unespciência Cem anos da Teoria da Relatividade Geral A impoRTânCiA dA inTeRnACionAlizAção dAs univeRsidAdes pRoposTA em 1915, mudou A mAneiRA de enTendeR o espAço, o Tempo, A luz e o univeRso livRo Reúne TexTos e depoimenTos sobRe A diTAduRA Civil-miliTAR abril de 2015 ∞ ano 6 ∞ número 62 EM COSTAS NEGRAS Uma história do tráfico negreiro de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX) Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa de 1993, a obra traz à luz dados e formulações até hoje negligenciados por clássicos da historiografia brasileira. Por meio de uma leitura cuidadosa de documentos - listagens dos navios negreiros, inventários post-mortem e registros imobiliários - e de uma aplicada metodologia estatística, o historiador vincula, de modo definitivo, o comércio de almas à demanda crescente de mão-de-obra da economia fluminense. R$ 74,00 14x21 307 páginas Manolo Florentino Produzir conteúdo, Compartilhar conhecimento. Editora Unesp, desde 1987 www.editoraunesp.com.br C M Y CM MY CY CMY K UNESPCIÊNCIA 3 Editorial Da memória histórica ao livro digital E sta edição da revista unespciência conecta o pas- sado ao futuro ao longo de suas páginas. Começa com uma homenagem ao professor Fausto Castilho (1929- -2015), um intelectual que, entre outras ações, esteve profundamente ligado à célebre visita do filósofo francês Jean-Paul Sartre a Araraquara, em 1960. Em seguida, dentro do espírito da entrega à presidente Dilma Rousseff do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, conta o lançamento pela Universidade de li- vro com textos e depoimentos sobre os anos da ditadura civil-militar (1964-1985) na Unesp. Mas a Universidade, ao olhar para o seu passado, er- gue o futuro. Prova disso são os artigos sobre a interna- cionalização de instituições de ensino superior do Brasil e sobre a mulher na pesquisa. Reportagens tratam ainda da intoxicação por carne de baiacu, dos Cem Anos da Relatividade Geral e do massacre no México de 43 estu- dantes normalistas. Passa-se em seguida a textos sobre Arte e Cultura, co- mo os projetos premiados de jovens designers da Unesp, concurso que envolve os elos entre comunicação e criati- vidade, e a um dossiê em que pesquisadores de diversas áreas do conhecimento analisam filmes que concorreram ao Oscar. Ainda no campo da busca por novas fronteiras de co- nhecimento, é possível encontrar textos sobre histórias do Atlântico português, hibridismo em arte, elos entre arte e Arteterapia e uma imagem do Câmpus da Unesp em Jaboticabal. Para encerrar, um novo começo, com um texto que ressalta a importância da acessibilidade digital gratuita, destacando o programa Scielo Livros, que obteve, desde 2012, 32 milhões de downloads de 570 títulos, sendo mais de 8 milhões referentes apenas a edições da Editora Unesp. É olhando para esses números que convidamos o leitor a interpretar o passado como um degrau para um futuro melhor. Governador Geraldo Alckmin Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação Márcio França UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Reitor Julio Cezar Durigan Vice-reitora Marilza Vieira Cunha Rudge Pró-reitor de Administração Carlos Antonio Gamero Pró-reitor de Pós-Graduação Eduardo Kokubun Pró-reitor de Graduação Laurence Duarte Colvara Pró-reitora de Extensão Universitária Mariângela Spotti Lopes Fujita Pró-reitora de Pesquisa Maria José Soares Mendes Giannini Secretária-geral Maria Dalva Silva Pagotto Chefe de Gabinete Roberval Daiton Vieira Assessor-chefe da Assessoria de Comunicação e Imprensa Oscar D’Ambrosio Presidente do Conselho Curador Mário Sérgio Vasconcelos Diretor-presidente José Castilho Marques Neto Editor-executivo Jézio Hernani Bomfim Gutierre Superintendente administrativo e financeiro William de Souza Agostinho Diretor de redação Oscar D’Ambrosio Arte Hankô Design (Ricardo Miura) Assistente de arte Andréa Cardoso Colaboradores Daniel Patire e Ricardo Aguiar (reportagem); Jezio Hernani Bomfim Gutierre, José Celso Freire Junior, Leonardo Fioresi de Oliveira, Marco Aurélio Nogueira, Maria José Soares Giannini, Maria Tercília Vilela de Azeredo Oliveira, Mauro Galetti, Paula Vermeersh, Ricardo Monteagudo, Rodrigo Czajka, Roseane Andrelo, Sandra Flores Gutiérrez, Silvia Maria Giuliatti Winter e Valdemir Pires (artigos); Daniel Patire, Fabiana Manfrim e Vivian Iaki (foto) Revisão Maria Luiza Simões Projeto gráfico Hankô Design (Ricardo Miura) Produção Mara Regina Marcato Apoio de internet Marcelo Carneiro da Silva Apoio administrativo Thiago Henrique Lúcio Endereço Rua Quirino de Andrade, 215, 4o andar, CEP 01049-010, São Paulo, SP. Tel. (11) 5627-0327. www.unespciencia.com.br; revistaunespciencia@reitoria.unesp.br Impressão Coan Gráfica Tiragem 6 mil exemplares É autorizada a reprodução total ou parcial de textos e imagens desde que citada a fonte. Sumário UNESPCIÊNCIA4 43 DOSSIÊ MÉXICO Ayotzinapa ¡Por un México que tiene que despertar! – SANDRA FLORES GUTIÉRREZ Comentário sobre o massacre do México – RICARDO MONTEAGUDO O carnaval mexicano de Jessica Lange – OSCAR D’AMBROSIO 48 FOTO DO MÊS Unesp de Jaboticabal, por LEONARDO FIORESI DE OLIVEIRA LEITURA Histórias do Atlântico português, de John Russell-Wood 22 FÍSICA Cem anos da Relatividade Geral, por RICARDO AGUIAR HOMENAGEM Fausto Castilho (1929-2015), dínamo institucional MARCO AURÉLIO NOGUEIRA 6 28 MEMÓRIA Livro sobre a ditadura civil- -militar, por DANIEL PATIRE Apenas o começo – PAULA VERMEERSCH 10 UNESPCIÊNCIA 5 RELAÇÕES PÚBLICAS Comunicação e criatividade – ROSEANE ANDRELO SAÚDE Intoxicação por carne de baiacu possui alta taxa de mortalidade 20 DOSSIÊ CINEMA Vítima da preconceituosa sociedade inglesa da época – SILVIA MARIA GIULATTI WINTER Sobre gênios, guerras, ciência e conflitos pessoais – VALDEMIR PIRES Stephen Hawking: meu ilustre vizinho – MAURO GALETTI Boyhood: pequenas e fragmentadas histórias de uma geração – RODRIGO CZAJKA 38 36 44 PESQUISA Hibridismo: aplicação em arte 50 OPINIÃO O livro digital e a pesquisa científica – JEZIO GUTIERRE 46 ARTE E CULTURA ANA ALICE FRANCISQUETTI Paixão e perseverança, por OSCAR D’AMBROSIO 14 INTERNACIONALIZAÇÃO DE INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR NO BRASIL JOSÉ CELSO FREIRE JUNIOR 22 17 GÊNERO Personalidades fortes e muita paixão – MARIA JOSÉ SOARES MENDES GIANNINI Combate à violência contra a mulher – MARIA TERCÍLIA VILELA DE AZEVEDO OLIVEIRA 32 DESIGN Mostra Jovens Designers Homenagem A ntes de tudo, foi um