogos de formas e volumes e contrastes de sombra e luz começaram a ser explorados em seus desenhos cenográficos e deram origem às Telas 15 (Screens, no original, também traduzido como Biombos) e à proposta das “Mil Cenas em Uma”. Sua expressão teatral sempre foi concebida através de expedientes mais simbólicos e poéticos, embora, inúmeras vezes, impossíveis de serem realizados. A dificuldade de realização de seus projetos está, justamente, nessa projeção de uma perfeição cinética, que não encontra forma de lidar com os problemas da materialidade e da corporalidade próprios da arte da atuação. Entre 1909 e 1911, Konstantin Stanislávski e Edward Gordon Craig trabalharam juntos num empreendimento artístico comum: a encenação de Hamlet, de William Shakespeare, no Teatro de Arte de Moscou; encenação essa que se tornou um marco do teatro do século XX e é o objeto central deste trabalho. A parceria entre Stanislávski e Craig soa tão contraditória que, imediatamente, provoca questionamentos a respeito do porquê esse encontro teria acontecido e, principalmente, como ele se deu. A análise desse projeto de espetáculo e de seu processo é permeada por questões vinculadas à confluência (e choque) entre duas das correntes artísticas mais dominantes no século passado: o realismo e sua estética de cunho ilusionista, e o simbolismo, mais voltado ao fantástico e à teatralidade. Também são intrigantes as inovações cenográficas da montagem; a assinatura da direção teatral; o vínculo dessa dramaturgia - um clássico do renascimento inglês - com os projetos e perspectivas artísticas de cada um dos encenadores; e a relação entre a interpretação e os demais elementos que compõem a cena. Por fim, a cooperação entre os dois diretores mostrou-se tão problemática ao longo da montagem que, junto à temática dos alinhamentos estéticos (aparentemente) divergentes, a criação do Hamlet do TAM e os problemas de seus bastidores serão tratados aqui como um drama por si. 16 ATO I UM PROFETA DA BELEZA E DA VERDADE Figura 1. Konstantin Stanislávski 17 CENA 1 O TEATRO DA GAIVOTA Konstantin Serguêievitch Alekseiev teve uma trajetória ímpar, tendo vivido alguns dos períodos mais conturbados e com maiores mudanças da história de seu país, e provavelmente mesmo da humanidade: como ele mesmo viria a descrever, viu a Rússia da servidão ao bolchevismo. De forma proporcionalmente revolucionária à época que atravessou, a produção teórica e artística de Konstantin Stanislávski, pseudônimo que adotou bem jovem, no início de sua carreira profissional como ator, são um marco para a história do teatro ocidental, influenciando tudo o que veio depois dele na cena ocidental. Herdeiro de uma rica família industrial, o contato de Stanislávski com as linguagens artísticas, e em especial as artes cênicas, se deu muito cedo: os Alekseiev possuíam grande afeição pelas artes e realizavam apresentações amadoras de teatro como uma atividade familiar - e era comum no período que a burguesia russa buscasse no cultivo das artes uma aproximação com a aristocracia - o que originaria a construção de um espaço para espetáculos caseiros no galpão de uma propriedade rural, onde Stanislávski, ainda pequeno, fez sua estreia como ator. Os concertos, saraus e apresentações cênicas da numerosa família (Stanislávski possuía nove irmãos e muitos outros parentes) resultaram na formação de um grupo amador, o Círculo Alekseiev, em cujas apresentações tiveram início as reflexões de Stanislávski acerca do trabalho do intérprete teatral. Desde estas primeiras experiências no palco e então pelo resto de sua vida, Stanislávski buscaria "estudar as raízes da arte do ator tendo por objeto a própria prática e por modelo a natureza, e torná-las conhecidas e instrumentais." [VÁSSINA, 2015, p. 23]; busca que guiou seu trabalho no teatro e deu forma ao Sistema Stanislávski, um conjunto de procedimentos para a criação atoral e vivência no palco. Posteriormente, na década de 1920, já como um consagrado artista, Stanislávski realizaria turnês com seu teatro pela Europa e Estados Unidos, nas quais os conceitos do Sistema seriam propagados e criariam raízes próprias - na corrente estadunidense, tal procedimento ganhou o nome de Método e através da indústria do cinema foi difundido para o mundo. Stanislávski passou a ter participação ativa na empresa de sua família aos 18 anos (e foi atuante no negócio durante 3 décadas, chegando mesmo à diretoria do empreendimento) e seguiu usando todo o tempo livre que possuía - e o lucro ganho nos negócios - na prática teatral, tendo realizado, ainda como ator amador, um grande número de espetáculos, dos mais variados gêneros. Em uma primeira tentativa de profissionalização, ele ingressa em uma escola de teatro, em 1885, porém logo desiste da 18 formação, uma vez que o ensino da arte dramática na época consistia em aprender a reproduzir truques e maneiras de atores consagrados, uma técnica genérica - cheia de clichês e convenções - do que era visto nos teatros comerciais que dominavam a Rússia. No entanto, embora não houvesse encontrado a Arte que buscava na instituição, Stanislávski nunca deixou de perseguir o aperfeiçoamento como intérprete, e na época segue tendo aulas de canto lírico e ballet. Em 1888, trabalhando em uma montagem com o diretor Aleksandr Fillípovitch Fedótov - artista reconhecido, que vinha de uma formação no Teatro Máli, um dos principais palcos da Rússia - entra em contato pela primeira vez com a escola realista, a experiência seria determinante para Stanislávski e lhe apontaria o caminho artístico que ele deveria trilhar. Os movimentos de vanguarda começavam a despontar na Rússia, trazendo "o descontentamento com a artificialidade e o convencionalismo no repertório e na cenografia, bem como a ideia de que a interpretação e a apresentação correntes não mais correspondiam aos reclamos das verdadeiras forças da criatividade artística." [GUINSBURG, 2010. p. 15]. Desse processo encabeçado por Fedótov, surgiu o desejo de criar uma companhia teatral estável, e com esse objetivo Stanislávski investiu uma pequena fortuna (algo entre vinte e cinco e trinta mil rublos, somente para aquisição da sede, como relatado em Minha Vida na Arte) na fundação da Sociedade Moscovita de Literatura e Arte. Ali, começou a dirigir espetáculos, amadureceu como artista, e seguiu atuando até 1896; quando foi dado início ao empreendimento que toda a cena teatral conhece ainda hoje: o Teatro de Arte de Moscou, palco onde acontece nossa história. Com seu trabalho da Sociedade de Literatura e Arte, Stanislávski se tornou um artista - diretor e ator - renomado na cena teatral moscovita, e nesse contexto, recebeu o convite para uma reunião por parte de Vladímir Nemiróvicth Dântchenko. Dântchenko era "um literato, um dramaturgo popular, marido de uma baronesa, e pedagogo no Conservatório de Moscou. E como Stanislávski, estava insatisfeito com o teatro contemporâneo e desejava um que possuísse maior apelo intelectual e maior disciplina no palco." [SENELICK, 1982. p. 5, tradução nossa.] Tendo reconhecido em Stanislávski alguém com os mesmo objetivos, a aproximação ideológica dos dois artistas se deu naturalmente. No histórico encontro no restaurante Slaviánski Bazar em 27 de julho de 1897, Stanislávski e Dântchenko lançaram suas propostas para o empreendimento teatral ideal. Na ocasião foram discutidas de imediato desde a estética a ser adotada e as condições de trabalho, até a organização institucional e necessidades financeiras para a concretização do projeto. 19 O TAM pertence a uma linhagem de teatros surgidos no século XX, num movimento de abertura de teatros independentes, naquele contexto, das prerrogativas estéticas e políticas ditadas por uma arte atrelada às normas do Estado. Antoine é um exemplo seminal deste movimento, na criação do seu Théatre Libre, influenciado pelos Meiningen e professando tanto o realismo quanto o naturalismo na cena. No caso de Antoine, a “liberdade” mencionada no nome refletia-se no funcionamento da companhia a partir do apoio de membros associados, que eram os únicos que podiam ver as peças – daí a pouca influência da censura em suas produções. Isso permitiu que o teatro encenasse peças proibidas em outros teatros (por exemplo, Os espectros, de Ibsen). Em 1889, em Berlim, surge outro exemplo de “teatro livre”, de inspiração naturalista, a Freie Bühne, organizada como uma instituição “democrática” e dirigida por um conselho, que durou até 1894. No projeto do TAM, persistem os mesmos ideias de uma arte teatral democrática e “sem censura”, aberta às novas tendências estéticas e aos novos modelos de organização do ensemble e de seus diretores. Desejosos de uma revolução cênica e dramática, Stanislávski e Dântchenko idealizaram um teatro que encontraria força no coletivo, em oposição ao culto de vedetes, sob a máxima: “Não há papéis pequenos, há artistas pequeno - ou - Hoje Hamlet, amanhã figurante.” [STANISLÁVSKI, 