UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro VALÉRIA OSTETE JANNIS LUCHETTA UMA POSSÍVEL PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS PARA AS SÉRIES NO LIVRO ELEMENTOS DE ÁLGEBRA DE LEONHARD EULER Rio Claro - SP 2017 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro VALÉRIA OSTETE JANNIS LUCHETTA UMA POSSÍVEL PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS PARA AS SÉRIES NO LIVRO ELEMENTOS DE ÁLGEBRA DE LEONHARD EULER Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Pau- lista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Educação Matemática. Orientadores: Prof. Dr. Romulo Campos Lins (in memoriam) Prof. Dr. Marcos Vieira Teixeira Rio Claro - SP 2017 Luchetta, Valéria Ostete Jannis Uma possível produção de significados para as séries infinitas no livro Elementos de Álgebra de Leonhard Euler / Valéria Ostete Jannis Luchetta. - Rio Claro, 2017 244 f. : il., figs., fots. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Romulo Campos Lins (in memoriam) Orientador: Marcos Vieira Teixeira 1. Matemática - Estudo e ensino. 2. Educação matemática. 3. História da matemática. 4. Leonhard Euler. 5. Séries infinitas. 6. Produção de significados. I. Título. 510.07 L936p Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP - Adriana Ap. Puerta Buzzá / CRB 8/7987 VALÉRIA OSTETE JANNIS LUCHETTA UMA POSSÍVEL PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS PARA AS SÉRIES NO LIVRO ELEMENTOS DE ÁLGEBRA DE LEONHARD EULER Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Pau- lista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Educação Matemática. Comissão examinadora Prof. Dr. Romulo Campos Lins (in memoriam) - Orientador Prof. Dr. Marcos Vieira Teixeira IGCE/Unesp/Rio Claro (SP) Prof. Dr. Francisco César Polcino Milies IME/USP/São Paulo (SP) Prof. Dr. Henrique Lazari IGCE/Unesp/Rio Claro (SP) Prof. Dr. Amarildo Melchiades da Silva ICE/UFJF/Juiz de Fora (MG) Profa. Dra. Lígia Arantes Sad Cefor/IFES/ Espírito Santo (ES) Rio Claro - SP, 24 de novembro de 2017 O amor, quando se revela, Não se sabe revelar. Sabe bem olhar p’ra ela, Mas não lhe sabe falar. Quem quer dizer o que sente Não sabe o que há de dizer. Fala: parece que mente . . . Cala: parece esquecer . . . Ah, mas se ela adivinhasse, Se pudesse ouvir o olhar, E se um olhar lhe bastasse P’ra saber que a estão a amar! Mas quem sente muito, cala; Quem quer dizer quanto sente Fica sem alma nem fala, Fica só, inteiramente! Mas se isto puder contar-lhe O que não lhe ouso contar, Já não terei que falar-lhe Porque lhe estou a falar . . . Fernando Pessoa aos eternos amores de minha vida: Sérgio e Giovanna. Agradecimentos Agradeço: Ao meu orientador professor Romulo Campos Lins (in memoriam), pela amizade que fizemos, pelas conversas que tivemos e acima de tudo pela paciência de esperar o meu tempo de amadurecimento perante a sua teoria. Seu maior papel para mim foi mostrar a possibilidade da coexistência de uma teoria e de sua prática, ele não só desenvolveu uma teoria mas viveu de acordo com os seus pressupostos. Ele me mostrou a importância da diferença. Sou eternamente grata. Ao professor Marcos Vieira Teixeira por aceitar a responsabilidade de representar meu orientador na minha defesa de doutoramento e pelos seus comentários, sugestões e con- versas. Muitíssimo obrigada! Ao professor Henrique Lazari que me acolheu em meus primeiros passos neste pro- grama, pela torcida e pela amizade. Ao professor Francisco César Polcino Milies, meu eterno orientado e amigo, por parti- cipar mais uma vez, da minha caminhada. Obrigada por sempre me mostrar com mestria o significado da palavra mestre. Ao professor Amarildo Melchiades da Silva, por aceitar participar deste meu processo de doutoramento, pelos comentários, sugestão e conversas. À professora Ligia Arantes Sad, por aceitar participar deste meu processo final de doutoramento, pelos comentários e sugestões. Aos funcionários e professores do curso de Pós-graduação em Educação Matemática da UNESP de Rio Claro aos quais foram sempre solícitos. Aos colegas de trabalho do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) - campus de São Paulo, pela torcida. Aos amigos que fiz durante o doutoramento e em especial à Hannah Dora de Garcia e Lacerda, Regina Ehlers Bathelt, Guilherme Francisco Ferreira e João Pedro de Paulo. Aos integrantes do grupo Sigma-T por compartilharmos interlocutores. Às funcionárias da Biblioteca e Biblioteca de Obras Raras da UFRJ: Zoraíde e Cris- tina, por me receberem muito bem e serem muito solicitas. Ao pesquisador Martin Mattmüller do Bernoulli-Euler-Zentrum da Basiléia, Suíça, por me receber prontamente e me proporcionar momentos de felicidade única ao me mostrar o acervo com algumas das obras de Euler, além de me agraciar com um selo comemorativo do tricentenário do nascimento de Euler. Ao Instituto Federal de São Paulo (IFSP) por me conceder afastamento integral de minhas atividades e me dedicar exclusivamente ao meu doutoramento. Aos meus pais: Lorival e Mércia, e minha irmã Valesca pela torcida. Acima de tudo, agradeço a minha família: Sérgio, Giovanna e Bruno. Vocês foram maravilhosos durante todo este caminho. Vocês compreenderam minhas ausências no preparo dos almoços de domingo, participaram de discussões à respeito de meu traba- lho, escutaram, leram, sugeriram mudanças e releram meu trabalho. Me apoiaram, me incentivaram e me suportaram durante todo este processo. Amo vocês. Resumo No presente trabalho apresentamos uma análise de alguns dos capítulos da obra Elements of Algebra (1840), de Leonhard Euler (1707 – 1783), que tratam de Séries infinitas. Nesta obra encontramos os métodos e os resultados mais importantes à respeito de álgebra al- cançados por Euler até 1770. Nosso objetivo foi analisar e evidenciar os diferentes modos de produção de significados e conhecimentos para o objeto matemático séries infinitas na obra supra citada tomando como fundamentação teórica e metodológica o Modelo dos Campos Semânticos. Apresentamos a tradução dos capítulos selecionados, produzimos significados a eles utilizando nosso referencial teórico e os comparamos com a forma que produzimos significados e conhecimentos hoje utilizando a Teoria de Séries. Palavras-chave: Educação Matemática, História da Matemática, Leonhard Euler, Séries Infinitas, Produção de Significados. Abstract In this work we present an analysis of some of the chapters of Leonhard Euler’s (1707- 1783) Elements of Algebra (1840), which deal with Infinite Series. In his work we find the most important methods and results regarding algebra achieved by Euler until 1770. Our goal was to analyze and evidence the different modes of production of meanings and knowledge for the mathematical object infinite series in the work cited above taking as theoretical and methodological foundation the Model of Semantic Fields. We present the translation of the selected chapters, we produce meanings for them using our theoretical benchmark and compare them with the way we produce meanings and knowledge today using the Theory of Series. Keywords: Mathematics Education, History of Matemática, Leonhard Euler, Infinite Series, Production of Meaning. Sumário Introdução 12 1 O nascimento de uma tese 14 1.1 O livro: Vollständige Anleitung zur Algebra . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1.2 Europa no século XVIII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 1.3 Leonhard Euler, o mestre de todos nós . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 1.4 Uma proposta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 1.5 Algumas considerações antes de começarmos . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 2 O Modelo dos Campos Semânticos 50 2.1 O que é conhecimento? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 2.2 Campos Semânticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 2.3 O que entendemos por objetos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 2.4 O Processo de Comunicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 2.5 Leitura Positiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 2.6 Episódio: Sentindo no corpo e na alma o estranhamento, o limite episte- mológico e o descentramento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 3 As séries infinitas 68 3.1 Breve História sobre Séries Infinitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 3.2 A Delimitação do Estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 3.2.1 O que é uma série infinita? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 4 Das Resoluções das Frações em Séries Infinitas 84 4.1 O artigo 293 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 4.2 Os artigos 294, 295, 296 e 297 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99 4.3 A fração 1 1+a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 4.3.1 Série de Grandi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 4.3.2 Leibniz e os Bernoulli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 4.3.3 A série 1− 1 + 1− 1 + 1− 1 + . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 4.3.4 Soma de Cesàro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 4.3.5 Artigos 300 e 301 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 4.4 A fração 1 a+1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 4.5 A fração c a+b . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 4.6 A fração 1 1−a+a2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 4.7 O artigo 305 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134 9 5 O Teorema Binomial 135 5.1 Das Potências Superiores das Quantidades Compostas . . . . . . . . . . . . 135 5.1.1 O Triângulo Aritmético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 5.2 Das Transposições das Letras, em que a demonstração da Regra anterior é estabelecida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 5.2.1 O Binômio de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 5.2.2 Expansão Multinomial ou Polinômio de Leibniz . . . . . . . . . . . 147 5.3 Breve História do Teorema Binomial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150 5.4 Introduction to the Analysis of the Infinite . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157 5.5 Do Desenvolvimento das Potências Irracionais por Séries Infinitas . . . . . 164 5.6 Séries de Taylor e de Maclaurin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169 5.7 Do Desenvolvimento de Potências Negativas . . . . . . . . . . . . . . . . . 175 5.8 Demonstratio Theorematis Neutoniani De Evolutione Potestatum Binomii Pro Casibus, Quibus Exponentes Non Sunt Numeri Integri . . . . . . . . . 178 5.9 Nova Demonstratio Quod Evolutio Potestatum Binomii Newtoniana Etiam Pro Exponentibus Fractis Valeat . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182 6 Decimais Infinitos 186 6.1 Das Progressões Geométricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186 6.2 Das Frações Decimais Infinitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197 7 Considerações finais 213 Referências 219 A Teoria de Séries 227 A.1 Sequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 A.2 Séries Numéricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 228 A.2.1 A soma de uma série . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229 A.2.2 Propriedades das séries . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 230 A.2.3 Série geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 230 A.2.4 Uma Condição necessária para que uma série seja convergente. Cri- tério do Termo Geral para Divergência. . . . . . . . . . . . . . . . . 231 A.2.5 Série Harmônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231 A.2.6 Critério de Convergência para Série Alternada . . . . . . . . . . . . 232 A.2.7 Séries Absolutamente Convergentes e Séries Condicionalmente Con- vergentes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 232 A.3 Séries de Potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233 A.3.1 Raio de Convergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233 A.3.2 Representação de Funções como Séries de Potências . . . . . . . . . 234 B Progressões 236 B.1 Progressão Geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236 B.1.1 Classificação de uma P.G. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 236 B.1.2 Fórmula do termo geral de uma PG . