UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências Campus de Bauru Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência CARLOS ALBERTO PEREIRA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE BIOLOGIA EM ESCOLAS ESTADUAIS DE TEMPO INTEGRAL DE UMA CIDADE DO INTERIOR PAULISTA BAURU 2018 CARLOS ALBERTO PEREIRA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE BIOLOGIA EM ESCOLAS ESTADUAIS DE TEMPO INTEGRAL DE UMA CIDADE DO INTERIOR PAULISTA Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em Educação para a Ciência, da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação para as Ciências. Área de Concentração: Ensino de Ciências e Matemática. Orientadora: Profa. Dra. Luciana Maria Lunardi Campos BAURU 2018 Pereira, Carlos Alberto. Formação continuada de professores de Biologia em escolas estaduais de tempo integral de uma cidade do interior paulista / Carlos Alberto Pereira, 2018 201 f. Orientadora: Luciana Maria Lunardi Campos Tese (Doutorado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2018 1. Ensino de Biologia. 2. Formação Continuada de Professores. 3. Educação integral. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. Em especial, dedico este trabalho aos meus colegas estudantes da Pós- graduação da Faculdade de Ciências em Bauru, que me acolheram, incentivaram e estimularam em todas as aulas que tivemos. Agradeço pelo compartilhamento de caronas, almoços, lanches e muitos, muitos relatórios e discussões! Dedico, também, a todos os colegas pesquisadores do grupo Formação e Ação de Professores de Ciências e de Educadores Ambientais, da Unesp de Botucatu, que propiciaram, muito mais que estudos, um imenso fortalecimento do coletivo, desencadeando novos rumos para a pesquisa na área da Educação. Desejo, também, que este estudo sirva de exemplo para muitos que, como eu, com mais de 32 anos de carreira de magistério público, pretendem voltar à academia e reaprender sobre o ensino em nossas escolas. Acreditem: este retorno à pesquisa, depois de tantos anos longe da universidade, correndo com afazeres em secretarias, escolas e partido político, foi, para a minha vida, algo extremamente significativo. Aos que pensam em trilhar essa jornada: corram e concretizem seus ideais! AGRADECIMENTOS É com muitíssima satisfação que deixo, aqui, os meus agradecimentos a todos aqueles que colaboraram e demonstraram um sentimento de profunda sinceridade, sem poupar esforços para que eu pudesse finalizar esta longa jornada. Foram tantas as contribuições, que me sinto extremamente realizado com essas atitudes de solidariedade. Tentarei, neste momento, deixar os meus sinceros agradecimentos a todos que possibilitaram a minha conquista, que, muitas vezes, pareceu tão distante, pelo tamanho do esforço empreendido no cumprimento de todos os créditos das disciplinas, com idas e vindas, leituras e participações nas reuniões do grupo de pesquisa, além da atuação em congressos e eventos da área. Primeiramente, eu não poderia deixar de expressar o meu eterno amor à minha família, em especial à minha esposa Isabel Cristina, que soube, como ninguém, dizer aquelas palavras, resolver aquelas questões, com charme e sorriso, de profundidade inexplicável na minha vida e nos meus passos. Agradeço, também, à minha filha, Ana Clara, que é um exemplo de superação, responsabilidade, objetividade e organização única. Você é a demonstração de que é possível resgatar as lembranças e torná-las ações efetivas e colaborativas. A você, meu filho, Luís Fernando, que soube dar a volta, redirecionar a sua vida, conquistar as suas reais metas e nos mostrar que é possível reiniciar, transformar algo dado em destino e redefinir o nosso traçado. Você, filho, não tem ideia do enorme exemplo que representou para as vidas de seus pais; foi um exemplo de ternura tão significativo que eu não poderia deixar de registrá-lo. Agradeço, imensamente, à minha ilustre orientadora, Profa. Dra. Luciana Maria Lunardi Campos, que, com sabedoria, sensibilidade e paciência, permitiu todo o trajeto de construção deste estudo. De maneira única, de olhar refinado, crítica e extremamente inteligente, soube me auxiliar durante estes anos, fomentando e aperfeiçoando a pesquisa. Muitíssimo obrigado pela confiança e pela dedicação ímpar. Agradeço a você, Prof. Dr. Renato Eugênio Santos Diniz, eterno amigo, colega com quem tive a oportunidade de cruzar em instantes únicos de minha vida. Nutro, por você, respeito e admiração não só pela participação de modo especial na qualificação e na defesa desta pesquisa, mas porque conheço a sua trajetória e sei que está entre os grandes pesquisadores deste país. Agradeço, também, pela recepção no grupo de pesquisa, sugerindo, contribuindo, corrigindo e conduzindo com brilhantismo e alegria – algo inigualável! À Profa. Dra. Renata Cristina Cabrera. Foi um prazer conhecê-la e fazer parte de alguns momentos da sua vida e da sua trajetória de pesquisa. Pesquisadora de um conhecimento apurado e crítico, de beleza única, agradeço imensamente por participar das bancas de qualificação e de defesa; suas correções minuciosas e sugestões pontuais permitiram a finalização deste trabalho. A você, Profa. Dra. Alessandra Aparecida Viveiro, deixo os meus cumprimentos e registro a satisfação em vê-la na banca de defesa. Saiba que sinto saudades das ocasiões de aprendizado nas ações ambientais encaminhadas pelo grupo de pesquisa na Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. Tenho a convicção de que, muito mais do que agregar conhecimentos a esta pesquisa, sua participação deixará sugestões e contribuições que despertarão novos desafios. À Profa. Dra. Thais Gimenez da Silva Augusto, por quem tenho muito apreço e respeito, que se dispôs a participar desta defesa, agradeço pela colaboração e sugestões que, com certeza, impulsionarão e aprimorarão toda a pesquisa. Ao Prof. Dr. Fernando Bastos, à Profa. Dra. Eliane Cerdas Labarce e ao Prof. Dr. Lucas André Teixeira, que se dispuseram a colaborar com a defesa, meu eterno obrigado. E, em especial, a todos que incentivaram a minha volta aos estudos e à pesquisa. “Tudo isso reforça a ideia de que, para que mudanças em concepções e práticas educacionais de professores ocorram, é necessário que os programas que visam a inovações educacionais, aperfeiçoamentos, atualizações tenham um entrelaçamento concreto com a ambiência psicossocial em que esses profissionais trabalham e vivem” (GATTI, 2003, p. 203). RESUMO No Brasil, recentemente, iniciativas diversificadas foram propostas para a implantação de escolas públicas de tempo integral. Em 2012, o governo do estado de São Paulo criou o Programa Ensino Integral (PEI/SEE/SP), incialmente destinado às escolas de ensino médio. A formação continuada de professores é compreendida como premissa para a implantação desse novo modelo de escola, para que as inovações do modelo pedagógico sejam garantidas. Na literatura, são identificados diferentes modelos de formação continuada, dentre eles, o modelo de desenvolvimento profissional de inovação curricular e organizacional, que se baseia em pressupostos como um currículo que suscite, nos professores, a necessidade de aprendizagem de conteúdo, estratégia didática e avaliação, além da ideia de que os professores devem atuar em questões relativas ao seu trabalho e adquirir competência no aperfeiçoamento. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo analisar as ações de formação continuada do Programa de Ensino Integral de São Paulo para professores de Biologia, buscando identificar a sua aproximação com o modelo de desenvolvimento profissional de inovação curricular. O processo investigativo constituiu-se numa pesquisa qualitativa, de caráter avaliativo, e a coleta de dados foi realizada por meio da análise de documentos, de questionários e de entrevistas com todos os professores da área de Biologia de todas as quatro escolas de ensino médio integral de uma cidade do interior paulista. Para a análise dos dados, foi utilizado o método de análise de conteúdo. Os resultados permitem afirmar que as ações de formação continuada oferecidas aos professores de Biologia das escolas em questão não se baseiam nos princípios de mudança curricular de desenvolvimento profissional, porém, possibilitam que esses docentes desenvolvam atividades pedagógicas de forma mais diversificada e elaborada. Em relação ao ensino de Biologia, não houve um trabalho com discussões que fossem além das propostas pelo Caderno do Professor do Ensino Médio de Pré-Iniciação Científica, nem uma adequação dos materiais didáticos ao jovem, ou uma adequação didática para desenvolvimento em grupo, com diferentes abordagens de conceitos biológicos, de forma crítica e interdisciplinar, para resoluções de problemas de contextos reais. Palavras-chave: Ensino de Biologia. Formação continuada de professores. Educação integral. ABSTRACT In Brazil, recently, diversified initiatives were proposed to the implantation of full time public schools. In 2012, the government of São Paulo created the Ensino Integral (full time teaching) (PEI/SEE/SP) program, initially designated to high schools. The teachers continued graduation is comprehended as a necessary premise to the implantation of this new school model, so that it guarantees the innovations of the pedagogical model. In literature, are identified different continued graduation models and among them, the model of professional development of curricular and organizational innovation, that is based on assumptions as a curriculum which generates necessities to the teachers of learning content, didactic strategy and evaluation and where the teachers act in issues related to their work and may acquire competence in furthering. This study aims to analyze the continued graduation of the full time teaching program of biology teachers, seeking to identify its relation to the professional development model of curricular innovation. The investigative process was constituted by a qualitative research, of evaluative nature and the collect of datas were performed by the analysis of the documents, questionnaires and of interviews with all the teachers of biology area and all four full high school institutions in the upstate of São Paulo city. To the analysis of data, a method of content analysis was used. The results allow to affirm that the actions of continued graduation offered to biology teachers of the state education network of full time high schools investigated don’t measure to the principles of curricular changing of professional development, however, they opened the possibility to develop pedagogical activities in a diversified and elaborated way. About the biology, there was not a thematic work so that it would include discussions that would go beyond the high school teacher's book of scientific pre-initiation, adequacy of teaching materials for development in group with different approaches of biological concepts in a critical form and interdisciplinary to resolutions of problems in a real context. Keywords: Biology teaching. Teachers continued graduation. Full time education. LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Ações de formação do Programa Ensino Integral .......................................... 93 Quadro 2 – Organização dos dados .................................................................................. 114 Quadro 3 – Perfil dos professores participantes ............................................................... 116 Quadro 4 – Categorização das respostas dos professores entrevistados .......................... 129 Quadro 5 – As ações de formação na área de Biologia ................................................... 132 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Percentual de matrículas em tempo integral ...................................................... 