UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DOCÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA DIÁLOGO E INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA COM CRIANÇAS: a proposta de Matthew Lipman MATEUS ALÉM SILVA LIMA Bauru 2023 MATEUS ALÉM SILVA LIMA DIÁLOGO E INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA COM CRIANÇAS: a proposta de Matthew Lipman Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Docência para a Educação Básica da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como requisito à obtenção do título de Mestre em Docência para Educação Básica. Orientador: Prof. Dr. Eli Vagner Francisco Rodrigues. Linha de pesquisa: Fundamentos do Ensino e da Educação Básica. Bauru 2023 Lima, Mateus Além Silva Diálogo e investigação filosófica com crianças: a proposta de Matthew Lipman / Mateus Além Silva Lima. -- , 2023 141 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências, Bauru, 1. Diálogo. 2. Investigação filosófica. 3. Crianças. 4. Matthew UNIVERSIIDADE ESTADUAL PAULISTA Campus de Bauru ATA DA DEFESA PÚBLICA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DE MATEUS ALÉM SILVA LIMA, DISCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DOCÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA, DA FACULDADE DE CIÊNCIAS - CÂMPUS DE BAURU. Aos 22 dias do mês de agosto do ano de 2023, às 09:00 horas, por meio de Videoconferência, realizou- se a defesa de DISSERTAÇÃO DE MESTRADO de MATEUS ALÉM SILVA LIMA, intitulada "Diálogo e investigação filosófica com crianças: a proposta de Matthew Lipman" e produto educacional " Bya: um diálogo com os nativos digitais". A Comissão Examinadora foi constituída pelos seguintes membros: Professor Associado ELI VAGNER FRANCISCO RODRIGUES (Orientador(a) - Participação Virtual) do(a) Departamento de Ciências Humanas / Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação de Bauru, Profa. Dra. THAIS CRISTINA RODRIGUES TEZANI (Participação Virtual) do(a) Departamento de Educação / Faculdade de Ciências de Bauru, Profa. Dra. LILIANE SOUZA DOS ANJOS (Participação Virtual) do(a) Departamento de Ciências Humanas / Câmpus de Bauru. Após a exposição pelo mestrando e arguição pelos membros da Comissão Examinadora que participaram do ato, de forma presencial e/ou virtual, o discente recebeu o conceito final: APROVADO. Nada mais havendo, foi lavrada a presente ata, que após lida e aprovada, foi assinada pelo(a) Presidente(a) da Comissão Examinadora. Professor Associado ELI VAGNER FRANCISCO RODRIGUES Faculdade de Ciências - Câmpus de Bauru - Av. Engenheiro Edmundo Carrijo Coube, 14-01, 17033360, Bauru - São Paulo http://www.fc.unesp.br/posdocenciaCNPJ: 48.031.918/0028-44. http://www.fc.unesp.br/posdocenciaCNPJ Dedico esta pesquisa aos alunos do 6º ano, aos seus familiares, aos professores/as, que assim como eu, buscam incansavelmente melhorar e transformar o processo de ensinar e aprender por meios de formas que venham se efetivar, tornando a metodologia docente cada vez mais dinâmica e atraente. Agradecimentos Certa vez um professor na Faculdade durante o meu curso de Licenciatura em Pedagogia, enquanto ministrava uma aula de história falou que na vida vence apenas os fortes e que muitos alunos dos cursos superiores acabam desistindo, e que inclusive daquela referida turma por algum motivo iriam desistir. E em todos os momentos de dificuldades que enfrentei não apenas durante o curso, mas também durante todo o meu processo educacional, pessoal e profissional lembrava da fala daquele professor, pois jamais queria estar entre os fracos. Também sempre foi nos momentos de dificuldades que procurei meios para me fortalecer, pois voltava o meu pensamento para aqueles/as que sempre foram e serão os meus gatilhos mentais, ou seja, aqueles pelos quais tenho total gratidão. São eles também que fazem gerar dentro de mim uma enorme força, fazendo com que eu viesse superar as diversas barreiras existentes durante todo percurso, fazendo surgir diariamente uma ânsia por novas descobertas. Sendo assim, dedico esse espaço para agradecer. Agradeço primeiramente a Deus, por ter dado força e muita persistência o suficiente para que eu pudesse chegar aonde cheguei. Sei que tudo posso quando acredito em um ser supremo que me fortalece todos os dias da minha vida. Foi Ele que mim fortaleceu nas noites mal dormidas, nos momentos de cansaço e na correria do dia a dia como estudante, professor e acima de tudo pai e também o provedor. Mesmo em momentos difíceis como no período da pandemia da COVID 19 onde as dificuldades e o medo assolaram toda a sociedade. Aos meus pais Raimundo de Oliveira Lima (in memoriam), e Iracy Gomes da Silva (in memoriam), por todo o amor e dedicação que tiveram comigo, por terem sido as peças fundamentais para que eu me tornasse a pessoa que sou hoje. A eles, que acreditaram e confiaram em mim e sempre sentiram orgulhosos pelo caminho que resolvi trilhar, saibam que foram fundamentais na concretização desse sonho! A minha esposa Nazilene Sousa Lima, por estar sempre comigo, apoiando e me compreendendo nos momentos em que estive ausente, deixando de lhe dar mais atenção e amor que são elementos essenciais nas nossas vidas. Além disso, não deixou por muitas vezes de fazer o papel de pai, orientando e acompanhando os nossos filhos, pois sem essa força de vontade as coisas poderiam ter tomado rumos diferentes. Também foi fundamental na construção do produto educacional, pois foi significativa a sua parcela de contribuição. Aos meus filhos Mateus Além Silva Lima Junior e Byanca Rufina Silva Lima, que foram um dos motivos para que eu, que com grande honra e satisfação, terminasse esse curso mais preparado para novos desafios e para que eu pudesse oferecer a eles algo de melhor no futuro. A eles eu agradeço pela paciência e até mesmo pela compreensão nos momentos em que estive ausente, pois sei que estavam em uma fase da vida em que mais precisavam da minha presença. A eles também eu agradeço, pois contribuíram e muito na construção do produto educacional, dando voz aos personagens, dentre outras contribuições significativas. Ao meu orientador, professor Dr. Eli Vagner Francisco Rodrigues, pela oportunidade, orientação, incentivo e apoio. Você contribuiu muito para meu crescimento, pessoal, profissional e humano. Acredito que por você ser esse grande profissional sempre conseguindo transmitir conhecimentos por meio dos seus grandes ensinamentos, conseguiu causar uma transformação na minha vida. Saiba que serei sempre grato pelo seu comprometimento e seriedade, pois é isso que precisamos para que possamos continuarmos firmes nessa brilhante e importante profissão que é ensinar. Mais uma vez, muito obrigado por ter confiado e a mim ter concedido essa oportunidade, de juntos realizarmos essa pesquisa tão significativa para a Educação Básica, em especial para a área da Filosofia, não medindo esforços no auxílio para a concretização desta dissertação; À professora Rita de Cássia Oliveira pela transmissão de conhecimento retirado da sua vasta experiência como professora e orientadora de mestrado na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), pois foi por meio dos seus ensinamentos que consegui ingressar no mestrado mais preparado. Aos professores/as: Drª. Eliana Marques Zanata, Drª Rita Melissa Lepre, Dr. Dariel de Carvalho, Drª Fernanda Rossi e Drª Luciene Ferreira da Silva por todo conhecimento adquirido nas disciplinas cursadas. Vocês contribuíram muito para o meu crescimento pessoal, profissional e acima de tudo humano. À professora, Drª Thaís Cristina Rodrigues Tezani, por aceitar que eu participasse do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Tecnologias, Educação e Currículo (GEPTEC). Muito obrigado pelos ensinamentos, esforço e maestria com a qual conduziu as discussões. Ao grupo de pesquisa minha gratidão, pois a cada estudo gerava novos aprendizados por meio das significativas reflexões, me proporcionando um crescimento pessoal, profissional e acadêmico. Aos meus familiares e amigos que torceram por mim. A força de vocês me ajudou a seguir firme e enfrentar as diversas barreiras surgidas durante o processo! Aos colegas de mestrado que mesmo sem nos conhecermos pessoalmente me deram força o suficiente para continuar firme e alcançar esse objetivo. Agradeço especialmente aqueles que de colegas passaram a ser amigos para toda a minha vida: Gabriela Cavalante Alves Gomes, Sara Jane Noboa, Alessandra Aparecida Dionisio Carraro e Eduardo Silva Benetti, pois as trocas de experiências superaram o esperado. Porém não posso deixar de agradecer aquele que foi o nosso representante discente, Vinícius Iuri Menezes, pois foi ele a primeira pessoa que me deu as boas- vindas de maneira mais que especial, me fazendo acreditar que anjos existem e que podem fazer a diferença nas nossas vidas. Ao Secretário de Educação e ao gestor da escola municipal, por terem autorizado a efetivação da pesquisa. Aos pais ou responsáveis dos alunos que assinaram o termo de consentimento autorizando a pesquisa, entendendo que poderiam surgir resultados significativos com a mesma. Aos professores e alunos participantes que abrilhantaram a pesquisa, visto que a cada diálogo, tornava o produto cada vez mais aprimorado. A todos os alunos com os quais convivi nos vinte e dois anos de docência, pois foi por meios das diversas realidades presenciadas junto aos mesmos durante essa vivência que surgiram as inquietações que me levaram a escolha dessa pesquisa. Enfim, aos amigos, colegas e a todos aqueles que colaboram direta ou indiretamente para que esta pesquisa se concretizasse. Àqueles que acreditaram em mim, muito obrigado! Resumo Os alunos do 6º ano, ingressantes nos Anos Finais do Ensino Fundamental, frequentemente encontram dificuldades para participar de um diálogo investigativo de maneira ética no ambiente escolar. Isso acontece devido à falta de estratégias que venham ao encontro dos anseios dos alunos e que possam ser aplicadas desde o início do processo de escolarização. Esta pesquisa objetivou verificar como o diálogo e a investigação, propostos por Lipman, podem potencializar o processo de ensino-aprendizagem e como eles são articulados em sala de aula. Esta pesquisa é de natureza qualitativa com característica de pesquisa participante, pois caracteriza- se pelo envolvimento e identificação do pesquisador com os sujeitos investigados. Os participantes da pesquisa foram os alunos e professores do 6º ano do Ensino Fundamental, sendo 22 alunos do 6º “A” e 20 alunos do 6º ano “B” de uma escola da rede pública municipal de ensino de uma cidade no estado do Maranhão. A coleta de dados ocorreu por meio de Grupo Focal, com alunos e professores, por meio de questões sobre o diálogo e a investigação filosófica, assim como os fatores que interferem no processo dialógico investigativo de maneira racional e no posicionamento ético dos alunos frente à diversidade que as cercam. Nesse sentido desenvolveu-se um produto educacional, ou seja, uma novela interativa digital sobre a ética e o diálogo nas redes sociais, intitulada “BYA: um diálogo com os nativos digitais”, composta por quatro capítulos contendo textos, imagens, áudios e vídeos animados. O produto também é acompanhado por um guia de aplicação, também digital, para orientar os professores. Os resultados dos grupos focais demonstram que os alunos estão insatisfeitos com a maneira como a prática docente e as interações em sala de aula acontecem. Esta pesquisa está vinculada ao Mestrado Profissional do Programa de Pós-graduação em Docência para a Educação Básica da UNESP de Bauru, Linha de Pesquisa “Fundamentos do Ensino e da Educação Básica”, sob orientação do professor Dr. Eli Vagner Francisco Rodrigues, que foi defendida em 22 de agosto de 2023. Este estudo não se esgota em si, mas provoca novos e ricos questionamentos para pesquisas futuras. Palavras-Chave: diálogo; investigação filosófica; crianças; Matthew Lipman. ABSTRACT The 6th grade students, who are entering the Final Years of Elementary School, often find difficulties to participate in an investigative dialogue ethically in the school environment. This happens due to the lack of strategies that meet the aspirations of students and can be applied from the beginning of the schooling process. This research aimed to verify how dialogue and philosophical investigation, proposed by Matthew Lipman, are articulated in the classroom. This research is qualitative and participant, because it is characterized by the involvement and identification of the researcher with the investigated subjects. The participants of the research were the students and teachers of the 6th year of Elementary School, being 22 students of the 6th "A" and 20 students of the 6th year "B" of a school of the municipal public school of a city in the state of Maranhão. Data collection took place through Focus Group, with students and teachers, through questions about dialogue and philosophical investigation, factors that interfere in the dialogic investigative process in a rational way and in the ethical positioning of children in front of the diversity that surrounds them. In this sense, an educational product was developed an interactive digital novel about ethics and dialogue in social networks, entitled "BYA: a dialogue with digital natives", composed of four chapters containing texts, images, audios and animated videos. The product is also accompanied by an application guide, also digital, to guide teachers. The results of the focus groups demonstrate that students are dissatisfied with the way teaching practice and classroom interactions take place. Keywords: dialogue; philosophical investigation; children; Matthew Lipman. