0 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Priscila Belasco Gerenciamento de crise de imagem da Samarco após desastre em Bento Rodrigues, Mariana (MG) Bauru 2017 1 Priscila Belasco Gerenciamento de crise de imagem da Samarco após desastre em Bento Rodrigues, Mariana (MG) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado junto à Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP como requisito para obtenção da nota final para o curso de Comunicação Social - Jornalismo, sob orientação do Prof. Dr. Denis Porto Renó e coorientação do Prof. Me. Juliano Sousa. Bauru 2017 0 Belasco, Priscila. Gerenciamento de crise de imagem da Samarco após desastre em Bento Rodrigues, Mariana (MG) / Priscila Belasco, 2017 61 f. : il. Orientador: Denis Porto Renó Coorientador: Juliano Sousa Monografia (Graduação)– Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2017 1. 1. Comunicação Social. 2. Gerenciamento de imagem. 3. Jornalismo. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação. II. Título. 2. 2 Priscila Belasco Gerenciamento de crise de imagem da Samarco após desastre em Bento Rodrigues, Mariana (MG) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado junto à Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP como requisito para obtenção da nota final para o curso de Comunicação Social - Jornalismo, sob orientação do Prof. Dr. Denis Porto Renó e coorientação do Prof. Me. Juliano Sousa. Banca Examinadora ___________________________________ Prof. Dr. Denis Porto Renó Orientador ____________________________________ Prof. Dr. Angelo Sottovia Aranha ____________________________________ Prof. Me. Julia Dantas de Oliveira Penteado Bauru 2017 3 Resumo Tendo em vista o desastre ocorrido no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, em novembro de 2015, com o rompimento da barragem de Fundão, administrada pela mineradora Samarco, com esta monografia buscou-se definir qual foi a estratégia adotada pela companhia para gerenciar sua imagem depois do ocorrido. O método de pesquisa escolhido para tal foi o Estudo do Caso, usado para identificar o comportamento da empresa em uma situação polêmica após catástrofe dessa magnitude. O propósito foi conhecer e analisar como a Samarco se comunicou com o público externo e como usou a comunicação para tentar mudar a percepção negativa que se criou em resposta ao ocorrido. Palavras-chave: comunicação social; gerenciamento de crise; Samarco; crise de imagem, Jornalismo 4 Abstract In view of the disaster in Bento Rodrigues, Mariana’s district, in November 2015, with the Fundão dam collapse, operated by mining company Samarco, this study aimed to define the strategy adopted by the company to manage its image after the occurrence. The research method chosen was Case Study, used to identify the company conduct in a controversial situation after a catastrophe of unprecedented magnitude. The purpose was to understand and analyze the way Samarco has communicated with external audiences and has tried to change the negative perception which was created as a result of the event. Key-words: social communication: crisis management; Samarco; image crisis, Journalism 5 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO..................................................................................................6 2. METODOLOGIA................................................................................................7 3. COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL...........................................................10 3.1 COMUNICAÇÃO INTERNA.......................................................................12 3.2 COMUNICAÇÃO EXTERNA.....................................................................15 3.3 FLUXOS DA INFORMAÇÃO DESCENDENTE, ASCENDENTE E HORIZONTAL..................................................................................................18 3.4 COMUNICAÇÃO INTEGRADA.................................................................20 4. CRISE DE IMAGEM. “15 MINUTOS DE ESCÂNDALO”.................................23 4.1 OS ALVOS DAS CRISES DE IMAGEM. “EIS UM VERDADEIRO INFERNO!”.................................................................................................................26 4.2 GERENCIANDO A CRISE.........................................................................29 4.3 “O OBJETIVO NAS CRISES É EVITAR O PIOR, É NÃO MORRER”.......33 5. SOBRE A SAMARCO......................................................................................38 5.1 DESCUMPRIMENTO AMBIENTAL E CPI DO PÓ PRETO............................41 5.2 DESASTRE EM MARIANA (MG)....................................................................44 6. ANÁLISE..........................................................................................................47 7. CONCLUSÃO...................................................................................................56 8. BIBLIOGRAFIA................................................................................................58 6 1. Introdução Em novembro de 2015, o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), foi completamente destruído pelo rompimento da barragem de Fundão, administrada pela Samarco Mineração S.A. Dezessete pessoas foram mortas e 35 cidades afetadas em Minas Gerais, sendo considerado o maior desastre socioambiental da história brasileira. Controlada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton, a Samarco foi considerada em 2015 a 10ª maior exportadora do Brasil, com um lucro de R$ 2,8 milhões. Dessa forma, utilizando da metodologia de Estudo do Caso, a monografia em questão buscou analisar como uma companhia desse tamanho se comportou e se comporta do ponto de vista comunicacional para gerenciar sua imagem depois do impacto. A empresa admitiu dez meses depois do acidente que houve erro no projeto da barragem responsável pela lama tóxica que se espalhou por municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. Considerando o timing da confissão, a imagem já estava comprometida o suficiente para reverter a opinião pública, mostrando comunicação falha diante da agilidade que a situação demandava. Para Torquato (1986), omitir fatos e manipular as informações a favor da empresa ferem o compromisso empresarial de estabelecer uma política de comunicação sincera, podendo causar prejuízos enormes para os negócios. Mais do que ser transparente com a opinião pública e as comunidades atingidas diretamente pelas catástrofes, é necessário analisar qual a melhor forma de atingir esse público e, de certa forma, de convencê-los de que a empresa está engajada e compromissada para tomar as soluções cabíveis para a resolução da questão. Como será passada, então, essa mensagem? Qual a melhor estratégia para que o mínimo de ruídos aconteça entre interlocutor e receptor? Os canais para tal comunicação devem ser escolhidos de forma que seja efetiva essa aproximação. Torquato (1986) afirma que a comunicação tem como fundamento a busca pela transmissão adequada das mensagens, de forma clara, direta e oportuna, que permita a compreensão pelos participantes. Para comunicar sem ruídos, a comunicação buscará ajustar seus discursos de acordo com a linguagem do receptor e os canais disponíveis para a interação. 7 2. Metodologia A escolha do objeto para este projeto se deve, principalmente, ao fato da autora ter afinidade com o tema e ter iniciado sua carreira profissional em comunicação empresarial, dentro de uma usina de cana-de-açúcar, que é uma multinacional brasileira de grande porte. Dessa forma, analisar a estratégia usada por outras companhias contribui para a melhor performance em possíveis cenários de crise de imagem e seu gerenciamento. É necessário considerar que empresas com boa estratégia de comunicação saem mais facilmente de crises imagéticas; com resoluções mais sólidas e estruturadas na corporação. Com ações de prevenção, as instituições conseguem evitar e/ou amenizar mais efetivamente crises que chegam de forma repentina ou aquelas que se manifestam no decorrer das atividades. Uma estratégia não tão bem solidificada pode ser o calcanhar de Aquiles para os negócios; nesse caso, quando situações críticas surgirem, é a capacidade de se comunicar bem e rápido que será posta à prova e que poderá determinar o futuro da empresa. Outro ponto fundamental para a escolha relaciona-se à formação acadêmica. Como graduanda de Jornalismo, as opções palpáveis para a autora se resumiam a conteúdos televisivo, radiofônico, impresso ou digital, sem que a comunicação integrada se mostrasse como opção real. Considerando a situação atual da profissão, o jornalismo se mostra desmotivador para os recém ingressados no setor, com pouca disponibilidade de atuação. Trabalhar em corporações se mostra, por sua vez, uma alternativa para os que querem maior estabilidade na área. O objetivo geral deste trabalho foi identificar como é que a Samarco se posicionou em relação ao acidente de Mariana em 2015, partindo do ponto de vista da preservação da imagem da companhia. Como objetivos específicos, buscou-se analisar a estratégia de comunicação adotada pela empresa para situações de crise institucional; identificar a relação de diálogo entre empresa, comunidade e opinião pública; e propor soluções para as ações comunicativas falhas que comprovaram a hipótese de que a mineradora perdeu o timing de seu posicionamento. O método de pesquisa identificado como o mais apropriado para essa pesquisa foi o estudo do caso, visto que permite um maior aprofundamento de um único tema, 8 analisando as particularidades e o comportamento do objeto selecionado de forma holística, ou seja, em sua totalidade. Os estudos de caso estimulam novas descobertas em função da flexibilidade do seu planejamento; enfatizam a multiplicidade de dimensões de um problema, focalizando-o como um todo e apresentam simplicidade nos procedimentos, além de permitir uma análise em profundidade dos processos e das relações entre eles. (VENTURA, 2007, p.4) O trabalho está dividido em três partes fundamentais: o levantamento e seleção de matérias que saíram em jornais e portais online do Brasil sobre o ocorrido, permitindo a compreensão do impacto público e midiático. Levantamento e seleção do posicionamento e declarações da Samarco, analisando, principalmente, sua página oficial na internet. Levantamento e seleção dos principais tópicos sobre gerenciamento de crise de imagem, assim como táticas de contingenciamento e preservação da credibilidade. Os autores selecionados para guiarem esta monografia foram Francisco Gaudêncio Torquato do Rego e Mário Rosa, com os livros base Comunicação Empresarial/ Comunicação Institucional e A Síndrome de Aquiles. No capítulo 1, Torquato foi o responsável por dar o norte sobre como funciona a comunicação nas empresas e como essa área deve estar integrada com todas as outras para que se forme um consenso de entendimentos sobre a empresa. Uma comunicação integrada e bem estruturada resultará em funcionários que seguem os mesmos princípios e, de certa forma, constroem e defendem uma única imagem da companhia. A imagem ideal, defendida pela alta gestão, deve ser despertada em toda a equipe; o sentimento de pertencimento deve ser solidificado para que os colaboradores tenham a mesma visão sobre o que a empresa é e discursos disformes não surjam em casos de crises que comprometam a credibilidade dos envolvidos. Em Torquato, foram buscados os conceitos da comunicação corporativa, sobre como é estruturada e como se sustenta diante de opiniões e padrões comportamentais divergentes, na organização, e sobre como uma estratégia de prevenção de crises sólida contribui para a longevidade dos negócios. 