24 Figura 2 – Premissas do modelo pedagógico do Programa Ensino Integral ....................... 54 Figura 3 – Protagonismo Juvenil ......................................................................................... 55 Figura 4 – Matriz Curricular do Ensino Médio Integral ...................................................... 59 Figura 5 – Projeto de Vida como eixo centro da escola ...................................................... 61 Figura 6 – Estrutura do quadro de pessoal da escola do PEI ............................................... 65 Figura 7 – Dimensões avaliativas ........................................................................................ 66 Figura 8 – Critérios de avaliação de programas de desenvolvimento profissional ............. 89 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Rede Estadual de Ensino SEE/SP – Ensino Médio/2017 ..................................... 104 Tabela 2 – Relação de professores de Biologia/ escolas de ensino médio de tempo integral ............................................................................................................................................... 106 Tabela 3 – Organização dos dados ........................................................................................ 119 Tabela 4 – Síntese dos eixos e resultados ............................................................................. 124 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Acea Associação Cidade Escola Aprendiz AIB Ação Integralista Brasileira Aice Associação Internacional de Cidades Educadoras ATPC Atividade de Trabalho Pedagógico Coletivo ATPI Atividade de Trabalho Pedagógico Individual AVA-Efap Ambiente Virtual de Aprendizagem da Efap CEL Centro Educacional Elementar CENP Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas CEUs Centros Educacionais Unificados CET Conferência Educação para Todos CIEPs Centros Integrados de Educação Pública Crei Centro de Referências em Educação Integral CTSA Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente DBN Diretrizes e Bases da Educação Nacional DEIDHC Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania DO Diário Oficial do Estado de São Paulo DRE Diretoria Regional de Ensino ECA Estatuto da Criança e do Adolescente Efap Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores Paulo Renato Costa e Souza EMI Programa Ensino Médio Inovador Enem Exame Nacional do Ensino Médio FDE Fundação para o Desenvolvimento da Educação FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Fundeb Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação GDPI Gratificação de Dedicação Plena e Integral HTPC Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo HTPI Horas de Trabalho Pedagógico Individual IES Instituição de Ensino Superior Inep Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira MCT Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome ME Ministério do Esporte MEC Ministério da Educação MG Modelo de Gestão MinC Ministério da Cultura MMA Ministério do Meio Ambiente MP Modelo Pedagógico Niase Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa PCA Professor Coordenador de Área PCG Professor Coordenador Geral PDDE Programa Dinheiro Direto na Escola PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PEB Plano para a Educação Básica PECSP Programa Educação Compromisso de São Paulo PEI Programa Ensino Integral PME Programa Mais Educação PNE Plano Nacional de Educação PPP Projeto Político-Pedagógico Profic Programa de Formação Integral da Criança RDPI Regime de Dedicação Plena e Integral Saresp Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SEB Secretaria de Educação Básica Secadi Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão SEE/SP Secretaria de Educação do Estado de São Paulo SME Secretaria Municipal de Educação SNFPE Sistema Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Stem Brasil Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática do Brasil UNB Universidade de Brasília Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 16 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 18 2 ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL E NO ESTADO DE SÃO PAULO ............................................................................................ 28 2.1 Panorama histórico: intenções e propostas ................................................................ 28 2.2 Escola em tempo integral: proposta atual .................................................................. 39 2.3 Programa Educação Integral ...................................................................................... 42 2.4 Programa Ensino Integral – SEE ................................................................................ 50 3 FORMAÇÃO CONTINUADA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DE PROFESSORES ..................................................................................................................... 72 3.1 Formação continuada de professores: pressupostos e práticas ................................ 72 3.2 Modelos de desenvolvimento profissional de professores ......................................... 78 3.3 Modelo de inovação curricular ou mudança educacional ........................................ 84 3.4 Formação continuada no Programa Ensino Integral ................................................ 90 3.5 Formação continuada para professores de Biologia ................................................. 96 4 PERCURSO METODOLÓGICO ................................................................................... 101 4.1 Pressupostos teóricos metodológicos da investigação.............................................. 101 4.2 Caracterização da pesquisa ....................................................................................... 103 4.3 Contexto da pesquisa .................................................................................................. 104 4.4 Participantes da investigação .................................................................................... 105 4.5 Coleta de dados ........................................................................................................... 106 4.6 Análise dos dados ........................................................................................................ 113 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO ...................................................................................... 116 5.1 Perfil profissional dos professores de Biologia e a participação desses docentes nas ações de formação continuada ......................................................................................... 116 5.2 Estratégias, princípios e metas das ações de formação continuada: o que revelam os professores .................................................................................................................... 123 5.3 As ações de formação continuada e o ensino de Biologia ........................................ 128 5.3.1 Estratégias nas ações de formações ...................................................................... 134 5.3.2 Teoria, currículo e projetos escolares utilizados nas ações de formação ........... 137 5.3.3 A natureza da ação de formação enquanto proposta de atualização científica .. 139 5.3.4 Desenvolvimento das formações enquanto comunicação entre os professores, participação em grupo, cultura colaborativa e ação sobre limitação e autonomia ..... 144 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 153 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 158 APÊNDICE A – Termo de consentimento ......................................................................... 171 APÊNDICE B – Questionário ............................................................................................. 172 APÊNDICE C – Entrevista .................................................................................................. 180 ANEXO A – Ações de Formação de Ensino Integral em SP ............................................ 182 ANEXO B – Efap .................................................................................................................. 184 ANEXO C – Curso Efap ...................................................................................................... 185 ANEXO D – Stem Brasil ...................................................................................................... 188 ANEXO E – Worldfund e ICE ............................................................................................. 190 ANEXO F – Edital ................................................................................................................ 191 ANEXO G – Marcos normativos e legais da EI e da Educação em Jornada Ampliada 195 ANEXO H – Relação de escolas do PEI/SEE/SP ............................................................... 198 16 APRESENTAÇÃO Em abril de 2008, quando trabalhava na Secretaria Municipal da Educação do interior do estado de São Paulo, participei do X Congresso Internacional de Cidades Educadoras, em que tive a oportunidade de conhecer propostas de construção de cidadania em cidades multiculturais e visitei os Centros Educacionais Unificados (CEUs), criados em áreas periféricas da cidade. Ao longo dessas visitas, estive presente em discussões sobre o progresso da comunidade e, especificamente, a respeito da inovação de experiências educacionais voltadas ao desenvolvimento integral de crianças e jovens, reunindo os complexos educacional, esportivo e cultural em espaço público, com múltiplas funções educativas. Em 2012, quando atuava em outra Secretaria Municipal da Educação (SME), na região central do estado de São Paulo, fui um dos membros da reunião realizada no prédio da Secretaria Estadual da Educação (SEE/SP), com professores da Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá/SP e da Faculdade de Ciências de Bauru/SP, ambas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), com técnicos da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) e com a equipe do Programa Ensino Integral (PEI) da SEE/SP. Nessa ocasião, foi discutida a instalação, programada para os próximos anos, de laboratórios escolares em instituições estaduais de ensino médio em tempo integral, atendendo às disciplinas de Biologia, Química, Física e Matemática. Em novembro de 2013, participei do Seminário Nacional sobre Formação Continuada de Professores do Ensino Médio, realizado em Curitiba/PR, organizado pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Durante o evento, foi lançado o Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio (PNEM), com a intenção de contribuir para o aperfeiçoamento e promover a valorização da formação dos professores do ensino médio. Em todas essas circunstâncias, tive a oportunidade de expor relatos sobre a situação dos laboratórios escolares das escolas estaduais da Diretoria Regional de Ensino do interior do estado, no sentido de colaborar com a implantação desses “novos laboratórios”, buscando evitar que eles fossem, como no passado, sucateados e ocupados por salas de aulas convencionais. É importante destacar, ainda, que, nessa época, a SEE/SP tinha a intenção de construir quatro Centros de Ciências no interior do estado, que funcionariam como polos de 17 formação continuada de professores dessa rede de ensino. Os Centros de Formação seriam espaços estratégicos para a formação continuada de docentes, em parcerias com as universidades públicas do estado, respeitando a rotina dos educadores e a realidade de cada unidade. De toda forma, fui percebendo que as iniciativas de programas para oferta de ações de aperfeiçoamento profissional contínuo aumentavam e que existia um várias investigações de ações de formação continuada ofertadas aos professores no sentido de estudar as contribuições para melhoria do exercício profissional, melhoria da prática pedagógica, facilitação para atuação profissional, como uso de estratégias de formação para o trabalho, pontuações ligadas a carreira, implantação e desenvolvimento de novas tecnologias. Formações que envolviam instituições, universidades, organizações e empresas privadas na busca de mapeando de ofertas, além de financiamentos municipais, estaduais e federais em programas de formação e preocupação com os formadores e avaliação destas ações. Enfim, nestas discussões de políticas de formação continuada fui compreendendo a educação continuada na busca de melhoria do trabalho profissional das redes de ensino. Assim, percebi que deveria existir uma adequação ou acomodação entre as ações de formação continuada ofertadas com o objetivo que se pretendia atingir em cada rede de ensino e, que existia uma série de modalidades de ações de formação continuada apresentadas na literatura. E que a oferta e objetivo deveriam estar pareadas, assim como as enzimas que promovem a hidrólise enzimática na digestão das macromoléculas, que existe especificidade, condições e local adequados que envolvem ações de formação. Procurei traçar um caminho de investigação na implantação do ensino médio integral na rede de ensino estadual a modalidade da ação de formação para área de Biologia. 