Distribuição, tamanho populacional, hábitat e conservação do bicudinho-do-brejo Stymphalornis acutirostris Bornschein, Reinert e Teixeira, 1995 (Thamnophilidae) Bianca Luiza Reinert1, Marcos Ricardo Bornschein2 e Carlos Firkowski3 Pós-Graduação em Ciências Biológicas, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” e Mater Natura, Instituto de Estudos Ambientais. Avenida Senador Souza Naves, 701, Apto. 191, 80050-040, Curitiba, PR, Brasil. E-mail: biancareinert@yahoo.com.br Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos e Liga Ambiental. Rua Olga de Araújo Espíndola, 1380, Bloco N, Apto. 31, 81050-280, Curitiba, PR, Brasil. E-mail: mbr@bbs2.sul.com.br Departamento de Ciências Florestais, Universidade Federal do Paraná. Rua Prefeito Ângelo Lopes, 565/11, 80050-330, Curitiba, PR, Brasil. E-mail: firko@ufpr.br Recebido em 21 de dezembro de 2005; aceito em 25 de julho de 2006. AbstrAct: Distribution, population size, habitat and conservation of the Marsh Antwren, Stymphalornis acutirostris Bornschein, Reinert e Teixeira, 1995 (Thamnophilidae). The Marsh Antwren (Stymphalornis acutirostris) is restricted to the lowlands between Antonina Bay, in the coastal plain of the state of Paraná, and Itapocu river, in the northern coastal plain of the state of Santa Catarina (from 0 to c. 5 m a.s.l.). It doesn’t occur continuously in this region, being found in eight populations that span over an total area of about 6,060 ha (= area of occupancy; 4,856.67 in Paraná and c. 1,200 in Santa Catarina). Nine habitat types used by the Marsh Antwren were defined, based on vegetation physiognomy, localization, dominancy of botanical species, dominant life-form and history of the region. Five of these are herbaceous (marshes), while four have an upper arboreal stratum and an herbaceous lower stratum with marsh plants. According to the classification criteria of the Brazilian vegetation proposed by the Radambrasil Project, they were classified as Pioneering Formation of Fluvial Influence, Pioneering Formation of Fluvial-marine Influence, and/or Pioneering Formation of Lacustrine Influence. They occur as patches or narrow strips ranging from 0.001 to 203.0 ha in the state of Paraná. They are found mainly in the interior of bays, in the lower courses of rivers that drain into bays, in alluvial plains, and between sand dunes in the coastal plain. Characteristic herbaceous species are cattail (Typha domingensis), bulrush (Scirpus californicus), Crinum salsum, Panicum sp. cf. P. mertensii, saw grass (Cladium mariscus) and Fuirena spp. Hibiscus pernambucensis is the characteristic bush species, and Calophyllum brasiliense, Tabebuia cassinoides, Annona glabra and Laguncularia racemosa are the characteristic arboreal species. The Marsh Antwren lives in herbaceous vegetation, but also uses bushes and branches of small tress. It has low flight capacity and a single flight of more than 25 m was never recorded. Territories of 0.25 ha were estimated in one kind of habitat (“tidal marsh”) (= 8 individuals per hectare) and of 3.2 ha in another one (“saw grass marsh”) (= 0.62 individual per hectare). The global population estimate is of about 17,700 mature individuals (13,700 in Paraná and 4,000 in Santa Catarina). The species is really under threat of extinction, mainly because of it’s restricted geographical distribution and habitat loss by human activities and biological contamination caused by invasion of exotic grasses (Urochloa arrecta and Brachiaria mutica). Key-words: Stymphalornis acutirostris, Marsh Antwren, habitat, geographic distribution, area of occupancy, territory, population, conservation. resumo: O bicudinho-do-brejo (Stymphalornis acutirostris) é restrito à planície litorânea entre a baía de Antonina, no Paraná, e o rio Itapocu, em Santa Catarina (de 0 a c. 5 m s.n.m.), sul do Brasil. Não ocorre continuamente nessa região, e sim em oito populações, cujas distribuições geográficas totalizaram uma área de cerca de 6.060 ha (= área de ocupação; 4.856,67 no Paraná e cerca de 1.200 em Santa Catarina). Considerando-se a fisionomia, localização, dominância de espécies botânicas, forma biológica dominante e histórico da região, definiu-se nove ambientes habitados por S. acutirostris, sendo cinco herbáceos (brejos) e quatro que possuem um estrato superior arbóreo e um inferior herbáceo com espécies características dos brejos. Denominam-se como Formação Pioneira de Influência Fluvial, Formação Pioneira de Influência Fluviomarinha e/ou Formação Pioneira de Influência Lacustre, conforme os critérios da proposta de classificação da vegetação brasileira do Projeto Radambrasil. Ocorrem principalmente como manchas ou faixas estreitas e que no Paraná variaram de 0,001 a 203,0 ha. Estão localizadas principalmente no interior de baías e nos trechos mais a jusante de rios que nelas deságuam, em planícies aluviais e entre cordões de dunas em planície costeira. Herbáceas características são a taboa (Typha domingensis), piri (Scirpus californicus), cebolama (Crinum salsum), capim-pernambuco (Panicum sp. cf. P. mertensii), capim-serra (Cladium mariscus) e Fuirena spp. Arbustiva característica é a uvira (Hibiscus pernambucensis) e as arbóreas características são o guanandi (Calophyllum brasiliense), caxeta (Tabebuia cassinoides), ariticum-do-brejo (Annona glabra) e mangue-vermelho (Laguncularia racemosa). Stymphalornis acutirostris vive na vegetação herbácea, freqüentando também arbustos e galhos de árvores. Tem limitada capacidade de vôo; não se registrou um único vôo de mais de 25 m. Estimaram-se territórios de 0,25 ha em um ambiente (brejo de maré) (= 8 indivíduos por hectare) e de 3,2 ha em outro (brejo de capim-serra) (= 0,62 indivíduo por hectare). A estimativa populacional é de cerca de 17.700 indivíduos maduros (13.700 no Paraná e 4.000 em Santa Catarina). A espécie é realmente ameaçada de extinção, principalmente pela reduzida distribuição geográfica e perda de ambientes, que é causada pelo homem e, sobretudo, por contaminação biológica decorrente da invasão de capins exóticos (Urochloa arrecta e Brachiaria mutica). PAlAvrAs-chAve: Stymphalornis acutirostris, ambiente, distribuição geográfica, área de ocupação, território, população, conservação. 1. 2. 3. O bicudinho-do-brejo (Stymphalornis acutirostris), único Tha- mnophilidae estritamente palustre (Zimmer e Isler 2003: 492), foi descrito como espécie nova em um gênero novo no final de 1995 (Bornschein et al. 1995) (capa, figura 1). Foi desco- berto em um fragmento de brejo em área bastante urbanizada e distante cerca de 80 m de uma rodovia no balneário Ipaca- Revista Brasileira de Ornitologia 15(4):493-519 dezembro de 2007 ARTIGO ray, litoral do Estado do Paraná (Bornschein et al. 1995). Pesa em torno de 10 g de massa corporal, mede cerca de 14 cm de comprimento (Bornschein et al. 1995) e apresenta dimorfismo sexual: o ventre é cinza-anegrado no macho adulto e man- chado de branco e preto na fêmea (Reinert e Bornschein 1996). Logo após a descrição, várias ações visando a conservação da espécie foram iniciadas. Dentre elas, solicitou-se sua inclusão na lista de fauna ameaçada de extinção no Brasil, o que se concretizou mediante a publicação da Portaria no. 62, de 17 de junho de 1997, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) (vide Paiva 1999). Além da descrição original, baseada em uma fêmea e macho jovem (Bornschein et al. 1995), e da descrição do macho adulto (Reinert e Bornschein 1996), há informações gerais sobre a espécie em Sick (1997), BirdLife International (2000), Zimmer e Isler (2003) e Straube et al. (2004), onde ela foi considerada ameaçada de extinção no Paraná. Brooks et al. (1999) a consideraram endêmica do bioma Floresta Atlântica e Naka et al. (2000) divulgaram duas localidades de registro no litoral norte de Santa Catarina. Luiz P. Gonzaga efetuou seu doutoramento com a filogenia de Formicivora a partir de dados morfológicos e vocais, incluindo Stymphalornis. Na publicação de um resumo do seu estudo, citou, entre algumas conclusões, que Stymphalornis deve ser considerado sinônimo de Formicivora (Gonzaga 2001). Na ausência de uma publi- cação formal, com a necessária discussão acerca dos elemen- tos que sustentariam essa conclusão, o tratamento taxonômico aqui utilizado segue Zimmer e Isler (2003) e Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (2005), que consideraram o arranjo proposto na descrição original da espécie. Diversas informações sobre a espécie foram divulgadas por B.L.R. e M.R.B. em livros de resumos de congressos, artigos de divulgação científica e livro de divulgação (Corrêa 2005), sendo parte dessas fontes a origem de muitas das informações gerais citadas nas obras mencionadas anteriormente. Estudos com a espécie ainda foram o tema da dissertação de mestrado de B.L.R. (Reinert 2001), e dados sobre ela foram utilizados na de M.R.B. (Bornschein 2001). Grande parte dessas infor- mações é alvo do presente trabalho, no qual se aborda a distri- buição geográfica, tamanho da área de ocorrência, território, estimativa populacional e caracterização dos ambientes de ocorrência de S. acutirostris. MATERIAL E MéTODOS Em concordância com o termo popular adotado em mui- tas regiões brasileiras e com a terminologia apresentada nos resultados, os ambientes pioneiros em estágio herbáceo serão denominados, doravante, de brejos, quando não houver neces- sidade do uso de termos técnicos. Esses, por sua vez, citados em maiúsculo, são aqueles propostos pelo Projeto Radambra- sil (in Veloso et al. 1991, IBGE 1992). Distribuição geográfica e ambientes de ocorrência. Do final de 1995 a 1997, realizaram-se diversas campanhas no litoral do Paraná e do norte de Santa Catarina visando-se conhecer os ambientes de vida e novas áreas de ocorrência de S. acutiros- tris. Procurou-se por ele em Formação Pioneira de Influência Fluvial, Formação Pioneira de Influência Lacustre, Formação Pioneira de Influência Fluviomarinha e Formação Pioneira de Influência Marinha nos estágios herbáceo, herbáceo-arbóreo e arbóreo, em Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas e em Floresta Ombrófila Densa Aluvial. De 1998 a 2000, rea- lizaram-se 12 campanhas de busca pela espécie e caracteri- zação dos seus ambientes de ocorrência, as quais totalizaram 84 dias em campo, distribuídas do litoral sul de São Paulo ao do norte de Santa Catarina. Nessas, procurou-se pela espécie apenas nos ambientes anteriormente identificados como sendo de sua ocorrência (Formações Pioneiras de Influência Fluvial, Lacustre e Fluviomarinha nos estágios herbáceo e herbáceo- arbóreo). A região dos rios Una da Aldeia, Suá Mirim, Pero- pava, da Ribeira do Iguape e da Momuna, entre outros, muni- cípio de Iguape, São Paulo, constitui o extremo norte traba- FigurA 1. Macho (esquerda) e fêmea (direita) do bicudinho-do-brejo (Stymphalornis acutirostris). Fotos: B.L.R. Figure 1. Male (left) and female (right) of Marsh Antwren (Stymphalornis acutirostris). Photos: B.L.R. 494 Bianca Luiza Reinert, Marcos Ricardo Bornschein e Carlos Firkowski lhado (c. 24°30’S, 47°30’W), ao passo que os rios Camboriú e Peroba, nos municípios de Camboriú e balneário Camboriú, em Santa Catarina, o extremo sul (c. 27°00’S, 48°38’W). Em cada ponto de amostragem, realizou-se 5 min de playback em intervalos regulares de pausa, perfazendo cerca de 9 min de espera por ponto. Também procurou-se pela espécie nas vár- zeas do rio Paraná, especificamente no Parque Nacional de Ilha Grande e arredores, oeste do Paraná e sudeste do Mato Grosso do Sul (novembro e dezembro de 1995, janeiro de 1996, junho de 1997, maio a junho de 1999, novembro de 2002 e fevereiro de 2003), e no litoral sul de Santa Catarina (julho de 2003). Os locais de pesquisa foram acessados a pé, por veículo e, principalmente, por barco. Auxiliou no acesso a eles estudos fitogeográficos, imagens de satélites, fotografias aéreas, base cartográfica em diferentes escalas, entrevistas com moradores locais e contratação de guias. De cada local amostrado, toma- ram-se as coordenadas geográficas mediante o uso de GPS e identificou-se e descreveu-se o tipo de ambiente (vide abaixo). Outras anotações também foram feitas, como localidade, data, condições do tempo, croqui esquemático da paisagem, aves observadas e a presença ou não de S. acutirostris, incluindo modo