1989, p. 245.] No projeto, todos os aspectos das produções - cenário, figurinos e concepção cênica - seriam de autoria de seus criadores e seria oferecida a melhor conjuntura para o trabalho dos intérpretes, algo conduzido com muita disciplina e cuidado. Igualmente importante para o empreendimento, seria o projeto de formação de público. Originalmente, a companhia foi concebida com o nome de “Teatro de Arte de Moscou Acessível a Todos” e suas diretrizes possuíam como propósitos principais: Primeiro, a criação de um novo tipo de teatro ao alcance do público democrático que desejasse tomar consciência dos problemas de seu país e de seu povo. Na sua visão, os espectadores deveriam, deixar de ser passivos apreciadores da arte dramática e se tornar cocriadores do espetáculo. Como segundo objetivo, a formação de um repertório ‘sério’, composto de peças clássicas e contemporâneas que abrissem a possibilidade de reflexão sobre os problemas mais atuais e profundos da realidade russa e sobre o lugar do ser humano na história e no mundo [VÁSSINA, 2015, p. 31.] A criação do TAM era, então, um manifesto pela renovação da arte e uma declaração de guerra contra as formas teatrais então estabelecidas. Enquanto Nemiróvitch Dântchenko ficou responsável pela parte administrativa e pela formação do repertório, Stanislávski se ocuparia da concepção cênica e preparação dos atores; ambos revezariam 20 a direção das montagens e um Conselho seria formado para cuidar das finanças. E desde este marco inicial, havia a preocupação com a construção de uma linguagem, uma estética própria - algo que o Teatro de Arte adquiriria com a dramaturgia tchékhoviana. O Teatro de Arte de Moscou foi composto pelos integrantes remanescentes da Sociedade de Literatura e Arte de Stanislávski, reunidos os melhores alunos de Dântchenko na Sociedade Filarmônica de Moscou, entre os quais estavam Vsevolod Meierhold (1874 - 1940) e Olga Knipper (1868 - 1959), e teve sua inauguração em 14 de outubro de 1898. Os ensaios para a temporada de estreia da companhia se estenderam durante meses (em uma época em que os espetáculos costumavam ser preparados em poucos dias). Durante os ensaios, os envolvidos residiram em uma casa de campo nos arredores de Moscou, que pertencia a um dos integrantes do elenco, Nikolai Archipov, adaptada como um espaço cênico. Figura 2. Formação original do Teatro de Arte de Moscou, em 1899. Stanislávski e Dântchenko encontram-se sentados, ao centro. Como o TAM havia sido criado com o intuito de revolucionar a cena teatral russa, era preciso inovar em termos do repertório: para a primeira temporada, foram escolhidas, como a definir o perfil do teatro, dramaturgias clássicas da literatura russa e estrangeira que seriam encenadas com realismo histórico - O Czar Fiódor, Antígona, O Mercador de Veneza e A Ascensão de Hannele - mas, em busca do novo, Nemiróvitch Dântchenko sugeriu a montagem de uma peça que havia estreado em 1896, no Teatro Aleksandrinski de São Petersburgo e tido enorme fracasso - A Gaivota, de seu amigo Anton Pavlovitch Tchékhov. 21 Famoso contista, Tchékvov decidirá nunca mais se se aventurar na criação de uma literatura dramática ou permitir que sua peça fosse novamente encenado, devido ao desastre que havia sido na capital. A Gaivota representava um enorme desafio, uma vez que: Em comparação com as peças de seus antecessores, que costumavam ter uma trama dramática espetacular, parece que nada acontece no teatro de Tchékhov. Suas peças sempre têm um final em aberto. Se o teatro clássico falava dos dramas que acontecem na vida, Tchékhov foi o primeiro a mostrar no palco o drama da própria vida - da vida regular, plana, comum, tal como ela é na realidade. [Idem, Ibidem, p. 34.] Após muita insistência por parte de Nemiróvitch Dântchenko, que considerava a “reabilitação” da peça como uma missão, Tchékhov cedeu os direitos para a montagem, sem poder acompanhar parte do processo de criação, já que havia contraído tuberculose e o clima frio de Moscou piorava seu estado de saúde. O escritor precisou estabelecer-se em uma cidade do sul da Rússia, Ialta, e perdeu a estreia do espetáculo. O salto conceitual de Stanislávski com o trabalho de interpretação de A Gaivota se deu na apropriação dos elementos textuais de modo singular, segundo Vássina: Perceber que no teatro de Tchékhov a ação é movida por pausas, silêncios, mudanças de estado de espírito, ou melhor, (...) tudo aquilo que cria no espectador a sensação de que ele assiste no palco a um fluxo de vida. (...) e o subtexto tchekhoviano exigia novas abordagens à atuação dos atores, que deveriam expressar aquilo que não era verbalizado, mas somente sentido e pensado pelas personagens; ou seja, percebeu que Tchékhov havia invertido as regras do gênero dramático e o subtexto passara a desempenhar um papel mais importante do que o próprio texto. [Idem, Ibidem, p. 34.] A Gaivota, apresentada pela primeira vez em 17 de dezembro de 1898, teve sucesso absoluto, alçando instantaneamente os artistas e o dramaturgo ao estatuto de gênios renovadores da arte teatral e o TAM, à teatro de excelência. Em uma carta escrita por Dântchenko à Tchékhov por ocasião da estreia, podemos sentir o efusivo triunfo causado pela encenação: 18-21 de dezembro de 1898 Moscou 22 Você já sabe, pelo meu telegrama, do sucesso d’ A Gaivota. Para dar-lhe uma ideia da primeira apresentação, diria que havia nos bastidores, depois do Terceiro Ato, um clima de intoxicação. Alguém comentou habilmente que era precisamente como Domingo de Páscoa. Todos beijavam-se, lançavam-se nos braços de um e de outro, todos foram capturados pelo sentimento de um triunfo retumbante devido ao trabalho verdadeiro e decente. (...) No primeiro ensaio geral havia um tipo de clima entre o elenco que prometia sucesso. Meus sonhos nunca foram tão longe. Eu esperava que, na melhor das hipóteses, fosse um sucesso merecedor de nota. E no entanto… não consigo lhe exprimir completamente a impressão. Nenhuma palavra, nenhum som foi perdido. O público não só entendeu o clima geral, a história, que nessa peça era tão difícil de registrar como fator unificador, mas também toda a ideia que você criou como artista e pensador, tudo, tudo; em uma palavra, toda mudança psicológica, tudo comunicou e foi compreendido. E todos os meus receios, de que só alguns entenderiam a peça, desapareceram. Havia umas dez pessoas que não tinham entendido algo. Então pensei que o sucesso se expressaria com algumas chamadas dos atores à cena após o Terceiro Ato. Mas eis o que aconteceu. Depois do Primeiro Ato, os atores vieram à cena cinco vezes para receber os aplausos de toda a plateia (nós não apressamos a cortina para as chamadas), a casa estava extasiada e excitada. Mas, depois do Terceiro Ato, ninguém deixou o auditório, todos levantavam-se e o aplauso virou uma ovação ruidosa sem fim. Quanto gritaram ‘o autor’, expliquei que você não estava no teatro. Uma voz gritou ‘envie um telegrama’. (...) Moscou está falando excitadamente sobre nós. O Teatro Mali está pronto para nos rasgar em pedaços. (...) Seu, Vl. Nemiróvitch-Dântchenko Podemos ter Tio Vânia?” [DÂNTCHENKO in Takeda, 2003, p. 94.] Após o êxito do espetáculo, que tornou a imagem de uma gaivota o símbolo do TAM, desenhada na fachada do edifício e nas cortinas no palco, de modo a eternizar a montagem e o momento de apoteose, a parceria entre o dramaturgo e a companhia estava selada. Tchékhov escreveu suas peças subsequentes - Tio Vânia (1899), As Três Irmãs (1901) e O Jardim das Cerejeiras (1904) especialmente para o Teatro de Arte de Moscou, 23 criando um paradigma que seria inseparável das teorias atorais que serviriam como base para o Sistema de Stanislávski. De acordo com Elena Vássina: Há mais de um século, atores, diretores e pesquisadores discutem se Stanislávski teria criado uma nova linguagem teatral caso não tivesse encontrado nas peças de Tchékhov um novo sistema dramático que colocasse desafios inéditos para sua busca tanto como ator quanto como diretor. Mas não há a menor dúvida que as obras de Tchékhov funcionaram como catalisadores da formação do talento criador de Stanislávski. [VÁSSINA, 2015, p. 35.] Mas por mais que as experiências de Stanislávski estivessem ligadas à sua prática como ator e às necessidades dos espetáculo do TAM, é importante ressaltar que para ele a prática artística era sagrada. Por isso, sua função era servi-la, ou seja, buscar aperfeiçoá-la; o que seria mais do que como uma questão profissional, antes, uma missão religiosa. Por isso, para Stanislávski, o ator era um profeta da beleza e da verdade. [Idem, Ibidem, p. 32.] 