UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Artes — Campus São Paulo JULIANA DA SILVA MOREIRA ENSINO DE ARTE NA PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA São Paulo 2024 JULIANA DA SILVA MOREIRA ENSINO DE ARTE NA PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Artes (Prof-Artes) em 2024, com a área de concentração em Ensino de Artes do Instituto de Artes Universidade Estadual Paulista (Unesp), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes. Linha de pesquisa: Abordagens Teórico- Metodológicas das Práticas Docentes Orientador: Prof. Dr. João Cardoso Palma Filho São Paulo 2024 Ficha catalográfica desenvolvida pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP. Dados fornecidos pelo autor. M838e Moreira, Juliana da Silva (Juliana Moreira), 1985- Ensino de arte na perspectiva da pedagogia histórico-crítica / Juliana da Silva Moreira. -- São Paulo, 2024. 257 f. : il. color. Orientador: Prof. Dr. João Cardoso Palma Filho. Dissertação (Mestrado Profissional em Artes) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes. 1. Arte - Estudo e ensino. 2. Arte na educação. 3.Pedagogia crítica. 4. Pensamento crítico. 5. Educação básica. I. Palma Filho, João Cardoso. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 707 Bibliotecária responsável: Catharina Silva Gois - CRB/8 11323 JULIANA DA SILVA MOREIRA ENSINO DE ARTE NA PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Artes (Prof-Artes), do Instituto da Unesp, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes. Dissertação aprovada em: 04/10/2024 Banca Examinadora: ______________________________________ Prof. Dr.: João Cardoso Palma Filho UNESP – Instituto de Artes - Campus São Paulo ______________________________________ Profa. Dra. Ana Kalassa El Banat Universidade Santa Cecília (UNISANTA) ______________________________________ Profa. Dra. Janedalva Pontes Gondim Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) Aquele que pintou a vida com perfeição. AGRADECIMENTOS Início meus agradecimentos àqueles que trilharam este caminho e partilharam dos desafios e alegrias ao longo deste tempo. A Deus, com o seu amor incondicional e cuidado em todo tempo. À minha família, em especial à minha mãe, que com sua força nordestina me deu a mão e me ajudou a chegar até aqui. Ao meu orientador, Prof. Dr. João Cardoso Palma Filho, que aceitou partilhar esta jornada comigo, por toda a compreensão e dedicação dispensadas a mim. A banca examinadora, Profa. Dra. Ana Kalassa El Banat, muito importante em minha formação, a partir de suas aulas, o interesse pelo ensino de Arte se intensificou, e Profa. Dra. Janedalva Pontes Gondim, pela sua contribuição à minha pesquisa. Aos professores, funcionários e direção da escola onde o projeto foi desenvolvido. Àquela que me orientou na graduação em História da Arte na Unifesp, Dra. Elaine Dias, pelos seus ensinamentos valiosos, que iluminaram os caminhos do mestrado. À Ma. Elizabeth Macena que colaborou na superação de situações de dificuldades, Profa. Ana Paula Ribeiro, que auxiliou com a documentação que possibilitou a realização desta pesquisa. À Ma. Williani Carvalho e à Bacharela Carla Ribeiro cujos olhares atentos e sábios enriqueceram cada linha desta dissertação. Aos meus alunos (lindos da profa.) pela dedicação durante as aulas e por me fazerem acreditar na construção de uma sociedade mais igualitária. Aos meus amigos, pela força, afeto e atenção dedicadas a mim durante este percurso. Gratidão por me apoiarem, me ouvirem e me auxiliarem quando precisei. Aos parceiros de curso do Prof-Artes/2022, pelas alegrias e tristezas compartilhadas. Aos colegas do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas Curriculares para o Ensino de Arte na Educação Básica (GEPPCARTE/UNESP) pela parceria. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Brasil (CAPES) — Código de Financiamento 001. Nunca vi coisa assim! É a coisa mais linda dos últimos tempos. Não sei até onde vai o poder inventivo dele, ultrapassa o limite imaginável. Estou até tola. A linguagem dele, tão perfeita também de entonação, é diretamente entendida pela linguagem íntima da gente — e nesse sentido ele mais que inventou, ele descobriu, ou melhor, inventou a verdade. Que mais se pode querer? Fico até aflita de tanto gostar. Agora entendo o seu entusiasmo, Fernando. Já entendia por causa de Sagarana, mas este agora vai tão além que explica ainda mais o que ele queria com Sagarana. O livro está me dando uma reconciliação com tudo, me explicando coisas adivinhadas, enriquecendo tudo […]. Acho a mesma coisa que você: genial. Que outro nome dar? Esse mesmo (Sabino; Lispector, 2011, p. 169, grifo nosso).1 1 Este trecho refere-se à carta que Clarice Lispector escreve em Washington, 1956, ao seu amigo, Fernando Sabino, a respeito do livro Grande sertão: veredas do autor Guimarães Rosa. RESUMO Esta dissertação apresenta um estudo sobre o ensino de Arte na perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica, com o intuito de compreender como essa abordagem pode promover uma formação crítica e consciente dos estudantes em sala de aula. O problema investigado centra- se na questão de como selecionar os conteúdos para promover o ensino-aprendizagem em Arte e favorecer o processo de emancipação do sujeito, tendo como foco instigar a transformação social. A justificativa para a pesquisa reside na necessidade de desenvolver práticas educativas que, alinhadas à Pedagogia Histórico-Crítica, potencializem o ensino de Arte como ferramenta para a transformação social e o desenvolvimento integral do sujeito no contexto da Educação Básica. Os objetivos da pesquisa incluem contribuir para a formação de sujeitos críticos, selecionar quais conteúdos clássicos corroboram para a formação crítica de um estudante e quais formas dialogam com este processo, superando o senso comum objetivando o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Para fundamentar a investigação, utilizamos obras da literatura acadêmica da área de ensino de Arte, da Pedagogia Histórico-Crítica e da Psicologia Histórico-Cultural. A metodologia adotada foi uma pesquisa-ação qualitativa com estudo de caso com alunos de 9º ano de Ensino Fundamental — anos finais. O projeto envolveu a elaboração e desenvolvimento de um plano de ensino de Arte baseado na Pedagogia Histórico- Crítica, tendo como foco a questão dos povos originários, trabalhada por meio da Publicidade e Propaganda no período ditatorial e das obras dos artistas Claudia Andujar e Jaider Esbell. A prática educativa incluiu aulas teóricas e práticas com trabalhos individuais e coletivos. A análise dos resultados evidenciou que o ensino de Arte, quando pautado na Pedagogia Histórico-Crítica, pode fomentar o desenvolvimento de uma consciência crítica, ampliando sua capacidade de refletir e questionar a realidade. Os alunos demonstraram engajamento com a temática e o ato de se colocar no lugar do outro foi muito significativo para eles. O trabalho destaca a importância de uma abordagem crítica e histórica no ensino de Arte, capaz de promover não apenas a apreciação estética, mas também a formação de indivíduos conscientes do lugar onde estão inseridos de forma que participem visando ativamente a construção de uma sociedade mais igualitária. Palavras-chave: arte/educação; pedagogia histórico-crítica; povos originários; artes visuais; história da arte; educação básica. ABSTRACT This dissertation presents a study on the teaching of art from the perspective of Historical- Critical Pedagogy, with the aim of understanding how this approach can promote critical and conscious formation of students in the classroom. The investigated problem focuses on how to select content to promote teaching and learning in Art and to foster the process of emancipation of the individual, aiming to instigate social transformation. The justification for this research lies in the need to develop educational practices that, aligned with Historical-Critical Pedagogy, enhance Art education as a tool for social transformation and the comprehensive development of the individual in the context of Basic Education. The objectives of the research include contributing to the formation of critical subjects, selecting which classic content supports the critical formation of a student, and determining which forms best dialogue with this process, aiming to overcome common sense and foster the development of higher psychological functions. To support the investigation, we drew on academic literature in the field of art education, historical-critical pedagogy, and historical-cultural psychology. The methodology adopted was a qualitative action research study with a case study involving 9th-grade students in the final years of elementary education. The project involved the design and development of an art teaching plan based on Historical-Critical Pedagogy, focusing on the issue of Indigenous peoples, addressed through advertising and propaganda during the dictatorial period and the works of artists Claudia Andujar and Jaider Esbell. The educational practice included both theoretical and practical classes, with individual and collective work. The analysis of the results showed that art teaching, when guided by Historical-Critical Pedagogy, can foster the development of critical consciousness, enhancing students' ability to reflect on and question reality. The students demonstrated engagement with the topic, and the act of putting themselves in the place of others was very meaningful for them. The study highlights the importance of a critical and historical approach to art education, capable of promoting not only aesthetic appreciation but also the formation of individuals who are aware of their place in society and actively participate in the construction of a more equitable society. Keywords: art/education; historical-critical pedagogy; indigenous peoples; visual arts; art history; basic education. . LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Dimensão ontológica da didática Histórico-Crítica ............................................. 185 Figura 2 – Eixo do ensino Histórico-Crítico ......................................................................... 185 Figura 3 – Dinâmica do ensino histórico-crítico ................................................................... 186 Figura 4 – Rosana Paulino. [Sem título]. 1997. Xerografia e linha sobre tecido montado em bastidor. 31,3 × 310 cm. Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) .............................. 186 Figura 5 –Jeff Koons,. Titi. 2004–2009. Espelho e aço inoxidável com revestimento de cor. 96,2 × 60,5 × 37,8 cm. New Port Gallery, Londres ................................................................ 187 Figura 6 – Logotipo do Banco do Brasil ............................................................................... 187 Figura 7 – Símbolo ou Logomarca do Banco do Brasil ........................................................ 188 Figura 8 – Fotograma do vídeo Slogan/Jingle do Banco do Brasil ....................................... 188 Figura 9 – Imagem com texto explicativo de uma peça publicitária do Banco do Brasil ..... 189 Figura 10 – Pesquisa e colagem de peça publicitária ............................................................ 189 Figura 11 – Pesquisa e colagem de peça publicitária ............................................................ 190 Figura 12 – Pesquisa e colagem de peça publicitária – Apelo aos sentimentos e emoções .. 190 Figura 13 – Pesquisa e colagem de peça publicitária – Determinação de ações do consumidor ................................................................................................................................................ 191 Figura 14 – Pesquisa e colagem de peça publicitária - Estereótipo ...................................... 