de contato (visual e/ou auditivo), tempo de resposta ao playback e o número, sexo e idade dos indivíduos registrados. Os ambientes foram identificados conforme os critérios para a classificação da vegetação brasileira propostos pelo Projeto Radambrasil (in Veloso et al. 1991, IBGE 1992). Território e população. Estimou-se a área (em ha) ocupada por nove casais da espécie em dezembro de 1998 (= território, tipo “Breeding Territory”, “A”, de Pettingill 1985), conforme Silva (1988). Depois de acompanhados, os casais foram capturados com auxílio de rede ornitológica e marcados com anilhas colo- ridas e metálicas (conforme IBAMA 1994), essas do Centro de Pesquisa para a Conservação das Aves Silvestres (CEMAVE). A marcação com anilhas coloridas seguiu um código de cores visando o reconhecimento individual das aves no campo. Uma semana após o anilhamento, acompanharam-se novamente os mesmos casais para a conferência dos perímetros dos territó- rios, os quais tiveram a área estimada após medição em campo auxiliada por uma trena (50 m). A determinação dos territórios foi facilitada pela escolha dos locais (margem dos rios São João e Boguaçu, município de Guaratuba, Paraná), os quais se caracterizavam por faixas estreitas de brejo em meio a outros ambientes não utilizados pela espécie. Avaliou-se o tama- nho de territórios em dois ambientes (“brejo de maré”, n = 6 casais, e “brejo de capim-serra”, n = 3 casais), considerados representativos de um grupo de ambientes onde S. acutirostris é comum e de outro onde ele é raro. Para estimar o tamanho populacional de S. acutirostris, tomaram-se os valores médios de densidades (indivíduos por hectare) obtidas em cada ambiente. Cada qual foi multiplicado pela área total do grupo de ambientes que representavam: den- sidade no brejo de maré por grupo de ambientes onde a espé- cie é comum e densidade no brejo de capim-serra por grupo de ambientes onde ela é rara (vide “Estimativa de áreas, ter- ritório e população” abaixo). Para a estimativa da área dos ambientes ocupados pela espécie, vide “Identificação e quan- tificação dos ambientes de ocorrência”, adiante. Caracterização da vegetação. Efetuaram-se caracterizações quali-quantitativas da vegetação de ambientes de ocorrên- cia de S. acutirostris. A dos brejos foi efetuada conforme Braun-Blanquet (1979). Utilizaram-se parcelas de 1 m2, que foram delimitadas por um gabarito colocado sobre a vegeta- ção ao longo de um transecto guiado por uma trena de 50 m de comprimento. Cada parcela de amostragem foi espaçada da outra por 1 m. Utilizou-se um total de 50 parcelas por ambiente trabalhado, valor determinado por meio de curva de esforço amostral. As transeções (100 m) incluíram a zonação eventualmente observada no brejo. Anotaram-se as espécies registradas por parcela, suas alturas máximas, formas bioló- gicas e respectivos valores de cobertura e sociabilidade, que foram estimados conforme os seguintes intervalos, adapta- dos de Braun-Blanquet (1979). Cobertura: R = espécie rara, com cobertura inferior a 1%; 1 = cobertura entre 1 e 5%; 2 = cobertura entre 5 e 25%; 3 = cobertura entre 25 e 50%; 4 = cobertura entre 50 e 75%; e 5 = cobertura superior a 75%. Sociabilidade: 1 = indivíduos ou fustes isolados; 2 = indiví- duos formando pequenos grupos; 3 = indivíduos formando grandes grupos; 4 = indivíduos formando grandes massas; e 5 = população contínua. A cobertura indica a proporção de área ocupada pela projeção da porção aérea dos indivíduos de cada espécie no trecho amostrado (Matteucci e Colma 1982) e a sociabilidade a densidade de ocorrência desses indivíduos (Braun-Blanquet 1979). A caracterização qualitativa das arbóreas dos ambientes onde havia um estrato superior arbóreo e um inferior herbá- ceo, com espécies características de brejos, efetuou-se com a alocação de parcelas de 100 m2 demarcadas com estacas e dis- tribuídas sistematicamente ao longo de uma linha-mestra de 100 m paralela ao curso d’água (exceto no “manguezal com herbáceas”; vide abaixo). Incluiu-se na amostragem indiví- duos com perímetro do(s) tronco(s), a 1,3 m do solo, igual ou superior a 15 cm, dos quais se registrou a espécie, altura total e perímetro na altura do peito (PAP), entre outras observações. No “guanandizal com herbáceas” alocou-se 20 parcelas e no “caxetal com herbáceas” 30 (vide “RESULTADOS” abaixo). Nos mesmos locais onde se realizou a amostragem de arbóreas realizou-se a de herbáceas, tal qual efetuada nos brejos. O método de parcelas de 1 m2 não foi aplicável para amos- trar o estrato herbáceo de um ambiente com cobertura arbó- rea, o “manguezal com herbáceas” (vide “RESULTADOS” abaixo), devido à grande altura de uma arbustiva. Por isso, a caracterização qualitativa desse ambiente, tanto do estrato arbóreo quanto herbáceo, foi efetuada com a utilização do método de “linha de interceptação”, conforme Brower e Zar (1984). Esse método consiste na amostragem de todos os indivíduos que apresentam a projeção da cobertura das par- tes aéreas sobre uma linha marcada com auxílio de uma trena (transeção). Demarcou-se três linhas perpendiculares ao curso Distribuição, tamanho populacional, hábitat e conservação do bicudinho-do-brejo Stymphalornis acutirostris Bornschein, Reinert e Teixeira, 1995 (Thamnophilidae) 495 d’água (duas com 30 m e uma com 40 m de extensão), totali- zando 100 m de amostragem. Não foram amostrados qualitativamente dois ambien- tes com ocorrência de S. acutirostris (“brejo de meandro” e “ariticunzal com herbáceas”; vide “RESULTADOS” abaixo). Muitas outras áreas além daquelas trabalhadas por meio de parcelas ou transeções foram avaliadas quanto aos parâmetros fitossociológicos cobertura e sociabilidade, conforme a adap- tação de Braun-Blanquet (1979) detalhada anteriormente, mas levando-se em consideração as espécies vegetais dominantes encontradas. Para permitir e/ou comprovar a identificação das plantas observadas, realizou-se coleta de espécimes férteis. O material botânico foi preparado em campo e, posteriormente, exsica- tado em conformidade com as técnicas de herborização descri- tas em Fidalgo e Bononi (1984) e IBGE (1992). As exsicatas foram depositadas nos herbários do Departamento de Botânica (UPCB – Universidade Paraná Ciências Biológicas) e de Ciên- cias Florestais (EFC – Escola de Florestas de Curitiba) da Uni- versidade Federal do Paraná. Identificaram o material botâ- nico coletado diversos especialistas, a saber: A. O. S. Vieira (Onagraceae), A. D. Faria (Eleocharis spp. – Cyperaceae), C. Kozera (Cyperaceae e Poaceae), I. Boldrini (Poaceae), M. Sobral (Myrtaceae), M. Kaheler (Bromeliaceae), R. Golden- berg (Melastomataceae), V. A. O. Dittrich (Pteridophyta), S. Menezes-Silva (diversas famílias) e M. Borgo (diversas famílias). Esses dois últimos também identificaram espécies observadas em campo. A classificação botânica está de acordo com a proposta de Cronquist (1988), para Magnoliophyta, e Tryon e Tryon (1982), para Pteridophyta. A forma biológica das espécies foi definida em campo e, eventualmente, obtida da literatura. Identificação e quantificação dos ambientes de ocorrência. Em fotoíndices, selecionaram-se as fotografias aéreas (pan- cromáticas) que tinham ou supostamente tinham os ambientes de ocorrência de S. acutirostris na região de sua distribuição geográfica (apêndice 1). Do Paraná, utilizaram-se fotografias do vôo de 1980 e escala 1:25.000, reveladas para o estudo. De Santa Catarina, utilizou-se de fotos já reveladas da Fundação do Meio Ambiente (FATMA), vôo de 1978 e escala 1:25.000, disponíveis na Secretaria do Mercosul, em Florianópolis. Todas as fotografias aéreas foram digitalizadas com resolução de 600 dpi. Foi feita interpretação da cobertura vegetal das fotografias (fotointerpretação) comparando-se a posição, textura, impres- sões de altura e nuanças de coloração. Para auxiliar nesse pro- cesso, efetuou-se, em campo, anotações sobre a ocorrência dos ambientes em fotografias aéreas e descrições (com documenta- ção fotográfica) de mais de 100 pontos georreferenciados. As fotografias aéreas do Paraná foram fotointerpretadas mediante observação direta auxiliada por lupa (20x) e na tela do com- putador, onde cada foto foi ampliada até aproximadamente a escala 1:8.000. As de Santa Catarina foram fotointerpretadas com a sua ampliação na tela do computador. Foi feita confe- rência em campo da fotointerpretação, constatando-se acurá- cia de quase 100%. Ambientes foram identificados e definidos, primariamente, pelos seguintes atributos: forma biológica dominante (herbá- cea ou arbórea), fisionomia (campestre ou florestal), localiza- ção (em região com influência direta ou indireta do nível de água pelo regime das marés; entre manguezal e floresta; entre cordões de dunas; em meandros abandonados; ou sem corre- lação com as formações vegetacionais do entorno), histórico (no caso de brejo secundário) e dominância de espécie botâ- nica (no caso dos ambientes com estrato superior arbóreo). Para nomear esses ambientes, uma vez que não se encontrou uma nomenclatura totalmente aplicável, criaram-se termos e, da literatura, tomaram-se alguns literalmente e adaptaram-se outros. Brejo secundário foi considerado para fotointerpretação somente quando se localizava próximo dos demais ambien- tes avaliados (distantes até cerca de 8 km). Tratou-se como tal brejo surgido após a interferência humana em determi- nado local ou que se tornou expressivo após a erradicação de cobertura arbórea de ambientes onde antes não existia ou estava oculto pelo sombreamento (e.g. sucessão regressiva de caxetal, explorado, em brejo secundário). Não sendo possível distingui-lo de brejo primário na fotointerpretação, o seu reco- nhecimento foi feito somente pelo histórico da área. Sobre os arquivos digitais das fotografias aéreas, utilizou- se do programa Auto CAD R14 para realizar a demarcação (vetorização) dos perímetros das manchas de cada ambiente fotointerpretado (polígonos). Posteriormente, os arquivos das fotos e os das vetorizações foram georreferenciados no pro- grama ENVI 3.2, utilizando-se um mínimo de três pontos notáveis, cujas coordenadas UTM foram tomadas mediante leitura em base cartográfica (apêndice 2). Após o georrefe- renciamento, efetuou-se a mosaicagem das fotografias e seus respectivos vetores, utilizando os programas ENVI 3.2 para o mosaico das fotos (base de dados Raster) e ArcView 3.2 para o mosaico dos dados vetoriais. Ainda com o uso desse pro- grama, realizou-se o processo de edição, que consistiu em dar integridade e a correta atribuição quanto ao tipo de ambiente a todos os polígonos vetorizados. A partir de então, obteve-se a área (em ha) desses polígonos. Esses processos foram feitos apenas com o material do Paraná e de uma reduzida área adja- cente em Santa Catarina (rio São João). Utilizando-se do programa ArcView 3.2, editou-se o mosaico de fotografias aéreas e respectivos vetores do Paraná e de uma reduzida área adjacente em Santa Catarina (rio São João) para impressão em papel formato A-3, ampliado na escala 1:20.000 (fotocarta). Impressas, as fotocartas foram dispostas em seqüência para possibilitar a análise da distribui- ção, posição e dimensão (obtida em metros a partir da escala) dos distintos ambientes. Nas fotocartas ainda delimitou-se a efetiva área de ocorrência de S. acutirostris, uma vez que se fotointerpretou ambientes que se verificaram sem registro da espécie. Feito isso, restringiu-se o levantamento da área de ambientes para aqueles ocupados ou supostamente ocupados 496 Bianca Luiza Reinert, Marcos Ricardo Bornschein e Carlos Firkowski pela espécie, obtendo-se a “área de ocupação” no Paraná (area of occupancy, sensu BirdLife International 2000). O levantamento da área de ocupação de S. acutirostris em Santa Catarina, igualmente restringido conforme os resultados sobre a distribuição da espécie no estado, estimou-se a partir da inferência do percentual ocupado pelos ambientes fotoin- terpretados em cada fotografia aérea analisada. As atividades de fotointerpretação e vetorização foram efe- tuadas por M.R.B., enquanto que as demais, acima mencionadas, o foram por técnicos contratados (vide “Agradecimentos”). A distribuição dos locais de ocorrência de S. acutirostris, independente dos tipos de ambientes, foi esquematizada em acetato sobre cartas topográficas na escala 1:250.000, visando- se