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237 B.1.3 Fórmula da soma dos n termos de uma P.G. . . . . . . . . . . . . . 238 B.1.4 Fórmula da soma dos termos de uma P.G. infinita . . . . . . . . . . 238 SUMÁRIO 11 C Números Racionais 240 C.1 Representações Decimais Finitas e Infinitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240 Introdução Séries é um assunto abordado nos cursos de licenciatura em matemática nas disciplinas de Cálculo Diferencial e Integral e/ou Sequências e Séries e Análise. Nestas disciplinas a ênfase neste assunto é sobre convergência e especialmente sobre os teoremas e testes de convergência. Assim sendo, o futuro professor de matemática, no processo de sua forma- ção matemática, muitas vezes não consegue conectar este assunto com os componentes curriculares sobre os quais ele ministrará aulas na Educação Básica (ensino fundamental e médio). Ao estudarmos a obra Elements of Algebra, de Leonhard Euler, ficam evidenciadas algumas das utilizações desse assunto no ensino básico. O presente trabalho tem como objetivo apresentar como Euler constituía as séries na referida obra. Em linhas gerais, apresentaremos os capítulos sob os quais esta tese foi elaborada. O primeiro capítulo apresenta os caminhos que nos conduziram à escolha da obra Ele- ments of Algebra e os motivos pelos quais optamos estudar o objeto matemático: séries. Elaboramos uma breve história do livro e, retratamos um pouco da vida de Euler e de seus trabalhos. Também exibimos nossa proposta de considerar Euler um cientista que utiliza o pensamento empírico em seus trabalhos. E finalizamos o capítulo, expondo as primeiras concepções e definições que Euler apresenta no primeiro capítulo do seu livro Elements of Algebra, da Parte I (Contendo a Análise de Quantidades Determinadas), da Seção I (Dos Diferentes Métodos de Calcular Quantidades Simples), intitulado Da Matemática em geral. O segundo capítulo apresenta as principais noções e ideias de nosso referencial teórico. O nosso trabalho é fundamentado no Modelo dos Campos Semânticos, que é um modelo epistemológico que nos permite analisar certos modos de produção de significados e co- nhecimentos na matemática. O terceiro capítulo inicia com uma breve história sobre as séries infinitas até a época de Euler. Também apresenta uma pequena introdução sobre as séries infinitas e alguns dos possíveis significados naturalmente produzidos para elas na matemática. O quarto capítulo apresenta uma possível produção de significado para o Capítulo V, cujo título é Das Resoluções das Frações em Séries Infinitas, da Parte I, Seção II, do livro Elements of Algebra. Neste referido capítulo, Euler constitui o objeto séries, a partir da divisão elementar, que é um dos modos de produzir significado naturalmente para as séries infinitas. Euler também constitui os objetos: soma de uma série, séries convergentes e divergentes. 12 O quinto capítulo apresenta uma possível produção de significado para o Teorema Binomial encontrado na obra Elements of Algebra. Analisamos e produzimos significados para os capítulos X, XI, XII e XIII, da Parte I, Seção II, onde Euler nos apresenta a construção da fórmula do Teorema Binomial (Capítulos X e XI) e utiliza a generalização do Teorema Binomial (Capítulos XII e XIII) para extrair raízes quadradas e cúbicas de um binômio da forma a + b, além de utilizar também o Teorema Binomial para n ne- gativo. Também mostramos como Euler constitui alguns objetos, tais como o triângulo aritmético, os números binomiais, as permutações simples, as permutações com elementos repetidos e a expansão multinomial. Finalizamos este capítulo apresentando brevemente dois artigos onde Euler demonstra o Teorema Binomial Generalizado. O sexto capítulo apresenta uma possível produção de significado para os Capítulos XI e XII, da Parte I, Seção III intitulada Das Razões e Proporções, do livro Elements of Algebra. No Capítulo XI, cujo título é Das Progressões Geométricas, Euler apresenta a definição de progressão geométrica (P.G.) e sua classificação, a fórmula do termo geral de uma P.G., a fórmula da soma dos n termos de uma P.G. e a fórmula da soma dos termos de uma P.G. infinita, além de fornecer vários exemplos e aplicações. O Capítulo XII, cujo título é Das Frações Decimais Infinitas, Euler apresenta como transformar uma fração ordinária em uma fração decimal e vice-versa e também a regra de transformar dízimas periódicas simples em frações ordinárias. O último capítulo apresenta algumas das possíveis considerações ao termino desta tese, trazemos alguns apontamentos e possíveis encaminhamentos para trabalhos futuros. 13 Capítulo 1 O nascimento de uma tese O que pensa o homem quando se permite pensar sem amarras. Michel Montaigne A proposta inicial desta pesquisa era traduzirmos do inglês para o português a obra Elements of Algebra de Leonhard Euler, datada de 1840, e a partir desta tradução buscaríamos analisar os modos de produção de significados e conhecimentos para os ob- jetos matemáticos com base no Modelo dos Campos Semânticos e, pautados nesta obra, o currículo da licenciatura em matemática e a formação do professor seriam postos sob análise crítica. Uma primeira indagação que pode surgir desta proposta é: por que traduzir para o português uma obra de 1840? Segundo Dunham (1999), os matemáticos modernos estu- dam os conceitos e as teorias da matemática nos textbooks1 modernos em vez de fontes originais, mas isto é compreensível, uma vez que houve mudanças de notações ao longo do tempo, e até mesmo mudanças de produções de significados para os objetos matemáticos. Além, é claro, dos avanços alcançados pela matemática que podem tornar as discussões com base nas obras originais obsoletas. No entanto, este mesmo autor, no prefácio de sua obra Euler: The Master of Us all, afirma: “Nenhum estudante de literatura ficaria satisfeito com uma mera sinopse de Hamlet. Da mesma forma, nenhum matemático de- veria seguir por sua carreira sem encontrar Euler face a face.” (DUNHAM, 1999, p. xvi, tradução nossa). Aqui cabe destacarmos que o face a face não se refere aos inúmeros resultados e te- oremas atribuídos a Euler, mas sim a ficarmos diante de suas obras originais, e em suas leituras “podemos ver uma grande mente criativa trabalhando” (ALEXANDERSON, 1983, p. 276, tradução nossa). Para nós, pesquisadores modernos, “suas técnicas, bem como seus resultados são uma fonte abundante de ideias.” (ALEXANDERSON, 1983 p. 277, tradução nossa). Assim sendo, a tradução desta obra torna-se um objeto de interesse e estudo, não apenas por seu conteúdo, mas pelas técnicas e métodos apresentados para constituir os 1Este termo é utilizado para designar um livro destinado ao uso no ensino de todos os níveis. 14 CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 15 objetos matemáticos. Mas por que esta obra? Segundo Grimberg, podemos afirmar que na obra Elements of Algebra (1770) de Leonhard Euler “constam os métodos e os resultados mais importantes [sobre álgebra] alcançados por Euler e Lagrange até 1770” (GRIMBERG, 2014, p. 146). Esta obra escrita de forma magistralmente didática apresenta um absoluto início passo a passo a partir dos números naturais por meio dos princípios aritméticos e algébricos, e técnicas da teoria elementar das equações direto aos detalhes mais sutis da análise indeterminada (equa- ções Diofantinas) (FELLMANN, 2007, p. 120-121, tradução nossa). De acordo com Fellmann (2007), este livro tornou-se um bestseller alcançando 108 mil cópias entre os anos de 1883 e 1942, e segundo este autor, só existe um outro livro na área de matemática que teve um sucesso compatível nas vendas: os Elementos de Euclides. Assim, estamos diante de um importante livro de “álgebra” cujo prestígio marcou época. Diante das justificativas apresentadas acima para a escolha da obra e o porque de traduzirmos esta obra, a tradução foi iniciada. A princípio usaríamos apenas a versão inglesa, porém durante o processo de tradução surgiram, entre outras coisas, obstáculos em decorrência do uso do inglês arcaico. Então recorremos à tradução francesa de 1798, ao qual descobrimos que o tradutor francês, Johann III Bernoulli, modificou a divisão da obra original, acrescentando ao primeiro volume, a Seção I, Das Equações Algébricas e das Resoluções destas Equações, do volume dois, pois segundo ele completava a análise de quantidades determinadas. Assim, esta mudança, segundo Bernoulli, favorecia a divisão natural da álgebra em análise determinada e indeterminada, além de preservar a igual- dade de tamanho nos dois volumes após os acréscimos de Joseph-Louis Lagrange (1736 - 1813). Bernoulli também alterou um pouco a obra original ao acrescentar alguns cálculos e explicações, e modificar alguns resultados, mas isto se deve ao fato que Euler, naquela época, estava quase cego e ditou o livro a um servo alemão sem instrução. Assim, no prefácio da tradução francesa, temos, nas próprias palavras de Bernoulli: Eu me esforcei para traduzir essa Álgebra no estilo mais adequado às obras desse tipo. Minha principal ansiedade era manter o sentido do original e torná-lo com a maior clareza. Talvez eu possa presumir dar a minha tradução alguma superioridade sobre o original, porque esse trabalho foi ditado, e admitindo que não houve nenhuma revisão do autor, é fácil conceber que em muitas passagens teriam necessidades de correções. Se eu não submeti a tradução literalmente, eu não falhei em seguir o autor passo a passo [. . . ] em apenas alguns lugares tomei a liberdade de suprimir alguns detalhes de cálculos, e inserir uma ou duas linhas de ilustração no texto, que acredito ser desnecessário estabelecer uma explicação das razões pelas quais eu estava justificado em fazer isso. (EULER, 1840, p. liv, tradução nossa). De fato, ao tratarmos com duas traduções percebemos as diferenças e desafios, pois estávamos buscando analisar quais eram os modos de produção de significados que Euler produzia para os objetos matemáticos. Assim, buscamos também o original alemão para uma melhor compreensão da sua obra, uma vez que observamos não só inserções do tra- CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 16 dutor francês, mas também modificações dos modos de produção de significados por parte do tradutor inglês, além deste acrescentar todos os exercícios contidos no livro. Além da versão em alemão de 1771, utilizamos também uma edição em alemão de 1911. Durante a tradução ocorreram vários momentos de estranhamentos ao nos deparar- mos com os objetos matemáticos constituídos por Euler, e a cada estranhamento, uma pausa na tradução, uma busca dos trabalhos anteriores de Euler ou de outros matemáticos para sabermos de onde Euler estava falando. Houve, durante a tradução, uma ruptura significativa à respeito dos modos de produção de significados para certos objetos mate- máticos, aos quais já estavam naturalizados para a pesquisadora. Segundo Popper (1978), [. . . ] cada problema surge da descoberta de que algo não está em ordem com o nosso suposto conhecimento; ou examinado logicamente, da desco- berta de uma contradição interna entre o nosso suposto conhecimento e os fatos; ou, declarado mais corretamente, da descoberta de uma contra- dição entre nosso suposto conhecimento e os supostos fatos. (POPPER, 1978 apud FIORENTINI; LORENZATO, 2012, p. 90). Assim, diante destes outros objetos matemáticos distintos daqueles já naturalizados pela nossa cultura, vimos a necessidade de uma análise detalhada e profunda à respeito dos modos de produção de significados destes objetos. Diante desta demanda, uma leitura positiva2 da obra de Euler nos proporcionou um mergulho no mundo de Euler ao qual nos fizeram ficar frente a frente com uma riquíssima diversidade de modos de produção de significados para os objetos matemáticos ao longo dos séculos. Assim sendo, analisar toda a obra seria um trabalho hercúleo para uma tese de dou- torado que tem tempo limitado de quatro anos, então nos focamos em um único objeto: séries. A escolha deste objeto de estudo foi devido aos estranhamentos causados durante a tradução da obra com a qual a pesquisadora se deparou. Após a tradução do capítulo intitulado Das Resoluções das Frações em Séries Infinitas, da Parte I, Seção II, da referida obra, quando iniciamos a produção de significado para este capítulo houve um momento de limite epistemológico pois não era legítimo para mim, pesquisadora, a produção de significado que Euler estava produzindo para séries. Assim, diante deste limite episte- mológico, a pesquisadora passou por uma fase que chamamos de descentramento3 para conseguir prosseguir com sua pesquisa, portanto, diante deste fato, a pergunta que se tornou mais urgente ser investigada era: Quais eram os modos de produção de sig- nificados e conhecimentos para séries que Euler nos apresentava em seu livro? Desse modo, o objetivo de nossa tese tornou-se a produção de significados para alguns capítulos do livro Elements of Algebra de Leonhard Euler que tratam de Séries Infinitas, 2No sentido proposto por Lins (2012), “Toda leitura é autoria. Ler é dizer ‘o que está aqui é ...’