pensador, um mo- delador de ideias, um frequentador das grandes correntes do pensamento contempo- râneo, em particular de Martin Heidegger, que muitos consideram o principal filósofo do século XX. Fausto se encarregou da primeira edição bilingue (alemão-português) de Ser e Tempo [Sein und Zeit] (Unicamp e Vozes), magnum opus de Heidegger, à qual se dedicou durante três décadas, minuciosamente. Seu espírito inquieto e provocador revelou- -se de forma plena no episódio de que nasceu a Conferência de Araraquara, de Jean-Paul Sar- tre, publicada no Brasil pela Editora Unesp/ Paz e Terra. Sartre era o filósofo da hora em 1960. Veio ao Brasil, onde ficou por quase três meses. Em Recife, recebeu uma carta de Fausto Castilho com uma pergunta filosófica sobre as relações entre o existencialismo e o marxismo, tema as- sociado ao livro Crítica da Razão Dialética, que acabara de ser publicado em Paris. A pergunta O filósOfO fAustO CAstilHO, fAleCidO nA primeirA semAnA de fevereirO, em CAmpinAs (sp), fOi um persOnAgem ímpAr dA HistóriA dA universidAde brAsileirA. Fausto Castilho (1929-2015), dínamo institucional mArCO AuréliO nOgueirA © s tA ep e - se çã o t éc n ic a d e A p o io a o e n si n o , p es q u is a e ex te n sã o /f C l/ A ra ra q u ar a Teatro Municipal de Araraquara, 4/9/1960: Fausto Castilho, Jean- -Paul Sartre, Jorge Amado, Simone de Beauvoir, Paulo Guimarães da Fonseca e Luiz Benedito Orlandi (Da esq. para dir.) Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp. Artigo publicado originalmente em http://goo.gl/3Fvw6W UneSPCiênCiA6 Homenagem foi refeita por telefone, com Sartre já no Rio de Janeiro, e depois pessoalmente, em São Paulo. Fausto gostava de contar a história. “Sartre me disse que a pergunta era complexa demais e que só poderia respondê-la pessoalmente, numa conferência. Convidei-o, então, a ir para Araraquara”, em cuja Faculdade de Filosofia (hoje incorporada à Unesp) Fausto era profes- sor. “Sartre fez questão de responder à minha pergunta pessoalmente em uma conferência, que ele preparou na biblioteca de meu apar- tamento.” Em 4 de novembro de 1960, Sartre foi a Araraquara. E proferiu na Faculdade a pro- metida conferência, assistida, entre outros, por Fernando Henrique Cardoso, Ruth Cardoso e Antonio Candido. Fausto Castilho foi um apaixonado pelo ensino e pela pesquisa. Em 1947, viajou pa- ra Paris, para uma longa estadia. Em 1949, aconselhado pelo filósofo Merleau-Ponty, seu amigo, seguiu para Friburgo, na Alemanha, a fim de estudar com Martin Heidegger (1889- -1976). Retornou ao Brasil em 1952. Lecionou na UFPR (Universidade Federal do Paraná), na USP, na Unesp (Universidade Estadual Paulista) e na Unicamp. Foi também um construtor institucional, um dinamizador da vida acadêmica. Ajudou a organizar a Unicamp e em particular o Ins- tituto de Filosofia e Ciências Humanas, do qual foi o primeiro diretor (entre 1969 e 1972). Aposentou-se como professor emérito. Tive a satisfação de tê-lo como amigo e co- lega na Unesp, sempre o admirando pela ar- gúcia, pela disposição intelectual e pela flexi- bilidade política. Parte expressiva do pensamento institucional e da ideia de universidade de Fausto Castilho pode ser encontrada no livro O conceito de uni- versidade no projeto da Unicamp (Editora da Unicamp, 2008), que resenhei para O Estado de S. Paulo/Cultura em 8/3/2009, logo depois de seu lançamento. A título de homenagear esta bela figura de intelectual público, a revista unespciência republica essa resenha. A universidAde, entre prOmessA e reAlidAde sObre O COnCeitO de universidAde nO prOjetO dA uniCAmp, dE FAUSTo CASTILHo. o que esperar da universidade no século XXI? Que contribuição poderá dar a este sé- culo que se anuncia sob a égide da ciência, da racionalidade técnica e de categóricas exi- gências educacionais? Nascida como ideia nos primórdios da era moderna, vinda das entranhas da Idade Mé- dia, a universidade só ganhou corpo e conceito claro – como instituição de pesquisa e estudo, não só de ensino – no correr do século XIX, fase demarcada pelo celebérrimo Memorando de Guilherme de Humbold, que é de 1808- -1809. desde então, esteve sempre no centro das atenções e das controvérsias. disseminou-se pelo mundo, mas não de modo imediato e nem segundo um único mo- delo. No Brasil, por exemplo, chegou com atraso, como reflexo da condição colonial e dos vínculos culturais fortíssimos que o país mantinha com a Península Ibérica, região onde a prevalência da Igreja e da escolástica dificultou a recepção da cultura científica. A universidade moderna encontraria, por aqui, um “complexo de determinações de longo pra- zo” que decretariam sua “multissecular inexis- tência” – processo que só conheceria reversão nos anos 30 do século passado, com a criação da Universidade de São Paulo. Este o principal eixo argumentativo do belo livro de Fausto Castilho, emérito da Unicamp, ex-professor de filosofia na USP e na Unesp, ativo participante da formulação do plano geral A universidAde só gAnHOu COrpO e COnCeitO ClArO nO COrrer dO séCulO XiX. desde entãO, esteve sempre nO CentrO dAs Atenções e dAs COntrOvérsiAs © s tA ep e - se çã o t éc n ic a d e A p o io a o e n si n o , p es q u is a e ex te n sã o /f C l/ A ra ra q u ar a UneSPCiênCiA 7 Homenagem mArCO AuréliO nOgueirA da Unicamp e da organização de sua área de humanidades, entre 1967 e 1972. Estruturado como um diálogo conduzido pelo também fi- lósofo Alexandre Guimarães de Soares, o livro é mais que uma análise das origens desta que forma, com a USP e a Unesp, o miolo do siste- ma universitário brasileiro. Trata-se sobretudo de uma erudita e instigante reflexão sobre os dilemas da universidade no Brasil, os obstáculos que se antepuseram à sua evolução, os líderes que lutaram por sua criação, entre os quais Fernando de Azevedo, Arthur Neiva, Júlio de Mesquita Filho e darcy Ribeiro. Precisamente por isso, ajuda-nos a descortinar o estado atual e as possibilidades futuras da instituição. Há nele um segundo eixo argumentativo: os projetos com que a ideia ganhou materia- lidade entre nós – a começar do da USP, mas também dos da UnB e da Unicamp – sem- pre contiveram rigor, desprendimento cívico e compromissos consistentes, mas acabaram por ser travados quando levados à prática. A dura realidade dos fatos conspiraria contra a ideia, e um permanente descompasso apareceria en- tre “o momento da concepção e o momento da implementação”. o argumento encontra apoio no famoso discurso