gerar os menores polígonos que englobassem toda a região de dispersão da espécie. Esses polígonos e aquelas cartas foram digitalizados com o uso do programa Spring e, com o uso do programa Microstation, quantificou-se a área dos polígonos, gerando-se o dado “extensão de ocorrência” da espécie (extent of occurrence, sensu BirdLife International 2000). Definição do status de conservação. Confrontaram-se infor- mações sobre a distribuição geográfica de S. acutirostris, área de ocupação, extensão de ocorrência, ambientes de ocorrência, estimativa populacional e impactos observados com os crité- rios para a definição de espécies ameaçadas de extinção da União Internacional para a Conservação da Natureza – UICN (in BirdLife International 2000). Atentou-se para a presença de impactos nas áreas de ocorrência da espécie, tanto natu- rais quanto de origem antrópica. Havendo presença de espé- cies exóticas, o nível de contaminação biológica foi avaliado da seguinte forma: percentual do ambiente invadido, valores dos parâmetros fitossociológicos cobertura e sociabilidade das exóticas, conforme a adaptação de Braun-Blanquet (1979), detalhada anteriormente, e intensidade do impacto. Informa- ções sobre impactos foram colhidas em campo até 2005. RESULTADOS Ambientes de ocorrência. Confrontando observações de campo, informações da literatura e resultantes de fotointer- pretação, distinguiram-se oito ambientes primários ocupados por S. acutirostris, dos quais quatro são herbáceos (brejos) e quatro apresentam um estrato superior arbóreo e um inferior herbáceo com espécies características de brejos. Conhecendo o histórico de certos locais alterados pela ação humana, incor- porou-se, como um nono ambiente ocupado pela espécie, uma formação herbácea secundária (brejo secundário). Segundo os critérios para a classificação da vegetação brasileira do Projeto Radambrasil (in Veloso et al. 1991, IBGE 1992), caracteri- zam-se como Formação Pioneira de Influência Fluvial, For- mação Pioneira de Influência Fluviomarinha e/ou Formação Pioneira de Influência Lacustre (tabela 1). Os nove ambientes ocupados por S. acutirostris ocorrem como manchas ou faixas estreitas, que, no Paraná, variaram de 0,001 a 203,0 ha. No Paraná, totalizaram 4.856,67 ha, dos quais 1.607,82 ha de ambientes herbáceos (33,1% do total no estado) e 3.248,85 ha de ambientes com estrato superior arbó- reo e inferior herbáceo com espécies de brejos (66,9% do total no estado; tabela 2). Localizam-se principalmente no interior de baías e nos trechos a jusante de rios que nelas deságuam, em planícies aluviais inundadas e entre cordões de dunas em planície quaternária costeira. Naqueles nove ambientes, na região de ocorrência de S. acutirostris, registrou-se 134 espécies botânicas pertencen- tes a 60 famílias (vide listagem em Reinert 2001), dentre as quais Cyperaceae foi representada por 25 espécies, Poaceae por 14, Asteraceae por nove, Fabaceae por seis e Myrtaceae por cinco espécies. Quanto à forma biológica, 96 espécies são herbáceas, 22 são arbóreas, 13 são trepadeiras e três são arbustivas. Nos ambientes herbáceos (brejos), registraram-se 125 espécies botânicas (93% do total). Naqueles com estrato superior arbóreo e inferior herbáceo com espécies de brejos, registrou-se 46 espécies botânicas (34% do total) pertencentes a 26 famílias, dentre as quais Cyperaceae foi representada por 11 espécies, Poaceae por oito e Myrtaceae por quatro espécies. Dessas, 23 são herbáceas, 13 são arbóreas, três são arbustivas e três são trepadeiras. Stymphalornis acutirostris não foi registrado em locais, próximos a manguezais, vegetados somente pela cebolama (Crinum salsum) ou praturá (Spartina alterniflora), esses denominados de marismas e campo salino (Veloso et al. 1991, Angulo 1992, IBGE 1992). Também não foi registrado em manguezais contendo somente as herbáceas C. salsum, outra tAbelA 1. Ambientes ocupados pelo bicudinho-do-brejo (Stymphalornis acutirostris) e suas denominações segundo os critérios para a classificação da vegetação brasileira propostos pelo Projeto Radambrasil (in Veloso et al. 1991, IBGE 1992). tAble 1. Habitats with occurrence of the Marsh Antwren (Stymphalornis acutirostris) and its denomination according to the classification criteria of the Brazilian vegetation, proposed by the Radambrasil Project (in Veloso et al. 1991, IBGE 1992). Termo nesse estudo1 Termo segundo o Projeto Radambrasil Brejo de capim-serra Formação Pioneira de Influência Fluviomarinha Brejo de maré Formação Pioneira de Influência Fluviomarinha Formação Pioneira de Influência Fluvial Brejo intercordão Formação Pioneira de Influência Lacustre Formação Pioneira de Influência Fluvial Brejo de meandro Formação Pioneira de Influência Lacustre Manguezal com herbáceas Formação Pioneira de Influência Fluviomarinha Guanandizal com herbáceas Formação Pioneira de Influência Fluviomarinha Formação Pioneira de Influência Lacustre Caxetal com herbáceas Formação Pioneira de Influência Fluvial Formação Pioneira de Influência Lacustre Formação Pioneira de Influência Fluviomarinha2 Ariticunzal com herbáceas Formação Pioneira de Influência Fluvial 1 “Brejo secundário”, citado no estudo, pode ser denominado pelos critérios do Projeto Radambrasil considerando-se os locais onde se formaram. 2 De ocorrência muito local. Distribuição, tamanho populacional, hábitat e conservação do bicudinho-do-brejo Stymphalornis acutirostris Bornschein, Reinert e Teixeira, 1995 (Thamnophilidae) 497 espécie de praturá (S. densiflora) ou samambaia-do-mangue (Acrostichum danaefolium) no estrato inferior (para com- plementações a respeito, vide “Brejo de maré” e “Mangue- zal com herbáceas” abaixo). A seguir, os nove ambientes de ocorrência de S. acutirostris são definidos e descritos quanto a alguns aspectos. As descrições, distribuições, áreas e riquezas florísticas apresentadas referem-se ao observado na região de distribuição geográfica da espécie. Brejo de capim-serra. Formação aberta dominada por her- báceas situada entre floresta e manguezal (figuras 2 e 3), na forma de longas e estreitas faixas. Não apresenta coluna d’água, exceto quando ocorrem marés altas de sizígia e de tormenta. Apresenta elevada densidade de indivíduos, cobre quase sempre 100% da superfície do solo e mede entre 0,7 e 2,5 m de altura. No sentido da floresta ao manguezal, a vege- tação decresce em altura e densidade. O capim-serra (Cladium mariscus) é a espécie dominante. São comuns samambaia- do-brejo (Blechnum serrulatum), paina (Cortaderia selloana) próxima à floresta, Fimbristylis spadicea próximo ao mangue- zal, arbustos de uvira (Hibiscus pernambucensis), arvoretas de ariticum-do-brejo (Annona glabra), capororoquinha (Rapanea parvifolia), aroeira (Schinus terebinthifolius) e jerivá (Syagrus romanzoffiana). O termo foi adaptado do “zona de Cladium”, de Angulo (1990) e Angulo e Müller (1990). Ocorre disperso no Paraná e em Santa Catarina, nor- malmente na forma de faixas que atingem mais de 1 km de extensão e, conforme medição em campo no Paraná, apenas 1 m de largura. Na região de ocorrência de S. acutirostris no Paraná, ocupou uma área de 161,05 ha (3,3% de todos os nove ambientes e 10,0% dos herbáceos no estado; tabela 2). Nesse ambiente, registraram-se 41 espécies botânicas pertencentes a 25 famílias, das quais Cyperaceae foi representada por sete espécies, Myrtaceae por quatro e Asteraceae por três. Quanto à forma biológica, 17 espécies são herbáceas, 16 arbóreas, cinco trepadeiras e três são arbustivas. Brejo de maré. Formação aberta dominada por herbáceas (figura 4) localizada em regiões que sofrem influência direta ou indireta do nível d’água devido ao regime das marés. A vegetação desenvolve-se onde a presença de coluna d’água é constante, periódica (de acordo com as marés) ou eventual FigurA 2. Vista aérea de brejo de capim-serra (A), entre manguezal (B) e floresta (C) (município de Paranaguá, Paraná). Foto: T. de Mesquita Fialho. Figure 2. Aerial view of saw grass marsh (A), between mangrove (B) and forest (C) (municipality of Paranaguá, Paraná state). Photo: T. de Mesquita Fialho. tAbelA 2. Área de ocupação1 do bicudinho-do-brejo (Stymphalornis acutirostris) por ambiente de ocorrência nas cinco populações da espécie no Estado do Paraná (sul do Brasil). tAble 2. Area of occupancy of the Marsh Antwren (Stymphalornis acutirostris) per habitat of occurrence in the five populations of the species in Paraná state (southern Brazil). Ambiente Área por população (ha) Área por ambiente (ha) baía de Antonina rio Nhundiaquara rio Guaraguaçu balneário Flórida baía de Guaratuba (herbáceo) Brejo de capim-serra 0,0 0,0 38,47 0,0 122,58 161,05 Brejo de maré 396,21 222,34 29,48 0,0 667,43 1.315,46 Brejo intercordão 0,0 0,0 0,0 6,38 0,0 6,38 Brejo de meandro 29,38 9,39 0,0 0,0 66,51 105,28 Brejo secundário 0,0 14,26 0,11 0,0 5,28 19,65 (com um estrato superior arbóreo e um inferior herbáceo com espécies dos brejos) Manguezal com herbáceas 305,64 93,55 55,51 0,0 848,51 1.302,23 Guanandizal com herbáceas 560,97 208,28 0,0 0,0 327,85 1.098,08 Caxetal com herbáceas 38,87 0,0 7,64 0,0 793,87 840,38 Ariticunzal com herbáceas 0,0 0,0 0,0 0,0 8,16 8,16 Área de ambientes herbáceos 425,59 245,99 68,06 6,38 861,80 — Área de ambientes arbóreos com herbáceas 905,48 301,83 63,15 0,0 1.978,39 — Área total por população 1.331,07 547,82 131,21 6,38 2.840,19 — Área total de ambientes herbáceos das cinco populações 1.607,82 Área total de ambientes com um estrato superior arbóreo e um inferior herbáceo das cinco populações 3.248,85 Área total de todos os ambientes das cinco populações 4.856,67 1 Área efetivamente habitada (area of occupancy) por uma determinada espécie dentro da extensão de ocorrência (extent of occurrence). 498 Bianca Luiza Reinert, Marcos Ricardo Bornschein e Carlos Firkowski (como conseqüência de enchentes, no caso de brejos de maré totalmente flutuantes). Apresenta de baixa à elevada densi- dade de indivíduos, cobre entre 80 e 100% da superfície do solo e mede entre 0,5 e 3 m de altura. Domina uma ou algumas espécies, como piri (Scirpus californicus), Crinum salsum, chapéu-de-couro (Echinodorus grandiflorus), capim-pernam- buco (Panicum sp. cf. P. mertensii), milho-d’água (Zizaniop- sis microstachya) e a exótica braquiária (Urochloa arrecta = Brachiaria subquadripara). é esperado que em locais onde o ambiente esteja se formando, possa haver outras espécies dominando e com alturas inferiores ao citado. Ocorre com certa expressividade, pontualmente, Cladium mariscus, Acros- tichum danaefolium, arbustos de Hibiscus pernambucensis e árvores ou arvoretas de mangue-vermelho (Laguncularia racemosa), guanandi (Calophyllum brasiliense), Annona gla- bra e caxeta (Tabebuia cassinoides). O termo “brejo de maré” foi criado por Angulo (1990) e Angulo e Müller (1990). Pela presente definição, o brejo de maré deve ter pelo menos duas espécies vegetais, ou uma só desde que locais com FigurA 3. Fotocarta do interior da baía de Guaratuba, Paraná, com a identificação de cinco dos nove ambientes de ocorrência do bicudinho-do-brejo (Stymphalornis acutirostris): brejo de maré (vermelho), brejo de capim-serra (azul), brejo secundário (verde-escuro), manguezal com herbáceas (amarelo) e guanandizal com herbáceas (verde-claro). Figure 3. Map of the interior of the Guaratuba Bay, Paraná state, with the identification of five of the nine Marsh Antwren (Stymphalornis acutirostris) occurrence habitats: tidal marsh (red), saw grass marsh (blue), “secondary marsh” (dark green), mangrove with herbaceous plants (yellow) and “guanandizal” with herbaceous plants (light green). FigurA 4. Brejo de maré, localmente dominado por piri (Scirpus californicus) e cebolama (Crinum salsum) (base) (baía de Guaratuba, Paraná). Foto: M.R.B. Figure 4. Tidal marsh, locally dominated by bulrush (Scirpus californicus) and Crinum salsum (bottom) (Guaratuba Bay, Paraná state). Photo: M.R.B. Distribuição, tamanho populacional, hábitat e conservação do bicudinho-do-brejo Stymphalornis acutirostris Bornschein, Reinert e Teixeira, 1995 (Thamnophilidae) 499 duas ou mais ocorram nas proximidades. Assim, não se enqua- dram como brejo de maré áreas associadas a manguezais, e sem registro de S. acutirostris, onde ocorre apenas Spartina alterniflora ou Crinum salsum. Essas áreas observaram-se nas porções