UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO PEDRO HENRIQUE MACIEL DIAS GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: LIMITES E POSSIBILIDADES Rio Claro 2019 LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA PEDRO HENRIQUE MACIEL DIAS GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: LIMITES E POSSIBILIDADES Orientadora: Profª Drª Maria Antonia Ramos de Azevedo Co-orientadora: Lígia Bueno Zangali Carrasco Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau de Licenciado em Pedagogia. Rio Claro 2019 D541g Dias, Pedro Henrique Maciel Gênero na educação infantil : limites e possibilidades / Pedro Henrique Maciel Dias. -- Rio Claro, 2019 53 f. Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura - Pedagogia) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientadora: Maria Antonia Ramos de Azevedo Coorientadora: Lígia Bueno Zangali Carrasco 1. Gênero. 2. Educação Infantil. 3. Formação de Professores. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Dedico esse trabalho aos meus pais, por não me deixarem desistir e por me fornecer meios de alcançar o que eles infelizmente não conseguiram. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a minha família que sempre me encorajou em todos os momentos e mesmo não tendo a mesma oportunidade que eu tive, não me deixaram desistir de trilhar o caminho que estou hoje. Aos meus amigos de curso, que me acompanharam nessa jornada árdua, porém prazerosa. Foram inúmeros momentos enriquecedores compartilhados, levarei vocês comigo por muito tempo. E aos outros que estão comigo fora da universidade mas que também me apoiam, sou muito grato. Aos meus professores, por compartilharem seus conhecimentos e por ajudarem a me tornar o que sou hoje. As minhas orientadoras, por abraçarem esse tema e por me auxiliarem na produção desse trabalho da melhor forma possível. A todos, minha imensa gratidão! RESUMO Essa pesquisa buscou compreender como são trabalhadas as questões de gênero na Educação Infantil, como isso é refletido na sociedade de um modo geral e como estes conceitos têm sido trabalhados na Educação Infantil, tanto para contextualizar e pensar sobre novas práticas, quanto para desenvolvimento pessoal. Crescemos em um ambiente em que o patriarcado e o machismo ainda prevalecem. O menino deve usar azul ou gostar de carrinho e a menina deve usar rosa ou gostar de bonecas. Qualquer coisa que fuja desse padrão, na maioria das vezes, é considerada como anormal ou errado. Após vários debates e discussões acerca do tema, em muitos anos, se torna nítida a incoerência em se permanecer reforçando discursos tendenciosos de que o homem está eternamente condicionado às atividades masculinas e as mulheres às atividades femininas, já que a construção familiar se dá de diversas formas, onde, levando em consideração a família tradicional, às vezes é a mulher quem cuida dos filhos ou da casa e o homem trabalha fora. Não é um assunto fácil de lidar, pois está carregado de preconceitos e concepções errôneas, vindos desde os próprios pais, até a comunidade escolar. Essa pesquisa tem como intuito, entender como a temática é tratada nesse período escolar inicial (Educação Infantil), como a criança recebe essas concepções, como ela pode reagir a partir disso, como é a formação de professores e algumas possibilidades de atuação. Para tanto, foi realizado um levantamento bibliográfico, por meio da abordagem qualitativa, onde utilizamos de teses e artigos do período de 2010 a 2017 para verificar os limites e as possibilidades do trabalho com esta temática na faixa etária que atende a Educação Infantil. Como resultados encontrados, podemos perceber que ainda que, na maioria das vezes, a criança reproduza estereótipos dos adultos, ela consegue encontrar outros significados para si. Por meio dos trabalhos analisados foi possível perceber a necessidade de uma formação adequada para os educadores poderem lidar com essas questões e que desencadeie o entendimento de se promover uma prática pedagógica preocupada com o respeito e a valorização das diferenças. Nos estudos que trataram das práticas, mesmo com limitações, foi possível encontrar algumas possibilidades de atuação. Palavras chaves: Gênero. Educação Infantil. Formação de Professores. Sumário 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 7 2 GÊNERO E SOCIEDADE ............................................................................ 14 3 PERCEPÇÕES DAS CRIANÇAS .................................................................. 18 4 FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA ........................................................ 24 5 POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO ................................................................ 29 6 METODOLOGIA E ANÁLISE DE DADOS..................................................... 35 6.1 A concepção dos pequenos sobre o tema e o olhar dos educadores ...................................................................................................................... 41 6.2 Formação de professores .................................................................... 43 6.3 Desafios de como ensinar em sala de aula ........................................ 44 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 48 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 50 7 1 INTRODUÇÃO Em quatro anos de graduação venho formando, aos poucos, minha identidade como futuro educador. Esse não é um trabalho fácil nem instantâneo. Mesmo após o recebimento do diploma o professor permanece num aprendizado contínuo, porque a sociedade está em constante mudança e é claro que a escola necessita acompanhar todas as transições. Minha ideia inicial para este documento não possuía nenhuma relação com a temática. Gostaria de trabalhar com a educação especial, mais precisamente o autismo, sendo algo que já tenho contato e gosto bastante. Todavia, devido a alguns contratempos, não consegui concretizar esse objetivo. Voltei a estaca zero com muita apreensão. Foi aí que tive a ideia de contextualizar como a transexualidade é abordada na Educação Infantil. Porém, percebi que não encontraria base suficiente para sustentar a pesquisa, já que ainda é um assunto pouco explorado. Então, conversando com minha orientadora, chegamos à conclusão que seria interessante debater a temática gênero, que ainda é um assunto confuso, não só na Educação Infantil, mas na Educação como um todo. Vemos atualmente, em diversas mídias, discussões acerca de como o gênero e a sexualidade são abordados na nossa sociedade, e como isso afeta a educação. Observando algumas pesquisas e documentos sobre o tema, percebe-se uma necessidade de mudança no âmbito escolar. A sociedade vem alterando aos poucos antigas concepções e aderindo uma nova forma de abordagem ao tema. Inevitavelmente, isso afeta as crianças e a Educação Infantil, já que as características de cada gênero como são vistas na sociedade, são construídas desde antes do nascimento. A concepção de gênero é, portanto, uma construção social e cultural, que nos ensina o que é ser masculino e o que é ser feminino; esse processo de construção se dá por meio da socialização dos sujeitos desde o início da vida (FONSECA, 2013, p.18). Assim que ficam sabendo o sexo do bebê, os pais compram objetos que teoricamente caracterizam o gênero da criança: rosa para meninas e azul para 8 meninos. Atualmente, algumas pessoas têm aderido a prática do "Chá Revelação", onde montam uma festa para revelar o sexo do bebê diante dos convidados. Para ser feita essa revelação, novamente são usadas as cores padrões para meninos e meninas, de formas diversas. O que mais uma vez, reforça estereótipos. Porém, quem garante que o menino vai gostar de jogar futebol ou de ter coisas azuis? E a menina vai com toda certeza gostar de bonecas, ser vaidosa e gostar de rosa? Existe uma certa relatividade, já que nesse caso há um envolvimento de gostos pessoais, onde a criança não deve ser forçada a ter determinados desejos apenas porque a sociedade os caracterizou como pertencentes ao masculino e feminino. Na Educação Infantil, esse padrão é reforçado em ações do educador para com a criança, onde normalmente, ela não pode agir diferente do que é direcionado ao seu gênero. Caso contrário, causa estranhamento e até certa repulsa. Limites esses, educados e impostos desde os primeiros anos de vida e refletidos em muitas ações do cotidiano nas creches, como, por exemplo, ensinar aos meninos a fazer xixi em pé; incentivar determinações de cores para ambos os gêneros; proibir qualquer ação considerada fora dos padrões do ser masculino ou do ser feminino; não permitir certas roupas de fantasias que denotem o sexo oposto, ou não permitir aos meninos pintar as unhas, etc (RIBEIRO, 2012, p.51). Para compreendermos a origem da problemática, temos que entender as definições de sexo, sexualidade e gênero, pois são coisas distintas, mas que podem ser confundidas por quem é leigo no assunto. Sexo é o que difere os indivíduos no âmbito biológico, que no caso são dois: o homem nasce com o pênis, e a mulher, com a vagina. Sexualidade, trata-se do comportamento sexual de cada gênero, podendo ser definido e praticado de inúmeras formas. O conceito de sexualidade refere-se ao dado sexual, que se define pelas práticas erótico-sexuais nas quais as pessoas se envolvem, bem como pelo desejo e atração que leva a sua expressão (ou não) através de determinadas práticas. Esse dado também é chamado por alguns/as de “orientação sexual”, e comumente classifica as pessoas em “heterossexuais”, “homossexuais” e “bissexuais” (BENEVENTO; SANTANA, 2017 p.11). 9 Enquanto o gênero se refere aos papéis sociais que esses indivíduos são direcionados a exercer, sendo mutáveis de acordo com cada cultura. De acordo com o Caderno de Apoio do Desafio da Igualdade, esse processo se chama socialização, O termo se refere a como os papéis de gênero são aprendidos. Tem impacto sobre todas as pessoas — desde o nascimento, através da infância, idade adulta e velhice. Família, escola, amizades, mídia, educação, religião e a comunidade participam dela. A socialização nos leva a adotar atitudes e expectativas sobre homens e mulheres e determina quem tem poder e quem é valorizado (PLAN International Brasil, 2016, p.12). Segundo o minidicionário Aurélio (2003), gênero é: sm.1. Agrupamento de indivíduos, etc, que tenham características comuns. 2. Classe, ordem, qualidade. 3. Modo, estilo. 4. Antrop. A forma como se manifesta, social e culturalmente, a identidade sexual dos indivíduos. 5. Biol. Reunião de espécies [v. espécie (4)]. 