que Júlio de Mesquita Filho proferiu na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em março de 1958, quando constatou a existência de “desvios metodo- lógicos que alteraram fundamentalmente os objetivos que os fundadores tinham em vista”. Põe-se, assim, um problema: teriam sido os projetos “excessivos” para as condições na- cionais? ou teria havido falta de clareza e de vontade política? Para os pais fundadores e para Fausto Cas- tilho, algumas cláusulas pétreas compõem o conceito de universidade moderna. Primeiro, ela deve ser “integral, isto é, situar-se no to- po do sistema educacional, tendo como base todo o conjunto das escolas de nível inferior”. Também precisa ser uma “instituição de estu- do que, antes do mais, faça pesquisa sobre a A durA reAlidAde dOs fAtOs COnspirA COntrA A ideiA, e um permAnente desCOmpAssO ApAreCeriA entre “O mOmentO dA COnCepçãO e O mOmentO dA implementAçãO” em setembro de 2001, o Painel, Boletim informativo da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara fez um encarte especial lembrando os 41 anos da passagem de Jean-Paul Sartre por Araraquara UneSPCiênCiA8 Homenagem totalidade dos conhecimentos humanos e não se limite à qualificação profissional”. Além disso, deve constituir “um organismo centra- do”, cujas partes componentes precisam estar dispostas “em torno da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, lugar de cultivo de todas as disciplinas básicas”. Seus docentes, por isso, devem ser também pesquisadores, cientistas, criadores de conhecimento, mais que profes- sores ou difusores de saber. Tal concepção foi recebida, ao longo do tempo, com entusiasmo mas também com ceticismo, como se faltasse confiança no país ou houves- se adesão a um enfoque imediatista, técnico e profissionalizante, que muitos achavam mais condizente com as necessidades do desenvol- vimento. Ênfase em demasia será dada aos ar- remedos de universidade construídos durante o século XIX: as escolas superiores isoladas, profissionais, concentradas no ensino, que co- brarão um preço para ingressar na nova estru- tura acadêmica. Antes de tudo, estas escolas não aceitarão nem a precedência, nem a função científica integradora da Faculdade de Filosofia. Serão assim mesmo incorporadas, numa espé- cie de concessão que terminaria por modelar a “concepção brasileira de ensino superior”, que permaneceria atrelada a uma visão não univer- sitária, ao menos em um primeiro momento. Com o passar do tempo, as coisas se com- plicaram. E em vez de corrigidas, as falhas e concessões se aprofundaram, vis-à-vis as novas circunstâncias sociais do país. o “ensinismo”, o profissionismo e o isolacionismo – marcas de uma concepção de educação superior que prescinde da universidade – seriam turbinados pela “avassaladora privatização das escolas” e pela pressão social por ensino superior. o próprio aparelho educacional terminaria por ser “politicamente depredado”. É onde nos encontramos hoje. Fausto Castilho sabe que muito se cons- truiu ao longo do tempo. Sua postura recusa o ceticismo. Ele observa a história, esmiúça conceitos e busca deixar um registro pessoal de sua experiência na fundação da Unicamp. oferece-nos um parâmetro para que se aborde a questão com os olhos para a frente. A ideia de “universidade ampla”, apoiada na reorganização dos três graus educacionais como um processo único, foi a maior promessa dos projetos de construção universitária no Bra- sil. Não é por acaso que o livro termina com sua celebração. Em que pesem os obstáculos, ela continua a ter “uma atualidade gritante”. Mas ideias não se convertem em fatos ma- teriais sem dor e sofrimento, assim como sem sujeitos que briguem por elas. Valem também pelo que prometem. Não seria acaso oportu- no, pergunta-nos Fausto Castilho, retomar o exame do modelo educacional na perspecti- va da “universidade ampla”? É uma pergunta contundente, e ao propô-la seu livro ganha uma luminosidade adicional. fAustO CAstilHO sAbe Que muitO se COnstruiu AO lOngO dO tempO. suA pOsturA reCusA O CetiCismO. ele ObservA A HistóriA, esmiÚçA COnCeitOs e busCA deiXAr um registrO pessOAl © s tA ep e - se çã o t éc n ic a d e A p o io a o e n si n o , p es q u is a e ex te n sã o /f C l/ A ra ra q u ar a UneSPCiênCiA 9 Fausto Castilho, Sartre, Simone de Beauvoir e Luiz Pereira Memória F oi realizado, na manhã de 12 de março, na Reitoria, o pré-lançamento do livro Tenho algo a dizer: memórias da Unesp na ditadura civil-militar (1964-1985), que traz quatro ensaios e 11 depoimentos sobre o perí- odo. Estiveram presentes, o reitor Julio Cezar Durigan, a vice-reitora Marilza Vieira Cunha Rudge, o secretário estadual de Educação, Herman Voorwald, e a coordenadora do Cen- tro de Documentação e Memória (Cedem) da Unesp, Sonia Maria Troitiño Rodriguez, além de pró-reitores, assessores e integrantes do Gabinete da Unesp. “Trazer a memória à tona, como faz este livro, é fundamental”, destacou o Secretá- rio. “Este tipo de trabalho resgata a história da Universidade e traz ensinamentos para o Obra reúne ensaiOs e depOiMentOs sObre O períOdO 1964- -1985 na Unesp Livro sobre a ditadura civil-militar futuro”, apontou o reitor Durigan. “A obra é essencial e se insere entre as principais ações do Cedem”, destacou Sonia. “Foi com muito orgulho que participei da célebre Operação Andarilho, relatada pelo Reinaldo Ayer de Oliveira em um dos depoimentos que consti- tuem o livro”, apontou a vice-reitora Marilza. A obra, publicada pela Cultura Acadêmica, braço editorial da Editora Unesp, tem como autores Clodoaldo Meneguello Cardoso, An- tonio Celso Ferreira, Anna Maria Martinez Corrêa e Maria Ribeiro do Valle. “O apoio da Reitoria da Unesp foi essencial nesta publica- ção”, destacou Cardoso, que coordena o Ob- servatório de Educação em Direitos Humanos da Unesp. “O trabalho de coleta dos depoi- mentos foi fascinante e ensina muito sobre a daniel patire | cOlabOraçãO Oscar d’aMbrOsiO © F ab ia n a M an fr im Pré-lançamento na Reitoria: secretário estadual de Educação, Herman Voorwald; reitor Julio Cezar Durigan; e um dos autores, Clodoaldo Meneguello Cardoso UnEsPCiênCia10 Memória nossa instituição”, completou Maria Ribeiro. Os ensaios do livro tratam, respectivamen- te, de ‘Pelo direito à memória e à verdade na Unesp’, de Cardoso, professor aposentado do departamento de Ciências Humanas da Unesp em Bauru; ‘A universidade nos tem- pos da Guerra Fria e da Ditadura Militar’, de Ferreira, professor titular