mais exteriores das baías, muito distantes de locais com pelo menos duas espécies de herbáceas. O brejo de maré ocorre no interior das baías (figura 3) e em praticamente todas as áreas onde existem rios de água doce ou salobra (vide Jakobi 1953), no Paraná e em Santa Catarina. Apresenta-se como manchas ou faixas de diferentes tamanhos, sendo que, como manchas, aparece muitas vezes na margem de agradação dos rios e, como faixas, nas margens de rios sinuosos, morfologia típica que assumem os rios influenciados pelo regime das marés (Angulo 1992). Na região de ocorrência de S. acutirostris no Paraná, ocupou uma área de 1.315,46 ha (27,1% de todos os nove ambientes e 81,8% dos herbáceos no estado; tabela 2). Registraram-se 85 espécies botânicas no ambiente, pertencentes a 47 famílias, das quais Cyperaceae foi representada por 12 espécies, Poaceae por nove, Astera- ceae por cinco e Fabaceae por quatro. Sessenta e duas espé- cies são herbáceas, 12 arbóreas, nove trepadeiras e duas são arbustivas. Rumo ao interior dos estuários e à montante dos rios, os brejos de maré sofrem um crescente incremento na riqueza de espécies botânicas e, também, na densidade de vegetação. Em uma análise florística realizada no interior da baía de Guara- tuba (ilha do Chapeuzinho, 25°52’00.4”S, 48°43’25.9”W), detectaram-se apenas cinco espécies, tendo ocorrido de uma a quatro por parcela de 1 m2. Já a 5 km deste local (ilha do Jundiaquara, 25°52’27.9”S, 48°45’33.1”W), à montante no rio São João, registraram-se 12 espécies, tendo ocorrido de uma a oito por parcela de 1 m2. Mais à montante ainda no rio São João (ponte da SANEPAR, 25°55’19.8”S, 48°46’57.0”W), registraram-se 26 espécies, tendo ocorrido de cinco a 17 por parcela de 1 m2. Local pobre em espécies botânicas dominado por Scirpus californicus, como no interior das baías, recebe o nome popular de “pirizal”. Brejo intercordão. Formação aberta dominada por herbáceas, localizada na planície costeira entre cordões de dunas de ori- gem marinha, onde acumula água pluvial raramente drenada por riachos temporários ou mesmo perenes, e que não sofrem influência do nível d’água pelo regime das marés. Desen- volve-se onde a presença de coluna de água é constante, sazo- nal (no período das chuvas) ou eventual (como conseqüência de enchentes). Essa última situação, na qual normalmente inexiste coluna de água superficial, ocorre quando o brejo intercordão é flutuante. Apresenta elevada densidade de indi- víduos, cobre normalmente 100% da superfície do solo e apre- senta entre 1,5 e 3 m de altura. Compõe-se por uma ou várias espécies dominantes, como taboa (Typha domingensis), Cla- dium mariscus, Fuirena umbellata, Blechnum serrulatum e a exótica braquiária (Brachiaria mutica). Quando esse ambiente está se formando, é usual haver o domínio de outras espécies, como Eleocharis interstincta e E. mutata, que podem apresen- tar médias de altura inferiores ao citado. Árvores de Tabebuia cassinoides e arvoretas de Annona glabra, Schinus terebinthi- folius e araçá (Psidium cattleianum), entre outras, muitas vezes acham-se presentes. O termo brejo intercordão foi criado por Angulo (1992), embora desacompanhado de uma definição propriamente dita. Brejo intercordão, na região de ocorrência de S. acutiros- tris, ocorre ao longo dos cerca de 35 km de costa entre Pontal do Sul e Matinhos, Paraná. Distribui-se na forma de manchas e, principalmente, de longas e estreitas faixas. Originalmente, a maior atingia 13,5 km (M.R.B. e B.L.R., inf. pess.; vide Angulo 1992). Em 1980, a maior mediu 3,3 km de compri- mento por 80 m de largura máxima. Uma outra mais curta, no entanto, a superou em largura, medindo 140 m. Totalizava, originalmente, uma área de 274,74 ha (M.R.B. e B.L.R., inf. pess.), reduzidos por ocupação urbana a 127,83 ha em 1980. Dos quase 275 ha, supostamente ocupados por S. acutirostris no passado, atualmente há ocorrência da espécie em 6,38 ha (0,1% de todos os nove ambientes e 0,4% dos herbáceos no Paraná; tabela 2) (vide “População do balneário Flórida” abaixo). Registraram-se 54 espécies botânicas pertencentes a 29 famílias no brejo intercordão, dentre as quais Cyperaceae foi representada por 12 espécies, Asteraceae por cinco e Poa- ceae por quatro. Quarenta espécies são herbáceas, oito são tre- padeiras e seis são arbóreas. Brejo de meandro. Formação aberta dominada por herbáceas que ocorre em meandros e canais abandonados; por estarem isolados, eles não recebem aporte de água do rio de origem, exceto quando esse extrapola o seu leito em períodos de cheia. A presença de coluna de água na vegetação é sazonal, depen- dendo da pluviosidade, ou eventual, como conseqüência de enchentes em brejos de meandro flutuantes (nessa situação, não há coluna d’água superficial). Apresenta elevada densidade de indivíduos, cobre normalmente 100% da superfície do solo e tem entre 1,5 e 2,5 m de altura. Como espécies dominantes tem-se Typha domingensis, Eleocharis interstincta, a exótica Urochloa arrecta e o exótico lírio-do-brejo (Hedychium coro- narium). O termo brejo de meandro é aqui proposto. O ambiente ocorre em meandros de rios como o Pequeno, Cachoeira (município de Antonina), Nhundiaquara (muni- cípio de Morretes), Cubatãozinho e Cubatão (município de Guaratuba), no Paraná, São João (municípios de Guaratuba e Garuva), no Paraná e em Santa Catarina, e Itapocu (municípios de Araquari, São João do Itaperiú e Barra Velha, pelo menos), em Santa Catarina. Na região de ocorrência de S. acutirostris no Paraná, totalizou-se 105,28 ha de brejo de meandro (2,2% de todos os nove ambientes e 6,6% dos herbáceos no estado; tabela 2). Registraram-se 13 espécies botânicas pertencentes a nove famílias no ambiente, das quais 11 são herbáceas e duas são trepadeiras. Brejo secundário. Desenvolve-se da mesma maneira que os brejos primários, tanto em composição de espécies como em cobertura e altura. Por esse motivo, o seu reconhecimento é 500 Bianca Luiza Reinert, Marcos Ricardo Bornschein e Carlos Firkowski feito apenas pelo histórico da área. Identificaram-se locais dispersos com esse ambiente no Paraná e em Santa Catarina (figura 3), como nos leitos retificados da foz dos rios Sapetan- duva (divisa dos municípios de Antonina e Morretes) e Sagrado (município de Morretes), no Paraná. Na região de ocorrência de S. acutirostris nesse estado, totalizou-se 19,65 ha de brejo secundário (0,4% de todos os nove ambientes e 1,2% dos her- báceos no Paraná; tabela 2). Na Fazenda Estrela (município de Guaratuba, Paraná), registrou-se S. acutirostris em 1996 e 1997 em um brejo secundário originado pelo corte de uma floresta e parcial ala- gamento provocado pela drenagem deficitária do terreno em conseqüência do aterro de uma estrada. A partir de 1998, a espécie não foi mais registrada no local, possivelmente por- que as herbáceas do ambiente rarearam em função do som- breamento ocasionado pelas arbóreas, já muito abundantes e desenvolvidas na ocasião dos registros. Brejos secundários se formaram após 1980 ao longo de um trecho da PR 412 no município de Guaratuba (Paraná), quase na divisa com o município de Itapoá (Santa Catarina). Até 1980, ocorriam somente algumas grandes manchas de caxetal com herbáceas próximas da PR 412 (vide “Caxetal com herbá- ceas” abaixo). Provavelmente parte desse ambiente e mesmo trechos de floresta adjacente sofreram sucessão regressiva para brejo secundário pela extração de Tabebuia cassinoides e pela construção de estradas, as quais certamente alteraram a drenagem do local. Stymphalornis acutirostris ocorre em parte dos brejos secundários daquele trecho da PR 412, como em Olaria (c. 25°58’S, 48°41’W). Manguezal com herbáceas. Formação fechada caracterizada por arbóreas típicas de manguezal no estrato superior e pela existência de um estrato inferior de herbáceas e arbustivas, localizada em terrenos que sofrem inundações regulares de acordo com o regime das marés. As árvores apresentam o dos- sel entre cerca de 3 e 5 m de altura e cobrem normalmente 100% da superfície do solo, mas em certos locais acham-se algo espaçadas ou mesmo isoladas, cobrindo percentuais menores. O estrato inferior tem em torno de 0,5 a 1,8 m de altura, mas por vezes os arbustos, apoiados nas árvores, medem até 3,5 m. Compõe-se de grupos de indivíduos isolados uns dos outros por até alguns metros, ou mais adensados, quando cobrem até aproximadamente 50% da superfície do solo, considerando a área ocupada pelos grupos. Em algumas situações, onde a cobertura arbórea é menor, ocorrem concentrações de herbá- ceas e arbustivas, que chegam a cobrir 100% do solo. Os ele- mentos arbóreos são mangue-preto (Avicennia schaueriana), canapuva (Rhizophora mangle) e Laguncularia racemosa, que é dominante. As herbáceas dominantes são Acrostichum dana- efolium e Crinum salsum, e a arbustiva dominante é Hibiscus pernambucensis. O estrato inferior deve ter pelo menos duas espécies, ou uma só desde que locais com duas ou mais ocor- ram nas proximidades. O termo manguezal com herbáceas foi adaptado do “manguezal com Acrostichum e Hibiscus”, criado por Angulo (1990) e Angulo e Müller (1990). Em decorrência da definição, não se considerou como manguezal com herbáceas os manguezais com estrato inferior composto apenas por Acrostichum danaefolium, Spartina den- siflora ou Crinum salsum. As situações com essas duas últi- mas espécies ocorrem em alguns pontos mais para o exterior das baías, enquanto que as com a primeira em locais situados mais para o interior das baías. Esse ambiente distribui-se principalmente na forma de manchas ou áreas mais contínuas na confluência dos rios do Neves e Nhundiaquara (divisa dos municípios de Antonina e Morretes) e no interior das baías de Antonina e de Guaratuba (figura 3), no Paraná, e na baía da Babitonga (ou de São Fran- cisco), em Santa Catarina. Na região de ocorrência de S. acuti- rostris no Paraná, totalizou-se 1.302,23 ha de manguezal com herbáceas (26,8% de todos os nove ambientes e 40,1% dos arbóreos com herbáceas no estado; tabela 2). Registraram-se 14 espécies botânicas pertencentes a 11 famílias no ambiente, dentre as quais Cyperaceae foi representada por três espécies e Poaceae por duas. Sete espécies são herbáceas, cinco arbóreas e duas são arbustivas. Guanandizal com herbáceas. Formação fechada caracterizada pela arbórea Calophyllum brasiliense e pela existência de estrato inferior dominado por herbáceas e arbustivas (figura 5), principalmente Cladium mariscus, Crinum salsum, Panicum sp. cf. P. mertensii e Hibiscus pernambucensis. Calophyllum brasiliense quase sempre é a única arbórea existente, mas por vezes ocorre com outras, das quais se destaca Annona glabra. As árvores apresentam dossel entre cerca de 3,5 e 8 m e suas copas podem estar isoladas umas das outras, embora próxi- mas, ou tocando-se parcial ou totalmente, situação que con- FigurA 5. Guanandizal com herbáceas. Observa-se uvira (Hibiscus pernambucensis), piri (Scirpus californicus), cebolama (Crinum salsum), capim-milhã-do-brejo (Hymenachne donacifolia) e troncos de guanandi (Calophyllum brasiliense) (rio São Joãozinho Feliz, município de Antonina, Paraná). Foto: B.L.R. Figure 5. “Guanandizal” with herbaceous plants. It’s noted Hibiscus pernambucensis, bulrush (Scirpus californicus), Crinum salsum, Hymenachne donacifolia and Calophyllum brasiliense trunks (São Joãozinho Feliz river, municipality of Antonina, Paraná stare). Photo: B.L.R. Distribuição, tamanho populacional, hábitat e conservação do bicudinho-do-brejo Stymphalornis acutirostris Bornschein, Reinert e Teixeira, 1995 (Thamnophilidae) 501 fere uma cobertura de 100% ou pouco menos da superfície do solo. O estrato inferior apresenta grupos de indivíduos que podem estar isolados uns dos outros por curtas distâncias, ou bem adensados, cobrindo normalmente entre 20 e 50% ou até 100% da superfície do solo, e tem cerca de 1 a 2 m de altura. O ambiente normalmente ocorre em terrenos que sofrem inunda- ções regulares de acordo com o regime das marés, mas também em meandros abandonados de rios. O termo guanandizal com herbáceas substitui o “pântano de maré” de Angulo (1990) e Angulo e Müller (1990). Ocorre ao longo das margens de muitos rios, na forma de manchas de diferentes tamanhos, ocupando uma posição inter- mediária entre manguezais com herbáceas (mais a jusante) e florestas (mais a