FACULDADE DE CIÊNCIAS – CAMPUS DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PARA A CIÊNCIA ALEX RODRIGUES DA SILVA INVESTIGAÇÃO DA PRÓPRIA PRÁTICA DOCENTE POR MEIO DA ANÁLISE NARRATIVA: UM ESTUDO E PROPOSTA DE SEUS PROCESSOS INVESTIGATIVOS Bauru 2022 ALEX RODRIGUES DA SILVA INVESTIGAÇÃO DA PRÓPRIA PRÁTICA DOCENTE POR MEIO DA ANÁLISE NARRATIVA: UM ESTUDO E PROPOSTA DE SEUS PROCESSOS INVESTIGATIVOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Educação para Ciência da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação para a Ciência. Área de Concentração: Ensino de Ciências. Orientadora: Profa. Dra. Fernanda Cátia Bozelli Coorientadora: Profa. Dra. Maria Ednéia Martins Bauru 2022 Silva, Alex Rodrigues da. Investigação da própria prática docente por meio da análise narrativa: um estudo e proposta de seus processos investigativos/ Alex Rodrigues da Silva, 2022 154 f.: il. Orientadora: Fernanda Cátia Bozelli Dissertação (Mestrado)– Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2022 1. Investigação da própria prática. 2. Formação docente. 3. Análise narrativa. 4. Formação continuada. 5. Desenvolvimento profissional. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. ALEX RODRIGUES DA SILVA INVESTIGAÇÃO DA PRÓPRIA PRÁTICA DOCENTE POR MEIO DA ANÁLISE NARRATIVA: UM ESTUDO E PROPOSTA DE SEUS PROCESSOS INVESTIGATIVOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Educação para Ciência da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação para a Ciência, sob orientação da Profa. Dra. Fernanda Cátia Bozelli e coorientação da Profa. Draa. Maria Ednéia Martins Banca examinadora: ______________________________________________ Profa. Dra. Fernanda Cátia Bozelli Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus Bauru Orientadora ______________________________________________ Profa. Dra. Maria Ednéia Martins Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus Bauru Coorientadora ______________________________________________ Profa. Dra. Talamira Taita Rodrigues Brito Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB ______________________________________________ Profa. Dra. Odete Pacubi Baierl Teixeira Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus Guaratinguetá Dedico esta pesquisa a minha mãe Ednéia e minha irmã Andréia, pelos fins de semana de ausência. Ao meu esposo Wandreson por toda a paciência e compreensão. E a minha grande amiga Fanny (em memória). AGRADECIMENTOS A Deus. À Profa. Dra. Fernanda Cátia Bozelli, minha orientadora, que admiro muito, que me incentivou e me apoiou em todo o processo do mestrado, não me deixando desistir e fazendo com que eu enxergasse meu potencial. Muito obrigado pela paciência, persistência, por todo o conhecimento compartilhado e carinho que teve comigo durante essa jornada desafiadora. Sempre serei grato do fundo meu coração e a guardarei como exemplo de ser humano e profissional. À Profa. Dra. Maria Ednéia Martins, minha coorientadora, muito obrigado por todo o conhecimento compartilhado, todo o apoio dispendido a mim e pela inspiração que suas aulas me proporcionaram. À direção, à coordenação, aos professores e aos demais funcionários do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência - Faculdade de Ciências - Departamento de Educação – UNESP - Bauru, pelo incentivo e apoio a esta pesquisa. Aos membros da Banca Examinadora: Profa. Dra. Talamira Taita Rodrigues Brito, Profa. Dra. Odete Pacubi Baierl Teixeira, Prof. Dr. Leandro Londero da Silva, Profa. Dra. Sílvia Nogueira Chaves, por aceitarem o convite para comporem a banca de defesa desta dissertação e pelas valiosas contribuições realizadas. A Andréia Fernandes Prado, Francisca Taísa Oliveira da Silva, Roseli Pereira de Araújo, Telma Cristina Dias Fernandes e Sioneia Rodrigues da Silva por aceitarem participar da constituição dos dados dessa pesquisa, sem vocês ela não teria sido possível. Aos membros do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (GPEC), professores e colegas discentes, pelas valiosas discussões sobre o ensino de Ciências e Matemática e a formação de professores, licenciados, mestres, doutores e pós- doutores nesta área, bem como pela colaboração e motivação em todos os momentos. Aos colegas do curso de Pós-Graduação em Educação para Ciência (UNESP), pelas leituras, discussões e trocas de experiências. Agradecimento especial à CAPES – Coordenação de Apoio ao Pessoal do Ensino Superior, ao CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, PROGRAD - Programa dos Núcleos de Ensino - Pró-Reitoria de Graduação da UNESP - Campus de Bauru/SP e ao Movimento de Cooperação Educativa (MCE). A toda a gestão, funcionários, professores e alunos da Escola Estadual Professora Vera Braga Franco Giacomini pelo apoio e torcida durante minha pesquisa, em especial a minha grande amiga Graziele Raíza pelos momentos de desabafo e pelo auxílio com a revisão do inglês e português. Agradeço ao meu esposo Wandreson José Rodrigues por sempre estar ao meu lado me apoiando e incentivando. Minha mãe Ednéia Martins da Silva e minha irmã Andréia Rodrigues da Silva Machado, por todo o apoio e compreensão. Amo vocês. A todos os demais parentes e familiares pelas orações, torcida e compreensão, em especial meu cunhado Oscar pela ajuda nas aulas de inglês. “É experiência aquilo que “nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação.” Larrosa (2002, p. 25-26) SILVA, Alex Rodrigues da. Investigação da própria prática docente por meio da análise narrativa: um estudo e proposta de seus processos investigativos. Orientador: Fernanda Cátia Bozelli. 2022. 154 f. Dissertação (Mestrado em Educação para Ciência) – Faculdade de Ciências, Programa de Pós-Graduação em Educação para Ciência, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2022. RESUMO Apesar da notória importância da Astronomia no ensino da Geografia, constando sua ligação intrínseca nos Parâmetros Curriculares Nacionais e na Base Nacional Comum Curricular para os ensinos fundamental e médio, ainda é difícil encontrar cursos de formação inicial e continuada que preparem o docente para o ensino de Astronomia. Nesse sentido, como um professor de Geografia atua diante de um currículo em que se faz presente o ensino de Astronomia? Em que medida os cursos de formação continuada estão impactando na formação dos professores? Como vêm se dando o desenvolvimento profissional docente? Partindo deste contexto investigativo como pano de fundo, esta pesquisa teve como intuito compreender em que medida a investigação da própria prática docente por meio de narrativas pode promover o desenvolvimento profissional docente? A pesquisa, de abordagem qualitativa, foi realizada por meio do método da análise narrativa tendo como base a teoria da investigação da própria prática docente, a partir da análise da própria prática do professor/pesquisador, durante o período em que participou do curso de formação continuada Diário da Céu (UNESP/Bauru). A constituição dos dados se deu por meio de entrevista pública, em que o professor/pesquisador foi interpelado por cinco entrevistadoras que participaram do curso de formação continuada “Diário do Céu”, resultando, após a transcrição em uma narrativa da entrevista, que foi analisada por meio da análise narrativa de narrativas. Por meio dos resultados é possível destacar a importância da análise da própria prática docente, uma vez que possibilita a compreensão do passado e na forma como se age no presente e o quanto isso reflete no desenvolvimento profissional. Ainda, a importância do trabalho colaborativo para pesquisas desta natureza, dos cursos de formação continuada. A pesquisa também revelou alguns desafios, como a dificuldade da realização da análise da própria prática, a compreensão de como ocorre ou pode ocorrer o desenvolvimento profissional, o qual está ainda arraigado na concepção do “outro” ser o responsável pela sua evolução e desenvolvimento, bem como pela desmistificação do distanciamento do pesquisador e seu objeto de pesquisa. Palavras-chave: Investigação da própria prática. Formação docente. Análise narrativa. Formação continuada. Desenvolvimento profissional. SILVA, Alex Rodrigues de. Investigation of the teaching practice itself through narrative analysis: a study and proposal of its investigative processes. Orientador: Fernanda Cátia Bozelli. 2022. 154 f. Dissertation (Master in Science Education) - Faculty of Sciences, Graduate Program in Science Education, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2022. ABSTRACT Despite the notorious importance of Astronomy in the teaching of Geography, with its intrinsic connection in the National Curricular Parameters and in the National Curricular Common Base for elementary and secondary education, it is still difficult to find initial and continuing training courses that prepare teachers for the teaching of Astronomy. In this sense, how does a Geography teacher act in the face of a curriculum in which the teaching of Astronomy is present? To what extent are continuing education courses impacting teacher education? How has the professional development of teachers been taking place? Based on this investigative context as a background, this research aimed to understand to what extent the investigation of teaching practice itself through narratives can promote teaching professional development? The research, with a qualitative approach, was carried out using the narrative analysis method, based on the theory of investigation of the teaching practice itself, based on the analysis of the teacher/researcher's own practice, during the period in which he participated in the continuing education course Diário da Céu (UNESP/Bauru). The constitution of the data took place through a public interview, in which the teacher/researcher was questioned by five interviewers who participated in the continuing education course “Diário do Céu”, resulting, after transcription into a narrative of the interview, which was analyzed through narrative analysis of narratives. Through the results, it is possible to highlight the importance of analyzing the teaching practice itself, since it allows the understanding of the past and the way in which one acts in the present and how much this reflects on professional development. Also, the importance of collaborative work for research of this nature, of continuing education courses. The research also revealed some challenges, such as the difficulty of carrying out the analysis of the practice itself, the understanding of how the professional development occurs or can occur, which is still rooted in the conception of the “other” being responsible for its evolution and development, as well as the demystification of the distance between the researcher and his research object. Keywords: Investigation of the practice itself. Teacher training. Narrative analysis. Continuing training. Professional development. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Contraste entre dois tipos de análise de dados narrativos ...................... 71 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Habilidades da BNCC do ensino fundamental que subsidiaram o levantamento bibliográfico na busca por pesquisas que relacionaram a Astronomia com a Geografia. ..................................................................................................... 35 Quadro 2 – Classificação dos saberes docentes ..................................................... 49 Quadro 3 – Sistematização das teorias/ métodos utilizados para a elaboração e análise da narrativa de análise. ................................................................................ 74 Quadro 4 – Sistematização das unidades temáticas estabelecidas......................... 