.” (LINS, 2012, p. 23). Uma leitura é positiva quando o outro não é lido pela falta. Como observa Silva (2003), “em termos teóricos, o caminho para uma leitura positiva é buscar fazer uma leitura do outro através de suas legitimidades, seus interlocutores, compartilhando o mesmo espaço comunicativo.” (SILVA, A. 2003, p. 54). 3Descentramento é o esforço “de entender do que o outro fala, almejando que modos de produção de significados sejam compartilhados, que se crie um espaço comunicativo.” (OLIVEIRA, 2012, p. 207). CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 17 utilizando como referencial teórico o Modelo dos Campos Semânticos. A relevância do nosso trabalho pode ser justificada sob dois pontos de vista: o da história da matemática e o da educação matemática. A tradução desta obra é relevante para a pesquisa em história da matemática, pois disponibiliza uma tradução moderna para apresentar como Euler trabalhava com as séries na obra Elements of Algebra. A relevância do nosso trabalho para educação matemática é evidenciar os diferentes modos de produção de significados e conhecimentos para os objetos matemáticos. Nossa pesquisa assume uma perspectiva teórica pois temos por objetivo a (re)construção e o desenvolvimento do objeto denominado séries apresentados em alguns dos trabalhos de Euler. Também podemos caracterizá-la como uma pesquisa qualitativa do tipo histórico- bibliográfica pois temos como material de análise documentos escritos tais como livros e artigos produzidos por Euler. 1.1 O livro: Vollständige Anleitung zur Algebra O livro que traduzimos, Elements of Algebra, do inglês (1840), é uma tradução do livro Vollständige Anleitung zur Algebra [Introdução Completa à Álgebra] que foi publicado em dois volumes, segundo Thiele (2011), pela primeira vez em 1768/69, pela Academia de Ciências de São Petersburgo, em uma tradução russa feita por P. Inokhodtsov e I. Iudin, e então em 1770, a mesma Academia publicou uma edição em alemão. Em 1774, o textbook de Euler, escrito originalmente em alemão, foi traduzido para o francês por Johann III Bernoulli4, e Joseph-Louis Lagrange inseriu 100 páginas de complementos à tradução. Esta edição francesa foi o ponto de partida para a edição inglesa, que foi iniciada por Francis Horner5. Ele morreu antes de completar o trabalho, e deixou isso para John Hewlett6, que finalmente editou uma tradução para o inglês em 1797. A obra também foi traduzida para o holandês (1773), uma segunda tradução em russo (1812), para o latim 4Johann III Bernoulli (1744 - 1807), neto de Johann Bernoulli, e filho de Johann II Bernoulli. Es- tudou direito e teve interesse em matemática. Com catorze anos de idade obteve o grau de mestre em direito. Aos dezenove anos, foi nomeado para uma cadeira na Academia de Berlim. Ele es- creveu sobre astronomia, geografia, matemática e suas contribuições mais importantes foram os re- latos de suas viagens pela Alemanha, que vieram a ter um impacto histórico. Ele estava bem ci- ente da linha de matemáticos famosos do qual era descendente e cuidou da riqueza dos escritos ma- temáticos que foi passado entre os membros da família. Ele vendeu as cartas para a Academia de Estocolmo, onde permaneceram esquecidas até 1887, naquela ocasião quando aquelas cartas foram examinadas, 2800 cartas escritas por Johann III Bernoulli foram encontradas na coleção. Em 1774 ele publicou uma tradução francesa dos Elementos de Álgebra de Leonhard Euler. Disponível em: e . Acesso em: 27 jan. 2016. 5Francis Horner (1778 - 1817) foi um político escocês, jornalista, advogado e economista político. Disponível em: . Acesso em: 27 jan. 2016. 6John Hewlett (1762 - 1844) foi um erudito bíblico de destaque na Grã-Bretanha do século XIX. Depois de tornar-se ministro, ele foi admitido como sizar na Universidade de Magdalene, Cambridge. Ele foi nomeado reitor de Hilgay, Downham, Norfolk em 1819 e atuou como professor de belas-artes na Royal Institution da Grã-Bretanha. Ele publicou vários livros de sermões e teologia. Sua obra mais importante, no entanto, foi sua edição da Bíblia (1812), que incluiu cinco volumes de comentários (1816). Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2016. http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/Biographies/Bernoulli_Johann(III).html https://en.wikisource.org/wiki/1911_Encyclop\T1\ae dia_Britannica/Bernoulli https://en.wikisource.org/wiki/1911_Encyclop\T1\ae dia_Britannica/Bernoulli https://en.wikipedia.org/wiki/Francis_Horner https://en.wikipedia.org/wiki/John_Hewlett CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 18 (1790), inglês (1797, 1822) e grego (1800). A Academia Russa publicou uma segunda e terceira edição alemã em 1771 e 1802; as edições posteriores publicadas pela Reclam Verlag, venderam mais de 100 000 exemplares entre 1883 a 1942. Em 1972, Clifford Tru- esdell7 acrescentou uma introdução “Leonard Euler, O Supremo Geômetra” e Christopher Sangwin, em 2007, publicou uma tradução em inglês com um texto modernizado e ano- tações encurtadas da Parte I da edição de John Hewlett de 1840. (a) Vollständige Anleitung zur Algebra, Tomo Primeiro (1771) (b) Vollständige Anleitung zur Algebra, Tomo Segundo (1771) (c) Élémens D’Algebre, Tomo Primeiro, Da Análise Determi- nada (1798) (d) Élémens D’Algebre, Tomo Se- gundo, Da Análise Indeterminada (1798) Uma questão que parece surgir naturalmente é: por que esta obra foi publicada pela primeira vez em russo? Em 1769, a primeira parte da obra Vollständige Anleitung zur 7Clifford Ambrose Truesdell III (1919 - 2000) foi um matemático estadunidense, professor de mecâ- nica racional na Universidade Johns Hopkins, de 1961 até seu falecimento. Foi fundador e editor das publicações Archive for Rational Mechanics and Analysis e Archive for the History of Exact Sciences. Disponível em: . Acesso em: 27 jan. 2016. https://pt.wikipedia.org/wiki/Clifford_Truesdell CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 19 Algebra já havia sido publicada em língua russa, e sabemos que Euler deixou Berlim no dia 1 de junho de 1766 e chegou em São Petersburgo no dia 28 de julho deste mesmo ano. Sendo assim, Fellmann (2010) afirma que é muito provável que Euler iniciou a escrita desta obra em Berlim, pelo menos o rascunho desta ao qual deve ter sido concluída em 1768, já em São Petersburgo. Segundo Thiele (2011) esta suposição é sustentada por três exemplos contidos nesta obra onde Euler utiliza os números 1765 e 1766 que possivelmente indicam as datas de composição deste livro. Averiguemos. Euler: 243. É bem conhecido que, no modo comum de escrita dos núme- ros [Zahlen] por meio dos dez algarismo [Ziffern], ou símbolos, 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, o primeiro algarismo da direita tem apenas seu significado natural, os algarismos em segundo lugar tem dez vezes o valor que teria tido no primeiro, os algarismos em terceiro lugar tem cem vezes o valor, e os da quarta, mil vezes, e assim por diante, de modo que à medida que avançamos para a esquerda, adquirem um valor dez vezes maior do que tinham na posição anterior. Assim, o número 1765, o algarismo 5 está, em primeiro lugar, à direita, e é apenas igual a 5; em segundo lugar está o 6, mas este algarismo, em vez de 6, representa 10 × 6 ou 60; o algarismo 7 está em terceiro lugar, e representa 100 × 7 ou 700; e, por último, o 1, que está na quarta posição, torna-se 1000; de modo que nós lemos o número dado assim: Um mil, setecentos e sessenta e cinco. (EULER, 1840, p. 70, tradução nossa). Euler: 248. Por outro lado, os logaritmos de números que são meno- res do que 10, ou expressos por um simples algarismo, não contém um inteiro, e por esta razão encontramos 0 antes da vírgula, então temos duas partes para considerarmos no logaritmo. Em primeiro lugar, o que precede a vírgula, ou a parte inteira; e a outra, as frações decimais que serão adicionadas à anterior. A parte inteira de um logaritmo que é ge- ralmente chamada de característica, é facilmente determinada a partir do que já dissemos no artigo anterior. Assim, ela é 0, para todos os números que tem contudo um algarismo; ela é 1, para aqueles que têm dois; é 2, para aqueles que têm três; e, em geral, é sempre um a menos que o número [Anzahl] de algarismos. Portanto, se o logaritmo de 1766 for solicitado, já sabemos que a primeira parte, ou aquela dos números inteiros, é necessariamente 3. (EULER, 1840, p. 72, tradução nossa). Euler: 421. Se for solicitado adicionar todos os números naturais de 1 a n, temos, para encontrarmos esta soma, o primeiro termo 1, o último termo n e o número de termos n, portanto, a soma solicitada é n2 + n 2 = n(n+ 1) 2 . Se fizermos n = 1766, a soma de todos os números, de 1 a 1766, será 883 (a metade do número de termos) multiplicado por 1767 que é igual a 1560261. (EULER, 1840, p. 137, tradução nossa). CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 20 Ainda segundo Thiele (2011), esta suposição é fortemente apoiada em dois trabalhos anteriores onde encontramos Euler brincando com as datas de suas escritas: em Cartas a uma princesa da Alemanha (1768), Euler brinca com a data falando de um número 1761-gonal e na obra Einleitung zur Rechenkunst (1738)8 (Figura 1.1), encontramos a seguinte questão: “No ano de 1734 foi declarado que a pólvora havia sido inventada há 354 anos. A questão é: em que ano, após o nascimento de Cristo, a pólvora foi inventa?” (EULER, 1738, cap. 3, p. 9, tradução nossa). Figura 1.1: Folha de rosto da obra Einleitung zur Rechenkunst (1738). Fonte: Bernoulli-Euler-Zentrum O livro Vollständige Anleitung zur Algebra foi traduzido para o português, de acordo com Silva da Silva (2009), possivelmente por Manuel Ferreira de Araújo Guimarães e publicado em 1809, tendo sido um dos primeiro livro didático impresso no Brasil após a introdução da imprensa no país, o qual foi adotado para o ensino de álgebra na Academia Real Militar do Rio de Janeiro até o ano de 1823 quando foi substituído pela obra de Lacroix. Silva da Silva saiu em busca desta obra e descobriu um exemplar desta tradução na Biblioteca de Obras Raras da UFRJ em precário estado. Assim, fomos até a cidade do Rio de Janeiro visitar esta biblioteca em busca desta tradução. De fato, como podemos observar a obra está se definhando (Figuras 1.2, 1.3 e 1.4), a cada manuseio ocorrem esfarelamento do papel. A obra encontra-se incompleta, como podemos ver na Figura 1.3, ela termina no Capítulo VIII, cujo título é Das Proporções Geométricas, da Seção III, da Parte I, portanto, estão faltando os Capítulos IX, X, XI, XII e XIII da Seção III, intitulada Das Relações e Proporções, da Parte I, que somam cerca de 46 páginas faltantes se considerarmos o original alemão como referência para o final do Tomo Primeiro e faltam aproximadamente 330 páginas se considerarmos a tradução francesa que incorporou a seção: Das Equações Algébricas e das Resoluções destas Equa- ções, contendo dezesseis capítulos. Ao analisarmos a obra traduzida para o português, 8Obra escrita por Euler para uso nas escolas de São Petersburgo ao qual aborda a aritmética elementar. CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 21 Figura 1.2: Elementos D’Algebra (1809) Tomo Primeiro. Fonte: Biblioteca de Obras Raras do Centro de Tecnologia da UFRJ observamos que as notas de rodapé inseridas pelo tradutor são traduções das notas de rodapé da tradução francesa (1798), portanto, podemos inferir que esta obra foi traduzida a partir de uma tradução francesa. Figura 1.3: Página 207, Capítulo VIII, da Seção III, da parte I da obra Elementos D’Algebra. Fonte: Biblioteca de Obras Raras do Centro de Tecnologia da UFRJ CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 22 Figura 1.4: Folha de rosto da edição em português da obra Elementos D’Algebra (1809) Tomo Primeiro. Fonte: Biblioteca de Obras Raras do Centro de Tecnologia da UFRJ Também percebemos que a numeração dos artigos que compõem os capítulos da obra traduzida para o português estavam diferentes da numeração dos artigos da obra tradu- zida para o francês. Assim sendo, fizemos uma breve comparação entre a numeração dos artigos da obra traduzida para o português e dos artigos da obra traduzida para o francês. Vejamos. A Seção I, nomeada Dos differentes methodos de calcular as grandezas simples ou in- complexas9, da Parte I, cujo título é: Que trata da Analyse determinada10, contém 23 capítulos, aos quais são numerados por artigos. Uma comparação rápida entre a tradução em língua portuguesa (TP) com a tradução em língua francesa (TF) nos mostrou uma correspondência entre a numeração desta seção. Esta seção inicia-se no artigo 1 e termina no artigo 255, e podemos observar que todas as notas de rodapé inseridas pelo tradutor 9O título desta seção na tradução francesa (1798) é: Des différentes Méthodes de calcul pour les gran- deurs simples ou incomplexes (Dos diferentes Métodos de cálculo para grandezas simples ou incomplexas) (EULER, 1798, p. 1). 