9 No capítulo 2, Rosa foi o responsável por guiar o estudo de gerenciamento de crise de imagem. Em meio à disputa de mercado, em que as companhias estão constantemente ameaçadas por fatores econômicos, a comunicação como aliada à concepção da marca representa vantagem competitiva. A estratégia comunicacional eficiente, em conjunto com um plano de contingenciamento de crises elaborado de acordo com a realidade dos negócios, é resposta quase certa para se alcançar a fidelidade dos stakeholders. Na hora da crise, o importante é lidar com o problema da forma mais adequada – e isso é muito mais fácil se houve um planejamento prévio. Resumindo: hora de crise é hora de reagir – e não de planejar. Planejamento se faz em tempos de normalidade. E quanto melhor for, melhor será a resposta quando a rotina for quebrada. (ROSA, 2003, p.70) Rosa foi fonte de consulta para os grandes casos de gerenciamento de crise de imagem e referência na análise de como polêmicas poderiam ter sido evitadas por meio de planos de prevenção. A leitura da obra de Mário Rosa facilitou o conhecimento dos melhores métodos para resolução de crises emergenciais ou aquelas que são desenhadas aos poucos no horizonte. O capítulo 3 apresenta a história da Samarco, seu histórico de crises e conflitos com a sociedade, e detalha o desastre no distrito de Bento Rodrigues, Mariana (MG), que será discutido e analisado no capítulo 4, em que os erros cometidos no processo comunicacional são apontados. Por fim, os capítulos 5 e 6 trazem as conclusões e a bibliografia consultada para este projeto, elaborado ao longo de 7 meses, de setembro de 2016 a fevereiro de 2017. 10 3. Comunicação organizacional Sendo a organização composta por várias áreas, departamentos, equipes e gestões, muitas vezes dispersas no espaço – em caso da empresa ter unidades em regiões diferentes – é preciso pensar estrategicamente em formas de alinhar um discurso único a ser compartilhado por todos os colaboradores. É preciso criar um discurso que una os indivíduos ao mesmo tempo em que crie uma imagem unificada da empresa, uma identidade conhecida e aceita por todos que façam parte do negócio. A organização persegue um equilíbrio entre as partes que a formam. Seu equilíbrio é resultante da disposição ordenada entre suas partes. Essa integração é obtida graças ao processo comunicacional. Aparece, assim, a primeira relação entre comunicação e empresa. (TORQUATO, 1986, p.11) Primeiramente, é preciso compreender que uma empresa está a serviço do capital, ou seja, seu foco é o lucro. Todas as suas ações nos âmbitos social, cultural, desenvolvimentista, filantrópico e político são planejadas para que se aumente o valor monetário da produção. Como unidade socioeconômica que produz e estimula o consumo, precisa do apoio da sociedade para operar, por isso a importância de estar presente nos diferentes setores. Como sistema, a empresa tem limites definidos, de um lado, pelos componentes administrativos necessários à geração de bens e serviços, de outro, recebe influências do meio ambiente, podendo-se aduzir, por inferência, que uma empresa não é apenas resultante de componentes concretos do microssistema organizacional, mas é consequência de forças, pressões, recursos e situações, nem sempre fáceis de detectar, presentes no corpo social. (TORQUATO, 1986 p.10) Sendo assim, a comunicação é campo estratégico para os resultados almejados. Composta principalmente pelas áreas do Jornalismo, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas e Editoração, é a comunicação que irá pensar a informação para a concepção da imagem da empresa e a transmissão dessa imagem para os públicos interno e externo. Por meio do entrelaçamento dos objetivos dos diferentes departamentos e a construção de uma visão e discurso homogêneos que se pretende serem compartilhados por todos os funcionários, será 11 possível transmitir confiança e credibilidade tanto para as comunidades quanto para o mercado. Para esse objetivo, os dois processos fundamentais são a comunicação interna, focada no público da organização e seus dirigentes, e a comunicação externa, voltada para acionistas, clientes, fornecedores, órgãos públicos, entre outros stakeholders. Os dois processos serão descritos posteriormente para o entendimento da dimensão e do impacto que proporcionam. Fonte: João José Azevedo Curvello – Comunicação interna Figura 1: Modelo de Rede de Relacionamento 12 3.1 Comunicação interna A comunicação interna é toda comunicação formal e informal que busca criar canais de diálogo e divulgar ações que aconteceram ou estão acontecendo na empresa e experiências vividas pelos funcionários. Essa comunicação pode acontecer pela via formal – sistema de divulgação de informação estabelecido pela organização, sistema oficial, e pela via informal, caracterizada pelas relações interpessoais entre os funcionários, que discutem sobre o clima organizacional, decisões tomadas, remuneração, hierarquia, dentre uma infinidade de atitudes. Para Rego (1986, p.48): A rede formal comporta todas as manifestações oficialmente enquadradas na estrutura da organização e legitimadas pelo poder burocrático. A rede informal abriga as manifestações espontâneas da coletividade, incluindo-se aí a famosa rede de boatos, estruturada a partir da chamada cadeia sociológica dos grupinhos. Na comunicação formal, incluem-se os relatórios de desempenho, instruções, portarias, relatórios administrativos, relatórios de atividades, manuais, etc. Os canais em que essas informações serão divulgadas variam de acordo com a importância e o alcance que se quer dar à informação, analisando qual meio atingirá o maior número de pessoas. Podem ser usados boletins, folhetos, folders, intranet, jornais murais, revistas institucionais, manuais, apostilas, newsletters e mais outros formatos que serão escolhidos de acordo com sua funcionalidade. Na tabela abaixo, vantagens e desvantagens do sistema formal de comunicação: Disponível em: https://comunicacom.files.wordpress.com/2011/05/com-formal1.jpg. Acesso em 09/jan/2017 Figura 2: Sistema Formal de Comunicação https://comunicacom.files.wordpress.com/2011/05/com-formal1.jpg 13 A comunicação informal, por outro lado, é composta pelos canais não oficiais no ambiente de trabalho. É um sistema comunicacional que ocorre em todas as direções, sem regras ou normas e de controle restrito da alta gestão. Na maioria das vezes decorre de uma comunicação oral - conversas que ocorrem no café, no happy hour, na hora do almoço -, momentos em que os funcionários se juntam a um grupo de funcionários que têm afinidade e conversam sobre os acontecimentos mais recentes da empresa. É a troca de informações em que o grau de veracidade dos fatos se torna duvidoso simplesmente por não se saber de onde vem aquela informação. Todavia, o sistema informal de comunicação gera um debate mais livre por parte dos funcionários, já que eles podem se expressar sem receio de serem recriminados ou colocarem o trabalho em risco. É uma forma de exprimirem suas opiniões e pontos de vista para os colegas sem que necessitem seguir regras de comportamento. O problema dessa troca de opiniões entre colegas é que a alta gestão dificilmente ficará sabendo das críticas construtivas, já que não foram ditas em canais formais. Da mesma forma que o sistema formal de comunicação pode ser autoritário, utilizando-se apenas do fluxo descendente, sem possibilidade de diálogo entre as partes e inibindo a participação dos indivíduos, o sistema informal pode ser tão inativo quanto, já que não chega aos altos escalões. Na tabela abaixo, vantagens e desvantagens do sistema informal de comunicação: Disponível em: https://comunicacom.files.wordpress.com/2011/05/com-formal1.jpg. Acesso em 09/jan/2017 Figura 3: Sistema Informal de Comunicação https://comunicacom.files.wordpress.com/2011/05/com-formal1.jpg 14 Os gestores dos níveis mais altos da hierarquia precisam aprender a conciliar os dois sistemas para que se crie um ambiente mais livre e menos inquisidor, no qual todos os níveis da estrutura organizacional possam contribuir para o desenvolvimento das pessoas e dos negócios. É preciso que tanto os colaboradores da operação quanto os da administração possam expressar suas ideias sem que se reprimam por medo de represálias. Unir a comunicação formal - em que a informação vem de cima, como ordem, sem direito a questionamento – à comunicação informal – em que não se sabe até que ponto a informação é legítima, sem ter sido contaminada por interesses particulares – é uma tarefa delicada que exige planejamento estratégico e dosagem ideal. Contudo, se bem administrada, essa união pode resultar em processos inovadores. 15 3.2 Comunicação externa A comunicação externa, por sua vez, direciona sua mensagem para todos os outros públicos que não se encontram nos limites da empresa, mas que, de uma forma ou de outra, se interessam e observam as atividades e resultados da organização. Na verdade, uma organização não existe sem o público externo; é ele quem irá legitimar no mercado a presença da empresa. Sem os clientes, por qual motivo a empresa iria gastar dinheiro e energia para produzir? Sem os acionistas investindo seu dinheiro no negócio, como a empresa se manteria em pé? Sem o apoio da população, como é que a empresa iria se manter na comunidade, usando recursos naturais, humanos e econômicos? A existência de uma organização só faz sentido se os públicos externos a legitimarem. Os públicos externos, juntamente com os públicos internos, são chamados de stakeholders, ou seja, são as partes interessadas. Eles são o público estratégico, são os alvos que a empresa precisa acertar em cheio e cativar para que não perca a credibilidade. Esse grupo acompanha de forma direta ou indireta as informações acerca das atividades e dos rendimentos; são os autênticos fiscalizadores daquela administração privada, cobrando satisfações e exigindo o bom desempenho corporativo. Os stakeholders externos podem ser compostos pelos acionistas, que fiscalizam o dinheiro investido e exigem retornos financeiramente lucrativos; a sociedade em geral, atenta aos impactos sociais, econômicos e ambientais advindos da organização; órgãos públicos, que fiscalizam questões burocráticas; órgãos ambientais preocupados com o cumprimento da legislação vigente; concorrentes, entre outros. O público interno também se encaixa nessa classificação, na medida em que a manutenção de seu trabalho está condicionada ao bom desempenho da corporação na sociedade como um todo. Stakeholders nada mais são do que as pessoas ou grupos de pessoas que se beneficiam parcial ou totalmente do que está sendo realizado. Para Eiriz (2013): 16 Disponível em: http://www.portal-administracao.com/2014/07/stakeholders-significado-classificacao.html. Acesso em 09/jan/2017 Figura 4: Stakeholders comunicação externa é a troca de informações entre uma organização e outras organizações, grupos ou indivíduos fora de sua estrutura formal. O objetivo da comunicação externa é facilitar a cooperação e colaboração com as outras partes interessadas e apresentar uma imagem favorável da organização para a sociedade como um todo. A comunicação externa é o caminho para que a sociedade conheça os serviços prestados ou produtos ofertados por determinada empresa. É o meio pelo qual a organização se conecta com o ambiente externo e transmite sua missão, visão, valores e razão de ser. É pela comunicação externa que a empresa vai mostrar que sua operação é limpa, honesta e de acordo com as regulações governamentais; vai mostrar que os negócios são aliados dos indivíduos à medida que contribuem para a geração de empregos e o desenvolvimento socioeconômico, cultural e ambiental. Essa comunicação pode ser feita por meio de releases, conferências de imprensa, entrevistas para o rádio e/ou televisão, comunicados e notas publicados nos jornais locais ou eventos, entre outros recursos. http://www.portal-administracao.com/2014/07/stakeholders-significado-classificacao.html 17 O bom relacionamento com os stakeholders externos depende, fundamentalmente, dos stakeholders internos, ou seja, dos próprios funcionários. É necessário que o capital humano de uma empresa transmita o mesmo sentimento de pertencimento e orgulho para que o discurso à sociedade seja legítimo, convincente. E por isso é importante a comunicação interna; é essa comunicação que irá estruturar e padronizar os discursos dos funcionários, criar uma homogeneidade. Um discurso homogêneo transmite credibilidade e confiança para quem acompanha os negócios do lado de fora, sem voz ativa o tempo todo. Um capital humano que entende, absorve e transmite os valores da empresa, levando-os como princípios fundamentais para o dia a dia operacional, faz com que uma imagem sólida da empresa seja concebida e repassada para o macroambiente, passando a mensagem de que os funcionários daquela corporação se identificam e concordam com os pilares básicos que sustentam as atividades. 