da Unesp de Assis; ‘Institutos Isolados, Unesp e ditadu- ra’, de Anna Maria, professora aposentada da Faculdade de Ciências e Letras (FCL) da Unesp de Araraquara; e ‘Tenho algo a dizer sobre a ditadura na Unesp’, de Maria Ribei- ro, professora assistente doutora da mesma FCL, também responsável pelas entrevistas dos depoentes. Os depoentes são: Onosor Fonseca, Ulis- ses Telles Guariba Neto, José Roberto Tozo- ni Reis, João Francisco Tidei Lima, Antonio Quelce Salgado, Luís Carlos da Rocha, José Sterza Justo, William Saad Hosne, Reinaldo Ayer de Oliveira, Antônio Luiz Caldas Júnior e Luis Carlos Ferreira de Almeida. LançaMEnto E DEbatE O lançamento ocorreu no Centro de Documen- tação e Memória da Unesp, em SP, seguido de debate sobre o projeto de pesquisa ‘Tenho algo a dizer: memórias da Unesp na ditadura civil-militar (1964-1985)’ (São Paulo: Editora Cultura Acadêmica, 2014), realizado em 2013 e 2014 pelo Cedem – Centro de Documen- tação e Memória e o OEDH – Observatório de Educação em Direitos Humanos, ambos da Unesp. Cardoso, Ferreira e Maria Ribeiro participaram do evento, que contou também com a coordenadora do centro, Sonia Maria. “A obra e, sobretudo, o projeto têm o ob- jetivo de permitir um diálogo entre essa ge- ração que viveu sob a ditadura civil-militar e os jovens”, explicou Cardoso. “Precisamos fazer uma reflexão ampliada se essa é a de- mocracia pela qual lutamos e qual é a que a juventude de hoje quer.” Para o professor aposentado da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Câm- pus de Bauru, o livro tem a importância de trazer ao debate público fatos vivenciados nos institutos que formam a Unesp, por profes- sores, servidores e alunos, além da própria formação da Universidade. “Precisamos fazer uma reflexão mais ampliada sobre a própria história da Universidade e da democracia no Brasil”, sentenciou Cardoso. “Temos que con- seguir enxergar além dos fatos isolados. Nos- sa democracia, assim como a Unesp, é muito jovem e precisa de mais cuidado.” Na visão do professor Ferreira, da Faculda- de de Ciências e Letras, Câmpus de Assis, a obra permite a discussão de qual o papel das instituições de ensino superior no país. A par- tir de uma análise histórica, as universidades e faculdades tiveram um auge de criação no Brasil, no período que vai de 1940 a 1960. E elas assumiam um papel central na formação de um conhecimento emancipatório para a sociedade brasileira. a pUblicaçãO teM O ObjetivO de perMitir UM diálOgO entre a geraçãO qUe viveU sOb a ditadUra civil-Militar e Os jOvens © F ab ia n a M an fr im antonio Celso Ferreira, Maria Ribeiro do Valle, Cardoso e sonia Maria troitiño Rodriguez, no lançamento no Centro de Documentação e Memória da Unesp © d an ie l p at ir e UnEsPCiênCia 11 neste 10 de dezembro, a presidente dilma rousseff recebeu, em cerimônia oficial no palácio do planalto, os três volumes do relatório Final da comissão nacional da verdade, instituída por meio da lei 12.528, de 18 de novembro de 2011. a presidente, em meio a lágrimas, agradeceu os esforços dos membros da comissão e pesquisado- res associados e reforçou, em seu discurso, que, longe de ser um ato de revanchismo de parte das lideranças da oposição à di- tadura militar, as atividades da comissão foram importantes no que denominou “reconciliação do país ao seu passado”. tais afirmações da presidente não im- pediram duras ressalvas à iniciativa. nas redes sociais, minutos depois da trans- missão da cerimônia, comentários rai- vosos reafirmavam que as investigações eram “vingança” contra os que teriam “defendido” o estado brasileiro contra as “ameaças comunistas” ou outros “flage- los” oposicionistas. para além dos ódios destilados na in- ternet (e ataques que foram simbolizados pela invasão criminosa do site da comissão estadual da verdade de são paulo “rubens paiva”, enquanto em brasília ocorria o ato solene), e das críticas recebidas tanto à direita (por oficiais das Forças armadas e outros setores envolvidos na repressão política) quanto à esquerda (por grupos que se ressentiram de trabalhos mais siste- máticos sobre a repressão a determinados segmentos sociais, como, por exemplo, os de trabalhadores do campo), é necessá- rio, agora, a partir da leitura do relatório Final, apontar quais os caminhos para o prosseguimento de pesquisas, em outras comissões. destaca-se o fato de que o relatório apresenta violações a direitos humanos ocorridas no brasil no período de 1946 a 1988, ou seja, que vai além do tempo da ditadura militar. Os relatores afirmam que práticas como a tortura tornaram-se instrumentos sistemáticos de agentes do estado brasileiro contra operários, estu- dantes, mulheres, crianças, camponeses, indígenas e trabalhadores. 377 pessoas foram responsabilizadas pela comissão nacional por atos de extrema violência, arbítrio e desrespeito a convenções inter- nacionais, das quais o brasil nunca deixou de ser signatário, mesmo nos chamados “anos de chumbo”. avançou-se no conhe- cimento das redes de comando dos órgãos de repressão e dos métodos desta; já no dossiê de Mortos e desaparecidos (com 434 casos), as indicações alertam para a necessidade premente de pesquisas mais aprofundadas. na maior parte dos casos arrolados, o relatório Final da comissão da verdade é promissor: o início. apenas O cOMeçO paula vermeersch Paula Vermeersch é professora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp de Presidente Prudente e pesquisadora da Comissão da Verdade da Unesp. Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 11 de dezembro de 2014. Memória © d an ie l p at ir e UnEsPCiênCia12 Memória Em sua fala no debate do lançamento do livro, a professora Maria Ribeiro, da Faculdade de Ciências e Letras, Câmpus de Araraquara, reforçou os argumentos de Ferreira ao expor fatos ocorridos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Fafi), de São José do Rio Preto, que teve cursos fechados e professores demitidos e presos, já em maio de 1964, logo no início do governo militar. A Faculdade pas- sou a integrar a Unesp em 1976, e teve seu nome alterado para Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas. A professora coordenou a pesquisa reali- zada com fontes documentais do Cedem e as entrevistas de professores, ex-professores e ex-alunos da Unesp, gravadas durante mais de 20 horas, em áudio e/ou vídeo. O período pesquisado abrangeu acontecimentos ocorridos pós-1964 nos Institutos Isolados de Ensino Superior do Estado de