77 LISTA DE ABREVIATURAS OU SIGLAS APM Associação de Professores de Matemática BNC-Formação Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica BNCC Base Nacional Comum Curricular CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CBEF Caderno Brasileiro de Ensino de Física CNE Conselho Nacional de Educação CP Código Penal DCN Diretrizes Curriculares Nacionais DE Diretoria de Ensino EF Ensino Fundamental ENEM Exame Nacional do Ensino Médio GE Geografia GPEC Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências GTI Grupo de Trabalho de Investigação LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LIBRAS Língua Brasileira de Sinais PEI Programa de Ensino Integral PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio PCNP Professora Coordenadora de Núcleo Pedagógica PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência RELEA Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia RBEF Revista Brasileira de Educação em Física SAB Sociedade Astronômica Brasileira SBF Sociedade Brasileira de Física SNEA Simpósio Nacional de Educação em Astronomia TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UEG Universidade Estadual de Goiás UERG Universidade Estadual do Rio Grande UERN Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UFG Universidade Federal de Goiás UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UFU Universidade Federal de Uberlândia UNESP Universidade Estadual Paulista USP Universidade de São Paulo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 17 2 A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES NO BRASIL E O ENSINO DE ASTRONOMIA NA GEOGRAFIA ................................................. 27 2.1 Formação inicial e continuada de professores no Brasil: um breve histórico .27 2.2 O ensino de Astronomia e Geografia ............................................................. 31 3 O MOVIMENTO DO PROFESSOR EM RELAÇÃO A SUA PRÁTICA E A SUA FORMAÇÃO ..................................................................................................... 38 3.1 O Professor Reflexivo de Donald Schön ........................................................ 39 3.2 O Professor Pesquisador por John Elliott e o método de pesquisa-ação ....... 42 3.3 O Professor Investigador por Pedro da Ponte ............................................... 44 3.4 Os Saberes Docentes .................................................................................... 48 4 AS NARRATIVAS E SUA RELEVANCIA PARA A INVESTIGAÇÃO DA PRÓPRIA PRÁTICA ......................................................................................... 52 4.1 Origem e fundamentos das narrativas ........................................................... 56 4.2 As Narrativas autobiográficas ........................................................................ 58 4.3 O positivismo e a importância das narrativas ................................................. 62 5 METODOLOGIA DA PESQUISA ...................................................................... 64 5.1 Entrevista pública como método de constituição de dados ............................ 65 5.2 Análise da narrativa ....................................................................................... 70 6 NARRATIVA DE ANÁLISE ............................................................................... 80 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... 92 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 97 APÊNDICES .......................................................................................................... 106 APÊNDICE A – Narrativa Autobiográfica ............................................................... 106 APÊNDICE B – Termo De Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) .................. 114 APÊNDICE C – Narrativa da entrevista.................................................................. 118 17 1 INTRODUÇÃO O ser humano é capaz de estabelecer relações complexas com o mundo que o circunda e, devido a várias razões e necessidades, desde os tempos primitivos, nas viagens por terra, procurava orientação pelos astros para se deslocar. E, quando as condições ambientais o permitiam, tinha como pontos de referência os acidentes geográficos ao seu redor. A caminhada, muitas vezes longa, era uma necessidade para a busca de alimentos ou abrigo (SCHERMA; FERREIRA, 2011). Nesse sentido, a Astronomia sempre esteve presente na história da humanidade mantendo relação direta em questões intrínsecas à Geografia, como definido por Maguelniski e Foetsch (2019, p. 58) “a Astronomia se caracteriza como precursora da Geografia quanto aos estudos de muitos fenômenos naturais que afetam diretamente a vida humana e sua organização no espaço”. Os povos primitivos sempre utilizaram elementos relativos à Astronomia, estabelecendo relação entre os movimentos dos astros com as suas ações diárias, as quais se baseavam na ocorrência de fenômenos naturais, dentre os quais se destacavam o ciclo dia e noite, as diferentes estações do ano, as fases da Lua, gerando implicações para mudanças climáticas, para a navegação, para a agricultura, para a orientação espacial, dentre outras atividades (MAGUELNISKI; FOETSCH, 2019). Os viajantes das grandes navegações se aventuraram pelos mares utilizando os astros para se orientar, além de utilizar alguns instrumentos que auxiliavam na orientação como o astrolábio e a bússola (CANIATO, 2010; FERNANDES; LONGHINI; MARQUES, 2011; FAULHABER, 2004). Nessa perspectiva, Geografia e Astronomia representam áreas do conhecimento científico que têm caminhado juntas durante séculos de existência da humanidade remontando conhecimentos comuns desde épocas longínquas, porém só alcançando reconhecimento científico com o advento da sociedade grega, tornando-se indissociáveis (CAVALCANTE, 2012). Durante o século XIX e primeira metade do século XX no Brasil, conteúdos astronômicos já figuravam em disciplinas específicas e associadas a Geografia, por meio da influência de currículos europeus. Contudo, estas disciplinas não conseguiram se legitimar como disciplinas fixas, sendo descontinuadas a partir da década de 30 com a reforma de Francisco Campos e a criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública (MAGUELNISKI; FOETSCH, 2019; SOBREIRA, 2006). 18 Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para o ensino de Geografia, no Ensino Fundamental, é colocado como um dos objetivos da área disciplinar que o aluno precisa “perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente” (BRASIL, 1998, p. 7). Este objetivo é explicitado no eixo temático “O estudo da natureza e sua importância para o homem”, concluindo que, [...] assim, torna-se importante para o aprendizado que o aluno possa construir raciocínios lógicos sobre as leis que regulam o universo dos fenômenos naturais, reconhecendo a relevância desse conhecimento tanto para a continuidade do avanço das ciências da natureza como para a sua vida prática (ibid, p. 60). Em outros eixos temáticos relacionados ao clima, vegetação e aquecimento global, os conhecimentos provenientes da Astronomia também se fazem presentes no tocante aos temas ligados ao meio natural, os quais estão intrinsecamente ligados ao balanço de radiação solar na Terra. Como já era apontado no PCN, para os anos finais do ensino fundamental em 1998: À medida que o aluno compreende as leis que regulam a dinâmica do tempo atmosférico, a sucessão das estações do ano e dos climas, estará, também, em condições de compreender suas relações com as diferentes paisagens vegetais e a zonalidade dos tipos de solos, assim como a organização das bacias hidrográficas e o regime dos seus rios (BRASIL, 1998, p. 61). Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), na área de Geografia, os conteúdos relacionados a Astronomia estão relacionados as competências e habilidades de “analisar e comparar, interdisciplinarmente, as relações entre preservação e degradação da vida no planeta, tendo em vista o conhecimento da sua dinâmica” (BRASIL, 2000, p. 35). Ou seja, compreender a si mesmo como agente transformador do planeta, compreendendo seus sistemas naturais e a preservação dos mesmos para a manutenção da vida na Terra, compreendendo sua singularidade em relação aos demais, sendo o único em nosso sistema solar, capaz de sustentar a vida humana. No documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Fundamental, os conhecimentos apontados pelos PCN e PCNEM contextualizam o raciocínio geográfico como: 19 [...] uma maneira de exercitar o pensamento espacial, aplica determinados princípios [...] para compreender aspectos fundamentais da realidade: a localização e a distribuição dos fatos e fenômenos na superfície terrestre, o ordenamento territorial, as conexões existentes entre componentes físico- naturais e as ações antrópicas (BRASIL, 2016, p. 359). A relação entre conhecimentos da Geografia e Astronomia aparecem como saberes relacionados as dinâmicas naturais do planeta e das suas implicações para a vida cotidiana em todo o percurso formativo, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio por meio de conceitos de estruturação do meio físico natural, discussões ambientais e desastres naturais, natureza e sustentabilidade. A temática também está presente em documentos oficiais para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio do estado de São Paulo, em que a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo indica situações de aprendizagem de conteúdos relativos à cartografia, na Geografia, e à Astronomia enfatizando seus objetivos conceituais (conceitos geográficos, cartográficos e astronômicos), procedimentais (observação sistemática do céu, descrição, representação, localização e orientação em distintos espaços da escola) e atitudinais (distintas representações do objeto de estudo, representação e localização dos lugares mais próximos e familiares do aluno, conservação, preservação e exploração coerente dos espaços e valorização do trabalho em equipe). Contudo, percebe-se que muitas limitações no processo de ensino e aprendizagem de tais conteúdos, ainda, perduram no âmbito escolar, seja por razões metodológicas e/ou técnicas (SCHERMA; FERREIRA, 2011). Ainda, neste contexto, de compreender as relações que se estabelece entre a Geografia e a Astronomia e como se materializa nos contextos de formação e atuação docente, em termos de busca por estudos, há um cenário de escassez nas discussões que envolvem essa relação. Notoriamente, a grande maioria dos trabalhos que se interessam pelo ensino de Astronomia são realizados por pesquisadores da área do ensino de Física, e, mesmo podendo apresentar relação com conteúdos da Geografia, a mesma raramente é citada, conforme levantamento bibliográfico realizado e que será apresentado no capítulo 2.2. Essa situação permitiu o seguinte questionamento: Por que a Geografia é silenciada no discurso que perpassa pelo ensino de Astronomia? Por que a Astronomia é articulada como área de conhecimento correlata ou afim a da Física? 