24 CENA 2 INTELIGÊNCIA, VONTADE E SENTIMENTO Ao passo que o prestígio do Teatro de Arte de Moscou ia crescendo, também aumentavam as diferenças artísticas entre Stanislávski e Nemiróvitch Dântchenko. Enquanto Dântchenko encontrava sua realização como diretor no trabalho da companhia, Stanislávski permaneceu insatisfeito com sua atuação e buscava, incessantemente, formas de elevar sua prática. Figura 3. Anton Tchékhov lendo A Gaivota para o elenco do TAM, 1898. Por decorrência da doença, Anton Tchékhov teve uma morte precoce, em 1904, o que acarretou uma crise criativa no Teatro de Arte, que se viu privado da dramaturgia responsável por seus maiores êxitos. Frente ao que poderia ser um abismo, Stanislávski viu a necessidade de inovar e deu início às suas primeiras experiências com a dramaturgia simbolista, a vanguarda artística do período. Como o TAM, já consagrado, não poderia ser palco de suas pesquisas, Stanislávski criou uma proposta completamente inovadora: um teatro laboratório1. O experimento, que viria a caracterizar as artes cênicas mais tarde, na segunda metade do século XX, foi iniciado como um projeto paralelo ao TAM. No teatro laboratório, eram investigadas possibilidades cênicas e atorais em peças como as do escritor belga Maurice Maeterlinck - grande expoente do simbolismo - sob a liderança de Meierhold, que havia deixado o Teatro de Arte em 1902, após conflitos com Dântchenko. As 1 Este estúdio que deu início às atividades laboratoriais do TAM não corresponde ao Primeiro Estúdio, fundado somente em 1912. Mas foi a primeira ocasião em que Stanislávski separou a pesquisa artística da produção de peças teatrais, demonstrando sua curiosidade por novas linguagens e constante busca por novas metodologias. Essa mesma curiosidade o levaria à parceria profissional com Edward Gordon Craig. 25 experiências desse protótipo de um primeiro estúdio não tiveram sucesso, por razões várias. Mas, Stanislávski seguiu acreditando que o teatro simbolista oferecia grandes possibilidades de expansão para a expressividade do ator, uma vez que apresentava uma perspectiva subjetiva e onírica da realidade. Tendo iniciado essa fase experimental, o Teatro de Arte se viu obrigado a interromper as atividades devido à tensão política na Rússia. Em 9 de janeiro de 1905, aconteceu o Domingo Sangrento, ocasião em que a Guarda Imperial do Czar Nicolau II massacrou um grupo de manifestantes - cujo intuito era a entrega de uma petição que objetivava melhores condições de trabalho - em frente ao Palácio de Inverno, situado em São Petersburgo, capital do Império. O acontecimento resultou numa onda de pânico, descontentamento e levante do povo russo contra o regime autocrático e abriu caminho para o movimento revolucionário. Nesse cenário de conflito social, a melhor opção para o TAM manter-se na ativa foi realizar uma primeira turnê pela Europa, onde a companhia obteve enorme sucesso2. Constantemente questionado sobre a técnica de seus atores, Stanislávski, que sempre manteve diários com anotações e reflexões sobre seus processos de criação, começou a pensar pela primeira vez na ordenação e registro de sua abordagem ao trabalho atoral. Terminada a turnê, começa a surgir o Sistema3. Sob essa nova direção, com planos pedagógicos, Stanislávski retomou as atividades na sede do Teatro de Arte em Moscou para a temporada 1906/1907. A partir de então, houve uma ruptura criativa na companhia, que se agravaria com o passar dos anos: Stanislávski e Nemiróvitch Dântchenko abandonaram a parceria colaborativa e passaram a dividir o espaço do teatro. Enquanto um ensaiava uma produção no palco, o outro dirigia outra montagem de forma independente no foyer, evidenciando o grau de separação. Estabelecida a divisão, a tensão entre eles só aumentaria, chegando ao ponto em que eles não mais toleravam partilhar o mesmo cômodo. Mas a relação desgastada com o sócio não era o único problema de Stanislávski, visto que as primeiras experiências pedagógicas do Sistema geravam uma crescente estigmatização e, consequente, o isolamento do diretor 2 O êxito alcançando nesta turnê abriu espaço para um projeto de “internacionalização” do TAM. Em Stanislávski: Vida, Obra de Sistema, Vássina comenta que após esta consagração, o teatro “passou a ser visitado ou ocupado pelos maiores artistas russos e estrangeiros da época. Tornou-se uma espécie de Meca para a arte teatral moderna.” [2015, p. 36.] Entre os visitantes atraídos pelo sucesso da turnê europeia, estavam grandes nomes, entre os quais Isadora Duncan, e através dela, Gordon Craig. 3 A escrita e publicação do Sistema eram temas controversos para Stanislávski, que nunca o viu como um método finalizado e fixo, mas sim como um organismo em constante transformação e expansão. A decisão de publicar em inglês, antes de em russo, deveu-se a questões financeiras. 26 pela parte mais conservadora dos membros do TAM. Vássina pontua que “as reações dos atores a seus novos métodos chegavam às raias da agressão.” [VÁSSINA, 2015, p. 39] As dificuldades enfrentadas por Stanislávski dentro da própria companhia seguiram por muitos anos e podemos acompanhá-las durante todo o processo aqui estudado, da criação de Hamlet, produção iniciada em meio aos primeiros êxitos da fase experimental do Teatro de Arte e que adentrou os anos iniciais da década de 1910, quando então certo “culto” aos ensinamentos de Stanislávski se estabeleceria entre os discípulos do diretor. No entanto, por hora, Stanislávski encontrava-se extremamente sozinho em sua busca. Aos olhos de vários integrantes do TAM, seus experimentos eram impróprios para o trabalho sério de profissionais e adultos, soando como loucura ou brincadeira. Mesmo entre os amigos, o percurso errante do Sistema encontrava barreiras, como podemos perceber na carta enviada pelo diretor à atriz Olga Knípper. Na carta, Stanislávski reflete acerca das unidades de ação e os objetivos da personagem, elementos importantes de sua proposta pedagógica: 7 de novembro de 1909 Moscou Minha querida Olga Leonárdovna, Mantenho-me longe da senhora para não lhe causar mais problemas. Tornei-me tamanho incômodo à senhora, que é preferível eu sumir por uns tempos. Estou mandando flores no meu lugar. Espero que elas transmitam à senhora os sentimentos carinhosos que nutro pelo seu talento extraordinário. Esse entusiasmo faz com que eu seja muito severo com qualquer coisa que possa macular o lindo dom que a natureza lhe deu. No momento, a senhora está passando por um período difícil de incerteza artística. Sentimentos profundos de sofrimento nasceram de tal tormento. Não pense que fico com o sangue frio quando surge seu tormento. Eu sofro com a senhora à distância e, ao mesmo tempo, sei que esse tormento trará depois frutos maravilhosos. Permita que outra pessoa, não eu, digamos (Ivan) Moskvin, explique- lhe o que a natureza lhe deu. Estou pronto a admirar pacientemente a maneira com que seu talento, tendo rejeitado o que é desnecessário, então irá se libertar e se manifestar com toda força individual que, no momento, tem sido bloqueada pelo execrável hábito maquinal do ator. Acredite-me, todas as coisas que parecem tão difíceis agora são meros detalhes. Tenha paciência para examinar minuciosamente esses detalhes, pense neles do começo ao fim, entenda-os, e a 27 senhora conhecerá a maior alegria que um homem pode conhecer neste mundo. Caso precise de minha ajuda, eu dividirei seu papel em partes e prometo não amedrontá-la com termos científicos. Provavelmente foi esse meu erro. Eu lhe imploro, seja forte e corajosa nesta luta artística que a senhora deve vencer não somente para o bem de seu talento, mas também para o bem de todo nosso teatro, que representa o sonho de minha vida inteira… (...) Veja todo o papel e decida claramente de quais unidades ele é composto. (...) Em cada ponto do papel, procure por certos desejos, seus desejos, e elimine todos os desejos triviais - sobre a senhora e o público... Esse trabalho psicológico irá enfeitiçá-la. Quando isso acontecer, a senhora se distanciará daquilo que é indigno de um verdadeiro artista: o desejo de agradar ou de bajular o público. (...) Perdoe-me o tormento que tenho lhe causado, mas, acredite-me, é inevitável. Em breve, a senhora alcançará o verdadeiro prazer da arte. De todo o coração de um admirador de seu grande talento. K. Alekseiev [STANISLÁVSKI in Takeda, 2003, p. 324, Grifo nosso] Nos termos de Stanislávski, o descontentamento do elenco, representado na figura de sua atriz principal, derivava do excesso de “termos científicos” lançados ao grupo, ainda que se sustentasse a necessidade de dar prosseguimento aos seus objetivos artísticos, constituído numa metodologia singular: estudar as unidades do papel e construir o trabalho psicológico. Porém, a situação do diretor só pioraria à medida em que ele expandia suas pesquisas cênicas. A frustração de não ser capaz de direcionar seus intentos e não lograr fazer-se entender, levavam-no ao desespero, ao passo que sua estigmatização dentro da companhia aumentava. Assim testemunha este desabafo, endereçado à diretoria do Teatro de Arte, em 19 de janeiro de 1910: 1. Acima de tudo, estou com raiva de mim mesmo porque não posso explicar meus desejos. 