montante) (figura 3). Ocorre, ainda, em alguns meandros abandonados de rios. Os principais locais de ocor- rência do ambiente situam-se no interior da baía de Antonina (foz dos rios Cachoeira, Barrela, Lagoinha, Cacatu, do Meio, das Pedras, da Moenda e Curitibaíba), na região da foz do rio São Joãozinho Feliz e confluência dos rios do Neves e Nhun- diaquara (municípios de Antonina e Morretes), no interior da baía de Guaratuba (rio São João desde a sua porção inferior até a foz, incluindo pequenos afluentes, e ilhas do Chapéu e do Chapeuzinho) e no interior da baía da Babitonga (rio Pal- mital no município de Garuva). Essa última área situa-se em Santa Catarina e as demais no Paraná. Na região de ocorrência de S. acutirostris no Paraná, totalizou-se 1.098,08 ha de gua- nandizal com herbáceas (22,6% de todos os nove ambientes e 33,8% dos arbóreos com herbáceas no estado; tabela 2). Registraram-se 19 espécies botânicas pertencentes a 13 famí- lias no ambiente, dentre as quais Cyperaceae foi representada por quatro espécies, Poaceae por três e Myrtaceae por duas. Dez espécies são herbáceas, seis arbóreas, duas arbustivas e uma é trepadeira. Caxetal com herbáceas. Formação fechada que se caracteriza pela arbórea Tabebuia cassinoides, no estrato superior, e pela dominância de herbáceas e arbustivas no estrato inferior, como Rhynchospora sp. cf. R. corymbosa, Panicum sp. cf. P. mer- tensii, Scleria sp., capororoca (Rapanea sp.) e Typha domin- gensis. Além de T. cassinoides, outras arbóreas muitas vezes acham-se presentes, como Annona glabra, cambuí (Myrcia multiflora) e guamirim-do-brejo (Gomidesia palustris). As árvores podem estar isoladas por curtas distâncias ou até aden- sadas a ponto de cobrir 100% ou pouco menos da superfície do solo, tendo o dossel entre 4 e 8 m de altura, aproximadamente. O estrato inferior, com altura variando entre 0,8 e 1,5 m, apre- senta grupos de indivíduos isolados uns dos outros por cur- tas distâncias, como mais adensados, cobrindo normalmente entre 20 e 50% ou até 100% da superfície do solo. O ambiente desenvolve-se em terrenos que sofrem alagamento de acordo com os níveis de pluviosidade, ocorrendo na margem de rios, em planícies de inundação e em depressões entre cordões de dunas litorâneas. O termo caxetal com herbáceas foi aqui proposto; local dominado por T. cassinoides é popularmente designado de “caxetal”. O ambiente é mais representativo no rio Copiúva (muni- cípio de Antonina), em afluentes do médio rio Guaraguaçu (município de Paranaguá) e em três setores próximos da baía de Guaratuba. O primeiro situa-se na região da lagoa do Parado (município de Guaratuba), incorporando as lagoas do Parado, do rio Preto e do Furta-maré, e os rios Furta-maré, Rasgadinho e da Palha. O segundo inclui locais a montante do rio Água Vermelha e Boguaçu, e arredores (município de Gua- ratuba, próximo da PR 412 e da localidade Olaria). O último setor localiza-se na região dos rios do Gelo e São João (muni- cípio de Guaratuba) e da vila São João Abaixo (município de Garuva). Exceto Garuva, que se situa em Santa Catarina, os demais municípios mencionados situam-se no Paraná. Em locais com ocorrência de S. acutirostris, totalizou-se 840,38 ha de caxetal com herbáceas (17,3% de todos os nove ambientes e 25,9% dos arbóreos com herbáceas no Paraná; tabela 2), que ocorre na forma de manchas com tamanhos muito discrepan- tes. Registraram-se 32 espécies botânicas pertencentes a 19 famílias no ambiente, das quais Cyperaceae foi representada por nove espécies, Poaceae por cinco e Myrtaceae por duas. Vinte e uma espécies são herbáceas, sete arbóreas, três trepa- deiras e uma é arbustiva. Ariticunzal com herbáceas. Formação fechada caracterizada por Annona glabra e pela presença de estrato inferior com- posto por herbáceas, das quais a dominante é Panicum sp. cf. P. mertensii. Raros indivíduos de Tabebuia cassinoides também podem ser encontrados. O dossel apresenta cerca de 4 m de altura e cobre 100% da superfície do solo; o estrato inferior apresenta entre 0,6 e 1,5 m de altura, sendo composto por grupos de indivíduos isolados ou algo agrupados, quando cobrem aproximadamente entre 10 e 30% da superfície do solo. O ambiente sofre diferentes níveis de inundação depen- dendo da pluviosidade. O termo ariticunzal com herbáceas é aqui proposto. Ocorre apenas na lagoa do Parado (município de Guara- tuba), Paraná, onde ocupou 8,16 ha (0,2% de todos os nove ambientes e igualmente 0,2% dos arbóreos com herbáceas no estado; tabela 2). Registraram-se apenas cinco espécies botâ- nicas pertencentes a quatro famílias no ambiente. Poaceae foi representada por duas espécies e as demais por uma. Três espécies são herbáceas e duas são arbóreas. O uso dos ambientes. Stymphalornis acutirostris vive em vege- tação herbácea e arbustiva. Nos ambientes com estrato supe- rior arbóreo, o seu local de permanência é o estrato inferior herbáceo. Desloca-se pela vegetação herbácea e arbustiva com vôos curtos e pequenos saltos, parando em caules, folhas, folí- olos, brácteas, pecíolos, inflorescências, ramos, galhos, etc., tanto em posição vertical, inclinada quanto horizontal. Ramos e galhos (até 4-5 m) de árvores são usualmente freqüentados, principalmente para a emissão de vocalizações. Ainda desloca- se aos pulos no solo e sobre detritos de vegetação flutuante na lâmina d’água. No entanto, o deslocamento é concentrado na faixa com maior densidade de vegetação, normalmente entre 502 Bianca Luiza Reinert, Marcos Ricardo Bornschein e Carlos Firkowski 20-40 cm e 50-90 cm sobre o solo, dependendo do tipo de ambiente, composição florística e época do ano. Nessa faixa, também é concentrada a atividade de alimentação. A porção acima da faixa de maior densidade, normalmente até 2 m sobre o solo, mas podendo chegar até 3 m, é usada principalmente para deslocamento com vôos mais longos, disputa territorial e emissão de vocalizações; raras vezes para a alimentação. Nunca foi observado alçando longos vôos acima da vegeta- ção. Captura pequenos artrópodes como aranhas, mariposas e moscas expostos sobre a vegetação, ocultos na vegetação e no ar. Captura os ocultos vasculhando a porção imbricada entre folhas e caules e entre bainhas e caules, bem como o interior retorcido de folhas mortas, de onde comumente retira aranhas. Constrói o ninho (n = 5) em plantas herbáceas e em arbóreas de pequeno porte, normalmente abaixo de 1 m sobre o solo. Folhas e brácteas da vegetação herbácea são o principal mate- rial nidular utilizado. Distribuição geográfica. Trabalhando-se do litoral sul de São Paulo ao litoral norte de Santa Catarina, além de algumas outras áreas no sul, sudeste e centro-oeste do Brasil, detec- tou-se a espécie na faixa costeira desde a baía de Antonina, no Paraná, ao rio Itapocu, em Santa Catarina, em altitudes variando do nível do mar até cerca de 5 m. Nessa região, efe- tuou-se o “mapeamento” dos nove ambientes de ocorrência da espécie (escala 1:25.000). Confrontando os resultados da distribuição desses ambientes com os da procura pela espécie, identificaram-se zonas sem registros, as quais se considera- ram sem presença da espécie. Assim, a área de dispersão de S. acutirostris está fragmentada em oito populações isoladas. No mapa elaborado (figura 6), as distintas populações foram representadas em duas cores. Uma indica local onde se regis- trou a espécie e a outra local sem registro, mas onde a ocorrên- cia é provável devido à existência de ambiente adequado con- tínuo com ou próximo de local onde a espécie foi registrada. A ausência de registros, nesses casos, deve-se exclusivamente à falta de amostragens. Alguns ambientes daqueles de ocorrência de S. acutiros- tris também existem ao norte e a sul dos limites estabelecidos como de distribuição geográfica da espécie (B.L.R. e M.R.B., obs. pess.). Rumo a norte, por exemplo, ocorre brejo de maré e de capim-serra em alguns locais nos municípios de Parana- guá e Guaraqueçaba e brejo intercordão na ilha de Superagui (município de Guaraqueçaba), no Paraná. No litoral sul de São Paulo, por exemplo, ocorre brejo intercordão na ilha Comprida (município de Ilha Comprida) e brejo de maré e de capim- serra em alguns locais desde Cananéia até Iguape, pelo menos. Rumo a sul, por exemplo, ocorre brejo de maré e de capim- serra do rio Itapocu até Camboriú, pelo menos, em Santa Cata- rina. Alguns ambientes daqueles de ocorrência de S. acutiros- tris também existem entre as populações da espécie, o que será comentado adiante, nas descrições dessas populações. População da baía de Antonina. Ocorre no interior da baía de Antonina (município de Antonina, Paraná), Paraná, por exemplo, nos rios Cachoeira, Cacatu, do Meio, das Pedras e Curitibaíba (figura 6). O limite norte situa-se em meandros do rio Pequeno (25°15’15.2”S, 48°41’43.9”W; registro inferido), afluente da margem esquerda do rio Cachoeira, o oeste no rio Xaxim (25°22’54.2”S, 48°46’49.3”W), afluente do rio Curi- tibaíba, o sul em um afluente da margem direita do rio Curi- tibaíba (25°24’41.8”S, 48°44’56.10”W; registro inferido), próximo da sua foz e o leste no rio Taquari (25°20’57.4”S, 48°41’18.2”W; registro inferido), afluente da margem esquerda do rio Cachoeira. O local que congrega a maior área contínua de ambientes de ocorrência da espécie na população situa- se na confluência do rio do Meio no Cacatu e, deste ponto, à leste até o rio Cachoeira (c. 25°21’29.9”S, 48°43’46.0”W). Totalizou-se 1.331 ha de ambientes de ocorrência da espécie nessa população, sendo 561 ha de guanandizal com herbáceas, 396 ha de brejo de maré, 305 ha de manguezal com herbáceas, 39 ha de caxetal com herbáceas e 29 ha de brejo de meandro (tabela 2). A população está perdendo área principalmente de brejos de maré e de meandro por conseqüência da invasão de capins africanos (vide “Impactos” abaixo). Acredita-se que o limite norte, inferido a partir da situação ambiental de 1980 (vide “Distribuição” abaixo), atualmente deva ser mais ao sul. O limite norte detectado situa-se no rio Cachoeira onde ele é cortado pela PR 405 (25°21’29.8”S, 48°43’46.0”W). Florestas em planícies e em serras limitam a distribuição geográfica da população em todo o setor setentrional e oeste. No setor meridional, ocorre floresta em altitude mínima de cerca de 20 m que isola essa população da do rio Nhundia- quara. No setor leste, há ambientes propícios nos quais não se registrou a espécie até o rio Faisqueira, a cerca de 6 km de distância do ponto mais próximo com presença inferida de S. acutirostris. Nesse rio, é possível que a espécie ocorra e tenha sido subestimada em campo (vide “Distribuição” abaixo). À leste do rio Faisqueira até a enseada do Itaqui, con- tornando a baía de Paranaguá, ocorrem pequenas manchas de brejo, mas na enseada do Benito e baía de Guaraqueçaba, a nordeste, eles são abundantes (figura 6). Stymphalornis acuti- rostris não ocorre nessas regiões, fato que se acredita ser inex- plicável com base no relevo e cobertura vegetal atual (vide “Distribuição” abaixo). População do rio Nhundiaquara. Ocorre ao longo de parte do rio Nhundiaquara e em alguns de seus afluentes, como o São Joãozinho Feliz, Sapetanduva e do Neves (ou Francês) (municípios de Morretes e Antonina, Paraná; figura 6). O limite norte situa-se no rio São Joãozinho Feliz (25°26’58.8”S, 48°45’05.7”W; registro inferido), o oeste em meandros do rio Nhundiaquara (25°29’07.6”S, 48°49’23.9”W; registro infe- rido), o sul em pequeno afluente da margem direita do rio do Neves (25°30’13.1”S, 48°45’50.8”W) e o leste em um afluente da margem esquerda do rio Nhundiaquara (25°28’23.1”S, 48°43’23.4”W; registro inferido). O local que congrega a maior área contínua de ambientes de ocorrência da espécie na região situa-se na confluência do rio do Neves no Nhundia- quara (c. 25°28’57.0”S, 48°44’13.4”W). Totalizou-se 548 ha Distribuição, tamanho populacional, hábitat e conservação do bicudinho-do-brejo Stymphalornis acutirostris Bornschein, Reinert e Teixeira, 1995 (Thamnophilidae) 503 FigurA 6. Mapa esquemático da distribuição geográfica do bicudinho-do-brejo (Stymphalornis acutirostris), com a localização das oito populações da espécie, das quais a mais ao norte situa-se na região da baía de Antonina, Paraná, e a mais ao sul na região do rio Itapocu, Santa Catarina (escala original 1:250.000). Em rosa têm-se áreas onde se efetuou registros da espécie e em verde áreas sem registros, mas onde a ocorrência é provável devido a existência de ambiente adequado contínuo com ou próximo de locais onde a espécie foi registrada. Figure 6. Schematic map of the Marsh Antwren’s (Stymphalornis acutirostris) geographic distribution, illustrating the localization of the eight populations of the species, the northernmost which occurs in the Antonina Bay region, state of Paraná, and the southernmost in the Itapocu river region, state of Santa Catarina (original scale 1:250.000). Areas with records of the species are represented in pink, whereas areas without records but where its occurrence is presumable owing to the existence of continuous adequate habitats with or near sites were the species was recorded is depicted in green. 