18 3.3 Fluxos da informação descendente, ascendente e horizontal A comunicação organizacional tem três fluxos de direção: ascendente, descendente e horizontal/ lateral, que equilibram e determinam o alcance das informações no microclima corporativo. ”Qualquer planejamento em comunicação deve levar em consideração as demandas e características dos três fluxos, de modo a permitir vazão nas áreas e limpeza nos canais formais” (TORQUATO, 1986, p.48). Se bem utilizados, esses fluxos circulam as informações pelos caminhos estratégicos e permitem a redução dos ruídos entre os interlocutores. É essencial que sejam bem estruturados para a maior eficiência na produtividade e na tomada de decisões, na medida em que auxiliam na compreensão das tarefas a serem executadas, estimulam, motivam e ampliam o sentido de cooperação entre as equipes. São também ferramentas de feedback, ou seja, instrumentos de avaliação de desempenho e comportamento, mesmo que conduzidas de maneira informal durante um bate-papo na área de convivência. O fluxo descendente é o caminho percorrido pelas mensagens que saem da alta cúpula, dos gestores com cargos elevados na hierarquia empresarial; são as demandas do nível superior que seguem para os níveis inferiores. É um canal usado para o direcionamento de atividades, estipulação de metas e resultados, transmissão de normas e procedimentos, práticas, política de gestão de pessoas, entre outras possibilidades que priorizam as resoluções do topo decisório. É uma comunicação que pode ser caracterizada pela imposição de ordens (TORQUATO, 1986, p.56). Para Torquato (1986, p.56), o fluxo ascendente é a comunicação que parte dos níveis inferiores para a alta administração. Funciona como canal de críticas, elogios ao modelo de gestão, opiniões, sugestões, reclamações de grupos de funcionários, etc. Para ser mais eficaz, esse tipo de comunicação costuma acontecer em eventos informais, em que os participantes estão descontraídos e à vontade para se expressar. Happy hours, encontros eventuais, partidas de futebol e afins são ideias para essa troca de informações. Contudo, a comunicação ascendente também ocorre formalmente por meio das reuniões de equipe, caixa de sugestões, pesquisas de clima, entre outros. 19 O fluxo horizontal/ lateral, por sua vez, é a comunicação realizada por funcionários do mesmo nível hierárquico. São oportunidades para se compreender os esforços e dificuldades dos pares e, também, criar alianças para satisfazer as necessidades mútuas. Um ponto de atenção desse fluxo é a possibilidade de se criarem informações sigilosas em determinado nível hierárquico, manipuladas de acordo com os interesses desse grupo. São as chamadas caixas pretas da organização (TORQUATO, 1986, p.58). Há ainda outros dois tipos de fluxos, secundários: o fluxo transversal, comum em empresas mais modernas e pelo qual as informações transitam em todas as direções sem distinção de cargos; os funcionários da alta gestão interagem bem com os níveis mais inferiores; e o fluxo circular, pelo qual as informações circulam indistintamente pelo fato da empresa ser de pequeno porte e não ter estrutura tão rígida de liderança. Disponível em: http://pt.slideshare.net/wceranto/liderana-mudana-a-comunicao. Acesso em 12/jan/2017 Figura 5: Fluxos da Informação http://pt.slideshare.net/wceranto/liderana-mudana-a-comunicao 20 3.4 Comunicação integrada Numa organização, é preciso que todos os profissionais da área de Comunicação trabalhem visando o mesmo objetivo. Os profissionais do Jornalismo, Relações Públicas, Publicidade e Propaganda e Editoração devem estar aliados em benefício da organização e unir esforços para a concepção de uma imagem sólida e crível, por meio de uma comunicação integrada. É imprescindível que esses profissionais se enxerguem como parceiros estratégicos e cooperem com o trabalho uns dos outros, compreendendo a devida importância de cada segmento na organização. Dessa forma, um plano de comunicação estruturado que leva em consideração as diferentes expertises e técnicas, contribuirá para a não duplicidade de esforços, de capital humano e econômico. Trabalhando em conjunto e compartilhando as informações que lhes cabem, jornalistas, relações públicas, publicitários e produtores editoriais formam uma força tarefa poderosa na conquista do mercado. A título de conhecimento, serão descritas abaixo as competências de cada profissional. Jornalistas: trabalham na apuração, redação e edição das notícias. Por meio das técnicas jornalísticas, são capazes de interpretar e transcrever a realidade para os diferentes públicos, escolhendo qual linguagem é a mais adequada para cada grupo. Administram as questões gráficas dos materiais distribuídos, fotos e ilustrações, selecionando o que é e o que não é relevante para os negócios. São responsáveis também pelos textos institucionais, como, por exemplo, mensagens assinadas pela diretoria ou presidência, que serão lançadas na mídia (PALMERSTON, et al, 2007). Publicitários: trabalham diretamente com a criação de conteúdos audiovisuais, gráficos, planejamento de campanhas, elaboração de estratégias de venda, definição da identidade da marca (logotipos, tipografia, cores), anúncios, outdoors, entre outros. São responsáveis por darem vida à informação empresarial, ou seja, utilizando as técnicas da profissão para analisar qual o melhor método de comunicar uma mensagem; qual método terá mais adesão e alcance. Podem trabalhar diretamente em uma empresa ou serem prestadores de serviço, posto que seu trabalho exige muito mais dedicação, já que é necessário estudar as características 21 da empresa e entender sua personalidade antes de propor ações que nada têm a ver com a “cara” dos negócios (PALMERSTON, et al, 2007). Relações Públicas: a principal função de um relações públicas é fazer a ponte entre os públicos de interesse e a organização. É ele quem irá encabeçar projetos que repercutirão positivamente na sociedade e reforçarão a boa imagem da empresa. Deve preocupar-se com o cenário futuro e a manutenção da cultura organizacional, reforçando valores, princípios e a razão de ser da instituição. Faz o planejamento das ações de comunicação, que visam atender e integrar o público interno e satisfazer as demandas dos demais stakeholders (PALMERSTON, et al, 2007). Produtores editoriais: cuidam dos aspectos visuais das publicações. Acompanham desde o início a produção do conteúdo: seleção, edição, revisão do material para os diversos tipos de mídias impressa, eletrônica e digital. Trabalham em editoras de livros, gráficas, sites, jornais, revistas especializadas, etc (PALMERSTON, et al, 2007). Tendo em vista que no cenário atual o mercado é mutante, demandando das empresas a habilidade de se reinventar e traçar novos caminhos que as destaquem no setor e na concorrência, a comunicação integrada é peça-chave para uma performance de sucesso. Para Bueno (2008), entretanto, a realidade é outra: Integrar o quê, se a realidade a que estamos assistindo é bem outra: uma disputa intensa e sangrenta entre áreas e profissionais (da própria área de Comunicação), eivada de equívocos e preconceitos, um embate ruidoso de egos e uma ausência total de espírito crítico e de uma perspectiva abrangente do universo da Comunicação Empresarial. Não podemos ser integrados, se ao menos não nos dispusermos a ser solidários e a entender o outro. Para a eficiência e aumento da produtividade por meio da promoção da imagem, não é concebível que os profissionais de comunicação tenham embates de ego e disputas de poder. Como em todos os outros departamentos, trabalham em prol da longevidade dos negócios, partindo do princípio da defesa da empresa que remunera e concede benefícios ao seu quadro de funcionários. Uma área não vai muito longe sozinha e não é autossuficiente a ponto de se descolar das demais. A organização é um sistema composto por várias partes que necessitam umas das 22 outras; negar o trabalho ou encontrar artifícios que dificultem o trabalho alheio nada mais é que contraproducente. 23 4. Crise de imagem. “15 minutos de escândalo” Antes de mais nada, é preciso ter em mente que qualquer empresa ou indivíduo pode sofrer uma crise de imagem ao longo de sua existência e, para isso, não é necessário que se tenha muitos zeros na conta bancária. Crises afetam organismos que vivem em sociedade e estão sujeitos a situações que podem colocar sua reputação em risco. Como dito anteriormente, no capítulo sobre Comunicação Organizacional, indivíduos e corporações concebem - ou buscam conceber - uma identidade idônea e confiável para que possam se projetar no mercado e criar bases sólidas de negócios. Entretanto, deslizes humanos e naturais, internos ou externos, podem colocar tudo por água abaixo em questões de semanas. Mas, o que afinal é uma crise de imagem? Para Mário Rosa (2001, p.22): As crises de imagem são bem particulares, pois se caracterizam por um clima de comoção e por uma ampla difusão de informações, através dos veículos de comunicação. Transcorrem num ritmo e numa evolução acelerada, criando pesadas dificuldades para aqueles que porventura estejam situados em seu epicentro. E, grosso modo, envolvem várias instâncias e suscitam ações por vezes dos três poderes federais. Numa frase: eis um verdadeiro inferno! Ou seja, crises de imagem se diferenciam das crises cotidianas que eventualmente toda empresa vai se deparar. Não são crises convencionais que se enquadram na normalidade do dia a dia de trabalho. São crises que se mal administradas podem abalar de forma irreversível a credibilidade e reputação de uma instituição. Uma vez que a sociedade (stakeholders) passa a duvidar da integridade da empresa, é penoso e longevo o caminho de volta para restaurar a parceria. Esse tipo de crise toma proporções globais simplesmente por vivermos em um mundo heterogêneo, com intercâmbio incontrolável de informações. Mário Rosa (2001, p.24) afirma que “um problema que, em princípio, diria respeito apenas a uma empresa ou a uma comunidade distante pode adquirir imediatamente uma dimensão muito maior – nacional ou, até mesmo, global”. Diversos são os fatores que podem dar início a uma situação de crise, mas, poucos deles não têm relação com o fator humano. Mesmo catástrofes naturais que não envolvam nenhum ser humano no momento do desastre são provocadas, geralmente, pela intervenção intensiva do ser humano no meio ambiente, levando a 24 natureza ao colapso. Crises de imagem são, por via de regra, ocorrências que têm como fator gerador o indivíduo ou um grupo de pessoas que fez algo ou falou algo para que se instalasse o caos. Alguém, em algum lugar, por interesse ou falha humana acende uma fagulha que, quase sempre, se transforma em um fogaréu. Alguns casos famosos servem como referência de como o homem é agente ativo das crises corporativas ou de