10O título da tradução francesa (1798) da Parte I é: Où l’on traite de l’Analyse déterminée (Onde são tratadas a Análise Determinada) (EULER, 1798, p. 1). CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 23 francês foram mantidas e traduzidas para o português. Na Seção II, designada Dos differentes methodos de calcular as grandezas compostas ou complexas11, os Capítulos I, II, III e IV mantêm a correspondência da numeração entre os artigos da tradução em língua portuguesa com a tradução em língua francesa. No Capítulo V, cujo título é: Da resolução das fracções em series infinitas12, notamos a primeira modificação de conteúdo de um artigo em relação a tradução francesa, o artigo 304 está incompleto, o tradutor omitiu os cálculos e os exemplos nos quais atribuíram-se valores numéricos para a variável a. Até o Capítulo VIII existe a paridade da numeração dos artigos com a tradução francesa (1798). No Capítulo IX, intitulado Dos Cubos e extracção das raizes cubicas13, o tradutor omite dois exemplos do artigo 339 da tradução francesa. No Capítulo X, denominado Das potencias mais altas das quantidades comple- xas14, o tradutor omitiu os três últimos artigos deste capítulo, a saber, os artigos 349, 350 e 351 da tradução francesa, acrescentando um parágrafo ao final do artigo 348 com os dizeres: “Se por esta regra buscarmos os coeficientes de outra qualquer das potencias calculadas, acharemos resultados inteiramente conformes aos que obtivemos.” (EULER, 1809, p. 163). A partir daqui, observamos que não há mais correspondência entre a nu- meração dos artigos da tradução em língua portuguesa com a tradução em língua francesa (1798). Assim, o Capítulo XI, intitulado Da permutação das letras, sobre a qual se funda a demonstração da regra antecedente15, na tradução francesa, o capítulo inicia-se no artigo 352 e termina no artigo 360 (o capítulo contém none artigos), já na tradução em língua portuguesa o capítulo inicia-se no artigo 349 e termina no artigo 357, ou seja, contém nove artigos também, mas encontramos modificações nos artigos: 355 (TP) que corresponde ao artigo 356 (TF), onde o tradutor da língua portuguesa omite os cálculos das permutações; artigo 356 (TP) que corresponde ao artigo 359 (TF); artigo 357 (TP) que corresponde ao artigo 360 (TF), onde o tradutor da língua portuguesa omite o último parágrafo. O Capítulo XII, denominado Do modo de desenvolver em series infinitas as quanti- dades radicaes16, na tradução francesa, este capítulo inicia-se no artigo 361 e termina no artigo 369 (contém nove artigos), na tradução em língua portuguesa, o capítulo inicia-se no artigo 358 e termina no artigo 363, ou seja, contém seis artigos. O tradutor da língua portuguesa une os artigos 361 e 362 da tradução francesa para compor o artigo 358. O artigo 359 (TP) corresponde aos artigos 363 e 364 da tradução francesa. O artigo 360 11O título desta seção na tradução francesa (1798) é: Des différentes Méthodes de Calcul pour les Grandeurs composés ou complexes (Dos diferentes Métodos de Cálculo para as Grandezas compostas ou complexas) (EULER, 1798, p. 193). 12O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: De la Résolution des Fractions en des suites infinies (Da Resolução das Frações em Séries Infinitas) (EULER, 1798, p. 222). 13O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: Des Cubes & de l’extráction des Racines cubiques (Dos Cubos e das extrações das raízes cúbicas) (EULER, 1798, p. 261). 14O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: Des Puissances plus hautes des Quantités complexes (Das Potências mais altas das Quantidades complexas) (EULER, 1798, p. 267). 15O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: De la permutation des Lettres, sur laquelle se fonde la démonstration de la regle précédente (Da permutação das letras, na qual se baseia a demonstração da regra anterior) (EULER, 1798, p. 280). 16O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: Du Développement des Puissances irrationelles par des suites infinies (Do Desenvolvimento das Potências Irracionais por Séries Infinitas) (EULER, 1798, p. 292). CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 24 (TP) corresponde ao artigo 365 (TF). O artigo 361 (TP) corresponde ao artigo 366 (TF). O artigo 362 (TP) corresponde aos artigos 367 e 368 da tradução francesa, e o artigo 363 (TP) corresponde ao artigo 369 (TF). O Capítulo XIII, designado Do modo de desenvolver em serie infinita as potencias, cujos expoentes são números negativos17, na tradução francesa, este capítulo inicia-se no artigo 370 e termina no artigo 377 (contém oito artigos), na tradução em língua portu- guesa esse capítulo inicia-se no artigo 364 e termina no artigo 369, ou seja, contém seis artigos. Encontramos as seguintes correspondências entre a numeração dos artigos na tradução em língua portuguesa com a tradução francesa: o artigo 364 (TP) corresponde ao artigo 370 (TF); o artigo 365 (TP) corresponde ao artigo 371 (TF); o artigo 366 (TP) corresponde ao artigo 372 (TF); o artigo 367 (TP) corresponde ao artigo 373 (TF), mas aqui o tradutor da língua portuguesa reduz os cálculos apresentados na tradução francesa; o artigo 368 (TP) corresponde ao artigo 374 (TF), mas aqui o tradutor da língua portu- guesa acrescenta ao final deste artigo a seguinte frase: “Mediante esta fórmula poderemos resolver em serie [in]finita toda e qualquer fracção da fórmula c (a+ b)m , [. . . ] mesmo que m seja maior que a unidade.” (EULER, 1809, p. 178); o artigo 369 (TP) corresponde a um resumo, em palavras, dos cálculos efetuados nos artigos 375, 376 e 377 da tradução francesa. A Seção III, alcunhada Das relações e proporções18, é composta apenas por sete capí- tulos completos dos treze capítulos correspondentes da tradução francesa. O Capítulo I, cujo título é: Da relação arithmetica, ou da differença entre dous números19, na tradução francesa, este capítulo inicia-se no artigo 378 e termina no artigo 389 (contendo doze ar- tigos), na tradução em língua portuguesa, esse capítulo inicia-se no artigo 370 e termina no artigo 380, ou seja, contém onze artigos. Assim, temos as seguintes correspondências entre a numeração dos artigos na tradução em língua portuguesa com a tradução fran- cesa: o artigo 370 (TP) corresponde ao artigo 378 (TF); o artigo 371 (TP) corresponde ao artigo 379 (TF); o artigo 372 (TP) corresponde ao artigo 380 (TF); o artigo 373 (TP) corresponde ao artigo 381 (TF); no artigo 374 (TP) que corresponde ao artigo 382 (TF), o tradutor da língua portuguesa omite a última frase da tradução francesa; o artigo 375 (TP) corresponde ao artigo 383 (TF); o artigo 376 (TP) corresponde ao artigo 384 (TF); o artigo 377 (TP) corresponde ao artigo 385 (TF); no artigo 378 (TP) que corresponde ao artigo 386 (TF), o tradutor da língua portuguesa omite a última frase da tradução francesa; o artigo 379 (TF) é formado pela união dos artigos 387 e 388 da tradução fran- cesa, além de não apresentar o exemplo que consta na tradução francesa e exibir de modo modificado o artigo 388 da tradução francesa; o artigo 380 (TP) corresponde ao artigo 389 (TF). No Capítulo II, denominado Das proporções arithmeticas20, na tradução francesa, o 17O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: Du Développement des Puissances négatives (Do Desenvolvimento das Potências Negativas) (EULER, 1798, p. 300). 18O título desta seção na tradução francesa (1798) é: Des Rapports & des Proportions (Das Razões [Relações] e Proporções) (EULER, 1798, p. 307). 19O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: Du Rapport arithmétique, ou de la différence entre deux Nombres (Da razão [relação] aritmética ou da diferença entre dois números) (EULER, 1798, p. 307). 20O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: Des Proportions arithmétiques (Das Proporções CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 25 capítulo inicia-se no artigo 390 e termina no artigo 401 (o capítulo contém doze artigos), na tradução em língua portuguesa, o capítulo inicia-se no artigo 381 e termina no artigo 391, ou seja, contém onze artigos. Encontramos as seguintes correspondências entre a numeração dos artigos na tradução em língua portuguesa com a tradução francesa: o artigo 381 (TP) corresponde ao artigo 390 (TF); o artigo 382 (TP) corresponde ao artigo 391 (TF); o artigo 383 (TP) corresponde ao artigo 392 (TF); no artigo 384 (TP) que corresponde ao artigo 393 (TF), o tradutor da língua portuguesa omite a última frase da tradução francesa; o artigo 385 (TP) corresponde ao artigo 394 (TF); o artigo 386 (TP) que corresponde ao artigo 395 (TF), o tradutor da língua portuguesa modifica o último parágrafo da tradução francesa; o artigo 387 (TP) corresponde ao artigo 396 (TF); o artigo 388 (TP) corresponde ao artigo 397 (TF); o artigo 389 (TP) corresponde ao artigo 398 (TF); no artigo 390 o tradutor da língua portuguesa une os artigos 399 e 400 da tradução francesa, modificando um pouco o último; o artigo 391 (TP) corresponde ao artigo 401 (TF). O Capítulo III, intitulado Das progressões arithmeticas21, na tradução francesa, o ca- pítulo inicia-se no artigo 402 e termina no artigo 411 (o capítulo contém dez artigos), já na tradução em língua portuguesa, o capítulo inicia-se no artigo 392 e termina no artigo 400, ou seja, contém nove artigos. Notamos as seguintes correspondências entre a numeração dos artigos da tradução em língua portuguesa com a tradução francesa: o artigo 392 (TP) corresponde ao artigo 402 da tradução francesa, mas o tradutor da língua portuguesa faz pequenas modificações; o artigo 393 (TP) corresponde ao artigo 403 (TF); o artigo 394 (TP) corresponde ao artigo 404 (TF); o artigo 395 (TP) que corresponde a união dos artigos 405 e 406 da tradução francesa, foram modificados pelo tradutor da língua portuguesa; o artigo 396 (TP) corresponde ao artigo 407 (TF); no artigo 397 (TP) que corresponde ao artigo 408 (TF), o tradutor da língua portuguesa além de modificá-lo, omite o último exemplo da tradução francesa; no artigo 398 (TP) que corresponde ao ar- tigo 409 (TF), o tradutor da língua portuguesa não apresenta o último exemplo; o artigo 399 (TP) corresponde ao artigo 410 (TF); o tradutor da língua portuguesa modificou o artigo 400 ao qual corresponde ao artigo 411 (TF). O Capítulo IV, designado Da Sommação das progressões arithmeticas22, a tradução francesa inicia este capítulo no artigo 412 e termina no artigo 424 (o capítulo contém treze artigos), a tradução em língua portuguesa inicia este capítulo no artigo 401 e termina no artigo 408, ou seja, contém oito artigos. Observamos as seguintes correspondências entre a numeração dos artigos da tradução em língua portuguesa com a tradução francesa: o artigo 401 (TP) corresponde ao artigo 412 (TF); o artigo 402 (TP) corresponde ao artigo 413 (TF), com modificações feita pelo tradutor da língua portuguesa; o artigo 403 (TP) corresponde ao artigo 414 (TF); o artigo 404 (TP) corresponde ao artigo 415 (TF); o artigo 405 (TP) corresponde ao artigo 416 (TF); o artigo 406 (TP) corresponde ao artigo 417 (TF); o artigo 407 (TP) que corresponde a união dos artigos 418 e 419 da tradução francesa, foram modificados pelo tradutor da língua portuguesa; o artigo 408 (TP) que corresponde ao artigo 420 (TF), foi modificado pelo tradutor da língua portuguesa. O aritméticas) (EULER, 1798, p. 314). 