504 Bianca Luiza Reinert, Marcos Ricardo Bornschein e Carlos Firkowski de ambientes de ocorrência da espécie nessa população, sendo 222 ha de brejo de maré, 208 ha de guanandizal com herbáceas, 94 ha de manguezal com herbáceas, 14 ha de brejo secundário e 9 ha de brejo de meandro (tabela 2). A população está per- dendo área principalmente de brejos de maré e de meandro por conseqüência da invasão de capins africanos (vide “Impac- tos” abaixo). Acredita-se que o limite oeste, inferido a partir da situação ambiental de 1980 (vide “Distribuição” abaixo), atualmente deva ser algo mais à leste. Planícies florestadas limitam a distribuição geográfica da população a oeste e sudoeste, enquanto que a norte áreas flores- tadas com altitude mínima de cerca de 20 m são o limite (vide acima). Na planície a sul e sudeste existem rios com ambientes propícios até próximo da cidade de Paranaguá (figura 6), mas nos quais não se registrou a espécie. Não se descarta a possi- bilidade de que ela ocorra em alguns desses rios e tenha sido subestimada em campo. População do rio Guaraguaçu. Distribui-se ao longo de grande parte do rio Guaraguaçu e em alguns de seus afluentes, como o rio Vermelho (municípios de Paranaguá, Pontal do Paraná e Matinhos, Paraná; figura 7). Os limites norte e leste situam- se no sul da ilha Guaraguaçu (25°35’13.8”S, 48°27’52.9”W; registro inferido), o sul no rio Indaial ou Sertão Grande (25°46’32.3”S, 48°33’24.0”W; registro inferido) e o oeste no rio do Meio (25°45’55.0”S, 48°34’10.0”W; registro inferido). Totalizou-se 131 ha de ambientes de ocorrência da espécie na região dessa população, sendo 55 ha de manguezal com herbáceas, 38 ha de brejo de capim-serra, 29 ha de brejo de maré, 8 ha de caxetal com herbáceas e menos de 1 ha de brejo secundário (tabela 2). Não há um local que congregue expres- siva área contínua desses ambientes na população. A popula- ção está perdendo área de brejos de maré por conseqüência da invasão de capins africanos (vide “Impactos” abaixo). A distribuição geográfica da espécie é limitada a sul por montanhas que atingem a linha da costa na parte externa da baía de Guaratuba. Acredita-se que a leste a distribuição geo- gráfica da espécie foi retraída por ações de origem antrópica (vide “Impactos” abaixo). Originalmente, é possível que a presente população fosse contínua com a do balneário Flórida (vide adiante). Na planície costeira a oeste e noroeste do limite oeste mencionado existem rios com ambientes propícios até próximo da cidade de Paranaguá (figura 6), mas nos quais não se registrou a espécie (vide acima e “Distribuição” abaixo). Não se descarta a possibilidade de que ela ocorra em alguns desses rios e tenha sido subestimada em campo. População do balneário Flórida. Essa é a menor (6 ha; tabela 2) e mais ameaçada população de S. acutirostris. Pra- ticamente cercada por loteamentos, ocupa uma pequena faixa de brejo intercordão no balneário Flórida (c. 25°46’39.0”S, 48°31’06.9”W; município de Matinhos, Paraná; figura 6), com 1.080 m de comprimento por até 100 m de largura. é a única das populações da espécie onde há brejo intercordão. Acredita-se que essa população fosse contínua com a do rio Guaraguaçu (vide acima), mas retraída por aterros e outros impactos de origem antrópica (vide “Impactos” abaixo). O brejo intercordão do balneário Ipacaray (localidade-tipo da espécie), outrora contínuo com o do balneário Flórida, não foi incluído na presente população, pois a espécie está extinta no local. População da baía de Guaratuba. Maior e mais importante das populações da espécie, ocorre ao longo da baía de Guaratuba e prolonga-se nos terços médios e inferiores de rios que nela confluem (municípios de Guaratuba, Paraná, e Garuva, Santa Catarina), por exemplo, no rio Preto, Cubatãozinho, Cubatão, São João, Descoberto e Boguaçu (figura 6). O limite norte situa-se em meandros abandonados do rio Cubatãozinho, na Fazenda Estrela (25°43’32.9”S, 42°44’22.0”W), o sul em uma mancha de caxetal com herbáceas próxima da margem direita do rio São João (25°59’48.5”S, 42°49’34.2”W; registro infe- rido), o oeste próximo desse ponto em meandros do mesmo rio, em sua margem esquerda (25°59’43.1”S, 42°50’23.9”W; registro inferido), e o leste na ilha do Veiga (25°49’45.0”S, 42°35’23.6”W). Totalizou-se 2.840 ha de ambientes de ocor- rência da espécie nessa população, sendo 848 ha de mangue- zal com herbáceas, 794 ha de caxetal com herbáceas, 667 ha de brejo de maré, 326 ha de guanandizal com herbáceas, FigurA 7. Planície de maré no rio Nhundiaquara, próximo da confluência com o rio do Neves (A), com guanandizal com herbáceas (B), manguezal com herbáceas (C) e brejo de maré (D), cujas bordas escuras referem-se a locais onde o piri (Scirpus californicus) é alto e dominante (E). A letra “F” indica floresta. Na ilha (do Pirizal, “G”) não há ocorrência do bicudinho-do-brejo (Stymphalornis acutirostris), possivelmente por ele não ter podido colonizá- la (27 m é a menor distância que a separa da margem do Nhundiaquara) (divisa dos municípios de Antonina e Morretes, Paraná). Foto: T. de Mesquita Fialho. Figure 7. Tidal flat in Nhundiaquara river, near of the river of Neves confluence (A), with “guanandizal” with herbaceous plants (B), mangrove with herbaceous plants (C) and tidal marsh (D), whose dark borders are related to places where the bulrush (Scirpus californicus) is high and dominant (E). “F” indicates forest. In the island (Pirizal island, “G”) Marsh Antwren (Stymphalornis acutirostris) do not occur, maybe by it incapacity to colonize them (27 m is the minor distance between the island and Nhundiaquara river margin) (boundary of the Antonina and Morretes municipalities, Paraná state). Photo: T. de Mesquita Fialho. Distribuição, tamanho populacional, hábitat e conservação do bicudinho-do-brejo Stymphalornis acutirostris Bornschein, Reinert e Teixeira, 1995 (Thamnophilidae) 505 123 ha de brejo de capim-serra, 66 ha de brejo de meandro, 8 ha de ariticunzal com herbáceas e 5 ha de brejo secundá- rio (tabela 2). Os locais com mais área contínua de ambientes de ocorrência da espécie situam-se nas ilhas do Chapeuzinho e Ricardo (c. 25°51’13.2”S, 42°43’12.2”W) e na lagoa do Parado (25°44’59.3”S, 42°49’1.4”W). Esse local é uma grande planície de inundação vegetada por brejo de maré, caxetal com herbáceas e ariticunzal com herbáceas com cerca de 600 ha. Devido ao isolamento natural, sofreu poucos impactos, sendo uma das áreas mais preservadas com ocorrência de S. acuti- rostris. Principalmente por isso e mais pela área consideravel- mente vasta, considera-se o local de maior importância para a conservação da espécie. Áreas florestadas em serras limitam a distribuição geográ- fica da população em todo o setor setentrional e oeste, enquanto que áreas florestadas em planície a limitam no setor meridio- nal. Nesse setor existem ambientes propícios para a espécie no rio Saí-guaçu, que se situa próximo das populações da baía de Guaratuba e de Itapoá e onde não há registros da espécie. A sua ausência nesse rio se acredita ser inexplicável com base no relevo e cobertura vegetal atual (vide “Distribuição” abaixo). A área de ocupação de S. acutirostris na presente popula- ção pode estar se ampliando para o sul, em conseqüência da formação de brejo secundário ao longo de estradas e rodovias (e.g. PR 412; vide “Brejo secundário” acima). Com o passar do tempo pode acontecer da espécie atingir o rio Saí-guaçu, onde não havia registros dela pelo menos até 1998. População de Itapoá. Consiste de duas pequenas áreas de formações pioneiras, que totalizam menos de 50 ha. A maior delas localiza-se no rio Braço do Norte (26°05’36.3”S, 48°38’56.4”W), Reserva Particular do Patrimônio Natural Fazenda Palmital (também denominada como Reserva Volta Velha), e a menor na sede da adjacente Fazenda Palmital (26°05’02.6”S, 48°38’34.9”W) (município de Itapoá, Santa Catarina; figura 6). A menor área caracteriza-se por uma man- cha de brejo secundário onde, inclusive, outros pesquisadores reportaram a ocorrência da espécie (Naka et al. 2000, como “Volta Velha, Itapoá”; vide “Ambientes e sucessão vegeta- cional” abaixo). No rio Braço do Norte a espécie foi regis- trada em um ambiente algo distinto dos demais anteriormente descritos. Caracteriza-se por arbustivas (c. 2-2,5 m de altura), algumas arbóreas e umas poucas aglomerações de herbáceas típicas de brejos. Provavelmente esse ambiente se tratava de uma floresta (Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas) que sofreu sucessão regressiva talvez pela queda de árvores, vindo a assemelhar-se ao guanandizal com herbáceas (vide “Ambientes e sucessão vegetacional” abaixo). O isolamento desta população ocorre pela falta de ambien- tes propícios para a espécie no entorno, predominantemente vegetado por floresta (Floresta Ombrófila Densa das Ter- ras Baixas). Acredita-se que essa população seja relictual e que esteja naturalmente em vias de extinção pela sucessão dos ambientes de ocorrência da espécie para floresta (vide “Ambientes e sucessão vegetacional” abaixo). População da baía da Babitonga. Distribui-se ao longo da baía da Babitonga, Santa Catarina, abrangendo diversos municípios, a saber: Garuva, Joinville, Araquari e balneário Barra do Sul (figura 6). O limite norte situa-se no rio Pal- mital (26°02’36.1”S, 48°48’37.7”W; município de Garuva; registro inferido), o leste próximo da foz do rio Perequê (26°27’25.2”S, 48°36’50.9”W; município de balneário Barra do Sul; registro inferido), o sul mais a montante do mesmo rio Perequê (26°28’04.6”S, 48°38’41.2”W; município de balneá- rio Barra do Sul; registro inferido) e o oeste no rio Cavalinho (26°06’29.0”S, 48°50’06.9”W; município de Garuva; regis- tro inferido). Dos ambientes de ocorrência da espécie, tem-se brejo de maré, brejo de capim-serra, manguezal com herbáceas e guanandizal com herbáceas. O local com mais área contínua de ambientes de ocorrência da espécie situa-se no interior da baía da Babitonga (rio Palmital e afluentes, c. 26°04’09.4”S, 48°48’58.9”W). A população está perdendo área por conse- qüência da invasão de capins africanos, aterro e retificação de rios (vide “Impactos” abaixo), mas os limites geográficos estabelecidos para a população não devem ter se alterado, à exceção do limite leste, que atualmente acredita-se estar situ- ado um pouco mais a oeste. Áreas florestadas em planície limi- tam a distribuição geográfica da população. População do rio Itapocu. Distribui-se ao longo de parte dos rios Itapocu e Piraí e no rio Poço Grande (municípios de Join- ville, Guaramirim, Araquari, São João do Itaperiú e Barra Velha, Santa Catarina; figura 6). O limite norte situa-se em um meandro do rio Piraí (26°22’45.7”S, 48°52’43.9”W; municí- pio de Joinville; registro inferido), o sul na margem direita do rio Itapocu, quase na sua foz (26°36’00.4”S, 48°43’01.8”W; município de Barra Velha; registro inferido), o leste próximo desse ponto, igualmente na margem direita do rio Itapocu, junto à sua foz nas lagoas do Norte e do Sul (26°34’37.4”S, 48°40’47.8”W; município de Barra Velha; registro inferido) e o oeste em um meandro do rio Itapocu, próximo da con- fluência do rio Poço Grande (26°31’14.5”S, 48°53’58.6”W; município de Guaramirim; registro inferido). Dentre os ambientes de ocorrência da espécie, há naquela região brejo de maré e, principalmente, brejo de meandro. Está ocorrendo forte subtração de área dessa população por conseqüência da invasão de capins africanos, aterro e drenagens (vide “Impac- tos” abaixo), podendo