6. Gram. Categoria que classifica os nomes em masculino, feminino e neutro. O gênero é construído culturalmente, e as características individuais são determinadas por cada sociedade que atribui significados de acordo com a realidade vivida. [...] o termo "gênero" também é utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum, para diversas formas de subordinação feminina, nos fatos de que as mulheres têm a capacidade para dar à luz e de que os homens têm uma força muscular superior. Em vez disso, o termo "gênero" torna- se uma forma de indicar "construções culturais" - a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres."Gênero" é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado (SCOTT, 1995, p.75). Para Scott (1995), os papéis definidos para os homens e mulheres são determinados de acordo com as características biológicas. A mulher é incentivada desde criança, a ser passiva, frágil e responsável por cuidar da casa. Isso se dá pelo fato de engravidar e gerar filhos. O homem nesse caso, é considerado o "sexo forte". É ele quem vai trabalhar, muitas vezes fora de casa para garantir o sustento da família. 10 Essas diferenças, infelizmente são significativas no âmbito social. Enquanto o homem é visto como o líder, ou aquele cuja sexualidade é sinal de virilidade e poder, a mulher é tratada com inferioridade e reprimida na esfera sexual, com funções limitadas, inclusive no mercado de trabalho. [...] Pelo fato biológico que a mulher é quem engravida e dá de mamar, tem sido atribuído a ela a totalidade do trabalho reprodutivo. Às mulheres, portanto, se atribui o ficar em casa, cuidar dos filhos e realizar o trabalho doméstico, desvalorizado pela sociedade e que deixava as mulheres “donas de casas” limitadas ao mundo do lar; com menos possibilidade de educação, menos acesso à informação, menos acesso à formação profissional, etc (CABRAL; DIAZ, 2017 p.2). O problema está no fato de que, as escolas até então, seguem esse padrão social e reforçam a ideia que conhecemos hoje em relação aos gêneros masculino e feminino, ignorando diversas possibilidades de abordagens e descobertas. A criança na Educação Infantil, está numa fase experimental. Ela ainda não possui uma identidade totalmente formada. Para Piaget, esse é o período Pré- operatório - que vai dos 2 aos 7 anos - sendo um dos mais importantes no desenvolvimento cognitivo. [...] A primeira etapa dessa reconstrução, que Piaget denomina período pré-operatório, é dominada pela representação simbólica. A criança não pensa, no sentido estrito desse termo, mas ela vê mentalmente o que evoca. O mundo para ela não se organiza em categorias lógicas gerais, mas distribui-se em elementos particulares, individuais, em relação com sua experiência pessoal (CAVICCHIA, 1993, p.10). O indivíduo ainda não coloca total significado em brincadeiras ou brinquedos, onde, segundo Fonseca (2013), seguem a imaginação e a curiosidade, para utilizarem como quiser, de maneira diversificada. Porém, quando o adulto faz determinada intervenção, todas essas brincadeiras passam a ter certa limitação de significado. Ele deposita na criança, suas necessidades e desejos, muitas vezes com a intenção de reproduzir estereótipos, fazendo com que possa ser manipulada ou reprimida em algumas situações. As meninas automaticamente são direcionadas aos brinquedos que incentivam o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos. E o menino, é levado às atividades 11 externas, como futebol, carrinho e outras brincadeiras que imitam profissões. Onde inevitavelmente, se espera que a criança tenha determinadas atitudes. Os banheiros são divididos a partir das características físicas de cada gênero. E ainda há escolas onde são totalmente estruturadas para separação dos sexos, onde o menino não deve ultrapassar o limite feminino e vice-versa. Soares (2017), relata que existem escolas em Curitiba e no Rio de Janeiro que seguem o Single Sex Education, movimento segregador nascido na Europa na década de 60. Segundo ele, as aulas são totalmente separadas por gênero, desde os professores até os alunos. A justificativa para a divisão por sexo é que meninos e meninas se desenvolvem de maneiras e em tempos diferentes. Por isso, não devem conviver em sala de aula. Separados, podem ter suas necessidades e processos de aprendizagem melhor respeitados. Assim, aprendem melhor (SOARES, 2017, p.1). A segregação nesse sentido representa um retrocesso social. Os gêneros não se misturam e dificilmente convivem entre si. Segundo Soares (2017), os meninos podem se sair melhor em determinada matéria, enquanto as meninas se dão melhor em outras. Mas, por que não estimular a integração entre os gêneros ao invés da separação? A troca de experiências e conhecimentos se tornaria essencial para que as diferenças criadas culturalmente diminuíssem. Gênero e a própria sexualidade começam a ser explorados e conceituados efetivamente de modo geral, a partir do ensino fundamental. Mesmo nessa fase, onde o tema acaba se tornando essencial - devido as mudanças que posteriormente os indivíduos sofrerão na puberdade - ainda é carregado de tabus e o educador se sente incapacitado para lidar com certas questões. O professor na Educação Infantil, encontra dificuldade ainda maior em lidar com determinados assuntos. Fonseca (2013) traz como exemplo a renomeação dos órgãos genitais, transformando em algo infantil e errôneo. Como por exemplo, trocar o pênis por "pipi", ou a vagina, por "borboletinha". Relata, também, o constrangimento do educador perante a situações nas quais as crianças se tocam por curiosidade, realizando movimentos de masturbação. O ambiente escolar é o primeiro lugar que a criança tem contato com a diversidade que ultrapassa o campo familiar. É o período de descobertas, tanto com o mundo exterior, como com o mundo interior. A criança passa a se entender como indivíduo, que possui vontades e várias possibilidades de descoberta. 12 Estudar essas questões se torna essencial, pois gênero ultrapassa questões biológicas e abrange um parâmetro muito maior: o social. Estudar questões de gênero é estudar questões hierárquicas presentes na sociedade, e como elas afetam de forma positiva ou negativa, todos os envolvidos. Vianna e Finco (2009), reforçam a importância da discussão, já que: Gênero remete, então, à dinâmica de transformação social, aos significados que vão além dos corpos e do sexo biológico e que subsidiam noções, ideias e valores nas distintas áreas da organização social: podemos encontrá-los nos símbolos culturalmente disponíveis sobre masculinidade e feminilidade, heterossexualidade e homossexualidade; na elaboração de conceitos normativos referentes ao campo científico, político e jurídico; na formulação de políticas públicas implantadas em instituições sociais; nas identidades subjetivas e coletivas (Scott, 1995). Ele permite reconhecer a tendência à naturalização das relações sociais baseadas na fisiologia dos corpos e enxergá-los como signos impressos por uma sociedade e por uma cultura (FINCO; VIANNA,2017 p.5). A Base Nacional Comum Curricular (BNCC 2017), ao discutir os direitos de aprendizagem e desenvolvimento na Educação Infantil, relata que a criança deve brincar de diversas formas, com diferentes espaços e diversidade de parceiros, com a possibilidade de ampliação de seu repertório cultural. A forma como ela participa e transforma as brincadeiras, deve ser levada em consideração " [...] tendo em vista o estímulo ao desenvolvimento de seus conhecimentos, sua imaginação, criatividade, experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais." (BRASIL, 2017, p.34) Gênero e sexualidade de um modo geral, são questões sempre debatidas e com amplas interpretações. O educador necessita de uma preparação efetiva para lidar com essas questões e para encarar os diversos obstáculos existentes, daí a pertinência desta pesquisa, que pretende voltar o olhar para como estes conceitos têm sido trabalhados na Educação Infantil, tanto para contextualizar e pensar sobre novas práticas, quanto para desenvolvimento pessoal. Pensando nisso, o trabalho será organizado da seguinte forma: Inicialmente, será feita uma breve observação de como são tratadas as relações de gênero na nossa sociedade, com alguns conceitos históricos. Num aprofundamento maior do tema, é possível compreender, a partir das leituras feitas, 13 como a crianças nessa faixa etária absorvem esses assuntos e como elas reproduzem na sociedade. Já no terceiro capítulo, o foco se dá a partir da formação de professores e quais são os apontamentos trabalhados na formação inicial e continuada sobre determinadas questões. No capítulo seguinte, a atenção permanece voltada para os professores e como eles podem trabalhar e ensinar questões de gênero na Educação Infantil. Depois, será feito um capítulo metodológico com a análise de dados coletados. No caso, trabalhos encontrados nas bases Anped e Scielo. Conclui-se, por fim, com algumas considerações a partir dos estudos realizados. 14 2 GÊNERO E SOCIEDADE É inegável que as relações de gênero têm se modificado durante o passar dos anos. Novos estudos vão surgindo e novas perspectivas de abordagem nos mostram formas de enxergar o que antes era ignorado. Porém, para compreender essa temática, é preciso levar em consideração que a diferença entre os gêneros não se deve apenas a vertente biológica. Historicamente e socialmente, a mulher é vista como inferior ao homem, limitando-se a determinadas atividades, até então, voltadas apenas a elas, A dimensão da diversidade (gênero, raça, orientação sexual, dentre outras) permite-nos verificar que as mulheres estão inseridas num contexto de desigualdade que, determinado por relações sociais historicamente construídas, coloca-as em situações de subordinação e opressão, advindas seja por se apropriarem historicamente de menos poder do que os homens; seja por seu pertencimento a uma classe dominada, alheia à riqueza socialmente produzida ou, seja, ainda, por pertencer a a uma raça/etnia historicamente oprimida (SANTOS; OLIVEIRA, 2010, p.13). A figura masculina permanece sendo mais valorizada, até os dias atuais. Se olharmos para o início da história, levando em consideração o "mito judaico - cristão" (crença majoritária), podemos perceber logo no primeiro livro da Bíblia, Gênesis, que essa desigualdade é bem acentuada. De acordo com o criacionismo, Deus criou tudo o que existe em sete dias. Após finalizar o trabalho, percebeu que sentia falta de algo. Então, teve a ideia de criar o primeiro homem em sua imagem e semelhança, nesse caso, Adão. Ele entregou toda a sua criação para Adão administrar. Com o passar do tempo, o primeiro homem observou que cada animal tinha um par correspondente: fêmea e macho. Com isso, foi se sentindo triste e sozinho. Percebendo sua melancolia, Deus colocou-o em sono profundo, e entregou para Adão um presente tirado de sua própria costela. Se tratava da primeira mulher: Eva. Eva então, foi criada para fazer companhia a Adão e assim cuidarem juntos do Jardim do Éden. Após algum tempo, conhece a cobra que a seduz e faz comê-la o fruto proibido junto com seu companheiro. 