21O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: Des Progressions Arithmétiques (Das Progres- sões Aritméticas) (EULER, 1798, p. 322). 22O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: De la Sommation des Progressions arithméti- ques (Do Somatório das Progressões Aritméticas) (EULER, 1798, p. 331). CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 26 tradutor da língua portuguesa exclui deste capítulo os artigos 421, 422, 423 e 424 da tradução francesa. O Capítulo V, cujo título é: Dos números figurados ou polygonos23, a tradução fran- cesa inicia este capítulo no artigo 425 e termina no artigo 439 (o capítulo contém quinze artigos), a tradução em língua portuguesa inicia este capítulo no artigo 409 e termina no artigo 414, ou seja, contém seis artigos. Neste capítulo observamos uma maior modifi- cação do tradutor da língua portuguesa. O artigo 409 (TP) corresponde aos artigos 436 e 425 da tradução francesa modificados; o artigo 410 (TP) corresponde aos artigos 426, 427, 428 e 429 da tradução francesa bem modificados pelo tradutor da língua portuguesa; o artigo 411 (TP) corresponde aos artigo 430 e 431 da tradução francesa bem modifica- dos; o artigo 412 (TP) corresponde ao artigo 432 (TF); o tradutor da língua portuguesa despreza o artigo 433 (TF); o artigo 413 (TP) corresponde ao artigo 434 da tradução francesa modificado; o tradutor da língua portuguesa omite os artigos 435 e 437 da tra- dução francesa; o artigo 414 (TP) corresponde ao início do artigo 436 junto com o artigo 438 da tradução francesa, modificados pelo tradutor da língua portuguesa; o tradutor da língua portuguesa exclui o artigo 439 da tradução francesa, mas mantém na tradução a nota de rodapé inserida pelo tradutor francês neste artigo. O Capítulo VI, intitulado Da relação geometrica24, a tradução francesa inicia-se no artigo 440 e termina no artigo 450 (o capítulo contém onze artigos), a tradução em língua portuguesa, o capítulo inicia-se no artigo 415 e termina no artigo 422, ou seja, contém oito artigos. Notamos as seguintes correspondências entre a numeração dos artigos deste capítulo da tradução em língua portuguesa com a tradução francesa: o artigo 415 (TP) corresponde a união dos artigos 440 e 441 da tradução francesa; o artigo 416 (TP) cor- responde ao artigo 442 (TF); o artigo 417 (TP) corresponde ao artigo 443 (TF); o artigo 418 (TP) corresponde ao artigo 444 (TF); o artigo 419 (TP) corresponde ao artigo 445 (TF); o artigo 420 (TP) que corresponde ao artigo 446 da tradução francesa, foi ligeira- mente modificado pelo tradutor da língua portuguesa; o artigo 421 (TP) que corresponde ao artigo 447 da tradução francesa, foi modificado pelo tradutor da língua portuguesa e apresenta apenas um único exemplo; o tradutor da língua portuguesa exclui o artigo 448 da tradução francesa; o artigo 422 (TP) corresponde a união dos artigos 449 e 450 da tradução francesa. O Capítulo VII, denominado Do maximo commum divisor de dous números dados25, a tradução francesa inicia-se no artigo 451 e termina no artigo 460 (o capítulo contém dez artigos), na tradução em língua portuguesa, o capítulo inicia-se no artigo 423 e termina no artigo 428, ou seja, contém seis artigos. Observamos as seguintes correspondências entre a numeração dos artigos da tradução em língua portuguesa com a tradução francesa: o artigo 423 (TP) corresponde ao artigo 451; o artigo 424 (TP) corresponde ao artigo 452 (TF); o tradutor da língua portuguesa omite os artigos 453 e 545 da tradução francesa que apresentam outros exemplos do cálculo do máximo divisor comum; o artigo 425 (TP) corresponde ao artigo 455 (TF); o artigo 426 (TP) corresponde ao artigo 456 (TF); o 23O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: Des Nombres figurés ou polygones (Dos Números figurados ou Poligonais) (EULER, 1798, p. 341). 24O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: Du Rapport Géométrique (Da Razão Geomé- trica) (EULER, 1798, p. 355). 25O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: Du plus grand commun Diviseur de deux Nombres donnés (Do Máximo Divisor Comum de dois Números dados) (EULER, 1798, p. 362). CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 27 artigo 427 (TP) corresponde ao artigo 457 da tradução francesa, que foi modificado pelo tradutor da língua portuguesa; o artigo 428 (TP) corresponde a união dos artigos 458 e 459 da tradução francesa, e foram modificados pelo tradutor da língua portuguesa; o tradutor da língua portuguesa exclui o artigo 460 da tradução francesa que corresponde a um exemplo da aplicação da regra. O Capítulo VIII, cujo título é: Das proporções geometricas26, a tradução francesa inicia-se no artigo 461 e termina no artigo 476 (o capítulo contém dezesseis artigos). Na obra traduzida para o português constam apenas quatro artigos (429, 430, 431 e 432) pois a obra está incompleta. Encontramos as seguintes correspondências entre a numeração dos artigos da tradução em língua portuguesa com a tradução francesa: o artigo 429 (TP) corresponde ao artigo 461 (TF); o artigo 430 (TP) corresponde ao artigo 462 (TF), em- bora falte um pedaço do topo da página (Figura 1.3); o artigo 431 (TP) que corresponde a união dos artigos 463 e 464 da tradução francesa, foram modificados pelo tradutor da língua portuguesa; e o artigo 432 (TP) corresponde ao artigo 465 (TF). Deste modo, apoiados nestas observações que fizemos da tradução em língua por- tuguesa, notamos uma reorganização da apresentação da obra em relação a tradução francesa, podemos inferir que esta modificação possivelmente foi devido a demanda de produção de materiais didáticos para uso dos alunos da Academia Real Militar, como podemos observar na folha de rosto da obra (Figura 1.4). Portanto, com esses indícios podemos deduzir que esta tradução é possivelmente uma adaptação da tradução fran- cesa. Em trabalhos futuros, faremos um estudo comparado desta tradução em língua portuguesa (1809) com a nossa tradução. ? ? ? Segundo Heeffer (2006), Euler, em sua autobiografia ditada ao seu filho Johann Al- brecht, afirmou que seu pai Paulus lhe ensinou a matemática básica usando a versão de Michael Stifel (1553) do livro clássico Die Coss de Christoff Rudolff, publicado em 1525. O livro de Rudolff foi o primeiro livro alemão inteiramente dedicado a álgebra. Este livro foi fonte de inspiração para vários problemas apresentados por Euler em sua obra Vollständige Anleitung zur Algebra (1770). De acordo com Heeffer (2006), antes do século XVI encontramos nos livros de Arit- mética uma enorme variedade de problemas que eram resolvidos por meio de “receitas”. Na segunda metade do século XVI, com o advento do simbolismo algébrico estas “re- ceitas” tornaram-se obsoletas, assim sendo, “os livros-texto de Álgebra do século XVIII abandonaram o papel construtivo dos problemas na produção de teoremas algébricos” (HEEFFER, 2006, p. 951, tradução nossa). O propósito dos problemas era apenas de ilustrar a teoria e treinar a formulação dos problemas em linguagem algébrica. Conforme Heefffer, a “nova retórica dos problemas em livros-texto de Álgebra explica porque Euler encontrou em Die Coss de Rudolff um apropriado repositório de exemplos” (HEEFFER, 2006, p. 951, tradução nossa), muitos problemas da sua obra Vollständige Anleitung zur Algebra são correspondentes aos problemas do livro de Rudolff, alguns são reprodução literais, outros com novos valores ou ligeiramente reformulados. Com estas evidencias, 26O título deste capítulo na tradução francesa (1798) é: Des Proportions géométriques (Das Proporções Geométricas) (EULER, 1798, p. 369). CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 28 podemos dizer que a obra Vollständige Anleitung zur Algebra de Euler funcionou como uma passagem para a sobrevivência e ressurgimento dos problemas recreativos da Re- nascença. E segundo Hoare (2007), este livro “tornou-se o mais bem sucedido livro-texto de matemática desde os Elementos de Euclides”. (HOARE, 2007, p. 410, tradução nossa). Figura 1.5: Folha de rosto da obra Elements of Algebra (1840). O livro Elements of Algebra (Figura 1.5), edição de 1840, da tradução inglesa de John Hewlett, é uma obra extensa, com mais de 600 páginas, o volume consiste das seguintes partes: 1. Leonard Euler, O Supremo Geômetra, por Clifford Truesdell (33 páginas); 2. Excerto da Memória da vida e reputação de Euler, por Francis Horner (11 páginas); 3. Comentários de M. Bernoulli, o tradutor francês (2 páginas); 4. Elements of Algebra, por Leonhard Euler (462 páginas); 5. Acréscimos, por La Grange [Lagrange] (131 páginas). CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 29 A seguir apresentaremos o conteúdo do livro Elements of Algebra (1840), que é dividido em três partes: • Parte I - Contendo a Análise de Quantidades Determinadas. Seção I: Dos Diferentes Métodos de Calcular Quantidades Simples. Capítulos I. Da Matemática em geral. II. Explicação dos sinais + (mais) e – (menos). III. Da Multiplicação de Quantidades Simples27. IV. Da Natureza dos Números Inteiros, ou Inteiros, com respeito de seus Fa- tores. V. Da Divisão de Quantidades Simples. VI. Das Propriedades dos Inteiros com respeito aos seus Divisores. VII. Das Frações em geral. VIII. Das Propriedades das Frações. IX. Da Adição e Subtração de Frações. X. Da Multiplicação e Divisão de Frações. XI. Dos Números Quadrados. XII. Das Raízes Quadradas e dos Números Irracionais resultantes delas. XIII. Das Quantidades Impossíveis ou Imaginárias que surgem da mesma fonte. XIV. Dos Números Cúbicos. XV. Das Raízes Cúbicas e Dos Números Irracionais resultantes delas. XVI. Das Potências em geral. XVII. Dos Cálculos das Potências. XVIII. Das Raízes com relação as Potências em geral. XIX. Do Método de Representar os Números Irracionais por Expoentes Fracio- nários. XX. Dos Diferentes Métodos de Cálculo e suas Mutuas Conexões. XXI. Dos Logaritmos em geral. XXII. Das Tabelas de Logaritmos agora em uso. XXIII. Dos Métodos de expressar os Logaritmos. Seção II: Dos Diferentes Métodos de Calcular Quantidades Compostas. Capítulos I. Das Adições de Quantidades Compostas28. II. Das Subtrações de Quantidades Compostas. III. Das Multiplicações das Quantidades Compostas. IV. Das Divisões das Quantidades Compostas. V. Das Resoluções das Frações em Séries Infinitas. VI. Dos Quadrados de Quantidades Compostas. 27Quantidades Simples são números considerados com respeito aos sinais que os precedem ou os afetam. 