191 Figura 15 – Pesquisa e colagem de peça publicitária – Argumento por autoridade .............. 192 Figura 16 – Pesquisa e colagem de peça publicitária – Criação de inimigo invisível........... 192 Figura 17 – Victor Moriyama. [Sem título]. 2019. Fotografia. Instituto Socioambiental (ISA) ................................................................................................................................................ 193 Figura 18 – Claudia Andujar. Menina yanomami e a bandeira do Brasil. 1987. Fotografia. Instituto Socioambiental (ISA) ............................................................................................... 193 Figura 19 – Beto Ricardo. Vista aérea da região do Demini. Terra Indígena Yanomami, Brasil. 2011. Fotografia. Instituto Socioambiental (ISA)....................................................... 194 Figura 20 –Edson Sato. Vista aérea da aldeia do Demini, Terra Indígena Yanomami, Brasil. 2012. Fotografia. Instituto Socioambiental (ISA) .................................................................. 194 Figura 21 – Mapa — Terras Indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia Legal Brasileira ................................................................................................................................. 195 Figura 22 – Mapa (detalhe) — Terras Indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia Legal Brasileira....................................................................................................................... 195 Figura 23 – Mapa da Terra Indígena Yanomami ................................................................... 196 Figura 24 – Vista aérea — Terras Yanomamis ...................................................................... 196 Figura 25 – Bruno Kelly. Garimpo na região do Homoxi na Terra Indígena Yanomami. 2021. Fotografia................................................................................................................................ 197 Figura 26 – Ricardo, Valentina. Estrada e Maquinário Ilegais na TI Yanomami na Amazônia. Fotografia................................................................................................................................ 197 Figura 27 –Marcos Wesley. Interior da maloca da Comunidade Watoriki. 2013. Fotografia. Instituto Socioambiental (ISA) ............................................................................................... 198 Figura 28 –Gilberto Gil; Chico Buarque. Cálice [letra censurada]. 1973. Imagem .............. 198 Figura 29 – Cildo Meireles. Inserções em circuitos ideológicos - Projeto cédulas 1970. 2019. Fotografia................................................................................................................................ 199 Figura 30 – Claudia Andujar. Garimpo de ouro Paapiu - série Descaminho. 1980–1989. 66 × 100 cm. Fotografia. Galeria Vermelho ................................................................................... 199 Figura 31 – Claudia Andujar. Trabalhador morto durante a construção da BR-210. 1974. 100 × 108 cm. Fotografia. Galeria Vermelho ................................................................................ 200 Figura 32 – Claudia Andujar. Horizontal 4 (Aldeia de Ericó), série Marcados. 1981–83. Impressão em gelatina prata, impressa em 2006. Dimensões 37,5 × 55,9 cm. Museu de Arte Moderna (MoMA), New York ................................................................................................ 200 Figura 33 – Claudia Andujar. Identity, Wakatha u. 1976. Fotografia. Foundation Cartier pour L’art contemporain, Paris, França ........................................................................................... 201 Figura 34 – Claudia Andujar. Catrimani, Roraima, 1974 ..................................................... 201 Figura 35 – Claudia Andujar. Rio Catrimani [wakatha-ú] tiy, rr. 1976. 99 × 108 x 4,5 cm. Fotografia. Galeria Vermelho ................................................................................................. 202 Figura 36 – Claudia Andujar. Vertical 12, da série Marcados. 1981–1983. Ampliação fotográfica analógica com gelatina de prata sobre papel fibra [tríptico]. 56 × 37,5 cm cada foto. Acervo Banco Itaú .......................................................................................................... 202 Figura 37 – Juliana Moreira. Processo de Criação I. 2023. Fotografia Acervo particular ... 203 Figura 38 – Juliana Moreira. Processo de Criação II. 2023. Fotografia Acervo particular .. 204 Figura 39 – Jandir. [Sem título]. 2023. Técnica mista. Acervo particular ............................. 205 Figura 40 – Jandir. [Sem título]. 2023. Técnica mista. Acervo particular ............................. 205 Figura 41 – Luna. [Sem título]. 2023. Técnica mista. Acervo particular .............................. 206 Figura 42 – Levi. O sangue deles. 2023. Técnica mista. Acervo particular .......................... 206 Figura 43 – Benício. Marca. 2023. Técnica mista. Acervo particular ................................... 207 Figura 44 – Mathias. [Sem título]. 2023. Técnica mista. Acervo particular ......................... 207 Figura 45 – Caíque. Yanomami. 2023. Técnica mista. Acervo particular ............................. 208 Figura 46 – Elias. A fragmentação de um povo. 2023. Colagem. Acervo particular ............ 208 Figura 47 – Moema. [Sem título]. 2023. Técnica mista. Acervo particular .......................... 209 Figura 48 – Silas. A revolta dos olhares. 2023. Técnica mista. Acervo particular ................ 209 Figura 49 – Ângela. Sofrimento Indígena. 2023. Técnica mista. Acervo particular ............. 210 Figura 50 – Jurandir. Natureza. 2023. Técnica mista. Acervo particular .............................. 210 Figura 51 – Heitor. Tatuagem de caminhos no corpo. 2023. Técnica mista. Acervo particular ................................................................................................................................................ 211 Figura 52 – Helena. [Sem título]. 2023. Técnica mista. Acervo particular ........................... 211 Figura 53 – Iandra. [Sem título] 2023. Técnica mista. Acervo particular ............................ 212 Figura 54 – Romeo. [Sem título]. 2023. Técnica mista. Acervo particular ........................... 212 Figura 55 – Bento. Silêncio. 2023. Técnica mista. Acervo particular ................................... 213 Figura 56 – Íris. [Sem título]. 2023. Técnica mista. Acervo particular ................................. 213 Figura 57 – Matilde. Fora Garimpo. 2023. Técnica mista. Acervo particular ...................... 214 Figura 58 – Rose. Raízes Yanomamis 2023. Técnica mista. Acervo particular ..................... 214 Figura 59 – Iberê. Os dois olhares. 2023. Técnica mista. Acervo particular ........................ 215 Figura 60 – Peri. [Sem título]. 2023. Técnica mista. Acervo particular ................................ 215 Figura 61 – Jandira. Preso no seu próprio mundo. 2023. Técnica mista. Acervo particular 216 Figura 62 – Clarice. Lágrimas vermelhas. 2023. Técnica mista. Acervo particular ............. 216 Figura 63 – Jussara. [Sem título]. 2023. Desenho. Acervo particular ................................... 217 Figura 64 – Iracema. [Sem título]. 2023. Técnica mista. Acervo particular ......................... 217 Figura 65 – Cauê. A lágrima 2023. Técnica mista. Acervo particular .................................. 218 Figura 66 – Enrico. Brasil Vermelho 2023. Técnica mista. Acervo particular ...................... 218 Figura 67 – Iara. O Luto Yanomami. 2023. Técnica mista. Acervo particular ...................... 219 Figura 68 – Ítalo. A morte inocente. 2023. Técnica mista. Acervo particular ....................... 219 Figura 69 – Otávio. Consequências 2023. Técnica mista. Acervo particular ....................... 220 Figura 70 – Raoni. Olhos sofridos. 2023. Técnica mista. Acervo particular......................... 220 Figura 71 – Moacir. Esperança Juntada. 2023. Técnica mista. Acervo particular ............... 221 Figura 72 – Cássio. Cores Sumindo. 2023. Técnica mista. Acervo particular ...................... 221 Figura 73 – Mayara. [Sem título]. 2023. Técnica mista. Acervo particular .......................... 222 Figura 74 – Fotografia ilustrativa do texto Ditadura militar contribuiu para genocídio dos povos indígenas ...................................................................................................................... 222 Figura 75 – Anúncio da Netumar avisando que a Amazônia da “selva impenetrável” já era: “E como isto nos orgulha”. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim ......................................... 223 Figura 76 – Propaganda da Sudam publicada na Edição Especial Amazônia da Revista Realidade de 1972. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim..................................................... 223 Figura 77 – Capa da edição especial da Revista Manchete de fevereiro de 1973. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim ..................................................................................... 224 Figura 78 – Anúncio da Andrade Gutierrez na revista “Manchete” noticiava a construção da Transamazônica: “Para unir os brasileiros nós rasgamos o inferno verde”. Reprodução/Acervo Ricardo Cardi .......................................................................................................................... 224 Figura 79 – Propaganda do Banco de Londres na Edição Especial Amazônia da Revista Realidade 1972. Reprodução/Acervo Ricardo Cardim .......................................................... 225 Figura 80 – Peça Publicitária da Volkswagen Revista Veja, 21 de julho de 1971 ................. 225 Figura 81 – Jussara. [Sem título]. 2023. Desenho. Acervo particular ................................... 226 Figura 82 – Cauê. [Sem título]. Desenho. Acervo particular ................................................ 226 Figura 83 – Rose. [Sem título]. Técnica mista ...................................................................... 227 Figura 84 – Clarice. [Sem título]. Desenho. Acervo particular. ............................................ 227 Figura 85 – Iberê. [Sem título]. 2023. Desenho. Acervo particular ...................................... 228 Figura 86 – Iracema. [Sem título]. 2023. Desenho. Acervo particular. ................................. 228 Figura 87 – Rudá. [Sem título]. 2023. Desenho. Acervo particular ...................................... 229 Figura 88 – Iandra. [Sem título]. 2023. Desenho. Acervo particular .................................... 229 Figura 89 – Jurandir. [Sem título]. 2023. Desenho. Acervo particular .................................. 230 Figura 90 – Moema. [Sem título]. 2023. Desenho. Acervo particular .................................. 230 Figura 91 – E. Thiesson. Índios botocudo. 1843. Daguerreótipo. Musée de l’Homme ........ 231 Figura 92 – A. Frisch. Índios amua do Alto Amazonas, Manaus.1865. Biblioteca Nacional231 Figura 93 – Marc Ferrez. Botocudos do sul da Bahia.1875. Coleção Gilberto Ferrez, Acervo Instituto Moreira Salles .......................................................................................................... 232 Figura 94 – Luiz Thomaz Reis. Fotogramas de Rituais e Festas Bororo. 1917. Filmoteca da Comissão Rondon. Museu do Índio/FUNAI, Rio de Janeiro ................................................. 232 Figura 95 – Fotogramas do filme Ronuro: selvas do Xingu. 1932. Museu do Índio ............ 233 Figura 96 – Fotogramas do filme Ronuro: selvas do Xingu. 1932. Museu do Índio ............ 233 Figura 97 – Benjamin Rondon. Rondon na fronteira do Brasil com Venezuela e Guiana Inglesa, com índios macuxi. 1927. Museu do Índio ............................................................... 