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Capa da novela, com título ....................................................................... 89 Figura 2 - Primeiro efeito flipbook da novela (efeito de folhear livro) ......................... 99 Figura 3 - Início do capítulo um, episódio um - Discriminação: um ato sem reflexão ................................................................................................................................ 100 Figura 4 - Final do diálogo do capítulo um e início de "como tudo aconteceu" ....... 100 Figura 5 - Capítulo um - final de "como tudo aconteceu" episódio um, e início do episódio dois – Nome sim, apelido não ................................................................... 100 Figura 6 - Fim do episódio dois e o "como tudo aconteceu" - capítulo um .............. 101 Figura 7 - Final do capítulo um - Um recadinho do WhatsApp ................................ 101 Figura 8 - Capa do guia do professor ...................................................................... 103 Figura 9 - Apresentação sumária dos itens que compõem o guia do professor ...... 103 LISTA DE QUADROS E TABELA Tabela 1 - Tempo das crianças em alguma mídia ..................................................... 21 Quadro 1 - As habilidades cognitivas em Filosofia para Crianças: principais tipos .. 29 Quadro 2 - Caracterização dos professores participantes da pesquisa .................... 83 Quadro 3 - Primeiro bloco de questões: organização da sala de aula e envolvimento do aluno .................................................................................................................. 106 Quadro 4 - Segundo bloco de questões: diálogo e investigação filosófica ............. 107 Quadro 5 - Terceiro bloco de perguntas: fatores que facilitam ou dificultam o diálogo e a investigação ...................................................................................................... 109 Quadro 6 - Quarto bloco de perguntas diálogo e investigação na mudança de paradigma ............................................................................................................... 110 Quadro 7 - Quinto bloco de perguntas: as relações em sala de aula ...................... 111 Quadro 8 - Sexto bloco de perguntas: a ética no espaço escolar .......................... 113 Quadro 9 - Sétimo bloco de perguntas: desmotivação em relação ao diálogo em sala de aula ............................................................................................................. 114 Quadro 10 - Cinco passos do método Lipmaniano ................................................ 118 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 13 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 19 1 DIÁLOGO E INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA .......................................................... 26 1.1 O diálogo e a investigação filosófica como forma de aprendizagem significativa .............................................................................................................. 26 1.2 A Filosofia como aliada no método dialógico investigativo com crianças no ambiente escolar ..................................................................................................... 27 1.3 A comunidade de investigação como prática inovadora ............................... 32 1.4 Ética e moral como princípio educativo na comunidade de investigação ... 40 1.5 O comprometimento da criança em uma investigação ética ........................ 47 2 O PROFESSOR E A PROPOSTA DE LIPMAN ..................................................... 52 2.1 O papel do docente no processo dialógico investigativo ............................. 52 2.2 A capacitação de professores na perspectiva de uma aprendizagem crítica e reflexiva ................................................................................................................. 58 2.3 Os estágios para a preparação de monitores ................................................. 61 3 O PAPEL DAS NOVELAS PROPOSTAS POR LIPMAN........................................ 66 3.1 A leitura e a escrita como busca de raciocínios na comunidade de investigação ............................................................................................................. 72 3.2 Uma proposta de implementação centrada na aprendizagem do aluno ...... 76 4 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA ................................................... 80 4.3 Local e participantes ......................................................................................... 82 4.4 Materiais e instrumentos .................................................................................. 83 4.5.1 Coleta de dados .............................................................................................. 84 4.5.2 Procedimentos ou etapas da pesquisa ........................................................ 86 5 DELINEAMENTO DO PRODUTO EDUCACIONAL ............................................... 87 5.1 Título do produto ............................................................................................... 89 5.2 Resumo do produto .......................................................................................... 89 5.3 Problema do produto ........................................................................................ 90 5.4 Público-alvo para utilizar a novela ................................................................... 91 5.5 Diagnóstico local ............................................................................................... 92 5.6 Contexto de ensino ........................................................................................... 93 5.7 Proposta de alteração do contexto .................................................................. 94 5.8 Metodologia de desenvolvimento do produto ................................................ 95 5.8.1 Desenho do produto ...................................................................................... 99 5.9 Guia do produto educacional para os professores ...................................... 102 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................ 105 6.1 Percepção dos professores ........................................................................... 105 6.2 Percepção dos alunos .................................................................................... 105 6.3 Aplicação do produto educacional ................................................................ 115 6.4 Avaliação do envolvimento e desempenho do aluno durante a aplicação do produto ................................................................................................................... 117 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 120 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 123 ANEXO I .................................................................................................................. 131 APÊNDICE I ............................................................................................................ 134 APÊNDICE II ........................................................................................................... 135 APÊNDICE III .......................................................................................................... 136 APÊNDICE IV .......................................................................................................... 138 APÊNDICE V ........................................................................................................... 140 APÊNDICE VI .......................................................................................................... 142 APÊNDICE VII ......................................................................................................... 144 APÊNDICE VIII ........................................................................................................ 146 13 APRESENTAÇÃO No sentido de escrever sobre as razões que me levaram a realizar esta pesquisa torna-se indispensável recordar e abordar concisamente o percurso que percorri como discente desde o ensino básico até o Ensino Superior, adentrando na docência como professor da Educação Básica. Desde cedo, sempre fui dedicado aos estudos e aprendi a ler ainda na antiga 1ª série com uma professora leiga, que usava a cartilha como principal instrumento para alfabetizar seus alunos. Esse material foi utilizado durante anos por professores para alfabetizar crianças. Foi com esse conhecimento, ou seja, com o aprendizado da leitura e da escrita, que me senti mais leve e pronto para ir em busca de mais objetivos e aos poucos subir os degraus necessários para concluir o Ensino Fundamental. Inicia-se o ano de 1998, ano em que adentro na terceira etapa da Educação Básica, ou seja, na primeira série do Ensino Médio. Porém, não se tratava de um Ensino Médio regular, mas do Magistério, ofertado pela rede municipal de ensino da cidade de Grajaú, no estado do Maranhão, que teve como objetivo formar professores para atuar como docentes na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Esse curso serviu como uma preparação para que eu viesse me tornar esse entusiasta da educação que hoje sou. Foi também na primeira série do Ensino Médio que os meus objetivos se ampliaram, pois foi nesse momento que senti uma grande necessidade não apenas de estudar, mas também de trabalhar e conseguir meu espaço, pois esse era o sonho de boa parte dos jovens brasileiros que pertenciam àquela geração. Nesse momento de euforia, fui convidado para trabalhar em uma grande empresa e fiquei muito feliz. Porém, essa felicidade logo se transformou em ansiedade e dúvida, pois não tinha como conciliar os estudos com o trabalho. Após alguns dias, tomei uma decisão que poderia ter mudado o rumo de toda a minha vida: desisti de estudar durante uma semana para trabalhar. No entanto, alguns professores e colegas me procuraram para me aconselhar e fazer com que eu retornasse à escola para dar continuidade a minha 1ª série do Ensino Médio. Durante dias refletindo sobre quais os novos episódios dessa história, tomei uma decisão, atendendo não só aos vários pedidos de amigos e professores, mas 14 principalmente ao pedido dos meus pais, ou