18 1 INTRODUÇÃO O tema educação integral não é novo e não se faz de consensos. Trata-se de um assunto já citado na Antiguidade grega, em escritos do filósofo grego Aristóteles, que falava largamente de uma educação para artes e treinamento, em que o homem livre deveria buscar sua própria cultura, utilizando conhecimentos no sentido de unir “teoria e prática” (GADOTTI, 2009; MANACORDA, 1989, p. 72). Já para educadores europeus como Édouard Claparède, Jean Piaget e Célestin Freinet, esse tema vincula-se a uma concepção de ser humano em suas múltiplas dimensões, caracterizando-se como um processo a ser desenvolvido ao longo de toda a vida. No Brasil, a educação integral tem sido entendida como uma extensão da jornada escolar e uma ampliação das funções sociais e culturais da escola, com base em diferentes correntes ideológicas. Guará (2006) pontua que nenhuma norma legal abarcará todas as possibilidades de sentidos na conceituação da educação integral. A despeito disso, o que se pode destacar sobre esse termo é a sua relação com uma integralidade de aspectos cognitivos, afetivos, corporais e espirituais, numa compreensão do homem em sua totalidade, ou seja, do homem multidimensional. Trata-se de uma perspectiva humanista e ética, com base na qual a educação assume um papel central na organização e nas relações pessoais e sociais, além de se estender à vida cotidiana, de modo que as ações humanas direcionarão o processo formal de ensino. Encontra-se, portanto, na base dessa concepção, a predisposição para que se receba o educando como ser multidimensional, buscando um ponto ideal para a construção do ser integral. Nessa visão, a educação integral aparece como “perspectiva de tempo integral”, em uma concepção de “expansão da jornada escolar” ou “implantação de um período integral” nas escolas (GUARÁ, 2006, p. 18). A Escola-Parque (EBOLI, 1971), o Centro Integrado de Educação Pública (CIEP), no Rio de Janeiro, e o Programa de Formação Integral da Criança (PROFIC), em São Paulo (PARO et al., 1988a), foram concebidos nesses moldes, com a expansão do horário escolar e a adição de atividades diversificadas oferecidas aos alunos. A Escola-Parque/Escola-Classe, concebida por Anísio Teixeira, e os CIEPs, projetados por Darcy Ribeiro, são considerados marcos significativos na história da educação integral brasileira. Ambos, como já observado, são projetos educacionais de aumento de jornada escolar, que se fez necessário para que a formação abrangesse as ciências, as artes, a cultura e o mundo do trabalho, por meio de desenvolvimentos físico, cognitivo, afetivo, político e 19 moral, possibilitando uma superação das desigualdades sociais mantidas e reforçadas na cultura escolar (MOLL, 2012, p. 129). Entretanto, a dificuldade de implantação dos programas e a sua descontinuidade, acrescidas à falta de qualidade no atendimento, à baixa frequência das crianças, à demanda social e aos contrapontos na função da escola, foram marcas que dificultaram a execução desses projetos. Hoje, essa concepção de educação integral (GUARÁ, 2006) volta a ser enfatizada, quando se pensa que o tempo escolar ofertado está aquém da necessidade de formação da criança. Em razão de demandas por cargas horárias mais elevadas, com as mudanças nos cotidianos das famílias, muitas escolas, atualmente, passam a oferecer um período adicional para a complementação pedagógica, que, em grande parte, manifesta-se como recreação, oficinas, cursos variados, atividades esportivas, artísticas, linguísticas, passeios por museus, exposições e parques. Trata-se de uma concepção que não deixa de incorporar a ideia de prevenção ao desamparo, de proteção social e expectativa de cuidado, mesclada ao desejo de um tempo maior para o estudo, com oportunidades de aprendizagem que, de certa forma, são negadas a uma parcela da população em situação de pobreza, risco pessoal e social. Percebe-se, então, que há uma remissão à noção de escola como um local de articulação entre atividades educacionais, culturais, recreativas e a convivência comunitária, utilizando diferentes espaços físicos. Essa perspectiva faz com que a própria escola multiplique suas funções e lança o desafio de reunir o aproveitamento do espaço escolar às relações cotidianas de trabalho e ao uso de territórios não escolares em uma jornada ampliada. Para isso, é necessário reorganizar vivências, oferecer novas oportunidades de aprendizagem, utilizar espaços de socialização, construir um diálogo com a comunidade e ser protetora, carregando uma ideia de formação completa para o ser humano (BRASIL, 2009a). Cavaliere (2009) explica que a ampliação do tempo é tratada como um modelo de organização para a escola, no sentido de articular as instituições com projetos da comunidade e com atividades realizadas pelos alunos em turnos alternativos, e, não, necessariamente, no espaço escolar. Dessa maneira, há duas vertentes distintas: a que propõe a mudança no interior da unidade escolar, compatível com o turno integral do professor e do aluno,1 e aquela que articula instituição e projeto da sociedade, oferecendo turno alternativo às aulas fora do 1 Esse modelo previa a abertura da escola à comunidade, em movimento centrípeto à unidade escolar, a exemplo dos CIEPs/RJ (CAVALIERE, 2002c). 20 espaço escolar.2 No primeiro modelo, há a escola de tempo integral, com um fortalecimento da unidade ocasionado por mudanças em seu interior, com base na atribuição de novas tarefas, equipamentos e profissionais; no segundo, há o aluno em tempo integral, com ênfase na oferta de atividades diversificadas aos discentes no turno alternativo ao da escola, alternando, também, instituições, espaços e agentes, a fim de proporcionar experiências múltiplas e não padronizadas. Arroyo (2013) explica que a educação integral é aquela que envolve o entendimento do ser humano como sujeito total, enquanto sujeito de conhecimento, cultura, valores, ética, identidade, memória e imaginação, em toda a sua formação. A ideia abrange, ainda, um atendimento com base em todas as dimensões do desenvolvimento humano, expandindo o tempo a ser dedicado não apenas ao currículo escolar, mas aos aspectos da vida cotidiana que não se dão apenas na escola. Trata-se, portanto, de suprimir a noção de que fora da escola não há formação. Essa visão é, também, compactuada pela professora Bernadete Gatti (apud GUARÁ, 2006, p. 16): O que se observa nas discussões de vários autores, especialmente os clássicos da pedagogia, é que, quando se fala em Educação Integral, fala-se de uma concepção de ser humano que transcende as concepções redutoras que hoje predominam na educação, por exemplo, as que enfatizam apenas o homem cognitivo ou o homem afetivo. A inteligibilidade da pessoa humana abarca a intersecção dos aspectos biológico-corporais, do movimento humano, da sociabilidade, da cognição, do afeto, da moralidade, em um contexto tempo-espacial. Um processo educativo que se pretenda “integral” trabalharia com todos estes aspectos de modo integrado – ou seja – a educação visaria à formação e ao desenvolvimento humano global e não apenas ao acúmulo informacional. Essas definições de educação integral continuam sustentadas pela concepção de “reconstrução da experiência” associada à corrente filosófica pragmatista e ao movimento liberal reformador da Escola Nova, que, por influência de Anísio Teixeira e pensamentos de John Dewey, abarcam alguns princípios da educação integral (CAVALIERE, 2010, p. 258). Já Moacir Gadotti (2009, p. 10) prefere uma concepção segundo a qual a “educação cidadã fundamenta a educação integral”. Coelho (2002, p. 143-144), por sua vez, discute a concepção de educação integral não nos “moldes da visão liberal da Escola Nova de Anísio Teixeira”, mas nos “pressupostos do pensamento educacional anarquista”, em que os princípios de “liberdade e igualdade” são 2 Tal modelo corresponde à ideia de que a expansão do tempo poderia ser feita em diferentes espaços, dentro ou fora da escola, a exemplo do Profic/SP (PARO et al., 1988b). 21 fundamentais para a construção da sociedade e embasarão as práticas no ambiente escolar. A autora defende, ainda, uma concepção de educação fundamentada na formação integral do ser humano, em todas as suas extensões. Não se pode deixar de indicar que o movimento escolanovista (AZEVEDO et al., 2010) já apontava, como princípio básico da instituição de tempo integral, um reencontro da vocação escolar com a sociedade urbana e industrializada, valorizando as atividades da prática cotidiana para o rumo democrático. Esse movimento, como explica Cavaliere (2002a, p. 251), entendia que a educação não era preparo para a vida, mas, sim, a própria vida, baseando-se no princípio de uma educação integral associada à ideia de “escola da vida completa”, para um mundo moderno e democrático, com o lema “ordem, progresso, liberdade, iniciativa, autodisciplina, interesse e cooperação”. O foco era, então, a educação do indivíduo do ponto de vista político-social, em resposta a uma laicização da educação escolar europeia, do ponto de vista científico, devido aos avanços da Biologia, da Psicologia e à nova visão sobre a criança e a aprendizagem. Do ponto de vista teórico, em razão do liberalismo moderno e da hegemonia do sistema capitalista, pregava-se uma educação na qual o indivíduo deveria alcançar a superação do antagonismo social de um Estado equilibrador, já que se entendia que a democracia era o princípio da vida organizada e a ação comunicativa deveria ser experimentada na área educacional. Cavaliere (2002a, p. 251) também explica como os princípios de democracia, indivíduo e prática cotidiana eram parte das concepções do filósofo e pedagogo John Dewey, para quem a superação do indivíduo aconteceria com atividades reflexivas organizadas do mundo concreto e com necessidades humanas. Trata-se de uma orientação pragmática, na qual a experiência tem significado na própria vida e gera modificação do comportamento, ou seja, a experiência é aprendizagem e transformação da vida humana. Westbrook (2010, p. 26) explicita que “a escola de Dewey era, antes de tudo, um experimento sobre educação para a democracia” e, por isso, o “pragmatismo de Dewey” foi importante “expressão de ética e de sua teoria democrática”. Ainda de acordo com Cavaliere (2002a, p. 259), a educação integral é influenciada pela maneira pragmatista, incorporando a ideia de “micro-sociedade” ao recriar a comunicação entre família, sociedade e comunidade escolar. Tal noção enxerga a escola como um local onde se realizam