20 Outro ponto instigante, segundo pesquisas realizadas por Scherma e Ferreira (2011), Langhi e Nardi (2014) e Sobreira (2002) apontaram lacunas na formação inicial e continuada de professores da Educação Básica, tanto na área da Geografia quanto na área das Ciências Naturais, em especial, no campo do ensino de Astronomia, culminando em erros conceituais referentes aos conceitos e metodologias sobre fases da Lua, estações do ano e movimentos dos astros na abóboda celeste, que implicam diretamente na compreensão da localização e orientação espacial e geográfica, próprios da cartografia e da Astronomia observacional, e no entendimento das dinâmicas naturais do nosso planeta. Sobreira (2015) aponta que, dentre os 94 cursos de Geografia em universidades públicas do Brasil, entre os anos de 2012 e 2013, apenas 12 universidades ofereciam 28 cursos de Geografia e que continham disciplinas introdutórias à Astronomia, sendo 10 em cursos de bacharelado e 22 em cursos de licenciatura. Os dados levantados em 2015 são ainda mais alarmantes, pois apresentam um decréscimo constando, agora, somente nove (09) universidades (UFRN, UFSC, UFG, UFRJ, UFRGS, UERG, USP, UERN e UEG) oferecendo 23 cursos com introdução à Astronomia (12 cursos obrigatórios e 11 optativos) em 08 bacharelados e 19 licenciaturas, sendo que 03 cursos apresentavam duas disciplinas voltadas para a Astronomia. Neste aspecto se destacam as Instituições de Ensino Superior de Goiás, a UFG, que conta com 3 campus e a UEG com 10 campus com cursos de introdução a Astronomia em cursos de Graduação de Geografia. O autor salienta que algumas das causas do decréscimo da oferta de disciplinas de Astronomia nos cursos de graduação em Geografia se deve ao fato da falta de professores habilitados, a aposentadoria de vários profissionais, a demora no preenchimento de vagas e a troca de vagas das disciplinas de Astronomia por outra disciplina, que se dá principalmente pela resistência dos professores de Geografia Humana em aceitar a importância dos conceitos Astronômicos. Ainda, segundo o autor, outro ponto agravante é que apenas a UFG, UEPG e a UFSC possuem professores em Astronomia pertencentes ao curso de Geografia. Nas outras seis universidades as disciplinas são oferecidas por Departamentos/Instituições de Astronomia e/ou Física o que corrobora com as pesquisas de Soares, Silva e Figueiredo Filho (2017) e Longhini, Gomide e Fernandes (2013) que mostram que, majoritariamente os trabalhos produzidos em ensino de Astronomia são realizados por pesquisadores que tem como origem a formação em 21 Física nas universidades públicas localizadas, principalmente, na região sudeste do Brasil, apesar da maioria dos doutores terem se pós graduado na área de ensino. Considerando o âmbito da formação de professores para os Anos Iniciais e Finais do ensino fundamental, as Diretrizes Curriculares Nacionais, Parecer CNE/ CP 9/2001, aponta que: Ninguém promove a aprendizagem de conteúdos que não domina nem a constituição de significados que não possui ou a autonomia que não teve oportunidade de construir. É, portanto, imprescindível que o professor em preparação para trabalhar na educação básica demonstre que desenvolveu ou tenha oportunidade de desenvolver, de modo sólido e pleno, as competências previstas para os egressos da educação básica, tais como estabelecidas na LDBEN e nas diretrizes/parâmetros/referenciais curriculares nacionais da educação básica. Isto é condição mínima indispensável para qualificá-lo como capaz de lecionar na educação infantil, no ensino fundamental ou no ensino médio (BRASIL, 2001, p. 37). Sendo assim fica evidente a importância da oferta de curso de Astronomia na formação inicial do professor de Geografia, tendo em vista a Resolução CNE/CP 1/ 2002, que dispõe em seu artigo 5.º sobre o projeto pedagógico de cada curso, constando no inciso; “I - a formação deverá garantir a constituição das competências objetivadas na educação básica; II - o desenvolvimento das competências exige que a formação contemple diferentes âmbitos do conhecimento profissional do professor” (BRASIL, 2002, p. 2) A importância de uma formação sólida e condizente com os conteúdos que o professor deve ministrar são salientados também na Resolução CNE/CP n.º 02/2015, que dispõem sobre as diretrizes para a formação de professores, em seu artigo 8.º inciso IV, quando explana que os alunos egressos dos cursos de formação inicial em nível superior devem estar aptos a “dominar os conteúdos específicos e pedagógicos e as abordagens teórico-metodológicas do seu ensino, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano” (BRASIL, 2015, p. 8) e em seu artigo 9.º, parágrafo 2.º, quando aponta que “a formação inicial para o exercício da docência e da gestão na educação básica implica a formação em nível superior adequada à área de conhecimento e às etapas de atuação” (BRASIL, 2015, p. 9). Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica, que institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação) (Resolução CNE/CP n.º 02/ 22 2019) em seu artigo 4.º aborda três dimensões fundamentais da ação docente, sendo uma delas o conhecimento profissional, que, por sua vez, é esmiuçada e desdobrada no parágrafo 1.º em quatro competências específica, na qual a primeira se refere a “dominar os objetos de conhecimento e saber como ensiná-los” (BRASIL, 2019, p. 2) Considerando o disposto nos documentos das Diretrizes em relação aos conhecimentos que são necessários para a formação dos alunos da educação básica torna-se preocupante pensar que os cursos de formação inicial de Geografia não ofereçam conhecimentos sobre Astronomia, o que pode culminar em desafios e até replicação de concepções espontâneas que não são coerentes com o conhecimento científico. Nesse sentido, como um professor de Geografia que não teve em sua formação inicial, formação para o ensino de Astronomia, atua diante de um currículo em que este conhecimento está pressente? Qual a importância de cursos de formação continuada para o ensino de Astronomia em um contexto em que este ainda não conseguiu se legitimar como componente curricular na educação básica, nem como componente curricular para os cursos de formação? Em que medida a formação para o ensino de Astronomia em condição de formação continuada dá conta de tantos aspectos importantes para a formação dos alunos? Como a reflexão do professor que participar de cursos de formação continuada sobre sua própria prática pode auxiliar em sua atuação e desenvolvimento profissional1? Essas são algumas das questões que foram desenhando a pesquisa e que possibilitaram pensar sobre a articulação entre o ensino de Astronomia e Geografia e a formação e atuação docente, bem como sobre o desenvolvimento profissional docente a partir, então, da análise da própria prática. A análise da própria prática pode ser encontrada na literatura sob a forma de diferentes nomenclaturas, tais como: professor pesquisador (FAGUNDES, 2016; ANDRÉ, 2001), professor reflexivo (FAGUNDES, 2016; SCHÖN, 1992; ALARCÃO, 1996), Professor Investigador (PONTE, 2008; OLIVEIRA; SERRAZINA, 2002), 1 Para os fins desta pesquisa, o termo desenvolvimento profissional será empregado segundo os estudos de Day (2002), que o caracteriza como um processo complexo que pode variar de acordo com as peculiaridades de cada indivíduo, as circunstâncias nas quais ele está envolvido, suas histórias pessoais e profissionais, bem como suas disposições atuais, podendo ocorrer ora de forma natural e evolutiva, ora de forma planejada, sendo constituído de forma contínua por meio de diferentes tipos de aprendizado, tanto formais quanto informais, que o auxiliará em seus processos de revisão, renovação e aprimoramento de pensamentos e prática, comprometendo-se de coração e mente, concentrando-se em propósitos pessoais e profissionais, individuais e necessidades coletivas. 23 pesquisa-ação, investigação-ação, dentro outros. Segundo André (2001), embora essas teorias busquem enfatizar pontos diferentes (que serão explicitados e debatidos mais à frente nesta pesquisa), ambas possuem um ponto em comum: [...] todas elas valorizam a articulação entre teoria e prática na formação docente, reconhecendo a importância dos saberes da experiencia e da reflexão crítica na melhoria da prática, atribuem ao professor um papel ativo no processo de desenvolvimento profissional, e defendem a criação de espaços coletivos para desenvolver comunidades reflexivas (ANDRÉ, 2001, p. 56). Vale ressaltar que a reflexão crítica se caracteriza como um ponto chave para a ação docente. De acordo com Oliveira e Serrazina (2002) a associação entre a reflexão e a prática do professor teve como um de seus precursores John Dewey. Para ele, a reflexão docente deveria implicar em um espírito aberto para compreender novas alternativas e admitir erros, responsabilidade na mensuração de suas ações e empenho para balizar suas atitudes, ocorrendo de fato a prática reflexiva quando sujeita a existência de um problema real, o qual deve ser investigado na procura por soluções (OLIVEIRA; SERRAZINA, 2002; DEWEY, 1910). Este movimento criou força na final do século XIX e, ainda hoje, é discutido e pesquisado em diversos países da Europa e América passando, até mesmo, a balizar a formação de professores e currículos (FAGUNDES, 2016). Além da possibilidade de pensar sobre a própria prática a partir da reflexão, o que culminou em diferentes teorias envolvendo o professor como profissional reflexivo, o pesquisador João Pedro da Ponte, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em Portugal, em seu Grupo de Trabalho e Investigação (GTI) abordou o termo “Investigação da Própria Prática” para caracterizar uma forma de pesquisa que se propõe a investigar os problemas decorrentes da prática docente por meio da análise da própria prática, sem perder de vista a estrutura de metodologia das pesquisas acadêmicas, a importância da teoria, a validação pelos pares, produção de conhecimentos novos e sua divulgação, ao mesmo tempo que contribui para a autonomia profissional (PONTE, 2008). No Brasil, já é possível encontrar pesquisas que se utilizam do método narrativo, seja por pesquisadores que investigam as narrativas sobre a prática docente de outros educadores, com o intuito de explorar seus processos formativos e produção de conhecimento na relação entre investigação e prática, nos mais diversos contextos, 24 tanto no âmbito escolar em si (PASSOS; GALVÃO, 2011; SIMAS, 2021), em graduandos participantes do PIBID (BREMM; GÜLLICH, 2018), no estágio supervisionado (GUIMARÃES, 2013; SOUZA, 2004), nas narrativas online (OLIVEIRA et al., 2016), nos cursos EAD (MAGALHÃES et al., 2012); na pós-graduação (MOREIRA, 2011a), bem como, em menor medida, com pesquisadores que já realizaram e publicaram as análises de suas próprias práticas (SIMAS; PRADO; DOMINGO, 2018; CASTRO, 2004; FREITAS; GALVÃO, 2007), da mesma forma que se pretende realizar nesta pesquisa, porém com bases metodológicas distintas. Desse modo, esta pesquisa buscou compreender: em que medida o processo de investigação da própria prática, por um professor de Geografia, por meio da análise narrativa, pode promover o desenvolvimento profissional docente? Sendo assim, com esta pesquisa pretende-se analisar como a investigação da própria prática docente, a partir da participação em um curso de formação continuada para professores sobre ensino de Astronomia, pode auxiliar em sua prática pedagógica e desenvolvimento profissional. Dessa forma, em termos de objetivos específicos espera-se compreender, a partir de pesquisa pública, como um professor de Geografia materializa em sua prática os conhecimentos de Astronomia construídos a partir de um curso de formação continuada e reflete sobre isso; a relação que se estabelece entre os conhecimentos de Astronomia e as áreas curriculares de Geografia, Física e Ciências e que implicações isso tem para o processo de ensino e aprendizagem. De forma a compreender esse processo, foi escolhido o método de narrativas para a constituição dos dados pelo fato de potencializar e dar voz a situações e acontecimentos únicos, por desvelar circunstâncias e pontos de vista que só podem ser percebidos a partir do olhar e da voz de quem vivenciou, buscando desta forma utilizá-las, também, como ponto de reflexão. Ao narrar algo é necessário recordar e narrar sobre si e olhar para “dentro” (REIS, 2008). A importância das narrativas repousa no fato de que, por meio do método narrativo, o sujeito se converte em objeto do saber e a narrativa passa a ser um instrumento de empoderamento, autonomia pessoal e capacitação profissional, por meio da compreensão das dimensões cognitivas, afetivas e das ações do sujeito, se tornando um importante dispositivo, capaz de captar a sua identidade e conhecê-la, salientando toda a sua singularidade e dando voz ao mesmo (BOLÍVAR; DOMINGO; FERNÁNDEZ, 2001). Ao mesmo