seja, daqueles que sem dúvidas foram os pilares e continuam sendo os meus gatilhos mentais e também os maiores incentivadores para que eu continuasse lutando e alcançando os meus objetivos. No final do ano 2000, lá estava eu, concluindo a 3ª série do Ensino Médio na modalidade magistério e com uma intensa vontade de aplicar em sala de aula tudo aquilo que aprendi e, assim, ter a oportunidade de conseguir aumentar as chances de ganhar o meu primeiro salário, e com um sabor mais que especial, pois poderia ser como professor da Educação Básica. A Educação Básica da qual eu por pouco eu desisti logo no início da sua terceira etapa. Mas o melhor ainda estava por vir. Ao iniciar o ano letivo de 2001, lá estava eu arrumando a minha mochila para trilhar novos rumos, pois fui convidado para dar início a minha carreira como docente da Educação Básica em uma turma multisseriada, composta de alunos não apenas de 1ª a 4ª série, mas também da Educação Infantil em uma escola da zona rural no interior do estado do Maranhão. Com maestria, ali exerci a função como professor contratado durante sete anos. Em 2007, fui aprovado pela primeira vez em um concurso público. Já concursado, mas sempre trabalhando na zona rural, durante anos me senti impossibilitado de dar continuidade aos meus estudos, mas foi também em 2007 que consegui economizar um pouco e dar início ao curso de licenciatura em Pedagogia em uma faculdade privada. Após dois anos cursando Pedagogia, consegui passar em uma universidade pública e pude cursar uma segunda licenciatura, agora em Filosofia. Essa experiência não foi nada fácil, pois tinha um compromisso com aquelas instituições, que era concluir não apenas um curso superior, e sim dois. Foi com vontade de vencer e crescer na vida e me tornar cada vez mais um profissional capacitado, adquirindo novas habilidades que, antes mesmo de concluir a licenciatura em Filosofia, ingressei e consegui concluir uma especialização em Psicopedagogia com ênfase em Gestão e Supervisão Escolar, e, no ano seguinte consegui mais uma proeza: dei início a duas especializações, uma em Filosofia da Educação, em uma faculdade privada e outra em Educação, Pobreza e Desigualdade Social, pela UFMA. Em 2016, concluí as especializações e um curso técnico em informática pela Universidade Estadual do Maranhão. Nessa 15 universidade, em 2020, concluí mais uma especialização, dessa vez em Educação Especial/Educação Inclusiva. Jamais podemos esquecer também de algo que ficou marcado na minha vida. Lembra da cartilha que mencionei anteriormente, ou seja, aquela com a qual fui alfabetizado na 1ª série do Ensino Fundamental? mesmo não sendo mais indicada pelo Ministério da Educação (MEC) ela entra em cena novamente, pois foi com esse mesmo material que consegui alfabetizar meu filho mais velho, aos cinco anos, e minha filha mais nova, com apenas quatro anos. Além disso, consegui mais uma proeza, a de alfabetizar mais uma pessoa da família, um sobrinho com oito anos de idade. Essa cartilha me fez despertar cada vez mais o interesse pela leitura, mesmo percebendo que estava faltando alguma dinamicidade naquele material e também na metodologia utilizada. Consegui observar que as pessoas que aprenderam a ler por meio daquele método tradicional não se sentiam motivados e por isso busquei por materiais que gerassem curiosidade não apenas no professor, mas no aluno. O interesse se ampliou ainda mais ao conhecer o programa de Lipman e algumas novelas que compõem a proposta. A partir desse interesse, desenvolvi o Produto Educacional desta pesquisa de mestrado, ou seja, uma novela interativa digital atrativa, que vem acompanhada de um guia do professor, para ajudar na orientação e manuseio da novela pelos alunos. A escolha do tema desta pesquisa surgiu no ano de 2015 após ter alfabetizado meus filhos e meu sobrinho, mas também após um momento muito doloroso da minha vida, que foi o falecimento da minha querida mãe. Foi neste momento que olhando e conhecendo o Programa de Pós-graduação em Gestão de Ensino da Educação Básica (PPGEEB) da UFMA, que conheci a professora Dr.ª Rita de Cássia Oliveira que no ano seguinte seria a coordenadora do grupo de pesquisa ao qual eu iria participar. Não demorou e logo entrei em contato com a professora Rita de Cássia. De início, os nossos contatos eram apenas por e-mail, mas logo essas conversas começaram a se ampliar, hora por meio do Messenger, hora pelo WhatsApp e foi em uma dessas trocas de mensagens que começamos a discutir sobre uma temática para aquilo que seria o meu projeto de pesquisa e também para que eu pudesse participar com mais segurança de uma seleção de mestrado, e ao longo das 16 conversas chegamos ao consenso que a temática do referido projeto seria Diálogo e investigação filosófica com crianças: a proposta de Matthew Lipman. Mesmo após todas as dificuldades, consegui juntar forças para ingressar e participar, mesmo que em um curto período, do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ensino de Filosofia na Educação Básica (Grupefeb) na UFMA. Esse grupo era coordenado pela professora Dra. Rita de Cássia Oliveira. Não foi fácil participar do Grupefeb, pois tinha que me deslocar do interior do Maranhão até a capital, São Luís, ou seja, 350 km. Mesmo assim, estava muito feliz, e a partir desse momento comecei a estudar e selecionar materiais a respeito da temática sugerida pela professora. À medida que fui amadurecendo profissionalmente e academicamente, o desejo de cursar o mestrado foi tomando conta de mim. Realizei o processo seletivo de 2021, do Programa de Pós-Graduação em Docência para a Educação Básica da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em momento muito delicado, pois o mundo estava passando pela pandemia de Covid-19. Não foi fácil, pois estávamos em uma situação de grande tumulto, incerteza e caos causados pela disseminação do vírus. Mesmo assim, não tive dúvidas de que estava no caminho certo, pois a temática que me propus a estudar é pertinente. Durante a minha experiência como professor do ensino fundamental, pude perceber que é necessário que as crianças aprendam a dialogar e investigar de maneira mais inteligente, ou seja, filosoficamente, para se tornem adultos cada vez mais sábios em suas decisões e comunicações. Ao ser aprovado no mestrado, não consegui conter a minha felicidade. Após um dia de comemoração, lá estava a notícia da aprovação estampada no blog mais famoso da cidade. A partir desse momento, minhas redes sociais “bombaram” de mensagens e fiquei durante dois dias respondendo e agradecendo a todas as pessoas que me parabenizaram por essa grande conquista. Nesse momento, estou registrando o resultado da minha pesquisa, que não se encerra, pois o conhecimento não finda aqui, mas se aprimora a todo instante. 19 INTRODUÇÃO Esta pesquisa é composta por obras de autores que analisam e discutem questões sobre diálogo e investigação filosófica com crianças de acordo com a proposta de Matthew Lipman, que identificam a influência dos meios pelos quais esse processo ocorre em sala de aula. Tais discussões se revelam como base para uma abordagem significativa no processo de ensino e aprendizagem. Podemos entender que o diálogo investigativo traz possibilidades em seus objetivos e em seus resultados, como afirma Lipman (1995, p. 336): [u]m diálogo é um exame, uma investigação, um questionamento [...]. Aqueles que se envolvem em um diálogo fazem-no de maneira colaborativa, como oficiais da justiça trabalhando juntos sobre o mesmo caso. [...] O objetivo dos oficiais de justiça é resolver o caso no menor tempo possível. É no diálogo proposto por Lipman que os alunos encontram caminhos e passam a ter a devida consciência da importância das outras pessoas, bem como do seu elo com elas. Segundo Abreu (2021, p. 54), “[a] partir do reconhecimento da existência das outras pessoas, o mediador na comunidade de investigação deve compreender a importância da escuta atenta e do direcionamento da conversa para o diálogo investigativo.” Sabe-se que, para se chegar a um ensino verdadeiramente eficaz, é necessário passar pelo processo de investigação, pois a aprendizagem é resultado de uma investigação da qual o professor participa apenas como coordenador ou facilitador, pois o foco não está mais na “aquisição de informações”, mas na percepção das conexões contidas entre os assuntos investigados. Nessa visão, a contribuição das obras de autores como Lipman, Sharp e Oscanyan (1997), Kohan e Leal (1999), Kohan (1999), Silveira (2003), é indispensável. Esses autores buscam compreender questões, como o diálogo que acontece em uma comunidade de investigação e que se torna relevante, uma vez que o aluno precisa aprender a raciocinar e a praticar esse raciocínio. Esse assunto deve ser discutido de maneira mais intensa entre professores e alunos do Ensino Fundamental. Questionar o porquê dessa temática, os motivos que fundamentam sua abordagem em sala de aula nessa etapa de ensino implicam a necessidade de refletir sobre o assunto. Aqui discutiremos as várias maneiras de se 20 trabalhar o diálogo, as formas de dialogar, assim como a investigação filosófica com alunos do Ensino Fund\mental no espaço escolar. Nessa perspectiva, recorremos ao pioneiro no assunto, o educador e filósofo Matthew Lipman, que, nos anos de 1960, se inquietava com situações envolvendo alunos que não tinham interesse pela leitura e não interagiam de maneira espontânea. Os alunos não faziam questionamentos ao professor sobre os conteúdos abordados no espaço escolar. Dessa forma, como os alunos não tinham um rendimento esperado, Lipman começou pesquisar sobre a temática que culminou em um programa com o objetivo de ensinar de maneira mais efetiva e dinâmica, que recebeu o nome de “Filosofia para Crianças”, no qual são trabalhados o diálogo e a investigação como ponto crucial para formarmos seres com o pensamento cada vez mais sadio. Vivemos e compartilhamos em uma sociedade capitalista e consumista, na qual a maioria das pessoas só visa o lucro, esquecendo-se da ética de que tanto o ser humano precisa. Essas pessoas, desde crianças, vivem alienadas e ao mesmo tempo corrompidas pela sociedade e seus meios de comunicação de massa que “bombardeiam” o público infantil por meio do poder de estratégias persuasivas e tantas outras que não cessam nos meios de comunicação. De acordo com Pereira e Fidalgo (2019, p. 139), [p]ara verificar a atualidade dos dados, foi realizada uma pesquisa com 104 crianças, no Colégio Luterano São Paulo, com crianças entre oito e dez anos. Nos dados da pesquisa mais de 80% das crianças já haviam comprado algum produto depois de ver alguma propaganda, e desses 80% cerca de 82% adquiriram brinquedos e jogos. Das crianças que não compraram o que queriam após ver uma propaganda, cerca de 52% se sentiram mal, tristes ou injustiçadas por não terem o que queriam, e das que adquiriram aquilo que queriam, cerca de 92% se sentiram melhor depois de comprar. Percebe-se que a criança de hoje enxerga nos objetos uma necessidade de comprá-los. Elas entendem que, se não tiverem um determinado brinquedo, ou a roupa que o seu ídolo usa, ou se não puderem comer alguma guloseima que viu nas diversas mídias, ela não se sente realizada ou inserida nos grupos sociais aos quais fazem parte, ela sente como se fosse alguém totalmente diferente dos colegas. Acerca do uso de mídias por crianças, a Tabela 1 mostra alguns dados. 