15 Por fim, Deus os expulsa do paraíso, por transgredirem regras sagradas, condenando a mulher a punição de sentir as dores do parto e ser dominada pelo homem. E ao homem, a tarefa de dominar a natureza e garantir o sustento de sua família. Eva, por fim acabou ficando com a culpa de ter provocado a expulsão do Éden. Se tornando tarefa do homem, estabelecer a ordem sobre os transtornos humanitários. Em Gênesis 3:16, Deus diz a mulher que multiplicará grandemente sua dor e sua conceição; com a dor terá filhos, seu desejo será para seu marido, e ele a dominará. A Bíblia é o livro mais vendido de todos os tempos, tendo grande influência na maioria das culturas e sendo passada de geração em geração. O livro de Gênesis é um dos diversos que mostra uma relação desigual entre o homem e a mulher. Silva (2011), relata que as concepções sobre os papéis do homem e da mulher, construídos e potencializados pelas histórias e mitos, se cristalizam, tornando-se verdades absolutas e inquestionáveis. Naturalizando o que conhecemos sobre seus lugares na sociedade, inclusive em seus respectivos papéis no mercado de trabalho. O processo de emancipação feminina iniciou-se de fato, após a Revolução Industrial. Anterior a isso, a mulher auxiliava o trabalhador com a demanda da produção na sua própria casa, tendo ainda que zelar pelos filhos e realizar as tarefas domésticas. A Revolução Industrial transferiu a produção têxtil da casa para dentro da fábrica. Sob o sistema anterior, chamado de "indústria doméstica", a fiação e a tecelagem eram feitos na própria casa do trabalhador com a ajuda de sua esposa e crianças mantendo a noção de que o lugar da mulher é na casa e que seu único papel é cuidar do lar para seu marido e educar suas crianças (WIKISTORIA, 2016, p.1) Iniciado o processo de industrialização, a mulher necessitava acompanhar seu marido nas fábricas, além de continuar realizando trabalhos domésticos, pois o salário pago para o homem, não era suficiente. O trabalho nas fábricas era feito por todos os membros da família, onde se dividiam em turnos, aumentando a produtividade, porém desvalorizando a força de trabalho. Marx explica que 16 É possível, por exemplo, que a compra de uma família parcelada em quatro forças de trabalho custe mais do que anteriormente a compra da força de trabalho de seu chefe, mas, em compensação, temos agora quatro jornadas de trabalho no lugar de uma, e o preço delas cai na proporção do excedente de mais-trabalho dos quatro trabalhadores em relação ao mais-trabalho de um. Para que uma família possa viver, agora são quatro pessoas que têm de fornecer ao capital não só trabalho, mas mais-trabalho (MARX, 2013, p. 468). A luta por direitos iguais, juntamente com as péssimas condições de trabalho, levou as mulheres a várias greves e movimentos. Um deles, em 1857, reprimido pela polícia, resultou num incêndio, matando 129 operárias. O dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 8 de março, faz referência a esse trágico episódio. Foram várias as tentativas de emancipação feminina durante a história. No Brasil, a mulher conseguiu o direito ao voto apenas em 1965. Englert (2018), relata que até o ano de 1943 existia uma lei regulamentando que mulheres deveriam ter salários 10% menores que homens. Nesse mesmo período, as empresas costumavam dificultar o acesso das mulheres grávidas e das recém-casadas ao mercado de trabalho. No mercado o cenário aperta. Empresas passam a exigir dedicação integral e demitem mulheres recém-casadas ou grávidas. Isso porque neste momento já era considerado papel natural da mulher cuidar da casa e da família. Noções de masculino e feminino produzidas socialmente foram naturalizadas a serviço de uma relação de poder e dominação (ENGLERT, 2018, p.1). Hoje em dia, a mulher conta com licença maternidade, e tem direito a alguns dias de afastamento juntamente com o homem após o casamento. O homem na sociedade acaba sendo vítima do próprio machismo institucional que ceifa diversas possibilidades de ações. Qualquer coisa que fuja do estereótipo "homem forte e protetor" é abominado. A figura feminina sempre foi considerada inferior, e qualquer referência a ela, se torna motivo de vergonha. A sociedade permanece em avanço constante nas questões de gênero. Assuntos que anteriormente eram tabus, hoje são comentados, discutidos e modificados de acordo com a nova realidade. Não podemos fechar os olhos para tópicos tão importantes e confundir questões biológicas com outras, produzidas socialmente. 17 Como a pesquisa trata dessas questões na Educação Infantil, é preciso entender inicialmente como as crianças interpretam essa temática e como reproduzem no seu meio. 18 3 PERCEPÇÕES DAS CRIANÇAS A criança se constitui como ser social a partir do momento que é inserida em determinada cultura. Porém, apesar de ter um jeito próprio, ela é influenciada pela família e pela sociedade de modo geral. É extremamente importante que haja uma atenção em determinados assuntos, nesse caso, as questões de gênero. Na educação infantil, o indivíduo está na fase da experimentação e da descoberta do mundo em que vive. Pesquisas apontam que, as crianças adotam uma identidade de gênero entre 2 e 3 anos. Sem pretensão de generalizações e tendo em conta a importância de relativizar os graus de abrangência dessas etapas, os estudos apontam que, nessa idade, as crianças já conseguem se definir como pertencentes a um determinado gênero (SIMÃO, 2013 p. 5). Mesmo adquirindo uma "identidade de gênero", a criança não sabe quais comportamentos são apropriados para determinado gênero, segundo Simão (2013), isso pode acontecer mesmo que ela já saiba que grupo ou gênero pertence.Ela tende a reproduzir o que vê, tanto em casa, como em outros lugares, interiorizando informações. Para o adulto, separar meninos e meninas se torna uma maneira de classificar e organizar de acordo com determinadas atividades. A tendência é que a criança coloque pra fora, aquilo que interiorizou, principalmente quando está em contato com outras crianças. A forma como esse processo acontece é o que deve ser observado. Simão (2013), examina em sua pesquisa feita em uma instituição de Educação Infantil, diversas situações envolvendo as crianças e comprovando como as questões de gênero possuem amplas perspectivas. Para os indivíduos do sexo masculino, existe uma certa vigilância para que se mantenha o padrão do que é ser "homem" no grupo. Um comportamento reforçado pela família e muitas vezes pela própria escola. Algo que não acontece tanto entre as meninas. A conversa na roda, depois da contação da história do saci-pererê, é sobre encaminhamentos para a festa junina que acontecerá em breve. Envolve alimentação, vestimenta, danças e brincadeiras da 19 festa. A professora fala que Willian na festa do ano passado vestiu uma roupa bem bonita de caipira e havia feito maquiagem com barba. Fala ainda que as meninas fazem tranças no cabelo e usam chapéu e que passam batom. Enquanto a professora continua a conversa com as crianças, Léo e Willian, que estão sentados lado a lado na roda, conversam sobre o batom. Mesmo não conseguindo ouvir todo o diálogo, suponho que Willian disse que usaria batom para a festa junina, pois o Léo diz: Léo: não, não pode passar batom [passa os dedinhos nos lábios], só menina! (Registro notas de campo, 8/6/2009) (SIMÃO, 2013 p 9) Por outro lado, deve - se levar em consideração a curiosidade infantil, onde apesar de repetir o que é visto, a criança subverte esses comportamentos. Léo passa o batom de Larissa nos lábios e, em seguida, o devolve para ela. Segue até o espelho, se olha no espelho e vem até bem perto de mim e diz: Óhh, batom! Nesse momento, Willian se dirige até mim já com batom da Jennyfer nos lábios e diz: Óhh, batom! Willian também se olha no espelho e, em seguida, Léo e Willian se olham e voltam a se olhar no espelho (Registro notas de campo, 23/6/2009) (SIMÃO, 2013 p 10). Após esse episódio, percebe-se uma necessidade por parte das crianças de testar o adulto, para que o comportamento seja aprovado ou abominado, já que eles os tomam como referência. É na relação com o outro que a criança vai perceber as diferenças entre os gêneros e o que é aceito ou não para o seu. Em outro caso, é citado o menino Willian, um garoto que foge de estereótipos, com uma abordagem mais sensível e afetiva. Em uma das situações observadas, o garoto pega uma boneca do carrinho na qual denomina seu "bebezinho". Diz que ele e a suposta mãe, uma garota chamada Nicole, vão trabalhar. No final, diz que ama o bebê. Em um outro exemplo, Simão (2013), relata que o mesmo garoto, conta história para "seus filhos", tomando o cuidado de virar o livro para que os bebês possam visualizar as gravuras. Diversos questionamentos são colocados em pauta. O comportamento do menino Willian pode ser considerado uma transgressão do que já foi determinado culturalmente. Nos mostra as diversas possibilidades de práticas e comportamentos que podem ser executados por todos. Nesse caso específico, na sua pura relação com as bonecas, podemos comparar o garoto a um simples pai com seus filhos. O 20 menino mantém suas relações com o próprio gênero, o que não o impede de trazer novas perspectivas. Já na interação entre as meninas, pôde-se observar uma maior concentração entre elas para algumas atividades, quando não estão realizando brincadeiras conjuntas com os meninos. Elas entendem que determinadas atividades não são apropriadas ao sexo oposto, então restringem ou até proíbem que as fronteiras sejam ultrapassadas pelos meninos. Simão, relata que muitas vezes, os meninos "invadem" as atividades das meninas, atrapalhando-as. Um exemplo relatado nas observações, se refere aos meninos Léo e Willian: o primeiro garoto tenta uma aproximação com as meninas que se encontram na casinha do parque. Elas ficam ressabiadas e resistem a presença do garoto. A pesquisadora questiona se meninos não podem entrar na casinha e as outras respondem que não. Entretanto, é permitida a entrada de Willian, que logo após tenta uma aproximação. As meninas saem do local, ignorando Léo, mas incluindo Willian na próxima brincadeira. É interessante observar a contradição nesse episódio. Ao mesmo tempo que as meninas afirmam não autorizar a entrada de meninos, elas permitem que o menino Willian seja incluso na brincadeira. Pelo fato do garoto não atrapalhar suas atividades ou até mesmo por transitar pelo universo feminino com mais facilidade que outros garotos, o grupo de meninas o inclui sem nenhuma restrição. O mesmo não acontece com o menino Léo. Ele é deixado de lado pelas meninas no momento que tenta entrar no universo delas. Outra pesquisa envolvendo a mesma temática, foi feita por Ohouan (2015) em uma escola municipal de São Bernardo do Campo. Enquanto professora, ela observou as atitudes de um de seus alunos. Um garoto que brincava com bonecas, maquiagem e saias. Nesse momento, percebeu que era preciso refletir sobre essas questões, surgindo assim o tema de sua dissertação. Em algumas brincadeiras, o garoto