experiências reais e se estabelecem relações interpessoais em níveis de aprendizado científico, entre as vidas pública e privada, de forma integrada. Há, ainda, a concepção de que a “aprendizagem é indireta e se dá através de um meio social”, já que ela 22 ocorre por meio de vivências e não da transmissão direta e formal de conhecimentos. Além disso, a autora reforça um princípio de educação integral com base no qual é necessário um ambiente escolar que favoreça “experiências significativas”, em que o foco não é o fim, mas, sim, o trajeto para atingi-lo. O escolanovismo tratava de uma concepção de educação integral caracterizada por um “projeto de comunidade intersubjetiva, democraticamente estruturada, que possibilitará, por meio de comunicação, a construção de alguma identidade coletiva” (CAVALIERE, 2002a, p. 261). Do ponto de vista da corrente filosófica pragmatista, a reconstrução da experiência suscita o conceito de racionalidade proposto por Jürgen Habermas, posteriormente, em sua teoria da ação comunicativa, já que se trata de uma noção que, em uma crítica explícita ao capitalismo, apresenta, conforme expõe Cavaliere, reflexões sobre a intersubjetividade mediada linguisticamente, acelerando a individualização. A autora ressalta, ademais, que, diferente de Dewey, que mantém uma abordagem progressista, Habermas acrescenta e complementa a autocompreensão tecnocrática do poder, em nome da racionalidade técnica, já que, para este último, a escola assume um espaço de troca de intersubjetividades intensas ou de “natureza comunicativa da razão” (CAVALIERE, 2002a, p. 268), enquanto Dewey trata apenas da “reconstrução da experiência”. Porém, para Cavaliere (2002a), a experiência comunicativa no desenvolvimento de uma forma democrática de vida remete-nos à questão: como é possível que uma sociedade baseada na utilização de métodos racionais produza homens despreparados para pensarem por si mesmos? Essa indagação alude à concepção de educação integral segundo a qual é preciso incorporar, ao modelo de escola, experiências significativas, complexas, que associem mecanismos públicos e gerem uma discussão sobre a própria prática educativa, ou seja, experiências, vividas na escola, que envolvam disputa, conflito e caráter político. Tendo isso em vista, há que se destacar que, no Brasil, recentemente, foram propostas iniciativas diversificadas para a implantação de escolas públicas de ensino médio em tempo integral. O Programa Mais Educação (PME), por exemplo, lançado, em janeiro de 2010, pelo MEC, teve “por finalidade contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da ampliação do tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens matriculados em escola pública, mediante oferta de educação básica em tempo integral”, definindo a educação básica em tempo integral como a “jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo, compreendendo o tempo total em que o aluno permanece na escola ou em atividades escolares em outros espaços educacionais” (BRASIL, 2010, p.2). 23 Além disso, o Plano Nacional de Educação (PNE) estabelece, como meta para o período entre 2014 e 2024, o oferecimento de educação em tempo integral para, no mínimo, 50% das escolas públicas, atendendo a, pelo menos, 25% dos alunos da Educação Básica, com o objetivo de ampliar a permanência dos alunos nas escolas públicas em “benefício da qualidade da educação” (BRASIL, 2014, p. 9). Nesse sentido, as escolas deverão oferecer atividades de acompanhamento pedagógico, como experimentação e investigação científica, entre outras. Em 2016, após o lançamento do Programa Novo Mais Educação (BRASIL, 2016), foram publicadas a Portaria MEC nº 1.145/2016 e a Resolução FNDE nº 5/2016, com a intenção de, entre outros objetivos, apoiar a ampliação de escolas públicas de ensino médio em tempo integral, injetando recursos em conversão gradual com oferta de ações de formação continuada. Tais programas foram apresentados para fomentar uma nova concepção de educação integral, com proposta inovadora e estrutura curricular diferenciada, na qual os professores têm dedicação integral e os alunos permanecem até nove horas por dia na escola. Lançado com tom de reforma do ensino médio, este último projeto conta com investimentos de um bilhão e meio de reais para todo o Brasil e prevê o alcance de 530 unidades, com cerca de 268.000 matrículas até 2020. Nesse cenário, o país acompanhou um aumento, em todo o território, no número de escolas de ensino médio em tempo integral (Figura 1), com um crescimento de cerca de 20,3% até o ano de 2017. De 2013 a 2017, a evolução do percentual de matrículas em instituições de ensino médio em tempo integral atingiu um valor de 585.868 matrículas, representando 7,5% em relação ao ano de 2016. https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php?acao=abrirAtoPublico&sgl_tipo=RES&num_ato=00000005&seq_ato=000&vlr_ano=2016&sgl_orgao=CD/FNDE/MEC https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php?acao=abrirAtoPublico&sgl_tipo=RES&num_ato=00000005&seq_ato=000&vlr_ano=2016&sgl_orgao=CD/FNDE/MEC 24 Figura 1 – Percentual de matrículas em tempo integral Fonte: Inep (2018). A justificativa apresentada para esse programa é a de que quanto maior o tempo escolar, maior será a qualidade de ensino, indicando que ações conjuntas, na própria escola, em atividades de saúde, esporte, cultura e assistência social, carregam um contexto inovador. O governo visou, assim, ampliar a jornada escolar do ensino médio e organizar o currículo da educação integral, na qual os alunos deverão permanecer na escola por, no mínimo, sete horas diárias. Em 2011, o governo do estado de São Paulo lançou o Programa Educação – Compromisso de São Paulo (PECSP), que objetiva a expansão da política de educação integral como estratégia para a melhoria da qualidade de ensino e aprendizagem dos alunos. Em 2012, criou o Programa Ensino Integral (PEI/SEE/SP), incialmente destinado às escolas de ensino médio, propondo um novo modelo de escola, com jornada integral dos alunos, currículo integrado, regime de dedicação plena dos educadores, infraestrutura diferenciada e um modelo de gestão específico, envolvendo disciplinas eletivas, reuniões e documentação rigorosa implantadas pelo programa. 25 Os professores interessados em participar do PEI/SEE/SP inscreveram-se para a seleção do ingresso na escola de período integral, e os aprovados passaram a se dedicar a apenas uma unidade escolar, com melhor remuneração e acréscimos salariais, além de contrato de quarenta horas semanais. Nessa instituição, os profissionais também participam de reuniões específicas da disciplina com o coordenador de área, tendo a possibilidade de substituição remunerada dentro de seu horário e participações exclusivas nas ações de formações continuadas do programa. Os professores dessas escolas seguem o calendário escolar da rede estadual, sem alterações mais significativas no bimestre ou nos critérios de progressão continuada, avaliação e promoção dos alunos. Em relação ao ensino de Biologia, o currículo das escolas de ensino médio de período integral incorporou aulas em “Práticas de Ciências”, ofertadas aos alunos de todas as séries, que se alternam em turmas e horários para uso do laboratório em ações pedagógicas. Essa perspectiva é apresentada na proposta como “Pré-iniciação Científica – desenvolvimento de projeto de pesquisa” (SÃO PAULO, 2014b, p. 5), elencando a importância das atividades experimentais no currículo e no letramento científico, com vistas a proporcionar, aos alunos, o desenvolvimento de competências e habilidades previstas no currículo do Estado de São Paulo. O texto em questão (SÃO PAULO, 2014b, p. 33) conclui-se enfatizando que as atividades de investigação propostas no “Programa Ensino Integral e os projetos de Pré- iniciação Científica são formas de consolidar essa mudança” e continua: Os projetos de Pré-iniciação Científica podem ter início nas aulas, articuladamente com as atividades experimentais de uma disciplina, que são desenvolvidas nos espaços de sala de aula na Base Nacional Comum ou na Parte Diversificada do Programa Ensino Integral. [...] Essas atividades são fundamentais para que os alunos atinjam a excelência acadêmica por meio da resolução de problemas, contribuindo para a mudança de uma postura passiva e receptora de informações para uma postura ativa e protagonista, que é um dos pressupostos mais importantes do Programa. (SÃO PAULO, 2014b, p. 33-34). Nessa direção, nota-se que o Programa entende que cumprirá com os objetivos educacionais dessa área curricular à medida que disponibilizar ambientes de laboratório para que os alunos possam realizar atividades relacionadas aos conceitos ensinados pelo professor. Outro fator de destaque no projeto, como mencionado, é a formação continuada dos docentes. No PEI/SEE/SP, assim como no PEI/MEC, é construída uma engrenagem ponteada, e uma das partes desse eixo rotativo é representada pelas Ações de Formação Continuada de Professores, elencadas como “starting systems” para a iniciação e sustentação do programa, 26 propondo uma formação circunscrita a cursos com temáticas específicas do programa e do currículo. Tais atividades envolvem gestores e professores em ações presenciais gerais e locais, além de cursos a distância na plataforma da Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Professores (EFAP). A ação de formação continuada é compreendida como premissa necessária para a implantação do novo modelo de escola; de acordo com o programa, essa formação é o que garante as inovações do modelo pedagógico e consolida as aprendizagens “mais amplas que a formação estritamente acadêmica” (SÃO PAULO, 2014a, p. 21). Se a formação continuada deve favorecer inovações no modelo pedagógico, faz-se necessário questionar, inicialmente, o conceito de inovação curricular. Matos (2010, p. 148) aponta que, em relação a esse conceito, há falta de “consenso entre os autores” e “ambiguidade do termo”, além de não haver “ainda a efetivação de uma cultura de inovação na educação”, sendo necessário um diálogo mais articulado entre as redes educacionais e a produção acadêmica. Resende e Rodolfo (2005) explicam que o termo “inovação” é utilizado como sinônimo de mudança, renovação, reforma, invenção planejada, sendo associado à motivação de ideias em que processos relacionados à mudança na educação são de natureza lenta. Assumimos, neste estudo, a compreensão de inovação articulada às ideias de melhoria na ação e de rupturas com a situação vigente. Recorrendo-se à literatura, foram identificados diferentes modelos de formação continuada, dentre eles, o modelo de desenvolvimento profissional de inovação curricular e organizacional. Esse modelo baseia-se em pressupostos como um currículo que suscite, nos professores, a necessidade de aprendizado de conteúdo, estratégia didática e avaliação, além de requerer que os docentes atuem em questões relativas ao seu trabalho e possam adquirir competência no aperfeiçoamento, implicando, necessariamente, um envolvimento amplo de toda a comunidade escolar (GARCÍA, 1999). Assim, a opção pela abordagem, neste estudo, desse modelo justifica-se pelo fato de o PEI/SEE/SP ser apresentado como um “novo modelo de escola de tempo integral”, “novo modelo de tempo integral” com “nova carreira ao professor”, em um “novo modelo de qualidade”, que tem as ações de formação continuada como uma de suas premissas básicas (SÃO PAULO, 2014a). Face ao exposto, adotou-se a seguinte indagação como questão básica de pesquisa: as ações de formação continuada de professores do Programa de Ensino Integral de São Paulo pautam-se na modalidade de desenvolvimento profissional de inovação educacional? 