21 Tabela 1 - Tempo das crianças em alguma mídia Tempo por dia de uso de alguma mídia (horas) Já adquiriu com a propaganda Número total de crianças (104) 2 a 5 58% SIM 80% 4 a 5 15% NÃO 20% Mais de 5 27% Fonte: Pereira e Fidalgo (2019, p. 139) Na infância, o ser humano está em fase de desenvolvimento e ainda não sabe discernir o que é bom ou ruim, certo e errado, e ainda não consegue impor limites aos impulsos e desejos adquiridos por meio das mídias. Sendo assim, cabe aos adultos ensinar a criança a ter um pensamento mais reflexivo sobre todas essas coisas e a examinar criticamente aquilo que vê e ouve, seja nos meios midiáticos ou em qualquer ambiente ao qual está inserida. O aluno não deve apenas pensar aquilo que outras pessoas pensam e sim pensar cada vez melhor. É assim que o aluno se tornará um ser crítico, não apenas no ambiente escolar, pois isso refletirá em todos os contextos em que ele está inserido. De acordo com uma pesquisa realizada com alunos em uma turma do Ensino Fundamental de uma escola pública de Londrina/PR que buscou compreender a relação entre a Filosofia e a formação de conceitos na perspectiva de Matthew Lipman, [a]pós a aplicação da proposta de Lipman, observou-se um espanto e interesse pela metodologia empregada em sala de aula, e o pedido de uma presença filosófica maior na escola, especialmente a continuidade da proposta. Em relação aos alunos, notaram-se vários progressos no decorrer da pesquisa. Antes das intervenções, os alunos apresentavam várias dificuldades. A principal identificada foi em relação à convivência: as crianças não sabiam ouvir uns aos outros, falar e fazer atividades com seus colegas como duplas ou grupos. A dificuldade se tornava maior quando era visada interação entre meninos e meninas. Com o avançar das atividades, as crianças começaram a participar mais das atividades que envolviam interação de uns com os outros, demonstrando menos medo e mais reciprocidade, além de um senso de respeito e pertencimento a um grupo (Alves; Muraro, 2020, p. 31). Assim, o interesse pelo assunto abordado nesta pesquisa resultou de observações decorrentes da atuação profissional como professor de Filosofia em 22 uma escola do Ensino Fundamental. Procuramos, então, discutir a presença do diálogo e da investigação filosófica nessa etapa de ensino, considerando-se a Filosofia como uma grande responsável para que se possa formar seres cada vez mais críticos e reflexivos. A principal contribuição da presente pesquisa diz respeito à experiência feita com crianças, onde o diálogo e a investigação filosófica no espaço escolar tornam- se ferramentas capazes de auxiliarem nos momentos desafiadores em que é necessário tomar um posicionamento diante dos problemas cotidianos. Elias (2005) ressalta que a Filosofia, se trabalhada corretamente no ambiente escolar, estimula e incentiva o aluno a pensar filosoficamente por meio do desenvolvimento de habilidades cognitivas. Porém, tudo isso só será possível se transformarmos as salas de aula tradicionais em comunidades de investigação. Faz parte do processo filosófico não a mera investigação, mas a investigação dialógica. Este estudo analisou as possíveis contribuições tanto do diálogo como da investigação filosófica no Ensino Fundamental de acordo com a proposta de Lipman, considerando as formas e limitações como são articuladas na prática docente em uma escola municipal localizada na zona urbana, pois atende alunos do Ensino Fundamental. Aos poucos, a experiência vai sendo aprimorada e, durante esse processo, considera-se novos questionamentos sobre perspectivas mais abrangentes de contribuição da investigação filosófica no desenrolar do trabalho docente. Na experiência pedagógica proposta por nós, o conhecimento emancipa o cidadão, e provoca inúmeras discussões entre os educadores. A partir disso, é possível fazer sugestões pedagógicas que valorizem as diversas formas de dialogar e poder interpretar a realidade, assim como a investigação por meio do uso de novas metodologias para alcançar o conhecimento, retirando da prática docente as maneiras tradicionais trabalhadas durante décadas em sala de aula. Nesse sentido, esta pesquisa buscou responder às seguintes questões: quais são os meios pelos quais as crianças sentem-se motivadas ao ato de dialogar e investigar filosoficamente de acordo com a proposta de Matthew Lipman?; quais os possíveis entraves que dificultam tanto o diálogo como a investigação entre as crianças no Ensino Fundamental?” 23 Esperamos que, com os resultados deste estudo, a escola pesquisada possa se organizar cada vez melhor para fazer uso de metodologias eficazes na aplicabilidade do diálogo dentro de uma comunidade de investigação filosófica, constituída por alunos e professores do Ensino Fundamental, viabilizando ações que possam minimizar os entraves que dificultam esse diálogo. A hipótese inicial desta investigação é a de que a capacidade encontrada nos conceitos filosóficos se refere à natureza intrinsecamente questionadora e reflexiva da Filosofia como disciplina, fazendo com que as discussões aconteçam efetivamente, tornando a investigação mais cooperativa e dinâmica para as crianças. Além disso, as diversas áreas da Filosofia podem contribuir significativamente na formação de seres cada vez mais pensantes, investigativos e aptos a dialogarem com mais respeito e seriedade. A escola que trabalha as subdisciplinas da Filosofia, que não se restringe apenas aos livros didáticos, pode mudar a sua realidade. Ainda convém lembrar que as escolas que adotam políticas de diálogo e investigação, que não se restringem à tendência tradicional, são as que geram impacto positivo na inovação do processo ensino aprendizagem, pois têm visão mais estratégica e abrangente de seu compromisso com as questões de interesse dos docentes assim como dos discentes. Luckesi (2005, p. 2) relata que, [n]a tendência tradicional, o aluno é educado para atingir, pelo próprio esforço, sua plena realização como pessoa. Os conteúdos, os procedimentos didáticos, a relação professor-aluno não têm nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais. É a predominância da palavra do professor, das regras impostas, do cultivo exclusivamente intelectual. Para que a aprendizagem se torne significativa, deve-se levar o aluno a aprender a aprender, fornecendo-lhe uma base cada vez mais sólida para que o aprendizado se torne contínuo, fazendo com que o aluno perceba que o aprendizado tem relação com a sua vida e valoriza sua cultura e a sua vivência nos diversos grupos sociais no qual está inserido. Para tanto, as práticas do professor são definidas como um conjunto de ações intencionais que têm o intuito de promover a aprendizagem dos alunos. Para que isso aconteça, é preciso entender a importância de uma busca contínua de recursos que possam inovar a prática docente e ir ao encontro dos anseios dos alunos. 24 Sendo assim, o objetivo geral desta pesquisa é verificar como o diálogo e a investigação, propostos por Lipman, podem potencializar o processo de ensino- aprendizagem e como eles são articulados em sala de aula. Os objetivos específicos são: 1) analisar os meios pedagógicos que desenvolvem habilidades de investigação em sala de aula; 2) investigar caminhos propostos no método de Lipman no que diz respeito a uma comunidade colaborativa na formulação de perguntas do tipo que levam à investigação; 3) criar uma novela filosófica interativa digital, assim como um guia voltado ao professor de 6º ano, tendo como objeto estudar a ética nas redes sociais e todo universo de fatores que interferem na construção da criança – o conceito de ética e o posicionamento ético frente à vida. O último objetivo específico volta-se especificamente à elaboração do produto educacional, componente exigido no mestrado profissional. O produto educacional proposto neste trabalho tem o objetivo de facilitar a compreensão das crianças e de auxiliar os professores no processo dialógico investigativo assim como no desenvolvimento de uma postura ética. O produto educacional, organizado no formato digital, servirá como instrumento de trabalho para alunos do 6º ano do Ensino Fundamental para interpretação de diversos textos, tendo vídeos, áudios e imagens como recursos que possibilitam o entendimento de cada um dos episódios da novela interativa digital, intitulada “Bya: um diálogo com os nativos digitais”. Esta dissertação está estruturada da seguinte forma: o primeiro capítulo aborda sobre o diálogo e a investigação filosófica. No segundo capítulo, abordamos o professor e a proposta de Lipman, além do papel do docente no processo dialógico investigativo, da capacitação de professores e dos estágios para a preparação de monitores. O capítulo 3 apresenta o papel das novelas propostas por Lipman e a leitura e a escrita como busca de bons raciocínios na comunidade de investigação uma proposta de implementação centrada na aprendizagem do aluno. O quarto capítulo se volta ao percurso metodológico da pesquisa. São apresentados os procedimentos éticos da pesquisa desde a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unesp até a assinatura dos termos e 25 autorizações da pesquisa. É nesta seção que apresentamos a metodologia, os participantes da pesquisa, o local pesquisado, os materiais e instrumentos, os procedimentos de coleta de dados, assim como as etapas da pesquisa. O quinto capítulo apresenta todo o delineamento do produto educacional: o título do produto, o seu resumo, problema, o público para utilizar a novela, o diagnóstico local e o contexto de ensino, a proposta de alteração do contexto a metodologia de desenvolvimento do produto, o desenho do produto e o seu guia para professores e o seu objetivo geral e específicos. Finalmente, o capítulo seis traz os resultados e discussões, a percepção inicial dos professores sobre a temática, a percepção dos alunos, a aplicação do produto educacional, a avaliação do envolvimento e do desempenho do aluno durante a aplicação do produto e ajustamentos finais do produto. 26 1 DIÁLOGO E INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA 1.1 O diálogo e a investigação filosófica como forma de aprendizagem significativa Ao enfatizar a função tanto do diálogo como da investigação no cenário escolar, considera-se que os alunos devem aprender que as nossas vidas podem trilhar diferentes caminhos, ou seja, tomar rumos diferentes de acordo com os ideais em que cada um acredita e resolve seguir. Sabe-se que o fazer escolar deve fazer com que os alunos se tornem adultos que vivem de acordo com os ideais que favorecem não apenas o individual, mas também o coletivo, o bem de todos. Lipman e Sharp (2004) indicam que, para garantir que todos participem igualmente em um diálogo investigativo, o professor deve estar seguro em relação à pedagogia utilizada, para que as crianças possam confiar e acreditar no trabalho do professor, mesmo que ele não dê respostas prontas. Porém, é necessário que as crianças sigam a metodologia proposta pelo programa, que traz condições para a participação e consideração de todos os envolvidos no processo. Sendo assim, constata-se como essa igualdade de participação dos alunos em um diálogo filosófico e investigativo ocorre no espaço escolar: a interação entre as crianças faz com que elas, ao participarem de um diálogo investigativo, percebam sua evolução de maneira significativa. Por meio da investigação, busca-se tecer os pontos de vistas de maneira aberta elencando valores e práticas vivenciadas. A partir disso, é possível dialogar aberta e publicamente, levando em conta todos os pontos de vista a respeito dos fatos. A investigação deve ser ética e feita em um ambiente onde exista confiança mútua e imparcialidade. Dessa forma, seremos cada vez mais responsáveis e agiremos com a devida inteligência moral (Lipman; Sharp, 1999). É importante que os alunos passem por cada uma das etapas para que alcancem a investigação. As novelas filosóficas, mencionadas na Introdução, mostram o que os personagens fazem, as suas investigações, para conseguir fazer suas descobertas. Sendo assim, o aluno constata-se que, quanto mais dialogar e investigar, algumas coisas que eram tidas como corretas passam a serem substituídas por outras que aparentam ser mais corretas. 