2. Meus desejos são absolutamente naturais, e acho estranho que, às vezes, achem que é capricho meu. 3. Antes de tudo, quero liberdade total para todos os que amam puramente e altruisticamente nosso teatro. Quem quiser que faça suas tentativas e buscas. O mesmo direito eu quero para mim. 28 (...) 5. Minhas exigências para si são imensas e, pode ser, até presunçosas. Não apenas quero encontrar o princípio básico da criação e desenvolver com base nele uma teoria; quero também aplicá-lo na prática. (...) 8. Preciso de material para meu plano, e preciso de ajuda. Não posso contar com todos, mas há algumas pessoas que eu preparei investindo muitos esforços e aqueles que acreditam nos meus sonhos. É claro que eu valorizo especialmente a ajuda dessas pessoas. (...) 10. O teatro tem o direito de aceitar novos alunos por seus próprios critérios, mas uma vez que a escolha foi realizada e o aluno foi entregue aos meus cuidados, sou responsável por ele. Houve um tempo em que não tivemos nenhum jovem promissor. Então, tivemos que procurar. Agora há jovens e, antes de tudo, devemos fornecer- lhes trabalho, até que apareça algo excepcional, como sempre deve ser no nosso teatro. 11. Sem o trabalho não se pode ir para a frente. Peço aprovar essa regra e não fazer exceção para meus discípulos. 12. Peço que esqueçam, ainda que por algum tempo, meus apelidos como ‘enrolão’, ‘mimado’, que me prejudicaram muito, visto que são injustos. Nem sempre confundo tudo, às vezes consigo acertar, e nem todos os meus caprichos são gratuitos. 13. Se eu for liberado desses apelidos, talvez apareça maior fé em mim e nas pessoas que preparo para serem meus assistentes. 14. Por alguma estranha razão, parece que todas as pessoas que ficaram próximas de mim mudaram aos olhos de meus companheiros, exatamente por causa dessa proximidade. Parece que (Vera) Baranovskaya se tornou seca, sem talento e desnecessária. (Alisa) Koonen parou de se desenvolver e já não atende às expectativas. Suler (Leopold Sulerjítski) não entende mais as coisas que trabalhamos juntos. Comecei a tomar cuidados para não aproximar as pessoas de mim por medo de prejudicá-las. 15. … talvez eu seja um mau pedagogo. Se assim for, deveriam me falar abertamente, e não lutar comigo com armas secretas. (...) [STANISLÁVSKI in Vássina, 2015, p. 41-45. Grifo nosso]. 29 A carta demonstra a extrema lucidez do diretor, tanto na manifestação de seus intentos, quanto na avaliação das consequências de suas propostas para si e seus aliados artísticos e discípulos. Conforme elucida o encenador, sua investigação almeja “encontrar o princípio básico da criação e desenvolver com base nele uma teoria”, assim como “aplicá-lo na prática”, mesmo que contrariando métodos e dinâmicas de trabalho há muito disseminados. Quando reclama “talvez eu seja um mau pedagogo”, Stanislavski demonstra conhecer que a amplitude de suas propostas inaugura um novo processo de ensino- aprendizado teatral, que o coloca no território da invenção pedagógica e não somente na aplicação de processos artísticos “novos”. Assim estava criado o contexto do Teatro de Arte de Moscou na ocasião da montagem de Hamlet, um teatro que já havia obtido enorme êxito com sua linguagem cênica inovadora e havia se consagrado como uma companhia de excelência na cena teatral Russa, mas onde Stanislávski penava miseravelmente, em busca de uma arte que se configurasse como uma vivência espiritual. 30 ATO II O TEATRO DO FUTURO Figura 4. Edward Gordon Craig 31 CENA 1 OS ARTISTAS DO TEATRO DO PASSADO Durante o mesmo período de criação e consolidação do Teatro de Arte de Moscou, Edward Gordon Craig abandonava uma promissora carreira como ator na Inglaterra. Filho do arquiteto Edward William Godwin (1833 - 1886) e da famosa atriz Ellen Terry (1848 - 1929), Craig carregou por toda vida as influências recebidas desde a mais tenra infância. Embora não tenha tido grande convivência com o pai, cujo relacionamento com a mãe de Craig chegou ao fim quando este era ainda criança, cresceu em meio à cena teatral vitoriana sob a fama e renome de Terry. Chegando à maturidade artística, buscou continuamente unir as linguagens próprias aos dois: para Craig, o teatro e a cena se distinguiam por sua plasticidade, seu aspecto arquitetônico. Uma terceira - e fundamental - influência para Craig foi Henry Irving, célebre ator da cena teatral inglesa nas décadas de 1880 e 1890, que frente à companhia Lyceum Theatre em Londres, tornou-se o modelo e mentor de Gordon Craig.4 Tendo sua formação artística ligada a estes grandes expoentes dos palcos britânicos, Craig fez sua estreia como ator muito cedo e durante toda juventude atuou profissionalmente ao lado da mãe em produções que, mais tarde, representariam tudo o que ele criticava na arte teatral. Em sua formação na companhia de Henry Irving, além da admiração pelo ator, cujas características eram o controle de todos os elementos do espetáculo e, como intérprete, a racionalidade e os gestos estudados, Craig extraiu a rigorosa disciplina com que o mentor conduzia os processos de montagem. A experiência de Irving fez com que Craig conhecesse o cotidiano do trabalho nos teatros na prática, o que lhe ensinou aspectos de todas as áreas que envolvem o evento teatral: além da criação atoral, seus conhecimentos iam da concepção de figurinos e cenários aos números da bilheteria, o que o tornara um completo profissional de teatro. Após ter atuado em dezenas de produções de Terry e Irving, Craig decide buscar seu próprio caminho: passa a interessar-se por gravuras em madeira e produz desenhos de cenários para espetáculos diversos com a técnica, as ilustrações passariam a ser marca como artista. Descontente com o teatro que se fazia, isto é, o teatro do drama burguês, e 4 Para termos dimensão da fama de Henri Irving, ele foi o primeiro ator na Inglaterra a ser condecorado com o título de ‘Sir’, em 1895; e seus gestos característicos são reconhecidamente uma das inspirações do escritor Bram Stocker (que foi gerente do Lyceum Theatre) para composição da personagem título do romance Drácula, de 1897. Irving estabeleceu uma aclamada parceria artística com Ellen Terry, com quem também mantinha um romance, sendo assim não só mentor, mas também padrasto de Gordon Craig. Craig, que cresceu entre os bastidores das produções do artista, menciona-o em Da Arte do Teatro como um exemplo de über-marionette, isto é, um ator perfeito, e publica um livro em homenagem ao mestre em 1930. 32 em especial, com o trabalho dos intérpretes, Craig encerra definitivamente suas atividades como ator em 1897. A despedida, em suas palavras, soa definitiva: "Um dia, tive um branco. Este incidente matou o ator em mim (...) cobriu-me de indiferença (para não enlouquecer, explica ele mais longamente), parei de ser ator (...) tornei-me incapaz de atuar." [ASLAN, 1994, p. 97] Figura 5. Edward Gordon Craig em cena com a mãe, Ellen Terry, em 1891. Craig, cujo objetivo já claramente manifesto era renovar a arte teatral, decide iniciar a carreira de encenador, afastando-se definitivamente da tradição romântica, escola a qual pertencia sua mãe. Como diretor, encenaria somente cinco peças na Inglaterra: Dido e 33 Eneas (1900), de Henry Purcell, A Máscara do Amor (1901) e Acis e Galatea (1902), de G.F. Haendel, Bethlehem (1902), de Laurence Housman e Os Vikings (1903), de Ibsen. Esses espetáculos foram produções independentes, apresentadas fora do circuito comercial, e constituíam uma experimentação estética de Gordon Craig. O então diretor, ao mesmo tempo que recusava o estilo sentimental e declamatório da atuação com a qual havia crescido, apresentava também uma repulsa completa pela tendência naturalista vigente na virada do século. Ávido estudioso da História do Teatro, o artista passa a ser influenciado por aspectos da cena oriental - de onde vem seu permanente encantamento por máscaras e marionetes - e se volta, então, para construções simbólicas. No entanto, o meio teatral vitoriano mostra-se desfavorável à Gordon Craig quando este passa a manifestar suas críticas aos intérpretes. Craig buscava uma arte sagrada, acreditando (da mesma forma que Konstantin Stanislávski) no teatro como uma espécie de religião. Logo, os teatros do final do século XIX, centrados na figura de atores e atrizes estrelas e aos quais a burguesia frequentava para exibir-se em trajes de gala, representavam uma arte completamente deteriorada. Contrário a esse modelo, Craig passa a idealizar o teatro da Antiguidade Clássica, oriundo de festivais de exaltação aos deuses, grandes arenas ao ar livre com dramas que representavam heróis, não homens. Como proposta para retomar à glória desta arte sacralizada, surge sua teoria mais polêmica: o über-marionette. Objeto de muita controversa, o über-marionette representava o desejo de Craig de reformar o papel do intérprete no teatro; intérprete que ele não reconhecia como artista, uma vez que toda arte seria