utilizava os materiais disponíveis para criar o repertório no universo feminino. Seus desenhos, sempre bem elaborados e cheio de detalhes, representavam princesas e algumas vezes príncipes, quando escolhia desenhar a cena de um casamento. Ao fazer a modelagem com massinha, Paulo modelava unhas postiças, colocava-as nos dedos e, usando sua imaginação, pintava-as de diversas cores (OHOUAN, 2015, p. 11) 21 Em um desses momentos, a professora percebeu que houve uma certa aversão por parte de algumas crianças referente as atitudes do garoto denominado Paulo. Foi aí que ela refletiu e viu que era necessário intervir, pois não podia impedir que o garoto expressasse suas vontades, já que não estava fazendo nada de errado. Pensando nisso, foram feitas algumas experiências durante o ano. A professora trazia consigo, algumas roupas e acessórios para os pequenos utilizarem. Essa simples atitude se torna muito importante para Paulo e abre o leque de possibilidades para as outras crianças. Inicialmente, houve um certo estranhamento por parte das crianças, porém, com o decorrer do tempo, e depois de algumas conversas, outros meninos passaram a experimentar as tiaras, os colares e por fim iam brincar de lutinha como estavam acostumados. Em outros momentos, a professora fazia a inserção de kits de maquiagem e batons. Paulo vaidosamente se maquiava como as meninas da turma. Alguns meninos até repetiam a ação, outros usavam o material para incorporar monstros. Com o tempo, as piadas envolvendo o garoto diminuíram. Por menos que eu soubesse a respeito das discussões teóricas sobre gênero naquela época, compreendia que como professora, dentro de uma escola de Educação Infantil, meu papel era proporcionar uma diversidade de experiências para todas as crianças e respeitar suas escolhas (OHOUAN, 2015 p. 13). Já durante a coleta de dados para sua dissertação, a professora observou outra sala da Educação Infantil na mesma escola que atua como coordenadora. A escola, ocasionalmente, organiza algumas brincadeiras de faz-de-conta no pátio para as crianças. Elas são ministradas pelas professoras, onde cada turma utiliza por dois dias, durante cerca de 40 minutos. Pensando nas possibilidades que surgiriam nessas atividades, a pesquisadora considerou importante a observação nesse espaço. As brincadeiras observadas foram "Salão de Beleza e "Um dia de super-herói". A primeira brincadeira citada, é realizada pelo sexto ano consecutivo na escola. O espaço foi montado com os materiais de um típico salão de beleza: manicure, 22 maquiagem, pentes, espelhos, pincel de barbear, etc. As crianças podiam fazer uso de todos, sem exceção. As meninas se organizaram no espaço montado para a manicure. Um garoto chamado Júlio, timidamente, pediu para participar do espaço. A professora autorizou. Em outro momento, uma professora substituta questionou quem gostaria de usar o "esmalte do Homem-Aranha". Percebe-se que houve uma mudança de significado para aquele produto, até o momento limitado ao uso feminino. Quando a professora relaciona o objeto a um super-herói, novas perspectivas surgem, possibilitando que os meninos também possam brincar sem que haja um desencorajamento. A segunda brincadeira, consistia em oferecer fantasias de super-heróis para as crianças brincarem juntamente com outros materiais como máscaras e obstáculos para pular. Foi observado que existe uma grande variedade de fantasias para os meninos, como era esperado. Para as meninas, havia apenas a opção da Mulher Maravilha, com um único modelo e poucas quantidades. Percebemos que o mercado de fantasias alimenta a ideia de que os meninos são mais ativos, gostam mais de desafios corporais, são mais corajosos. Considerando a oferta de fantasias para princesas, que é tão grande quanto a oferta de fantasias de super-heróis masculinos, vemos que há uma dicotomia no que se espera dos comportamentos masculinos e femininos. Enquanto super-heróis vão a luta, enfrentam perigos e salvam o mundo, as princesas, geralmente, são salvas do perigo por um príncipe e encontram o amor (OHOUAN,2015, p. 46,47). Os meninos tiveram maiores chances de escolha, enquanto as meninas tiveram que se organizar com as poucas opções femininas. Algumas não conseguiram a fantasia desejada. Entretanto, isso não foi um empecilho, já que elas aceitaram as outras fantasias masculinas sem nenhum problema. Há também, o relato de um menino que utilizou um acessório da Mulher Maravilha para compor seu personagem. Meninas e meninos puderam experimentar todas as possibilidades da brincadeira, sem nenhuma relutância. Percebe-se que, tanto um como o outro, subverteram estereótipos de gênero e não limitaram a imaginação. 23 Ohouan (2015) conclui relatando que alguns funcionários, percebendo a escassez de fantasias femininas, propuseram a compra de maiores quantidades nas próximas vezes. Nota-se que a atividade causou incômodo nos adultos, coisa que não ocorreu com as crianças, já que não houve relutância em usar o que foi disponibilizado. Uma situação semelhante ocorreu na primeira brincadeira, quando o menino Júlio utilizou esmalte nas unhas, fato que resultou em uma reunião com uma reclamação por parte da mãe do garoto. Apesar dos padrões pré-estabelecidos, as crianças da Educação Infantil tendem a quebrar essas barreiras com novas perspectivas de gênero. Compreende- se que, fica a cargo do educador, mediar situações e permitir que os pequenos ajam de acordo com suas próprias vontades. Para isso, é necessário que ele compreenda essas questões e possua uma boa formação. 24 4 FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA Vimos que as crianças costumam, na maioria das vezes, reproduzir o comportamento dos adultos e suas concepções. Assim sendo, não é apropriado que o educador transmita conceitos errôneos baseados em opiniões próprias. É necessário que ele possua uma formação que possibilite discussões e troca de ideias sobre a temática. A Universidade é apenas um dos diversos meios dessa formação. Engana-se quem pensa que assim que conclui a graduação e entra em sala de aula, está isento(a) de novas aprendizagens. O mundo tem se modificado cada vez mais rápido e é inadmissível que o educador não se atente as novas demandas. A formação inicial do educador, no curso de Licenciatura em Pedagogia, destina-se a atuação na Educação Infantil e na primeira etapa do Ensino Fundamental, tendo como função também, a formação do gestor. Durante o período formativo na Universidade, o professor conhece teorias, autores e discussões que podem trazer uma atividade educacional de qualidade. Aliada a isso, temos a prática, no dia-a-dia das escolas e situações que auxiliam na formação continuada do professor. Entretanto, a constituição da identidade do mesmo, ocorre durante toda a vida profissional. Os saberes compreendidos na formação inicial, continuada ou em serviço e também por meio de experiências adquiridas por trocas, compartilhado entre outros professores, sustentarão uma prática efetiva e reflexiva (PEREIRA; MISUZAKI, 2015 p.81). Para Gonçalves (2010), é durante o processo de formação, que o desenvolvimento histórico de trabalho do(a) professor(a) se inicia, através da constante relação entre saberes teóricos e os saberes práticos, que marcando um processo reflexivo, auxiliam o (a) docente em sua função cotidiana. A reflexão da prática se torna essencial, visto que na maioria das vezes, a teoria não é suficiente para uma boa atividade no cotidiano. Inúmeras questões 25 tendem a surgir, de necessidades muitas vezes inimagináveis. O professor deve estar aberto a novos conceitos e entender que a aprendizagem nunca termina. A formação continuada surge dessa necessidade de se adaptar as novas realidades, repensar práticas e avaliar planos. Essas práticas trazem uma nova perspectiva ao profissional e uma evolução que permite ao professor, uma maior abertura às diversas realidades de seus alunos. A Educação Infantil, é a base da aprendizagem. É ela que constrói o alicerce do desenvolvimento humano. Engana-se quem pensa que o professor dessa etapa de ensino tem um simples caráter assistencialista. Se ao longo de sua trajetória esta modalidade de ensino foi marcada pelo assistencialismo e pelo improviso de espaços, de lugares, de tempo, de professores, hoje a criança e a Educação Infantil assume outra perspectiva, alcançada graças às pressões sociais e às lutas de movimentos sociais e instituições que colocaram em destaque o papel da mulher na sociedade e a dimensão da criança nesse cenário (PEREIRA; MISUZAKI,2015, p 82). O adulto deve propiciar um ambiente favorável para aprendizagem e respeito as diferenças, para que amplie as fronteiras de seus alunos. Entretanto, não é sempre que a formação do professor oferece suporte para uma vivência emancipatória e que respeite a individualidade de seus discentes. Durante os quatro anos de graduação, pude ter contato com disciplinas diversas que me auxiliaram e continuam me auxiliando na prática como futuro educador. Contudo, questões como gênero e sexualidade raramente foram discutidas em disciplinas obrigatórias. Esse assunto só foi apresentado de fato, no 3° ano quando foi ofertada a disciplina “Educação, Sexualidade, Diversidade e Relações de Gênero na Escola”, que no caso, consta como uma matéria não obrigatória, ficando por conta do aluno, escolher ou não participar dela. Pereira e Misuzaki (2015) comprovam a defasagem referente ao tema durante a formação de docentes em um estudo com acadêmicos do curso de Pedagogia de uma Universidade em Vilhena. 26 Questões como "O que você compreende por gênero?", ou "Houve mudanças nas suas concepções de gênero depois que você começou a frequentar a universidade?" foram algumas das que fizeram parte da pesquisa. É importante observar que, no momento que os docentes foram questionados sobre as discussões de gênero antes de entrar na universidade, alguns disseram não terem discutido nada do tipo anteriormente. Outros afirmaram já terem discutido sobre essas relações com a família, amigos, igreja, sobre situações do cotidiano, porém não souberam identificar em quais circunstâncias isso ocorreu. Tanto na primeira, quanto na segunda leva de respostas, as questões de gênero não costumam ser contestadas e nem discutidas de maneira efetiva, pois nenhum indivíduo soube ao certo afirmar em quais momentos elas aparecem. Contudo, elas surgem o tempo todo no nosso cotidiano. [...] as relações de gênero estão presentes em todos os ambientes da sociedade, por isso na família, escola e igreja encontramos formas muitas vezes imperceptíveis, mas precisas, de ensino e aprendizagens dos padrões e modelos existentes nas relações de gênero que nos ensinam como devemos viver e nos comportar, seguindo padrões de gênero (PEREIRA; MISUZAKI,2015 p.87 ). Entretanto, cada vez mais, temos provas de que as questões de gênero e afins estão começando a ser abordadas durante a formação docente de forma categórica. São exemplos disso, os estudos apresentados abaixo. Durante a coleta de dados para esse trabalho, tive contato com o artigo "Gênero, sexualidade e formação de professores: uma análise a partir da produção acadêmica da ANPED" que apresenta e faz uma discussão sobre os resultados analisados a partir de produções acadêmicas da ANPEd desenvolvidas por pesquisadores do GT23 (Gênero, Sexualidade e Educação) sobre a temática, de um modo geral. Os resultados se referem a publicações de 2004 a 2014, com cerca de 25 trabalhos. Levando em conta o objetivo do estudo, foi organizada três unidades de sentido para discussão de significados referentes as pesquisas feitas:  Feminização do magistério e constituição da docência: Publicações acerca da identidade docente e os processos de feminização do 27 magistério, com reflexões sobre a prática docente e as condições de trabalho para as mulheres.  