27 Não se pode deixar que os alunos pensem que descobrir e inventar são sinônimos, pois essa diferenciação precisa ser discutida em sala de aula, para que percebam a importância de descobrir e que isso é possível por meio dos diversos diálogos que fazem parte do processo para se alcançar uma boa investigação e com ela chegar ao objetivo que é descobrir (Lipman; Sharp; Oscanyan, 1997). As crianças nos fazem questionamentos diariamente – de como as coisas surgem ou acontecem – e isso é importante para o processo de investigação. A leitura faz parte desse processo, isto é, ao lermos, investigamos e ao mesmo tempo descobrimos algo novo, que se agrega a nossa experiência, servindo para enriquecer e tornar significativa a aprendizagem. Como afirma Lipman (1997), temos conhecimento das coisas, mas esse conhecimento pode apenas recair sobre como essas coisas agem, pois descobrimos isso devido a certas experiências e vivências com tais coisas. Sabe-se que a mente da criança é verdadeira e não pode ficar estagnada e inalterável, define-se a mente da criança conforme o modo como ela age no momento da investigação e é estimulada por incontestáveis maneiras de investigação. Ao participar ativamente de um diálogo em uma comunidade de investigação, as crianças ficam cada vez mais abertas a uma conversação filosófica sobre o mundo que as rodeiam. É preciso levar os alunos a adquirir um pensar excelente, tornando-os seres mais reflexivos, evitando desenvolver comportamentos antissociais. Para isso, o professor deve estabelecer alguns critérios e, quando o faz, o professor está criando um ambiente ético para investigação. 1.2 A Filosofia como aliada no método dialógico investigativo com crianças no ambiente escolar Desde Sócrates, o fazer da Filosofia é representado por uma investigação que acontece por meio da interação dialógica, pois isso sempre foi de grande importância para a vida em sociedade. A Filosofia deve ser cultivada nas escolas, pois é por meio do trabalho autocorretivo desenvolvido em uma comunidade de investigação filosófica que os envolvidos verificam não apenas as causas, mas também as consequências de um diálogo sem as devidas reflexões. Porém, Lipman (2014) alerta que a comunidade de investigação “não deve 28 ser uma mera imitação da dialética socrática, mas servir-se de instrumento para se pensar num método próprio de acordo com a realidade educacional atual” (p. 13). É urgente e necessária uma mudança na prática docente, dado que as crianças, assim como os adolescentes, são “bombardeadas” por informações, verdadeiras ou não. O que é realmente urgente nas instituições escolares é sem dúvida uma reforma que venha ao encontro dos anseios desse público. Essa mudança deve servir não apenas para a vivência dentro do ambiente escolar, mas para todos os diversos grupos sociais. O pensamento crítico e o comportamento racional, adquirido por meio de práticas filosóficas, de condutas obtidas por meio da Filosofia, ajudam alunos no desenvolvimento das demais disciplinas. Lima, Neubauer e Mastella (2016, p. 105) afirmam que, [o] ensino da Filosofia, por meio da metodologia proposta por Lipman, pode ajudar a construir um processo em que os alunos percebam que as demais disciplinas que estudam têm unidade e continuidade. Algo que sem este senso crítico que a Filosofia constrói, não é possível perceber. Fica evidente que a Filosofia torna o processo de ensino e aprendizagem dinâmicos e atraentes para os alunos e para aqueles professores que renunciam a práticas tradicionais e participam de maneira efetiva do processo dialógico investigativo, tornando a busca da aprendizagem significativa. É de extrema relevância que as escolas tenham em seus currículos dos anos iniciais do Ensino Fundamental a Filosofia como disciplina, pois é por meio dela que surgem as possibilidades do envolvimento da criança em uma investigação filosófica. Além disso, todas as matérias no Ensino Fundamental se tornam mais fáceis de aprender quando o aluno tem a Filosofia como base inspiradora, pois a Filosofia deve ser trabalhada de maneira aberta, e consequentemente a criticidade e a logicidade surgem espontaneamente. Para que isso aconteça, a Filosofia deve ser ensinada de forma criativa, e por meio da investigação intelectual no interior de uma comunidade de investigação composta por professores e alunos. A habilidade de pensar cada vez melhor, nas demais disciplinas, deve ser desenvolvida. A Filosofia pode ser uma grande responsável para que esse pensar não inicie apenas na universidade, mas que aconteça logo no Ensino Fundamental, 29 tornando o aluno cada vez mais preparado, não apenas na disciplina de Filosofia, mas também nas demais disciplinas. No Quadro 1, apresentamos as habilidades de pensamento desenvolvidas por Matthew Lipman, segundo Kohan e Leal (1999), divididas em quatro categorias, quais sejam: de raciocínio, de questionamento e investigação, de formação de conceitos, e de tradução, ou interpretação. Quadro 1 - As habilidades cognitivas em Filosofia para Crianças: principais tipos Raciocínio Questionamento e investigação Formação de conceitos Tradução/ interpretação - Precisar o que for vago e ambíguo - Traçar inferências - Raciocinar por analogia - Pensar por meio de: regra de conversão hipóteses silogismo princípio de não-contradição estandardização lógica de relações - Universalizar - Distinguir a verdade de validade - Detectar falácias - Dar e pedir boas razões - Distinguir: razões de não-razões boas de más razões - Formar e confrontar hipóteses - Dar e pedir exemplos e contraexemplos - Levantar questão problematizar - Analisar a consistência - Antecipar e explorar consequências - Provar - Definir, aplicar e avaliar critérios - Detectar, justificar e questionar pressupostos - Ser sensível ao contexto - Autocorrigir-se - Resistir a arbitrariedade - Criar e explorar alternativas - Potencializar a imaginação buscar sentido - Estabelecer relações - Traçar distinções - Precisar semelhanças - Definir conceitos filosóficos como: experiência poder bem razão justiça pessoa amizade realidade verdade - Escutar os outros - Ser sensível à dimensão afetiva, inferir versões do mundo - Ser empático - Ser aberto intelectualmente - Respeitar os outros - Dialogar - Ser importante - Pôr ego em perspectiva - Ter autocontrole - Propiciar confiança - Não bloquear a investigação e o questionamento - Cuidar do crescimento dos outros Fonte: Kohan e Leal (1999, p. 98). No Quadro 1, estão agrupadas as ações, assim como as atitudes e os processos, que acontecem no conjunto de cada uma das habilidades de pensamento. Dessa forma, podemos constatar que cada uma das atividades de 30 pensamento pode alcançar os mais variados objetivos, pois cada uma das habilidades tem uma função importante no processo de investigação dentro da comunidade. Sendo assim, todos aqueles que estudam Filosofia podem se tornar investigadores, mas, para isso, devem estar inseridos de maneira efetiva em uma comunidade de investigação. É por meio da Filosofia que a criança aprende a pensar filosoficamente, a pensar e autocorrigir-se sobre o seu modo de pensar e, assim, agir no meio em que vive. A Filosofia já se propõe a desenvolver um pensar autocorretivo e investigativo e é por isso que o estudante, com o passar do tempo, irá melhorar ainda mais a sua maneira de pensar, investigar e se autocorrigir. Porém, a Filosofia despreza toda forma de inibição, pois trabalha o diálogo e a investigação. Isso torna a sala de aula um ambiente mais propício ao diálogo e à investigação para alcançar um aprender com criticidade, dialogicidade e reflexibilidade. A escola não pode esperar que as pessoas tenham atitudes morais sem antes ambientá-las socialmente por meio de procedimentos racionais, é assim que se produz a racionalidade do indivíduo (Lipman, 1990). Para que esse pensamento venha a fluir, é necessário que a escola esteja preparada para transformar as crianças em seres aptos a dialogar e a investigar filosoficamente, para que, no futuro, se tornem pessoas adultas que saibam refletir e, acima de tudo, agir com responsabilidade. Por isso, é relevante que as habilidades de investigação, de raciocínio, de formação de conceitos e de tradução sejam trabalhadas no âmbito da disciplina de Filosofia, pois é ela a mais adequada. A Filosofia, por se comprometer com a investigação de problemas, pode impedir que essas habilidades sejam mal- empregadas no cotidiano das crianças. A investigação filosófica compartilhada na sala de aula passa a ser um modo propício à aprendizagem. A sala de aula deve atender os interesses das crianças assim como dos adolescentes, quando isso não acontece, há uma sensação de dever não cumprido em todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Ao iniciar uma investigação sobre um determinado assunto, mesmo que recém-descoberto, esse assunto é filosófico, pois mesmo nessa etapa inicial a criança vive admirada e começa a fazer especulações de como revê-los. A Filosofia 31 nos dá uma luz de como resolvermos assuntos polêmicos, mas discutíveis, ou seja, possíveis de investigação como: verdade, beleza, justiça, individualismo e virtude. Muitas são as subdisciplinas da Filosofia que nos mostram por quais caminhos devemos trilhar, a lógica, por exemplo, não é empenhada em mostrar como pensamos, porém, nos disponibiliza meios pelos quais diferenciamos os pensamentos bons dos maus. Para Sanchez (2011, p. 6), “o ensino de certas habilidades de pensamento características da lógica, subdisciplina da Filosofia garantiriam o bom pensar, ou um pensar melhor, ou seja, o desenvolvimento do que ele caracteriza por pensamento de ordem superior". Nesse sentido, a educação contemporânea se torna, ao longo do tempo, cada vez mais frágil devido à exclusão das subdisciplinas da Filosofia do currículo escolar, ou seja, alguns assuntos, que no passado eram trabalhados nessas subdisciplinas, não constam no currículo escolar atualmente. Existem diversos escritos filosóficos que despertam o interesse dos alunos. A partir desses textos, em sala de aula, é possível desenvolver habilidades intelectuais, e temáticas como filosofia amizade, honestidade, verdade – temas caros à Filosofia. Assuntos como esses são atraentes, fazem com que a discussão em sala de aula tome rumos diferentes das discussões aleatórias, como nas práticas tradicionais. No entanto, parece muito difícil esse envolvimento do aluno no método de investigação proposto. Como fazer com que as crianças do Ensino Fundamental compreendam os diversos problemas apresentados durante a investigação? Será possível fazer com que o aluno se engaje em uma investigação mobilizando, nas disciplinas tradicionais, as habilidades cognitivas de raciocínio, de investigação, de formação de conceitos e de tradução, pois essas habilidades são condições necessárias para tal engajamento? Vem se tornando cada vez mais necessário o envolvimento do aluno com a Filosofia, independentemente de sua faixa etária. A Filosofia, enquanto disciplina escolar, oferece aparatos para que o aluno possa raciocinar cada vez melhor, provocando o engajamento na investigação cognitiva e autocorretiva. Assim, para Sanchez (2011), a proposta de Lipman é claramente normativa e determina o que e como deve ser o ensino de Filosofia, que deverá formar um futuro bom cidadão por meio do emprego de ferramentas lógicas na construção do 32 raciocínio. É por meio desse desenvolvimento, com a disciplina e o fortalecimento do raciocínio, que é desenvolvido na criança uma posição cada vez mais crítica frente aos diversos problemas expostos, argumentados e dialogados nos diversos meios sociais. A Filosofia, como disciplina acadêmica, busca incansavelmente envolver o aluno desde cedo em situações problemáticas, porém empáticas e agradáveis. Isso é possível por meio da transformação da sala de aula em uma comunidade de investigação dialógica. É o envolvimento da criança em uma comunidade que reforça a sua capacidade de investigação e, assim, aumenta gradativamente sua capacidade cognitiva. É através do diálogo que podemos exercitar as habilidades cognitivas das crianças, e deve acontecer em um ambiente democrático e participativo, pois é um momento importante onde eles aprendem a se posicionar diante das mais variadas situações como ouvir, falar, visando o hábito de respeitar o outro, refletir, interpretar, argumentar ,sendo que a partir daí ele aprenderá a ter liberdade para questionar e criticar sobre o que é certo ou errado, verdadeiro ou falso, positivo ou negativo, gerando assim uma maneira ideal de contribuição para a investigação filosófica na comunidade de investigação que é por meio do diálogo (Jesus, 2017, p. 26). É sabido que a falta da experiência cognitiva tem a ver com o não envolvimento em experiências significativas, ou seja, a não participação em uma experiência coletiva, como na comunidade de investigação, pois é em ambientes de coletividade que o aluno tem experiências relevantes. 