fruto de controle e de propósito. A produção atoral, para sua decepção, seria de resultado meramente acidental, tendo em vista que "as ações do corpo do ator, as expressões de seu rosto, os sons de sua voz, tudo fica à mercê dos ventos de suas emoções." [GRAIG in Ribeiro, 2016, p. 210]. O über-marionette foi interpretado por muitos de forma literal - como um boneco de proporções gigantescas, feito de madeira que Craig desejava que substituísse os atores. No entanto, a imagem era antes epíteto de sua proposta para o novo intérprete de um novo teatro, cuja criação seria expressa através de gestos simbólicos: O ator olha para a vida como uma máquina fotográfica olha para a vida, e o que ele almeja é fazer uma imagem que rivalize com a fotografia. Ele nunca sequer sonha com sua arte sendo uma arte como, por exemplo, a música. Ele tenta reproduzir a Natureza, raramente pensa em inventar com o auxílio da natureza, e nunca sonha em criar. (...) Não é uma arte pobre e uma inteligência pobre a que não consegue oferecer o espírito e essência de uma ideia pra 34 uma audiência, mas somente mostrar uma cópia desprovida de arte, um fac-símile da coisa em si? Isso é para um imitador, não um artista. [Idem, Ibidem, p. 214.] Diferentemente dos atores de sua época, o über-marionete não teria como objetivo a reprodução da corporeidade inerente à vida. Ele não ambicionaria o sucesso ou o reconhecimento pessoal - como os arquétipos do drama clássico grego, idealizados por Craig -, pois iria além da vida; seria uma ator despido de vaidade, cujo corpo estivesse em estado de êxtase. No entanto, Craig "exprime suas ideias na maioria das vezes de modo negativo, reprovando nos atores medíocres sua mediocridade, sem lhes oferecer nenhum elemento concreto para evoluir" [ASLAN, 1994, p. 96]. Assim, permanece incompreendido por seus contemporâneos, sendo considerado "alguém que se cansou de alguma coisa e decidiu agora destruí-la" [GRAIG in Ribeiro, 2016, p. 215]. Frente aos seus detratores, o diretor tornou-se exemplo de um proclamador que frequentemente assumia um tom messiânico, de alguém que carregava a resposta para a salvação das artes cênicas. A avaliação ocultava, contudo, um artista que projeta sua teoria como a base para o teatro do futuro. 35 CENA 2 VOZ, CENÁRIO E MOVIMENTO Não tendo encontrado apoio e nem recursos para concretizar sua reforma cênica na Inglaterra, em 1904 Craig se muda para Berlim, Alemanha - polo cultural de vanguarda da época - onde conhece uma artista que teria grande impacto em sua vida: Isadora Duncan (1877 - 1927). A bailarina estadunidense, com quem Craig desenvolve um relação afetiva, é tida como mãe da dança moderna, e revolucionou sua arte ao praticá-la seguindo os preceitos da natureza. Isadora encontrava inspiração em antigos vasos de cerâmica gregos e escandalizou sua época por dançar seminua e sem sapatilhas, explicitando sua recusa ao ballet clássico, que deformava o corpo e valorizava o anti-natural nos movimentos. Craig conheceu Duncan em uma de suas performances na cidade e a paixão entre eles surgiu instantaneamente: Jamais esquecerei a primeira vez que a vi surgir sobre uma plataforma vazia para dançar. (...) Apenas movendo-se - sem piruetas ou qualquer dessas coisas que esperamos ver. (...) Ela estava falando em sua própria língua, sem repetir nenhum mestre do balé, movendo-se como ninguém nunca tinha visto ninguém se mover antes. (...) Eu me lembro que quando acabou eu corri a seu camarim para vê-la, e lá também eu me sentei imóvel e mudo em sua frente por um tempo. Ela entendeu perfeitamente meu silêncio, qualquer conversa seria desnecessária. Ela estava cansada depois de sua dança, e descansava. Ninguém mais veio vê-la. Ao longe ouvíamos ainda os contínuos aplausos. [CRAIG in Ribeiro, 2016, p. 74.] O romance deu início a uma intensa colaboração profissional e intelectual entre os dois, ocasionando os primeiros escritos teóricos de Gordon Craig e, em 1905, a publicação de seu livro, Da Arte do Teatro. A obra reunia alguns de seus ensaios e rapidamente foi traduzida para alemão, holandês e russo, dando projeção internacional às suas ideias. Duncan era uma artista, pedagoga e intelectual brilhante e sua dança, inspirada no movimento dos fenômenos naturais como as ondas do mar e o vento, foi "fundada tanto em princípios artísticos quanto filosóficos." [RIBEIRO, 2016, p. 72.] A fama e excelente reputação que Isadora já possuía no meio artístico europeu ajudou na divulgação do pensamento de Craig e possibilitou alguns de seus trabalhos de maior destaque. Antes mesmo de qualquer contato na Rússia, por influência de Isadora, o encenador é contratado 36 como cenógrafo pela diva do teatro italiano Eleonora Duse, para a produção do espetáculo Rommersholm, baseado em texto de Ibsen, em 1906. A encenação não trouxe qualquer satisfação à Craig, posto que ele almejava total controle sobre a produção, mas era limitado ao trabalho cenográfico. Como comenta Ribeiro, Craig reclama de seu papel ‘apenas’ coadjuvante na montagem, preferindo esquecer-se de que foi contratado como cenógrafo, e não como diretor, o que La Duse fazia questão de lembrar chamando-o ironicamente de ‘pintor’. [Idem, Ibidem, p. 76.] Acreditando que uma obra de arte só poderia ser alcançada pela perfeita integração de todos os elementos da cena, mas não possuindo qualquer influência sobre a atuação da grande estrela Duse, longe de ser uma realização para o artista, Rommersholm tornou-se antes o motivo dele ter se estabelecido na Itália, onde viria a habitar por 30 anos. Figura 6. Gordon Craig e Isadora Duncan, 1904. Craig, que contava com alguns mecenas – entre os quais estavam sua mãe, Ellen Terry, o conde alemão Harry Kessler (1868 - 1937) e a própria Isadora Duncan - encontrou em Florença o ambiente propício para seus projetos mais ambiciosos. Em terras italianas, desenvolve a revista teatral The Mask - publicação mantida de forma descontinuada entre 1908 e 1928 - na qual realizava o trabalho de historiador e teórico teatral em permanente crítica ao ilusionismo e defesa da teatralidade. Na publicação, Craig produz artigos e edita 37 textos antigos sobre arquitetura teatral, o teatro asiático, teatro de bonecos, commedia dell'arte, as vanguardas artísticas emergentes, o teatro de Shakespeare, etc... Também em Florença, Craig projeta e estabelece uma escola, chamada “Escola para a Arte do Teatro”. Situada na Arena Goldoni - um antigo espaço teatral, com área superior à 13 mil metros quadrados, que possuía uma arena a céu aberto e um tradicional palco italiano fechado – pouco se conhece da empreita pedagógica, posto que, além do enorme sigilo que Craig mantinha em relação aos seus procedimentos metodológicos e resultados obtidos, o projeto teve vida extremamente curta, tendo funcionado por somente dezesseis meses, entre 1913 e 1914, quando teve suas atividades obrigatoriamente encerradas pelo início da Primeira Guerra Mundial. Sabe-se, no entanto, que a escola de Craig tinha um caráter interdisciplinar, que "incluía uma articulação entre a maestria das técnicas atorais e o conhecimento prático dos outros elementos cênicos" [Idem, Ibidem, p. 142], e instituía um treinamento severo, cujo objetivo era formar não somente "über-atores", mas completos artistas de teatro, que o seguiriam em sua revolução cênica e seriam os agentes do teatro do futuro. Porém, como muitas das teorias do teatro de Craig parecem concebidas mais com o intuito de provocar questionamentos do que fornecer respostas, é preciso mencionar que, de acordo com Ribeiro (2016), no desenvolvimento de construções maquinárias na Arena Goldoni, "é documentado que (Craig) tentou construir uma estrutura gigante, como uma máscara total, que se imagina poderia ter funcionado como um Über-marionette." [Idem, Ibidem, p. 143]. Permanece nossa curiosidade, para posteriores pesquisas, sobre essas notícias... Como a guerra forçou o fechamento de sua escola teatral, o projeto mais ambicioso de Craig rumo a um novo teatro nunca pode ser concluído. Mas Craig seguiu acreditando que o períódico era um meio mais eficiente de divulgar suas ideias do que a produção de peças. Assim, a publicação de seus ensaios teóricos permanece como foco principal pelo resto da vida do artista. Portanto, em meados da década de 1900, quando tem início a produção de Hamlet, Craig investia grande parte de seus recursos e esforços na revista The Mask, sempre tendo em vista um ideal sublime na arte e vendo a sim mesmo como o profeta desse novo teatro. Gordon Craig tinha convicção de que a concretização de seus projetos faria nascer esse teatro visionário, que descreve nos termos de: (...) uma Arte tão elevada, tão universalmente admirada que se descobrirá nela um nova religião. Uma religião que não fará sermões mas revelações; que não nos apresentará imagens definidas como as criadas pelo pintor ou pelo escultor, mas nos desvendará o 38 pensamento, silenciosamente, pelo gesto, por sucessivas visões [CRAIG, 1963, p. 145]. Em busca dos ideais de uma arte teatral sacra, composta por cenário e movimento - onde o trabalho atoral seria somente mais um dos elementos da cena - e em permanente combate ao realismo dominante, Craig partiria para a Rússia. Nessa Europa distante, projeta suas grandes ambições, criando o espetáculo de maior repercussão de sua carreira. Contrariando o desejo de equidade entre os elementos cênicos, o espetáculo baseado na obra de um dos mais célebres dramaturgos da história, William Shakespeare, desagradaria seus diretores e geraria obstáculos quase insuperáveis para seus intérpretes. “Hamlet”, entretanto, constituiria um marco fundamental para a encenação teatral. 