tempo, possibilita aos professores se tornarem os 25 protagonistas de seu próprio desenvolvimento por meio da investigação de sua própria prática, podendo por meio da reflexão biográfica aperfeiçoar sua prática e desenvolver sua formação. Por meio das narrativas se faz possível romper com a forma tradicionalista de se fazer pesquisa, calcada nos ideais positivista, que estabeleceu ao longo do tempo um distanciamento entre o investigador e o objeto investigado, sendo incutidos deste processo uma maior impessoalidade e objetividade. A narrativa vem negar esse processo pragmático, uma vez que os informantes falam de si mesmos, sem silenciar sua própria postura perante os fatos descritos. Resgatar a dimensão pessoal do ensino é uma forma de se opor ao anonimato impessoal visto nas pesquisas realizadas com professores. A construção do processo narrativo está intrinsecamente ligada à reflexão sobre fatos ocorridos e na rememoração dos mesmos. Neste contexto o trabalho colaborativo exerce grande importância nas narrativas, em que os membros de um grupo podem contribuir no desenvolvimento da investigação gerando uma visão mais abrangente acerca dos problemas investigados, em virtude das diferentes experiências vividas por cada um, corroborando com a rememoração de fatos e no enriquecimento das reflexões, dando origem a uma narrativa coletivizada. Desta forma, como objetivos da presente pesquisa, espera-se contribuir com a prática docente de tantos outros profissionais que possam ter vivenciado ou estarem vivenciando circunstâncias de natureza similar, bem como fomentar o campo de estudo que envolve a Investigação da própria prática docente, campo muito fértil para pesquisas em nosso país. Diante do exposto, nos próximos capítulos serão apresentados os fundamentos e as ações que possibilitaram o percurso realizado nesta pesquisa. No capítulo dois será discutida a formação inicial e continuada de professores no Brasil e o ensino de Astronomia na Geografia, abordando um breve histórico da formação de professores, bem como a problematização do despreparo dos professores para o ensino de Astronomia e o papel da Geografia no ensino de Astronomia frente aos componentes curriculares de Física e Ciências. No capítulo três será discutido o movimento da pesquisa do professor, dialogando com diferentes autores sobre a pesquisa do professor em suas diversas vertentes, trazendo apontamentos sobre a relevância da reflexão intencional realizada pelo professor e da investigação sobre a própria prática docente. 26 Subsequentemente, no capítulo quatro será trazida a narrativa, abordando seus aspectos epistemológicos e seu uso, como uma ferramenta capaz de dar voz as singularidades dos sujeitos, expressando de forma única as experiências que nos passam. No capítulo cinco serão elucidadas as abordagens metodológicas utilizadas nesta pesquisa; no capítulo seis ocorrerá a análise dos dados e, por fim, no capítulo sete serão tecidas algumas considerações sobre os resultados alcançados com esta pesquisa. 27 2 A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES NO BRASIL E O ENSINO DE ASTRONOMIA NA GEOGRAFIA De acordo com a natureza desta pesquisa, na qual o objeto de pesquisa se constitui da formação e da atuação do próprio pesquisador, é imprescindível que se expresse o panorama do campo de estudos do docente em questão em relação aos pressupostos que fundamentaram o percurso em relação a investigação da própria prática, no caso, o ensino de Astronomia na Geografia. Na busca por conhecer como esta relação estava ocorrendo no campo das pesquisas em ensino, o resultado da pesquisa bibliográfica evidenciou que grande parte dos estudos voltados para a Astronomia partem da relação com a área de conhecimento da Física (LONGHINI; GOMIDE; FERNANDES, 2013), sendo pouco explorada, articulada com a Geografia, seja como parte do currículo ou campo de conhecimento. Ao discorrer dos subcapítulos se pretende traçar um breve contexto histórico da formação inicial e continuada de professores no Brasil, estabelecendo suas implicações para o ensino de Astronomia na Geografia, bem como buscar uma visão geral deste campo de estudo. 2.1 Formação inicial e continuada de professores no Brasil: um breve histórico Considerando o povoamento pelos portugueses, a educação no Brasil passou por diversas fases, sobretudo por influências das políticas educacionais estrangeiras, inicialmente vindas da Europa, provenientes de nossa herança colonial e, posteriormente, dos Estados Unidos da América, quando passou a despontar como nova potência mundial, no período após a 2.ª Guerra Mundial (VIEIRA; GOMIDE, 2008). A educação em nosso país, no período colonial de 1549 a 1759, era de responsabilidade dos jesuítas, que possuíam uma função colonizadora e civilizadora das crianças indígenas, sendo incentivadas neste período a abertura de seminários diocesanos para a formação desses pregadores (VIEIRA; GOMIDE, 2008). Após 1759, com a reforma pombalina, a educação religiosa foi desmantelada e então surgiram as aulas régias, que simbolizavam o início das escolas públicas, 28 inspiradas no ideário de progresso científico e difusão do saber. As aulas régias eram compostas pelo ensino da literatura, escrita, cálculo e obrigações religiosas e civis, contudo, os candidatos a professor não necessitavam de nenhum diploma ou documento comprobatório de sua habilitação para lecionar (VIEIRA; GOMIDE, 2008). Somente após a independência é que a preocupação com a formação inicial de professores começou a surgir no Brasil, por meio da promulgação da Lei das Escolas de Primeiras Letras em 1827. Segundo esta lei, os professores teriam sua proficiência examinada no método de ensino mútuo, no qual deveriam se aperfeiçoar as suas próprias custas, fomentando a formação prática em detrimento da formação teórica e metodológica (VIEIRA; GOMIDE, 2008; BORGES; AQUINO; PUENTES, 2011; SAVIANI, 2009). A partir de 1834 começam a ser criadas as Escolas Normais, tendo em vista a formação de professores para atuarem nas Escolas de Primeiras Letras sofrendo, ainda, forte tendência europeia, em que este modelo já vinha sendo aplicado (VIEIRA; GOMIDE, 2008). Todavia, como aponta Saviani (2009) estas escolas, sendo de responsabilidade das províncias, tinham caráter intermitente, reabrindo e fechando ao longo dos anos, e apesar de elas deverem guiar-se pelos aspectos pedagógicos, delas continuou existindo maior preocupação com os conteúdos específicos a serem ministrados. Na década de 30 ocorre o advento dos institutos de educação buscando preparar os professores para lecionarem nas Escolas Normais, calcados nos caráteres pedagógico, didático e científico, porém mais uma vez o pedagógico é suprimido com a criação do decreto-lei n.1.190, de 4 de abril de 1939, em que é criado o “esquema 3+1”, no qual o estudante deveria cursar 3 anos de disciplinas específicas e 1 ano de disciplinas pedagógicas. Juntamente com a formação pedagógica a formação também é suprimida nos cursos de licenciatura (SAVIANI, 2009; BORGES; AQUINO; PUENTES, 2011). Concomitantemente a este cenário, na década de 30, o Brasil se consolida definitivamente como um país capitalista, sendo assim, a educação é convocada a preparar o cidadão para o mercado de trabalho evocando, assim, uma educação positivista liberal com forte influência francesa (VIEIRA; GOMIDE, 2008). Em decorrência da lei n.º 5.692/71 em 1971 as Escolas Normais são destituídas e “em seu lugar foi instituída a habilitação específica de 2.º grau para o exercício do magistério de 1.º grau” (SAVIANI, 2009, p. 147). Desta forma “para as quatro últimas 29 séries do ensino de 1.º grau e para o ensino de 2.º grau, a lei n. 5.692/71 previu a formação de professores em nível superior, em cursos de licenciatura curta (3 anos de duração) ou plena (4 anos de duração)” (SAVIANI, 2009, p. 147). Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 20 de dezembro de 1996, como alternativa aos cursos de pedagogia e licenciatura, foram instaurados os Institutos Superiores de Educação e as Escolas Normais Superiores, que preconizaram um aligeiramento da formação com cursos mais baratos de curta duração (SAVIANI, 2009). Perante os fatos apresentados até aqui fica evidente que em nosso país, ao logo de toda sua história, não se conseguiu estabelecer uma política de formação de professores que desse conta de fazer frente aos problemas educacionais enfrentados por estes. Assim, frente aos problemas da formação inicial de professores no Brasil, surge, na década de 60, os cursos de formação continuada (ALFERES; MAINARDES, 2011). Assim como o trajeto histórico da formação inicial de professores, a formação continuada também passou por diversas fases de acordo com os contextos políticos e as necessidades educacionais de cada época (ALFERES; MAINARDES, 2011). Na década de 70, no contexto da racionalidade técnica e fomentada pelo governo militar, os cursos de formação continuada tiveram uma expansão significativa devido à necessidade de mão de obra qualificada (ibid, 2011). Day (2002) aponta que esta visão tecnicista tende a ver os professores como profissionais possuindo uma base de conhecimento especializada, possuindo forte compromisso em atender as necessidades do cliente, forte identidade coletiva e autonomia profissional, muito mais próxima de um ponto de vista empresarial, em que são impostas metas crescentes concomitante a modelos orientados por competências para professores em formação e em serviço, o que acarreta uma diminuição do tempo e energia dos professores, podendo impactar diretamente na qualidade do ensino em detrimento à manutenção e elevação dos padrões por meio de um maior profissionalismo. Já na década de 80, com a abertura política, movimentos a favor da educação, do avanço científico, tecnológico e da pesquisa ganham força os cursos de formação continuada, que tem seu enfoque direcionado para a dimensão política da prática docente, buscando atender a demandas mais específicas dos docentes e garantir um aprendizado permanente (ALFERES; MAINARDES, 2011). 30 Na década de 90, no contexto de um mundo globalizado cultural e economicamente ocasionado pelo avanço tecnológico, em meio a discussões sobre o desenvolvimento profissional, o professor começa a ser visto como sujeito de sua própria prática (ROMANOWSKI; MARTINS, 2010). Surge a concepção de que os professores deveriam participar de forma ativa da construção coletiva do saber. Desta forma, a formação continuada deveria ocorrer no próprio contexto escolar, por meio da reflexão contínua sobre a própria prática, o que corrobora com o surgimento do movimento da pesquisa do professor (ALFERES; MAINARDES, 2011). Partindo deste contexto, como reiterado por Gatti (2008) e Alferes e Mainardes (2011), os cursos de formação continuada hoje se constituem, ou deveriam se constituir, muito mais do apenas “transmissores” de conteúdo, mas como fomentadores da ação e reflexão do docente sobre sua prática, estimulando o pensamento crítico sobre o contexto no qual atua, o impulsionando a buscar seu desenvolvimento contínuo. Desde a década de 60 diferentes nomenclaturas têm sido utilizadas para designar a formação dos professores após sua formação inicial, tais como: reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento, atualização e capacitação (HYPOLITTO, 2000). Contudo, estas terminologias foram caindo em desuso por questões conceituais de terminologia e de significação passando a ser utilizados os termos educação permanente, educação continuada e formação continuada, quase como sinônimos (ALFERES; MAINARDES; 2011). De acordo com a Resolução CNE/CP n.º 02/2015, em seu artigo 16.