234 Figura 98 – Menina Karajá como Porta-Bandeira. Fotografia ............................................ 234 Figura 99 – Reportagens da revista O Cruzeiro. Museu de Comunicação Social Hipólito da Costa ....................................................................................................................................... 235 Figura 100 – Capa do livro Saudades do Brasil. 1994. Cia das Letras ................................. 235 Figura 101 – Jaider Esbell. Maikan e Tukui [Raposas e Beija-flores]. 2020. Marcador acrílico sobre tela.100 × 75 cm ............................................................................................................ 236 Figura 102 – Jaider Esbell. Carta ao velho mundo. 2018-2019. Marcador acrílico sobre livro de 400 páginas ........................................................................................................................ 236 Figura 103 – Jaider Esbell. Carta ao velho mundo. 2018-2019. Marcador acrílico sobre livro de 400 páginas ........................................................................................................................ 237 Figura 104 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ............... 237 Figura 105 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ............... 238 Figura 106 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ............... 238 Figura 107 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ............... 239 Figura 108 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ............... 239 Figura 109 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ............... 240 Figura 110 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ................ 240 Figura 111 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ................ 241 Figura 112 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ................ 241 Figura 113 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ................ 242 Figura 114 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ................ 242 Figura 115 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ................ 243 Figura 116 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ................ 243 Figura 117 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ................ 244 Figura 118 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ................ 244 Figura 119 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ................ 245 Figura 120 – Jaider Esbell. It Was Amazon. 2016. Marcador acrílico sobre papel ............... 245 Figura 121 – Juliana Moreira. Processo de Criação III. 2023. Fotografia Acervo particular ................................................................................................................................................ 246 Figura 122 – Coletivo de Alunos. Povos Originários. 2023. Painel. Acervo Particular ....... 247 Figura 123 – Painel, parte I ................................................................................................... 247 Figura 124 – Painel, parte II .................................................................................................. 248 Figura 125 – Painel, parte III ................................................................................................. 248 Figura 126 – Painel, detalhe .................................................................................................. 249 Figura 127 – Painel, detalhe .................................................................................................. 249 Figura 128 – Painel, detalhe .................................................................................................. 250 Figura 129 – Painel, detalhe .................................................................................................. 250 Figura 130 – Painel, detalhe .................................................................................................. 251 Figura 131 – Painel, detalhe .................................................................................................. 251 Figura 132 – Painel, detalhe .................................................................................................. 252 Figura 133 – Painel, detalhe .................................................................................................. 252 Figura 134 – Painel, detalhe .................................................................................................. 253 Figura 135 – Painel, detalhe .................................................................................................. 253 Figura 136 – Painel, detalhe .................................................................................................. 254 Figura 137 – Painel, detalhe .................................................................................................. 254 Figura 138 – Painel, detalhe .................................................................................................. 255 Figura 139 – Painel, detalhe .................................................................................................. 255 Figura 140 – Painel, detalhe .................................................................................................. 256 Figura 141 – Painel, detalhe .................................................................................................. 256 Figura 142 – Painel, detalhe .................................................................................................. 257 LISTA DE SIGLAS BNCC Base Nacional Comum Curricular CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CCPY Comissão Pró-Yanomami CNV Comissão Nacional da Verdade CONAR Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FPS Funções Psicológicas Superiores FUNAI Fundação Nacional dos Povos Indígenas IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ISA Instituto Socioambiental LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação MBA Master in Business Administration PHC Pedagogia Histórico-crítica PIN Plano de Integração Nacional PINA Pinacoteca de São Paulo PPP Projeto Político e Pedagógico PROUNI Programa Universidade para todos RADAM Radar da Amazônia SEDUC Secretaria de Educação SISU Sistema de Seleção Unificada SPI Serviço de Proteção aos Índios TEA Transtorno do Espectro do Autismo UFPE Universidade Federal de Pernambuco UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UNESP Universidade Estadual Paulista UNIFESP Universidade Federal de São Paulo UNISANTA Universidade Santa Cecília UNIVASF Universidade Federal do Vale do São Francisco USP Universidade de São Paulo ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 18 2 TEORIAS DA EDUCAÇÃO ........................................................................................... 26 2.1 TEORIAS NÃO CRÍTICAS ............................................................................................ 26 2.2 TEORIAS CRÍTICAS ..................................................................................................... 33 2.2.1 Teorias crítico-reprodutivistas ............................................................................................. 33 2.2.2 Teorias críticas — contexto histórico ................................................................................... 36 3 CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA, PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E A ARTE NA FORMAÇÃO HUMANA ............................ 41 3.1 PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA .......................................................................... 41 3.1.1 Aspectos metodológicos ......................................................................................................... 44 3.1.2 O professor e o aluno............................................................................................................. 53 3.1.3 A questão do clássico ............................................................................................................. 56 3.2 PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL ..................................................................... 58 3.2.1 A Psicologia Histórico-Cultural e o ato educativo .............................................................. 64 3.3 O PAPEL DA ARTE NA FORMAÇÃO HUMANA ....................................................... 68 3.3.1 Processo de Criação............................................................................................................... 73 4 CONTEÚDO, TRAJETÓRIA E PRÁTICA EDUCATIVA ......................................... 77 4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA E DAS TURMAS ................................................ 78 4.2 CONTEÚDO — A QUESTÃO DOS POVOS ORIGINÁRIOS ...................................... 82 4.3 TRAJETÓRIA E PRÁTICA EDUCATIVA .................................................................... 87 4.3.1 Parte 1: Publicidade e Propaganda ...................................................................................... 89 4.3.1.1 Performance — Cegos ............................................................................................... 89 4.3.1.2 Elementos fundamentais de publicidade e propaganda ............................................. 92 4.3.2 Parte 2: Os Povos Yanomamis e as fotografias de Claudia Andujar................................. 96 4.3.2.1 Povos Yanomamis — Introdução .............................................................................. 96 4.3.2.2 Povos Yanomamis — Pesquisa de informações........................................................ 99 4.3.2.3 Povos Yanomamis — Contextualização geográfica e histórica .............................. 100 4.3.2.4 Povos Originários e Claudia Andujar no contexto da ditadura ............................... 104 4.3.2.5 Os povos Yanomamis sob as lentes de Claudia Andujar ........................................ 105 4.3.2.6 Produção de Imagem ............................................................................................... 115 4.3.3 Parte 3: Publicidade no período ditatorial e a questão dos povos originários ................ 126 4.3.3.1 Análise de peça publicitária em diálogo com a questão dos povos originários ...... 126 4.3.4 Parte 4: Representação fotográfica dos povos originários ............................................... 140 4.3.4.1 História da Arte — Povos originários na fotografia ................................................ 140 4.3.5 Parte 5: Diálogo com a contemporaneidade — Jaider Esbell / Síntese do projeto ......... 155 4.3.5.1 Jaider Esbell — Painel Coletivo .............................................................................. 156 4.4 ANÁLISE DOS RESULTADOS................................................................................... 160 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 167 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 171 ANEXO A - ILUSTRAÇÕES .............................................................................................. 