Naturalização das diferenças de gênero e sexualidade na formação de professores: Trabalhos que discorrem sobre a inserção de sujeitos que não costumam ter um espaço ocupado no meio escolar. Objetivando compreender como se dá o papel do professor do sexo masculino na escola e a escolarização de professionais transexuais e travestis.  Gênero e sexualidade em foco na formação de professores: Provavelmente a unidade que mais contempla todo esse trabalho: Produções que discutem a importância do tema e estratégias para a prática. Esta é a única unidade encontrada que abrange a Educação Infantil: No ano de 2012, o trabalho de Cláudia M. Ribeiro é destaque ao problematizar falas, comportamentos e conflitos existentes na Educação Infantil para a sexualidade de modo geral. Um pouco antes, no ano de 2008, Cintia de S. B. Tortato teve o objetivo de discutir questões voltadas ao gênero e sexualidade a partir da literatura infantil, com o foco de trabalhar questões de gênero e diversidade sexual no ambiente escolar. Segundo a pesquisadora, foi visível a satisfação dos participantes nas atividades que envolveram os livros infantis, pois esses participantes puderam ver nos livros uma ferramenta que poderia ser utilizada como suporte para discussão dessas temáticas no cotidiano escolar (DAL’IGNA; SCHERER; CRUZ, 2017 p.645). Ainda com relação a formação continuada, é importante destacar a existência de um projeto relevante que resultou no livro “Tecendo gênero e diversidade sexual nos currículos da Educação Infantil”. Os docentes participantes do projeto participam do Grupo de Estudos Interinstitucional de Relações de Gênero e Sexualidade, atuando em Universidades como UNICAMP, USP Leste, Federal do Mato Grosso do Sul, Federal de Juiz de Fora e Federal de Lavras, onde se encontram sistematicamente para aprofundar nos estudos na esfera Gênero e Sexualidade, e cada universidade, se responsabilizava pela coordenação dos cursos e os conteúdos discutidos. Segundo Ribeiro (2012), o projeto consistiu em tentar desconstruir formas de ensinar/aprender e inventar possibilidades metodológicas na 28 e para a temática da educação para a sexualidade e gênero, objetivando qualificar técnica e politicamente 500 professores que atuam na educação infantil com vistas a implementar a temática para e – com – crianças de 0 até 6 anos, intencional e sistematicamente nas referidas Instituições. Observa-se então, que, apesar de ainda não possuirmos excelência na formação inicial e continuada referente às questões de gênero na Educação Infantil, estamos caminhando a passos curtos, porém relevantes, de um modo geral. Novas questões se tornam pertinentes e é dever do educador refletir sobre essas situações e buscar soluções conjuntas com significativas trocas de experiências e análises da prática. Assunto que será tratado no próximo capítulo. 29 5 POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO Como vimos, a formação inicial e continuada proporciona ao educador, reflexões e a oportunidade de desconstruir pensamentos para uma prática mais efetiva. No entanto, encontrar formas de aplicabilidade no dia-a-dia não é uma tarefa fácil. O fato de ainda ter poucas referências que tratem do assunto, limita as discussões, porém é possível trazer algumas possibilidades de atuação dentro do que foi encontrado. Estudos de gênero e sexualidade são conceituados apenas no ensino fundamental, muitas vezes, de uma forma superficial, apenas com conteúdos apresentados nos livros didáticos e sem entrar em questões históricas e sociais fundamentais para uma compreensão efetiva da temática por parte dos alunos, mesmo sendo questões que permeiam nossa sociedade desde o início da formação humana. Na Educação Infantil, a possibilidade de formação acerca das questões de gênero, está na ação do professor no sentido de impedir a reprodução de padrões que surgem nessa fase e permanecem durante longo período. Educar para os direitos humanos evitando processos de discriminação é necessário desde os primeiros anos da vida escolar. A participação ativa do professor é necessária para que a sala de aula não seja um espaço gerador e reprodutor de uma educação discriminatória, mas um espaço de construção de igualdades (CANGUÇU, 2015, p.15). Contudo, ainda é uma incógnita quando pensamos em como isso será feito, pois encontramos diversos obstáculos que dificultam uma abordagem mais efetiva. A própria instituição de ensino pode contribuir para a desigualdade de gênero, quando tenta educar meninos e meninas para determinadas funções. Canguçu (2015), durante a busca de dados para sua pesquisa, observou o dia- a-dia de uma escola particular de Educação Infantil em Brasília -DF, com o intuito de identificar situações sexistas e propor algumas atividades lúdicas com as crianças. 30 Segundo ela, o professor deve conceder aos alunos, diálogos e vivências que auxiliem na construção da identidade de gênero. Entretanto, é importante que ele tenha uma boa formação para que possa atender essas necessidades de forma efetiva. Ter sempre em mente que não existe padrão de comportamento, que a diversidade é algo constantemente presente em sala de aula, é necessário também aos professores, independente da série em que atua, avaliando não apenas as atitudes dos alunos, mas as próprias atitudes que ainda podem apresentar comportamento sexista e que a igualdade de gênero é construída cotidianamente em pequenas atitudes realizadas no dia a dia (CANGUÇU, 2015 p. 25). Durante as atividades de intervenção realizadas com auxílio das professoras e monitoras, a pesquisadora propõe, com base nas observações acerca do que as crianças gostam de brincar, novas abordagens, com o foco na igualdade de gênero. Entre as brincadeiras, destacam-se:  Brincadeira da massinha colorida: Entregar cores diversas e deixar que as crianças brinquem livremente. Nesse dia, algumas crianças reproduziram a ideia de que determinada cor deve ser direcionada a determinado sexo. Porém a professora mediou a situação, onde teve a oportunidade de romper com essa ideia.  Dia do herói: As crianças podiam levar para a escola objetos e brinquedos que remetessem aos super-heróis. A proposta era que as crianças pudessem brincar com qualquer tipo de brinquedo, sem restrições. Como era de se esperar, os meninos conseguiram uma quantidade maior de materiais. A atividade ocorreu de maneira tranquila. É interessante observar que, enquanto os meninos e uma parte das meninas brincavam de luta com os bonecos, outras meninas também brincavam com os bonecos, porém utilizando pulseiras e colares.  Dia da princesa: A mesma ideia do "Dia do herói". As crianças podiam levar objetos e brinquedos que remetessem as princesas. Dessa vez, foram as meninas que conseguiram reunir uma quantidade maior de materiais. Os meninos, por sua vez, logo se justificaram dizendo que tudo o que trouxeram, pertencia 31 as irmãs. A brincadeira ocorreu de maneira pacífica, sem grandes problemas. Outras brincadeiras como "Casinha e carrinhos" e "Dia do filme" foram feitas. Tendo essa última, ocasionado uma situação com um pai de uma das crianças. A atividade consistia em exibir uma animação e depois montar uma brincadeira de mímica, com o objetivo de mostrar que personagens são unissex. O filme exibido foi "Frozen". O pai de um garoto, questionou a professora se eles estavam assistindo a um "filme de menina". A professora, por sua vez, relatou que filmes não tem gênero e que todos podem assistir. O pai não gostou muito da situação. Canguçu (2015) também destaca o papel importante dos pais nesse processo: A escola tem papel fundamental, mas sabemos que, como em qualquer outra área, toda contribuição é bem-vinda. Até mesmo para que os pais possam refletir sobre suas atitudes para de fato conseguirem colaborar (CANGUÇU, 2015 p.35). É necessário que haja uma parceria entre a instituição e a família, para que possam ajudar na quebra de estereótipos para uma sociedade mais igualitária. Entretanto, é preciso que eles também compreendam a importância dessa desconstrução. Não é uma tarefa fácil e necessita sempre de diálogos entre todos os envolvidos. Durante a busca de material bibliográfico para este capítulo, foi encontrado um artigo interessante que dá dicas de "7 maneiras de falar sobre questões de gênero na escola" do site Porvir. De uma forma geral, ele traz relatos de professores de diversas regiões do país que comentam como trabalham questões de gênero em sala de aula. O artigo conta com relatos de profissionais desde a Educação Infantil até o Ensino Médio e Superior. Com relação a Educação Infantil, ele relata que a literatura se mostra uma boa opção para se trabalhar esse assunto. A professora Mayara Loyola dá exemplos de livros utilizados por ela : "Tudo bem ser diferente", de Todd Parr e "Meninos gostam de azul, meninas gostam de rosa. Ou não?", de Nívea Salgado, são alguns deles. Outro exemplo de atividade proposta pela professora Carolina, está no teatro e na arte. Ela relata que em suas aulas, nunca se refere os papéis como "de menino" 32 ou "de menina". Todo mundo pode ser o personagem que quiser.A presença da Educação Física na Educação Infantil, também deve ser observada, já que é considerada também como uma importante forma de intervenção na construção de sujeitos. Gênero sempre foi usado para dividir os indivíduos de acordo com as atividades na prática. O artigo "Educação Física na Educação Infantil: educando crianças ou meninos e meninas?" trata das relações de gênero nas aulas de Educação Física na Educação Infantil de dois professores que lecionam em escolas públicas em Campinas -SP. O professor da escola 1, inicia a aula explicando como a aula será feita. Logo, deixando que as crianças escolham o que querem fazer de acordo com os materiais e instruções passadas. Em nenhum momento ele as dividiu em filas específicas, sendo elas sempre mistas. Grupos de meninas e de meninos se formavam naturalmente, sem que existisse uma intervenção do educador. Cabe destacar que essa organização adotada pelo professor