º: A formação continuada compreende dimensões coletivas, organizacionais e profissionais, bem como o repensar do processo pedagógico, dos saberes e valores, e envolve atividades de extensão, grupos de estudos, reuniões pedagógicas, cursos, programas e ações para além da formação mínima exigida ao exercício do magistério na educação básica, tendo como principal finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca de aperfeiçoamento técnico, pedagógico, ético e político do profissional docente (BRASIL, 2015, p. 13). A Resolução CNE/CP n.º 02/2015 corrobora com Romanowski e Martins (2010) quando enunciam que a formação continuada pode assumir diferentes perspectivas, como: “suprimento, atualização, treinamento, aprofundamento, pesquisa. Suprimento direcionado para formação complementar à inicial, considerada, na maioria das vezes, precária” (ROMANOWSKI; MARTINS, 2010, p. 296). As autoras reiteram, ainda, que 31 “a formação continuada no Brasil constitui um dos elementos de desenvolvimento profissional dos professores, pois complementa a formação inicial e constitui condição de acesso para níveis mais elevados na carreira docente” (ROMANOWSKI; MARTINS, 2010, p. 287). 2.2 O ensino de Astronomia e Geografia Desde os primórdios da humanidade Geografia e Astronomia demonstram ampla conexão, pois embora os conhecimentos não fossem categorizados nos tempos primitivos, os seres humanos já utilizavam os astros para se localizarem e se guiarem no espaço geográfico. Por meio das estrelas e na diferença de duração entre o dia e a noite podiam perceber a mudança de estações, se deslocando em busca de comida e abrigo e, posteriormente, para saberem as épocas corretas para plantar e colher seus alimentos (SCHERMA; FERREIRA, 2011). De acordo com Maguelniski e Foetsch (2019, p. 58), deste modo, “a Astronomia se caracteriza como precursora da Geografia quanto ao estudo de muitos fenômenos naturais que afetam diretamente a vida humana e sua organização no espaço”, sendo que na Idade Média a Cartografia se caracterizava como uma importante ponte de intersecção entre este dois campos de conhecimento e no período da Renascença, o conhecimento de ambas converge na Cosmografia que, de acordo com Sobreira (2002), é justamente a Ciência que trata das relações entre Geografia e Astronomia. Contudo, a Física também se manteve intrinsecamente ligada a Astronomia ao longo da história. A partir do século XVII a Astronomia já era vista como uma ciência independente (MAGUELNISKI; FOETSCH, 2019), porém, a Física conseguiu se manter ao seu lado de forma mais consistente desde a Idade Antiga com os filósofos naturalistas como Leucipo e Demócrito buscando hipotetizar os componentes essenciais da matéria do universo e, posteriormente, Aristóteles com a teoria da gravitação e seu modelo geocêntrico do sistema solar. Estes e tantos outros pensadores buscavam compreender a essência das cosias não só na sua dimensão terrestre, mas também na celeste. A Física, como Ciência calcada em raciocínios e formulações matemáticas teve o seu período de hiato na Idade Média, em que o progresso científico não era visto com bons olhos pela Igreja, voltando à tona no século XVI com o modelo heliocêntrico de Copérnico. Modelo este que também era defendido por Kepler sendo 32 fundamentado pelos estudos de Tycho Brahe e se consolidando na Física Moderna que conhecemos hoje. No século XVII, as observações feitas por Galileu e os estudos sobre gravitação universal e a natureza da luz realizados por Newton (OLIVEIRA FILHO; SARAIVA, 2004; BRENNAN, 1998), corroboraram para o surgimento da área de pesquisa intitulada Astrofísica, no final do século XVIII, convergindo na criação do espectroscópio (RIDPATH, 2007). No entanto, o positivismo científico no século XIX, levou a uma fragmentação do conhecimento, dando origem a diversas novas áreas (GERHARD et al., 2016; CLEMENTE, 2007). Esta fragmentação tornou a ligação entre Astronomia e Física ainda mais latente, com a especialização em áreas diferentes como a cosmologia, em detrimento à Geografia, que só passou a figurar na academia a partir do século XIX, quando ela também começa a passar por mudanças epistemológicas, que desencadearam no século XX em uma Geografia menos naturalista, física e positivista (MAGUELNISKI; FOETSCH, 2019). Todavia, segundo Sobreira (2006), a ruptura entre Astronomia e Geografia já se deu durante a Idade Média com o advento da Igreja, pois “a geografia medieval é uma extensão da Bíblia e o geógrafo um cartógrafo do fantástico” (MOREIRA, 2011b, p. 14), em que o foco dos estudiosos se voltou para cálculos de medição, retornando no renascimento, em que “o geógrafo é transformado num cartógrafo dos corpos celestes” (MOREIRA, 2011b, p. 14). Passando por diversas mudanças de paradigma ao longo do tempo como a dicotomia entre a Geografia Física e a Geografia Humana, Immanuel Kant 2 no século XVIII, lança os alicerces da Geografia científica, no qual, de acordo com Moreira (2011b), “os objetivos da geografia seriam os fenômenos da superfície terrestre, mas como esses tinham sua gênese numa escala fenomenológica que transcendia a epiderme do planeta, suas dimensões eram cósmicas” (MOREIRA, 2011b, p. 64). 2 Immanuel Kant (1724-1804) foi um filósofo prussiano considerado um dos principais filósofos da era moderna, abordando questões iam desde a moralidade até a natureza do espaço tempo, reconhecido principalmente por promover a união entre os conceitos do racionalismo e do empirismo, aliando o potencial da razão humana e a relevância da experiência, no processo de aquisição e produção de conhecimento. https://pt.wikipedia.org/wiki/Reino_da_Pr%C3%BAssia 33 Estes pressupostos foram retomados por Karl Ritter 3 e Alexander Von Humboldt 4, no século XIX, mantendo a Geografia atrelada à Astronomia. Esta relação, desde então, é defendida por diversos autores como Fenneman (1919), Dagenais (1974), Sobreira (2006) e Maguelniski e Foetsch (2019). Tais alicerces firmados por Kant confluem para os conceitos da Cosmografia e suas implicações no espaço geográfico como, por exemplo, a influência da Lua nas marés, o movimento de rotação associado a inclinação do eixo da Terra, interferência no balanço de radiação acarretando as estações do ano e suas relações com a vida em nosso planeta, bem como a compreensão da formação singular de nosso planeta, contribuindo para uma consciência de uso sustentável dos recursos. A ligação entre os conhecimentos geográficos e astronômicos é notória na educação em nosso país desde o século XIX por meio da presença da disciplina Cosmografia no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, o que, para Maguelniski e Foetsch (2019, p. 69), “foi um fator importante da inserção de temas astronômicos no ensino de Geografia, mais tarde, no século XX”. Porém, na década de 30, ocorre o desaparecimento da disciplina de Cosmografia devido a Reforma Francisco Campos e a criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública, que transformou as cadeiras de Cosmografia e Filosofia em cadeiras de Geografia (MAGUELNISKI; FOETSCH, 2019; SOBREIRA, 2006). Desde então, por meio das remodelações no currículo, a Geografia vem “perdendo” conteúdos astronômicos para a disciplina de Ciências e concomitantemente diminuindo seu caráter interdisciplinar. Mas mesmo dentre tantos percalços ainda existem pontos de convergência entre Astronomia e Geografia, como podem ser verificados inicialmente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) e, atualmente, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como já explicitado na introdução desta pesquisa. Outro fator que corrobora com esta discussão e que, de certa forma contribui para a preocupação da não concepção da ligação entre a Astronomia e a Geografia são os erros conceituais de conhecimentos da Astronomia nos livros didáticos de 3 Karl Ritter (1779-1859) foi um geógrafo muito influente que preocupou-se em sistematizar o conhecimento geográfico para oferecer uma explicação racional e científica para a relação entre o homem e a natureza. 4 Alexander Von Humboldt (1779-1859) foi um grande geógrafo explorador do mundo, estudioso da distribuição das plantas e descrição de novos animais, que foram fundamentais para o desenvolvimento da fitogeografia, à zoologia e às ciências humanas, além dos estudos arqueológicos, históricos e etnográficos sobre o continente americano. https://pt.wikipedia.org/wiki/1779 https://pt.wikipedia.org/wiki/1859 34 Geografia. Sobreira (2002) e Canalle, Trevisan e Lattari (1997)5 realizaram estudos referentes aos conceitos astronômicos em livros didáticos de Geografia entre os anos de 1997 e 1999 destinados aos alunos do 6.º ano do ensino fundamental e constataram diversos erros conceituais ou falta de clareza na abordagem de conceitos astronômicos, tais como: estações do ano, fases da lua, orientação geográfica, movimentos da Terra e marés, bem como referentes a falta de proporções nas imagens apresentadas, órbitas demasiadamente excêntricas e equidistantes. Tais erros conceituais nos livros didáticos são extremamente graves, pois os professores em sua grande maioria, como explicitado anteriormente, não possuem preparo para fazer estas identificações, culminando na propagação de concepções alternativas entre professores e alunos (LANGHI, 2011). Ainda, de forma a explorar a relação do ensino de Astronomia em Geografia foi realizada uma pesquisa quantitativa afim de averiguar a representatividade das pesquisas envolvendo Geografia e Astronomia no meio acadêmico6. Foram investigados artigos em periódicos científicos e eventos da área de Astronomia, ensino de Física e de ensino de Geografia, sobretudo os que possuem relação conceitual com a Geografia de forma explícita ou implícita, bem como os artigos publicados em seis revistas e os trabalhos de comunicação oral e painéis de um Simpósio, sendo eles: a) Simpósio Nacional de Educação em Astronomia (SNEA), devido a sua representatividade como evento específico da área de Educação em Astronomia, o qual está ligado à Sociedade Astronômica Brasileira (SAB); b) Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia (RELEA), pela sua especificidade na publicação de trabalhos na área de Educação em Astronomia, se caracterizando como importante fonte de pesquisa nesta área; c) Caderno Brasileiro de Ensino de Física (CBEF), foi selecionado por sua consolidação na área de Física como um dos Cadernos mais antigos do país; d) Revista Brasileira de Educação em Física (RBEF), por ser a revista da Sociedade Brasileira de Física (SBF); e) Revista Brasileira de Educação em Geografia, GeoUSP Espaço e Tempo e Sociedade & Natureza, foram escolhidas por meio de pesquisa realizada na Plataforma Sucupira da CAPES, em 5 Dentre as pesquisas realizadas não foram encontrados trabalhos mais recentes sobre como os conteúdos astronômicos são abordados nos livros de Geografia para podermos identificar se os erros conceituais encontrados por Sobreira (2002) e Canalle, Trevisan e Lattari (1997) ainda reincidem, o que abre possibilidades para pesquisas futuras. 6 Para os fins desta dissertação foram apresentados de forma sucinta os dados da pesquisa quantitativa referida, bem como seus resultados e conclusões. Os dados completos serão publicados futuramente. 