185 18 1 INTRODUÇÃO Como sujeitos históricos que somos, nos tornamos humanos a partir das interações sociais e nos tornamos educadores a partir dos estudos realizados e do desenvolvimento de nossa prática docente. Este texto inicia-se com um breve panorama sobre o meu percurso escolar, como adquiri conhecimento sobre Arte e como promovo o ensino de Artes. As memórias das aulas na Educação Básica podem ser baseadas nos desenhos prontos, no livre fazer e nas datas comemorativas. Na Educação Infantil, permaneceram nas gavetas, por um longo tempo, os desenhos livres e os mimeografados com os temas das datas festivas. No Ensino Fundamental, a recordação recai sobre a cópia de texto com letra bastão, com margens permeando o entorno da folha do caderno de Arte. Já no Ensino Médio, em um desenho sobre um personagem da cultura popular, o grupo de trabalho apontou que foi pintado de forma errônea. Segundo eles, o sentido do lápis de cor não estava adequado, e qual seria a maneira correta? Alguém explicou? Por que este determinado conteúdo era abordado por quase todos os anos da vida escolar? Alguns conteúdos referentes as festividades acompanharam toda a trajetória escolar, a repetição dos mesmos temas por quase todos os anos denuncia um trabalho de Arte/Educação, firmado nas comemorações. De maneira geral, atualmente, este tipo de trabalho ainda é muito comum, alguns são quase como um rito de passagem pelo qual os alunos são destinados a vivenciar todos os anos. É importante ressaltar que todo o meu percurso escolar foi cursado na rede pública, sinônimo de poucos recursos, falta de infraestrutura, entre outros problemas. A metodologia docente era um tema que desde então atraía a minha atenção, costumava observar atentamente a forma de ensino dos professores e pensava de maneira muito crítica a respeito. Era perceptível como alguns conseguiam despertar o interesse no aluno pela disciplina e outros apenas o distanciavam, isso dependia muito do conteúdo, seu domínio e da didática utilizada. Após o Ensino Médio, ao ingressar no curso de Técnico em Turismo, também na esfera pública, o contato com a Arte foi ampliado. As visitas aos espaços culturais da capital e litoral de São Paulo, juntamente com as aulas de História da Arte, despertaram um novo olhar para um mundo, até então, desconhecido. Este período agregou experiências inesquecíveis e muitos questionamentos surgiram, tudo que havia sido negado em toda a vida estudantil, por exemplo, a falta de acesso à Arte e a cultura. O motivo se tornou visível e tem nome, desigualdade social. Durante a graduação, como bolsista pelo Programa Universidade para Todos (ProUni), no curso de Licenciatura em Artes Visuais, o trabalho intitulado Prática Docente no Ensino das 19 Artes com base na Proposta Triangular foi desenvolvido em parceria com Carla Bazílio na Universidade Santa Cecília (UNISANTA). Na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), o ingresso também foi por meio de um programa do governo, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), para cursar o Bacharelado em História da Arte, cuja pesquisa teve como título: A obra de Arte como instrumento de Educação Escolar. O trabalho de conclusão de curso apresentou um estudo sobre o ensino de Artes com pesquisa teórica e de campo, com o foco voltado para a obra de Arte como instrumento educativo no cenário escolar. O estudo fez a defesa de um ensino de Arte autônomo e uma crítica a propostas de ensino que utilizam a obra de Arte como ilustração. As duas pesquisas citadas tiveram a Arte/Educação como mote. A segunda monografia foi composta por vários autores, entre eles destacamos Bourdieu (2008), Lev Vigotski2 e os teóricos da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), Newton Duarte (2010) e Demerval Saviani (2012), por exemplo. Os referidos nomes contribuíram para a discussão do tema, além disso, surgiu a ideia de que eles poderiam proporcionar outros desdobramentos na pesquisa do mestrado. É perceptível como o curso de História da Arte influenciou na preparação das aulas, assim como era notória a ampliação do conhecimento dos alunos por meio desta perspectiva histórica. Posteriormente, o trabalho foi apresentado, por meio de um convite, para os alunos do curso de História da Arte na Unifesp. Alguns estudantes demonstraram encantamento com as aulas lecionadas contidas na pesquisa, ao ponto de verbalizarem que gostariam de ter tido uma professora de Arte na Educação Básica que ensinasse daquela forma. Ressaltamos que a obra de Arte, o conteúdo e o processo de criação foram protagonistas nesta pesquisa. O trabalho desenvolvido na escola pública de Educação Básica começou a ecoar no Ensino Médio por meio de alguns alunos egressos. Eles retornavam à escola para relatar sobre os questionamentos recebidos, tal como se haviam estudado em escolas particulares por saberem dialogar sobre Arte e a produzir, ou seja, tinham conteúdo. Em busca de formação continuada, durante a trajetória docente, alguns cursos surgiram, embasados nas pedagogias hegemônicas, que disseminavam a experimentação de diversos materiais sob o prisma do “aprender a aprender”. Após os estudos, a inquietação e a angústia se instalavam. Como desenvolver isto na escola pública com alunos de classes menos favorecidas economicamente, que se encontravam tão distantes daquela realidade? Faltava 2 O nome do psicólogo soviético pode ser encontrado com diversas grafias, como Vygotsky, Vygotski e Vigotskii, Vigotski. Neste trabalho será adotada a última, porém outras grafias serão respeitadas conforme a escrita dos autores. 20 repertório, além da gama de materiais a serem disponibilizados, infraestrutura, entre outras questões. Os bons resultados que eram obtidos em sala de aula não se encaixavam neste padrão. O encontro com as teorias de Bourdieu (2008) na Unifesp corroboraram para aprender sobre capital cultural, isso respondia à falta de repertório. Mas e, na prática, o que fazer? Por meio do grupo de estudos sobre a Pedagogia Histórico-Crítica, na escola onde o projeto foi desenvolvido, o contato com as teorias de Saviani (2012), Newton Duarte (2010), entre outros autores desta concepção pedagógica, foram ampliados. Estes teóricos versavam sobre o acesso ao conhecimento ser para todos, sem distinção, além da defesa do conteúdo e relevância do professor no processo de ensino-aprendizagem. Saviani (2012) também critica as pedagogias hegemônicas e assevera que a implantação do escolanovismo trouxe prejuízos à escola pública. É um fato, explicada a inquietação sentida anteriormente, isso foi e continua sendo prejudicial. Os desenhos prontos, estereotipados e o livre fazer, ainda se encontram presentes na sala de aula, principalmente em decorrência do ensino tradicional e das pedagogias do “aprender a aprender”. Em outro contexto, pode funcionar, mas para a nossa realidade, uma proposta prática esvaziada de conteúdo resultava em clichês difíceis de serem desconstruídos. Arte não é apenas sobre o fazer, é sobre como fazer e como trabalhar o pensamento. Aquilo que desassossegava encontrou abrigo na Pedagogia Histórico-Crítica, era a peça que faltava para fechar o quebra-cabeça, ou melhor, iniciar outro fundamentado nesta teoria. A partir da ampliação deste contato com a Pedagogia Histórico-Crítica, a pesquisa do mestrado, acessado por intermédio de um programa voltado para a formação de professores, que começou a ser rascunhada outrora, solidificou a sua base nesta perspectiva. O cenário público no qual estamos inseridos está sucateado, entretanto, diante da adversidade, é preciso resistir e buscar promover uma educação de qualidade, procurando entender onde estamos situados nesta sociedade. É indiscutível que ocupamos um lugar de fala na sociedade, “[…] saber o lugar de onde falamos é fundamental para pensarmos as hierarquias, as questões de desigualdade, pobreza, racismo e sexismo” (Borges apud Ribeiro, 2017, p. 84). A escolha do tema e da bibliografia desta pesquisa tem como foco estimular a transformação social e a discussão sobre estas questões é essencial para a vida em sociedade. A Arte está presente em nosso cotidiano, em nossa história, seu aprendizado corrobora para o processo de humanização do sujeito de forma que o instigue a se conscientizar sobre o lugar que ocupa na sociedade. É muito importante ler o contexto imagético no qual estamos inseridos, e ampliar este conhecimento acessando o que foi acumulado pela sociedade, 21 sobretudo situá-lo historicamente, pois toda a disciplina contém sua historicidade. Segundo Saviani (2012, p. 55): “O dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação”. O conteúdo selecionado para este trabalho não se pauta no gosto do aluno, ele foi estruturado para o estudante aprender, a partir do entendimento, o gosto é consequência, é construção social. Quando o conhecimento sobre Arte3 é desvelado, o gostar pode se somar a isso. Como destacou Saviani, a pergunta é para o professor, o que ele precisa ensinar e não para o aluno sobre o que ele quer aprender. Uma recordação sobre a prática docente que vem à memória é sobre uma aluna que afirmava não gostar de Arte, não saber desenhar, este “não saber desenhar” é um “clássico” na educação escolar. Nesta época, o caderno de Arte ficava na sala da disciplina. Ela pediu várias vezes para não esquecer de entregar para ela no final do ano. Ela percebeu que Arte não é dom, e todos têm potencial de criação, e que isto pode e deve ser trabalhado. Arte é técnica, é aprendizado e é História da Arte. Assim como ninguém nasceu sabendo escrever, tampouco nascemos desenhando. E Arte não é apenas desenho, é muito mais que isso. É necessário salientar que este trabalho objetivou por trabalhar a linguagem de formação da pesquisadora. A polivalência não contribui para a construção de um ensino calcado na PHC no qual o professor deve dominar o conteúdo para manejá-lo de uma forma que o aluno possa se apropriar do conhecimento, então, este trabalho foi construído na contramão das teorias do professor polivalente. Portanto, surge a questão: Como selecionar os conteúdos para promover o ensino- aprendizagem em Arte e favorecer o processo de emancipação do sujeito, tendo como foco instigar a transformação social? Dentro desta ótica, a proposição investigativa teve em vista contribuir para a formação de sujeitos críticos, superando a realidade objetiva e ocupando um lugar mais consciente na sociedade no âmbito da oposição entre as diferentes classes sociais. O autor Newton Duarte (2010a) afirma que a Pedagogia Histórico-Crítica exige um posicionamento político do educador diante da luta de classes, no sentido de entender melhor as questões que permeiam a nossa existência e promover a aquisição de conhecimento a todos, sem distinção. Temos aqui um outro critério para a definição de um intelectual crítico em educação: ele deverá assumir uma atitude frontalmente contrária à seletividade no processo de 3 Esta pesquisa não se debruça em uma prática polivalente, neste caso o termo Arte se refere a Artes Visuais. 