27 A investigação realizada teve como objetivo analisar as ações de formação continuada do PEI/SEE/SP ofertadas aos professores de Biologia, buscando identificar a sua aproximação com o modelo de desenvolvimento profissional de inovação curricular. O processo investigativo pautou-se na abordagem qualitativa, e a coleta de dados foi realizada por meio da análise dos documentos referentes ao PEI/MEC e ao PEI/SEE/SP, de questionários e entrevistas com todos os professores da área de Biologia das quatro escolas de ensino médio em tempo integral de uma cidade do interior paulista. Para a análise dos dados, foi utilizado o método de análise de conteúdo (BARDIN, 1977). O texto desta pesquisa está estruturado nesta introdução e em outras cinco seções, descritas a seguir: Na seção 2, encontra-se a fundamentação relacionada à educação integral, com a apresentação de um panorama histórico e das justificativas para a implantação da escola de ensino médio em tempo integral. Expõe-se, ainda, a descrição de políticas relacionadas aos programas de educação integral do MEC e da SEE/SP, especificamente, o Programa Ensino Integral; No texto, enumerado 3, são abordadas a formação continuada de professores, a formação continuada na escola média em tempo integral e, em especial, na área de Biologia; A seção 4 apresenta a metodologia utilizada, caracterizando os procedimentos e referenciais de coleta e análise; A seção 5 trata da organização e da análise dos dados coletados, procurando responder à questão de pesquisa; Por fim, na seção 6, são apresentadas uma síntese da discussão da tese e as considerações apontadas com base nos dados levantados. 28 2 ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL E NO ESTADO DE SÃO PAULO 2.1 Panorama histórico: intenções e propostas Segundo Cavaliere (2010), na década de 1920, em um contexto de desenvolvimento do Brasil, estabeleceu-se uma concepção de educação integral vinculada a uma sociedade em processo de urbanização e industrialização, impregnada pela desigualdade social. Nesse período, havia uma disputa entre a visão radical liberal, elitista, atrelada à higiene para a vida urbana e a ideia de uma educação integral, que incorporava ideias que iam além de alfabetizar trabalhadores para as indústrias da época – era uma noção de escola para formar cidadãos, trabalhando questões culturais. Cavaliere (2010) analisa, ainda, duas correntes da educação integral. Uma delas é considerada como autoritária, pois incorporou princípios de uma sociedade hierarquizada, articulando-se à Ação Integralista Brasileira (AIB), fundada, em 1932, por Plínio Salgado, com influência do fascismo italiano. Essa concepção envolvia Estado, família e religião, em uma corrente filosófica com base na qual a educação escolar pretendia elevar o nível cultural da população nos aspectos físicos, intelectuais, cívicos e espirituais, para uma formação do indivíduo marcada pela moral social, em papel moralizador. Tal educação integralista pregava, também, valores como sacrifício, disciplina, compromisso e obediência aos superiores, além de propagar a morte pelos ideais. Nessa visão, o indivíduo era moldado para servir ao Estado, em uma concepção doutrinária, que entendia a formação como processo de conversão para uma verdade estabelecida, associando a dimensão religiosa à educação escolar, com características específicas da educação integral. A outra corrente, mais liberal, fundada por Anísio Teixeira, incorporou a base democrática e princípios de cooperação e participação, sendo influenciada pelos socialistas utópicos, que, desde o século XIX, assumiam a educação integral como bandeira política. Ela propagava uma educação com práticas democráticas, associadas ao movimento de renovação da escola como um dos pilares do pensamento educacional de educação integral, pois ampliava a jornada escolar nas áreas da cultura, da preparação para o trabalho e da cidadania. A concepção de educação integral proposta por Anísio Teixeira, em resgate da “nossa sociedade e da nossa educação” (NUNES, 2010, p. 59), traz uma reflexão teórica-filosófica sobre educação que vai além da instrução, ao apresentar a condição para a vida humana, já 29 que sugere tarefas que, antes, cabiam à família. Essa concepção, explica Cavaliere (2010), incorporou princípios do Positivismo e pressupunha que a mudança de mentalidade dos indivíduos era necessária para construir uma sociedade democrática. Apresentava, ainda, a ideia, baseada no pragmatismo deweyano, de que as vivências do cotidiano, a reconstrução de experiências e o protagonismo dos indivíduos eram elementos significativos para a organização desse modelo de sociedade visado. Anísio Teixeira (1962) justificava a implantação da educação integral com base em questões como: a família não acompanhava as transformações da época, e a escola deveria ampliar o seu atendimento; novos critérios de democracia exigiam que cada pessoa pudesse vir a ser um cidadão; a educação criava materiais de instrução; a instrução não é preparação para a vida; e a escola já é a vida em desenvolvimento. Com isso, explica Cavaliere (2010), em um contexto de desenvolvimento do Brasil, Anísio Teixeira pregou uma concepção de educação integral direcionada para uma sociedade em que coexistiam uma visão de escola contestadora, com funções formativas culturais, e uma escola meramente alfabetizadora. Nesse período, então, uns buscavam a qualidade e, outros, uma urgente expansão do sistema escolar. Na década de 1930, a educação integral incorporou uma consistência teórica, enfrentando a bandeira da alfabetização e a concepção de educação curativa moralizadora, atrelada à higiene para a vida urbana, em uma ordem econômica moldada pela indústria, e à cruzada moral para libertar o povo da ignorância. Nesse sentido, a ideia de Anísio Teixeira, de compor uma educação integral na contramão desse processo expansionista do sistema escolar público vigente e da alfabetização em massa, incorporou ideias de formar cidadãos em uma proposta que fosse além do simples acesso à leitura. Há que se destacar, também, que, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, ainda segundo Cavaliere (2010, p. 252-253), o termo “educação integral” apareceu referenciado pelo poeta francês revolucionário Alphonse de Lamartine como “direito do indivíduo a uma educação pública que alcance as diversas dimensões de sua formação”, tratando de “direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral”, atrelada à ideia de uma escola que “alarga os limites e o raio de ação”. Além disso, a expressão “formação integral das novas gerações” foi incorporada a um sistema de organização escolar e instituições periescolares e pós-escolares educativas, ou “de assistência social” (CAVALIERE, 2010, p. 252-253). 30 A teórica discorre, ademais, que a concepção de “educação integral”, na corrente proposta por Anísio Teixeira, era entendida como uma educação que é vida, e, não, preparo para a vida, em um ambiente em que outras instituições perderam a sua capacidade educativa em meio à busca de uma escola democrática. O ensino apresentado teve como base o pragmatismo, com a compreensão de um homem que se desenvolve em ação, por movimento exógeno da aprendizagem formal, nos fundamentos filosóficos de John Dewey, segundo os quais a democracia é uma questão crucial e os indivíduos devem experienciar vidas democráticas. Essa concepção de educação integral retratou um projeto republicano na teoria pragmática de educação, baseada na reconstrução da experiência, com forte crítica ao sistema escolar vigente do período e com resquícios de uma visão moralizadora de educação, voltada para a adequação do indivíduo à sociedade. O termo assim concebido por Anísio Teixeira foi resultado de uma estratégia política para a construção de uma sociedade democrática, associada à teoria democrática de liberdade individual. Era objetivo, também, a igualdade política, com crença na possibilidade de que os indivíduos tivessem acesso aos meios de vida do mundo contemporâneo, de modo que a escola seria o processo de viabilidade. Ainda na década de 1930, o Movimento Integralista (AZEVEDO et al., 2010) defendia uma educação em contextos de aprendizagem focados na escrita, aritmética, ciências físicas e sociais, artes industriais, desenho, música, dança, educação física, saúde e alimentação, com bandeiras pela igualdade, autonomia, liberdade e por um sistema de educação pública de ensino. Já na década de 1940, as poucas escolas eram centradas nas séries iniciais de ensino primário, e a educação formal não se afigurava como necessidade básica na sociedade. O domínio da leitura e da escrita estava restrito às famílias de maior renda, e as poucas tentativas de envolver os jovens em atividades para a ocupação do seu tempo livre eram projetos de educação vinculados a sindicatos, instituições católicas, privadas ou públicas, com enfoques em trabalho e hábitos de higiene embutidos à ideia de cidadão sadio e trabalhador, no sentido de “edificação dos modelos autoritários de cidadania” (DUARTE, 2000, p. 173). Na década de 1950, Anísio Teixeira (NUNES, 2010), um dos mentores do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, propôs a implantação de uma escola com modelo nas escolas- classe, de grandes prédios, amplos e modernos, localizados entre as quadras SQS-307/308 do Plano Piloto. Para o contraturno, foram sugeridas as escolas-parque,3 a fim de complementar a aprendizagem das atividades em sala de aula. 3 As escolas-classe e a escola-parque – esta compreende a multiplicidade das práticas educativas (teatro, biblioteca, educação física, pavilhão de trabalho, artes plásticas, jornal, rádio, banco econômico etc.), a exemplo 31 Durante a década de 1960, a pedido de Juscelino Kubitschek (BRASIL, 2009a), criou- se uma comissão para organizar o Sistema Educacional da capital do país, que resultou na Universidade de Brasília e no Plano para a Educação Básica, com modelo de educação integral. Isso desencadeou a construção do Centro Educacional Elementar,4 destinado a receber alunos de jardim da infância, escolas-classe e escolas-parque, com atividades em turno complementar, na mesma perspectiva da década anterior. Já a década de 1970 foi marcada como um período com planos que agregavam questões econômicas, perante os altos custos causados pela repetência da rede de ensino. Nesse momento, iniciou-se um chamado a cursos de reciclagem e atualização de professores, em implantação do serviço de supervisão e orientação educacional nas escolas, além da criação de programas de governo voltados a escolas de tempo integral para o ensino fundamental, com o objetivo de oferecer escolas com atendimento às crianças de camadas mais populares. Tal atendimento foi realizado com base em um currículo com propostas de socialização e cultura popular, em suporte às necessidades básicas da população (BARRETTO; MITRULIS, 2001). Os projetos de iniciativa de Darcy Ribeiro, nos anos 1980 e 1990, integram a concepção proposta por Anísio Teixeira ao pensamento de Paulo Freire. Propostas mais recentes, como o Programa Mais Educação (BRASIL, 2007), que se dizem “alternativa generalizável” e “adequadas ao mundo moderno”, pretendem, de acordo com Cavaliere (2010, p. 259), atender às “novas exigências do sistema industrial urbano”. De qualquer modo, como explica a autora, são propostas que carregam concepções de Educação Integral com traços da experiência histórica que lutava por uma escola pública para uma sociedade democrática. Na década de 1980, no estado do Rio de Janeiro (PARO et al., 1988a, p. 19-20), houve a experiência dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), uma implantação de do Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR) – constituem uma imagem viva em prol dos benefícios da educação integral, ou seja, do processo educativo que considera o educando na inteireza da sua individualidade, desenvolvendo todos os aspectos da personalidade e procurando afirmar os valores maiores da pessoa humana, como a liberdade com responsabilidade, o pensamento crítico, o senso das artes, a disposição da convivência solidária, o espírito aberto a novas ideias e a capacidade de trabalhar produtivamente (EBOLI, 1971, p. 5). 