35 que foi considerado o qualis e a possível proximidade de seu escopo com a Astronomia, uma vez que em nenhuma delas existia relação explícita com o tema. Após a seleção das revistas e do evento, devido ao grande número de publicações, foi delimitada a análise dos trabalhos publicados a partir de 2010 até janeiro de 2020, com exceção da Revista Brasileira de Educação em Geografia, que foi lançada em 2011 e da RELEA, por conta de ser uma revista específica em publicações da área da Astronomia. Tomando como referência os trabalhos publicados a partir do ano de 2010, em todas as edições foi efetuada a leitura dos títulos e dos resumos. Não foi utilizada a busca por palavra-chave, uma vez que o intuito deste levantamento vai além de identificar trabalhos com enfoque em Astronomia, mas de trabalhos que traziam a Astronomia aplicada a Geografia com possível relação mesmo que não de forma explícita, sendo que este último poderia não aparecer se a busca fosse apenas pelas palavras-chave. Dessa forma, como critério de classificação, se os trabalhos se relacionavam ou não com os conceitos geográficos, com a Geografia, foram utilizadas as habilidades elencadas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino fundamental no ensino de Geografia, uma vez que no documento para o ensino médio são privilegiados os conhecimentos relacionados a Geografia Humana em detrimento da Geografia Física, e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) as habilidades almejadas são uma extensão aprofundada das adquiridas no Ensino Fundamental. Quadro 1 – Habilidades da BNCC do ensino fundamental que subsidiaram o levantamento bibliográfico na busca por pesquisas que relacionaram a Astronomia com a Geografia. (continua) Habilidade Relação com a Astronomia (EF06GE03) Descrever os movimentos do planeta e sua relação com a circulação geral da atmosfera, o tempo atmosférico e os padrões climáticos. Movimentos da Terra e sua implicação em nosso cotidiano (EF06GE05) Relacionar padrões climáticos, tipos de solo, relevo e formações vegetais. Balanço de Luminosidade da Terra 36 Quadro 1 – Habilidades da BNCC do ensino fundamental que subsidiaram o levantamento bibliográfico na busca por pesquisas que relacionaram a Astronomia com a Geografia. (conclusão) Habilidade Relação com a Astronomia (EF06GE11) Analisar distintas interações das sociedades com a natureza, com base na distribuição dos componentes físico-naturais, incluindo as transformações da biodiversidade local e do mundo. Balanço de Luminosidade da Terra/ Ocupação do espaço geográfico e suas relações, criação de animais e cultivos (EF07GE11) Caracterizar dinâmicas dos componentes físico-naturais no território nacional, bem como sua distribuição e biodiversidade (Florestas Tropicais, Cerrados, Caatingas, Campos Sulinos e Matas de Araucária). Balanço de Luminosidade da Terra (EF08GE01) Descrever as rotas de dispersão da população humana pelo planeta e os principais fluxos migratórios em diferentes períodos da história, discutindo os fatores históricos e condicionantes físico-naturais associados à distribuição da população humana pelos continentes. Balanço de Luminosidade da Terra/ Ocupação do espaço geográfico e suas relações, criação de animais e cultivos (EF08GE08) Analisar a situação do Brasil e de outros países da América Latina e da África, assim como da potência estadunidense na ordem mundial do pós-guerra. Corrida Espacial (EF08GE23) Identificar paisagens da América Latina e associá-las, por meio da cartografia, aos diferentes povos da região, com base em aspectos da geomorfologia, da biogeografia e da climatologia. Balanço de Luminosidade da Terra (EF09GE04) Relacionar diferenças de paisagens aos modos de viver de diferentes povos na Europa, Ásia e Oceania, valorizando identidades e interculturalidades regionais. Balanço de Luminosidade da Terra/ Ocupação do espaço geográfico e suas relações, criação de animais e cultivos (EF09GE16) Identificar e comparar diferentes domínios morfoclimáticos da Europa, da Ásia e da Oceania. Balanço de Luminosidade da Terra Fonte: Elaborado pelo autor. 37 Dentre os 627 trabalhos levantados do SNEA e da RELEA, sendo contabilizados os artigos completos, trabalhos de comunicação oral e pôsteres, 142 (22,6%) apresentaram uma possível aplicação na área da Geografia por meio de relação implícita com as habilidades indicadas na BNCC para o Ensino Fundamental, e apenas 16 (2,5%) foram destinados explicitamente a área de Geografia. O percentual restante corresponde a trabalhos de Astronomia com enfoque em áreas diversas. Dos 1.419 artigos publicados na RBEF e CBEF, dentro do recorte proposto, 98 (6,9% do total de artigos publicados) eram direcionados a Astronomia. Em meio a estes, 79 (74,5%) são de Astronomia ligados à área da Física, 24 (24,5%) eram de trabalhos de trabalhos de Astronomia na área da Física, com relação implícita as habilidades de Geografia e apenas 1 (1,0%) estabelecia relação direta com a Geografia. Já nas revistas GeoUSP, Revista Brasileira de Educação em Geografia e Sociedade e Natureza, que são focadas no ensino de Geografia, dos 998 artigos analisados, apenas 4 (0,4%) eram referentes a Astronomia. Perante os dados apresentados fica clara a falta de visibilidade, representatividade e engajamento que a Astronomia possui dentro do campo da Geografia. Muito provavelmente pela falta de fomento dos temas astronômicos no preparo dos licenciandos e a terceirização, por parte das políticas públicas, destes temas para a área da disciplina de Ciências. Tema este, que como já exposto, é fundamental para o entendimento das dinâmicas naturais da Terra, o que carreta em um ensino inadequado dos conteúdos astronômicos nas aulas de Geografia e a formação e disseminação de concepções alternativas (LANGHI, 2011). 38 3 O MOVIMENTO DO PROFESSOR EM RELAÇÃO A SUA PRÁTICA E A SUA FORMAÇÃO O movimento da pesquisa do professor, do original teacher research movement, foi sugerido por pesquisadores americanos como Cochran-Smith, Lytle (1999) e Anderson e Herr (1999) e adotado no Brasil por Lüdke (1998). Contudo, este movimento já se iniciava no final do século XX, por volta dos anos 70 e 80 a partir das publicações de Lawrence Stenhouse7 e Donald Schön. Tal movimento emerge na busca “de um professor mais ativo, crítico e autônomo em relação de suas escolhas e decisões” (LÜDKE, 2001, p. 30) fazendo frente a racionalidade técnica muito fortemente presente na época (LÜDKE, 2012; DICKEL, 1998), que via o professor apenas como um mero reprodutor das teorias estudadas e debatidas pela academia, muitas vezes não condizentes com a realidade em sala de aula (ZEICHNER, 1998; LÜDKE, 2012), em detrimento dos saberes experienciais pouco valorizados desses professores (TARDIF, 2012). Apesar do foco dos trabalhos de Donald Schön não serem inicialmente os professores, mas sim os alunos de cursos de arquitetura, sua teoria ganhou grande força no meio educacional, pois o professor desenvolve um papel de tutor perante seus alunos, o practicum reflexivo, em que estes aprendiam seu ofício observando seu tutor em um ambiente permeado pela reflexão em sua atuação (CAMPOS; PESSOA, 1998). Contudo, a reflexão proposta por Schön encontrou um solo muito fértil no campo da educação e, mais precisamente, na formação de professores, ideia esta que já era defendida por Stenhouse. Ambas as teorias, a de Stenhouse e a de Schön, deram origem a uma extensa gama de nomenclaturas como “Professor Reflexivo”, “Professor Pesquisador” e “Professor Investigador”, que serão aprofundadas mais adiante, e cada uma das denominações foi ganhando formas e corpus diferentes conforme a contribuição de diferentes pesquisadores, seus pontos de vista e vivências, porém todas elas com um ponto em comum: o professor e a sua pesquisa. 7 Esta pesquisa não possui como objetivo se aprofundar na obra de Lawrence Stenhouse, contudo os interessados poderão pesquisar sua obra que serviu como um dos fundamentos para o movimento de pesquisa dos professores por meio das referências: STENHOUSE, Lawrence. An introduction to curriculum research and development. Londress: Heinemann, 1975; STENHOUSE, Lawrence. Investigación y desarrollo del currículum. Ediciones Morata, 1984. 39 Este tema, ainda recente nos debates em educação, está longe de ser esgotado e ainda gera muitos conflitos e tensões abrindo um novo grande campo de investigação com uma epistemologia própria, a epistemologia da prática docente reflexiva crítica (FIORENTINI; SOUZA JR; MELO, 1998). Sendo assim, a seguir será apresentada uma breve cronologia da evolução do movimento da pesquisa do professor. Cabe ressaltar que não é pretensão estabelecer uma comparação de forma a diminuir ou minimizar uma teoria em detrimento da outra, mas sim averiguar a evolução do pensamento ocorrido neste campo de pesquisa no tocante as mudanças e transformações sofridas ao longo do tempo. 3.1 O Professor Reflexivo de Donald Schön Donald Schön é um norte americano licenciado em filosofia no ano de 1951 pela Universidade de Yale e, em seguida, realizou seus cursos de mestrado e doutorado na mesma área na Universidade de Harvard, bem como diversos cursos pela Sorbonne e pelo Conservatório de Paris. Seus estudos são focados nos problemas de aprendizagem, nas organizações e na eficácia profissional, atuando nas áreas de arquitetura, urbanismo e educação (CAMPOS; PESSOA, 1998). Apesar de seus trabalhos focarem inicialmente a formação de arquitetos, sua proposta “a favor de uma nova epistemologia da prática, centrada no saber profissional, tomando como ponto de partida a reflexão na ação, que é produzida pelo profissional ao se defrontar com situações de incertezas, singularidades e conflito” (CAMPOS; PESSOA, 1998, p. 186), inspirado nos escritos John Dewey8, impulsionaram o movimento da pesquisa do professor por meio da reflexão sobre a própria prática docente. Para Alarcão (1996) ser reflexivo significa atribuir sentido aos pensamentos, sendo constituída da vontade, do questionamento, da curiosidade e calcado na busca pela verdade e justiça, em um processo concomitante entre a lógica (no tocante a lógica investigativa) e psicológico (no que concerne a irracionalidade, intrínseco a intuição e a paixão do ser humano) unindo a cognição e a afetividade próprias do ser humano. Por meio desta vertente de pensamento surge a perspectiva de um 8 A obra que serviu de referência para Donald Schön se intitula How we think, publicada em 1910 no período em que John Dewey lecionava filosofia na Universidade de Columbia. Posteriormente a obra foi traduzida para o francês sob o título Comment nous pensons no ano de 1925. 40 profissional docente emancipado, capaz de se utilizar da reflexão como ferramenta de investigação de sua prática buscando possibilidades e soluções para os problemas inerentes ao seu cotidiano (SCHÖN, 1992; ALARCÃO, 1996; CAMPOS; PESSOA, 1998; OLIVEIRA; SERRAZINA, 2002). O momento em que surge a concepção do professor reflexivo de Schön, no final do século XX, é um momento profícuo nas Américas, pois aconteciam movimentos de reforma educacional abrindo, assim, brecha para o surgimento de uma nova epistemologia da educação preocupada nos tipos de competências que os alunos precisavam desenvolver. Surgiam questionamentos sobre que tipos de conhecimentos e práticas poderiam permitir que o professor desempenhasse seu papel de forma mais eficaz e qual o tipo de formação seria mais adequada para dar aporte ao professor desempenhar seu trabalho. Um momento ímpar para a reflexão- na-ação de professores (SCHÖN, 1992). Segundo Schön (1992) existem duas formas distintas do conhecimento, sendo o primeiro, o saber escolar, que é aquele que o professor deve “transmitir” aos alunos, tido “como certo, significando uma profunda e quase mística crença em respostas exatas” (SCHÖN, 1992, p. 81), ligada a racionalidade técnica, em que os conhecimentos pedagógicos são constituídos por pesquisadores alheios as realidades escolares, estabelecendo uma relação vertical entre os pesquisadores da universidades e os professores, bem como uma relação de dependência dos segundos para com os primeiros em uma hierarquização do conhecimento pedagógico (ZEICHNER, 1998). O segundo é o conhecimento tácito intrínseco ao ser humano, que emerge de forma espontânea, intuitiva e experimental do conhecimento cotidiano. Perante estas duas formas de conhecimento, o escolar e o tácito, o professor reflexivo é aquele que corrobora para que o aluno compreenda seu próprio processo de conhecimento e o auxilia na articulação do conhecimento tácito (conhecimento-na- ação) com o saber escolar (SCHÖN, 1992). Para Schön (1992) o processo de reflexão se divide em três tipos, a reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação. A reflexão