22 distribuição social do conhecimento pelo sistema escolar e contrapor a essa seletividade a defesa de um currículo escolar que promova a apropriação por todas as crianças e jovens, sem distinções de nenhuma natureza, do patrimônio científico, artístico e filosófico que a humanidade construiu até aqui (Duarte, 2010a, p. 67). Ademais, objetivamos pesquisar quais conteúdos clássicos da disciplina de Arte corroboram para a formação crítica de um estudante? Quais as formas que o professor poderá utilizar em sala de aula que dialogam com este processo e como promover o ensino- aprendizagem com o intuito de superar o senso comum e desenvolver as funções psicológicas superiores (FPS)? O ensino de Arte sob a perspectiva da Pedagogia Histórico-Crítica promove o cultivo de uma reflexão crítica e histórica nos alunos, estimulando uma compreensão mais rica da Arte enquanto manifestação cultural e social, não somente como destrezas técnicas e estéticas, contribuindo assim para a emancipação do sujeito. Educar o modo de ver e observar, segundo Ferraz e Fusari (2010), é imprescindível para tomarmos consciência de nossa vida cotidiana, ou seja, se o ato de ver for aprimorado, obteremos uma melhor observação do mundo. As teorias da Pedagogia Histórico-Crítica têm como propósito central a humanização do sujeito, ou seja, visam despertar os aspectos essenciais da prática social com a intenção de superação do senso comum tendo como método o materialismo histórico e dialético. Segundo Saviani (2021), as bases teóricas da Pedagogia Histórico-Crítica tiveram como referência básica as obras de Marx e Gramsci, em diálogo com outros autores: Quanto ao conteúdo da pedagogia histórico-crítica, de forma resumida podemos dizer que essa pedagogia é tributária da concepção dialética, especificamente na versão do materialismo histórico, tendo afinidades, no que ser refere às suas bases psicológicas, com a psicologia histórico-cultural desenvolvida pela “Escola de Vigotski” (Saviani, 2021, p. 29). Na perspectiva da autora Facci (2010), uma escola com base em Vigotski e na PHC, estudante, professor e conhecimento científico têm um caráter dinâmico no contexto educacional. O conteúdo é construído por meio da prática social, sendo o docente, aquele que socializará o saber científico, e o aluno, o que produzirá, por meio de ações, a formação de novos conceitos. E quanto ao que concerne ao processo de criação, de acordo com Saccomani (2016, p. 53), não é inato, e sim algo que pode ser desenvolvido. “O indivíduo precisa apropriar-se dos produtos da atividade humana para criar novas objetivações”. Em consequência disso, a pesquisa visou contribuir com a comunidade acadêmica e com os pares docentes, por demonstrar como o ensino de Arte calcado na PHC pode contribuir para 23 a formação do indivíduo que não apenas produz Arte, mas também compreende o seu processo histórico e social. Diferente das outras vertentes pedagógicas que se concentram somente na forma, a PHC tem o conteúdo como elemento central para a estruturação das aulas, objetivando a formação integral do sujeito. O ensino de Arte com uma perspectiva crítica estimula o processo de criação e o pensamento crítico. Quanto à metodologia, no primeiro momento, realizou-se um estudo teórico de obras da literatura acadêmica da área de ensino de Arte e da Pedagogia Histórico-Crítica para fundamentar a pesquisa, tendo como principal autor, Demerval Saviani, idealizador da Pedagogia Histórico-Crítica. Esta pesquisa-ação qualitativa com estudo de caso de uma turma de 9º ano de ensino- fundamental — anos finais, se propôs a estudar os fenômenos que envolvem os seres humanos, mais especificamente, na área educacional. Consoante o autor David Tripp, não há certeza sobre quem inventou o termo pesquisa-ação, a maioria das investigações neste espectro ocorre em torno de um ciclo, “[…] identificação do problema, o planejamento de uma solução, sua implementação, seu monitoramento e a avaliação de sua eficácia” (Tripp, 2005, p. 446), porém: […] há muitos modos diferentes de utilizar o ciclo e executar cada uma das suas quatro atividades. Assim, tipos diversos de investigação-ação tendem a utilizar processos diferentes em cada etapa e obter resultados diferentes que provavelmente serão relatados de modos diferentes para públicos diferentes (Tripp, 2005, p. 446). Tripp (2005) salienta que existem procedimentos variados para utilizar o ciclo e executar suas fases. Desta maneira, é possível perceber que há diversas formas de promover a pesquisa-ação e vários meios de se desenvolver, o importante é providenciar as adequações necessárias. No segundo momento, foram realizados o planejamento e o desenvolvimento do projeto de Arte/Educação baseado na Pedagogia Histórico-Crítica tendo como foco a questão dos povos originários trabalhada por meio da Publicidade e Propaganda no período ditatorial e das obras dos artistas Claudia Andujar e Jaider Esbell. A prática educativa incluiu aulas teóricas e práticas com trabalhos individuais e coletivos. Durante o percurso, foram coletados trabalhos individuais e coletivos, tanto teóricos quanto práticos dos estudantes, além do registro fotográfico e anotações em diário de campo. Diante dos dados, analisamos como os alunos desenvolveram as suas produções e demonstraram o conhecimento adquirido. 24 A pesquisa-ação implica em um olhar apurado do professor, pois as rotas podem ser recalculadas e os aspectos da pesquisa devem ser observados com lentes focais. De acordo com David Tripp (2005), a reflexão deve permear todo o processo, desde o planejamento, passando pela implementação, monitoramento até chegar na análise do resultado. No decorrer do trajeto, foi necessário recalcular o itinerário devido às demandas do sistema e da escola, isto significa que as devidas adequações foram efetuadas. Os alunos foram observados durante toda a trajetória, suas inquietações, os processos de criação, a aprendizagem, entre outros elementos. No desfecho, foi avaliada a eficácia da investigação, se a prática docente atingiu os seus objetivos, se os alunos avançaram na aquisição de conhecimento. O ato de educar de forma crítica sempre norteou o trabalho pedagógico que visamos desenvolver. Sabemos que o nosso papel na luta de classes é buscar construir um corpo social mais igualitário. Esta forma de pensar sobre o ensino de Arte dialoga diretamente com os conceitos da PHC. Desse modo, a partir de autores da Pedagogia Histórico-Crítica, da Arte/Educação, a pesquisa realizada almejou contribuir para a construção de um ensino crítico de Artes visando percorrer caminhos metodológicos com o intuito de formar não apenas leitores de obras, mas leitores críticos imagéticos do mundo. A dissertação foi estruturada em três capítulos. O primeiro capítulo, Teorias da Educação, objetivou compreender concepções que antecederam a Pedagogia Histórico-Crítica e suas implicações no ensino de Arte. As abordagens pedagógicas foram divididas nos seguintes grupos: não críticas e críticas, com o subgrupo das teorias crítico-reprodutivistas. Essa organização dos conjuntos está pautada no autor Saviani (2012), em uma conexão dialógica com outros autores. No segundo capítulo, Contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica, Psicologia Histórico-Cultural e a Arte na Formação Humana, explora as relações das teorias e demonstra como a articulação destas abordagens podem contribuir para a construção da prática de um ensino de Arte que se propõe a estimular a transformação social. A PHC será aprofundada, seu surgimento, base teórica e aspectos metodológicos, não apenas, mas também o papel do professor e do aluno, o conceito de clássico, sob esta perspectiva, são temas presentes neste capítulo. Posteriormente, a Psicologia Histórico-Cultural e sua relação com o ato educativo. E o final do capítulo versa sobre a relação da Arte na formação humana e o processo de criação. O terceiro capítulo é dedicado ao Conteúdo, Trajetória e Prática Educativa, que a princípio caracteriza a escola e a turma, apresenta o conteúdo que aborda a questão dos povos 25 originários. Seguido pela trajetória e prática educativa que foi estrutura em seis partes: Publicidade e Propaganda, Os Povos Yanomamis e as fotografias de Claudia Andujar, Publicidade no período ditatorial e a questão dos povos originários, Representação fotográfica dos povos originários, Diálogo com a contemporaneidade através da série It was Amazon, 2016 do artista Jaider Esbell da etnia Makuxi e Síntese do projeto. A última parte foi incorporada à parte 5 devido a algumas intercorrências que ocorreram no percurso. A descrição das aulas foi realizada linearmente, seguindo a cronologia, focando nos momentos mais essenciais que evidenciam as relações de ensino-aprendizagem. Na sequência, foi apresentada a análise dos resultados e considerações finais. 26 2 TEORIAS DA EDUCAÇÃO Este capítulo apresenta um breve panorama histórico das teorias da educação entremeadas pela história do ensino de Arte. O autor Tomaz Tadeu da Silva (2005, p. 11) explica que noção de teoria é “[…] é uma representação, uma imagem, um reflexo, um signo de uma realidade que — cronologicamente — a precede” e pontua que o objeto descrito pela teoria é um produto de sua criação. Diversos autores escreveram sobre as concepções da educação, mas Demerval Saviani (2012) classifica as tendências pedagógicas no âmbito educacional em dois grupos: não críticas e críticas, este segundo conjunto compreende uma espécie de subgrupo, com as teorias crítico- reprodutivistas que só buscam explicar a escola, mas não contém propostas pedagógicas. Para o autor, a visão de marginalidade que cada grupo tem das relações entre educação e sociedade define os parâmetros das teorias. Por uma questão de organização, as vertentes estabelecidas por Saviani serão utilizadas para a construção do texto, estabelecendo diálogo com outros autores que abordam a temática. As concepções não críticas compreendem a pedagogia tradicional, nova e tecnicista. Após, serão abordadas as teorias críticas, iniciada pelo subgrupo das crítico-reprodutivistas, a Teoria do sistema de ensino como violência simbólica, a Teoria da escola como aparelho ideológico de Estado (AIE) e a Teoria da escola dualista, consideradas por Saviani (2012) como as mais relevantes deste conjunto. E as vertentes críticas, Libertadora, Libertária e Histórico-Crítica. Sendo assim, para compreender de forma mais aprofundada a Pedagogia Histórico- Crítica, é crucial explorar as concepções que precederam e criaram o cenário antes do seu surgimento, bem como suas implicações no ensino de Arte. Salientamos que o estudo sobre a PHC será ampliado no capítulo seguinte. 2.1 TEORIAS NÃO CRÍTICAS No primeiro grupo denominado por teorias não críticas, a educação é como um instrumento de equalização social e superação da marginalidade, ou seja, a sociedade é concebida harmoniosamente visando a integração de seus membros. A marginalização surge como um fenômeno acidental que atinge parte dos membros que pode e deve ser corrigido. Neste cenário, a educação surge como um instrumento para potencializar a correção destes desvios e promover uma melhor integração de todos os indivíduos. Saviani (2012, p. 4) pontua 27 que ela possui um “[…] papel decisivo na conformação da sociedade, evitando sua desagregação e, mais do que isso, garantindo a construção de uma sociedade igualitária”. As teorias não críticas consistem em uma educação autônoma que buscam ser compreendidas a partir delas mesmas e nomeadas como, tradicional, nova e tecnicista. A pedagogia tradicional despontou com o princípio de uma educação como direito de todos e dever do Estado, porém, de acordo com Saviani (2012), esta concepção surgiu para atender aos interesses da nova classe que apareceu neste momento, a burguesia. Para superar a situação de opressão, própria do “Antigo Regime”, e ascender a um tipo de sociedade fundada no contrato social celebrado “livremente” entre os indivíduos, era necessário vencer a barreira da ignorância. Só assim seria possível transformar os súditos em cidadãos, isto é, em indivíduos livres, porém esclarecidos […] (Saviani, 2012, p. 5). Neste contexto, a ignorância é a causa da marginalidade, a escola surge com a função de reverter este processo e os alunos cumprem o papel de assimilar o conhecimento imposto pelo corpo docente o qual é o centro deste modelo de ensino. Saviani (2012) enfatiza que este paradigma foi alvo de inúmeras críticas e não obteve o sucesso almejado, além de não conseguir atingir o ideal de universalização, não foi acessível a todos e o sucesso não abrangeu todas as pessoas que conseguiram entrar. A pedagogia tradicional também foi muito criticada por Paulo Freire, caracterizada pelo autor como uma educação bancária, em que o conhecimento é depositado no aluno: A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem enchidos pelo educador. Quanto mais vai se enchendo os recipientes, com seus “depósitos”, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente encher, tanto melhores educandos serão (Freire, 2018, p. 80). No ensino de Arte, Rui Barbosa copiou os modelos educacionais americano, inglês e belga, as propostas de desenho eram transcritas integralmente, sem adaptações a realidade brasileira. Neste período, o desenho era utilitário e estava atrelado a produção industrial. No campo estudantil, a concepção neoclássica era mais aventada na prática, com ênfase