4 O Centro de Educação Elementar compreende pavilhões de jardim de infância, de escola-classe, de artes industriais, de educação física, de atividades sociais, de biblioteca escolar e de serviços gerais. É, portanto, comparável a uma Universidade Infantil. O Centro de Educação Média também possui um programa consideravelmente diversificado, destinando-se a oferecer, a cada adolescente, real oportunidade para cultivar o seu talento e preparar-se diretamente para o trabalho ou para prosseguir a sua educação no nível superior (TEIXEIRA, 1961, p. 195-199). 32 educação integral concebida por Darcy Ribeiro, com experiências de Anísio Teixeira e arquitetura de Oscar Niemeyer. A proposta dos CIEPs era de referência a uma “escola casa” que respeitasse os direitos das crianças. A partir de 1986, o estado de São Paulo (FERRETTI; VIANNA; SOUZA, 1991), junto a prefeituras municipais, desenvolveu o Programa de Formação Integral da Criança (Profic),5 um programa de atendimento à criança em período alternativo ao de aulas, em extensão à escolaridade. Nos anos 1990, agrega-se o conceito de cidades educadoras, cuja proposta passa por um entendimento de que as cidades criam um ambiente comunitário e educador, valorizando o aprendizado vivencial que envolve o cidadão e tirando a exclusividade do espaço escolar na aprendizagem, já que outros espaços da comunidade podem favorecê-la. Em 1993, surgiu o Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAICs), no Rio de Janeiro, vinculado à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que ligava alunos da graduação a um projeto de educação integral na cidade de Seropédica/RJ, com o objetivo de envolver a comunidade no processo escolar e no acompanhamento dos estudantes da infância à universidade (COUTINHO, 2015). É interessante notar que, desde a proposta de cidade educadora, criada em Barcelona, na década de 1990, e disseminada pela Associação Internacional de Cidades Educadoras, pretende-se conjugar órgãos oficiais e não oficiais com um projeto político democrático que passa por uma política de articulação intersetorial, com base na qual educar um indivíduo demanda um acoplamento dos poderes públicos, em vez de se caracterizar como uma tarefa exclusiva da Secretaria da Educação. Há, ainda, a partir de então, uma articulação política entre diferentes Secretarias (de Cultura, Esporte, Assistência Social, Habitação e Planejamento), em torno de uma concepção que busca complementar a educação formal, ou seja, objetivando uma educação de tempo integral. Em 2000, houve a experiência dos Centros Educacionais Unificados (CEUs), na cidade de São Paulo, com destaque para os atendimentos em creche, educação infantil, ensino fundamental e recreação, com experiências em convivências culturais. Em 2001, em Apucarana/PR, o Programa de Educação Integral ultrapassou o senso comum da divisão entre turnos, não se limitando à simples ampliação de horas diárias do aluno na escola, mas 5 O Profic é originalmente gestado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, posteriormente, no segundo semestre de 1986, encampado e adaptado pela Secretaria de Educação do Estado, sem perder, contudo, suas características distintivas (FERRETTI; VIANNA; SOUZA, 1991, p. 8). 33 considerando o educando sob dimensão de integralidade, com o propósito de trabalhar aspectos cognitivos, político-sociais, ético-culturais e afetivos. Em 2002, surge o Núcleo de Investigação e Ação Social e Educativa (Niase) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), com o objetivo de estudar o conceito de comunidade de aprendizagem, com estruturação de novas políticas públicas educacionais, transformação social da escola e do seu território, participação efetiva de agentes educativos, professores, gestores, família e comunidade na aprendizagem do educando (NIASE, 2015). Em 2006, a rede municipal de Belo Horizonte criou o Programa Escola Integrada, concebendo a educação como um processo que abrange múltiplas dimensões formativas do sujeito. Teve como objetivo a formação integral dos alunos de seis a quatorze anos no Ensino Fundamental, ampliando a jornada educativa diária para nove horas, com atividades diversificadas, de forma articulada com a proposta político-pedagógica (PPP) de cada escola. Nesse mesmo ano, a Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu implantou o programa Bairro-Escola Nova-Iguaçu, propondo uma educação que promovia o desenvolvimento da criança e do adolescente em suas múltiplas dimensões – corpo, mente e vida social –, como peça para a construção da cidadania e do sujeito autônomo, crítico e participativo (MEDEIROS FILHO; GALIANO, 2005). Ademais, a partir de 2006, a Secretaria Municipal de Educação inicia a implantação de escolas de tempo integral na rede pública municipal de Goiânia/GO, partindo de uma organização curricular diferenciada, com formação humana e participação democrática. Tal ação baseava-se, também, na valorização dos professores, com ênfase no conhecimento socialmente construído em “profunda reestruturação na organização do tempo pedagógico” (VALADARES, 2011, p. 20). Em 2008, a educação integral de Pernambuco teve início, enfatizando a educação interdimensional, a cidadania e o protagonismo juvenil para a formação de jovens, com a compreensão de que, após o ensino médio, o jovem estaria mais qualificado para a vida acadêmica e para o mundo profissional. O modelo é pautado nas quatro dimensões do ser humano (racionalidade, afetividade, corporeidade e espiritualidade), no sentido de favorecer e dividir as responsabilidades na escola (DUTRA, 2013). De toda forma, essas experiências tentam oferecer, ao sujeito, uma formação mais completa, partindo de estratégias baseadas na integração e na ampliação do tempo e do espaço com “conteúdo de aprendizagem”. Tais propostas buscam, então, estabelecer um elo entre a escola e a comunidade por meio da escola de tempo integral, cuja ideia é a de propiciar uma 34 “nova proposta curricular”, promovendo uma ampliação de oportunidades educativas (POSSER; ALMEIDA; MOLL, 2016, p. 123). Hoje, a concepção de educação integral, em muitas situações, está associada à escola em tempo integral, à qualidade social da educação ou ao desenvolvimento integral – enfaticamente, tal noção liga-se à ideia de uma escola que oferece maior tempo para a aprendizagem e tenta resolver o baixo desempenho escolar (CARVALHO, 2006). Nesse sentido, vale ressaltar, ainda, a colocação de Gadotti (2009, p. 22), com a qual concordo, de que falar em “educação de tempo integral é uma redundância”, já que nos educamos a todo momento. Como mais um exemplo desses pontos de vista, o Centro de Referências em Educação Integral (CREI) reforça uma proposta de atendimento a todas as dimensões do desenvolvimento humano, idealizando a escola como um espaço de dinâmicas que alcancem objetos de aprendizagem para a garantia desse desenvolvimento integral dos habitantes da comunidade, que vai além de conteúdos curriculares tradicionais. O CREI conjuga, assim, a ideia de acrescentar, à educação formal, atividades complementares, que levem ao percurso para um aprendizado mais amplo do que aquele preconizado pelo currículo. Essa concepção de que, na escola em tempo integral, há a possibilidade de discussões que envolvem o sujeito para uma educação integral está associada às práticas da “Educação Cidadã, Mundo Educador, Pedagogia Intertranscultural, Programa Município que Educa”, que não deixam de apresentar questões atuais, que, de certa forma, nos trazem “uma reflexão às experiências da educação integral com o Programa Mais Educação” (GADOTTI, 2009, p. 19). Tais experiências estão descritas na história da educação brasileira desde 1953, quando Anísio Teixeira defende uma educação integral, em escolas públicas, associada ao trabalho, à prática e à ciência (CAVALIERE, 2010). Ele propunha uma escola que não se restringisse à elite e buscasse uma política educacional com qualidade, em uma concepção ampliada de horário integral. Insistia, portanto, no ingresso das classes populares no sistema escolar e no acesso de crianças de famílias não escolarizadas. Dizia que a escola primária teria que ter um fim em si mesma, isto é, não deveria ser preparatória para a fase seguinte, indo além das letras e formando hábitos de pensar, fazer, conviver e participar de uma sociedade democrática; no entanto, essa formação não seria possível em escola de tempo parcial. Logo, Teixeira propunha que, além da jornada escolar ampliada, a duração do ano letivo deveria ser de 1.080 horas, ou 180 dias com seis horas, sendo necessário manter o número de séries escolares, prolongar o ano letivo, enriquecer o programa com atividades educacionais, preparar um novo 35 professor para as funções mais amplas da escola e, ainda, que as escolas passassem por modificações nos métodos e processos. Da metade do século XX até os dias atuais, continua Cavaliere (2010), assistimos a um processo de escolarização das grandes massas da população brasileira, com esvaziamento das responsabilidades da escola, péssimas instalações, redução da jornada, multiplicação de turnos, desorientação didático-pedagógica e baixa qualidade na formação dos professores. Nos anos 1970, 1980 e 1990, houve uma urbanização desordenada, associada a políticas educacionais inadequadas, privatização do sistema, retirada da classe média da escola privada e baixa qualidade no sistema público de educação básica. Além disso, o professor passou a assumir um papel que não é típico da sua identidade profissional, incorporando responsabilidades que não são escolares, como higiene, saúde e alimentação dos alunos. Essa reunião desorganizada de novos elementos na rotina escolar levou à descaracterização da escola básica brasileira. As políticas educacionais buscaram, então, fortalecer a relação entre a criança, a família e a escola, com ações sociointegradoras, instituindo, inicialmente, programas como o bolsa-escola, a organização de turma, a progressão escolar, o currículo ligado à saúde, ética e cultura, a autonomia nos projetos pedagógicos, o dia nacional da família, entre outros, que vigoram cada vez mais no cotidiano escolar. Essa formatação, que associou instrução escolar à integração social da população, chegou aos programas de complementação de horário escolar, que incluíram as atividades esportivas, culturais e o reforço da aprendizagem, culminando com a “ampliação das funções da escola de forma a melhor cumprir o papel sócio-integrador (sic)” (CAVALIERE, 2010, p. 250). Além disso, há ainda mais desafios impostos à política educacional, como a globalização, as mudanças no trabalho, os avanços técnico-científicos, as mudanças ambientais no planeta e a pressão de organizações como o Banco Mundial. Acrescentam-se, também, a esses diagnósticos sociais, os indicadores escolares, as discrepâncias no acesso do aluno à escola e a permanência discente com baixa aprendizagem escolar, todos fatores, assim como o trabalho pedagógico dos professores, relacionados às questões de estruturas social, política e econômica. Essas condições funcionam, pois, como justificativa para a atual implantação de educação de tempo integral. Além desses motivos, que parecem ser suficientes para o convencimento quanto à ampliação do horário escolar, ainda há as justificativas relacionadas às crianças em risco social e à evasão escolar associada à pobreza e 36 à dificuldade de permanência em uma escola degradada, com aumento do número de alunos por turma. Há, ademais, a crença de que a disparidade sociocultural da sociedade brasileira somente será democrática se a escola conquistar um contato