39 ATO III A CENA SHAKESPEARIANA Figura 7. Stanisláviski como Benedicto em Muito Barulho por Nada, 1897. 40 CENA 1 UM SHAKESPEARE RUSSO Stanislávski havia visto em sua juventude os grandes atores italianos, expoentes da tragédia shakespeariana de sua época, Tommaso Salvini (1829 - 1915) e Ernesto Rossi (1827 - 1896), e como relata em sua autobiografia, foi fortemente influenciado por eles. No entanto, teve sua primeira experiência profissional com a dramaturgia do autor inglês somente em 1895 (pouco mais de dois anos antes da formação do Teatro de Arte de Moscou), no papel título da tragédia Otelo, na Sociedade Moscovita de Artes e Literatura. A montagem foi resultado do desejo e da insistência do próprio Stanislávski, que sonhava interpretar o personagem. Otelo teve como foco a reconstrução dos elementos da vida cotidiana, trazendo para a cena figurinos e uma decoração cênica luxuosos e historicamente apurados. O verismo dos elementos visuais deveu-se à ida à Itália para pesquisa de campo, que permitiu a realização de registros inspiradores, em desenhos que a esposa de Stanislávski, Maria Lílina (1866 - 1943), e ele mesmo fizeram, percorrendo os museus de Veneza; também evidente na ambientação cuidadosa em cena da cidade italiana (que incluía até mesmo canais com água real, fluindo no palco) e de Chipre (na Turquia). Stanislávski construiu o papel de Otelo estudando os movimentos e assimilando poses que lhe pareceram características, inspiradas em um belo amigo árabe (assim descrito em Minha Vida na Arte) que conheceu durante uma estadia em Paris, trajando roupas típicas. Porém, se deparou com a dificuldade de compreender e encarnar os sentimentos e as motivações internas do personagem escrito por Shakespeare de forma realista, pois não encontrava em si mesmo o combustível para o comportamento passional e furor ciumento do mouro, como conta em sua biografia: Não é brincadeira traçar a linha ascendente do ciúme da credulidade infantil de Otelo no primeiro ato ao momento da evolução até chegar ao apogeu, ou seja, até a loucura animalesca. E depois, quando a inocência da vítima se torna inquestionável, atirar o sentimento do ápice para baixo, no abismo do desespero, no inferno do arrependimento. Tudo isso eu, imbecil, esperava realizar com o auxílio puro e simples da intuição. É claro que além da tensão louca, do esgotamento mental e físico, de extrair de mim o sentimento trágico, eu nada podia conseguir (STANISLÁVSKI, 1989, p. 223). Tendo, inclusive, ferido acidentalmente a mão do ator que interpretava Iago com um punhal, fazendo com que jorrasse sangue, sem conseguir, com o arrebatamento dessa 41 performance, causar uma grande impressão no público, Stanislávski sentia-se incapaz de lidar com os problemas de vivenciar o papel. A montagem acabou por trazer a Stanislávski uma tensão muscular e um desgaste vocal tão fortes, que o faziam terminar as apresentações com palpitações e uma asfixia semelhante à asma. Por fim, Otelo o levou a declarar inaptidão para papéis trágicos e a renunciar atua-los dali em diante. [Idem, Ibidem, p. 225] Resultados igualmente insatisfatórios foram obtidos na produção subseqüente, Muito Barulho por Nada, em 1897, quando decidiu dedicar-se à comédia shakespeariana. Stanislavski dirigiu e atuou como Benedicto nesta montagem, que foi produzida de modo a aproveitar o rico material histórico e pictórico que havia sido obtido na pesquisa de campo realizada para a montagem de Otelo. A peça, nas anotações do encenador russo, está descrita como uma peça realizada para a encenação, no lugar de uma encenação realizada para uma peça. A ordem dos fatores, na equação de Stanislavski, havia sido equivocada, uma vez que o texto pouco havia mobilizado dos esforços da posta em cena. Também o foco na precisão histórica, Stanislávski começou a perceber, não dialogava com o “espírito shakespeariano”. Figura 8. Stanislávski como personagem título no espetáculo Otelo, 1896. 42 Já a primeira aventura do Teatro de Arte de Moscou com o dramaturgo inglês se deu alguns anos depois, durante a primeira temporada da companhia, com O Mercador de Veneza. A encenação do Mercador foi produzida simultaneamente ao espetáculo de estreia do TAM, O Czar Fiódor Ivanovitch, que seguia a linha característica das primeiras peças do repertório do TAM O Czar Fiódor Ivanovitch trazia, a preocupação com os costumes e outros elementos de fundo histórico, com uma cenografia deslumbrante, construída meticulosamente com antiguidades e artefatos de museu. Porém, o primeiro passo em direção a uma encenação não atrelada unicamente ao realismo histórico da peça, talvez, aconteceu nessa montagem. Em O Mercador de Veneza, Stanislávski insistiu para que o cenário "retratasse claramente o contraste entre dois mundos - o bairro judeu imundo, sórdido, malicioso e egoísta e a praça em frente ao palácio de Pórcia, alegre, exuberante e amorosa." [SENELICK, 1982, p. 10, tradução nossa.] A descrição demonstra o desejo do diretor e ator de criar um espaço cênico que transmitisse características subjetivas e mesmo simbólicas, ao lado das características de espacialidade propostas pela dramaturgia, em seu contexto temporal. Entretanto, o TAM ainda teria uma experiência mais rebuscada com a dramaturgia de Shakespeare. Em 1903, Nemiróvitch Dântchenko conduziu a criação de um importante espetáculo para o período inaugural das atividades do teatro, Júlio César, encenação responsável por consolidar sua reputação como diretor. O processo de criação desta tragédia engajou não somente grande parte dos funcionários do Teatro de Arte de Moscou, como diversos colecionadores, antiquários, bibliotecários e curadores de museus da cidade, que prestaram consultoria e disponibilizaram peças de seus acervos para a construção cenográfica. Dântchenko e seus assistentes visitaram Roma durante um ano inteiro, a fim de coletar dados arqueológicos e topográficos, enquanto equipes de trabalho distintas foram responsáveis por cada segmento diverso da montagem. Abarcando desde questões relativas à tradução do texto, até a investigação das tradições de montagem do espetáculo, foram realizadas pesquisas históricas acerca dos costumes da época de César, dos monumentos, da vestimenta, da música, do armamento da Antiga República etc. O esforço hercúleo estendeu-se à própria apresentação: cenas externas contaram com uma multidão de 200 atores, representando a diversidade étnica existente na Roma Antiga; de tal forma que trabalhadores e escravos egípcios, sírios, germânicos, núbios e visigodos substituíram o tradicional bando de senadores, que costumava ser visto em outras montagens da peça. Stanislávski não teve grande participação na encenação, mas coube a ele o papel de Brutus, neste espetáculo que foi concebido como uma peça de Shakespeare numa atmosfera tchekhoviana [GUINSBURG, 2010, p.65.], suscitando debates na cena teatral local. Sobre as opções da encenação, discutiu-se a capacidade do elenco do TAM (então já 43 consolidado nas representações de cunho realista-psicológico) de interpretar Shakespeare; e mesmo a obsolescência do dramaturgo inglês. Novamente insatisfeito com seu desempenho e com a abordagem de Dântchenko ao espetáculo, Stanislávski concluiu que a obra do bardo distanciava-se demais dos objetivos perseguidos pelo Teatro de Arte. Peremptório, ele escreve à Olga Knipper, em agosto de 1903: “Júlio César não nos levará tão longe quanto Tchékhov.” (SENELICK, 1982, p. 11, tradução nossa.) 44 CENA 2 UM SHAKESPEARE VITORIANO Apesar desse número considerável de produções de Stanislávski e de Dântchenko nos primeiros anos do TAM, o dramaturgo inglês não era um autor popular na Rússia da virada do século XIX. A situação, claro, era bem diferente da Inglaterra, terra natal do dramaturgo, onde os grandes atores da época eram reconhecidos por sua excelência em interpretar personagens shakespearianos. Gordon Craig vinha desta formação; sua mãe, Ellen Terry, foi considerada a melhor intérprete de Shakespeare de sua geração, possuindo performances célebres no gênero, como Pórcia de O Mercador de Veneza. Craig cresceu em meio a esta tradição e em sua própria carreira como ator “(...) ingressa na Compagnie Shakespeare, dirigida por W. S. Hardy. Todos os papéis sonhados lhe são oferecidos: Hamlet, Romeu, Cássio, etc.” (TAKEDA, 2003, p. 376). Ele obtém boas respostas da crítica, sendo considerado uma promessa como sucessor de Henry Irving, ator que, em conjunto à mãe de Craig, dominava a cena teatral vitoriana. Em outra seara, mas com a mesma presença do bardo, as primeiras experiências de Craig como ilustrador também constituem a criação de cenários para peças como Henrique IV e Romeu e Julieta. Figura 9. Edward Gordon Craig no papel de Hamlet, em 1897. O traje usado por ele na ocasião foi o mesmo de Henry Irving para a personagem, 10 anos antes. 