na linha, no contorno, no traçado e na configuração (Iavelberg, 2003). De acordo com Ferraz e Fusari (2010) essa tendência pedagógica tem seu início no século XIX, perpassa o século XX e perdura até a atualidade. As aulas de Artes das escolas brasileiras consistem em uma teoria estética mimética, relacionadas as cópias do “natural” com 28 a apresentação de modelos para os estudantes copiarem, acreditava-se que os alunos aprenderiam por meio da repetição. No tempo presente, a cópia ainda se encontra impregnada nos estudantes, a ideia de Arte atrelada a representação fiel da realidade e a questão do belo, ainda são muito latentes nas aulas de Arte e difícil de ser desconstruída. No século XX, nas classes sociais menos favorecidas o ensino do desenho ainda se encontrava voltado para o mercado de trabalho, como, por exemplo, o desenho de ornatos e o desenho geométrico, que eram considerados úteis para algumas profissões: Entre os anos 1930 e 1970, programas de cursos de desenhos abordam as seguintes modalidades: • Desenho do natural (observação, representação e cópias de objetos); • Desenho decorativo (faixas, ornatos, redes, gregas, estudo de letras, barras decorativas, painéis) • Desenho geométrico (morfologia geométrica e estudo de construções geométricas) e • Desenho “pedagógico” nas Escolas Normais (esquemas de construções de desenho para “ilustrar” aulas) (Ferraz; Fusari, 2010, p. 27). Ferraz e Fusari (2010), afirmam que este modelo de ensino mantém a divisão social presente na sociedade, realçando um fazer técnico e científico, seu conteúdo é reprodutivista com vistas a treinar alunos para o trabalho. A pedagogia nova, surge como uma crítica a vertente tradicional, Saviani (2012) aponta que neste momento foi esboçada uma nova forma de interpretar a educação com um modelo baseado em experiências restritas e o foco voltado para a implantação na comunidade escolar. Conforme Ferraz e Fusari (2010), o movimento Escola-novismo ou Escola Nova tem sua origem no final do século XIX na Europa e Estados Unidos, apenas em 1930 começa a aparecer no Brasil. O contexto histórico deste período se configura conforme o excerto abaixo: […] momento de crise do modelo agrário-comercial, exportador, dependente, e início do modelo nacional desenvolvimentista, industrializado. É uma época assinalada por várias lutas políticas, econômicas, culturais e em prol da educação pública básica. Dentre os acontecimentos mais interessantes na área educacional destacam-se a fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924, no Rio de Janeiro e, naturalmente, o lançamento do “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova”, em 1932, do qual foram signatários Fernando de Azevedo Peixoto, Antônio Ferreira de Almeida Junior, Anísio S. Teixeira, Cecília Meireles, Manuel Bergstrom Lourenço Filho, Antônio Sampaio Dória e Pascoal Leme, entre outros (Ferraz; Fusari, 2010, p. 33). Nessa perspectiva pedagógica, o marginalizado deixa o papel de ignorante e ocupa a figura de rejeitado, surge então uma biopsicologização da sociedade e o conceito de 29 “anormalidade biológica”, ou seja, “[…] uma pedagogia que advoga um tratamento diferencial a partir da “descoberta” das diferenças individuais” (Saviani, 2012, p. 8). Ainda conforme o referido autor, diante destas pesquisas, a marginalidade não está atrelada apenas as diferenças de cor, classe, mas também no domínio do conhecimento, participação no processo e no quesito cognitivo. A educação na pedagogia nova, tem em vista promover a equalização social, quanto a marginalidade, cumpre a função de procurar adaptar o indivíduo a sociedade. Percebe-se haver diferenças, mas trabalha-se em função da aceitação ao “diferente”. Saviani (2012) traça algumas considerações em relação às diferenças da pedagogia tradicional e nova: Compreende-se, então, que essa maneira de entender a educação, por referência à pedagogia tradicional, tenha deslocado o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; do diretivismo para o não diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada principalmente nas contribuições da biologia e da psicologia. Em suma, trata-se de uma teoria pedagógica que considera que o importante não é o aprender, mas aprender a aprender (Saviani, 2012, p. 8-9). Saviani (2012) ressalta que, para esse modelo ter sucesso, seria preciso uma reformulação dos espaços físicos da escola e de toda a estrutura, materiais didáticos e bibliotecas, além da mudança da figura do professor para um estimulador / orientador da aprendizagem e o estudante ocuparia o papel de protagonista. Esta adequação acarretaria custos muito elevados, conduzindo a Escola Nova apenas a seletos grupos, ampliando a desigualdade social. A esfera pública, na tentativa de implementação do Escola Novismo trouxe consequências negativas, gerando uma despreocupação com o processo de ensino. As camadas populares ficaram mais empobrecidas, e a elite melhorou sua qualidade de ensino. Para Saviani (2012), a marginalidade foi agravada com essas ações e reforçou-se a ideia de uma escola boa para poucos ser melhor que uma escola deficiente para muitos. Alinha-se com as ideias de Saviani, a teorização de Basil Bernstein citada por Silva (2005, p. 76), que se pauta em duvidar do caráter progressista das pedagogias-centradas-na- criança (pedagogia nova) “[…] mudavam os princípios de poder e controle no interior do currículo, deixando intactos os princípios de poder e divisão social”. Em relação às aulas de Artes, Ferraz e Fusari (2010) afirmam perceber uma ruptura com as cópias de modelos e de ambientes comumente trabalhados nas aulas de Artes da pedagogia 30 tradicional. Na Escola Nova há uma valorização do estado psicológico e a concepção estética se concentra no aluno-produtor de seus trabalhos artísticos: a) estruturação de experiências individuais de percepção, de integração, de um entendimento sensível do meio ambiente (estética de orientação pragmática com base na Psicologia Cognitiva) b) expressão, revelação de emoções, de insights, de desejos, de motivações experimentadas interiormente pelos indivíduos (estética de orientação expressiva, apoiada na Psicanálise) (Ferraz; Fusari, 2010, p. 29-30). Conforme Ferraz e Fusari (2010), John Dewey, Herbert Read e Viktor Lowelfeld são autores que influenciaram a Arte na Escola Nova. Dewey, tem como princípio a Arte como experiência, sendo apenas o aluno ativo neste processo, o professor e o conteúdo não estão no centro desta teoria. Read, na Inglaterra contribui para a base psicológica, por meio de seus estudos sobre Jung, analisou a Arte infantil, em sua obra A Educação pela Arte, publicada em 1943, defende que a liberdade individual deve ser a base da educação e da democracia. E Lowelfeld pesquisa as fases do desenvolvimento infantil e contribui enfatizando sobre papel da Arte dentro desta concepção pedagógica: […] a) uma aprendizagem que acompanhe o desenvolvimento natural do indivíduo não só em seus aspectos intelectuais, mas também sociais, emocionais, perceptivos, físicos e psicológicos; b) diferentes métodos de ensino (e não um único) para desenvolver, de forma livre e flexível, a sensibilidade e a conscientização de todos os sentidos (ver, sentir, ouvir, cheirar, provar), realizando assim uma interação do sujeito com seu meio; c) formas construtivas de autoexpressão e autoidentificação dos sentimentos, emoções e pensamentos dos indivíduos a partir de suas próprias experiências pessoais, para que eles, bem-ajustados, vivam cooperativamente e contribuam de forma criadora para a sociedade” (Ferraz; Fusari, 2010, p. 35). Franz Cizek destaca-se pela aplicação da livre expressão na Escola de Artes e Ofício de Viena, através de suas propostas, reforçou a importância estética e psicológica de libertação do potencial criador das crianças (Ferraz; Fusari, 2010). Segundo Iavelberg (2003), no Brasil, Augusto Rodrigues implementou as teorias de Read na Escolinha de Arte do Brasil e difundiu o Movimento Educação pela Arte, pautados na livre expressão e no papel do ser humano no corpo social, o foco se voltava para o processo e expressão. […] na Pedagogia Nova, a aula de Arte traduz-se mais por um proporcionar condições metodológicas para que o aluno possa “exprimir-se” subjetiva e individualmente. Conhecer significa conhecer-se a si mesmo; o processo é fundamental, o produto não interessa. Visto como ser criativo, o aluno recebe todas as estimulações possíveis para 31 expressar-se artisticamente. Esse “aprender fazendo” o capacitaria a atuar cooperativamente na sociedade (Ferraz; Fusari, 2010, p. 38). As autoras Ferraz e Fusari (2010) também tecem críticas a respeito da Escola Nova, sendo uma delas, a livre expressão, que passou a ser difundida sem as devidas reflexões, e isto conserva-se até a atualidade. Rosa Iavelberg (2003) reforça a crítica pontuando que a falta de uma formação continuada de professores resultou em uma aplicação deformada da proposta. No final do século XX, o Escola Novismo apresentou um enfraquecimento e um sentimento de desilusão invadiu os meios educacionais. Este palco, segundo Saviani (2012), foi o cenário propício para o surgimento da pedagogia tecnicista inspirada nos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, com intenções de tornar o trabalho educativo operacional e objetivo. A pedagogia tecnicista mecanizou o processo educativo com propostas pedagógicas de “[…] enfoque sistêmico, microensino, telensino, instrução programada, as máquinas de ensinar, etc.” (Saviani, 2012, p. 12). O ensino técnico entra surge para atender às demandas do mercado de trabalho: Na pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais. A organização do processo converte-se na garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do professor e maximizando os efeitos de sua intervenção (Saviani, 2012, p. 12–13). De acordo com Rosa Iavelberg (2003), a base psicológica do movimento tecnicista foi Skinner, seguidor do behaviorismo e isto direcionava as aulas para uma forma mecânica e racional. Ainda convém mencionar que, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 5.692/71 foi assinada neste período e introduziu a Educação Artística no currículo. Em concordância com Ferraz e Fusari (2010), os professores de desenho, música, trabalhos manuais, canto coral e artes aplicadas presenciaram a mudança de trabalho conforme suas especificidades em meras “atividades artísticas”. O parecer n. 540/77, documento explicativo da lei, atesta que a Educação Artística “[…] não é uma matéria, mas uma área bastante generosa e sem contornos fixos, flutuando ao sabor das tendências e dos interesses”. (Ferraz; Fusari, 2010, p. 39-40). A publicação reforça a falta de autonomia da disciplina e evidencia a livre expressão que persiste nas aulas de Arte até a época atual. 