São Paulo, que deram origem à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, criada em 1976. Entre as histórias contadas e registradas, Maria Ribeiro destacou duas experiências democráticas vivenciadas pelos institutos da Unesp e rechaçadas pela ditadura. Em 1983, o Câmpus de Assis elegeu o seu diretor de forma direta, com votos de alunos, professores e fun- cionários. Antonio Quelce Salgado, não pôde assumir a diretoria da unidade, deflagrando um movimento de resistência, que culminou com a expulsão de estudantes e a demissão de professores, como o próprio Salgado. E, em 1984, o professor da Faculdade de Medicina, Câmpus de Botucatu, William Sa- ad Hossne, foi eleito com 2/3 dos votos da comunidade unespiana, mas seu nome nem foi indicado na lista sêxtupla encaminhada ao governador pelo Conselho Universitário da época. “O livro é também um marco e um legado da história dos indivíduos, que se transforma em um documento, que servirá de base para se construir a história da instituição, e amplia o direito de acesso à informação”, concluiu Sonia, coordenadora do Cedem. Lançamento ocorreu em SP, seguido de debate sobre o projeto de pesquisa Tenho algo a dizer: memórias da Unesp na ditadura civil-militar (1964-1985), realizado em 2013 e 2014 pelo Cedem – Centro de Documentação e Memória e o OEDH – Observatório de Educação em Direitos Humanos, ambos da Unesp. Acesso ao e-book http://goo.gl/hg1OWw © F ab ia n a M an fr im UnEsPCiênCia 13 Internacionalização josé celso freIre junIor n a sociedade do conhecimento em que vivemos, as universidades desempenham papel central no mundo atual, na formação de quadros para a consolidação dos países e desenvolvimento da pesquisa que sustenta a sociedade. Embora o cenário universitário se- ja bastante heterogêneo, com instituições de ensino superior (IES) de tamanhos e vocações diferentes, um interesse comum se destaca: a internacionalização da educação superior. Ainda que reconhecida como importantís- sima dimensão da educação superior, o verda- deiro significado da internacionalização ainda não é suficiente e adequadamente compreen- dido. Uma definição que julgo bem descrever o conceito é a da canadense Jane Knight, que define internacionalização como “processo de integração da dimensão internacional, inter- cultural ou global nos propósitos, funções e realização de educação superior”. Esta definição mostra a distância que a maioria das instituições de ensino superior brasileiras ainda tem em relação a uma efetiva internacionalização. Além disso, como indicou o Prof. José Mar- ques dos Santos, Reitor da Universidade do Porto, em evento realizado na Unesp em 2012, deve-se compreender que “a internacionalização não é um fim ‘só por si’, mas um instrumento hoje indispensável para cumprir os objetivos estratégicos que emanam da missão de cada universidade”. As universidades de maior prestígio no mun- do atuam de forma estratégica para integrar a internacionalização transversalmente em suas estruturas e dinâmicas de funcionamento. Para tanto, contam com unidades e equipes profissionais que atuam em diferentes seto- res e respondem pelas diversas atividades de internacionalização desenvolvidas por essas Internacionalização de Instituições de Ensino Superior no Brasil josé celso freIre junIor © s h u tt er st o ck UnESpCIênCIa14 Internacionalização instituições, focadas em objetivos bem de- finidos, como parcerias interinstitucionais, projetos conjuntos de pesquisa, captação de estudantes internacionais, programas de es- tudos de curta duração no exterior etc. A situação no Brasil é bem diferente. Em 2011, quando o Governo Federal lançou o Pro- grama Ciência sem Fronteiras (CsF), com o objetivo de enviar 100.000 estudantes ao exte- rior, a falta de estrutura adequada para tratar da mobilidade de estudantes – uma das principais atividades do processo de internacionalização das IES – expôs uma grande lacuna ainda existente no país. Poucas instituições contam com um escritório internacional estabelecido, com dotação orçamentária e recursos huma- nos bem capacitados para desenvolver suas atividades. Muitas instituições tiveram que rapidamente se adequar e criar escritórios de relações internacionais, tanto para operar as atividades associadas ao programa CsF, como para acolher as inúmeras delegações de IES estrangeiras que passaram a vir cada vez mais ao Brasil, em busca de parcerias e de alunos. Deste modo, pode-se dizer que este pro- grama, ao mesmo tempo em que foi um gran- de catalisador, também ressaltou o problema da falta de estrutura e, sobretudo, a enorme importância do tema da internacionalização da educação superior no atual cenário inter- nacional. Mas, se as IES já estão se adaptando para tratar da questão da mobilidade de estudantes, muitas outras atividades internacionais ainda precisam ser mais adequadamente abordadas. A principal delas é como efetivamente im- plementar a transversalidade da internacio- nalização na estrutura e no funcionamento das IES. Como transformar um escritório, que muitas vezes funciona com apenas um profissional, em agente e motor de transfor- mação das instituições. Em minha opinião, isso depende funda- mentalmente da vontade política e do com- promisso dos dirigentes da instituição. Este é o primeiro e mais importante passo no ca- minho do sucesso. A conscientização de todo o ambiente acadêmico para a importância e vantagens associadas à internacionalização da educação superior também tem um papel central, pois apenas com o compromisso de todos os envolvidos pode-se construir um efe- tivo projeto de internacionalização. A questão da mobilidade também mere- ce ser aprofundada. O Programa CsF, com a oferta de bolsas de mobilidade no exterior para estudantes e docentes, certamente contribuiu para a internacionalização de parte das ins- tituições. A visibilidade internacional obtida deve poder ser aproveitada para se construir parcerias que contribuam para o processo de internacionalização de cada instituição, levando em conta seus objetivos e vocações. É importante reconhecer que tanto as gran- des IES brasileiras, em que a pesquisa atua como motor de desenvolvimento e nas quais o processo de internacionalização já é mais desenvolvido, como as IES menores e mais voltadas para a formação de pessoas podem e devem se beneficiar das oportunidades tra- zidas pela internacionalização. Para cada tipo e tamanho de IES, existem oportunidades a ser exploradas. Mas é necessário