45 Ainda que tenha sua carreira artística e sua teoria teatral permeadas pela obra do dramaturgo renascentista, dedicando a ela inúmeros ensaios e projetos de caráter diversos, Craig declara em seu livro Da Arte do Teatro, publicado em 1905, “(...) pensar que as peças de Shakespeare não são feitas para serem representadas” (CRAIG, 1963, p. 286). Craig argumenta serem elas produções arrastadas, que impõem inúmeras limitações e, normalmente, são levadas ao palco com a supressão de versos e trechos inteiros, o que as tornaria mais apropriadas para a leitura e não para a cena. Craig chega mesmo a afirmar, neste que foi um ensaio escrito poucos anos antes de seu contato e parceria com o Teatro de Arte de Moscou, acreditar que: “ainda que os maiores, os mais apaixonados atores deste mundo pudessem reunir-se para interpretar Hamlet, nunca dariam uma representação perfeita. Porque representar Hamlet perfeitamente é, receio bem, uma coisa impossível.” (Idem, Ibidem, p. 289). Na tentativa de compreender esse aparente paradoxo craiguiano, podemos recorrer a uma publicação da década de 1920, Cena, em que o autor busca estabelecer uma linha cronológica das estruturas e edifícios teatrais, relacionando-os às características e necessidades das dramaturgias e encenações de suas respectivas épocas. Seu objetivo era de projetar, mais uma vez, as demandas do teatro do futuro. Craig estabelece a seguinte linha do tempo, do drama greco-romano antigo ao drama moderno: 1. O drama greco-romano da Antiguidade Clássica, ou o drama pagão. Apresentado em grandes teatros ao ar livre, para todo o povo e através de linguagem entendida por todos; segue as estruturas rígidas de unidade de tempo, espaço e ação. Traz temática sagrado e profana, traduzida em tragédias ou comédias, sendo constituído de música, dança, fala, máscaras e arquitetura. 2. O drama medieval, ou o drama cristão. Apresentado em igrejas em toda a Europa; encenado em latim, linguagem não compreensível para as massas que não tinha acesso à educação formal. Não segue estruturas de espaço, tempo e ação, e mistura o sagrado e o profano, contando com os elementos cênicos anteriores, de arquitetura, dança, fala e canto. 3. O drama italiano, a Commedia dell’Arte, ou “acreditando em todas as coisas”. (Idem, 2017, p. 188) Apresentado nas ruas européias; retoma as unidades de ação, espaço e tempo, revalorizando-as. Usa a linguagem das pessoas comuns; é profano e marcado pela 46 improvisação. Faz uso dos mesmo elementos cênicos, numa comédia espontânea e tragicômica. 4. O drama moderno, de cunho realista, ou “sem crença nenhuma”. (Idem, Ibidem, p. 188) Consolidação do drama anterior, tornado fixo e apresentado em interiores sob luz artificial; perde-se a arquitetura, substituída por uma espaço com cadeiras e cenas pintadas em telas. Criado pela aristocracia para seus palácios, é o drama anterior tornado conveniente. Craig apropria-se desse histórico, resumido em quatro etapas, para mirar e atingir a cena teatral de sua época, valorizando tempos anteriores onde o drama não tinha cunho ilusionista; o edifício do teatro era um espaço arquitetônico iluminado pela luz do sol e inexistia separação tão explícita entre palco e plateia (e, consequentemente, o teatro inteiro compunha a cena). Considerando essa descrição do espaço cênico que Craig parecia ter por ideal e conhecendo suas referências e histórico artísticos, é gritante a ausência do palco elisabetano nessa cronologia. Craig chega mesmo a afirmar: Claro que o palco e a cena shakespearianos são únicos (...) Não houve tempo nem oportunidade para arquitetos ingleses se voltarem ao problema de desenhar um teatro como na Itália, e assim Shakespeare, chegando com toda sua intempestividade, não encontrou um teatro real tal como nós teríamos gostado de preparar para ele, se ele simplesmente nos tivesse dado uma breve notícia. Se um arquiteto inglês tivesse voltado sua atenção a esse trabalho durante a vida de Shakespeare, ou logo depois de sua morte, provavelmente teríamos agora alguns edifícios tão nobres como aqueles construídos na Itália (...) e um prédio que teria sido um guia agora para nós sobre como Shakespeare gostaria de ver suas peças encenadas. [Idem, Ibidem, p. 197.] Baseado nessa carência, na inexistência de um edifício teatral que conseguisse adequar-se às necessidades do drama poético shakespeariano, Craig decidi criar uma quinta cena, com um palco cinético que servisse ao teatro futuro. 47 CENA 3 O SHAKESPEARE ELISABETANO Aqui, podemos concluir que os obstáculos que tanto Craig quanto Stanislávski encontravam frente à dramaturgia de Shakespeare eram derivados do anacronismo com que olhavam para sua obra. Stanislávski parece ignorar que o foco das peças do dramaturgo nunca esteve na precisão cultural e histórica da ambientação das fábulas. Isso está evidente na própria geografia italiana da qual Shakespeare fez uso, estabelecendo rotas impossíveis, misturando cidades e dando a elas características que nunca possuíram. Também, não era na vida sentimental e nos conflitos internos das personagens que Shakespeare se norteava, de tal modo que Stanislávski estava diante de um material que não poderia ser encarado da mesmo forma que um drama realista. Em relação à Craig, sua falta de conhecimento em relação à estrutura física do teatro elisabetano, o teatro do próprio Shakespeare e de sua época, que hoje ilustra tão bem para nós a maneira como aquela dramaturgia específica poderia ser concretizada, reside em questões históricas. Todos os teatros de Londres foram destruídos em 1642, com a tomada de poder por um governo puritano e autoritário. Passados os séculos e a chegada do neoclassicismo, foram retomadas as unidades aristotélicas de ação, tempo e espaço e a dramaturgia shakespeariana foi tida por toda a Europa como a produção de um bárbaro, inculto e desconhecedor das regras. O autor inglês voltou a ser popular a partir do movimento romântico, do final do século XVIII, e dominou a cena teatral inglesa durante o século XIX, contexto em que Craig estava inserido. No entanto, não se sabia na época a respeito das estruturas de arenas como o Globe Theatre e do palco elisabetano. Sem nenhum registro ou vestígio concreto da construção do edifício, era impensável que Shakespeare houvesse concebido seus dramas para um cenário próprio e singular, diferente em muitos elementos do palco à italiana. Sabemos agora que o prédio teatral elisabetano era constituído por três planos, assim resumidos: O palco exterior, projetado para o centro do pátio, é neutro e serve para a maior parte das cenas; o interior mostra ambientes fechados, isolado por uma cortina que permite o uso de móveis ou acessórios. O palco superior, acima do interior, representa as muralhas da cidade, ou qualquer local alto. Essas três áreas, usadas juntas ou separadas, é que permitem a liberdade formal da dramaturgia da época. (HELIODORA, 2008, p. 36) 48 Temos conhecimento dessa estrutura, atualmente, graças à descoberta arqueológica da fundação das ruínas do Globe Theatre, em 1989, e do empenho em reconstruí-lo, tendo sido feita a reinauguração do teatro somente em 1996. Sabemos o quanto essa estrutura circular, a céu aberto e que comportava uma relação íntima entre plateia e palco, era importante para a cena shakespeariana: o próprio autor chegou a citar em alguns de seus prólogos “o grande ‘O’ de madeira” e o “palco vazio”. Cientes do edifício em que Shakespeare encenava suas criações, compreendemos melhor como era possível “que o real e o fantástico se apresentassem mesclados naquele palco neutro.” (Idem, Ibidem, p. 37). Porém, Craig nunca tomou conhecimento desse palco, inimaginável à sua época. Descontente com o formalismo e as limitações que a estrutura do palco italiano trazia, criou seu projeto para a “Quinta Cena”, ou a cena do futuro, que dispensava a necessidade de reconstruir os modelos de teatros já existentes, propondo peças arquitetônicas móveis, os Screens, traduzidos como biombos, painéis ou telas. Assim, atendia “aos requisitos impostos pelo espírito moderno - o espírito da mudança incessante.” (CRAIG, 2017, p. 220.) Craig definiu a estrutura cênica criada pelas telas como “As Mil Cenas em uma Cena” e, de fato, o princípio de sua criação era conformar uma