propiciava relações de gênero não polarizadas, caracterizadas por uma maior interação entre meninos e meninas quando comparadas a situações em que as crianças brincavam livremente dentro das aulas, sem nenhuma intervenção docente (ALTMANN; MARIANO, 2013 p. 418). Outro ponto importante na análise, se deve a linguagem do professor. No momento que se referia às crianças, para explicar atividades ou resolver outra situação, ele normalmente usava o termo "criança(s)". Não determinando uma separação de gênero. Lorenzoni (2015), em seu artigo, também discute sobre a linguagem empregada pelos adultos: As crianças aprendem pelo exemplo e replicam atitudes que observam nos pais e professores. Portanto, expressões como “gay”, “de mulherzinha” ou “como uma menina” não devem ser utilizadas com sentido pejorativo ou como xingamento. Caso ouça alguma delas entre os alunos, o professor pode organizar uma conversa em grupo para esclarecer o porquê de isso ser um preconceito – mulheres e homossexuais são pessoas como qualquer outra, não um 33 motivo de vergonha, e devem ser respeitados. (LORENZONI, 2015 p.1). Com relação às filas, fica claro que as crianças reproduzem da maneira que aprendem. Na escola 1, eles se dividiam de forma igualitária em grupos mistos. Já na escola 2, se esperava que elas se dividissem de acordo com o gênero. Ao pesquisar as relações de gênero entre adulto e crianças e entre as próprias crianças em uma escola municipal de Educação Infantil paulistana, Finco (2008) diz que as filas, apesar de serem justificadas pelas professoras como facilitadoras na hora de organizar e locomover o grupo, são também uma forma de mostrar os meninos, que são estigmatizados como agitados, bagunceiros e aqueles que não prestam atenção, contrastando com o bom exemplo dado pelas meninas na organização (ALTMANN; MARIANO. 2013 p. 420). O educador deve ficar atento no momento da organização das atividades para não fortalecer padrões que muitas vezes não possuem sentido. A escola 1 mostra uma flexibilidade maior na quebra de concepções. Além de não estimular filas separatórias, no momento que tinha alguma atividade competitiva, as crianças se dividiam de maneira aleatória, independente do gênero. Assim como, quando era solicitado pelo professor. Entretanto, na escola 2, a separação do gênero para atividades competitivas, era feita pela professora. Durante as observações, pode-se perceber que a professora reforçava essa separação de maneira incisiva. Como se os meninos fossem bons em atividades físicas por natureza, e as meninas tivessem a tarefa de “alcançá-los”. No time das meninas, algumas se distraíram e começaram a conversar. Logo, a professora interveio: “Meninas, se vocês ficarem aí só conversando, os meninos vão ganhar! Que fofoqueiras!”. E mais uma vez reforçou aos meninos: “Queima elas! Vocês vão ganhar!”. E para as meninas: “Será que vocês conseguem queimar alguém?”. Os meninos ganharam o jogo e a professora encerrou a atividade: “E os meninos ganharam! Eles foram muito espertos! E as meninas, coitadinhas, bobearam!” (ALTMANN; MARIANO. 2013 p. 423/424). São vários os exemplos de expressões que inicialmente parecem formas de incentivo, mas que influenciam atitudes e despertam desigualdades significativas, 34 inibindo possíveis manifestações das crianças. Muitas vezes, o educador não se dá conta que está reproduzindo esses discursos na prática cotidiana. Portanto, é necessário que haja uma atenção constante. A escola 1, por sua vez, exemplifica a postura de um professor que não reforça diferenças de gênero. Ele relata que não vê diferentes habilidades em meninos e meninas, pois ainda podem brincar de tudo e no momento não trabalham com esportes. Altmann e Mariano (2013), concluem que as intervenções menos diretivas durante as aulas de Educação Física produziram relações de gênero menos desiguais, o que garante a oportunidade para que os próprios alunos rompessem com as fronteiras estabelecidas socialmente. Nota-se que a educação para igualdade de gênero é construída diariamente. É um exercício de desconstrução de conceitos do próprio educador e da instituição. Além disso, deve ser um trabalho em conjunto com os pais, para que haja um efeito concreto. Meninos e meninas podem ter desejos diferentes, entretanto, é importante que eles mesmos sejam protagonistas das suas escolhas, e que possam ter liberdade para experimentar diversas possibilidades. Ao educador cabe, ainda, ser sensível a essas questões, buscando formação acerca do assunto para que ele possa compreender melhor e, a partir disso, pensar em suas ações. 35 6 METODOLOGIA E ANÁLISE DE DADOS Ao falar de método, podemos nos referir a forma como o conhecimento é construído. Gatti (2007) salienta que em setores onde a pesquisa levou a constituição de referenciais específicos mais claros e fortes, passam a suportar o levantamento e a sustentação de novas ideias, questões e, os meios de investigá- las. Para este trabalho, foi feita uma investigação por meio da abordagem qualitativa. Ela estuda, interpreta e analisa o homem no seu contexto social, onde ocorre o fenômeno que será estudado. Os pesquisadores que utilizam esse método, buscam explicar o porquê das coisas, expondo o que pode ser feito, porém não quantificam valores e as trocas simbólicas, também não se submetem à prova de fatos. Gerhardt e Silveira (2009) relatam também que, "na pesquisa qualitativa, o cientista é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto de suas pesquisas", não tendo como prever seu desenvolvimento. Dentro dessa abordagem, se encontram as diversas naturezas da pesquisa. A utilizada nesse caso é a "pesquisa bibliográfica." Conceito Restrito: é a busca de informações bibliográficas, seleção de documentos que se relacionam com o problema de pesquisa (livros, verbetes de enciclopédia, artigos de revistas, trabalhos de congressos, teses etc.) e o respectivo fichamento das referências para que sejam posteriormente utilizadas (na identificação do material referenciado ou na bibliografia final) (MACEDO,1987, p.13). Dentre algumas vantagens de se usar esse tipo de pesquisa, encontra-se a possibilidade de acesso a documentos produzidos por outros autores, podendo trazer contribuições importantes para se costurar um novo trabalho ou novas ideias sobre a temática, evitando que o pesquisador traga conceitos já explorados. Sendo assim, foram feitas pesquisas nas bases de dados Scielo e GT23 da Anped, para busca de conteúdos referentes a temática. A Scientific Eletronic Library Online (Scielo) trata-se de uma biblioteca eletrônica que possui uma coleção selecionada de periódicos nacionais. Ela é resultado de um projeto da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em conjunto com a BIREME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde. Conta com o apoio do CNPq - Conselho 36 Nacional de Desenvolvimento Ciêntífico e Tecnológico desde 2002. O projeto tem por objetivo, desenvolver métodos científicos comuns para preparação, armazenamento, transmissão e avaliação de pesquisas online. A Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped) é uma ONG que reúne alguns programas de pós-graduação em educação, feitos por professores, estudantes e pesquisadores da área. Ela tem como um dos objetivos, fortalecer e ampliar o desenvolvimento do ensino da pós-graduação e pesquisa no âmbito educacional. O GT23 da Anped é um grupo de pesquisa que estuda temáticas de gênero e sexualidade e sua articulação no campo da educação. A proposta da criação desse grupo foi levada a Assembléia Geral da 26ª Reunião Anual da Anped, realizada em Poços de Caldas, no ano de 2003. Ela surgiu dada a necessidade de ampliação e fortalecimento de pesquisas no assunto. Foram utilizadas as seguintes palavras chaves nos títulos dos trabalhos para as pesquisas nos bancos de dados: "Gênero, Educação Infantil e Formação de Professores". Os resultados estão numerados de um a quatro nos quadros a seguir: Quadro 1: Textos encontrados com o conjunto de palavras Gênero + Educação Infantil no Scielo. Numeração Base Título Autor Data da publicação 1 SCIELO Gênero como possibilidade ou limite da ação social: um olhar sobre a perspectiva de crianças pequenas em um contexto de educação infantil Márcia Buss- Simão Dezembro de 2013 2 SCIELO Meninos na educação infantil: o olhar das educadoras sobre a diversidade de gênero Isabel de Oliveira e Silva; Iza Rodrigues da Luz Junho de 2010 Fonte: elaborado pelo autor. 37 Quadro 2: Textos encontrados com o conjunto de palavras Gênero + Educação Infantil no GT 23 da Anped. Numeração Base Título Autor Data da publicação 1 Anped Meninos entre meninos num contexto de Educação Infantil: Um olhar sobre as relações sociais de gênero na perspectiva de crianças pequenas Márcia Buss- Simão 2012 2 Anped Trajetórias na docência: Professores homens na Educação Infantil Mariana Kubilius Monteiro; Helena Altmann 2013 3 Anped Construções de identidade de gênero na primeira infância: Uma análise da produção científica e do RCNEI Francisca Jocineide da Costa e Silva 2015 4 Anped O PIBID como espaço formativo de desarranjos, reinvenções e pluralizações dos gêneros e das sexualidades Marcos Lopes de Souza 2015 Fonte: elaborado pelo autor. 38 Quadro 3: Textos encontrados com o conjunto de palavras Gênero + Formação de Professores no Scielo. Numeração Base Título Autor Data da publicação 1 SCIELO Psicologia escolar continuada de professores em gênero e sexualidade Marivete Gesser; Leandro Castro Oltramari; Denise Cord; Adriano Henrique Nuernberg Dezembro de 2012 2 SCIELO Formação de professores/as em gênero e sexualidade: possibilidades e desafios Zilene Pereira Soares; Simone Souza Monteiro Maio de 2019 Fonte: elaborado pelo autor. No GT23 da Anped, não foi encontrado nenhum resultado referente ao conjunto "Gênero e Formação de Professores". A pesquisa foi fundamentada a partir de textos selecionados, onde foi possível a formação de três categorias para análise de dados, bem como os prováveis resultados. Bardin (1977), afirma que um sistema de categorias é válido se puder ser aplicado com precisão ao conjunto da informação e ser for produtivo no plano das inferências. A análise de dados feita, será uma Análise de Conteúdo, onde, segundo Bardin (1977), define-se como "conjunto de técnicas de análises as comunicações". Avaliando termos e excluindo os que não possuem relação, numa perspectiva quantitativa, que analisa numericamente a regularidade de certas palavras. Sendo assim, foram organizadas três categorias com os textos que mais se aproximaram dos objetivos da pesquisa; abrangeram a temática, tiveram maiores resultados possíveis e que trouxeram a visão da professora, da criança, e os elementos da formação de professores em suas análises e descobertas para que 39 pudéssemos dar continuidade a importante discussão neste trabalho. Os textos utilizados nas categorias estão estruturados na tabela a seguir. As categorias são:  A concepção dos pequenos sobre o tema e o olhar das educadoras;  Formação de professores e  Desafios de como ensinar em sala de aula. Quadro 4: Textos utilizados para a Análise dos Dados. Numeração Título Autor /Ano de publicação Sinopse 1 Gênero como possibilidade ou limite da ação social: um olhar sobre a perspectiva de crianças pequenas em um contexto de educação infantil Márcia Buss- Simão/ 2013 O texto parte de uma pesquisa de doutorado, com coleta de dados feita em uma rede pública de Florianópolis, a fim de trazer uma perspectiva de crianças da faixa de 2 e 3 anos, acerca das relações de gênero e de como fazem uso delas. 