personalidades. Em 28 de janeiro de 1986, o ônibus espacial Challenger explodiu no espaço pouco depois de seu lançamento (73 segundos) e, matou sete pessoas, incluindo Christa McAuliffe, professora selecionada entre 11 mil candidatos para fazer parte do programa da NASA. Foi uma tragédia particular para o presidente Ronald Regan, que havia sugerido a inclusão de uma pessoa comum na empreitada. A desintegração da nave teve início quando o O-ring (junta tórica) de vedação do lado direito do foguete de combustível sólido (SRB) falhou em pleno ar. O bem-sucedido plano de comunicação do governo americano foi em, larga escala, consequência da participação direta da figura mais importante da época. O presidente Regan foi o porta-voz da crise, estando disposto a encarar o sofrimento e o choque de quem sensibilizou-se com a tragédia; sua maior cartada foi colocar o assunto como prioridade, cancelando reuniões importantes de Estado na tentativa de cuidar integralmente da imagem arranhada do país (ROSA, 2001, p.225). Em 1979, o reator da Unidade 2 da usina nuclear Three-Mile Island (TMI) localizada no condado de Dauphin, em Harrisburg, capital do estado norte- americano da Pensilvânia, explodiu. O acidente ocorreu por conta de falhas no sistema secundário não-nuclear, seguido por uma válvula de alívio operada por piloto do sistema primário que tinha ficado aberta, permitindo que grandes quantidades de líquido de arrefecimento escapassem. O episódio foi um total desastre do ponto de vista da comunicação, tornando-se exemplo do que não fazer em situações de emergência. Não havia sequer planos de evacuação e de comunicação. Existiam várias centrais de comunicação, com ordens distintas sendo direcionadas. Foi tudo uma bagunça orquestrada por pessoas desesperadas e sem experiência com algo semelhante (ROSA, 2001, p.220). Durante a Guerra do Vietnã ocorreu, em My Lai, o massacre de um número entre 170 e 400 civis vietnamitas, em 16 de março de 1968; o genocídio foi cometido 25 por soldados americanos que dizimaram homens, idosos, mulheres e até bebês. O Exército tentou ocultar por meses o episódio, que só se tornou público em 6 de setembro de 1969, depois de as próprias autoridades tentarem esconder ou minimizar o assassinato coletivo e depois da imagem do exército já estar comprometida (ROSA, 2001, p.244). O que essas três crises de imagem têm em comum? Foram cometidas diretamente por seres humanos, ou indiretamente, por consequência de falhas mecânicas ou humanas. No caso de falhas mecânicas em que os equipamentos vieram com defeito de fábrica e apresentavam bom funcionamento até que colapsaram, o responsável ainda continua sendo o indivíduo, mesmo que esse indivíduo não faça parte do quadro de funcionários da empresa atingida e sim das fornecedoras que a abastecem. Falhas humanas ou de caráter, como é o caso de boatos espalhados de má fé e que atingem a reputação de um personagem em específico, são as grandes responsáveis pelas crises de imagem da contemporaneidade. Para administrar o cenário negativo e conseguir amenizar a situação, garantindo que a reputação não seja destruída nem arranhada a ponto de ser irreversível, é necessário um plano de comunicação prévio, que vai traçar as ações e estratégias que guiarão os envolvidos no gerenciamento da crise da imagem corporativa. 26 4.1 Os alvos das crises de imagem. “Eis um verdadeiro inferno!” O mito de Aquiles, semideus grego conhecido por suas grandes vitórias e quase invencibilidade, pode ser comparado com grandes corporações que apresentam trajetória de sucesso e cenário de crescimento econômico invejável, sem máculas que possam manchar sua imagem na sociedade e com uma história de boas práticas exemplar. Aquiles, banhado pela mãe no rio Esfige para que ganhasse toda a força que o faria poderoso na vida adulta, tinha um ponto fraco justamente por conta desse banho. Sua mãe, no momento de colocá-lo em contato com a água, segurou-o pelos calcanhares, deixando-os vulneráveis; esse passou então a ser o ponto-fraco do herói. Depois de uma vida cheia de conquistas, foi morto pelo calcanhar, o único lugar de seu corpo que poderia derrotá-lo (ROSA, 2001, p.37). As grandes empresas do mundo globalizado que se destacam em seus setores e se tornam referência no que fazem, consolidando imagens de sucesso e garantindo a confiança dos públicos interessados, também têm seus calcanhares de Aquiles, aquelas fraquezas que podem ser atingidas com tamanha intensidade que abalarão as estruturas mais profundas. Os alvos das crises de imagem são pessoas ou instituições de sucesso; quanto maior o reconhecimento e maior o sucesso que se conquista no ambiente em que se está inserido, maiores serão a exposição e os riscos de ataques de todas as direções. Empresas que cumprem todos os requisitos legais em relação ao meio ambiente e ambiente de trabalho, que seguem à risca diretrizes de gestão de pessoas e que investem pesado em saúde e segurança do trabalho podem achar que estão imunes a esse tipo de dificuldade. Afinal, não têm nada a esconder e estão de acordo com as leis que zelam pela qualidade do serviço; por quê se preocupar se tudo sempre correu bem seguindo, há anos, o mesmo modo de atuar? Por quê procurar problema onde não tem e nunca teve e que provavelmente nunca terá? A resposta é uma só: crises são imprevisíveis. Embora algumas possam dar sinais de sua chegada, com antecedência, a maioria das crises chega sem fazer cerimônia. Vamos supor que essa empresa citada no parágrafo acima, que segue com louvor todos os procedimentos impostos por órgãos fiscalizadores, que realiza 27 trabalhos sociais para as crianças da comunidade e ainda segue aumentando seu lucro anualmente, tem o seu diretor financeiro pego desviando dinheiro para um paraíso fiscal nas Ilhas Cayman. Esse diretor, com expertise acumulada durante anos pela profissão e aperfeiçoamento de métodos, nunca criou sequer uma sombra de dúvidas quanto a sua integridade e responsabilidade com o patrimônio da empresa. Era considerado o braço direito do presidente quando, de repente, seu nome apareceu na lista negra da Polícia Federal. Descobriu-se que o esquema de corrupção era operante há mais de 15 anos. Em questão de dias, uma empresa com credibilidade inquestionável vê todo o renome criado ao longo de décadas indo por água abaixo, sem nem ao menos ter tido conhecimento prévio disso. O responsável foi alguém de quem nunca ninguém suspeitou, mas que operava na surdina com toda a sua esperteza. Nenhuma organização ou figura pública está imune às crises desse gênero. Como exemplo de personalidade afetada, Glória Pires teve sua carreira de atriz quase que destruída por um boato1 que circulou quando sua filha Cléo Pires tinha apenas 15 anos. Alguma pessoa mal-intencionada havia espalhado que a atriz global flagrou sua filha tendo relações sexuais com o padrasto, o cantor Orlando Morais. Glória afirmou em livro que sua vida pessoal foi devastada pela fofoca, publicada em notas por jornais da época. Se a organização não tem com o que se preocupar, pois não existem pontos fora da curva que precisem ser mantidos a sete chaves no porão das práticas irregulares, ótimo! Está no caminho certo. Mas, por via das dúvidas, que mal faria ter um plano de gerenciamento de crise estruturado e acessível e com ações claras de atuação para ser acionado caso a situação fuja do controle? Crises de imagem quando explodem precisam de ações imediatas para que o estrago seja minimizado. Não há tempo para se fazer reuniões e mais reuniões para alinhar como a empresa vai agir e como irá responder às avalanches de questionamentos da mídia. É preciso agir rápido, com transparência e disposição para enfrentar a dor de cabeça que virá. Em momentos de caos, contudo, o nervosismo extermina a racionalidade dos gestores. Por serem pegos de surpresa, a capacidade de analisar a situação e 1 As polêmicas que já envolveram a família de Glória Pires. Disponível em: http://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/fotos/as-polemicas-que-ja-envolveram-a-familia-de-gloria-pires- 20130403.html. Acesso em 22 de janeiro de 2017. http://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/fotos/as-polemicas-que-ja-envolveram-a-familia-de-gloria-pires-20130403.html http://entretenimento.r7.com/famosos-e-tv/fotos/as-polemicas-que-ja-envolveram-a-familia-de-gloria-pires-20130403.html 28 Disponível em: http://motdigital.com/midias-sociais-e-gestao-de-crise/. Acesso em 17/jan/2017 Figura 6: Características de crises de imagem pensar em meios que protejam a identidade empresarial fica escondida no limbo do desespero e o tiro pode sair pela culatra. Nesses momentos, melhor seria se estratégias alinhadas previamente fossem tiradas da gaveta; elas vão servir como plano de ação em um momento em que todos estão desnorteados e sem saber o que fazer. Estratégias estudadas em momentos de normalidade e escolhidas como as mais coerentes para os possíveis cenários de crise podem preservar, mesmo que minimamente, a reputação de uma organização. http://motdigital.com/midias-sociais-e-gestao-de-crise/ 29 4.2 Gerenciando a crise Regra número um do gerenciamento de crise de imagem: não se esconda. Ninguém está preparado para uma crise e, quando ela acontece, não há um tempo mínimo para que se possa se adaptar à situação; tudo vai acontecendo muito rápido, e quanto mais tempo se demora para manifestar as verdades, pior vai ficando a percepção pública. “É o que faz o avestruz, escondendo a cabeça debaixo da terra. E isso só o faz um alvo ainda mais vulnerável, pois quem põe a venda nos olhos continua tão visível quanto antes. Apenas não vê nada ao redor” (ROSA, 2001, p.94). Mais do que nunca é preciso se expor na mídia com o intuito de demonstrar que não se tem nada a omitir e que os esforços serão conjuntos na busca pela solução do problema. Colaborar com as investigações e ser acessível à mídia passa a impressão de que não importa qual será o desfecho de todo o processo, mas a empresa vai manter até o fim sua postura de assistência. É preciso ter um correto posicionamento público para que a sociedade acredite na história contada. Não perder a iniciativa também é crucial para o desenrolar da situação. Perder o foco, por muitas vezes não saber o que fazer, pode ser determinante para a ruína da imagem corporativa. Ter executivos proativos, que buscam informações e soluções e as disponibilizam na imprensa ao invés de apenas responderem aos questionamentos externos, agem de maneira que possam garantir o compromisso da organização com a resolução da crise. Ser proativo e não reativo e não perder o controle da situação são os ingredientes principais dessa receita de gestão de crise, que, na verdade, não tem fórmula pronta e 100% eficaz. Gerenciar crise é trabalhá-la em seu conjunto. O ponto principal da gestão de crise é a prevenção, por meio da identificação de sinais internos ou externos que anunciam a sua chegada e da preparação de estrutura para enfrentá-la. A gestão da crise não é porta de saída, mas de entrada para a terceira fase: a reconquista da confiança na instituição para manter a atividade presente e perpetuá-la no futuro. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ENTIDADES FECHADAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, 2015, p.11) A empresa que estruturar de forma sólida as ações que serão tomadas para a defesa da sua versão sobre o ocorrido e as estratégias de atuação para o apoio às 30 investigações e às vítimas (no caso de acidentes aéreos, por exemplo) pode ter sua reputação ampliada exponencialmente e ganhar mais força no mercado. Se a empresa colabora com as investigações, apresenta documentos sem precisar ser intimada a isso, propõe planos de ação para mitigar os impactos na sociedade, indeniza as vítimas, dá suporte financeiro, judicial, psicológico, estrutural aos envolvidos, e ainda não tem medo de falar publicamente sobre o caso, colocando representantes dos mais altos escalões para se relacionar com a imprensa, ganha a admiração dos setores que acompanham o escândalo. Se não alcançam o desfecho desejado no final, pelo menos têm o respeito pelas atitudes tomadas, que consideraram em primeiro lugar a transparência, a ética e a remissão dos danos causados. Exemplo de fatalidade envolvendo a morte de 99 pessoas, o acidente com o Airbus da TAM em 31 de outubro de 1996 é caso de sucesso na condução da crise que se sucedeu à tragédia. O vôo TAM 402 partiria de Congonhas para o Rio de Janeiro, mas, por volta das 8h26, a tripulação foi surpreendida por uma falha no sistema “auto throttle”; após 24 segundos de vôo, a aeronave colidiu com edificações e incendiou-se no solo. Noventa passageiros morreram, sete tripulantes e duas pessoas que estavam em terra (TAPPARO, 2009). A companhia aérea agiu rápido, mesmo não tendo um manual de gerenciamento de crise. Desde o primeiro momento começou a atuar para dar suporte aos envolvidos na tragédia. Suas ações incluíram não divulgar de imediato a lista dos passageiros, pois alguns poderiam não ter embarcado e famílias ficariam em pânico sem necessidade; acomodou as vítimas que tiveram suas casas afetadas pela queda e os familiares dos passageiros em hotéis enquanto aguardavam respostas; liberou todas as linhas telefônicas da empresa para atender às famílias das vítimas; concedeu entrevistas em menos de quatro horas depois do acidente e divulgou as causas do mesmo uma semana depois; tirou dos veículos de imprensa todas as publicidades da companhia para não dar a ideia de estar ganhando dinheiro mesmo com um acidente grave daqueles; divulgou boletins oficiais a cada 12 horas; o presidente da TAM visitou pessoalmente todas as famílias que foram afetadas num esforço para humanizar a empresa; indenizações foram pagas (RODRIGUEZ, sem data). 31 Como resultado do bem estruturado plano de gerenciamento de crise de imagem adotado, a TAM saiu ainda mais popular. Pouco depois da tragédia, participou da concorrência para transportar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e saiu vitoriosa. Em 1997, devido à habilidade de lidar com a crise, recebeu da revista Exame o prêmio Melhores e Maiores e tornou-se exemplo do que fazer quando o caos chegar (RODRIGUEZ, sem data). As crises de imagem são, acima de tudo, oportunidades para corrigir as vulnerabilidades da empresa e encontrar caminhos que suportem as operações. Não é de nenhuma validade sair da crise do jeito que entrou, esse comportamento só enfraquece as imagens interna e externa. É preciso fazer e mostrar para o mercado e sociedade que a lição foi apreendida e que o certo está sendo providenciado. Se a empresa teve habilidade e uma dose de sorte para sair ilesa de uma crise de imagem e ainda por cima sair com a aprovação dos públicos estratégicos, é preciso trabalhar mais efusivamente para corrigir as lacunas dos negócios. A sociedade não admite falhas no processo produtivo, mas admite muito menos aqueles que negligenciam suas fraquezas. O árduo trabalho da recuperação da confiança de uma organização ou de uma pessoa vítima de uma crise de imagem parte, como todo tratamento, do reconhecimento das próprias vulnerabilidades. Não se trata de fazer um “mea culpa” público, um gesto de autoflagelamento. A recuperação eficaz depende essencialmente do diagnóstico interno em relação à necessidade de revisão de processos. (CURADO, 2009) É preciso ter a consciência de que se está no centro das atenções e todos os holofotes estão virados para a empresa. A mídia é a maior interessada na situação. Quanto mais furos de notícias em tempo recorde, melhor. Quanto mais pessoas de peso envolvidas, melhor. Sendo assim, nada mais crucial que acompanhar a mídia de perto para que o máximo de informações verdadeiras sejam divulgadas. Se a empresa não tiver todos os dados que o jornalista está pedindo, deve apresentar o que tem e dizer que vai providenciar o que está faltando; fala-se o que se sabe e se não souber fala-se também, com o cuidado de repassar os dados posteriormente. (ROSA, 2001) 32 Para ilustrar como a mídia pode destruir a reputação de alguém, usemos o exemplo da Escola Base2, ocorrido no início da década de 1990. As acusações de abuso sexual na escola infantil começaram quando duas mães foram à polícia denunciar que os filhos de quatro anos estavam sofrendo violência sexual dos proprietários da escola, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada. Também foram citados Maurício Alvarenga e sua esposa Paula Milhem, perueiro e professora sócia da escola, respectivamente, e o casal Saulo da Costa Nunes e Mara Cristina França Nunes, pais de um aluno. Com exceção do jornal Diário Popular, que desconfiou das investigações, todos os outros jornais do país, como o Jornal Nacional e a Folha de S. Paulo, publicaram as acusações sem provas suficientes. Os envolvidos sofreram linchamento moral enquanto o processo não foi arquivado, o que aconteceu pouco tempo depois com todos inocentados. A justiça considerou que houve negligência e omissão por parte da imprensa ao confiar demais nos dados fornecidos pela polícia e não averiguar profundamente os fatos. Na ânsia de publicar matérias quentes e com dados frescos, os jornalistas descumpriram princípios básicos da profissão: a busca pela verdade e a checagem das informações. Como consequência da polêmica, Icushiro Shimada3 sofreu um infarto do miocárdio em 1994 e outro em 2014, vindo a falecer. Maria Aparecida Shimada morreu de câncer em 2007. 2 Imprensa amadureceu após o caso Escola de Base. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1432195-imprensa-amadureceu-apos-o-caso-escola-base- aponta-debate.shtml. Acesso em 23 de janeiro de 2017. 3 Ex dono da Escola Base morre após sofrer infarto em São Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/05/1448429-ex-dono-da-escola-base-morre-apos-sofrer- infarto-em-sao-paulo.shtml. Acesso em 23 de janeiro de 2017. http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1432195-imprensa-amadureceu-apos-o-caso-escola-base-aponta-debate.shtml http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1432195-imprensa-amadureceu-apos-o-caso-escola-base-aponta-debate.shtml http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/05/1448429-ex-dono-da-escola-base-morre-apos-sofrer-infarto-em-sao-paulo.shtml http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/05/1448429-ex-dono-da-escola-base-morre-apos-sofrer-infarto-em-sao-paulo.shtml 33 4.3 “O objetivo nas crises é evitar o pior, é não morrer” Para fazer um planejamento de crise, é importante que as intuições dos executivos dos escalões mais altos da empresa sejam diminuídas para dar maior espaço à racionalidade. Depois de anos de sucesso, com poucos ou nenhum arranhão que pudesse ameaçar minimamente a sobrevivência dos negócios, o presidente pode achar que só a sua experiência tem vez e voz na tomada de decisões; afinal, sempre conduziu a empresa recorrendo a sua intuição de guru e sempre acertou nas previsões, por que mudar uma estratégia que só foi frutífera? Pensar dessa forma, como se nada nem ninguém pudesse atingi-lo e como se a empresa fosse uma entidade protegida por forças superiores, é nada menos que ingenuidade. É certo que anos de experiência acendem um sinal de alerta quando algo parece estar errado, já se passou por experiências semelhantes e já se sabe mais ou menos como a situação vai se desenrolar. Entretanto, é preciso considerar que o impossível pode acontecer e que o já conhecido pode bater à porta com novas ferramentas, nem sempre familiares. O que fazer, então? Mário Rosa (2001, p.117) afirma que para a elaboração de um plano de gerenciamento de crise, é necessário responder com clareza a sete perguntas: qual é a minha imagem?; qual é a minha crise?; qual é o meu comando?; qual é o meu rumo?; qual é a minha face?; qual é a minha arma?; e qual é o meu alvo? Sem essas respostas, nada feito. Com essas respostas, é possível antever as crises e se preparar para elas por meio do autoconhecimento. É preciso, portanto, saber quem a empresa é, qual sua identidade, suas potencialidades, suas fraquezas, como é vista pela sociedade. É saber por quais elementos é formada e de que maneira fazer bom uso de cada um deles. Uma empresa que não se conhece não consegue descrever suas bases sólidas e nem qual é sua razão de ser; como, então, olhar para si mesma e antever os tipos de crise que podem abatê-la? Conhecendo-se, é possível analisar quais as crises que se está preparado para enfrentar e para quais crises é preciso maior e melhor preparo. De acordo com Rosa (2001, p.132), são 11 os tipos de crises: 34 1º) Crises de origem criminosa: sabotagem, atentados diversos, sequestro, vandalismo, fraude, quebra-quebra; 2º) Crises de natureza econômica: boicotes, aquisições de controle acionário feitas de forma hostil, desvalorizações na cotação acionária, greves, consequências negativas para o cliente provocadas por pacotes econômicos/ mudanças na economia; 3º) Crises de informação: falsos rumores, boatos e intrigas, acusações sobre direito de propriedade, acusações de concorrentes ou de instâncias públicas contra a organização; 4º) Desastres industriais: grandes contaminações em produtos, grandes explosões, grandes incêndios, grandes vazamentos, grandes contaminações contra o meio ambiente; 5º) Desastres naturais: tempestades, enchentes, tempestades elétricas, desmoronamentos 6º) Falhas em equipamentos ou construções: colapso na rede de computadores, colapso na rede de provedores, telefones, falhas provocadas por funcionários, defeitos em produtos industriais, quebra no sistema de segurança, quebra no sistema de qualidade; 7º) Crises de natureza legal: ações judiciais contra a organização, pedidos de indenização ou de condenação por parte de funcionários, consumidores, governo; 8º) Crises de reputação: boatos que atinjam a viabilidade da empresa ou a estabilidade de seus dirigentes, exposição negativa do nome ou do logotipo de empresas ligadas à organização, denúncias de corrupção, informação privilegiada, escândalos de todos os tipos, vazamento de documentos internos; 9º) Crises de relações humanas: sucessão no comando da organização, demissão de altos executivos, violência por parte de/ contra empregados, denúncias de funcionários, crises familiares envolvendo o comando da organização; 10º) Crises envolvendo risco para a vida: aids, grandes contaminações, acidentes de trabalho, mortes durante o trabalho; 11º) Crises regulatórias: regulamentação adversa de leis, na esfera do Congresso ou do governo, criação de obstáculos fiscais/ monetários por parte do governo ou do Congresso, regulamentação adversa por iniciativa de sindicatos de classe ou concorrentes. Quais dessas crises têm pelo menos a mínima probabilidade de acontecer? No setor de atuação, quais crises atingiram os concorrentes, mesmo aqueles com mais reputação no mercado? Quais das crises poderiam ser decisivas para uma falência? Analisar cenários hipotéticos não é conjecturar conspirações futuras, é ter em mãos um arsenal que possibilite uma batalha de igual para igual no campo jurídico e social, reunindo informações e estruturando ações para a hora da batalha. Conhecer a própria empresa é saber de que lado a corda pode arrebentar; fazer um planejamento de crise de imagem é criar mecanismos para que essa corda não arrebente. 