arquitetura de natureza mutável, com uma cena móvel. As telas foram criadas através da simplificação máxima do edifício teatral: Gordon Craig relata ter estudado centenas de modelos desses edifícios criados ao longo do tempo e em várias partes do mundo, tendo chegado, finalmente, às suas partes primordiais: um chão e paredes planas e um teto, somente. Essa seria a essência de qualquer habitação humana e a partir desses contornos Craig só adicionou a mobilidade necessária para que a estrutura fosse capaz de representar ambientes variados, externos e internos, luxuosos ou rudimentares. As telas permitiriam que a mudança entre uma cena e outra do espetáculo fosse feita sem a necessidade de baixar as cortinas para a troca de cenário, devido tanto à sua mobilidade quanto à unidade cênica que propiciavam. Isso dispensaria decorações cenográficas e acionava aspectos da atuação relevantes para o projeto. Sendo suas telas estruturas arquitetônicas e tridimensionais, mostraram-se apropriados para dividir o espaço com a materialidade dos corpos dos atores, que para Craig, não poderia ser apresentada de forma adequada junto a um cenário pintado em um painel plano, bidimensional. Sua Quinta Cena teria todo o jogo de sombras e cores feito através da dramaturgia da luz, transformando o palco. Segundo Ribeiro, os biombos, aliados aos refletores: (...) recortavam o espaço cênico, criando novos tamanhos e formatos para a cena. Eles faziam desaparecer o formato da 49 caixa preta, característica do palco italiano, abrindo novas e inesperadas possibilidades para o espaço e para a iluminação cênica (RIBEIRO, 2016, p. 91) Esse sistema criado por Craig é uma de suas principais e mais notórias propostas. Dela, diferentemente do über-marionette, temos registros diversos, uma vez que ele mesmo dedicou um vasto trabalho pictórico para a representação destas telas. Craig retomaria, com a invenção, a tradição de uma cenografia aliada à arquitetura e daria fim às restrições impostas pela exigência da época de parecer natural, inclusive, abrindo espaço para outras formas dramatúrgicas e cênicas. Em consonância com sua visão sobre a arte teatral, esse espaço seria tal qual a arena do período clássico greco-romano, onde haviam construído “seus teatros para os seus dramas, não seus dramas para seu teatros” (CRAIG, 2017, p. 190). Provavelmente, embora Craig não soubesse, a proposta da Quinta Cena, ou as Mil Cenas em Uma, aproximava-se dos diferentes planos e da neutralidade do palco elisabetano, utilizado por Shakespeare. Porém, as telas foram utilizados em pouquíssimas produções no período de vida de seu idealizador, tendo sido a primeira delas no Teatro de Arte de Moscou, o que nos leva de volta à nossa história. 50 ATO IV GRANDES EMOÇÕES PARA RETRATAR E GRANDES PALAVRAS PARA DIZER Figura 10. Palco do Teatro de Arte de Moscou em 1902. Podemos notar o emblema da gaivota nas cortinas. CENA 1 A DIVINA NINFA VINDA DO OLIMPO Como visto anteriormente, por volta da metade da década de 1900, a morte de Tchékhov e os constantes desentendimentos entre Stanislávski e Nemiróvitch Dântchenko desencadearam uma crise criativa e uma cisão no Teatro de Arte de Moscou. Com a perda precoce do dramaturgo que havia consagrado o trabalho do TAM, a companhia deparou-se com a necessidade de se reinventar, o que levou às primeiras experimentações com a dramaturgia simbolista, movimento que ganhava força na Rússia, e a uma investida inicial no que seria os primórdios do formato de teatro-laboratório, que dominaria as artes cênicas no período final do século XX. Essa fase experimental do Teatro de Arte foi marcada pelo embrião do que viria a ser o Sistema e, conjuntamente, uma estigmatização e consecutivo isolamento de Konstantin Stanislávski por parte do elenco do TAM. 51 Cada vez mais descontente com sua performance no palco e sendo efetivamente hostilizado em seu teatro, Stanislávski duvidava gradativamente de sua aptidão artística. Tomado por uma desmotivação crescente, sentia vontade de desistir da carreira de ator; circunstâncias presentes quando veio a conhecer Isadora Duncan. Stanislávski relata em Minha Vida na Arte ter assistido a uma apresentação de Duncan em sua primeira turnê russa por acaso; mas que após tê-la visto em cena pela primeira vez, nunca mais pode ausentar-se de um de seus recitais na cidade, pois sentia profunda afinidade entre a revolução que Isadora promovia na dança e o que desejava para sua própria arte. Os dois artistas revolucionários não se conheceram nesta primeira passagem da dançarina por Moscou, mas durante uma das turnês posteriores, Isadora esteve no Teatro de Arte, onde então estabeleceu-se entre os dois uma relação de admiração mútua. Encantado com a expressividade e com a emoção que Duncan transmitia em sua dança, Stanislávski encontrou na bailarina alguém que compartilhava de sua busca incessante por uma grande arte e a inspiração que ele precisava no momento para seguir trilhando este árduo caminho. Figura 11. Isadora Duncan 52 Sobre suas conversas com Isadora em torno da arte, ele reflete: (...) compreendi que em distintas partes do mundo, em virtude de condições por nós ignoradas, dos mais diversos pontos de vista, pessoas diferentes procuram na arte, os mesmos princípios criadores ordinários, que nascem naturalmente. E, ao encontrar-se, ficavam admiradas com a identidade e afinidade de princípios. Foi precisamente isto que ocorreu ao encontro que estou descrevendo: nós nos entendíamos a meias palavras. [STANISLÁVSKI, 1989, p. 451] Ainda assim, segundo ele, Duncan não sabia "falar de sua arte de maneira conseqüente, lógica e sistemática" [Idem, Ibidem, p. 452], afirmando ter aprendido a dançar com uma musa, Terpsícore, e ter começado a fazê-lo desde a primeira vez que colocou os pés no chão. Se havia empatia nos projetos de ambos, a discordância de Stanislávski aparecia nos pontos da metodologia e da sistematização dos processos criativos. Entretanto, analisando a troca de correspondências entre os dois artistas iniciada nesse período, podemos constatar a felicidade com que Stanislávski percebia essa troca, esse mútuo entendimento que ele não encontrava mais em seus companheiros do Teatro de Arte. Em resposta a uma carta de Isadora, onde ela afirma ter recebido dele a inspiração para novas ideias em seu trabalho e ter dançado bem por pensar nele, em janeiro de 1908 Stanislávski diz: Querida amiga! Como estou feliz!!! Como estou orgulhoso!!! Ajudei uma grande artista a encontrar a atmosfera de que ela necessitava!!! E tudo aconteceu enquanto nós estávamos deliciosamente preguiçosos em um cabaré, cercados pelo vício. Como a vida é estranha! Como ela é bela de vez em quando. Não! A senhora é boa, pura, nobre e, no interior do enorme, elevado sentimento e da admiração artística que tive em relação à senhora até agora, sinto o nascimento de uma amizade genuína e profunda e de uma afeição. Sabe o que a senhora fez a mim? Eu não lhe falei sobre isso até agora. 53 Apesar do grande sucesso que nosso teatro tem obtido e dos inúmeros admiradores que o cercam, eu sempre tenho estado sozinho (exceto por minha esposa, que tem me apoiado em meus momentos de dúvida e desapontamento). A senhora é a primeira a dizer-me com poucas, simples e convincentes palavras o que é importante e fundamental a respeito da arte que eu quero criar. Isso deu-me uma rajada fresca de energia quando eu estava por desistir de minha carreira artística. Eu lhe agradeço. Eu realmente lhe agradeço do fundo do meu coração. Ah, como eu esperei ansiosamente por sua carta e como dancei quando a li. Receava que a senhora tivesse interpretado mal minha reserva e tomasse sentimento genuíno por indiferença. Tinha receio de que o sentimento de felicidade, energia e força que a senhora havia levado consigo a abandonassem antes de chegar a São Petersburgo. Agora a senhora dança a Dança da Lua, e eu danço a minha própria dança, ainda sem nome. Estou muito contente, estou mais que grato. (...) A cada minuto livre que temos no trabalho, conversamos sobre a divina ninfa que desceu do Olimpo para trazer-nos alegria. Beijamos suas mãos maravilhosas e jamais a esqueceremos. Fico contente se a nova criação foi inspirada pelo meu amor pela senhora. Gostaria de assistir a essa dança… (…) [STANISLÁVSKI in Takeda, 2003, p. 315] É nesse momento de deslumbramento artístico, em que Stanislávski sente encontrar compreensão e encorajamento para retomar a energia necessária para persistir em seu projeto teatral, que surge o nome de Edward Gordon Craig. Em suas conversas com o novo amigo russo, Isadora apresentou Craig como um gênio, alguém com um talento inigualável que encontraria no Teatro de Arte de Moscou condições mais propícias para elevar a arte. Tenta persuadir Stanislávski sobre os benefícios da parceria: “Escrevi a Gordon Craig. Contei a ele sobre seu teatro e sobre sua grande arte. Mas o senhor não poderia lhe escrever diret