28Quantidades Compostas são expressões que consistem de vários termos. CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 30 VII. Das Extrações de Raízes aplicadas as Quantidades Compostas. VIII. Dos Cálculos de Quantidades Irracionais. IX. Dos Cubos e das extrações de Raízes Cúbicas. X. Das Potências Superiores das Quantidades Compostas. XI. Das Transposições das Letras, em que a demonstração da Regra anterior é estabelecida. XII. Do Desenvolvimento das Potências Irracionais por Séries Infinitas. XIII. Do Desenvolvimento de Potências Negativas. Seção III: Das Razões e Proporções. Capítulos I. Da Razão Aritmética ou da Diferença entre dois Números. II. Das Proporções Aritméticas. III. Das Progressões Aritméticas. IV. Das Somas das Progressões Aritméticas. V. Dos Números Figurados ou Poligonais. VI. Da Razão Geométrica. VII. Do Máximo Divisor Comum de dois Números dados. VIII. Das Proporções Geométricas. IX. Observações sobre as Regras de Proporções e sua Utilidade. X. Das Razões Compostas. XI. Das Progressões Geométricas. XII. Das Frações Decimais Infinitas. XIII. Dos Cálculos de Juros. Seção IV: Das Equações Algébricas e das Resoluções destas Equações. Capítulos I. Da Solução dos Problemas em Geral. II. Da Resolução de Equações simples ou Equações do Primeiro Grau. III. Da Solução de Questões relacionadas ao Capítulo anterior. IV. Da Resolução de duas ou mais Equações do Primeiro Grau. V. Da Resolução das Equações Quadráticas Puras. VI. Da Resolução de Equações do Segundo Grau Mistas. VII. Das Extrações de Raízes dos Números Poligonais. VIII. Das Extrações das Raízes Quadradas de Binomiais. IX. Da Natureza das Equações do Segundo Grau. X. Das Equações Pura do Terceiro grau. XI. Das Resoluções das Equações Completas do Terceiro Grau. XII. Da Regra de Cardano ou de Scipione Ferro. XIII. Da Resolução de Equações do Quarto Grau. XIV. Da Regra de Bombelli para a redução da Resolução das Equações do Quarto Grau para aquelas Equações do Terceiro Grau. XV. De um novo Método de resolução de Equações do Quarto Grau. CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 31 XVI. Das Resoluções das Equações por Aproximação. • Parte II - Contendo a Análise de Quantidades Indeterminadas. Capítulos I. Da Resolução de Equações do Primeiro Grau que contém mais do que uma quantidade desconhecida. II. Da Regra que é chamada Regra Coeci, para determinar por meio de duas Equa- ções, três ou mais quantidades desconhecidas. III. Das Equações Indeterminadas Compostas, em que uma das quantidades des- conhecidas não excede o Primeiro Grau. IV. Dos Métodos de restaurar as Quantidades Surd da forma √ (a+ bx+ cx2). V. Dos Casos em que a Fórmula a+ bx+ cx2 nunca pode torna-se um Quadrado. VI. Dos Casos em Números Inteiros, em que a Fórmula ax2 + b torna-se um Qua- drado. VII. De um Método particular através do qual a Fórmula an2 + 1, torna-se um quadrado de Números Inteiros. VIII. Do Método de tornar a Fórmula Irracional √ (a+ bx+ cx2 + dx3) em Racional. IX. Do Método de tornar Racional a Fórmula Incomensurável√ (a+ bx+ cx2 + dx3 + ex4). X. Do Método de tornar Racional a Fórmula Irracional 3 √ (a+ bx+ cx2 + dx3). XI. Da Resolução da Fórmula ax2 + bxy + cy2 em seus Fatores. XII. Da Transformação da Fórmula ax2 + cy2 em Quadrados, e Potências maiores. XIII. Algumas Expressões da Forma ax4 + by4 que não são reduzidas a quadrados. XIV. Soluções de algumas Questões que pertencem a esta Parte da Álgebra. XV. Soluções de algumas Questões em que os Cubos são necessários. • Acréscimos por M. De La Grange [Lagrange]. Capítulos I. Sobre Frações Contínuas. II. Soluções de alguns Problemas Aritméticos curiosos e novos. III. Das Soluções em Números Inteiros das Equações do primeiro Grau contendo duas Quantidades Desconhecidas. IV. Método Geral para resolver, em Números inteiros, Equações com duas Quan- tidades desconhecidas, uma das quais não excede o primeiro Grau. V. Método direto e geral para encontrar os valores de x que tornarão Quantidades da forma √ (a+ bx+ cx2) Racionais, e para resolver, em Números Racionais, as Equações indeterminadas de segundo Grau que têm duas Quantidades des- conhecidas, quando elas admitem soluções deste tipo. VI. De Igualdades Duplas e Triplas. CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 32 VII. Método direto e geral para encontrar todos os valores de y expresso em Nú- meros Inteiros, pelo qual podemos tornar Quantidades da forma √ (Ay2 +B) racional, A e B sendo Números Inteiros dados; e também para encontrar todas as possíveis Soluções, em Números Inteiros, de Equações Quatráticas Indeter- minadas de duas Quantidades desconhecidas. VIII. Observações sobre Equações da forma p2 = Aq2 + 1 e sobre o método comum de suas resoluções em Números Inteiros. IX. Do Modo de encontrar Funções Algébricas de todos os Graus, que, quando multiplicadas, podem sempre produzir Funções Semelhantes. 1.2 Europa no século XVIII Segundo, Bogdan e Biklen (1994) podemos assumir que as ações de um indivíduo são expressivamente influenciada pelo ambiente habitual de ocorrência, portanto, como nossa proposta de pesquisa é analisar os modos de produção de significados e conhecimentos que Euler produzia para séries, precisamos conhecer o contexto, ou seja, o lugar de onde Euler estava falando. Os modos de produção de significados e conhecimentos para os objetos matemáticos são produzidos socialmente, e aceitos por uma determinada cultura em uma determinada época. Assim o ambiente onde Euler está inserido é uma parte importante para compre- endermos a sua obra. O século XVIII ficou conhecido como a idade das Luzes, onde floresceram as ideias iluministas na europa e espalharam-se pelo mundo, inspirando revoluções como a Revo- lução Francesa em 1789, onde a burguesia aliou-se à população pobre e depuseram o rei. Durante o século XVIII o desenvolvimento das pesquisas em matemática não aconte- ciam nas universidades, mas sim nas academias, que trouxeram uma democratização do conhecimento científico. Ao final do século XVII, com o objetivo de produzir e divulgar as conclusões das pesquisas científicas ao público, foram fundadas duas academias, Aca- demia de Paris e a Royal Society de Londres. Posteriormente, várias outras instituições foram fundadas no modelo destas duas, incluindo a Academia de Berlim, a Academia de São Petersburgo, a Sociedade de Turim, e muitas outras. Estas academias, geralmente, eram patrocinadas por monarcas, seus membros tinham um pouco mais de liberdade e havia continuidade nas pesquisas desenvolvidas. O surgimento de revistas científicas também desencadeou o desenvolvimento acadê- mico desta época, e muitas vezes estas publicações eram produzidas pelas próprias aca- demias, por exemplo Philosophical Transactions de Londres e Mémoires de Paris, embora um bom número fosse publicada de forma independente, como a Acta Eruditorum e o Journal für die reine und angewandte Mathematik - conhecido como Jornal de Crelle. Estas revistas serviram para democratizar a ciência, uma vez que elas circulavam para um vasto público que incluía muitos de fora da comunidade científica. CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 33 Assim, a revolução científica estava em pleno andamento, as pesquisas eram divulga- das, compiladas, trocadas, corroboradas e comunicadas não somente à comunidade cien- tífica da época, mas também ao público em geral. É neste ambiente que Leonhard Euler está situado, fazendo contribuições em vários campos das ciências. Segundo o historiador da ciência, Clifford Truesdell, vinte e cinco por cento de todo o trabalho matemático e científico publicado durante todo o século XVIII foi escrito por Euler. 1.3 Leonhard Euler, o mestre de todos nós Figura 1.6: Retrato de Leonhard Euler por Handman (1753). Fonte: Para a composição desta seção, foram utilizados como bibliografia básica os se- guintes artigos e livro: Brurckhard (1983), Cajori (2007), D’Ambrosio (2009), Fellmann (2007), Heeffer (2006), Hoare (2007), Kleinert (2016) e Kleinert e Mattmüller (2007). Leonhard Euler nasceu no dia 15 de abril de 1707 na Basiléia, Suíça. Filho de Paulus Euler, um ministro calvinista e de Margaretha Brucker. Paulus foi aluno da Universidade da Basiléia, e segundo D’Ambrosio (2009), sua tese de conclusão de curso sobre razões e proporções, foi orientada por Jacob Bernoulli (1654 - 1705). Antes de frequentar a escola, Euler foi instruído por seu pai e durante sua vida escolar teve um matemático amador, Johann Burckhardt, como professor particular que utilizou o livro de álgebra Die Coss de Christoff Rudolfs. Podemos afirmar que este livro teve http://en.wikipedia.org/wiki/Jakob_Emanuel_Handmann CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 34 grande influência na obra Vollständige Anleitung zur Algebra de Leonhard Euler, publi- cada em 1770, onde temos vários problemas extraídos dele. Em 1720, aos 13 anos, Euler ingressou na Universidade da Basiléia, no departamento de Artes, para receber uma educação geral. De acordo com seus escritos biográficos, ele estava insatisfeito com seus estudos, e procurou o famoso professor Johann Bernoulli (1667 - 1748) (Figura 1.7), que era professor da cadeira de matemática nesta Universidade, para instruí-lo. Johann estava muito ocupado para dar aulas particulares a Euler, mas indicou alguns textos matemáticos avançados para ele estudar e aos sábados ele poderia visitá-lo para tirar dúvidas e obter explicações. Figura 1.7: Retrato de Johann Bernoulli. Fonte: Bernoulli-Euler-Zentrum Em 1723, aos 16 anos, Euler recebeu o grau de mestre em filosofia com uma disserta- ção, escrita em latim, comparando as ideias filosóficas de René Descartes (1596 - 1650) e Isaac Newton (1643 - 1727). Euler começou a estudar teologia, pois seu pai gostaria que ele seguisse-o no ofício do ministério, mas Euler dedicava-se a maior parte de seu tempo à matemática. Johann Bernoulli, percebendo a genialidade do jovem Euler, convenceu Paulus a permitir que Euler mudasse seus estudos para matemática. Euler foi o discípulo preferido de Johann Bernoulli, e ficou muito amigo de seus filhos Nicolaus II (1695 - 1726), Daniel (1700 - 1782) e Johann II (1710 - 1790) (Figura 1.8). Em 1726 Euler terminou seus estudos formais, e segundo Hoare (2007, p. 407), Johann Bernoulli aconselhou-o a estudar os trabalhos de Descartes, Galileu Galilei (1564 - 1642), Newton, Jacob Bernoulli, Brook Taylor (1685 - 1731), John Wallis (1616 - 1703) e Jakob Hermann (1678 - 1733). Aos 18 anos iniciou suas próprias investigações. Euler foi um matemático e cientista que obteve reconhecimento em sua época, antes de sair da Basi- léia, aos 19 anos, recebeu uma menção honrosa da Academia de Ciências de Paris, por seu trabalho intitulado Meditationes super problemate nautico onde tratava de mastros de navios. Mais tarde, enviou outros trabalhos a essa Academia, e recebeu por doze vezes o cobiçado prêmio desta academia. CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 35 Figura 1.8: Retrato dos Bernoulli’s e Euler. Fonte: Bernoulli-Euler-Zentrum Em 1727, Euler chega a São Petersburgo para assumir a vacância na seção de medicina e fisiologia na recém-criada Academia de Ciências de São Petersburgo. Sua preparação para este cargo foi feita durante o inverno de 1726 no qual Euler se inscreveu na Facul- dade de Medicina da Basiléia, estudando as aplicações da matemática e da mecânica à fisiologia. A pedido de Daniel Bernoulli e Jakob Hermann, Euler foi logo transferido para a seção de matemática e física da Academia. A partir deste momento, segundo Hoare (2007, p. 408), cercado por um grupo de cientistas eminentes, tais como Jakob Hermann, geômetra e analista; Daniel Bernoulli, amigo pessoal, geômetra e matemático aplicado; Christian Goldbach (1690 - 1764), com quem discutia problemas em análise e teoria dos números; F. Maier, especialista em trigonometria e Joseph Nicolas Delisle (1688 - 1768) astrônomo e cartógrafo, sua genialidade desabrochou. Euler contribui com uma enorme quantidade de artigos matemáticos para a revista Commentarii Academiae Scientiarum Imperialis Petropolitsnae publicada pela Academia de São Petersburgo. Em 1730, Euler foi nomeado professor de Física, e após três anos, com o retorno de Daniel Bernoulli à Basiléia, Euler assumiu a sua sucessão como o principal matemático da Academia. Em 1734, casou-se com Katharina Gsell (1707 - 1773), filha de um artista suíço, com quem teve treze filhos, mas apenas cinco chegaram a idade adulta. Segundo D’Ambrosio (2009, p. 20), Euler sofria de uma doença cutânea, desde sua infância, “uma forma de tubercu- lose que afeta os gânglios linfáticos do pescoço”. Em 1738, em decorrência desta doença, perde a visão direita e ficou com a esquerda muito prejudicada. Em 1741, mudou-se para Prússia para fazer parte da Academia de Ciências de Berlim CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 36 à convite de Frederico, o Grande (1712 - 1786), tornando-se diretor do curso de mate- mática da Academia Prussiana, passando vinte e cinco anos trabalhando na Academia de Ciências de Berlim, apresentando um grande número de artigos à Academia de São Petersburgo, bem como à Academia da Prússia. Devido a sua excelência acadêmica, e sua reputação que se estendia a toda a Europa, foi também membro da Académie Royale des Sciences de Paris, da Royal Society of London e da Società Scientifica Privata Torinese, entre outras. Em 1766 Euler regressa à São Petersburgo com grandes privilégios à convite de Cata- rina II, a Grande (1729 - 1796), como membro da Academia de Ciências Russa, posição que ocupou até sua morte em 18 de setembro de 1783. Em 1771, mesmo após uma doença que o deixou quase totalmente cego sua produtividade continuou intensa, sua memória impecável permitia a ele ditar seus textos para seus assistentes. Leonhard Euler teve uma longa carreira como matemático e cientista, sendo consi- derado o matemático mais produtivo