35 Esse planejamento, contudo, não deve estar só no papel. Para as ações do plano de comunicação serem bem-sucedidas, é recomendável que se crie um comitê de administração de crises, com reuniões periódicas e participantes engajados que façam simulações de situações críticas. Esse comitê deve ser formado por funcionários de peso que tenham conhecimento holístico da empresa, a fim de contribuir com sugestões que abranjam todas as áreas e esclareçam as vulnerabilidades do dia a dia de trabalho. Mário Rosa aconselha que a empresa: 1. Admita voluntariamente os erros cometidos; 2. Explique por que os erros aconteceram (não importa o quão estúpidos tenham sido); 3. Diga e demonstre contrição e preocupação sinceras; 4. Concorde em dar os passos necessários para a solução do problema; 5. Peça a ajuda das vítimas e aceite conselhos da comunidade; 6. Prometa publicamente não deixar acontecer de novo; 7. Encontre um modo de pagar (fazer penitência), aliviar ou remediar alguém pelos erros cometidos. (ROSA, 2001, p.137) É necessário que seja, portanto, o mais transparente e humano possível em discursos e ações. É preciso fazer a sociedade crer que o arrependimento é real e que esforços não serão medidos para reverter o prejuízo. É preciso revelar o lado humano da empresa, preocupado em fazer o certo independentemente dos custos ou das consequências. As pessoas precisam sentir firmeza quando os executivos dizem que estão chocados tanto quanto os demais, mas que trabalharão mais que nunca para encontrar uma saída decente para os envolvidos. Se o mal não pode ser reparado, que pelo menos se mostre que há a consciência de que os papéis poderiam estar trocados. Convença a sociedade pelo discurso, por uma mensagem que seja ao mesmo tempo sensível, sólida e confiante. 36 É importante, antes de mais nada, saber como transmitir a mensagem da empresa para os diversos stakeholders. Cada grupo requer um discurso diferente que vá ao encontro de necessidades específicas, por isso, é necessário o uso de diferentes canais de comunicação. “Não permita que o seu interlocutor pense que o considera idiota (ROSA, 2001). Press releases, cartas, coletivas de imprensa, assembleias, inserções publicitárias, visitas ou conversas telefônicas, enfim, é imprescindível saber quais desses meios serão os mais adequados e eficientes para atingir os diferentes públicos-alvo. O comitê de crise, formado por presidente, diretores, profissionais do RH e da comunicação, é que irá decidir as melhores estratégias a serem tomadas. Todas as ações devem ser pensadas tendo em vista que a sociedade estará fiscalizando integralmente o comportamento da empresa. Se o teor da mensagem a ser transmitida é importante, mais importante ainda é como ela será transmitida, com qual postura a empresa irá se revelar e como irá se posicionar. O que está em jogo Disponível em: http://www.gp4us.com.br/contextualizacao-gestao-de-riscos/. Acesso em 24/jan/2017 Figura 7: Planejamento de Crise http://www.gp4us.com.br/contextualizacao-gestao-de-riscos/ 37 é a capacidade de encontrar saídas inteligentes sem dar “ponto sem nó”, o jogo de cintura nessas horas vale mais do que o histórico de boas práticas. 38 5. Sobre a Samarco A Samarco Mineração S/A foi fundada em 1977 pelas controladoras BHP Billiton Brasil Ltda. e Vale S/A, acionistas com partes iguais nos negócios. É uma empresa de capital fechado com atividades em mineração de ferro, tendo como produto principal pelotas de minério de ferro. Atende a indústria siderúrgica em 19 países nas Américas, Europa, Ásia e Oriente Médio, com vendas distribuídas de acordo com o gráfico: Disponível em: Relatório de Sustentabilidade da Samarco, 2014 A Samarco tem operações nos estados brasileiros de Minas Gerais e Espírito Santo: Germano, que está localizada entre os municípios mineiros de Mariana e Ouro Preto, é onde se realiza a 1ª etapa do processo, extração de minério a céu aberto. Na unidade de Ubu, em Anchieta (ES) é onde se inicia o processo de pelotização. É proprietária de uma usina hidrelétrica em Muniz Freire (ES) e participa do consórcio da usina de Guilman-Amorim, em Antonio Dias e Nova Era (MG). Tem cerca de 3 mil funcionários diretos e 3,5 mil contratados. Figura 8: Parceiros de Negócios 39 Com sede corporativa em Belo Horizonte, a empresa tem escritórios de vendas em Vitória (ES); Amsterdã, na Holanda; e Hong Kong, na China. Em 2014, teve o maior faturamento bruto de sua história: R$ 7.601,3 bilhões. No mesmo ano, foi considerada pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), a 10ª maior exportadora do Brasil. Em 2015, foi eleita a melhor mineradora do país pelo jornal Valor Econômico e pelas revistas Exame e Época Negócios. De acordo com o Relatório de Sustentabilidade de 2014, tem como norteadores estratégicos: Missão: Produzir e fornecer pelotas de minério de ferro, aplicando tecnologia de forma intensiva para otimizar o uso de recursos naturais e gerando desenvolvimento econômico e social, com respeito ao meio ambiente. Valores: Respeito às pessoas – Prezamos pela vida acima de quaisquer resultados e bens materiais. Respeitamos o direito à individualidade, sem discriminação de qualquer natureza, e honramos, com nossa responsabilidade, o bem-estar das pessoas e da sociedade, assim como o cuidado com o meio ambiente, por meio da utilização correta dos recursos necessários às nossas atividades. Acreditamos em nosso papel influenciador e contributivo para o desenvolvimento social e econômico do País, visando ao futuro das próximas gerações. Integridade – Atuamos com seriedade no cumprimento das leis e com respeito aos princípios morais, primando pela dignidade e ética nas relações. Adotamos uma postura honesta e transparente com todas as partes envolvidas em nosso negócio. Mobilização para resultados – Gostamos de superar os objetivos e metas estabelecidos e temos perseverança em fazer melhor a cada dia, com criatividade, cooperação e simplicidade, buscando constantemente o conhecimento e a geração de ideias inovadoras para o atingimento de resultados diferenciados e duradouros. Em 2014, a Samarco inaugurou o Projeto Quarta Pelotização (P4P) no município de Anchieta, Espírito Santo. Com investimento de R$ 6,4 bilhões, o projeto aumentou em 37% a capacidade produtiva da empresa, fazendo com que naquele 40 ano a produção alcançasse 25,075 milhões de toneladas de minério de ferros e finos, 15,4% a mais do que no ano anterior. Disponível em: Relatório de Sustentabilidade da Samarco, 2014 Figura 9: Vista Geral das Usinas 3 e 4, em Ubu, Espírito Santo 41 5.1 Descumprimento ambiental e CPI do Pó Preto As informações deste item foram retiradas, majoritariamente, dos portais informativos O Tempo e Século Diário4. Desde 2011, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) já aplicou três penalidades à Samarco por conta de infrações às normas previstas no decreto 44.844, de 2008, que classifica as práticas ilegais e estabelece as regras estaduais para licenciamento ambiental. A primeira multa foi aplicada em setembro de 2011, no valor de R$ 5 mil, tendo como motivo “causar intervenção que resulte ou possa resultar em danos aos recursos hídricos”. Em agosto de 2013, a mineradora foi penalizada pela segunda vez por conta de danos florestais. Além do valor a ser pago de R$ 1.242,37, a empresa também teve 100 metros cúbicos de eucalipto apreendidos e atividades suspensas. Até a publicação da matéria, em 21 de novembro de 2015, a multa não havia sido paga ao governo. Em maio de 2014, a Samarco foi punida por “contribuir para que a qualidade do ar ou das águas seja inferior aos padrões estabelecidos”. O valor da multa foi de R$ 20 mil. As multas irrisórias também escancaram a negligência do governo, que fez vista grossa. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também aplicou duas multas à Samarco, devido à não apresentação de projeto de reflorestamento e processo de corte da vegetação, em 2006; as multas foram nos valores de R$ 120 mil e R$ 20 mil. A Samarco se pronunciou dizendo que as autuações foram devido a problemas na documentação ou questões de prazo, sem haver atividade de supressão de vegetação. Além disso, de acordo com matéria do portal EM5, em 2005 e 2007 foram aplicadas ainda duas multas por conta de 4 Danos ambientais em Mariana já ocorriam há quatro anos. Disponível em: http://www.otempo.com.br/cidades/danos-ambientais-em-mariana-j%C3%A1-ocorriam-h%C3%A1-quatro- anos-1.1175092. Acesso em 29 de janeiro de 2017. Vale, Arcelor e Samarco devem compensar e reparar, imediatamente, danos ambientais e coletivos. Disponível em: http://seculodiario.com.br/25220/10/vale-arcelor-e-samarco-devem-compensar-e-reparar- imediatamente-danos-ambientais-e-coletivos-gerados-a-populacao. Acesso em 29 de janeiro de 2017. 5 ‘Exemplo’ de gestão ambiental, Samarco coleciona histórico de infrações. Disponível em: http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/11/18/interna_gerais,709151/historico-de-infracoes.shtml. Acesso em 29 de janeiro de 2017. http://www.otempo.com.br/cidades/danos-ambientais-em-mariana-j%C3%A1-ocorriam-h%C3%A1-quatro-anos-1.1175092 http://www.otempo.com.br/cidades/danos-ambientais-em-mariana-j%C3%A1-ocorriam-h%C3%A1-quatro-anos-1.1175092 http://seculodiario.com.br/25220/10/vale-arcelor-e-samarco-devem-compensar-e-reparar-imediatamente-danos-ambientais-e-coletivos-gerados-a-populacao http://seculodiario.com.br/25220/10/vale-arcelor-e-samarco-devem-compensar-e-reparar-imediatamente-danos-ambientais-e-coletivos-gerados-a-populacao http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/11/18/interna_gerais,709151/historico-de-infracoes.shtml 42 irregularidades em barragens de contenção de rejeitos e de resíduos no Complexo Alegria, da mina de Germano. Em relação ao desastre em Mariana, matéria do G16, de 4 de novembro de 2016, aborda as três últimas multas contra a mineradora. Os autos aplicados são devido a alegações do Ibama de que a empresa deixou de atender exigências legais como a contenção de rejeitos e apresentação de documentos e projetos de recuperação ambiental. Um dos autos prevê multa diária de R$ 500 mil. Os dois outros têm valor de R$ 151 mil e R$ 201 mil. Importante também destacar trecho do laudo técnico apresentado pelo Instituto Prístino7, de Minas Gerais: Outro ponto a ser destacado é que a barragem do Fundão e a pilha de estéril União da Mina de Fábrica Nova da Vale (LP+LI) fazem limite entre si, caracterizando sobreposição de áreas de influência direta, com sinergia de impactos (...). Notam-se áreas de contato entre a pilha e a barragem. Esta situação é inadequada para o contexto de ambas estruturas, devido a possibilidade de desestabilização do maciço da pilha e da potencialização de processos erosivos. Embora todos os programas atuem na prevenção dos riscos, o contato entre elas não é recomendado pela sua própria natureza física. A pilha de estéril requer baixa umidade e boa drenagem; a barragem de rejeitos tem alta umidade, pois é reservatório de água. O laudo em questão foi publicado em 2013 como avaliação da revalidação da licença ambiental da barragem de Fundão pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). A CPI do pó preto, por sua vez, refere-se aos danos causados pelas empresas Samarco Mineração, Vale e ArcelorMittal à população capixaba, na Grande Vitória e em Anchieta. Segundo o relatório da comissão, as populações vivem uma epidemia de doenças respiratórias e cardíacas por conta do alto grau de poluição do ar; todos os presidentes das empresas admitiram participação na 6 Ibama aplica três multas contra a Samarco, uma de R$ 500 mil por dia. Disponível em: http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2016/11/ibama-aplica-tres-multas- contra-samarco-uma-de-r-500-mil-por-dia.html. Acesso em 29 de janeiro de 2017. 