32 A partir destas mudanças, os professores de Arte e demais disciplinas tinham que escrever os planos de aula e de curso, conteúdos, métodos e avaliações deveriam ser explicitados de forma clara e objetiva. Os docentes da área de Arte não se sentiram preparados para tal empreitada e se fixaram em livros didáticos de Educação Artística, isto gerou muitos equívocos, Ferraz e Fusari (2010) apontaram algumas causas, tais como, falta de conhecimento de referências bibliográficas teórico-metodológicas de ensino e aprendizagem no campo da Arte, formação universitária deficiente, falta de tempo para aprofundar os estudos, e o uso inadequado das tecnologias. Nesse ponto, há algumas questões em comum com a atualidade, os professores da educação básica pública sofrem com a escassez do tempo para estudar devido à sobrecarga de aulas, falta de tecnologia ou uso inadequado por falta de formação continuada. No que se refere à marginalidade, Saviani (2012) argumenta que não se pauta na ignorância e, sim, na incompetência, o indivíduo se torna improdutivo para o mercado, desta forma a educação tem em vista superar a marginalização conduzindo a formação de seres humanos eficientes e aptos a contribuir produtivamente na sociedade. […] a pedagogia tecnicista acabou por contribuir para aumentar o caos no campo educativo, gerando tal nível de descontinuidade, de heterogeneidade e de fragmentação, que praticamente inviabiliza o trabalho pedagógico. Com isso o problema da marginalidade só tendeu a se agravar: o conteúdo do ensino tornou-se ainda mais rarefeito e a relativa ampliação das vagas tornou-se irrelevante em face dos altos índices de evasão e repetência (Saviani, 2012, p. 14-15). Segundo Ferraz e Fusari (2010), a pedagogia tradicional, nova e tecnicista ainda se encontram presente no cenário escolar atual, conhecer a história dos movimentos educacionais, bem como, seus aspectos pedagógicos, ideológicos e filosóficos corroboram para o professor compreender melhor sua forma de ensinar Arte e refletir sobre o seu processo formativo, e desta forma, poderá se conscientizar de possíveis mudanças a serem realizadas. Ao final, entende-se que, a pedagogia tradicional aponta o professor como detentor do conhecimento e desta maneira não cria espaço para o diálogo, tal como defende Freire que a denomina de educação bancária. No ensino de Arte, a execução de cópias moldava as aulas na época. A Escola Nova, apesar da aparência progressista, na realidade só ampliou a desigualdade social, principalmente pela falta de estrutura na escola pública para trabalhar tal método com qualidade. Sobre a Arte na escola, até hoje há resquícios da livre expressão difundida neste período. E por fim, a pedagogia tecnicista que apenas se preocupou em formar pessoas, tal como a linha de produção de uma indústria, com verificação da aptidão no fim do processo. Quanto 33 as aulas de Arte, os docentes, diante de solicitações de conteúdos, métodos, entre outras, se apoiaram em livros de Educação Artística de baixa qualidade. Tais modelos implicam na reprodução da sociedade de classes somado ao reforço do modo de produção capitalista. No próximo tópico serão apresentadas as teorias do segundo conjunto que tentam explicar a educação pelo viés econômico. 2.2 TEORIAS CRÍTICAS As teorias críticas procuram compreender a educação a partir da estrutura econômica que a cerca, para Saviani (2012), o pressuposto é a reprodução da realidade no âmbito educativo. Nesse segundo grupo, a educação é um instrumento de discriminação social, um fator da marginalização de uma sociedade marcada pela segmentação de classes. Saviani (2012) salienta que neste caso, a marginalidade é vista como um fenômeno típico que caracteriza a sociedade estabelecida na base da força, a classe que possui uma força mais elevada domina o outro grupo se apropriando dos resultados obtidos da produção social. Trava-se então o debate, dominador contra dominado. Em meio a essas teorias, a educação é concebida como parte integrante da estrutura social que gera a marginalidade, deste modo, reforça a dominação e legitima a marginalização. Nesta concepção não se busca a superação do processo de marginalização, muito pelo contrário, “[…] a marginalidade social é a produção da marginalidade cultural e especificamente, escolar” (Saviani, 2012, p. 5). Saviani (2012) reúne algumas concepções e as nomeia de teorias crítico- reprodutivistas, tendo em vista que só denunciam o que ocorre na escola, mas não propõem solução e outras, também críticas, porém com proposições pedagógicas, os próximos textos esclarecerão as referidas teorias. 2.2.1 Teorias crítico-reprodutivistas O termo crítico-reprodutivistas, foi utilizado por Saviani (2012) que reuniu as teorias nas quais a proposta pedagógica é ausente, mas são críticas por buscarem compreender a educação a partir de fatores sociais. A Teoria do sistema de ensino como violência simbólica, a Teoria da escola como aparelho ideológico de Estado (AIE) e a Teoria da escola dualista são as mais relevantes e serão descritas a seguir. 34 A Teoria do sistema de ensino como violência simbólica, conforme indica Saviani (2012), está na obra de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino (1975), subdividido em dois livros, o primeiro, Fundamentos de uma teoria da violência simbólica, uma sistematização da abordagem mediante um método mais analítico-dedutivo e o segundo livro apresenta os resultados de uma pesquisa empírica desenvolvida pelos autores no sistema escolar francês. Saviani (2012) se debruça sobre o conteúdo do primeiro livro para fazer suas análises. O ponto de partida de Bourdieu e Passeron é toda e qualquer sociedade estabelecida na base da força entre grupos ou classes. “Sobre a base da força material e sob sua determinação, erige-se um sistema de relações de força simbólica cujo papel é reforçar, por dissimulação, as relações de força material” (Saviani, 2012, p. 17-18). O grupo dominador conduz ao reconhecimento de sua legitimidade através da dissimulação, deste modo é possível observar que a violência material ou dominação econômica se corresponde a violência simbólica ou dominação cultural que ocorre por meio da formação da opinião pública pelos meios de comunicação de massa, propaganda, moda, educação familiar, jornais, pregação religiosa, atividade artística e literária. Silva (2005) acrescenta que a cultura funciona como uma economia e o conceito de capital cultural é utilizado por Bourdieu e Passeron para tratar do processo de reprodução cultural existente em estado objetivado (obras de arte, literárias, teatrais, entre outras) ou institucionalizado (títulos, certificados e diplomas). Na prática, os valores, hábitos, costumes e comportamentos da classe dominante são visualizados como referencial de cultura, resultando em dois processos, o de imposição da cultura dominante e o de ocultação da imposição, tendo em vista a naturalização do que foi imposto, ou seja, uma dupla violência do processo de dominação cultural. Na escola, podemos obter como resultado, a exclusão, devido ao currículo atender apenas os interesses da cultura dominante, tanto na forma de expressão como na transmissão. Imprime-se em um ciclo que apresenta: As crianças e jovens das classes dominantes veem seu capital cultural reconhecido e fortalecido. As crianças e jovens das classes dominadas têm sua cultura nativa desvalorizada ao mesmo tempo que seu capital cultural, já iniciamos baixo ou nulo, não sofre qualquer aumento ou valorização. Completa-se o ciclo da reprodução cultural (Silva, 2005, p. 35). Conforme Saviani (2012), Bourdieu e Passeron concluem que a educação perpetua as desigualdades. No que tange a marginalidade, pode acontecer socialmente sem força material 35 (capital econômico) e culturalmente, pois não possuem força simbólica (capital cultural). Por meio da teoria da violência simbólica, a luta de classe se torna impossível, pois o poder que a classe dominante exerce impede qualquer reação dos dominados. Na Teoria da escola como aparelho ideológico de Estado (AIE), Louis Althusser é o autor referência citado por Saviani (2012), que trata de conceituar que o funcionamento do AIE, ocorre pela ideologia (mídia, escola e família) e posteriormente violência (polícia e o judiciário) sendo a escola, o lugar propício para o desenvolvimento de tais ações que buscam reproduzir as relações de reprodução capitalista. A marginalidade, neste caso, se aplica a classe trabalhadora, sendo que o Aparelho Ideológico Escolar corrobora para manter os interesses burgueses da sociedade. Silva (2005) destaca que, Althusser em seu ensaio, A ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado serviu de base para as futuras críticas marxistas da educação escritas neste contexto e elabora uma definição simples de ideologia “[…] é constituída por aquelas crenças que nos levam a aceitar as estruturas sociais (capitalistas) existentes como boas e desejáveis” (Silva, 2005, p. 31). Althusser conecta educação e ideologia e reitera que a escola se institui como aparelho ideológico central, tendo em vista que a sociedade passa uma grande parcela de suas vidas neste espaço. Segue o trecho que explica como a ideologia é transmitida no ambiente escolar: A escola atua ideologicamente através de seu currículo, seja de uma forma mais correta, através das matérias mais suscetíveis ao transporte de crenças explicitadas sobre a desejabilidade das estruturas sociais existentes, como Estudos Sociais, História, Geografia, por exemplo; seja de uma forma mais indireta, através de disciplinas mais “técnicas”, como Ciências e Matemática. Além disso, a ideologia atua de forma discriminatória: ela inclina as pessoas das classes subordinadas à submissão e à obediência, enquanto as pessoas das classes dominantes aprendem a comandar e a controlar (Silva, 2005, p. 31-32). A teoria de Althusser assume a existência da luta de classes e coloca ênfase no papel que a escola realiza reafirmando os ideais capitalistas. Silva (2005) aponta que, a escola contribui, por meio das matérias escolares, afirmar as crenças existentes na estrutura da sociedade como boas e agradáveis. E Saviani (2012) conclui que, o sociólogo não enxerga que é possível superar tal movimento, pois ele esmaga quem tenta ir no sentido contrário. E por fim, A Teoria da escola dualista, de acordo com Saviani (2012) foi escrita por Christian Baudelot e Roger Establet e se encontra no livro A Escola Capitalista na França (1971). O termo escola dualista é utilizado devido aos autores apresentarem a escola dividida em duas classes, a burguesia e o proletariado. Por meio de uma análise estatística minuciosa, 36 eles concluem que, é na escola primária cujos fatores mais importantes em relação ao capitalismo se realizam, tornando-se evidente que o aparelho escolar contribui para reproduzir as questões envolvidas no capitalismo. De acordo com Silva (2005), os autores Baudelot e Establet desenvolveram detalhadamente a teoria escrita por Althusser que afirmava que a matérias escolares eram aparatos para efetuar a transmissão dos princípios capitalistas. Saviani (2012), acrescenta que a teoria da Escola Dualista admite a existência da ideologia do proletariado, sendo assim: […] o papel da escola não é, então, o de simplesmente reforçar e legitimar a marginalidade que é produzida socialmente. Considerando-se que o proletariado dispõe de uma força autônoma e forja na prática da luta de classes suas próprias organizações e sua própria ideologia, a escola tem por missão impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária. Para isso ela é organizada pela burguesia como um aparelho separado da produção (Silva, 2005, p. 27). Mesmo Baudelot e Establet assumindo o lugar que o proletariado ocupa nesta conjuntura, Saviani (2012) constata que eles não acreditam que a escola pode ser um instrumento para subverter os discursos da burguesia e sim que a ideologia proletária nasce e se consolida fora da escola tornando a luta de classes inútil. Saviani (2012) enfatiza que as teorias deste grupo apenas tentam explicar os mecanismos envolvidos na escola e destaca que não tem como ser de outra forma, ou seja, está destinada a ser um espaço para a consolidação burguesa em detrimento do proletariado. A dominação e a exploração ficam evidentes. Diante deste breve panorama histórico das teorias crítico-reprodutivistas, podemos refletir sobre estes processos na esfera educacional e iniciar um percurso de pesquisa com vistas a superar este sistema que enrijece a educação reafirmando as desigualdades sociais. Diferente das abordagens discutidas neste texto, na próxima seção serão exploradas as concepções que contém propostas pedagógicas. 2.2.2 Teorias críticas — contexto histórico Este texto apresenta algumas concepções pedagógicas desta linha e todo o contexto histórico que precede a criação da PHC. Para Saviani (2012), uma teoria crítica deve ter como mote o engajamento na luta por uma educação de qualidade para o trabalhador de maneira que não se curve aos interesses dominantes. 