politicamente produtivo entre diferentes culturas e classes, buscando a sua identidade em um convívio com a comunidade (CAVALIERE, 2002c). Para isso, a escola deverá criar um ambiente em que as crianças e os adultos vivenciem experiências democráticas e pratiquem ações pedagógicas que aflorem o cotidiano e suas realidades socialmente integradoras, evitando, assim, o rompimento entre a vida e escola. Essa ideia, de uma convivência entre a escola e a comunidade, está associada à noção de cidade educadora,6 em que os movimentos sociais reorganizaram um currículo com ênfase na autonomia do educando, em professores mediadores do conhecimento e articuladores da comunidade. Destaca-se, ainda, nessa concepção, o papel de uma gestão democrática, por parte da escola, com intensiva participação da família. Nesse contexto, a busca por um maior índice de permanência do educando em um espaço de aprendizagem deve passar por uma educação de qualidade e pela ampliação de direitos humanos e sociais, a fim de que se atinja a democracia. As propostas governamentais entendem que estas são demandas sociais e passam a articular um processo escolar com políticas sociais como garantia para sucesso do programa em questão. Esse momento político público educacional remete-nos à ideia de uma escola de tempo integral focada na participação democrática, no conhecimento socialmente construído e no diálogo com a comunidade (BRASIL, 2009a). Sinteticamente, em harmonia com essa argumentação, Cavaliere (2007) explica que a ampliação do tempo diário na escola pode ser descrita como uma forma de alcançar melhores resultados na ação escolar e de adequar a escola às novas condições da vida urbana, da família e da mulher, além de funcionar como parte integrante da mudança na concepção sobre a educação escolar e o papel da escola na vida e na formação do indivíduo. Essas atribuições associam a ampliação do tempo escolar à qualidade de ensino, ao aumento no número de escolas, à valorização docente e à preocupação com o bem-estar das crianças de camadas sociais menos favorecidas. Essa visão entende que a ampliação do tempo escolar proporcionará a ascensão social do discente, pois relaciona a curta jornada ao baixo desempenho escolar, visto como uma marca da desigualdade social no Brasil, à medida que a 6 Cidade Educadora, Associação Cidade Escola Aprendiz em Centro de Referência Educação Integral. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2015. 37 escola de tempo integral aparece como a única e melhor solução para a nossa realidade. Particularmente, penso que a escola regular poderia ser de qualidade, sem ser integral, deixando as atividades sociais, culturais, de esporte e saúde em um reportório de ações focadas, realmente, em soluções sociais. Guará (2006) acrescenta que, nessa situação, a desigualdade é entendida como um processo de apartação social decorrente da discriminação do sujeito perante a fragilidade social, acrescida das diferenças de gênero, etnia, religião e situação de extrema pobreza. Aqui, a educação integral conjuga proteção social com um pensar político para a sobrevivência digna do sujeito, no sentido de que: Assim, a escola de período integral apresenta-se como uma solução necessária para, tirando o menor da rua, proporcionar-lhe um período diário de aprendizagem e de convívio escolar que representa, ao mesmo tempo, a realização de justiça social para esta parcela da população. (PARO et al., 1988a, p. 12). A quantidade de escolas só é suficiente, na rede pública, porque o tempo de permanência nelas dos alunos é baixa – se a jornada brasileira fosse a chilena, a norte-americana, ou, ainda, idealmente, a sul-coreana, “o déficit de escolas seria evidente e assustador” no ensino fundamental. (KERSTENETZKY, 2006, p. 20). Atualmente, a implantação da educação integral ainda pode ser inserida no campo das políticas públicas, na unificação do desenvolvimento econômico e social, em “sentido multisetorial”, visto que cultura, assistência social, esporte e meio ambiente invadiram as chamadas “ações/programas socioeducativos” (CARVALHO, 2006, p. 8-10), já que proporcionam, às crianças, um universo mais cultural, com iniciação tecnológica e ambiental. Iniciativas de empresas privadas têm investido, expressamente, também, na educação em seu sentido multidimensional, instigadas pela baixa oferta e pelos desempenhos da educação pública nacional. Por fim, complementa Gadotti (2009, p. 39), para as organizações comunitárias, a “educação integral em tempo integral” justifica-se por seu “desenvolvimento local”, pois reconhece as “potencialidades das comunidades, integrando atividades sociais, culturais, econômicas, políticas e educativas”. Entretanto, se são identificados, por um lado, os aspectos positivos da educação integral para a vida das crianças e dos adolescentes, podem ser listados, também, alguns aspectos que, por diversos educadores e estudiosos a respeito do tema, são considerados negativos. Krawczyk (2014), por exemplo, pontua que as mudanças efetivas ocasionadas por 38 esse tipo de concepção são ainda muito pequenas e que, ao lado de argumentos pedagógicos, estão os assistencialistas, ou seja, diferentes setores da sociedade enxergam o maior tempo escolar como uma espécie de salvação, para manter os jovens fora das ruas e das drogas. Lúcia Velloso Maurício (2004, p. 54) segue no mesmo sentido, considerando que a escola, na prática da educação em tempo integral, seria “um depósito onde a criança fica guardada enquanto a mãe vai trabalhar para suprir a carência de necessidades objetivas e primárias”. Além disso, conforme Arroyo (1988, p. 4): o ensino integral é pensado para as crianças das camadas populares, filhos dos trabalhadores pobres e mais especificamente as que estão em situação de abandono. Logo, como refletir sobre uma proposta social e educativa para crianças, sobretudo se são pobres e abandonadas? Assim, uma das principais preocupações é com a manutenção desses jovens na escola e com a necessidade de uma aprendizagem significativa, não artificial, que se vincule às suas situações cotidianas. Trata-se, pois, de levar em conta um conhecimento produzido social e historicamente, e, de acordo com Ramos (2011, p. 783), “esse movimento de questionar, pesquisar, relacionar [...] não é negado às elites, mas com frequência parece estar ameaçado para a classe trabalhadora”. Além disso, prolongar a jornada escolar significa mudar a lógica do tempo e do espaço sem, necessariamente e efetivamente, melhorar a possibilidade de aprendizagem do aluno. É preciso, então, elencar alguns questionamentos no debate educativo, tais como: Duas horas a mais ou duas horas a menos não afeta a vida do estudante? O horário escolar é compatível com o relógio interno da adolescência? Que significa para um adolescente ficar numa instituição por tantas horas? Que projeto pedagógico poderia otimizar esse tempo escolar? Existem projetos divergentes por trás das demandas por implementação da jornada completa? (KRAWCZYK, 2014, p. 30-31). É necessário, portanto, cuidar para não entulhar o sistema educacional com tantas inovações desacompanhadas de uma discussão crítica, já que presenciamos, ao longo dos últimos trinta anos, o advento de um grande número de leis, emendas e decretos promulgados que não ocasionaram em mudanças efetivas e satisfatórias. Há, assim, a elaboração uma legislação surreal para uma rede de ensino em que as supostas soluções nunca chegam de fato. 39 2.2 Escola em tempo integral: proposta atual A escola de tempo integral exige uma reorganização do tempo escolar, com uma alteração da rotina diária dos alunos, numa lógica pedagógica elencada pela instituição, para a formação integral do educando. A ampliação da jornada escolar implica numa revisão de estratégias pedagógicas para o ensino, com estímulo das competências das crianças dessa escola (CAVALIERE, 2007). Guará (2006) explica que, dentre os diversos programas e as diferentes modalidades de sistema de ensino de educação integral, quesitos como horário e espaço de aprendizagem estão sempre envolvidos, assim como alguns elementos que, sinteticamente, elencamos a seguir: a) integralidade: integração de conteúdo, disciplinas, projetos e programas que envolvam múltiplos sujeitos sociais; b) combinação: articulação de ações entre políticas intersetoriais, intergovernamentais e agentes sociais que assegurem a integralidade e evitem o isolamento; c) cooperação: colaboração para superar divergências, interesses políticos setoriais e preconceitos, procurando aceitação das metas estabelecidas na combinação; d) integração: sustentabilidade técnica e política de professores, educadores e instituição, para envolver todos num compromisso ativo de participação e nos objetivos que promovam ações públicas de educação integral; e) sincronização: realização conjunta de ações, credibilidade social para a busca de autonomia dos envolvidos, definições de papéis e responsabilidade das organizações e pessoas; f) conjugação: articulação do ensino formal com outros espaços de aprendizagem (biblioteca, museus, parques, centros esportivos, centros de informáticas, igrejas, centros comunitários), criando uma rede de aprendizagem; g) articulação: fomentação de núcleos socioeducativos, articulando escolas próximas para tecer uma rede de recursos e favorecer o desenvolvimento das crianças em atividades da comunidade, com contato diversificado entre os alunos; h) vinculação: aproximação do currículo ao contexto de vida com a comunidade e a organização social, no sentido de experimentar inovações metodológicas que atendam aos grupos específicos de modo mais flexível. 40 Carvalho (2006) discute que os elementos da educação integral devem ser organizados para mesclar a racionalidade da vida cotidiana com saberes sistematizados, diversos espaços de aprendizagem, socialização, capacidade de estabelecer trocas e exercícios de tolerância para a pluralidade, a fim de criar uma riqueza de possibilidades contempladas pela escola de formação contínua do cidadão na sociedade democrática. Para tanto, segundo Gonçalves (2006), é necessário que a escola apresente componentes essenciais, tais como a ampliação da jornada escolar; a variação do espaço da própria escola; articulação com atividades extracurriculares, como cursos de idiomas, práticas físicas, artes, visitas a instituições e museus, para o enriquecimento curricular; reflexão sobre a função social da escola, no sentido de conscientizar sobre as relações de poder da sociedade, ressaltando as relações democráticas; criação de conjunto de atividades e exercícios na busca da autonomia progressiva do aluno; e estruturação de um projeto pedagógico que fortaleça as relações do cotidiano, com participação da comunidade em gestão democrática. Note-se que tais elementos estão entrelaçados, já que mais tempo exige mais espaço e, consequentemente, mais atividades integradas em um currículo que esteja em sintonia com a comunidade e o cotidiano social. Estão, ainda, atrelados à gestão e ao projeto pedagógico, para garantia dessa formação do sujeito. Em contrapartida, a escola de tempo integral terá, também, de enfrentar o custo por aluno, que é maior que custo por aluno na escola convencional, envolvendo escolhas de famílias, crianças, extensão do horário, alimentação, manutenção, contratação profissional e custos adicionais no ensino: Mudanças para a melhoria da educação dependem de financiamentos, conhecimento científico, recursos metodológicos disponíveis, formação profissional básica, formação contínua dos educadores, acompanhamento de resultados de indicadores, domínio de leitura e escrita dos alunos, participação de pais e comunidade, ambiente escolar desafiador para aprendizagem, favorecimento de processo de socialização e convivência humana. (GUARÁ, 2006, p. 24). Há, ainda, as questões legais que serão necessárias para solidificar a ampliação do tempo da jornada escolar, a crescente participação da comunidade e a interação entre educação e proteção social do sistema público. Além disso, a institucionalização pode ocasionar em uma tentativa de prover, em um único local, todas as necessidades das crianças (escolarização, esporte, artes, religiosidade, assistência, saúde), podendo levá-las à massificação (disciplinarização como estratégia educativa). 