a distribuição geográfica atual da espé- cie, nessa população, estar muito retraída. Foram efetuados somente dois pontos de registro de S. acutirostris nessa popu- lação, ambos em meandros abandonados na margem esquerda do rio Itapocu (município de Araquari), um próximo da BR 101 (26°35’48.0”S, 48°43’01.8”W) e outro próximo da lagoa Itaum (26°31’27.6”S, 48°46’19.8”W). Em maio de 2005, B.L.R. e M.R.B. retornaram a esses dois pontos e percorreram boa parte do trecho do rio Itapocu inserido na área de ocupação da presente população, mas não encontraram S. acutirostris (vide “Impactos” abaixo). Áreas florestadas em planície limitam a distribuição geo- gráfica da população, exceto no sul, onde se verifica locais 506 Bianca Luiza Reinert, Marcos Ricardo Bornschein e Carlos Firkowski com ambientes propícios para S. acutirostris ao menos até o município de Camboriú. A espécie pode ter sido extinta recen- temente dessa região, em função da forte degradação de ori- gem antrópica (vide “Distribuição” abaixo). Estimativa de áreas, território e população. No Paraná, esti- mou-se a área de ocupação de S. acutirostris em 4.856,67 ha (48 km²), dos quais 1.331,07 ha na população da baía de Anto- nina, 547,82 ha na do rio Nhundiaquara, 131,21 ha na do rio Guaraguaçu, 6,38 ha na do balneário Flórida e 2.840,19 ha na da baía de Guaratuba (tabela 2). Em Santa Catarina, estimou- se a área de ocupação da espécie em prováveis 1.200 ha, tota- lizando uma área de ocupação global de 6.056,67 ha (60 km²). A extensão de ocorrência da espécie, levantada unicamente para comparações na discussão, foi estimada em aproximada- mente 43.200 ha (430 km²) (vide “Distribuição” abaixo). A espécie não ocorre com a mesma abundância em todos os ambientes. A partir da análise do tempo de resposta ao play- back e do número de registros e não-registros em locais inse- ridos nos limites geográficos das populações de S. acutirostris no Paraná e Santa Catarina, reconheceram-se duas categorias de ambientes: uma onde a espécie é comum e outra onde é rara. Onde ela é comum, houve registro em 72,6% dos pontos de amostragem (n = 62) e o tempo de resposta ao playback foi de 5,2 min, em média (n = 45). Onde ela é rara, houve regis- tro em 47,1% dos pontos de amostragem (n = 51) e o tempo de resposta ao playback foi de 7,5 min, em média (n = 24). O número de indivíduos registrados em cada local normalmente foi dois. Os ambientes onde S. acutirostris é comum são o brejo de maré, brejo secundário, brejo de meandro e brejo intercordão; no manguezal com herbáceas, guanandizal com herbáceas, caxetal com herbáceas, ariticunzal com herbáceas e brejo de capim-serra a espécie é rara. Os brejos de meandro e intercordão foram considerados como sendo ambientes onde a espécie é comum por causa da semelhança fitofisionômica com certos brejos de maré, uma vez que foram poucos os locais desses ambientes avaliados quanto à ocorrência de S. acutiros- tris (vide “População do balneário Flórida” acima). O ariti- cunzal com herbáceas, igualmente pouco avaliado em campo, foi considerado como sendo um ambiente onde a espécie é rara por conter um estrato superior arbóreo, tal qual o manguezal, guanandizal e caxetal com herbáceas. No brejo de maré, representativo do grupo de ambientes onde a espécie é comum, detectaram-se casais ocupando terri- tórios de 0,25 ha (n = 6) (= 8 indivíduos maduros por hectare). No brejo de capim-serra, representativo do grupo de ambientes onde a espécie é rara, detectaram-se casais ocupando territó- rios de 3,2 ha (n = 3) (= 0,62 indivíduo maduro por hectare). Da área de ocupação de S. acutirostris no Paraná por tipo de ambiente (tabela 2), cerca de 1.447 ha são do grupo de ambien- tes onde ele é comum e 3.410 ha onde é raro. Dos cerca de 1.200 ha de ocorrência da espécie em Santa Catarina, cerca de 440 ha são do grupo de ambientes onde ela é comum e cerca de 760 ha onde é rara. Tomando-se as densidades obtidas e multiplicando cada qual pela área total do grupo de ambien- tes que representam, tem-se a extrapolação de quase 13.700 indivíduos da espécie no Paraná e quase 4.000 em Santa Cata- rina, resultando numa população global estimada em cerca de 17.700 indivíduos maduros. Por população no Paraná, tem-se a estimativa de 3.966 indivíduos na da baía de Antonina, 2.155 na do rio Nhundiaquara, 300 na do rio Guaraguaçu, 51 na do balneário Flórida e 7.217 na da baía de Guaratuba (tabela 3). Potencial de vôo. Várias vezes observaram-se S. acutirostris voando distâncias de até 10 m e raras vezes distâncias em torno de 15 m. Em uma ocasião, observou-se um indivíduo, excitado por playback, voar cerca de 25 m de um brejo a um arbusto sobre uma pastagem. Foram feitas tentativas para atrair indivíduos de um brejo a outro separado por estradas ou rios mediante playback, não sendo observado distâncias maiores do que 15 m cruzadas. Na ilha do Pirizal, no rio Nhundiaquara (divisa dos muni- cípios de Antonina e Morretes, Paraná), com 6,4 ha, vegetada por brejo de maré e distante 25 m da margem (menor distân- cia; figura 7), não ocorre S. acutirostris. Presente nas duas margens do rio, ele aparentemente não foi capaz de colonizar aquela ilha, que tem área suficiente para abrigar vários indiví- duos da espécie. Embora a distância entre ela e a margem seja tAbelA 3. Estimativa populacional do bicudinho-do-brejo (Stymphalornis acutirostris) nas cinco populações da espécie no Estado do Paraná (sul do Brasil). tAble 3. Population estimates of the Marsh Antwren (Stymphalornis acutirostris) in the five populations of the species in Paraná state (southern Brazil). População Grupo de ambientes onde a espécie é comum e rara Área (ha) Estimativa populacional1 Total1 Baía de Antonina comum 425,59 3.405 3.966 rara 905,48 561 Rio Nhundiaquara comum 245,99 1.968 2.155 rara 301,83 187 Rio Guaraguaçu comum 29,59 237 300 rara 101,62 63 Balneário Flórida comum 6,38 51 51 rara 0,0 — Baía de Guaratuba comum 739,22 5.914 7.217 rara 2.100,97 1.303 Total geral1 13.689 1 Número de indivíduos maduros. Distribuição, tamanho populacional, hábitat e conservação do bicudinho-do-brejo Stymphalornis acutirostris Bornschein, Reinert e Teixeira, 1995 (Thamnophilidae) 507 a mesma da maior distância que se mediu para um vôo contí- nuo da espécie, esse vôo foi feito sobre áreas vegetadas. Stym- phalornis acutirostris tem limitado potencial de vôo, ao menos se comparado com a maioria das espécies com quem coexiste (vide “Comunidade de aves” abaixo). Como conseqüência, sugere-se que tenha limitada capacidade de dispersão. Impactos. A invasão de vegetais exóticos é o mais comum e mais preocupante impacto registrado, incidindo em ambientes com ocorrência de S. acutirostris em todas as populações da espécie. é muito freqüente em brejo intercordão, de meandro e em brejo de maré localizado em região com menor influência do nível de água pelo regime das marés, sendo incomum em caxetal, guanandizal e manguezal com herbáceas. As exóticas invasoras registradas são Hedychium coronarium, originá- rio da Ásia, e os capins africanos Brachiaria mutica e Uro- chloa arrecta. Hedychium coronarium é mais agressivo em brejo intercordão e de meandro, U. arrecta é mais agressiva em brejo de meandro e B. mutica é mais agressiva em brejo intercordão. Urochloa arrecta e B. mutica espalham-se pelos brejos e tornam-se cada vez mais abundantes, a ponto de restringirem e, com o tempo, impedirem o desenvolvimento das plantas nativas, aparentemente pela falta de espaço e sombreamento provocado pelas inúmeras camadas acumuladas de estolões e folhas. Urochloa arrecta ainda avança sobre a água como um banco de vegetação parcialmente flutuante, que, às vezes, é arrancado pelas enchentes e levado para outras áreas ainda livres da sua presença. Na região de ocorrência de S. acuti- rostris, essa espécie nunca foi observada como abundante na parte inferior da zona entre marés, ou seja, em regiões com maior influência das marés, sugerindo que a maior salinidade seja um fator de restrição. No entanto, próximo da foz do rio Ribeira de Iguape, em São Paulo, observou-se um mangue- zal cujo solo estava completamente tomado por U. arrecta. Hedychium coronarium desenvolve-se diferentemente dos capins, com crescimento vertical. Assim, compacta menos a vegetação nativa, em um primeiro momento. No entanto, quando se torna abundante também limita o crescimento das nativas, mas aparentemente não de U. arrecta. Em situações extremas de invasão, H. coronarium forma densas massas monoespecíficas, situação na qual o solo fica completamente tomado por seus rizomas e raízes. Brejos muito invadidos por aquelas três exóticas (normal- mente em agrupamentos monoespecíficos) tornam-se inabitá- veis para S. acutirostris. As causas são o desaparecimento da estratificação para deslocamento e forrageio, desaparecimento de espécies fornecedoras de material nidular, desaparecimento de espécies que são usadas como suporte para a construção do ninho e o empobrecimento da riqueza de espécies vegetais nas quais S. acutirostris encontra seu alimento. Em meio às exóticas, S. acutirostris se desloca e, mesmo, obtém alimento, particularmente lagartas capturadas nas folhas de capins afri- canos, mas isso em situações onde essas plantas não são muito abundantes. Como a contaminação biológica pelas exóticas pode cul- minar na eliminação de S. acutirostris de brejos onde antes ele existia, considera-se esse impacto como supressor de área. A redução de áreas por contaminação biológica é o principal impacto sobre S. acutirostris. Perda de área por essa causa só não se registrou na população de Itapoá; na população do balneário Flórida, esse impacto é menos importante do que o aterro (vide adiante). Nas demais populações da espécie, esse impacto está retraindo a distribuição geográfica de S. acuti- rostris (vide “Distribuição” abaixo). Em particular nas popu- lações da baía de Antonina, do rio Nhundiaquara, da baía de Guaratuba e no trecho norte da população da baía da Babi- tonga, a distribuição geográfica da espécie está gradualmente restringindo-se aos locais onde há grande influência do regime das marés (vide “Conservação” na “Discussão”, abaixo). O capim-elefante (Pennisetum sp. cf. P. purpureum), outra espécie exótica africana, tem se tornado cada vez mais abun- dante em regiões quentes do Sudeste e sul do Brasil. De terre- nos secos, aparentemente está se adaptando a terrenos úmidos, havendo registros em brejos nos Estados de São Paulo e Santa Catarina (M.R.B. obs. pess.). é incomum no litoral do Paraná e abundante ao menos no litoral centro-norte de Santa Cata- rina. é uma invasora cuja dispersão sobre brejos na região de ocorrência de S. acutirostris necessita ser observada. Canais para a drenagem de brejos observaram-se na região de quase todas as populações de S. acutirostris, especialmente na da baía da Babitonga e do rio Itapocu, em Santa Catarina (vide Bornschein e Reinert 1997). Na região da população da baía de Guaratuba, Paraná, em uma planície de inundação na margem direita do rio Cubatãozinho (Fazenda Estrela), foi feita uma grande obra de drenagem a fim de secar a lagoa do Furta-maré e ambientes úmidos marginais, visando ampliar a área de pastagem para búfalos, cujos efeitos não puderam ser avaliados pelos autores. Canais de drenagem provocam esco- amento de água, podendo eliminar a água superficial e, por conseqüência, alterar profundamente a comunidade biótica. Normalmente, drenam-se áreas úmidas para formar pastagem ou preparar o terreno para aterro. Inúmeros brejos intercordões na faixa costeira entre Pontal do Sul e Matinhos, sem ocor- rência de S. acutirostris, foram drenados e, quando secaram, foram aterrados. Dois, não aterrados, foram queimados. De um deles, a vegetação tombou antes da queima, provavelmente pela perda de sustentação dada pelos aerênquimas nas porções submersas das plantas (vide Modesto e Siqueira 1981). Outro foi incendiado, tendo queimado em algumas horas as folhas e caules e, durante três dias, as raízes e rizomas da vegetação. Um ano depois, espécies de rápido crescimento de ambos os brejos já estavam crescidas, mas não se formou mais coluna d’água superficial (ao menos até 11 anos depois). Aterro é o mais grave impacto de subtração de brejo intercor- dão (vide Bornschein et al. 1995, Bornschein e Reinert 1997). Na região de ocorrência