1.3 A comunidade de investigação como prática inovadora Para encorajar as crianças, é necessário aplicar metodologias que as tornem curiosas e confiantes e que as façam se sentir fascinadas pelo aprender. Diariamente, nos deparamos com pessoas despreparadas para o convívio social, que não aprenderam a conviver e respeitar mutuamente. Por esse motivo, as escolas devem criar possibilidades para que as crianças desde cedo possam experienciar uma vivência de respeito, com diálogo disciplinado, assim como uma investigação que proporcione cooperação entre os envolvidos. Dessa maneira, formamos cidadãos por meio da comunidade de investigação, 33 livres de qualquer tipo de autoritarismo e manipulação. Ao contrário, a escola, por meio da criação das comunidades de investigação, formará seres críticos. Para que as pessoas se tornem racionais, é preciso ensiná-las a conviver em grupos. Isso será possível por meio da comunidade de investigação, pois é nela que se aprende a raciocinar, se tornam aptas a viverem nos diversos meios sociais. Se pretendemos que a escola forme pessoas reflexivas e racionais, é necessário torná-la um ambiente reflexivo e racional. Como afirmam dos Santos e Gomes (2020), a comunidade de investigação é a essência do programa de Lipman, que tem a intenção de oferecer às crianças espaços de integração no diálogo filosófico, despertando a confiança para que possam acreditar em si mesmas, em suas capacidades, seus pensamentos e até mesmo em suas dúvidas. O processo de ensino e aprendizagem acontece não apenas entre quatro paredes, mas em diversos ambientes sociais. Preparar o cidadão para o mundo é motivo de rompermos os muros do ambiente escolar. Abordar as temáticas das disciplinas escolares por meio de discussões é algo típico da metodologia proposta pela comunidade de investigação, pois só assim as crianças poderão conhecer os diversos pontos de vista possíveis paras determinada questão, diferentemente das aulas expositivas, que, na maioria das vezes, podem parecer proselitistas ou doutrinadoras, e afastar aquilo que a criança tem de melhor dentro de si, a vontade de participar das discussões em sala de aula. Podemos exemplificar e comparar a comunidade de investigação com uma comida: se bem preparada, irá agradar o paladar dos degustadores; caso falte alguns ingredientes, como o sal e outros temperos, provavelmente todos se afastarão da comida, pois já não agradou o paladar das pessoas. Assim acontece com o cultivo da racionalidade em uma comunidade de investigação, caso falte algum ingrediente, como o diálogo, o respeito e a autocorreção. Dessa forma, a comunidade de investigação se tornará importante na formação da racionalidade do seu público. Se as crianças aprenderem a raciocinar juntas e se não faltarem os “ingredientes”, elas aprenderão a eliminar ou lidar com suas inibições, que tanto atrapalham o seu processo de aprendizagem e desenvolvimento social. Para Fávero e Fávero (2023, p. 18), 34 [a] base da metodologia da Filosofia com crianças é a prática dialógica: é no diálogo e pelo diálogo que as crianças são encorajadas a construir seus pensamentos, a expor seus pontos de vista, a internalizar determinadas atitudes mentais (de interrogação, de escuta, de respeito mútuo, de autoconfiança, de autocorreção, entre outras). Entretanto, o diálogo não pode ser compreendido apenas como uma estratégia pedagógica, mas, sim, como um princípio educativo. Sobre o mesmo assunto, Torres (2020) pondera: A investigação ocorre quando a crença estabelecida é desconstruída pela dúvida e reconstruída em uma nova crença. A Comunidade de Investigação trabalha com o método autocorretivo, isso significa que a comunidade tem a capacidade de buscar, por meio da investigação, crenças mais adequadas para condução da experiência problemática (p. 46). Westbrook et al. (2010) enxergam a comunidade de investigação como algo baseado na experiência. Na sociedade, em nossa formação como seres humanos, é indispensável o relacionamento em diversos meios sociais. Primeiro no âmbito privado, onde a criança se apropria culturalmente da maneira como a sua família convive, após isso, em meios mais amplos, na escola, a criança tem contato com diversas culturas e percepções de mundo. É na comunidade de investigação que a criança desenvolve as habilidades de raciocínio, adquirindo competências como classificar, definir, formular questões, dar exemplos e contraexemplos, identificar similaridades e diferenças, construir e criticar analogias, comparar, contrastar e tirar inferências válidas (Lipmam, 1990). Porém, às vezes, as crianças são inibidas por adultos, que caracterizam o mundo real como algo que elas não podem conhecer, pois pode ser arriscado. Assim, as crianças acabam deixando de imaginar esse mundo. Mas quando transformamos a sala de aula em uma comunidade de investigação, essas inibições dão lugar ao diálogo, pois as crianças conversam naturalmente umas com as outras. Esse diálogo não acontece de qualquer forma, mas de maneira racional, visto que nesta comunidade são abordadas temáticas de uma forma dinâmica e que interessam a todos os participantes. É sabido que as crianças gostam de participar do processo dialógico investigativo, partilhando suas experiências e descobertas. É nesse diálogo que podemos observar as próprias condições de aprendizagens das crianças, das habilidades, assim como dos comportamentos necessários para viver melhor no 35 meio social e as diferentes formas de vivê-lo. As crianças que participam de uma comunidade de investigação filosófica não concordam com algo sem antes refletir. Em princípio, as crianças querem saber em qual circunstâncias tais afirmativas são verdadeiras ou falsas e é por meio da comunidade de investigação que elas aprimoram suas habilidades, suas maneiras de pensar sobre situações do cotidiano. Quando as crianças são incentivadas a pensar filosoficamente, a sala de aula se transforma em uma comunidade de investigação, que tem compromisso com os procedimentos e técnicas que pressupõem uma abertura para a razão (dos Santos; Gomes, 2020). A comunidade de investigação está apta a fazer com que as crianças aprendam a se envolver em atos mentais, atos verbais, assim como em raciocínio e em investigação. A preparação da criança para um pensar mais apurado do meio social pode acontecer de maneira efetiva quando ela criança está envolvida na investigação. A escola, ao adotar essa metodologia, está formando cidadãos informados e mais responsáveis, pois, ao socializar com os demais por meio do diálogo investigativo. Os alunos tendem a tornar suas concepções cada vez mais apuradas. Quando a escola foca apenas na aprendizagem, ao invés do raciocínio, regredimos. O aluno retrocede ao ser passivo ao invés de ativo, apenas um receptor ao invés de tornar-se também um emissor. Para que tenhamos êxito em uma sala de aula, é necessário fazermos não apenas com que os alunos aprendam, mas fazê-los pensar filosoficamente. A aprendizagem sempre deve andar emparelhada com o bom pensar. É dessa forma que os alunos irão desenvolver a investigação crítica. Quando as crianças aprendem a diferenciar os raciocínios seguros dos inseguros, estão fazendo uso da racionalidade por meio de critérios, de regras da lógica. Isso faz parte de uma investigação dialógica. A comunidade de investigação serve de espelho para os alunos, pois passam a avaliar as instituições das quais fazem parte. Essa comunidade vem facilitar o desenvolvimento dos papéis que cada um exerce dentro das instituições. O programa de Lipman visa converter a sala de aula em uma comunidade de investigação, onde o diálogo e a cooperação fazem parte do processo democrático. Todos os envolvidos são ouvidos e aprendem uns com os outros, assim lapidam de 36 maneira gradativa a sua maneira de pensar, tanto individualmente como coletivamente. Se a educação é algo importante, que se ocupa do destino do pensamento humano, então é necessário que ela deva “[...] ensinar às crianças ‘como’ pensar, e não em ‘quê’ pensar” (Daniel, 2000, p. 20). Na sociedade, as pessoas com idade mais avançada tendem a insistir que as pessoas mais novas aceitem as suas maneiras de ser, pensar e agir que, na contemporaneidade, são chamadas de tradicionais. Para as crianças e adolescentes, que presenciam constantemente as mudanças causadas ao seu redor, esses comportamentos tradicionais são ultrapassados. Porém, essa mudança de paradigma não pode ser forçada, pois, se quisermos que os alunos pensem cada vez melhor, é necessário que a escola se aproprie de metodologias que tenham o propósito de mantê-los motivados e a experienciar momentos que induzam a falar e a escrever. A representação significativa de uma experiência intelectual por meio do diálogo filosófico se torna exitosa, pois além de ser compartilhada, uma diversidade de alunos envolvidos, são transformados em uma comunidade de investigação, mesmo cada um tendo suas particularidades. É na comunidade que as conversações são realmente provocadas pelo espírito de investigação. E é neste mesmo ambiente que são também orientados por ideias lógicas e filosóficas. É no desenrolar de uma investigação dialógica que os alunos descobrem a importância, assim como a necessidade de se tornarem cada vez mais racionais, e não provocadores de polêmicas. É por meio da racionalidade que se tornam seres pensantes, críticos não apenas dos outros, mas de si mesmos. Dessa forma, tornam-se responsáveis e conscientes do seu papel na sociedade. O diálogo entre as crianças, se bem organizado e com a devida disciplina, faz com que elas melhorem suas habilidades de pensamento, pois é por meio dessa comunicação verbal que elas adquirem e começam a assimilar diversos atos mentais. Além disso, o diálogo das crianças traz benefícios, como a possibilidade não apenas de falar, mas de ser ouvido, já que essa é uma das características da comunidade de investigação. Para Santos (1995, p. 74) 37 [o] conceito de sala de aula como comunidade de investigação é convertível no conceito de sala de aula democrática, cuja pedra de toque são a experiência, a reflexão e o diálogo, que potencializam ao máximo o valor de cada ser humano e permitem a continuidade entre escola e sociedade, entre educação e democracia. A criança, assim como o jovem, sente-se bem quando se expressa livremente, e o adulto ouve aquilo que está sendo expresso por meio da fala. Isso faz com que ambos se sintam encorajados a participar do processo dialógico investigativo. Nesse sentido, é oportuno trazer para a sala de aula atividades que são aceitas pelos alunos, o aprendizado por meio da participação torna o processo mais dinâmico e efetivo. Consequentemente, a criança melhora o seu raciocínio e passa a agir com respeito mútuo. Ao contrário, a escola não terá êxito em suas práticas ao tentar fazer com que seus alunos raciocinem de maneira brusca, ou seja, por meio de práticas que não causem empatia entre ela e o aluno. Não temos dúvidas de que existem ambientes que são mais acolhedores que outros. É em ambientes assim que a criatividade da criança pode ser despertada mais facilmente. Assim, o bom pensar que a criança carrega consigo até a fase adulta depende das experiências adquiridas e da maneira como utilizou essas experiências no seu cotidiano. Mesmo sabendo que as crianças têm boas memórias no que se refere a símile, assim como em metáforas. Mesmo assim, não podem fazer pré-julgamentos de que a linguagem literal seja mais importante