ir além da questão da mobilidade. Outras ações de internacionali- zação devem ser efetivamente abordadas pelas IES brasileiras. A chamada “Internacionaliza- ção em Casa” (Internationalization at Home), que envolve o desenvolvimento de atividades internacionais no câmpus, voltando-se para aqueles que não têm a oportunidade de ir ao exterior. A “Internacionalização do Currículo”, que prevê, dentre outras atividades, a inclusão de componentes internacionais nos currículos dos cursos, o ensino de línguas estrangeiras (principalmente o inglês) e o aumento da pre- sença de estudantes e professores estrangei- ApenAs com o compromIsso de todos os envolvIdos pode-se construIr um efetIvo projeto de InternAcIonAlIzAção © s h u tt er st o ck UnespCiênCia 15 Internacionalização josé celso freIre junIor ros (que passa pela oferta de disciplinas em inglês) são algumas das ações que devem ser desenvolvidas. Além disso, é de conhecimento da comuni- dade científica internacional que importantes soluções para problemas comuns relacionados à sustentabilidade da sociedade global como mudanças climáticas, água, alimentos, polí- ticas públicas, energia limpa, saúde, etc. não podem ser obtidas senão com a aglutinação de conhecimentos e experiências de diferen- tes nações. Para que tudo isso possa ser realizado de forma adequada, é necessário que os respon- sáveis por essas atividades estejam capacitados para estas tarefas. É neste contexto que atua a FAUBAI – Associação Brasileira de Edu- cação Internacional. Criada há mais de 26 anos, conta atualmente com representantes de mais de 200 IES de todos os setores (federal, estadual, comunitário e privado) e regiões do país e tem forte atuação no aperfeiçoamento do intercâmbio e cooperação internacionais e na inserção da educação superior brasileira no cenário mundial. Realiza anualmente a mais importante conferência sobre a inter- nacionalização da educação superior no país, contribuindo de forma efetiva para o processo de internacionalização das IES brasileiras. A FAUBAI 2014, realizada de 12 a 16 de abril em Joinville (Santa Catarina), contou com cerca de 400 inscritos, 137 deles estrangeiros, representando IES dos Estados Unidos, Aus- trália, Nova Zelândia, Irlanda, França, entre outros países. O evento também contou com a participação dos presidentes das mais impor- tantes associações de educação internacional do mundo – como Fanta Aw da Association of International Educators (NAFSA), Laura Howard da European Association for Inter- national Education (EAIE), Helen Zimmer- man da International Education Association of Australia (IEAA), Lavern Samuels da In- ternational Education Association of South Africa – IEASA, entre outros –, com os quais se discutiu a declara- ção conjunta “Global Dialogue on the Future of Internationalisation of Higher Education”, proposta em 2013, na África do Sul, com ba- ses para uma efetiva internacionalização da Educação Superior no mundo. O evento também contou com a importan- te participação do Sr. Francisco Marmolejo, Coordenador de Educação Superior do Banco Mundial, que proferiu a conferência de aber- tura sobre Novos Cenários para a Internacio- nalização da Educação Superior. A FAUBAI 2015 ocorrerá em Cuiabá (Ma- to Grosso), de 25 a 29 de abril de 2015, com o tema geral “Criando Parcerias Sustentáveis através de uma Internacionalização Equilibra- da” e um número ainda maior de participantes e uma importante representação da América Latina, contribuindo para que a educação su- perior brasileira alcance cada vez mais padrões internacionais de excelência. é necessárIo que os responsáveIs pelAs AtIvIdAdes de InternAcIonAlIzAção estejAm cApAcItAdos pArA estAs tArefAs José Celso Freire Junior é Assessor- -chefe de Relações Externas da Unesp e presidente da FAUBAI (Associação Brasileira de Educação Internacional). Versão reduzida deste artigo foi publicada no Estadão Noite de 31 de outubro de 2014. UnESpCIênCIa16 Gênero Maria José soares Mendes Giannini a s mulheres têm avançado em todas as áreas, mas há ainda algumas em que a presença feminina é bem menor. O número de mulheres que escolhem as ciências, prin- cipalmente as exatas e tecnológicas, é muito mais baixo que o de homens. Enquanto a pre- sença feminina é manifesta em várias áreas do mercado de trabalho, no mundo inteiro, na ciência a estagnação é quase universal. Nos últimos anos, a situação das mulheres na sociedade experimentou intensas transfor- mações: além do notável aumento da sua es- colaridade, houve também inserção crescente e ininterrupta na força de trabalho, incluso as mulheres presentes na produção do conheci- mento no Brasil e, em certas áreas, como nas ciências humanas e sociais, a presença femini- na é inequívoca e sua atuação expressiva. Nas áreas ligadas à saúde cresceu muito o número de mulheres, e há importantes nomes femininos realizando pesquisas de relevância mundial. As mulheres têm sofrido ao longo dos anos preconceitos para ocupar espaços na ciência, e o caminho foi extenso e doloroso. As con- quistas científicas das mulheres se compara- das às dos homens são bem menores. Entre as mulheres que se destacaram e que sempre ocuparão um lugar de evidência em qualquer pesquisa está a polonesa Marie Curie (1867- -1934), que por ser mulher teve negada uma cadeira na Academia de Ciências da França. Ela ficou conhecida por suas contribuições sobre radioatividade. Ganhou o Prêmio Nobel de Física de 1903 e o Prêmio Nobel de Quí- mica de 1911, tornando-se a primeira pessoa a conquistar o Nobel duas vezes e em duas áreas diferentes. Em 2009, o prêmio Nobel de Química foi dividido entre três pesquisadores norte-americanos e a israelense Ada Yonath, do Instituto Weizmann, conferindo a mais uma mulher, depois de décadas, a maior premiação que um cientista pode almejar. As conquistas femininas são evidentes hoje e não ficam res- tritas às pesquisadoras em si. As mulheres vão transpondo barreiras e espaços cada vez mais competitivos em todas as atividades. Personalidades fortes e muita paixão Maria José Soares Giannini é pró-reitora de Pesquisa da Unesp. UnesPCiênCia 17 Gênero Maria José soares Mendes Giannini Outra cientista que acabou não tendo seu trabalho reconhecido foi Rosalind Franklin, biofísica britânica que foi pioneira em pesqui- sas de biologia molecular. Ficou conhecida por seu trabalho sobre a difração dos Raios-X; descobriu o formato helicoidal do DNA. No entanto, Maria Mayer (1906-1972) – física