7 Licenciamento ambiental da Samarco já tinha situação problemática desde 2007. Disponível em: http://www.manuelzao.ufmg.br/comunicacao/noticias/licenciamento-ambiental-da-samarco-j%C3%A1-tinha- situa%C3%A7%C3%A3o-problem%C3%A1tica-desde-2007. Acesso em 29 de janeiro de 2017. http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2016/11/ibama-aplica-tres-multas-contra-samarco-uma-de-r-500-mil-por-dia.html http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2016/11/ibama-aplica-tres-multas-contra-samarco-uma-de-r-500-mil-por-dia.html http://www.manuelzao.ufmg.br/comunicacao/noticias/licenciamento-ambiental-da-samarco-j%C3%A1-tinha-situa%C3%A7%C3%A3o-problem%C3%A1tica-desde-2007 http://www.manuelzao.ufmg.br/comunicacao/noticias/licenciamento-ambiental-da-samarco-j%C3%A1-tinha-situa%C3%A7%C3%A3o-problem%C3%A1tica-desde-2007 43 poluição atmosférica. Em seu depoimento, de 22 de abril de 2015, a Samarco afirmou que monitora a emissão de resíduos e anunciou investimento de R$ 130 milhões até 2019 em filtros, barreiras de vento e plantio de área verde. Ricardo Vescovi, presidente da Samarco, se pronunciou e disse: "todas as atividades econômicas trazem impacto. Alguns impactos são positivos, como a geração de empregos, a geração de renda, e outros podem ser negativos. O nosso trabalho é potencializar os positivos e fazer com que os negativos sejam minimizados".8 8 Samarco diz à CPI do pó preto que controla emissão de poluentes. Disponível em: http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/04/samarco-diz-cpi-do-po-preto-que-que-controla-emissao- de-poluentes.html. Acesso em 29 de janeiro de 2017. http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/04/samarco-diz-cpi-do-po-preto-que-que-controla-emissao-de-poluentes.html http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/04/samarco-diz-cpi-do-po-preto-que-que-controla-emissao-de-poluentes.html 44 5.2 Desastre em Mariana (MG) Em 5 de novembro de 2015, o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), sofreu o que foi considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil, resultando em 17 mortes9. De acordo com reportagem10 publicada no dia 23 de dezembro de 2015 pelo Portal Brasil, a barragem de Fundão, a 35 km de Mariana, se rompeu e despejou cerca de 34 milhões de metros cubos de lama com rejeitos de minério, percorrendo mais de 663 km de rios. 1.469 hectares de vegetação foram comprometidos, 207 de 251 edificações do distrito foram soterradas e deixou cerca de 329 famílias desabrigadas; o Rio Doce, com área total de 82.646 km² foi atingido pela lama em questão de horas, avançando com velocidade e chegando ao Espírito Santo em menos de cinco dias. Segundo reportagem11 do G1, do dia 21 de dezembro de 2015, o rompimento da barragem atingiu, além de destruir o distrito de Bento Rodrigues, os municípios de Águas Claras, Ponte do Gama, Paracatu e Pedras e as cidades Barra Longa e Rio Doce. Também afetou mais 40 cidades na região leste de Minas Gerais e Espírito Santo. Em reportagem12 de 5 de dezembro de 2015, o mesmo portal divulgou que 11 toneladas de peixes morreram, 8 em Minas Gerais e 3 no Espírito Santo; 80 espécies habitavam a bacia do Rio Doce antes do desastre, 11 delas estavam ameaçadas de extinção e 12 são exclusivas do rio. 9 Rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, completa um mês. Disponível em: http://especiais.g1.globo.com/minas-gerais/2015/desastre-ambiental-em-mariana/1-mes-em-numeros/. Aceso em: 26 de setembro de 2016. 10 Entenda o acidente de Mariana e suas consequências para o meio ambiente. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2015/12/entenda-o-acidente-de-mariana-e-suas-consequencias- para-o-meio-ambiente. Acesso em 18 de abril de 2016. 11 Após 46 dias, lama continua vazando de barragem da Samarco, em Mariana. Disponível em: http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2015/12/apos-47-dias-lama- continua-vazando-de-barragem-da-samarco-em-mariana.html. Acesso em 22 de abril de 2016. 12 Rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, completa um mês. Disponível em: http://especiais.g1.globo.com/minas-gerais/2015/desastre-ambiental-em-mariana/1-mes-em-numeros/. Aceso em: 26 de setembro de 2016. http://especiais.g1.globo.com/minas-gerais/2015/desastre-ambiental-em-mariana/1-mes-em-numeros/ http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2015/12/entenda-o-acidente-de-mariana-e-suas-consequencias-para-o-meio-ambiente http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2015/12/entenda-o-acidente-de-mariana-e-suas-consequencias-para-o-meio-ambiente http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2015/12/apos-47-dias-lama-continua-vazando-de-barragem-da-samarco-em-mariana.html http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2015/12/apos-47-dias-lama-continua-vazando-de-barragem-da-samarco-em-mariana.html http://especiais.g1.globo.com/minas-gerais/2015/desastre-ambiental-em-mariana/1-mes-em-numeros/ 45 Dez meses após a tragédia, a Samarco apresentou estudo realizado por quatro técnicos especialistas contratados pela empresa. As conclusões foram apresentadas por videoconferência em 29 de agosto de 2016, baseadas em três perguntas: por que ocorreu o fluxo fluido de rejeitos, por que ele ocorreu naquele local, por que o rompimento ocorreu naquele 5 de novembro de 2015. Por se tratar de questões técnicas, a autora preferiu transcrever o resultado do estudo de acordo com matéria13 do portal de notícias EM publicada em 30 de agosto de 2016: Os primeiros erros começaram a surgir em 2009, um ano após o início da construção de Fundão. Na época, foram constatados defeitos de construção no dreno de fundo, que resultaram em revisão do projeto inicial para reparo, em 2010. O novo projeto previa a construção de um tapete drenante destinado a controlar a saturação do reservatório. Ainda assim, em 2011 e 2012, enquanto o novo projeto estava sendo construído, houve um segundo incidente com a lama, com água chegando a apenas 60 metros da crista da barragem e não a 200 metros, como estava previsto com a criação da “praia de 13 Samarco admite falha na barragem que causou tragédia em Mariana. Disponível em: http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/08/30/interna_gerais,798841/samarco-admite-falha-na- barragem-que-causou-tragedia-em-mariana.shtml. Acesso em 26 de setembro de 2016. Disponível em: https://www.theguardian.com/sustainable-business/2016/oct/15/samarco-dam-collapse-brazil- worst-environmental-disaster-bhp-billiton-vale-mining. Acesso em 28 de janeiro de 2017 Figura 10: Imagem de satélite uma semana depois do desastre http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/08/30/interna_gerais,798841/samarco-admite-falha-na-barragem-que-causou-tragedia-em-mariana.shtml http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/08/30/interna_gerais,798841/samarco-admite-falha-na-barragem-que-causou-tragedia-em-mariana.shtml https://www.theguardian.com/sustainable-business/2016/oct/15/samarco-dam-collapse-brazil-worst-environmental-disaster-bhp-billiton-vale-mining https://www.theguardian.com/sustainable-business/2016/oct/15/samarco-dam-collapse-brazil-worst-environmental-disaster-bhp-billiton-vale-mining 46 areia”. Com isso, a lama novamente se depositou em áreas indevidas. No final de 2012, mais problemas durante o processo de alteamento da barragem. Quando uma galeria do sistema de drenagem se mostrou estruturalmente deficiente e incapaz para suportar mais carga e, por isso, precisaria ser preenchida de concreto e desativada, o alinhamento da barragem na ombreira esquerda foi deslocado de sua posição para que as operações em Fundão fossem mantidas. Esse processo colocou o maciço diretamente em cima das lamas depositadas anteriormente, o que criou condições para que o processo de liquefação ocorresse. Mesmo assim, as obras para alteamento continuaram e, em 2013, novas intervenções precisaram ser feitas para reparo de trincas na ombreira esquerda. No ano seguinte, o tapete drenante construído ao longo de 2011 e 2012 chegou à sua capacidade máxima e as lamas por baixo do maciço aceleraram o processo de liquefação das massas de areia depositadas acima desse material. Abalos: em 5 de novembro, um fator a mais contribuiu para o rompimento. De acordo com o resultado do painel, três pequenos abalos sísmicos registrados 90 minutos antes da tragédia funcionaram como gatilho para que a barragem se rompesse. “A modelagem do computador mostrou que as forças do terremoto produziram um incremento adicional de movimento horizontal nas lamas, que afetou de forma correspondente as areias sobrepostas. Esses movimentos adicionais, embora bem pequenos, e associados a grandes incertezas, provavelmente aceleraram o processo de rompimento, que já estava bastante avançado”, informa o documento, que segundo as contratantes, não apontou responsáveis ou atribuiu culpa, nem mesmo fez apontamentos se a Samarco seria capaz de evitar a tragédia. 47 6. Análise No mesmo dia em que ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, a Samarco divulgou um depoimento em vídeo de seu diretor-presidente, Ricardo Vescovi, se pronunciando sobre o acidente. Essa ação foi de extrema importância para iniciar o processo de gerenciamento da imagem da empresa. Partindo do princípio de que é crucial se manifestar para se iniciar o processo de gerenciamento da imagem, apresentar o mais influente porta-voz diante da mídia, se colocando à disposição da sociedade, foi certamente positivo. Entretanto, é preciso mais do que se colocar à disposição e se pronunciar sobre o que aconteceu. É preciso se compadecer, se emocionar, solidarizar-se, colocar-se no lugar do outro, humanizar-se. Só assim, por meio do altruísmo, é que há chances de passar credibilidade e convicção por meio do discurso. A tragédia de Mariana, que deixou 17 mortos e contaminou com minérios de ferro mais de 600 km de rios, não é uma tragédia que permita um discurso mecânico, sem vida, como se os outros seres humanos não se compadecessem da dor alheia. Mas o elemento humano, emocional, foi o que mais faltou no discurso, transcrito abaixo, de Ricardo Vescovi: “Sou Ricardo Vescovi, presidente da Samarco Mineração e vim a público, lamentavelmente, falar sobre o rompimento das nossas barragens, denominadas barragens de Fundão e Santarém, que ficam na unidade industrial de Germano, localizada nos munícipios de Mariana e Ouro Preto. O rompimento foi identificado na tarde de hoje (5 de novembro de 2015) e a Samarco, imediatamente, acionou o seu plano emergencial de barragens, colocando em ação, juntamente com defesa civil, o corpo de bombeiros, polícia militar e outras instituições competentes, todas as ações previstas nesse plano e mobilizando todos, absolutamente todos os esforços necessários para priorizar o atendimento e a integridade das pessoas que estavam trabalhando no local ou que residem próximo às barragens. Igualmente, nós não estamos medindo esforços para a contenção de danos ambientais. As autoridades competentes já foram devidamente informadas e estão prestando nesse momento, todo o apoio e toda a solidariedade. Nesse momento, também, não podemos confirmar as causas e a completa extensão do ocorrido, bem 48 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=D3HZvIMj8Mk. Acesso em 30 de janeiro de 2017. Os comentários foram desativados no link de acesso do comunicado Figura 11: Imagem captada do depoimento de Ricardo Vescovi como o número de vítimas. Nosso foco, eu repito, é nesse momento crítico a preservação da integridade das pessoas e do meio ambiente. Por questão de segurança, a Samarco reitera a importância de que não haja o deslocamento de pessoas para o local do ocorrido, exceto das pessoas e equipes envolvidas nesse atendimento de emergência. Como presidente da empresa, reforço nosso compromisso com a transparência no fornecimento das informações, mantendo sempre autoridades, comunidades, fornecedores, clientes, imprensa, a sociedade em geral informada sobre as proporções dos avanços e a contenção desse acidente. Nós lamentamos profundamente e estamos muito consternados com o que aconteceu, mas nós estamos absolutamente mobilizados para conter os danos causados por esse trágico acidente. Muito obrigado”. No vídeo, fica claro que ele nunca passou