da história. Embora conhecesse várias línguas, ele escrevia, principalmente, em latim, francês e alemão. Escreveu livros de referência sobre assuntos de análise matemática, geometria analítica e diferencial, cálculo de variações, mecânica e álgebra. Publicou mais de 760 trabalhos de pesquisa, muitos dos quais ganha- ram prêmios em competições, seus trabalhos eram publicados nas revistas das academias científicas de grande prestígios em toda a Europa. Segundo Kleinert e Mattmüller (2007, p. 25), mesmo não tendo obrigações regulares de ensino, ele escreveu influentes livros didáticos contemplando uma grande variedade de assuntos como o cálculo diferencial e integral, a mecânica, a balística, a acústica, a astronomia, a teoria musical, a constru- ção de navios, assim como um tratado sobre as Ciências Naturais na obra Cartas a uma princesa da Alemanha. Após sua morte, seus pupilos embarcaram no longo projeto de publicar suas centenas de obras inéditas. Assim, em 1830, houve as primeiras tentativas de publicar as obras completas de Eu- ler. Conforme Kleinert e Mattmüller (2007, p. 26), duas dessas iniciativas foram lançadas simultaneamente. Uma delas foi iniciada pelo bisneto de Euler, Paul-Heinrich Fuss, que era secretário permanente da Academia de São Petersburgo, e foi encorajado por mui- tos matemáticos proeminentes incluindo Carl Gustav Jacob Jacobi (1804 - 1851), mas o projeto foi abandonado quando se verificou que o orçamento excederia a capacidade financeira da Academia. Em 1849, a iniciativa de Fuss e Jacobi produziu como resultado a publicação de dois volumes de Commentationes arithmeticae, editado por Paul-Heinrich e Nicolaus Fuss que incluía 94 artigos que já haviam sido publicados, cinco manuscritos inéditos dentre eles o importante manuscrito Tractatus de doctrina numerorum. Também em 1830, um grupo de matemáticos belgas estavam empreendendo um projeto idêntico, e conseguiram publicar cinco volumes das obras de Euler, segundo Kleinert (2015), esta edição foi severamente criticada devido a má qualidade da tradução. De acordo com Kleinert e Mattmüller (2007), o principal objetivo dos primeiros edi- tores das obras de Euler era torná-las acessíveis aos cientistas contemporâneos, e em particular aos matemáticos. Em suas palavras: Eles acreditavam que as obras de Euler poderiam ainda estimular a pesquisa em matemática e que os matemáticos deveriam estudar CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 37 as obras de Euler com a mesma intensidade das famosas palavras que fo- ram imputadas a Laplace: “Leia Euler, leia Euler, ele é o mestre de todos nós”. (KLEINERT; MATTMÜLLER, 2007, p. 26, tradução nossa). Em 1883, no centenário da morte de Euler, ressurgiu o interesse em suas obras e, em 1896, o mais valioso preliminar para qualquer publicação completa apareceu - o Índice operum Leonhardi Euleri feito por Johann Georg Hagen. À medida que o bicentenário do nascimento de Euler se aproximava, em 1903, a Academia de Ciências Russa propôs novamente o projeto da publicação das obras completas de Euler, assim firmou-se uma parceria das Academias de Ciências de São Petersburgo e Berlim. Embora, neste mo- mento, o projeto foi abandonado, as comemorações do bicentenário do nascimento de Euler forneceram o impulso necessário para a publicação da Opera omnia. Entre 1910 e 1913, o historiador da matemática sueco, Gustav Eneström (1856 - 1923) compilou o in- ventário padrão dos escritos de Euler, essa indexação é conhecida como Índice Eneström, as publicações são identificadas pela letra E seguida de um número. De acordo com este inventário, o número total de publicações impressas de Euler, entre artigos e livros, é de 866.29 Após o bicentenário de sua morte, a Academia de Ciência da Suíça, por iniciativa de um professor de matemática da Universidade Politécnica de Zurique, Ferdinand Rudio, empreendeu esforços na publicação dos trabalhos de Euler baseando-se na lista preparada por Eneström. Foi criado um comitê permanente (Euler-Kommission) para a realização do projeto e arrecadação de fundos, conseguidos através de donativos e patrocínios. Mas o projeto não dependia apenas do dinheiro, era necessário para a sua implementação matemáticos altamente capacitados. Felizmente, segundo Kleinert (2015, p.17-18), havia vinte matemáticos de reputação internacional que concordaram em servir como editores de um ou mais volumes, entre eles, Jacques Hadamard de Paris, Gustav Eneström de Es- tocolmo, Tullio Levi-Civita de Padova, Gerhard Kowalewski de Praga e Heinrich Weber de Estrasburgo, que foi o editor do primeiro volume publicado em 1911. De acordo com Kleinert (2015, p. 18), inicialmente o Comitê estimou que o projeto teria uma duração de 12 anos, com um total de 40 volumes, mas verificou-se que o comitê havia subestimado consideravelmente o tamanho do legado deixado por Euler. Em 1913, o número estimado de volumes foi aumentado para 66, e depois para 72. Ficou firmado que a Opera Omnia seria dividida em três séries: I. Matemática (29 volumes); II. Mecânica e Astronomia (31 volumes); III. Física e Diversos (12 volumes). Em 1911 o primeiro volume foi publicado e compreendeu o livro Vollständige Einleitung zur Algebra com os acréscimos de Lagrange e o Elogio à Euler por Nicolaus Fuss (Figura 1.9). 29A relação completa das obras de Euler classificadas por Gustav Eneström está disponível no site: . http://www.math.dartmouth.edu/~euler/index/enestrom.html CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 38 Figura 1.9: Vollständige Anleitung zur Algebra (1911) Até o início da primeira Guerra Mundial 12 volumes tinham sido publicados. A distribuição dos volumes publicados ao longo dos anos, segundo Kleinert (2015, p. 18-19) é dada pela tabela abaixo. 1911 - 1912 12 volumes 1915 - 1919 2 volumes 1920 - 1927 8 volumes 1928 - 1931 - 1932 - 1940 4 volumes 1941 - 1946 4 volumes 1947 - 1960 21 volumes 1961 - 1979 16 volumes 1980 - 1990 - 1990 - 2004 3 volumes 2016 (?) 2 volumes Total 72 volumes Após a década de 1950 tornou-se cada vez mais difícil encontrar editores qualificados, ou seja, matemáticos capazes de ler textos escritos em latim, francês e alemão antigo. Assim, para os volumes publicados depois de 1960, os matemáticos e físicos foram substituídos como editores por historiadores da ciência profissionais tais como Emil Fellmann, Otto Fleckenstein, Clifford Truesdell, David Speiser, Eric Aiton, Patricia Radelet-de Grave e Karine Chemla. Segundo Kleinert (2015, p.19), a consequência dessa mudança foi uma filosofia bastante diferente dos primeiros editores, cujo principal objetivo era tornar os textos originais amplamente disponíveis aos cientistas, em particular aos matemáticos. Em um parágrafo do esboço editorial de 1910, foi claramente dito que as anotações não deveriam se degenerar em longos tratados históricos. Esse princípio sensato foi cada vez mais abandonado quando os historiadores da ciência substituíram os cientistas como editores. Enquanto para os matemáticos a importância da edição diminuiu, CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 39 essas tornaram-se uma ferramenta extremamente valiosa para os historiadores profissionais inte- ressados em ciência e seu contexto social e político da Europa do século XVIII. Como resultado, os historiadores, e em particular os historiadores profissionais da ciência, assumiram o lugar dos matemáticos como leitores e também como editores. Alguns deles usaram esta ocasião como uma oportunidade para apresen- tar todo o seu conhecimento e erudição, e há mesmo um volume com mais de 400 páginas que não inclui uma única linha de Euler. É apenas um tratado histórico sobre a história dos corpos elásticos entre 1639 e 1788. De um modo geral, pode-se dizer que os volumes mais recentes são caracterizados por introduções mais profundas e notas de rodapé e comentários mais extensos. (KLEINERT, 2015, p. 19, tradução nossa). Por ocasião do 250o aniversário de Euler formou-se uma cooperação da seção de Leningrado da Academia de Ciências da União Soviéticas e da Academia de Ciências da República Demo- crática Alemã, que se considerava a sucessora legal da Academia Prussiana, para publicarem todas as cartas de Euler escrita no século XVIII. Uma vez que a maior parte das cartas origi- nais dirigidas a Euler foram preservadas nos Arquivos da Academia de Ciência da antiga União Soviética em Leningrado, e havia um número considerável de especialistas em Euler vivendo na União Soviética. Em 1967 o Comitê Suíço de Euler decidiu iniciar uma quarta série adicional da Opera Omnia, em um projeto conjunto da Academia de Ciências Suíça e da Academia de Ciências da União Soviéticas. O segundo comitê de redação foi criado composto por quatro membros da URSS e quatro da Suíça, comitê este que seria exclusivamente responsável pela Série IV, que deveria conter as correspondências de Euler (série IVA) e manuscritos inéditos (série IVB). Esta comissão foi presidida por Walter Habicht, sendo substituído em 1985 por Emil Fellmann que também foi diretor do Euler Archive na Basiléia. A série IVB foi adiada e a publicação da série IVA começou em 1975 com um inventário de aproximadamente 3.000 cartas de e para Euler que eram conheci- das naquele tempo e que estão escritas em alemão, francês e latim, apenas poucas em russo. De acordo com Kleinert (2015, p. 20), os correspondentes incluem matemáticos famosos do século XVIII, tais como Daniel Bernoulli, Christian Goldbach, Johann Andreas Segner e outras pessoas com que Euler tratava de assuntos de negócios, tais como Pierre Louis Moreau de Maupertuis, Gerhard Friedrich Müller e Johann Daniel Schumacher. Ficaram estabelecidas as seguintes diretrizes para as publicações das correspondências de Euler: elas não seriam publicada em ordem cronológica, em vez disso, cada volume incluiria a troca de cartas com um ou mais correspondentes; uma revisão da classificação do carácter cien- tífico ou não científico das cartas deveria ser feito; para cada volume, uma “língua de trabalho” seria determinada para a introdução, notas de rodapé e comentários; como regra geral, a língua adotada para o volume seria a língua da maioria das correspondências neste volume. Assim, com base nestas diretrizes, o alemão foi escolhido como língua de trabalho para os volumes 2, 3 e 8 e o francês para os volumes 5, 6 e 7. Para o volume 9, que consistia das correspondências entre Euler e Martin Knutzen, as cartas estão escritas principalmente em latim, e portanto a língua de trabalho seria o italiano, língua nativa do editor Antonio Moretto. O texto das cartas seriam publicados completamente, incluindo as cortesias no início e no final e na língua original, sendo que somente as cartas em latim seriam adicionalmente traduzidas para a língua de trabalho do volume. Assim como toda regra tem exceções, diferentemente do que foi estipulado, o volume IVA3 apresenta as correspondências trocadas entre Euler e Daniel Bernoulli que foram escritas em uma estranha mistura de alemão, francês e latim. Assim, ficou estabelecido que além do texto CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 40 original, o volume seria traduzido para o alemão moderno. Já o volume IVA4, apresenta as correspondência entre Euler e Goldbach que foram escritas em latim ou uma mistura de alemão, latim e francês. Com a finalidade de torná-las acessíveis a comunidade de matemáticos e não apenas aos historiadores da ciência, decidiu-se usar para este volume o idioma inglês como língua de trabalho, portanto, todas as cartas foram traduzidas para o inglês, além de apresentar o texto original, pois o conselho editorial ficou convencido de que estas correspondências são de grande interesse para os matemáticos modernos dado o fato delas serem fontes de muitas ideias e sugestões, e em particular no que diz respeito à Teoria dos Números. Em 1975 foi publicado o primeiro volume da série IVA, que consiste de um inventário de todas as correspondências de e para Euler conhecidas naquele tempo. Para cada carta, encon- tramos um breve resumo e informações sobre a data, o idioma, as cópias existentes, o local onde o original está localizado e se ele já foi publicado. Em 1980 foi publicado, de fato, o primeiro volume de correspondências, o volume IVA5, que inclui as correspondências de Euler com Alexis Claude Clairaut (1713 - 1765), Jean Le Rond