41 De qualquer modo, é importante notar, aqui, a confusão gerada entre termos como “educação integral”, “horário integral”, “ampliação da jornada horária” ou realização de “atividades complementares à jornada básica escolar”. A escola de tempo integral, entre outros objetivos, deve buscar o foco na cidadania e criar rotinas de estudos e pesquisas, cultivando hábitos alimentares e de higiene e suprindo a falta de opções oferecidas pelos pais ou familiares. É objetivo desse tipo de instituição, ainda, ampliar a aprendizagem dos alunos e estendê-la para além da rotina de sala de aula das escolas convencionas, mas de forma integrada, coordenada com um currículo não fragmentado, mas coeso, que não apenas acrescente horas e ações didáticas de maneira fracionada. Assim, espera-se que a escola de tempo integral proporcione “estudos complementares, atividades de esporte, cultura, lazer, estudos sociais, línguas estrangeiras, cuidados de saúde, música, teatro, cultivo da terra, canto, ecologia, artesanato, corte e costura, informática, artes plásticas”, que potencialize o “desenvolvimento da dimensão cognitiva e ao mesmo tempo afetiva e relacional dos alunos, entre outras” (GADOTTI, 2009, p. 13, 29-30, 38). Nessa direção, entende-se que esse modelo de escola deve ser organizado como uma pequena comunidade, que atue como centro social e cultural. Um modelo que incorpore princípios como experiências diversificadas que envolvam aspectos cognitivos, morais, estéticos, políticos e práticos; fenômenos da vida pública que ocorrem fora da escola; injunções sociocomunicativas locais e específicas que afetam a população da escola; múltiplas dimensões psicológicas e sociais que recepcionam cada indivíduo; e regras definitivas que envolvam o conjunto da escola, ensejando um funcionamento democraticamente sustentado. Tais princípios precisam estar nas orientações curriculares, no discurso dos professores e nas práticas do cotidiano escolar, para dar sentido à concepção educacional democraticamente elaborada de educação integral. Gadotti (2009, p. 11) pontua, também, que a escola de tempo integral deve superar o “currículo fragmentado, organizado em grades e fundamentado no isolamento das disciplinas”, pois este “isola as pessoas e cria guetos de aprendizagem”. Trata-se de uma concepção contemporânea de educação integral, com base na qual a escola é um ambiente em que experiências sociais são reconstruídas dentro de um projeto político e cultural que visa a emancipação dos indivíduos para o aperfeiçoamento democrático. Há, ainda, que se destacar a perspectiva de Coelho (2002), que não defende uma escola em tempo integral de dupla jornada, em que tarefas e metodologias são repetidas, mas, sim, uma escola com uma concepção de educação integral, fundamentada na formação 42 integral do ser humano, em todas as suas dimensões, e alicerçada em atividades variadas, que incluem esportes, cultura, trabalho, artes etc. A teórica apoia, portanto, uma educação com metodologias diversas, que ocupem todos os espaços do ambiente escolar. Além disso, continua a autora, é importante salientar que essa escola em tempo integral deve buscar uma educação integral que proporcione diversas oportunidades aos alunos, professores, funcionários e à comunidade, em espaço aberto para manifestações. É necessário, também, ainda segundo Coelho (2002), que tais ações não se limitem à instituição escolar, mas envolvam atividades culturais, de saúde, práticas ligadas ao mundo do trabalho, ao lazer e a esportes variados, contribuindo para a construção da cidadania de todos. 2.3 Programa Educação Integral O Programa Educação Integral (PEI) (BRASIL, 2009a) foi instituído pelo Ministério da Educação por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) e de Educação Básica (SEB), em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), tendo como base o Programa Mais Educação (PME) (BRASIL, 2007). Ele foi apresentado no Fórum Mais Educação, constituído por membros de vários ministérios, educadores, educandos, artistas, esportistas, ambientalistas, cientistas e gestores sociais, em um debate sobre direitos das crianças, adolescentes e jovens e sobre projeto pedagógico, infraestrutura, ampliação do tempo de formação e ações de formação dos profissionais. A ideia era articular políticas sociais em espaços escolares e prática pedagógica na educação. Em 2008, a Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania apresentou o texto de referência para o início de constituição de um corpo básico do PEI. Como observado, o PEI derivou do Programa Mais Educação, com a seguinte trilogia em cadernos: Gestão Inter Setorial no Território, Educação Integral e Rede de Saberes Mais Educação. O caderno de Gestão Inter Setorial preocupou-se com a estrutura organizacional e operacional. O segundo caderno trouxe textos produzidos pelo grupo de trabalho composto por gestores e educadores municipais, estaduais e federais, enquanto o terceiro apresentou caminhos para a elaboração de propostas pedagógicas, sugerindo diálogo entre a escola e a comunidade (BRASIL, 2009a, 2009b, 2009c). O PEI associa a educação a outros serviços públicos, com o objetivo de expandir a ação educativa na inclusão social, em gestão democrática com amparo legal na Constituição 43 Federal, na conjunção dos artigos 6 e 205, que fazem referência à formação integral do homem, entendendo-a em uma concepção de direito à educação integral. Da mesma maneira, o Programa apoia-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em especial nos artigos 1º, 2º, 34º e 87º, que reiteram princípios constitucionais e preveem a ampliação progressiva da jornada escolar do ensino regular para o regime de tempo integral, a critério da escola, associada aos processos formativos da vida familiar, convivência, trabalho, movimentos sociais e manifestações culturais. Especificamente, o artigo 34º refere-se à jornada escolar, na qual a criança e o adolescente estão sob a responsabilidade da escola em atividades intraescolares e extraescolares. Esse artigo prevê a ampliação do ensino fundamental para tempo integral, valorizando experiências extraescolares, que podem ser desenvolvidas por instituições parceiras, como organizações do sistema público de ensino e outras da própria comunidade, em interface entre educação e proteção social (BRASIL, 2009b, p. 21-26). O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) também complementa a obrigatoriedade do acesso à escola e a permanência na instituição, além de reconhecer o desenvolvimento integral do adolescente, que requer uma forma especial de proteção, e propor um sistema articulado e integrado do qual a escola deve fazer parte. Além disso, o Plano Nacional de Educação de 2001 (BRASIL, 2001) faz referência a esse tipo de ensino ao enfocar a possibilidade de formação integral da pessoa, colocando esse processo como uma das metas da educação básica, com a ampliação progressiva da jornada escolar para um período de, ao menos, sete horas diárias. Tal mudança ocorreria no sentido de promover a participação da comunidade, incentivar os Conselhos Escolares e diminuir a retenção para alunos de baixa renda. O próprio Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), regulamentado por lei e decreto em 2007, junto ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), visou constituir dispositivos da educação integral com o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação no Programa Mais Educação. Dessa forma, o Fundeb ampliou as possibilidades de educação integral para a educação básica nacional, com a distribuição de recursos associados a políticas públicas voltadas à universalização da educação com qualidade, com destaque para o seu artigo 10, parágrafo 3º, que regulamenta a educação básica de tempo integral, e para o Decreto 6.253/2007 (BRASIL, 2007), que considera como educação básica em tempo integral a 44 jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias e cria o Financiamento da Educação Integral. Por sua vez, o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação conjuga a União, estados, Distrito Federal, municípios, famílias e comunidades a fim de assegurar a qualidade da educação básica. Em seu artigo 2º, inciso IV, aponta diretrizes voltadas para a ampliação do tempo escolar enquanto possibilidade de combate à repetência e adoção de práticas como aulas de reforço no contraturno, estudos de recuperação e progressão parcial. Dessa forma, há um aumento das possibilidades de permanência do aluno sob a responsabilidade da escola e uma busca pela qualificação dos processos de ensino quanto à participação do aluno em projetos socioculturais e ações educativas que visam múltiplas atividades sociais ao educando. Por fim, o PME (BRASIL, 2009a) fomenta o PEI ao articular projetos de ensino com ações da Presidência da República e de diversos ministérios, a saber: da Educação (MEC), da Cultura (MinC), do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), do Esporte (ME), da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT) e do Meio Ambiente (MMA). Com isso, introduzem-se políticas públicas para a intervenção na garantia dos direitos da criança e do adolescente quanto à melhoria ao desempenho escolar e à permanência na escola. Assim, o PEI amplia tempos, espaços e conteúdos, buscando uma educação cidadã por meio de atividades socioeducativas em contraturno. O PEI se apresenta, então, como uma percepção da educação associada ao processo educativo na condição de ampliação do desenvolvimento escolar, como a garantia para atingir a qualidade da educação básica. O programa estabelece que a relação entre a aprendizagem dos adolescentes nas suas vidas em comunidade e o conjunto sistematizado de conhecimentos em currículo escolar deve acontecer em práticas cotidianas articuladas, ou seja, o saber acadêmico e a vida em sociedade precisam estar interligados. Nesse projeto, o tempo qualificado é aquele em que se desenvolvem atividades educativas que contribuem para a formação do aluno, na intenção de superar um currículo fragmentado, conjugando a extensão do tempo (quantidade) com a sua intensidade (qualidade), em atividades que constituirão a jornada ampliada na escola (BRASIL, 2009a). Para tanto, a escola é apresentada como um espaço de aprendizagem, fornecedora de ferramentas para o auxílio do uso público da razão, “tanto aquelas associadas ao conhecimento científico quanto as associadas às convenções sociais” (BRASIL, 2009a). Ela é 45 uma comunidade de aprendizagem, uma comunidade humana7 organizada com projeto educativo e cultural próprio para educar crianças, em um esforço formado por atores, saberes sociais e contextos de políticas socioculturais. Salienta-se, ainda, que toda essa comunidade tem direito à igualdade na formação do cidadão, com base no diálogo8 como ferramenta eficaz, já que a construção da esfera pública se dá a partir da construção e da ressignificação dos espaços públicos e sociais, graças à leitura, à escrita e, sobretudo, à livre discussão. A escola é vista, também, como uma instituição com o dever de estimular a concepção de cidadania e criar uma dimensão centrada na participação, social e crítica, em rituais de ensino e aprendizagem. É esse ambiente que exige novas configurações para enfrentar os desafios contemporâneos, o que implica agregar novos conceitos e assumir novas posturas dialógicas, articuladas a novos acordos