na ação ocorre durante a prática podendo ser em quatro momentos: a) surpresa: em que o professor se permite surpreender com o aluno; b) reflexão sobre a surpresa: pensa os atos do aluno e o porquê foi surpreendido; c) reformula o problema: cria uma hipótese a partir de sua reflexão; d) testa sua hipótese: o professor elabora meios de 41 verificar suas hipóteses, sendo que todo o processo não exige palavras. A reflexão sobre a ação ocorre no mesmo processo da reflexão na ação, porém em um momento posterior ao fato ocorrido, sendo visto de fora do seu cenário e necessitando de rememoração. Tanto na reflexão na ação e na reflexão sobre a ação é o momento em que o professor se conscientiza do conhecimento tácito e se preocupa em identificar crenças errôneas e reformular o pensamento. A reflexão sobre a reflexão na ação é o momento em que o professor faz uma retrospectiva refletindo sobre o momento que ocorreu a reflexão na ação, analisando os fatos ocorridos, as observações realizadas, os significados que foram atribuídos e os que ainda poderão o ser; este é considerado o momento que auxilia o professor em seu desenvolvimento pessoal contribuindo sobre sua forma de conhecer (SCHÖN, 1992; OLIVEIRA; SERRAZINA, 2002). De acordo com Oliveira e Serrazina (2002) o processo de reflexão ainda pode ocorrer por meio de uma equação e reequação de situações problema, em que se faz necessária a identificação do problema, a contextualização do mesmo, a análise do problema perante teorias, compreensões e ações gerando assim uma nova ótica sobre o problema e a reconstrução de ações que podem culminar em novas percepções sobre a situação. Entretanto, de acordo com Campos e Pessoa (1998) o processo reflexivo é abordado por Schön como um processo solitário, em que o professor mantém comunicação com a situação em pauta e não com outros profissionais, causando um estreitamento da reflexão e não considerando as dimensões contextuais ligadas a situação estudada. Quanto a validação dos resultados da investigação do professor, Campos e Pessoa (1998) afirmam que para Schön, “a investigação realizada por esse profissional produz um conhecimento prático que é validado pela própria prática, não se delimitando a investigação produzida pela academia” (CAMPOS; PESSOA, 1998, p. 200), pois concebe que a tradição de investigação acadêmica vê as competências profissionais ligadas a aplicação da teoria na resolução de problemas de ordem prática, considerando estritamente uma questão de aplicação de técnicas. Para Schön (1992) existe a necessidade de um contexto institucional adequado para que haja a prática reflexiva, isto é, devem ser criados espaços de liberdade e tranquilidade para que a reflexão possa acorrer, bem como espaços e liberdade para que o aluno possa ser ouvido e também possa desenvolver sua própria reflexão sobre suas ações, desenvolvendo sua autonomia em conjunto com seu professor. 42 3.2 O Professor Pesquisador por John Elliott e o método de pesquisa-ação John Elliott, inglês, professor Emérito de Educação na University of East Anglia, no Reino Unido, vem dedicando boa parte de estudos na Pesquisa do professor e no método de pesquisa-ação, na perspectiva do “professor como produtor de conhecimento a partir de sua prática” (PEREIRA, 1998, p.178). O interesse de Elliott pelo campo de pesquisa supra citado se deu logo no início de sua carreira na década de 1960, quando lecionava biologia e educação religiosa em um colégio na Inglaterra, por meio de uma reforma curricular, em que algumas escolas ficaram conhecidas como “escolas inovadoras” devido a abordagem interdisciplinar adotada por professores concomitante a organização de temas voltados ao cotidiano dos alunos e valorização das matérias de humanidades como língua, história, geografia e religião, antes vistas como pouco úteis para o mundo do trabalho. Para Elliott, o trabalho que eles e seus colegas faziam na escola não era a aplicação das teorias transmitidas no mundo acadêmico, mas sim, a construção de uma teoria baseada na prática que emergia das tentativas de mudança da prática curricular da escola (PEREIRA, 1998). As experiências obtidas por Elliott, juntamente com as teorias trazidas por Stenhouse, na qual este comparava o professor a um artista que dispõe em seu arcabouço de variados materiais e técnicas para compor sua prática docente9, deram origem a forma inicial do que se tornou, mais tarde, conhecido como pesquisa-ação (ELLIOTT, 1998). Nesta forma inicial da pesquisa-ação, que versava sobre a experimentação e investigação do professor sob suas salas de aula em busca de respostas aos problemas inerentes a prática docente, salientando a importância do mesmo na constituição das teorias empregadas nos currículos10 (PEREIRA, 1998), se associava a participação de professores em pesquisas relacionadas ao desenvolvimento de suas atividades curriculares em um processo de “colaboração e negociação entre especialistas e práticos (professores). De acordo com Pereira (1998), Elliott (1991) descrevia a pesquisa-ação como: 9 Para Stenhouse a prática docente é comparável a uma obra de arte. 10 Baseada nessa concepção surgiu a ideia do professor como pesquisador. 43 [...] uma atividade empreendida por grupos com objetivo de modificar suas circunstâncias a partir de valores humanos partilhados; não deve ser confundida com um processo solitário de auto-avaliação; é uma prática reflexiva de ênfase social que se investiga e o processo de investigar sobre ela (PEREIRA, 1998, p. 162). Neste excerto pode-se identificar a importância das ações colaborativas na pesquisa-ação, sendo que, segundo Elliott (1998), para uma pesquisa poder ser denominada como pesquisa-ação é necessário que o pesquisador auxilie o professor para que ambos se tornem parceiros ativos na disseminação de conhecimentos, dando capacidade ao professor de transformar reflexivamente e discursivamente sua própria prática, estabelecendo assim uma via de mão dupla, em que pesquisador e professor possuem a mesma importância. O pesquisador se vale da prática do professor e o professor da teoria acadêmica. Vale ressaltar também, na teoria de Elliott (1991), a importância da reflexão sobre a prática com ênfase na questão social, o que compreende uma reflexão crítica acerca do tema investigado, uma vez que “ao refletir sobre sua prática os professores não só desenvolvem suas estratégias docentes como também compreendem melhor os objetivos e princípios que devem levar a prática” (PEREIRA, 1998, p. 170). Fica explícita a importância da reflexão na pesquisa-ação por meio de um método adotado não só por Elliott (1998), mas como também por outros pesquisadores. É a espiral reflexiva que implica em um processo de mudança constante que envolve a reflexão e ação, em que cada espiral engloba: a) aclarar e diagnosticar uma situação ou problema prático que se deseja melhorar ou solucionar; b) estabelecer estratégias de ação; c) aplicar as estratégias e avaliar sua eficiência; d) compreender a situação resultante; e) realizar todos os passos novamente para a nova situação prática. (PEREIRA, 1998). Do ponto de vista metodológico a pesquisa-ação se apresenta de modo amplo e maleável, não apresentando uma estruturação pré-definida, ficando a cargo dos elementos envolvidos construírem conjuntamente uma forma de colaboração mais adequada para a circunstância (PEREIRA, 1998), podendo ser abordada de diferentes formas, por diversos autores, variando no grau de envolvimento entre o pesquisador e o professor. Elliott (1998) aponta como alguns dos benefícios da pesquisa-ação a/o: a) diminuição dos limites entre a cultura acadêmica e a escola; b) abertura para um novo 44 modo de pensar a pesquisa e os problemas escolares; c) ganho de autoconhecimento; d) ação libertadora. Contudo, a pesquisa-ação também enfrenta diversos revezes como a dificuldade de se estabelecer verdadeiramente um trabalho de colaboração entre acadêmico e professor, de forma que um não venha a sobrepujar o papel do outro, sobretudo os primeiros em relação aos segundos, seja por meio de controle conceitual, metodológico, textual ou de publicação (ELLIOTT, 1998)11 e, principalmente, a dificuldade de validação das pesquisas realizadas por professores, devido a não existência de uma consenso para avaliação de trabalhos desta natureza, bem como a resistência dos próprios membros da academia (ZEICHNER, 1998). Para Zeichner (1998) os critérios para a validação da pesquisa do professor deveriam envolver a clareza da articulação e da sistematização de ideias, a boa problematização, o uso de evidências para suportar a conclusão e expressar um ponto de vista próprio. Nesse sentido, a validação da pesquisa do professor já vem sendo discutido dentro e fora de nosso país por outros autores como Anderson e Herr (1999), Ponte (2008), Lüdke (2001), André (2012) e Geraldi, Messias e Guerra (1998). 3.3 O Professor Investigador por Pedro da Ponte Pedro da Ponte, licenciado em Matemática pela Universidade de Lisboa e professor catedrático em Didática da Matemática pela mesma instituição, vem dedicando boa parte de seus estudos a pesquisa do professor voltada para sua própria prática, juntamente com seu Grupo de Trabalho de Investigação (GTI) da Associação de Professores de Matemática (APM). O intuito não é transformar professores em pesquisadores profissionais, mas sim, reforçar a sua competência profissional, o habitando a usar a pesquisa como uma das formas de resolver os problemas que emergem em meio a sua prática (PONTE, 2008). No decorrer dos estudos realizados no GTI, o grupo passou a diferenciar o termo Professor Pesquisador de Professor Investigador, a partir das constatações de que o foco de seu trabalho não era o ator, 11 Os tipos de controle são explicados por Elliot (1998, p. 139) como: Controle conceitual: sobre o significado de termos empregados para descrever uma prática curricular inovadora; Controle metodológico: quando os professores adotam procedimentos e obter evidências por métodos prescritos por acadêmicos; Controle contextual: quando acadêmicos determinam a estrutura e a forma de pesquisa-ação; Controle de publicação: quando acadêmicos decidem qual pesquisa-ação é valorosa para publicar e por quem. 45 ou seja, o professor que pesquisa, mas sim os problemas que o professor identifica em sua prática, sendo denominado, Professor Investigador (PONTE, 2004). Para o autor, a investigação dos professores em sua própria prática pode ser importante para auxiliar no esclarecimento e na resolução de problemas, contribuir no desenvolvimento profissional, na organização do ambiente de trabalho, no desenvolvimento da cultura profissional e até mesmo para o conhecimento da sociedade em geral. Este tipo de trabalho pode “ser conduzido numa lógica sobretudo de intervir e transformar 12, sabendo a partir de onde se quer chegar, ou numa lógica de compreender primeiro os problemas que se colocam para delinear, num segundo momento, estratégias de ação mais adequadas” (PONTE, 2008, p. 2). Ponte (2008) distingue o Professor Investigador de outros métodos como a reflexão sobre a prática pois, a investigação se inicia com a identificação de um problema relevante, seja de caráter teórico ou prático, procurando de forma metódica uma solução para o mesmo e só se concretizando quando comunicada, discutida e validado por um grupo a qual ele faça sentido. Para esta afirmação, Ponte se subsidia em Beillerot (2001), o qual estabelece três critérios mínimos para que um trabalho seja considerado uma pesquisa13: a) gerar conhecimentos novos; b) possuir rigor metodológico; c) ser comunicado. Entretanto, apesar dos três critérios considerados por Beillerot (2001) poderem ser aplicados na pesquisa do Professor Investigador, Ponte (2008) ressalta que pelo fato do objeto de investigação possuir uma relação muito particular com o investigador, e por ser realizado por profissionais de comunidades muito diversas, há ainda a necessidade de uma formulação geral que satisfaça os critérios de cada comunidade de investigação, podendo este se tornar um novo gênero investigativo. Quanto ao problema do distanciamento entre investigador e o objeto a ser investigado, Ponte (2008) aponta três caminhos para esta problemática: a) recorrer a teoria – pelo fato de a teoria representar o conhecimento acumulado dos seus antecessores, permite que o profissional que se vale dela, olhe de uma forma diferente o que lhe poderia parecer familiar; b) tirar partido da vivência em grupo – permite confrontar as perspectivas pessoais com a de parceiros críticos, criando assim um 12 Itálicos do original. 