que a linguagem figurativa. Desde os primórdios da educação, há diversas críticas a esse tema, seja a educação liberal ou progressista. Nenhuma das acusações feitas até aqui é mais grave do que dizer que a educação favorece atitudes acríticas em vez de críticas, que a educação está encarregada na formação de seres que não visam a transformação social. Para que os alunos não sejam meros repetidores do que os outros pensam, é necessário implementar, desde cedo, a arte de pensar nas crianças, iniciando-as num tipo de pensamento progressivamente reflexivo, investigativo e crítico (Pedro; Libório, 2008). A criança, desde muito cedo, pode desenvolver a sua criatividade por meio da capacidade de fazer mímica ou até mesmo de imitações de determinados 38 comportamentos. Porém, para desenvolver comportamentos filosóficos, é necessário que estejam envolvidas em uma comunidade de investigação. Dessa forma, a criança, ao invés de somente imitar comportamentos, se envolve com eles significativamente. O envolvimento da criança em diálogos filosóficos prepara o indivíduo não apenas para as situações vindouras, mas também para a sua vivência atual no meio social. Não podemos tirar o direito da criança de raciocinar, pois sem raciocínio ela fica impossibilitada de investigar. A criança desde cedo apresenta uma mente fecunda, de modo que questiona o adulto constantemente, e esse questionamento pode ser muito bem trabalhado dentro da comunidade de investigação. É sabido da importância de não menosprezarmos o expressar da criança, pois, dessa forma, a impediremos de fazer aquilo que ela faz com maior prazer, que é expressar-se conjuntamente. É por meio dessa expressão de maneira coletiva que se trabalhado corretamente pode desinibir a criança, fazendo com que internalize os comportamentos e o que está sendo ensinado com mais facilidade – “[a]s competências críticas do pensamento assumem-se, assim, como fundamentais neste processo contínuo e conjunto de construção do conhecimento” (Carvalho, 2014, p. 74). O trabalho contínuo na comunidade de investigação trará resultados positivos, não apenas dentro da sala de aula, mas em outros grupos sociais, pois os reflexos de um bom trabalho irão além do ambiente escolar. Para isso, é necessário que a comunidade esteja comprometida com a transformação dos seus indivíduos, com a autocorreção e com a criatividade. A proposta nos mostra que é por meio de uma discussão que a criança se envolve e se desenvolve; essa discussão pode acontecer por meio da comunidade de investigação filosófica. Para que a escola venha cumprir realmente o seu papel educacional, é necessário que ela, a princípio, desenvolva o seu papel no que se refere a leitura, a escrita, além de fazer com que as crianças aprendam a ouvir e a falar assim, como raciocinar cada vez melhor. O aluno, ao discutir, melhora significativamente sua maneira de raciocinar assim como desenvolve as habilidades de investigação. Infelizmente, boa parte das nossas salas de aula ainda estão impregnadas por práticas tradicionais, onde o aluno que argumenta e expõe o seu pensamento é tido como perturbador. 39 Lipman e Sharp (1995) enfatizam que os alunos podem ser educados a viver melhor nos grupos sociais dos quais fazem parte, sendo mais tolerantes para com a diversidade que os cerca. Mas isso só será possível se participarem de uma comunidade de investigação comprometida, principalmente com a autocorreção, dialogando dentro da tradição filosófica. Esse diálogo terá característica de uma comunidade assim como também de uma responsabilidade e comprometimento de cada indivíduo. Em uma comunidade de investigação, todos devem estar aptos a aceitar a metodologia assim como as ideias dos colegas de maneira ética, dando razões quando necessário. Já a rejeição é tida como não ética, pois todos são sabedores que devem compreender mutuamente, sabendo da importância da ideia de cada criança ao ser discutida em uma comunidade de investigação. A comunidade de investigação está apta a trabalhar as diversas habilidades de raciocínio, de investigação, de formação de conceitos e de interpretação. Essas são exemplos de habilidades que podem ser adquiridas coletivamente. Não podemos admitir que as instituições escolares continuam submersas em uma educação tradicional, sendo que estas instituições são compostas por alunos que acompanham diariamente acontecimentos recorrentes do seu cotidiano, e por isso sentem a necessidade não apenas de inovações, mas de uma escola que dê significado para as suas vidas. O raciocinar juntos, na comunidade de investigação, evita polemicas e é algo importante para toda a vida humana, pois somos seres que necessitamos do viver em sociedade, dialogando e buscando meios para vivermos cada vez melhor nos diversos grupos sociais aos quais fazemos parte. Segundo Elias (2005, p. 16), [o] diálogo é diferente da polêmica, pois os interlocutores não buscam fazer prevalecer, a qualquer custo, seus pontos de vista e sim, buscam juntos a construção coletiva de um conhecimento maior sobre o tema em discussão. Os pontos de vistas individuais são submetidos ao exame crítico dos parceiros da comunidade de investigação e se somam ao esclarecimento do tema. O diálogo é um processo no qual os participantes se engajam em uma troca de ideias construtiva, onde o objetivo principal é aprimorar o entendimento coletivo sobre o assunto em discussão. Diferentemente da polêmica, no diálogo, os 40 interlocutores não estão focalizados em impor suas opiniões pessoais, mas sim em explorar diferentes perspectivas, identificar pontos de convergência e divergência, e trabalhar em conjunto para alcançar uma compreensão mais profunda. Vivemos e compartilhamos conhecimentos e ideias dentro de uma sociedade injusta e às vezes irracional. Não podemos esperar que crianças se comportem de maneira correta, pois as instituições que as educam seguem as normas ditadas por uma minoria e acabam esquecendo de educar a grande massa. Assim, continuam educando não para a vida em sociedade, mas para o individualismo desumano e irracional. Valoriza-se a oratória nos ambientes escolares, mas deve-se valorizar cada vez mais a arte de ouvir, pois assim a escola poderá atender e respeitar os anseios dos alunos. A instituição que mais luta por transformações sociais significativas é a escola, uma vez que as práticas realizadas em seu cotidiano têm o poder de abolir ou fortalecer os vários tipos de irracionalidades praticadas no âmbito educacional. A educação deve ter as mesmas características do mundo em que queremos viver, e o currículo deve passar por uma transformação para assim produzir tal educação. Seja em casa ou na escola a criança é vista como um ser frágil e aberto a múltiplas aprendizagens, como tal, deve ser inserida num contexto que vá garantir-lhe uma formação, emocional e intelectual adequada para que possa desenvolver-se bem, antes de tornar-se o homem ideal, adulto por excelência (Elias, 2005, p. 54) Então, o modelo de sala de aula proposto é o de uma comunidade de investigação. Esse modelo se aproxima do ideal de mundo, ou seja, da sociedade que queremos, onde haja ética, e prevalece o respeito. Consequentemente, as crianças acabam praticando os mesmos comportamentos nos diversos meios sociais que frequentam. A comunidade de investigação irá beneficiar não apenas os seres envolvidos, mas a sociedade em geral, uma vez que esse ser crítico, reflexivo e dialógico que faz parte de uma comunidade, atingirá diretamente a sociedade da qual faz parte. 1.4 Ética e moral como princípio educativo na comunidade de investigação As pessoas que não conhecem a metodologia da sala de aula transformada 41 em uma comunidade de investigação podem desprezá-la, pois acabam observando- a como uma simples conversa e não percebem que essa conversa melhora a maneira de pensar e transforma as mais simples conversas em diálogos cada vez mais críticos e reflexivos por meio do aprimoramento das habilidades de raciocínio tornando a conversa em um diálogo mais disciplinado. Conduzir as crianças para uma educação de valor significa educá-las em um contexto em que a cooperação e o dever social sejam vistos acima de tudo. Sabe-se que a competição, assim como o individualismo, torna os seres humanos cada vez mais distantes da razão que busca a Filosofia, dos pressupostos éticos de que tanto necessita. Sendo assim, “a democracia como investigação implica na união dos critérios de racionalidade e consenso conforme praticados na comunidade de investigação e são exigências maiores do que ter apenas cidadãos individuais pensativos” (Lipman, 1995, p. 356). É de fundamental importância que saibamos que apenas cultivar as habilidades de pensamento seja o suficiente para que as crianças continuem a investigar sobre os valores. É necessário que o meio em que estejam inseridas considere importante não só raciocinar, mas raciocinar cada vez melhor. Para que isso aconteça de maneira exitosa, é necessário raciocinar em grupo sobre os problemas que os rodeiam, dessa forma a formação de conceitos sobre eles tomarão rumos diferentes. As crianças que fazem parte de uma comunidade de investigação, aos poucos aprendem e internalizam habilidades. O diálogo é fundamental para que as comunidades de investigação se tornem cada vez mais justa. A maneira como dialogamos pode mudar o nosso comportamento e o comportamento das pessoas à nossa volta. Sendo assim, abandonamos alguns valores e nos agarramos a outros que sejam úteis não apenas para nós, mas para a comunidade. Em uma sala de aula onde se pretende trabalhar a investigação ética, ou seja, a comunidade de investigação é de fundamental importância que seja proporcionado um contexto que respeite o ritmo de cada aluno e o tempo necessário para a realização de deliberações. O ambiente deverá, portanto, passar por um clima não opressivo e onde se possa tranquilamente tomar decisões ou simplesmente, não as tomar. Segundo Brito (2020, p. 60), “[u]ma vez propiciado o ambiente adequado à investigação é igualmente possível relacionar a capacidade de desenvolver um 42 melhor juízo com a frequência com que se o coloca em prática”. A ética é considerada um dos principais ramos da Filosofia, trata-se da conduta moral. Para que a escola possa gerar uma empatia entre ela e seu corpo discente é necessário que aproveite os impulsos da criança, ou seja, daquilo que gostam de praticar e assim aprendam a praticar cada vez melhor no ambiente escolar. Por meio da comunidade de investigação, a escola pode evitar a competitividade e focar na coletividade, fazendo com que cada um colabore de acordo com o seu grau de percepção, e perceba o mundo de maneira cada vez mais inteligente. Para evitar que os alunos caiam no mecanicismo, é necessário superar a formação para a mera individualidade do aluno em favor de uma educação que o conduza a perceber sua condição de singularidade e de particularidade. Esse é o pressuposto para que o aluno se eleve de sua condição individual para uma visão de pertencimento à coletividade, à comunidade, ao gênero humano (Fávero; Centenaro, 2017, p. 56). Em qualquer disciplina escolar, pode-se investigar valores e organizar a sala de aula enquanto uma comunidade de investigação de valores. Por meio dela, os alunos poderão aprimorar suas habilidades, melhorando seus raciocínios e participando de uma mútua e importante troca de ideias. É por meio da comunidade que a criança molda o seu caráter, gerando uma mudança significativa, não apenas na escola, mas também na sociedade em que está inserida. Os indivíduos pertencentes a uma comunidade de investigação passam a agir de maneira mais justa na sociedade. Esse conjunto de hábitos aprendidos na comunidade mostra o quanto esse ambiente é importante na formação do caráter da criança. Daí a importância do trabalho na comunidade, significativo para a formação do caráter da criança. Na perspectiva de Muraro e Sousa (2019), a comunidade de investigação pode levar o aluno a pensar de maneira equilibrada e adquirir hábitos que