2 Meninos na educação infantil: o olhar das educadoras sobre a diversidade de gênero Isabel de Oliveira e Silva; Iza Rodrigues da Luz/ 2010 As informações coletadas durante a pesquisa indicam que as educadoras orientam-se por uma masculinidade que limita os meninos de maior contato afetivo e de experiências significativas em 40 brincadeiras que são tidas como femininas. 3 Psicologia escolar e formação continuada de professores em gênero e sexualidade Marivete Gesser; Leandro Castro Oltramari; Denise Cord; Adriano Henrique Nuernberg/2012 Tem como objetivo identificar contribuições teórico- metodológicas da Psicologia voltadas à formação de educadores, para que possam lidar com questões relacionadas a sexualidade no âmbito escolar. 4 Formação de professores/as em gênero e sexualidade: possibilidades e desafios Zilene Pereira Soares; Simone Souza Monteiro/2019 A pesquisa teve como objetivo, analisar a influência que o curso de Gênero e Diversidade na Escola teve na prática de professores do ensino fundamental no Rio de Janeiro. Analisa as dificuldades e desafios para a formação de uma sociedade mais igualitária. Fonte: elaborado pelo autor. 41 6.1 A concepção dos pequenos sobre o tema e o olhar dos educadores Nos dois primeiros textos, encontram-se registros mais sistematizados que mostram como as crianças da Educação Infantil agem com relação as questões de gênero, assim como os próprios educadores. O primeiro, mostra que os pequenos tendem a reproduzir estereótipos criados socialmente pelos adultos, que determinam o que meninos e meninas devem fazer. West e Zimmerman (1987) argumentam que o gênero não é um conjunto de traços, nem uma variável e nem um papel, mas o produto de ações sociais de algum tipo. O objetivo principal dos autores consiste em explorar como o gênero pode ser exibido ou retratado por meio da interação e, portanto, ser visto como “natural”, quando na realidade ele é produzido (SIMÃO, 2013 p. 942). Em muitas situações foi observado falas e atitudes por parte de meninos e meninas que repreendiam o que fugia das suas concepções do que pertence ao masculino e feminino, principalmente no que se refere a cores. Simão (2013), afirma ainda, que os usos que as crianças dão aos seus conhecimentos sobre gênero, e como lidam com seus semelhantes, assim como os adultos, são tão importantes quanto conhecer o que elas sabem e aprendem sobre a temática. Enquanto coletava dados para sua pesquisa de doutorado, a autora percebeu também que em outros momentos, as crianças desafiavam a imposição de padrões, como é exemplificado em ações de um menino chamado Willian. Ações como as demonstradas por Willian são chamadas de ações de “fronteira”, segundo Thorne (1993). Para a autora, essas ações podem ser definidas como um processo por meio do qual um menino ou uma menina pode solicitar o acesso a grupos e atividades do outro sexo (SIMÃO, 2013 p.950). O texto 2 mostra que o ambiente da Educação Infantil costuma ser organizado pelas mulheres que determinam as relações que devem existir no ambiente educacional. Porém, assim como no texto 1, ele também reforça a ideia de que as crianças reproduzem essas práticas, mas também transgredem, trazendo novas possibilidades de ação. As autoras, relatam uma segregação dos meninos por parte das educadoras em algumas situações, que no caso do texto 1, acontecia entre as crianças. 42 Podemos fazer um paralelo com o texto de Mariano e Altamann (2016), que menciona como são tratadas essas questões nas aulas de Educação Física em duas escolas de Educação Infantil. Em uma das escolas, o professor realiza uma aula mais livre, sem se apegar a rótulos, permitindo que as crianças experimentem diversas vivências. Já na outra escola, isso não acontece. O educador responsável não abre mão das filas separatórias, por exemplo. Retomando o texto 2 da análise, os papéis determinados socialmente para meninos e meninas, permitem que as educadoras tenham uma afetividade e um cuidado maior com as meninas, no que se refere a arrumar o cabelo, ou até mesmo fazer carinho. As meninas são vistas como mais frágeis que os meninos, logo precisam de um cuidado afetivo maior. [...] conforme identificado por Neves (2008), as necessidades de afeto dos meninos não pareciam entrar nas referências das educadoras. Percebemos, também neste caso, uma imagem de masculino e de constituição do sujeito masculino desprovida da necessidade de cuidados básicos, ou, pelo menos, suavizada, se comparada com o pretendido para as meninas (SILVA; LUZ, 2010 p. 28). A pesquisa mostra também as contradições por parte das educadoras em alguns momentos. Apesar de acreditarem que as crianças devem experimentar quaisquer atividades, as entrevistas feitas, mostram que na prática isso não acontece. Uma das professoras, usa a condição de mãe como justificativa. "Eu não sei. Eu como mãe, eu não sei, queria começar a brincar, menina de carrinho até vai, mas menino de boneca...” (Cristina, entrevista em 31/10/2007) (SILVA; LUZ, 2010 p. 34). Apesar de compreender seu papel como sujeito fundamental na formação de indivíduos, se torna difícil manter a postura na prática. Não se pode ignorar que o educador também é um ser social que precisa refletir ações e muitas vezes deixar de lado concepções pessoais para que seja feito um bom trabalho. É possível notar que, tanto nas situações entre as crianças, quanto entre as educadoras, os estereótipos de gênero resistem. Por outro lado, é possível inferir que cada vez mais, estão diminuindo e dando espaço para subversões. 43 6.2 Formação de professores O texto 1 possui foco em situações protagonizadas pelas crianças, e apesar de possuir a visão de educadores sobre a temática, o texto 2 não explora como se dá a formação de professores para trabalhar questões de gênero. Esse assunto é contextualizado apenas nos dois últimos textos. Contudo, não abrange a Educação Infantil, apenas a formação de modo geral. O terceiro texto faz uma síntese de como a psicologia pode contribuir para que a formação do professor o capacite para lidar com gênero e sexualidade no contexto escolar. Para isso, é feita uma análise do caderno de Orientação Sexual que faz parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais -PCN, sugerindo que o assunto seja trabalhado de forma transversal, em todas as disciplinas. No último texto, é analisado a influência que o curso de Gênero e Diversidade na Escola teve na prática pedagógica de 12 professores de Ciências no Ensino Fundamental no Estado do Rio de Janeiro. A importância desses cursos de formação se dá pela necessidade de maiores estudos sobre a temática, em que diversas vezes, o professor se encontra despreparado para abordar determinados assuntos. Ressalta-se que uma formação ético-política voltada à temática “sexualidade” deve contribuir para que os educadores não apenas se instrumentalizem cognitivamente, mas também recriem o modo como lidam com as expressões da sexualidade que emergem no cotidiano escolar (GESSER; OLTRAMARI; CORD; NUERNBERG, 2012, p. 233). Isso se torna evidente quando percebemos que com os professores de Ciências, a temática se limitava apenas a perspectiva biológica, com estudos sobre reprodução humana. Entretanto, no cotidiano escolar, diversas questões são colocadas em pauta, onde o educador deve estar preparado para enfrentá-las. Como por exemplo, o sexismo e a homofobia, que ainda possuem níveis alarmantes de violência. A gravidade das situações de discriminação por gênero e orientação sexual pode ser atestada por estatísticas recentes que apontam que apenas no ano de 2017 foram registrados 445 casos de assassinato por homofobia (GGB, 2018); e que a cada duas horas doze mulheres são assassinadas no Brasil (LIMA et al., 2017) (SOARES; MONTEIRO, 2019 p. 289). 44 Pereira e Misuzaki (2015), dizem que um fator importante na formação da identidade docente se dá em como o professor lida com essas situações no cotidiano escolar, sua postura, crenças e princípios de vida, sua forma de relacionar e entender o ambiente de trabalho. O texto 3: "Psicologia Escolar e formação continuada de professores em gênero e sexualidade", reforça a importância de ouvir os professores, entender o que eles pensam sobre o que é trabalhado, e o modo como lidam com determinadas expressões. Isso fica muito claro no texto 4, que mostra o interesse de compreender o que pensam 12 professores de Ciências do Ensino Fundamental, e aponta a importância de existir uma homogeneidade entre todos os membros escolares na prática. Porque não adianta nada eu ter uma postura com meu aluno se o outro professor não tem a mesma postura. Dele falar: ‘isso não é coisa de menino’, ‘isso não é coisa de menina’, e aí eu tô tendo o maior trabalhão e no dia de fazer o cartãozinho dá a folha rosa pra menina e a azul pro menino (SOARES; MONTEIRO, 2019 p.301). É possível perceber, portanto, que o texto 3 enaltece a importância de trabalhar gênero e sexualidade na escola e como a Psicologia pode contribuir com o trabalho, ressaltando que os professores tendem a passar por uma reflexão pessoal da prática e revisão de valores. No texto 4, temos um claro exemplo de como isso pode acontecer. Independente da faixa etária e apesar de ser um tema transversal, a formação para questões de gênero e sexualidade na escola ainda é algo que precisa de atenção. 6.3 Desafios de como ensinar em sala de aula A terceira e última categoria de análise, faz uma relação dos desafios de como ensinar essa temática no ambiente escolar. Ambos os textos 1 e 2, trazem algumas situações que nos faz pensar em como lidar com essas questões na Educação Infantil, por meio de atitudes das crianças e das educadoras. Compreender como são as questões de gênero no ambiente escolar é o primeiro passo para mudanças significativas. 