13 Entendemos por meio deste referencial de Beillerot (2001) que Ponte (2008) confere o mesmo significado aos termos pesquisa e investigação, no entanto, prefere adotar o termo investigação pelo fato do centro da pesquisa/ investigação não ser o ato do professor pesquisar, mas sim os problemas que identifica em sua própria prática. 46 distanciamento de si mesmo com suas concepções e preconceitos; c) tirar partido do debate exterior ao grupo – debater com outros elementos da sociedade educativa e da sociedade de forma geral e poder gerar um distanciamento, auxiliando a relativizar as próprias expectativas. Neste interim fica muito clara a importância de um trabalho colaborativo nas investigações do Professor Investigador, tanto para o desenvolvimento da investigação, quanto para a validação da mesma, auxiliando na quebra de paradigmas e preconceitos, dando ao investigador uma visão mais abrangente dos problemas investigados sob sua prática. Boavida e Ponte (2002) apontam a diferença entre um trabalho colaborativo e um trabalho cooperativo, sendo que o primeiro se caracteriza em um contexto que diversos sujeitos trabalham conjuntamente em uma relação horizontal, em que há ajuda mútua de modo a todos se beneficiarem. Já na segunda as relações verticais se evidenciam e professores e alunos acabam por serem usados apenas como fonte de dados. Os trabalhos colaborativos tem a capacidade de gerar maior determinação em agir quando diversas pessoas unem forças em torno de um objetivo em comum. Com pessoas detentoras de experiências diferentes a segurança para realizar mudanças e iniciar inovações se intensifica, assim como a capacidade de reflexão. Mesmo que no trabalho colaborativo exista o desafio de gerir as diferenças entre os membros do grupo, lidar com imprevistos, saber avaliar seus custos e benefícios é necessário tomar cuidado com a relação de autoconfiança confortável e conformismo dos participantes, sendo que este último ponto de atenção pode colocar em cheque os dados da investigação (BOAVIDA; PONTE, 2002). Juntamente com o trabalho colaborativo a reflexão tem papel essencial para o professor investigativo, contudo, esta reflexão acontece de forma intencional, guiada por uma questão norteadora que emerge de sua prática, o impulsionando a investigar, debatendo os processos, bem como seus resultados com seus pares e os demais interessados para posteriormente serem divulgados. Embora este método de investigação se mostre promissor do ponto de vista da autonomia do professor, assim como ocorre com o professor reflexivo e o professor pesquisador, todos eles possuem seus pontos fortes e pontos de fragilidade. Ponte (2008) corrobora com André (2001) quando esta coloca como necessários, para a realização de pesquisas sobre a própria prática, uma formação 47 mínima do docente14, um ambiente institucional favorável, com possibilidade de formação de grupos de estudo, assessoria técnica, tempo, espaço e disponibilidade de material bibliográfico – o que depende de forma direta do interesse do poder público perante esse tipo de investigação – podendo também ser favorável a esse cenário a paciência, persistência e criatividade do próprio professor. Todavia para que esta forma de investigação se torne legitimamente um gênero é preciso que a comunidade científica perceba sua relevância e qualidade perante as demais formas de pesquisa, assim como um dia já ocorreu com a pesquisa qualitativa. Frente as definições de professor pesquisador, na presente pesquisa será adotada a compreensão de Ponte (2008), por entender que esta se adequa melhor as pretensões desta pesquisa, a qual busca compreender como a investigação do docente sobre sua própria prática, em um contexto no qual, eu, como professor de Geografia, me vi incumbido a lecionar conceitos astronômicos sem a formação para tal, me deparo com a possibilidade de realizar um curso de formação continuada em Astronomia. Sendo assim, será investigado o que me levou a participar de um curso de formação continuada e as marcas deste em minha própria prática, bem como as fragilidades e potencialidades da investigação do professor. É compreendido aqui que a forma de investigação proposta por Ponte (2008) possui um dispositivo de distanciamento entre o pesquisador e o objeto de pesquisa, que se caracteriza pela colaboração dos pares e demais interessados na constituição da pesquisa. Este dispositivo se monstra fundamental perante o paradigma de pesquisa atual concedendo o subsídio necessário para sua validação no meio acadêmico. Não há dúvidas sobre o caráter essencial da reflexão no trabalho do professor, sem necessidade de adjetivação. A pesquisa, entretanto, não se reveste desse caráter essencial, ainda que seja sobremaneira importante e deva ser estimulada no trabalho e na formação do professor. Nem todo o professor, por ser reflexivo, é também pesquisador, embora a recíproca seja, por força, verdadeira (LÜDKE, 2012, p. 31). Assim, concorda-se aqui com Ponte (2004) quando este difere o Professor Pesquisador do Professor Reflexivo, sendo que no primeiro o enfoque é o profissional 14 Neste aspecto Ponte (2004a) afirma que os professores que cursam a pós-graduação, como cursos de mestrado, doutorado e especializações, tais como aqueles que atuam como professores no ensino superior, levam vantagem perante aos demais, por já estarem familiarizados com o método científico de pesquisa. Contudo, os demais profissionais podem realizar este tipo de pesquisa se tiverem acesso a grupos de pesquisa em Universidades e que estejam dispostas a auxiliar estes profissionais. 48 de forma isolada, e no segundo o foco é no objeto investigado. Desta maneira, o termo Professor Investigador proposto e defendido nesta pesquisa é aquele que se propõe a realizar investigação sobre a própria prática baseada na reflexão crítica, estabelecendo relações colaborativas e com o devido rigor e embasamento teórico que uma pesquisa exige. 3.4 Os Saberes Docentes Dentre as diferentes metodologias e denominações que envolvem a pesquisa do professor, fica explícito neste possível novo gênero investigativo a sua inerente ligação com os saberes docentes. A ligação entre os saberes docentes e a pesquisa do professor se dá por meio da relação direta entre os chamados saberes experenciais e o processo reflexivo do mesmo, pois é por meio dos saberes experenciais, ou seja, da prática docente, que irão emergir as questões norteadoras para a reflexão do professor. Vale, ainda, ressaltar que tais questões norteadoras podem estar relacionadas aos demais saberes docentes, sendo eles os saberes curriculares, profissionais e disciplinares (TARDIF, 2012; SCHÖN, 1992). De acordo com Tardif (2012)15 o saber é sempre o saber de alguém que é mobilizado sob determinada coisa com um intuito definido, que são construídos por processos mentais e sociais. No âmbito do trabalho docente, o saber do professor é um saber próprio, relacionado consigo mesmo e sua identidade, de acordo com suas experiências de vida, profissionais e suas relações, seja com os alunos, a gestão escolar, seus pares e até mesmo às suas relações anteriores ao seu processo formativo, sendo considerado um saber plural (FREIRE, 2002; PIMENTA, 2012). Desta forma, para se compreender os saberes docentes mobilizados durante uma prática pedagógica é fundamental a compreensão da constituição do docente em sua totalidade, abrangendo seus aspectos culturais, sociais, emocionais, cognitivos e formativos. 15 Para esta pesquisa, foi privilegiado o estudo de Tardif acerca dos saberes docentes, em detrimento a tantos outros pesquisadores que se debruçam sobre este tema, devido à grande importância que o autor deposita nos saberes experiencias. Saberes estes que se articulam com a investigação da própria prática docente. 49 Este saber considerado plural, por sua vez, é constituído de vários outros saberes como os disciplinares, curriculares, profissionais e experienciais, que podem ser descritos, segundo Tardif (2012), como exposto no quadro 2: Quadro 2 – Classificação dos saberes docentes Saberes Descrição Disciplinares Saberes que correspondem aos diversos campos de conhecimento que dispõe nossa sociedade, que se encontram integrados nos cursos de formação, que emergem da tradição cultural de grupos sociais. Curriculares Saberes que se apresentam na prática sob a forma de programas escolares. Profissionais Conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores, não se limitando a produzir conhecimentos, mas procuram também os incorporar à prática do professor. Experienciais Saberes que emergem da experiência docente e por ela são validados. Se incorporam à experiência individual e coletiva sob a forma dos hábitos e habilidades de saber-fazer e saber-ser. Fonte: Adaptado de Tardif (2012). Segundo o autor, os professores quando questionados sobre o saber mais importante em sua prática, estes elegem o saber experiencial por se tratar de um saber formador em relação ao aperfeiçoamento da própria prática, que os possibilita a enfrentar os desafios do dia-a-dia de sua profissão e desenvolver seus “habitus (isto é, certas disposições adquiridas na e pela prática real)” (TARDIF, 2012, p. 49), que podem, por sua vez, transformar-se em estilo de ensino, “macetes”, e até traços de sua “personalidade profissional”. Devido ao seu caráter prático, de construção cotidiana, o saber experiencial não é exercido sob um “objeto”, mas sim, permeado e construído fortemente pelas interações sociais que o professor estabelece com seus alunos e seus pares. A interação com o meio institucional possui hierarquias, cuja adaptação é paulatina e pela interação com as normas, obrigações e prescrição que o profissional deve seguir. Sendo assim, os saberes experienciais possuem, portanto, três “objetos”: a) as relações e interações que os professores estabelecem e desenvolvem com os demais atores no campo de sua prática; b) as diversas obrigações e normas que seu trabalho 50 deve submeter-se; c) a instituição enquanto meio organizado e composto de funções diversificadas (TARDIF, 2012, p. 50). Ora, os “objetos” mencionados se materializam como as condições de sua própria profissão, em que os “habitus” se formarão em um processo de aprendizado rápido, logo no início de sua carreira, entorno de um a cinco anos. Nesse momento ocorre um distanciamento entre os saberes adquiridos em sua formação e os saberes experienciais em virtude do confronto do que se é ensinado nos cursos de formação e a realidade na sala de aula (TARDIF, 2012). É valido ressaltar que os saberes experenciais não podem ser relegados a saberes puramente subjetivos, de um amontoado de experiências individuais ao longo de sua carreira em detrimento dos saberes disciplinares, curriculares e procedimentais. Tardif (2012) aponta que os saberes experienciais carregam consigo certa objetivação à medida que são compartilhados e transmitidos entre professores no decorrer do tempo, caracterizando assim um saber pautado na experiência coletiva, o que designa um caráter formador a esse saber, fomentado em momentos de reuniões formais e informais entre professores, como conselhos, cursos de aperfeiçoamento e reuniões formativas (FIORENTINI;