extrapolam a sala de aula e que estimularão as demais experiências em sociedade, sempre num processo crescente e ininterrupto. É dentro da comunidade de investigação que as crianças internalizam as regras e aprendem a ouvir melhor umas às outras e se tornam mais preparadas, 43 tanto no que se refere aos seus respectivos pontos de vista como dos colegas. Dessa forma, verifica-se que o modelo de comunidade de investigação deverá ser adotado em todo o Ensino Fundamental e médio, pois é por meio dessa prática contínua que reforçamos e garantimos a continuidade dos hábitos aprendidos na comunidade de investigação. A melhor maneira para raciocinarmos é por meio do envolvimento em grupos, pois assim evitaremos alguns atos injustos e violentos, tornando seres cada vez mais aptos a viverem em uma sociedade de maneira cada vez mais harmônica. Sanchez (2011, p. 37) afirma que [e]nvolvendo as crianças em diálogos filosóficos nas comunidades de investigação, já se estaria desde cedo fazendo com que elas vivenciem um ‘modelo’ que vale pela própria democracia, com que elas se acostumem às regras democráticas da deliberação e do respeito ao próximo. O melhor meio de incentivar as crianças a pensar melhor, é sem dúvida por meio do diálogo proposto pela comunidade de investigação, pois é dentro da comunidade que o diálogo acontece de maneira disciplinada. Aqui, o professor deve ser cauteloso, pois as crianças gostam de expor as experiências sobre valores e suas vivências pessoais. Porém, tudo isso deve servir como um ponto de partida e não como ponto final da investigação. Se pretendemos ter uma educação voltada para os valores, devemos fazer da sala de aula um meio por meio do qual as crianças podem investigar dialogicamente tornando esse ambiente cada vez mais cooperativo e decente entre os seus membros. Um ambiente em que todos venham familiarizar-se, não apenas com os seus respectivos pontos de vista, mas com as opiniões dos outros. É a partir dessa vivência que o aluno começa a refletir de maneira crítica sobre o seu ponto de vista e constata-se que pode ser ruim nas assimilações de certas disciplinas. Mas ele verifica também que pode superar sua maneira de ver e agir na sociedade, se tornando cada vez mais crítico e experiente por meio de diálogos. A Filosofia seria capaz de problematizar a realidade, contribuindo inclusive para a problematização dos diferentes conteúdos as outras disciplinas e construindo uma ponte de “sentidos” capaz de unificar o currículo escolar. Ela seria, mais ainda, capaz de transformar o modo de vida das pessoas, por fazê-las capazes de pensar melhor, de investigarem com espírito crítico 44 e criativo, de serem mais razoáveis e de serem mais cuidadosas em suas relações sociais e intelectuais (Sanchez, 2018, p. 36). Fala-se em seres racionais, mas se realmente queremos que as crianças se tornem adultos mais responsáveis e racionais no que se refere aos valores, as escolas devem ensiná-las como investigar os valores, fazer com que elas descubram por si mesmas o que tem realmente valor para as suas vidas, e que tal valor venha surgir por meio de uma investigação mais refletida. É por meio da investigação que os procedimentos são internalizados e, dessa forma, contribuem de maneira cada vez mais significativa tanto para o desenvolvimento como para a racionalidade das pessoas envolvidas. As famílias estão se sentindo cada vez mais impotentes em relação à transmissão de valores, pois as gerações mais novas preferem acreditar em sua geração. E isso nos mostra que as gerações mais velhas se sentem inseguras em relação à educação de valores a serem transmitidas, e dessa forma delegam à escola a fazer aquilo que era o papel da família, ou seja, a instrução moral dos seus filhos. A combinação da educação de valores nas famílias e a participação em comunidades de investigação dialógica pode ajudar a promover o desenvolvimento moral, intelectual e social das crianças, capacitando-as a se tornarem cidadãos responsáveis e éticos. Nesse sentido, a escola se torna uma das principais instituições de apoio para as famílias. Algumas pessoas podem se questionar se a instituição escolar estaria apta a trabalhar na transformação dos seus discentes, para que eles se tornem cidadãos cada vez melhores. Porém, a escola ainda não está totalmente preparada para fornecer os princípios morais, que é algo pessoal e de responsabilidade dos pais. A escola não quer carregar consigo acusação de estar sendo omissa na preparação de valores e muito menos ser acusada de uma doutrinação para com seus discentes. Se os professores adotam quaisquer princípios éticos particulares e os impõem a seus alunos, ficam sujeitos à acusação de doutrinação. Por outro lado, se os professores se recusam a adotar esses princípios ou se os questionam abertamente, ficam sujeitos à acusação de que estão ensinando as crianças a acreditarem que os valores são meramente relativos ou subjetivos. Em suma, a escola não quer ser acusada de doutrinação, seja por algum sistema absoluto de valores, seja por uma 45 abordagem relativista de valores (Lipman, 1990, p. 92‒93). Constata-se que as escolas têm razão de se preocuparem. Estão sempre prontas para ajudar seus alunos a se tornarem cidadãos cada vez melhores. Porém são conhecedoras de que ainda não estão totalmente prontas para suprir a necessidade que as crianças têm dos valores pessoais, de responsabilidade dos familiares. Se torna cada vez mais notório que as barbáries podem diminuir de maneira significativa se as pessoas, desde pequenas, começarem a dialogar e raciocinar de maneira mais inteligente, juntas, para que, a partir desse raciocínio socializado, alcancem uma democracia viável para todos os seres humanos. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular, [c]onforme vivem suas primeiras experiências sociais (na família, na instituição escolar, na coletividade), constroem percepções e questionamentos sobre si e sobre os outros, diferenciando-se e, simultaneamente, identificando-se como seres individuais e sociais (Brasil, 2018, p. 9). Para que as crianças façam cada vez mais uso da razão, é necessário fazermos com que reflitam e que a internalizem. O cultivo dessa racionalidade deve acontecer em uma comunidade de investigação, ou seja, dentro de uma sala de aula transformada em uma comunidade de raciocínios. Se não podemos ensinar as crianças a raciocinar, podemos envolvê-las, por meio de ferramentas e procedimentos, em uma investigação ética, dessa forma estarão envolvidas em práticas cada vez mais racionais. É por meio do envolvimento na investigação dialógica que a criança irá aprimorar suas habilidades. É por meio do envolvimento do aluno em um diálogo disciplinado e raciocinando que ele é desafiado a pensar de maneira mais racional e desenvolver suas habilidades cognitivas. Dessa forma, ele é treinado a pensar de maneira crítica e a ouvir cuidadosamente as outras pessoas assim como valorizando e levando em conta os pontos de vista dos outros. Se chegássemos diante de uma comunidade de investigação madura, poderíamos encontrar [c]rianças ouvindo e construindo as ideias uns dos outros; dando e 46 analisando razões; apoiando argumentos; ajudando uns aos outros a formular perguntas e ampliar pontos de vista; apoiando a hipótese de alguém com um exemplo, desafiando os outros com um exemplo contrário; criando tempo e espaço para vozes tímidas se expressarem e para vozes agressivas se tornarem mais reflexivas e atenciosas; e mostrando, de várias maneiras, que eles estão preocupados com a estrutura e o procedimento da investigação quanto com seu conteúdo (Splitter; Sharp, 2001, p. 32). Os alunos que aprendem por meio de uma comunidade de investigação quando adultos se tornam mais éticas, pois aprendem a viver com mais seriedade. Essas pessoas, quando adultas, se preocupam não apenas como cada uma irá viver individualmente, mas coletivamente. Uma parcela significativa de pais deseja que os filhos se tornem capazes de possuir, de adquirir aquilo o melhor para as suas vidas. No entanto, será que aquilo que eles buscam e gostam é realmente o melhor para eles? É necessário que os alunos aprendam a agir e conviver uns com os outros de maneira cada vez mais ética. As crianças tendem a não gostar da maneira como são impostos os valores pelos adultos, mas podemos fazer com que aprendam por si só. A partir dessa descoberta, podem fazer uso desses valores, que não foram impostos por adultos, mas trata-se de uma descoberta por meio da investigação dialógica e cooperativa. Como informa Silva (2012), nos últimos anos, vários estudos demonstraram que as crianças devem ser vistas como indivíduos com características e pensamentos próprios, cabendo ao adulto apenas auxiliá-las a compreenderem a si mesmas e ao mundo que as cercam. Nesse sentido, a escola deve encorajar as crianças desde cedo a pensar filosoficamente sobre o que é importante não apenas para si, mas para a coletividade. É por meio dessa coletividade organizada que a escola formará cidadãos cada vez mais responsáveis e reflexivos. Quando a escola se organiza para encorajar as crianças, a sala de aula toma rumos diferentes. Aquelas crianças que se envolvem em um diálogo são mais comprometidas com a reflexão, seja em sala de aula ou em qualquer meio social. A internalização do diálogo por cada um dos alunos colabora com o seu agir não apenas coletivamente, mas individualmente. Para Carvalho (2014), na comunidade de investigação, a corresponsabilização pelo conhecimento produzido traduz-se na internalização dos 47 procedimentos daí decorrentes e na sua transposição para a esfera da ação. É esse o pleno significado da natureza filosófica, integrada e prática da conceção do pensamento crítico. A criança irá descobrir sobre o jeito correto de ser, pensar e agir a partir do seu envolvimento na comunidade de investigação. É por meio da comunidade que a criança irá aprimorar o seu modo de ser e de ver o mundo a sua volta. 1.5 O comprometimento da criança em uma investigação ética A proposta de uma investigação dialógica e organizada nos fez pensar que as crianças não apenas podem, mas devem, fazer Filosofia. De acordo com cada faixa etária, a criança se engaja em uma investigação ética e, aos poucos, vai se desprendendo dos diversos tipos de falácias que lhe são apresentadas diariamente e que podem corrompê-las, pois muitas dessas falácias têm o objetivo apenas de doutrinar. Os alunos fazem coisas que, ao pensamento adulto, parecem impossíveis. Eles expressam questionamentos metafísicos, questionamentos que, aos olhos filosóficos, dão início a uma investigação filosófica acerca da natureza, constituição e estruturas básicas da realidade que as cercam e assim deixam o adulto cada vez mais perplexo. Alguns exemplos: 1) Perguntas sobre a origem do universo: os alunos desde perguntam de onde viemos e como o mundo começou. Essas perguntas desafiam as noções estabelecidas pelos adultos e podem levar a reflexões filosóficas sobre a existência e a natureza da realidade. 2) Pensamento criativo e imaginativo: os alunos têm uma capacidade incrível de pensar de forma criativa e imaginativa. Podem criar histórias e cenários completamente fora da realidade cotidiana, levantando questões sobre a natureza da ficção e da imaginação. 3) Questões sobre a moralidade e a justiça: os alunos fazem perguntas sobre o certo e o errado, a justiça e a igualdade. Podem questionar por que algumas ações são consideradas boas e outras más, levando a discussões filosóficas sobre ética e moralidade. 4) Reflexões sobre a vida e a morte: frequentemente, os alunos 48 expressam curiosidade sobre a vida e a morte. Elas podem se perguntar sobre o significado da vida e o que acontece depois que morremos, explorando questões existenciais e metafísicas. Como afirma Gaarder (2012), para as crianças, o mundo é algo novo, desperta admiração. Entretanto, nem todos os adultos enxergam o mundo dessa forma, vivenciando-o como algo absolutamente normal. O modelo de educação vigente tem demonstrado suas fra