de S. acutirostris, esse ambiente existe quase que exclusivamente ao longo da faixa costeira de 35 km entre Pontal do Sul e Matinhos, Paraná. Embora a ocorrência de S. acutirostris nessa região limite-se a somente um ponto 508 Bianca Luiza Reinert, Marcos Ricardo Bornschein e Carlos Firkowski (= população do balneário Flórida; vide acima), é provável que no passado fosse contínua. Naqueles 35 km de costa, em 1953, brejo intercordão ocorria ao longo de 33,5 km ocupando 274,74 ha distribuídos em 32 manchas de ambiente, com 0,19 a 80,73 ha (média de 8,59 ha), das quais a maior tinha 13,5 km de comprimento (estimativa de área por M.R.B. e B.L.R. a partir de mapeamento de R. J. Angulo, na escala aproximada de 1:31.000, efetuado com base em fotografias aéreas de 1953, provavelmente na escala 1:25.000). Naquela época, a subtra- ção de área era inexistente ou insignificante, de modo que os quase 300 ha estimados podem ser considerados o que exis- tia originalmente do ambiente na região (R. J. Angulo com. pess., 1997). Em 1980, brejo intercordão, na região, ocorria ao longo de 29,5 km de costa ocupando 127,83 ha distribuídos em 81 manchas de ambiente, com 0,026 a 17,09 ha (média de 1,58 ha), das quais a maior tinha 3,3 km de comprimento. A subtração de área, no período, foi de 51,9% (não se con- tabilizou 14,03 ha de brejo intercordão do “mapeamento” de 1953, pois no de 1980 eles foram considerados como outro ambiente; não se contabilizou 2,47 ha de brejo intercordão do “mapeamento” de 1980, pois eles não foram identificados no de 1953). Um estudo inédito de M.R.B. e B.L.R., com inter- pretação da cobertura vegetal em fotografias aéreas de 1995, permitiu evidenciar que a subtração de brejo intercordão na região continuou muito acentuada, tendo-se perdido mais de 50% do que existia em 1980. A significativa subtração, redu- ção e fragmentação de brejo intercordão ocorreram por con- seqüência de aterros para a especulação imobiliária. Aterros também vêm alterando manguezais com herbáceas na baía da Babitonga, Santa Catarina (e.g. nas proximidades da marina das Garças; população da baía da Babitonga). Na faixa costeira de 35 km entre Pontal do Sul e Mati- nhos, Paraná, brejos intercordões são queimados regular- mente, especialmente no inverno (vide Bornschein et al. 1995, 1998, Bornschein e Reinert 1997). Acredita-se que esse impacto, associado com a subtração e fragmentação de brejos por aterros (vide acima), limitaram a distribuição geo- gráfica de S. acutirostris, naquela região, à população do bal- neário Flórida. Na localidade tipo de S. acutirostris, outrora com brejo intercordão contínuo com o do balneário Flórida, e onde a espécie extinguiu-se, incêndios queimaram parte do brejo algumas vezes entre 1995 e 1997, pelo menos. Quei- madas ainda ocorrem em brejo de capim-serra e manguezal com herbáceas na região da população da baía da Babitonga, Santa Catarina. O fogo tem sido usado para “limpar” locais de “cobras e ratos” e, em Santa Catarina, também para expor animais alvo de caça (e.g. capivara Hydrochaeris hydrocha- eris). Provoca a eliminação temporária da vegetação herbá- cea e arbustiva, ocasião em que se reduz ou mesmo elimina, conforme o caso, território(s) de S. acutirostris. Herbáceas de rápido crescimento, como Typha domingensis, crescem nova- mente em uma área onde foram queimadas em poucos meses. No entanto, ao menos em brejo intercordão, pode demorar três anos para que a vegetação se torne tão densa quanto antes, ou próximo disso. Pastoreio registrou-se em caxetal com herbáceas e em todos os tipos de brejo de ocorrência de S. acutirostris ao longo de quase toda a sua distribuição geográfica. é impacto grave na população da baía da Babitonga e muito grave na do rio Itapocu, onde brejos de meandro têm sido parcial ou totalmente descaracterizados por bovinos e, em menor escala, eqüinos. Búfalos têm impactado brejos de maré e caxetais com herbáceas localmente na população da baía de Guaratuba. Até pelo menos 2003, S. acutirostris ocorria em um brejo na mar- gem esquerda do rio Itapocu, próximo da sua foz e da BR 101 (26°35’48.0”S, 48°43’01.8”W; município de Araquari). Em 2005, o brejo estava todo alterado por gado bovino e S. acuti- rostris não se achava presente. Salienta-se que esse local era um entre dois únicos com registro da espécie na população do rio Itapocu. O pisoteio e pastoreio causado pela pecuária reduzem a riqueza de plantas herbáceas e arbustivas, favorece a instalação de plantas ruderais resistentes, em detrimento de outras, e, principalmente, reduz a cobertura e densidade da vegetação, diminuindo e até eliminando a capacidade do ambiente em suportar S. acutirostris. Áreas pastoreadas ainda tendem a ser contaminadas por capins exóticos, particular- mente Urochloa arrecta. Em 16 de fevereiro de 2001, 52 mil litros de óleo vaza- ram de um duto na serra do Mar, escoaram por um rio e, por decorrência da variação das marés, espalharam-se por quase toda a área de ocupação de S. acutirostris na população do rio Nhundiaquara. O óleo aderiu no solo e na vegetação. Dias após, a vegetação afetada ficou “queimada” e, posterior- mente, as herbáceas e alguns arbustos e árvores de pequeno porte secaram e morreram (informação obtida localmente por B.L.R. e M.R.B.). Quase 100 dias após, a vegetação herbácea já tinha crescido novamente (B.L.R. e M.R.B., obs. pess.). Em 12 de junho de 2001, 15 mil litros de óleo diesel vazaram em Corupá, Santa Catarina. O óleo atingiu o rio Itapocu e foi por ele conduzido até a região de ocorrência de uma das popula- ções da espécie. Por intermédio de rios e/ou regime das marés, vazamento de derivados de petróleo, bem como de outros pro- dutos químicos, pode atingir parte de sete das oito populações de S. acutirostris (exclui-se a menor delas). Extração de vegetais nativos foi verificada em pequena escala em alguns pontos em brejo de maré nas populações da baía de Antonina e da Babitonga. Limita-se à coleta de Scirpus californicus e Typha domingensis para a confecção de estei- ras. Na região da população da baía de Guaratuba, segundo informações de moradores locais, houve intensa exploração de S. californicus há 20 anos. A construção de atracadouros e a operação de extração de areia causam a descaracterização pontual de brejos de maré e de meandro em todas as populações de ocorrência de S. acutirostris, exceto na do balneário Flórida e de Itapoá. Na região da população da baía da Babitonga, esses impactos são freqüentes. Como conseqüência, tem-se a subtração de áreas de brejo e descaracterização de outras, nas quais a invasão de capins exóticos torna-se comum. No rio São João (população da baía de Guaratuba), dragas retiram areia adjacente ao brejo Distribuição, tamanho populacional, hábitat e conservação do bicudinho-do-brejo Stymphalornis acutirostris Bornschein, Reinert e Teixeira, 1995 (Thamnophilidae) 509 de maré, o que pode provocar o desmoronamento de trechos da margem do rio e de ilhas, suprimindo áreas com ambiente de S. acutirostris. Acúmulo de lixo, como material plástico (garrafas, potes, etc.) e utensílios domésticos (móveis, bicicletas, refrigerado- res, etc.), foi observado em todas as populações de S. acutiros- tris, exceto na de Itapoá. é freqüente em todos os tipos de bre- jos de ocorrência da espécie quando próximos de habitações e incomum em áreas de brejo de maré no interior das baías, onde o lixo é levado pela maré. O acúmulo de lixo por vezes elimina a vegetação herbácea localmente. Rajadas de vento tombam grandes extensões de brejo de maré, ao menos na população de S. acutirostris da baía de Guaratuba e da Babitonga. Moradores do município de Gua- ratuba informaram que isso ocorre anualmente nessa região, podendo intensificar-se em certos anos por conseqüência de períodos de estiagem durante o inverno. Comentam que a redução do volume de água doce dos rios do interior da baía de Guaratuba ocasiona o aumento da salinidade da água, cau- sando a morte de algumas espécies de plantas, especialmente Scirpus californicus, o que facilita o tombamento da vegetação pela ação do vento. Conservação. Pelos critérios da UICN (in BirdLife Interna- tional 2000), S. acutirostris enquadra-se como ameaçado de extinção na categoria “em perigo” (= Endangered), tal como foi alocado em outras publicações (vide “Conservação” na “Discussão”, abaixo). Das áreas com ocorrência de S. acutirostris, aquelas situ- adas na parte inferior da zona entre marés, ou seja, em regi- ões com maior influência das marés (= “planície de maré”; vide adiante), estão entre as mais importantes para a conser- vação da espécie. Isso porque é nelas onde se formam novos brejos, ao menos com uma velocidade que permitiu cons- tatar isso em 10 anos de observações, porque estão menos pressionadas pela especulação imobiliária e porque estão pouco contaminadas por vegetais exóticos. Além do mais, outras aves ameaçadas de extinção no Paraná (Straube et al. 2004) ocorrem, como espécies residentes, somente nessa região (bate-bico Phleocryptes melanops e papa-piri Tachu- ris rubrigastra; M.R.B. e B.L.R., inf. pess.). Planícies de maré com presença de S. acutirostris ocorrem no interior das baías de Antonina (c. 25°21’29.9”S, 48°43’46.0”W), de Guaratuba (c. 25°51’13.2”S, 42°43’12.2”W) e da Babitonga (c. 26°04’09.4”S, 48°48’58.9”W) e na confluência dos rios do Neves e Nhundiaquara (população do rio Nhundiaquara; c. 25°28’57.0”S, 48°44’13.4”W). Pelo tamanho e estado de conservação, uma outra área destaca-se como importante para a conservação da espécie, a lagoa do Parado (25°44’59.3”S, 42°49’1.4”W) (vide “População da baía de Guaratuba” acima). Stymphalornis acutirostris ocorre em três unidades de con- servação de proteção integral: Parque Estadual do Boguaçu, Estação Ecológica do Guaraguaçu e Reserva Particular do Patrimônio Natural Fazenda Palmital. A primeira engloba apenas uma ínfima parte da população da baía de Guaratuba. A Estação Ecológica do Guaraguaçu engloba a melhor área da população do rio Guaraguaçu, mas essa população é pequena (tabela 2) e muitas manchas de brejo de maré da unidade de conservação estão bastante invadidas por capins exóticos. A Reserva Particular do Patrimônio Natural Fazenda Palmital engloba a maior parte da população de Itapoá, mas ela é bem pequena e aparentemente acha-se em processo natural de extin- ção (vide “População de Itapoá” acima). A Reserva Natural do Cachoeira, de propriedade da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), engloba uma pequena parte da população da baía de Antonina. Essa área deverá ser titulada como Reserva Particular do Patrimônio Natural e talvez também seja ampliada, podendo vir a englo- bar área ainda maior com ocorrência da espécie. A lagoa do Parado é limítrofe ao recém criado Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange, que engloba florestas acima de 20 m s.n.m. e campo de altitude. A lei de criação desse par- que prevê a sua redelimitação, o que motivou inúmeros esfor- ços para que fosse ampliado até o nível do mar, englobando a lagoa do Parado, mas que resultaram infrutíferos até o presente (e.g. Siedlecki et al. 2003). Como ações e estudos objetivando a proteção da espécie, mesmo que indiretos, sugerem-se os que seguem. 1) Criar pelo menos uma unidade de conservação de proteção integral que inclua parcela significativa de uma população da espécie em área importante para a sua conservação (vide acima). Em ordem de importância, essas áreas são a lagoa do Parado e as planícies de maré da baía de Guaratuba, baía da Babitonga, baía de Antonina e confluência dos rios do Neves e Nhundiaquara. 2) Implantar programa contínuo e ininterrupto de controle de vegetais exóticos invasores de brejos na região de ocor- rência de S. acutirostris. Sugere-se que inicie na baía de Guaratuba, pois é onde existe a maior população da espécie e onde se localizam as duas áreas mais importantes para a sua conservação. 3) Intensificar a fiscalização para evitar a subtração, drena- gem e uso (e.g. para pastoreio) de áreas de preservação permanente na região de ocorrência de S. acutirostris. 4) Atualizar a quantificação da área de ocupação da espécie, utilizando-se de fotografias aéreas ou imagens de satélite atuais. Prioritariamente, deve-se rever a área de ocupação em Santa Catarina. O estudo deve ser detalhado o suficiente para s