d’Alembert (1717 - 1783) e Joseph-Louis Lagrange, editadas por René Taton e Adolf P. Juškevič. Em 1986 foi publicado o volume IVA6 que con- siste das correspondências de Euler com Maupertuis e Frederick II, editadas por Pierre Costabel, Eduard Winter, Asot T. Grigorjan e Adolf P. Juškevič. Em 1998 foi publicado o volume IVA2 que consiste das correspondências de Euler com Johann I e Niklaus I Bernoulli, editadas por Emil Fellmann e Gleb K. Mikhajlov. De acordo com Kleinert (2015), não foi publicado nenhum volume da série IVA entre 1998 e 2015, devido a problemas financeiros e de editores qualificados. Segundo Kleinert e Mattmüller (2007, p. 30-31), tornou-se cada vez mais difícil encontrar e financiar editores qualificados, que estejam familiarizados com a matemática, física e ou astronomia do século XVIII, que tenham um sólido conhecimento de latim, francês e escrita alemã antiga, sejam capazes de ler manuscrito do século XVIII, e que conheçam a história, a cultura e a ciência do século XVIII, enquanto, os editores das séries I, II e III eram na maioria professores universitários que tinham posições estáveis como pesquisadores ou professores universitários que consideravam uma grande honra contribuir com o Comitê de Euler. A série de correspondências também foi concebida desta mesma forma, ou seja, contou com a colaboração de professores universitários com mais de 60 anos de idade, independentes financeiramente e próximos da aposentadoria, que ficando livres de outras obrigações, pudessem se concentrar nesse trabalho. De fato, estes profissionais estão den- tro do perfil de habilidades necessárias para este trabalho e são financeiramente independentes, mas existe uma grande desvantagem, o trabalho é executado de acordo com a disponibilidade de tempo do colaborador, e infelizmente muitos deles morrem antes de terminar o trabalho. Em 2006 o Comitê de Euler na Basiléia decidiu contratar, por meio período, um jovem es- tudante, Siegfried Bodenmann, falante nativo de francês e que cresceu perto de Genebra, com a finalidade que ele concluísse o volume IVA7 (que consiste de várias correspondências em fran- cês). Para o restante do trabalho, ou seja, outros volumes pendentes, tais como os volumes: IVA3 - correspondências entre Euler e Daniel Bernoulli; IVA4 - correspondências entre Euler e Goldbach; e IVA8 - correspondências de Euler com Segner e outros cientistas de Halle; o Co- mitê de Euler obteve fundos para pagar mais dois cargos de meio período: Martin Mattmüller, além de servir como secretário do comitê, participa da edição da correspondências entre Euler e Goldbach juntamente com Günther Frei, professor aposentado da Universidade de Québec e especialista em Teoria dos Números. O outro editor pago, Thomas Steiner, está trabalhando nas correspondências de Segner. CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 41 Segundo Kleinert (2015), as correspondências de Euler fornecem novos insights para a pes- quisa histórica à respeito do dia a dia da ciência no século XVIII, além de ser uma rica fonte de informações sobre vários aspectos da vida e do trabalho de Euler. Segundo este autor, o volume IVA8, que consiste das correspondências entre Euler e Johann Andreas von Segner e outros membros da universidade de Halle, apresentará uma grande quantidade de detalhes sobre a vida cotidiana numa universidade prussiana do século XVIII; o volume IVA7 revela Euler como o autor de um artigo publicado anonimamente sobre a teoria da gravitação, e o volume IVA9, formado por 72 cartas de Knutzen e duas cartas de Euler, é de interesse particular à história da filosofia. De acordo com Kleinert (2015), Knutzen morreu muito jovem e temos poucas fontes ou documentos originais sobre ele, com exceção de suas publicações. Sabemos que Knutzen in- fluenciou fortemente Immanuel Kant durante os seus estudos na Universidade de Königsberg, e supõem-se que por intermédio de Knutzen que Kant se familiarizou com a física newtoniana e com a filosofia de Leibniz. Em 2015 a edição das obras impressas de Euler estava quase terminada, foram publicados quatro volumes das correspondências, além de um inventário de todas as cartas conhecidas de Euler. Quatro volumes adicionais estão em andamento e serão publicados em 2016 ou 2017. De acordo com Kleinert (2015, p. 25-26), a Fundação Nacional da Ciência da Suíça não financiará mais edições impressas de clássicos, portanto, não haverá uma edição completa impressa de to- das as correspondências de Euler. Estão planejando para serem disponibilizadas em uma edição on-line com acesso aberto, as cartas restantes que não se destinam à publicação nos volumes impressos, incluindo manuscritos originais, transcrições e comentários, seguindo como exemplo o projeto Bernoulli na Basiléia30 e o projeto sueco Linné31. Desde o início da edição das obras, os arquivos de Euler na Basiléia, que agora fazem parte do Bernoulli-Euler-Zentrum32, localizado na Biblioteca da Universidade da Basiléia, reuniu as có- pias das cartas existentes de Euler que estavam espalhadas pelo mundo, em bibliotecas, arquivos e coleções particulares. Quanto às cartas a ele endereçadas, estas são preservadas principalmente nos arquivos de São Petersburgo na divisão de Arquivo da Academia de Ciências Russa (SPbB ARAS). No século XIX uma pequena parte das correspondências de Euler foram transferida para o departamento de manuscritos da Biblioteca Universitária de Tartu (Estônia), todas estas cartas para e de Euler estão agora acessíveis on-line33. (a) Biblioteca da Universidade da Basiléia (b) Sala do Bernoulli-Euler-Zentrum 30. 31. 32. 33. http://www.ub.unibas.ch/bernoulli/index.php/Hauptseite http://linnaeus.c18.net https://bez.unibas.ch http://dspace.ut.ee/handle/10062/4930 CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 42 1.4 Uma proposta Nossa proposta para abordar os assuntos tratados por Euler em seus trabalhos será a partir de um ponto de vista empírico. A maneira de sugerir a legitimidade desse ponto de vista é justa- mente aplicar o pensamento empírico na explicação dos assuntos, é sugerir como o pensamento empírico funciona no interior dessas temáticas. Para dar suporte ao nosso posicionamento, apresentaremos a classificação dos assuntos tra- tados por Euler em seus trabalhos, de acordo com a área, segundo o site The Euler Archive34 - que é uma biblioteca digital dedicada aos trabalhos e vida de Leonhard Euler. Temos, • Matemática: Teoria dos Números; Teoria das Equações; Combinatória e Probabilidade; Cálculo Diferencial; Séries Infinitas; Integração; Integrais Elípticas; Equações Diferenciais; Cálculo de Variações; Geometria. • Física: Física Geral, Acústica; Óptica. • Astronomia: Movimento Solar e Lunar; Perturbação Astronômica; Movimento dos Pla- netas, Cometas; Rotação e Translação; Elipses e Paralaxe; Mares e Geofisícas. • Mecânica: Mecânica Geral; Corpos Rígidos; Corpos Elásticos; Mecânica dos Fluídos; Teoria de Máquinas; Ciências Naval. • Diversos: Aritmética Básica Escolar; Cartas a uma princesa da Alemanha. Assim, podemos constatar que Euler fez grandes contribuições à matemática, à física, à as- tronomia e à engenharia, portanto, podemos dizer que além de matemático, Euler foi físico e até mesmo engenheiro. Como cientista podemos inferir, com a classificação de hoje, que ele atuava tanto nas Ciências Formais como Empíricas e, assim tinha por método tanto o indutivo35 como o dedutivo36, como veremos ao longo deste trabalho. Não há dúvida de que Leonhard Euler faz parte dos grandes cientistas de todos os tempos. Seu trabalho exibe uma combinação única de interesses amplos e ideias brilhantes. Ele exibe maneiras originais de lidar com de- safios e uma incrível persistência na busca de suas ideias, e mostra ainda uma apreciação profunda e solidária as realizações de seus antecessores e colegas. Euler é lembrado sobretudo como o principal matemático do seu tempo, mas suas obras também incluem inovadoras contribuições à física, à astronomia e à engenharia. Além disso, sua vasta correspondên- cia produz uma compreensão fascinante sobre o desenvolvimento de suas ideias e sobre a comunidade científica do século XVIII. (KLEINERT; MATTMÜLLER, 2007, p. 25, tradução nossa). 34. 35“Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficiente- mente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Por- tanto, o objetivo dos argumentos indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se basearam.” (MARCONI; LAKATOS, 2016, p. 68). 36O Método dedutivo “é o método que parte do geral e, a seguir, desce ao particular. Parte de princípios reconhecidos como verdadeiros e indiscutíveis e possibilita chegar a conclusões de maneira puramente formal, isto é, em virtude unicamente de sua lógica. É o método proposto pelos racionalistas (Descartes, Spinoza, Leibniz), segundo os quais só a razão é capaz de levar ao conhecimento verdadeiro, que decorre de princípios a priori evidentes e irrecusáveis.” (GIL, 2002, p. 9). http://eulerarchive.maa.org CAPÍTULO 1. O NASCIMENTO DE UMA TESE 43 Para corroborar mais esta ideia, apresentaremos, a seguir, uma citação de Polya (1954, p. 3), a qual ele atribuiu a Euler37. Parecerá um pouco paradoxal atribuir uma grande importância às ob- servações mesmo na parte das ciências matemáticas, que é normalmente chamada de Matemática Pura, uma vez que a opinião corrente é que as observações são restritas a objetos físicos que produzem sensações sobre os sentidos. Como devemos nos referir aos números apenas com o intelecto puro, dificilmente podemos compreender como observações e quase-experimentos podem ser úteis na investigação da natureza dos números. No entanto, de fato, como vou mostrar aqui, com muito boas razões, as propriedades dos números conhecidas hoje foram descobertas principalmente por observações, e descobriram-se muito antes de sua ver- dade ter sido confirmada por demonstrações rigorosas. Há ainda muitas propriedades dos números com as quais estamos bem familiarizados, mas que não somos ainda capazes de provar; apenas observações nos levaram ao seu conhecimento. Daí, vemos que na teoria dos números, que ainda é muito imperfeita, podemos colocar nossas maiores esperanças nas obser- vações; elas vão levar-nos continuamente para novas propriedades, que devemos nos esforçar para provar depois. O tipo de conhecimento que é apoiado apenas pelas observações e que ainda não foi provado deve ser cuidadosamente distinguido da verdade; ele é obtido por indução, como costumamos dizer. Contudo temos visto casos em que a mera indução levaram ao erro. Portanto, devemos tomar muito cuidado para não acei- tarmos como verdadeiras tais propriedades dos números que descobrimos por observação e que são sustentadas apenas por indução. Na verdade, devemos usar essa descoberta como uma oportunidade para investigar mais precisamente as propriedades descobertas e para provar ou refutá- las; em ambos os casos, podemos aprender algo útil. (EULER, Opera Omnia, ser. 1, vol. 2, p. 459, Specimen de usu observationum in mathesi pura, tradução nossa). Refletindo nos dizeres do editor de Euler, percebemos que o método indutivo é um método que nos proporciona encontrar a “verdade”, ele nos fornece o caminho, ou a ferramenta para fazer- mos as conjecturas. Assim, quanto mais casos particulares estudarmos, mais plausível torna-se-á a conjectura. Mas devemos ter bom senso ao utilizar esse método, pois podemos formular falsas conjecturas. O editor observa que ao formularmos uma conjectura, ela é apenas uma conjectura, pois, de fato, devemos demonstrá-la rigorosamente para que ela torne-se uma proposição ou teorema. Assim, Euler utiliza o método indutivo para fazer suas descobertas, mas como matemático, ele sabe da necessidade de provar seus resultados. Aqui, queremos destacar que os interlocutores de Euler eram os matemáticos e cientistas do século XVIII, que constituíam a comunidade cientí- fica38 da época. Logo, aqui convém também destacar o que era uma demonstração rigorosa para essa comunidade. 37De acordo com a obra A Lógica do Descobrimento Matemático: Provas e Refutações de Imre La- katos esta citação foi atribuída equivocadamente a Euler, de fato, foi feita pelo editor da revista Novi Commentarii Academiae Scientiarum Imperialis Petropolitanae, volume 6, impresso em 1761. 38Neste trabalho utilizaremos o significado que Thomas Kuhn atrib