por situação parecida; nunca precisou tomar fôlego para encarar uma batalha como a de 2015. Ele está, claramente, lendo um comunicado escrito pela equipe de comunicação; comunicado bem elaborado, com frases conexas e fluentes, dando ênfase em palavras chaves https://www.youtube.com/watch?v=D3HZvIMj8Mk 49 que buscaram sem sucesso dar tom paternal ao discurso. Mas uma pessoa que está passando por uma crise como a da Samarco se manteria com os olhos parados, gesticulando minimamente e ainda conseguindo escolher as palavras certas para transmitir sua mensagem? Isso só é possível quando se lê uma mensagem, ao invés de falar espontaneamente, sem precisar de script. Se Ricardo Vescovi tivesse feito seu pronunciamento com base em suas preocupações do momento, o cenário seria diferente; ele mostraria sua fragilidade e desespero diante da situação. Talvez essa fragilidade o aproximasse mais do público, que o veria além da fortaleza da sua posição de presidente. Era importante que ele conversasse com as pessoas, passasse a confiança que elas precisavam ter, para juntas buscarem soluções rápidas e efetivas. Já que o desastre já estava feito, era preciso assumir as falhas e responsabilidades. Humildade, honestidade e transparência são melhores que qualquer outra estratégia para convencimento. Fica claro também o despreparo da equipe de assessoria da empresa na escolha do porta-voz. Não seria melhor ter escolhido outro executivo com melhor poder de oratória, mais firmeza na fala e mais seguro da situação? O presidente é sim a melhor opção, mas só se ele estiver apto para tal. Nesses momentos é que se mostra interessante o papel do profissional de media training, que irá capacitar de acordo com a situação e prioridades o comportamento do porta- voz da empresa e de qual forma deverá se relacionar com a imprensa para tornar a transmissão de sua mensagem a melhor possível. O media training irá auxiliar no resguardo da imagem da instituição, evitando deslizes de discurso que possam ser negativos para a reputação do cliente. De acordo com matéria do portal Esquerda Diário14, o diretor de Operações e Infraestrutura da Samarco, Kleber Terra, declarou em 17 de novembro de 2015, 12 dias após a tragédia em Mariana, que não era o caso de pedir desculpas, mas sim de apurar o que aconteceu. Em suas palavras: “A gente teve um evento trágico. A Samarco também está envolvida e estamos muito solidários e muito sofridos com tudo o que aconteceu. Nós também, nós somos funcionários desta empresa. Não acho que seja o caso de desculpa, acho que é o caso de verificar claramente o que 14 ‘Não é o caso de pedir desculpa’, diz diretor da Samarco sobre tragédia em Mariana. Disponível em: http://www.esquerdadiario.com.br/Nao-e-o-caso-de-pedir-desculpa-diz-diretor-da-Samarco-sobre-tragedia- em-Mariana. Acesso em 04 de fevereiro de 2017. http://www.esquerdadiario.com.br/Nao-e-o-caso-de-pedir-desculpa-diz-diretor-da-Samarco-sobre-tragedia-em-Mariana http://www.esquerdadiario.com.br/Nao-e-o-caso-de-pedir-desculpa-diz-diretor-da-Samarco-sobre-tragedia-em-Mariana 50 aconteceu. Nós somos parte do processo, foi muito sofrido para todo mundo. A Samarco está fazendo seu maior esforço". Cinco dias após essa declaração (22 de novembro de 2015) e 1715 dias após o desastre, Ricardo Vescovi pediu desculpas: "Nós perdemos vidas, e isso é inadmissível. Nós não sabemos as causas, mas sabemos das consequências e temos que nos desculpar com as famílias, com as pessoas que perderam os lares, com os ribeirinhos, que têm o rio Doce como sustento. Nos desculpar com a população de Minas Gerais, com o povo do Espírito Santo e com os nossos funcionários". Com as duas condutas citadas acima, podemos apontar falhas de dois grandes executivos. Em primeiro lugar, Kleber Terra, com sua declaração, tentou tirar a responsabilidade da Samarco. Era o caso, sim, de pedir desculpas, afinal, a empresa, como mostrado no capítulo anterior, sabia das infrações ambientais que estava cometendo na barragem; qualquer tragédia que ocorresse no local seria justificada e fundamentada pelas más práticas. Com a Internet, a maioria das informações deixa de ser secreta e as irregularidades cometidas pelas empresas passam a ser mais visíveis. Uma empresa que está buscando amenizar os impactos de uma crise de imagem não pode se posicionar como culpada 17 dias depois da tragédia. Assim como Kleber Terra, Ricardo Vescovi sabia das infrações cometidas e sabia que a Samarco era culpada pelo desastre. Então, por que não se culpabilizar antes? Esperar a poeira baixar apostando que a sociedade não irá ser rígida com a empresa ou acreditar que não se pronunciar é a melhor maneira de preservar a imagem é um dos motivos pelos quais as companhias perdem reputação e credibilidade e caminham para a falência. 15 Presidente da Samarco pede desculpa a atingidos após 17 dias do rompimento. Disponível em: http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/11/22/interna_gerais,710479/presidente-da-samarco-pede- desculpa-a-atingidos.shtml. Acesso em 4 de fevereiro de 2017. Diretor-presidente da Samarco pede desculpas por tragédia em Mariana. Disponível em: http://www.otempo.com.br/cidades/diretor-presidente-da-samarco-pede-desculpas-por-trag%C3%A9dia-em- mariana-1.1175796. Acesso em 4 de fevereiro de 2017. http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/11/22/interna_gerais,710479/presidente-da-samarco-pede-desculpa-a-atingidos.shtml http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/11/22/interna_gerais,710479/presidente-da-samarco-pede-desculpa-a-atingidos.shtml http://www.otempo.com.br/cidades/diretor-presidente-da-samarco-pede-desculpas-por-trag%C3%A9dia-em-mariana-1.1175796 http://www.otempo.com.br/cidades/diretor-presidente-da-samarco-pede-desculpas-por-trag%C3%A9dia-em-mariana-1.1175796 51 Outro deslize de Vescovi ocorreu em uma entrevista para a revista Época16, em que afirma: “Como assim, rompeu a barragem (de Fundão)? Na hora, eu gelei”. Esse é um comportamento natural de quem recebe uma notícia impactante, mas, mais uma vez, deve estar claro que a empresa sabia dos crimes ambientais que vinha cometendo ao longo dos anos, sabia que uma hora a natureza iria cobrar o preço. “Gelar” só se justifica quando o gestor sabe com certeza que está imune às acusações de más práticas ambientais, mas não era o caso de Ricardo Vescovi. Ricardo Vescovi e Kleber Terra se afastaram dos cargos no início de 2016, 76 dias após o rompimento da barragem de Fundão, alegando preparação para suas defesas nos inquéritos. Foram substituídos por Roberto de Carvalho e Maury de Souza Júnior, nos respectivos cargos. 16 “Como assim rompeu a barragem? Na hora, eu gelei”. Disponível em: http://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2015/12/como-assim-rompeu-barragem-na-hora-eu- gelei.html. Acesso em 4 de fevereiro de 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oaZYpRMr2C0. Acesso em 04 de fevereiro de 2017 Figura 12: Propaganda da Samarco "É sempre bom olhar para todos os lados" http://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2015/12/como-assim-rompeu-barragem-na-hora-eu-gelei.html http://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2015/12/como-assim-rompeu-barragem-na-hora-eu-gelei.html https://www.youtube.com/watch?v=oaZYpRMr2C0 52 A propaganda “É sempre bom olhar para todos os lados”, veiculada em horário nobre da rede Globo, no intervalo do programa Fantástico, em 14 de fevereiro17, tentou mostrar o lado humano da Samarco. Mas, ao contrário do que deveria ter sido o discurso do diretor-presidente, que foi muito mais mecânico do que emocionado, a propaganda em questão deveria ter um tom mais informativo e objetivo. Nela, vários funcionários dão depoimentos sobre o ocorrido; apresentam um tom de solidariedade e compaixão unidos no propósito de ajudar as vítimas, enquanto as ações da Samarco para repararem o problema são mostradas nas legendas do vídeo. Mas, qual era o propósito da propaganda? Mostrar como a Samarco estava engajada na reparação dos danos causados e não apenas a compaixão dos funcionários trabalhando juntos por essa reparação. O mais importante era dar provas de que o necessário estava sendo feito para atender as vítimas e o meio ambiente. Aos 25 segundos da propaganda em vídeo, enquanto a funcionária Luciana Souza fala de sua disposição em ajudar os atingidos, a legenda é “99,7% das famílias desabrigadas estão acomodadas em casas”. Ao invés de mostrar o rosto de Luciana, não seria mais efetivo mostrar essas casas em que os desabrigados estariam alocados? Como é possível que a população acredite que essas ações realmente estão sendo desenvolvidas se não se mostram imagens dessas ações? No vídeo de um minuto, a única atitude ilustrada é a do monitoramento da água, mas não convence, pois mostra os funcionários trabalhando nesse monitoramento e não os moradores usando essa água mais potável. Outra questão é que, no final do vídeo, se mostra uma funcionária cuidando de filhotes de cachorros enquanto outra narra: “pessoas se percebendo como importantes e as pessoas desejando estar juntas para poder somar forças e fazer o que deve ser feito”. Contudo, qual a relevância de se mostrar essa imagem? Não que cuidar dos animais da região não seja importante, mas mostrar as pessoas atingidas é a prioridade. Onde estão os funcionários cuidando das pessoas que perderam suas casas e suas atividades de subsistência? Essa propaganda, que teve como intuito mostrar o que estava sendo feito para melhorar a vida da 17 “Desculpa da Samarco não convence tanto”. Disponível em: http://www.opovo.com.br/app/opovo/economia/2016/02/26/noticiasjornaleconomia,3580028/desculpa-da- samarco-nao-convence-tanto.shtml. Acesso em 4 de fevereiro de 2017. http://www.opovo.com.br/app/opovo/economia/2016/02/26/noticiasjornaleconomia,3580028/desculpa-da-samarco-nao-convence-tanto.shtml http://www.opovo.com.br/app/opovo/economia/2016/02/26/noticiasjornaleconomia,3580028/desculpa-da-samarco-nao-convence-tanto.shtml 53 comunidade, enfoca essa comunidade como secundária, não mostram sequer o rosto de algum morador. O sensacionalismo é a pior estratégia para se cativar o público e quase nada eficaz quando usado três meses depois da maior tragédia ambiental do país. Embora não seja o objetivo deste trabalho analisar o quanto a Samarco gastou para gerenciar sua imagem, o valor gasto para a produção dessa propaganda foi criticado18. Segundo a revista Fórum, o valor despendido para veicular o vídeo por três vezes nos intervalos do Fantástico em apenas um único dia foi de R$ 3,3 milhões19. Esse valor teria pago 3.750 salários mínimos aos pescadores atingidos pela lama. Uma outra questão que chama a atenção é que a Samarco só divulgou 10 meses depois da tragédia um estudo sobre as causas do rompimento de Fundão; as conclusões foram apresentadas em 29 de agosto. Como a autora desconhece se há tempo mínimo para se realizar estudos ambientais dessa magnitude, a pesquisa não entrou nesse mérito, mas o que intriga é que o relatório do Ministério Público sobre Mariana foi apresentado no início de junho, dois meses antes do que o da empresa, e indiciou 8 pessoas20. A dúvida está no porquê dessa diferença, mesmo que pequena, entre a divulgação dos dois relatórios. Ficou a impressão de que a Polícia Federal dedicou mais esforço e energia para concluir o documento do que a própria Samarco. Sendo a mais interessada e a que mais poderia perder com esse episódio, justo seria se o relatório da própria empresa tivesse sido divulgado anteriormente. Como dito nos capítulos anteriores, é preciso que se seja proativo e apresente o quanto antes todos os documentos disponíveis e, se não houver esses documentos, que sejam providenciados o quanto antes. Será que o período de dois meses foi o tempo necessário para a companhia maquiar algumas de suas más prát