37 O autor supracitado enfatiza ainda que a educação pensada para as camadas populares tem como bastidor, a burguesia em ascensão, defendendo a igualdade e tecendo críticas a nobreza e ao clero, em outros termos, tentavam explicar que privilégios não eram naturais e nem divinos. Neste momento surge: Logo, aquela sociedade fundada em senhores e servos não poderiam persistir. Ela teria de ser substituída por uma sociedade igualitária. É nesse sentido, então, que a burguesia vai reformar a sociedade, substituindo uma sociedade com base num suposto direito natural por uma sociedade contratual (Saviani, 2012, p. 39). A burguesia, como classe dominante, inicia na metade do século XIX seus processos de organização do ensino defendendo uma educação para todos com claros interesses políticos. “A escola era proposta como condição para a consolidação da ordem democrática” (Saviani, 2012, p. 40). Mas, com a burguesia no poder, os interesses mudam, ou seja, abandonam a luta pela transformação da sociedade. A pedagogia da essência, tradicional, não cabe mais dentro destes novos moldes e nasce a proposição de uma pedagogia da existência, nova, que legitima as desigualdades, dominação e privilégios (Saviani, 2012). Nestas circunstâncias, quem passa a buscar por revolução é o proletariado, aqueles dominados pela burguesia, e esta luta ainda permanece na atualidade. Os interesses políticos entre estas duas classes eram e continuam sendo distintos, a melhor escolha, na visão burguesa, não era a mesma na visão do povo. Após analisar a narrativa histórica relatada acima, Saviani (2012) critica a escola tradicional, devido sua preocupação com o depósito de conteúdo nos educandos, e desaprova a Escola Nova com seu método de trabalho, por meio de projetos de pesquisa. Implica-se na questão: “Sem o domínio do conhecido, não é possível incursionar no desconhecido” (Saviani, 2012, p. 47), somado ao fato de que ninguém se transforma em pesquisador sem dominar previamente os elementos de sua área. Desta forma, podemos perceber a fragilidade da Escola Nova que ampliou a desigualdade no ambiente escolar, pois as classes mais abastadas tiveram acesso a privilégios não oferecidos na esfera pública. A partir das críticas a pedagogia tradicional e nova, Saviani (2012) apresenta Paulo Freire com o movimento da Escola Nova Popular4, a tentativa se voltava a aplicação nas camadas populares com foco nos adultos analfabetos. 4 Saviani (2012) designou a iniciativa de Freire por Escola Nova Popular, Ferraz e Fusari (2010) preferem o termo Pedagogia Libertadora. 38 Segundo Ferraz e Fusari (2010), surgiram nos anos 1960, grupos que discutiam os novos rumos para a educação escolar, novas teorias começam a emergir com vistas a tentar se desvencilhar do pensamento liberal entranhado na escola. “De acordo com o processo histórico seguem-se as pedagogias: “libertadora”, “libertária” e “histórico-crítica” ou “crítico-social dos conteúdos” (ou ainda “sociopolítica”)” (Ferraz e Fusari, 2010, p. 42). A pedagogia libertadora de Paulo Freire propõe um ensino no qual estudante e docente constroem juntos o conhecimento, de maneira que o povo seja conscientizado em busca de uma transformação social. A Pedagogia Libertadora proposta por Paulo Freire objetiva a transformação da prática social das classes populares. Seu principal intento é conduzir o povo para uma consciência mais clara dos fatos vividos e, para que isto ocorra, trabalha com a alfabetização de adultos. Na metodologia de Paulo Freire, alunos e professores dialogam em condições de igualdade, desafiados por situações-problemas que devem compreender e solucionar (Ferraz; Fusari, 2010, p. 42). Tomaz da Silva (2005) destaca que a educação problematizadora de Freire possui uma perspectiva fenomenológica, o conhecimento é sempre intencionado. Dentro desta perspectiva, o ato de conhecer não pode ser individualizado, a intercomunicação é fundamental para o processo de ensino-aprendizagem, isto significa que todos os sujeitos devem estar envolvidos na ação. Outro ponto da teoria freiriana é o início por meio da experiência dos alunos com o intuito de gerar um tema que norteará a aprendizagem e o conteúdo deve partir do ambiente onde a comunidade discente está inserida, por serem sujeitos ativos neste processo. Silva (2005) considera que Saviani faz uma separação evidente de educação e política, para ele, a educação se configura como política a partir do momento em que o dominado se apropria do conhecimento para ser utilizado em uma luta mais abrangente. Em outras palavras, o conhecimento é patrimônio universal e não daqueles que se apoderaram dele, desta forma, Saviani reforça o papel do conteúdo na construção de conhecimento dos subordinados, se contrapondo a Paulo Freire. A pedagogia libertária tem como expoentes os autores, Michel Lobrot, Célestin Freinet, Mauricio Tragtenberg, Miguel Arroyo, dentre outros. De acordo com Ferraz e Fusari (2010, p. 43): A pedagogia libertária, por sua vez, resume-se na importância dada a experiências de autogestão, não diretividade e autonomia vivenciadas por grupos de alunos e seus professores. Acreditam na independência teórica e metodológica, livres de amarras sociais […]. 39 A pesquisadora Rosa Iavelberg (2003) destaca que, nesta tendência, os conteúdos eram obtidos a partir da necessidade dos alunos e o professor ocupava o papel de monitor, conselheiro e/ou instrutor, tendo como objetivo o crescimento do grupo. De acordo com Iaverberg (2003, p. 116), “O ensino da arte na escola libertadora e libertária segue as propostas da pedagogia ativa, com ações interdisciplinares em torno de um tema gerador. As práticas não são diretivas, e os conteúdos da arte popular, com conteúdo político, eram forte presença nas escolas”. Neste contexto surgem os estudos voltados as teorias crítico-reprodutivistas, que só reafirmaram o caráter da escola como propulsora de desigualdade social, e por consequência deste resultado obtido, alguns educadores se tornaram pessimistas diante destas constatações (Saviani, 2012). Com a intenção de superar o pessimismo oriundo das teorias crítico-reprodutivistas, alguns professores começaram a esboçar novos rumos para educação, entre eles, o pesquisador Saviani. Sua teoria, a princípio, é nomeada de pedagogia revolucionária e hoje é conhecida como Histórico-Crítica: Uma pedagogia revolucionária centra-se, pois, na igualdade essencial entre os homens. Entende, porém, a igualdade em termos reais e não apenas formais. Busca- se converter-se, articulando-se com as forças emergentes da sociedade, em instrumento a serviço da instauração de uma sociedade igualitária. Para isso, a pedagogia revolucionária, longe de secundarizar os conhecimentos descuidando de sua transmissão, considera a difusão de conteúdos, vivos e atualizados, uma das tarefas primordiais do processo educativo em geral e da escola em particular (Saviani, 2012, p. 65). Conforme Ferraz e Fusari (2010), Saviani tem como proposta de ensino, métodos que conectam professor e aluno aos processos sociais, sendo a prática social o ponto de partida que problematizará o processo de ensino-aprendizagem. A partir desta proposta o aluno e o professor compreenderão melhor a sociedade na qual estão inseridos. Nessa forma de ensino, o professor tem um papel importante e a tarefa de mediar o conhecimento. Professor, aluno e conhecimento têm papéis que interagem entre si, não é possível elencar um protagonista, ambos são importantes e fazem parte da ação educativa. Saviani (2012) destaca que todas as reformas escolares falharam, a pedagogia tradicional, nova e tecnicista colaborou para que isso ocorresse e como resultado obtivemos a reprodução da sociedade de classes e o reforço do modo de produção capitalista. Para o autor, a marginalidade é um problema social e a educação tem o papel de munir o sujeito de 40 conhecimento para que ele possa intervir no corpo social com um olhar mais analítico para questionar o modo de produção vigente. A Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) surge neste contexto de busca por uma melhor qualidade de ensino e uma educação igualitária, tendo como ideal proporcionar acesso ao conhecimento historicamente acumulado. Vários modelos pedagógicos foram colocados em prática, mas é perceptível o caráter dominador que alguns imprimiam aos subordinados reafirmando a desigualdade social, sendo assim, a PHC se propõe a oferecer ao aluno, condições, para ele compreender melhor a sociedade, com o intuito de transformá-la para si vislumbrando um futuro próximo menos desigual. No próximo capítulo esta nova tendência pedagógica será mais bem explanada. 41 3 CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA, PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL E A ARTE NA FORMAÇÃO HUMANA A Arte desempenha um papel fundamental na formação humana, não apenas como um meio de expressão individual, mas também como uma forma de compreensão crítica do mundo. A partir das teorias da Pedagogia Histórico-Crítica e da Psicologia Histórico-Cultural, é possível compreender que a Arte contribui para o desenvolvimento integral do sujeito. A PHC tem como foco a superação do senso comum e destaca a importância de promover a formação consciente e crítica do ser humano. Este capítulo versa sobre os elementos fundamentais desta teoria, seu contexto histórico, surgimento, referencial teórico e aspectos metodológicos. Na sequência, a importância do papel do professor e do aluno para a construção do conhecimento. E a questão do clássico, que corrobora para refletir sobre a seleção do conteúdo. Em diálogo com a PHC, a Psicologia Histórico-Cultural se soma a este segmento para contribuir para o debate sobre a importância do contexto social e histórico na dinâmica do psiquismo humano e o quanto a educação escolar pode promover o seu desenvolvimento. Ao final, este capítulo evidencia o papel da Arte na formação humana e o processo de criação à luz das contribuições das referidas teorias para a construção de uma educação estética. Dessa forma, este capítulo explora as relações entre a PHC e a Psicologia Histórico- Cultural e demonstra como a articulação destas concepções pode enriquecer a prática pedagógica no ensino de Arte e indicar caminhos para uma educação que promova a emancipação do indivíduo. 3.1 PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA Demerval Saviani (2011a) a partir de seus estudos sobre a educação brasileira e suas experiências de ensino com turmas de ensino médio e superior, percebeu a necessidade da criação de uma pedagogia com viés crítico. A princípio, o pesquisador exercia um esforço individual e posteriormente surgiu um interesse mais abrangente no campo educacional que corroborou para que o empenho pessoal se tornasse coletivo. Em 1978, Saviani (2011a) lecionou a disciplina Teoria da Educação no Doutorado em Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), na ocasião, professor e alunos estudaram o filósofo Gramsci com o intuito de extrair elementos que subsidiassem a compreensão da educação brasileira e sua problemática. Nas demais turmas, as discussões 42 continuaram, nesta conjuntura, algumas pesquisas foram surgindo. Saviani destaca a tese de Carlos Roberto Jamil Cury, Educação e contradição: elementos metodológicos para uma teoria crítica do fenômeno educativo, defendida em três de outubro de 1979, ano em que o idealizador da PHC elenca como um importante marco para a construção da vertente pedagógica, contudo, apenas em 1984, foi adotada a terminologia Pedagogia Histórico-Crítica. Os fundamentos teóricos, que embasam a PHC, foram extraídos das obras de Marx, na perspectiva filosófica, histórica, econômica e político-social. Saviani (2021) também aponta outros clássicos que dialogam com o