45 O texto 1, como já foi dito, mostra diversas situações vividas pelas crianças de uma rede pública de Florianópolis, que demonstram estereótipos de gênero. As crianças utilizam conhecimentos que são aprendidos socialmente durante a interação com seus pares. Manu: Saia é de menina; o que é de menina, menino não pode usar! Manu fala essa frase olhando para mim, suponho que pretendia ver se eu concordava ou não, mas não me manifestei (SIMÃO, 2013 p.947). Diante de uma situação como esta, cabe ao professor conversar com os alunos, mostrando que algumas diferenças não são importantes e que a criança pode ser livre para experimentar o que quiser. Simão (2013), relata também que algumas crianças questionam regras sociais, procurando fugir de padrões determinados. É o caso do menino Willian, que em alguns momentos, mostra interesse em artefatos do mundo feminino. O educador necessita mediar situações para que a criança não se sinta excluída ou deixada de lado em algumas brincadeiras. Porém, deve estar preparado para não reforçar estereótipos. Silva e Luz (2010) relatam que diferentes estudos (Vianna e Finco, 2009; Neves, 2008; Finco, 2007; Gomes, 2006) mostram que as educadoras proporcionam aos meninos e meninas experiências diferentes baseados nas concepções de masculinidade e feminilidade. Evidenciando o que consideram mais adequado e reprovando o que consideram o oposto. A pesquisadora destaca alguns momentos em que os meninos são excluídos de determinadas atividades que são direcionadas às meninas. A importância da formação continuada se dá na possibilidade de proporcionar diferentes vivências às crianças, independente do gênero no cotidiano escolar. Assim como diz Pereira e Misuzaki (2013), no sentido de constituir-se como espaço de diálogo, de resistência e enfrentamentos. Muitas vezes, o professor se apoia em concepções pessoais, religiosas e culturais, dificultando sua postura em sala de aula. As autoras relatam ainda, nas suas considerações finais, que a escola pode exercitar a crítica para construção de novos signos. Entretanto na prática, essa crítica não encontra um ambiente institucional que favoreça. 46 Soares e Monteiro (2019) refletem sobre as dificuldades em aplicar os aprendizados do curso "Gênero e Diversidade na Escola" no ambiente escolar. Uma das professoras considera a própria família, como um dos obstáculos, que infelizmente, ainda não trata essas discussões de forma positiva. De acordo com Heilborn (2004), a família ainda ocupa um lugar chave na socialização das novas gerações no que diz respeito ao sexo. Nesse aspecto, a Professora Sandra explica a dificuldade da escola em competir com as normas e valores construídos na vida familiar: “eu acho que é muito complicado você querer entrar em uma estrutura familiar consolidada nesse papel, que têm disso, o pai manda e a mãe obedece e cuida dos filhos” (SOARES; MONTEIRO, 2019 p. 300). Outra professora, relata que a descontinuidade do trabalho por parte de outros educadores dificulta a tarefa de desconstrução, como já foi falado em outra categoria. A não aprovação da escola para aplicar o projeto sobre sexualidade, a não aceitação do uso do nome social entre alunos transexuais e travestis e a postura conservadora de alguns alunos, dificultam muito o trabalho, que necessita de uma linearidade entre todos os membros da instituição, para que nada seja perdido. Em relação a postura conservadora dos alunos, como foi mencionado acima, pode ser facilmente resolvida se o professor compreender e desenvolver estratégias de educação voltadas a diversidade relacionando à realidade dos jovens, assim como é defendido no texto "Psicologia Escolar e formação continuada de professores em gênero e sexualidade": O professor deve ser instrumentalizado a desenvolver estratégias de educação sexual a partir dos aspectos acima citados e pautar suas intervenções com base nas realidades dos jovens. Para tanto, o desenvolvimento de uma escuta ativa, livre dos preconceitos comumente associados à adolescência e juventude, e capaz de encará-los como sujeitos com direitos sexuais e reprodutivos, é condição sine qua non para uma efetiva incorporação dos ideais preconizados nos PCN (GESSER; OLTRAMARI; CORD; NUERNBERG, 2012 p.234). 47 Ensinar gênero e outros assuntos de esfera sexual na escola não é uma tarefa fácil e necessita de manutenção constante, visto que os obstáculos não são poucos. Porém, percebemos, diante do que foi relatado, que mesmo com dificuldades, há espaço para discussões e novas formas de enxergar essa realidade. Fazendo uma análise do que foi falado até o momento e trazendo perspectivas dos capítulos teóricos, Ganguçu (2015), relata que a atuação dos professores desde a infância, se torna de suma importância, para uma educação onde o respeito à diversidade de modo geral, seja efetivo. Perpassando ao longo da vida do estudante, não apenas com o objetivo de construir uma igualdade de gênero, mas educar para combater preconceitos raciais, regionalismo, diversidade sexual, religiosa, entre outros. A escola e os pais, possuem um importante papel nessa empreitada. Eles não podem ser neutros diante dessa realidade. Santos, Santos, Santos e Lima (2016), relatam que ao vigiar a sexualidade das crianças, os adultos terminam privando ou limitando perguntas, fantasias e as dúvidas que eles possam ter sobre a sexualidade e sua identidade. Compreende-se que, mesmo que sejam assuntos distintos, abordados nos textos, é possível fazer algumas relações entre eles, a fim de entender as relações de gênero no ambiente escolar e buscar novas formas de abordagem para garantir o respeito aos direitos humanos e uma sociedade. 48 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS No momento que iniciei as buscas para essa pesquisa, tive receio de não conseguir encontrar material suficiente para fundamentá-la. Me rendi a insegurança, e por determinado momento, duvidei da minha capacidade de conseguir concluir esse trabalho. Porém, em conversa com minhas orientadoras e fazendo diversas buscas, acredito que esteja conseguindo finalizá-lo com êxito. As relações de gênero, são determinadas desde o início da humanidade, como pudemos observar. Muitas vezes, trata-se de relações desiguais e repletas de preconceitos. As mulheres travaram diversas lutas em busca de direitos mínimos, como o voto e igualdade no mercado de trabalho, em contraposição ao homem. Felizmente, com o passar dos anos, a sociedade evoluiu. Coisas que antes eram aceitas, hoje são abominadas. Tivemos o surgimento de leis e diretrizes que garantem os direitos e a integridade da mulher, mesmo com diversos problemas que ainda dispomos. Novos debates surgem, principalmente no meio educacional, e são de extrema importância, visto que se trata de um ambiente de formação de sujeitos. Retomando o principal objetivo desse trabalho, que pretendeu entender como são conceituadas as questões de gênero na Educação Infantil, pelos professores e pelas crianças, além dos limites e possibilidades de atuação, nota-se que os resultados foram satisfatórios. Percebe - se que os indivíduos trazem concepções, reforçando padrões de gênero desde muito cedo. As crianças tomam o adulto como exemplo, e mesmo que muitas vezes não compreendam algumas situações, apenas reproduzem o que é visto. Entretanto, em raros momentos, elas questionam esses padrões, trazendo novas perspectivas, aguardando a aprovação do adulto. O educador deve ficar atento a essas situações, para que não auxilie na reprodução de estereótipos, ceifando das crianças, suas possibilidades de descoberta. A formação inicial e continuada traz essa perspectiva. O educador necessita estar preparado para abordar essa temática, levando em consideração que ele também é um sujeito social, que traz suas próprias ideologias e concepções, baseado no que já foi determinado. Infelizmente, vimos que os cursos de Pedagogia, ainda trazem uma abordagem superficial dessa temática, muitas vezes em disciplinas não obrigatórias. 49 A formação continuada permite que o educador reflita e repense suas ações na prática. Mesmo que timidamente, os resultados da pesquisa mostram que as questões de gênero é algo crescente com o passar dos anos. Diversos cursos de formação continuada têm sido oferecidos aos professores, não apenas relacionados a Educação Infantil, possibilitando ampliar seus limites. É um desafio, visto que diversos obstáculos são encontrados, como a dificuldade da família em aceitar essas concepções ou até mesmo a própria instituição escolar. Contudo, o professor que reflete sobre essas questões e modifica aos poucos sua postura, traz mudanças muito significativas. Mesmo que o educador desconstrua conceitos, encontra grande dificuldade em aplicar novas concepções na prática. Na busca de material para fundamentar o trabalho, senti dificuldade em encontrar publicações que dissessem como ensinar essas questões no cotidiano escolar. Entretanto, foi possível trazer algumas possibilidades de atuação livres de estereótipos, possibilidades, essas, que permitem um olhar mais amplo de mundo e de ser humano às crianças, permitindo um melhor desenvolvimento aos sujeitos. Tivemos bons exemplos, baseados no diálogo e em atitudes que passam despercebidas, mas que fazem diferença. Fica claro que necessitamos da teoria para fundamentar a prática e repensar posturas. Não devemos nos acomodar, pois a sociedade está sempre se modificando e a escola necessita se manter atualizada. Outra situação percebida é com relação a garantia de um trabalho voltado às questões de gênero nos documentos oficiais. Se a formação inicial e continuada do professor é fundamental para uma mudança paradigmática com relação a este tema, a presença de uma possibilidade de trabalho sério garantido nos Projetos Políticos Pedagógicos, currículos, planos de ensino e de aula, é fundamental. Em todas as pesquisas utilizadas, pouco percebemos a menção deste tema nesses documentos e isso também precisa ser repensado. Como educadores, precisamos entender a problemática para que possamos trazer novas soluções. Isso não deve ser feito por um único indivíduo. É indispensável que exista um trabalho feito por todos os membros da família, comunidade, gestão, corpo docente e sistema. A questão de gênero é um assunto polêmico, que deve ser tratado com cautela. Infelizmente nem todos estão dispostos a modificar concepções em busca 50 de uma sociedade mais justa. Entretanto, uma pequena semente plantada, poderá fornecer ótimos frutos futuramente. Finalizo essa pesquisa de maneira satisfatória, sabendo que é um pequeno passo, mas que poderá auxiliar outros indivíduos no debate e na articulação de novas práticas, caminhando para um mundo mais democrático e igualitário. REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1977. BENEVENTO, C.T; SANTANA, V.C. O conceito de gênero e suas representações sociais. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd176/o-conceito-de-genero-e- suas-representacoes-sociais.htm.[11]. Acesso em: 20 de nov. 2017 BÍBLIA, A. T. Gênesis. In BÍBLIA. Português. Bíblia Online. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/acf/gn/3 [1] Acesso em 22 de set. 2019 BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular – BNCC 3ª versão. Brasília, DF, 2017. CABRAL, F.; DÍAZ, M. Relações de gênero. In: SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE BELO HORIZONTE; FUNDAÇÃO ODEBRECHT. 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