teórica alemã – ganhou o Prêmio Nobel de Física por suas pesquisas sobre a estrutura do átomo e Barbara McClintock (1902-1992) – cientista e citogeneticista americana – recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina de 1983 pela descoberta da transposição genéti- ca. Gertrude Elion (1918-1999) – bioquímica e farmacêutica britânica – recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina de 1988 pela criação de novos medicamentos. Christia- ne Nusslein-Volhard (1942-presente), bióloga alemã recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia/ Medicina de 1995 por suas pesquisas sobre genética embrionária. Se compararmos a lista de prêmios Nobel no mundo fica evidente o descompasso entre os gêneros. E qual o por- quê disso? Por que há tão poucas mulheres na ciência? A diferença entre os homens e as mulheres na ciência refere-se a diversos tipos de ganhos que resultam em maior benefício para os ho- mens: a promoção, a obtenção de bolsas de estudo, a ocupação de cargos de chefia ou liderança, que resultam em maiores ganhos salariais. Como exemplo tem-se a classifi- cação conferida pela bolsa de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). À medida que se sobe na hierarquia das bolsas de pro- dutividade, menor é a participação feminina, o contrário ocorrendo com o grupo masculino. No mundo todo, a maioria dos membros das academias de ciências e dos órgãos e institutos responsáveis por conceder bolsas e verbas de pesquisas são homens. No início de minha carreira vislumbrei um caminho que me fez enfrentar uma série de dificuldades, que vistas hoje me parecem muito distantes das dificuldades enfrentadas pelas mulheres em algumas sociedades. Assim, no início consegui suplantar as primeiras difi- culdades e galguei posições acadêmicas mais elevadas, mas a maior dificuldade apareceu quando decidi disputar posições de gestão. Indubitavelmente, esta etapa foi suplantada e hoje vislumbro um caminho de maior rele- vância do que vislumbrei no início. Este exem- plo é verificado em todo o mundo; conforme se avança na carreira científica, encontram- se ainda menos mulheres. A mulher precisa acreditar em si mesma e ser mais determinada que o homem. Independentemente do cami- nho escolhido, mulheres que conseguiram vidas plenamente realizadas, grande sucesso profissional, e que deram importantes contri- buições em suas respectivas áreas, pertencem a um grupo de mulheres com personalidades fortes, que colocam muita paixão naquilo que fazem e são exemplos a serem considerados com muita atenção. UnesPCiênCia18 Gênero Maria Tercília Vilela de azeredo oliVeira a violência contra a mulher é grave e re- presenta um problema mundial, que não distingue classe social, etnia, religião, idade e grau de escolaridade. Esse fenômeno social é baseado nas desigualdades de gênero, não sendo produto da pobreza ou do álcool e das drogas. Para entender essa afirmação basta acompanhar a mídia que, diariamente, noticia casos extremos, que levam a consequências alarmantes como óbitos e incapacitações. Os estresses traumáticos oriundos dessas agressões não afetam somente a mulher, mas também a família e toda a sociedade. O Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de São José do Rio Preto (CMDM- SJRP), por exemplo, foi criado pela Lei n. 10.530, de 9 de dezembro de 2009, e funciona como uma instância colegiada, de composi- ção paritária e de caráter consultivo de ações técnicas e políticas, vinculada à estrutura da Secretaria dos Direitos e Políticas para Mu- lheres, Pessoa com Deficiência, Raça e Etnia. O Conselho, entre suas preocupações, tem a busca de mecanismos de prestar aten- dimento a homens e mulheres que infrinjam a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006) praticando agressões (físicas, psicológicas, sexuais, morais e patrimoniais). Para isso, vem discutindo os avanços e desafios no enfrentamento à violência con- tra a mulher contemplados na Lei Maria da Penha, assim denominada em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, mulher que se tornou o símbolo dessa luta no Brasil. Por meio dessa lei, acabaram-se as sentenças alternativas, alterou-se o Código de Processo Penal e, também, foram permitidas as prisões preventivas dos agressores. Para que a Lei possa ter maior aplicabi- lidade, foram apontados alguns caminhos, como prever, nas três esferas de governo, financiamento e orçamento público especí- ficos para programas, projetos e serviços de Enfrentamento à Violência Doméstica e Fa- miliar; capacitar e qualificar funcionários da Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher; formar e capacitar a Guarda Municipal, a Polícia Militar e a Polícia Civil sobre a Lei Maria da Penha e sobre o enfrentamento da violência contra a mulher; incentivar a cons- tante mobilização e participação da sociedade civil, das organizações não governamentais (ONGs), associações e dos sindicatos, nas audiências públicas municipais, visando à fiscalização do cumprimento das políticas para as mulheres; introduzir, nas grades cur- riculares dos Cursos de Bacharelado em Di- reito e áreas afins, disciplinas sobre Direitos Sociais, com ensinamentos sobre a Lei Ma- ria da Penha e sobre outras questões, como direitos das pessoas com deficiência, da in- fância, do idoso, etc.; viabilizar, em trabalho integrado de todos os setores, um Programa de Prevenção contra a violência doméstica. Dessa forma, essa legislação, considerada uma das três mais avançadas em todo mun- do, e que determina que as políticas públicas para coibir a violência contra a mulher sejam articuladas de forma conjunta entre União, Estados e municípios, terá maiores subsídios para ser realmente cumprida e efetivada. Combate à violência contra a mulher Maria Tercília Vilela de Azeredo Oliveira é Membro titular do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de São José do Rio Preto e Vice- -diretora do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp em São José do Rio Preto. Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 1/12/2014. os esTresses TrauMáTicos oriundos de aGressões não afeTaM soMenTe a Mulher, Mas TaMbéM a faMília e Toda a sociedade UnesPCiênCia 19 Saúde O baiacu ou peixe-bola (pufferfish, bo- xfish) é um peixe ósseo de distribuição cosmopolita. Existem cerca de 120 espécies e a maioria delas é encontrada em regiões tro- picais e subtropicais, incluindo espécies flu- viais. Quando ameaçados por predadores, estes peixes podem ingerir água ou ar e aumentar o volume corporal, tomando formato esférico, o que dificulta a ação de peixes maiores. Adicionalmente, são considerados animais venenosos devido ao fato de poderem armaze- nar tetrodotoxina (Ttx) e outras neurotoxinas. A Ttx é toxina letal provavelmente sintetizada pelas bactérias contidas nos alimentos ingeri- dos pelos peixes. “Ela é acumulada e utilizada como arma de defesa”, explica Vidal Haddad Junior, pro- fessor do Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Unesp de Botu- catu, e autor de diversos trabalhos científicos sobre o tema. “Mais do que relatar casos ou fazer discus- sões acadêmicas, as pesquisas têm por finali- dade mostrar que não é só no Japão que pes- Há caSOS nO BraSil e em paíSeS cOmO Taiwan, cHina e JapãO Intoxicação por carne de baiacu possui alta taxa de mortalidade © B et h S w an so n UnespCIênCIa20 Saúde soas morrem por comer carne de peixes-bola. Um alerta sobre o tema pode elevar o nível de informação no país e mostrar que não apenas pescadores se intoxicam, ocorrendo casos em vítimas que compram o peixe em mercados”, diz o professor. De fato, apesar da toxidade, algumas es- pécies de peixes-bola são consideradas uma iguaria. No Japão, por exemplo, o fugu, nome popular do peixe, é um prato caro e preparado por cozinheiros treinados e licenciados. Apesar dos cuidados na preparação, envenenamentos fatais por fugu são comuns no Japão, ocorren- do cerca de 50 mortes anualmente. A inges- tão de carne de baiacu pode ser acidental ou intencional (tentativa de suicídio). A intoxicação por baiacus possui alta taxa de mortalidade. Intoxicações por baiacus são mais comuns no Sudeste Asiático, Taiwan, China e Japão, mas também há relatos de casos nos EUA e na Austrália. No Brasil, onde existem poucos estudos clínicos sobre os envenenamen- tos e traumas causados por animais aquáticos, os baiacus-lisos da família Tetrodontidae são os mais consumidos. TOXIna A tetrodotoxina é encontrada nas vísceras (especialmente gônadas, fígado e baço) e na pele do peixe. É uma toxina termo-estável, que não sofre ação de cocção, lavagem ou congelamento. O nível da toxina é sazonal, e as maiores concentrações são encontradas nas fêmeas no pico da época reprodutiva, fazendo com que a ingestão dos peixes seja mais peri- gosa no momento anterior e durante o período reprodutivo. A toxina age bloqueando o lócus extracelular dos receptores de sódio voltagem dependente, impedindo a despolarização e a propagação do potencial de ação nas células nervosas. Esta ação ocorre nos nervos periféricos motores, sensoriais e autonômicos. A toxina tem ainda ação depressora no centro respiratório e va- somotor do tronco encefálico. A morte pode ocorrer devido a paralisia muscular, depressão respiratória e falência circulatória. aspeCTOs CLÍnICOs Os sintomas geralmente se iniciam dentro de 6 horas, mas em alguns pacientes podem demorar até 20 horas para se manifestarem. Parestesias periorais, fraqueza da musculatura facial e ex- tremidades, dor abdominal, sialorreia, náuse- as, vômitos e diarreia surgem precocemente. Os pacientes podem apresentar disfunção motora com fraqueza muscular, hipoventilação e disartria. Um quadro de paralisia ascendente ocorre de 4 a 24 horas e paralisia nas extre- midades é seguida por paralisia nos músculos respiratórios. “Existem textos que relacionam o efeito paralisante da Ttx com o mito dos zum- bis e do vodu no Haiti”, diz Haddad. Tardiamente há disfunção cardíaca e no Sistema Nervoso Central, com hipotensão arterial e arritmias, coma e convulsões. Bra- dicardia refratária a tratamento, bloqueio do nodo átrio-ventricular e bloqueios de ramo podem ser fatais. Pacientes com intoxicações graves podem apresentar coma profundo, pupilas fixas e não reativas, apneia e ausência de reflexos do tron- co encefálico. Os acidentados que sobrevivem à fase aguda da intoxicação (primeiras 24h), geralmente se recuperam sem sequelas, mas a melhora definitiva pode levar dias para ocorrer. O diagnóstico é baseado na história clínica e no relato de consumo alimentar. TRaTaMenTO Não há antídoto para a Ttx e o tratamento é voltado aos sinais e sintomas manifestados. Medidas de desintoxicação como lavagem gástrica e carvão ativado podem ser úteis em fases iniciais. Em casos graves, deve-se uti- lizar a ventilação mecânica e medicações io- notrópicas. Um alerTa SOBre O Tema pOde elevar O nível de infOrmaçãO e mOSTrar qUe nãO apenaS peScadOreS Se inTOxicam, OcOrrendO caSOS em peSSOaS qUe cOmpram O peixe em mercadOS © B et h S w an so n Contatos com o docente: haddadjr@ fmb.unesp.br Trabalhos científicos do professor Vidal UnespCIênCIa 21 © p at ri ce 60 0 0 Física UnespCiênCia22 RicaRdo aguiaR © p at ri ce 60 0 0 Física UnespCiênCia 23 Cem anos da Relatividade Geral TeoRia, pRoposTa poR albeRT einsTein em 1915, Revolucionou a Física e mudou a maneiRa de enTendeR o espaço, o Tempo, a luz e o univeRso a Teoria da Relatividade Geral, proposta por Albert Einstein em 1915, revolu- cionou a Física e mudou a maneira como nós entendemos o espaço, o tempo, a luz e o uni- verso. Cem anos depois ela continua a ter uma importância fundamental, e prevê fenômenos, como as ondas gravitacionais, que foram de- tectadas indiretamente apenas na década de 1970. Entretanto, há observações que a teoria não explica. Além de ser incompatível com a Mecânica Quântica, a Relatividade Geral não prevê a expansão acelerada do universo e não descreve corretamente a velocidade de rotação de estrelas em torno do centro de galáxias. A melhor solução para esses mistérios são a energia escura e a matéria escura, substân- cias cuja existência ainda não foi comprovada. “Matéria escura e energia escura são ma- neiras de entender certas anomalias”, diz Scott Dodelson, pesquisador norte-americano do Fermilab e professor na Universidade de Chi- cago. “Na verdade, elas podem nem mesmo existir. Pode ser que a nossa compreensão da gravidade esteja errada e que a Teoria da Re- latividade Geral precise ser modificada para que possamos entender o que observamos. Atualmente, uma pergunta fundamental é: será que precisamos modificar a teoria ou se- rá que essas substâncias realmente existem?” MatéRia e eneRGia esCURa Uma das anomalias citadas por Dodelson é a velocidade com que estrelas giram em torno do centro de galáxias. A velocidade real é maior do que a prevista pela teoria para a quantidade de matéria que conseguimos ver – a matéria gera força gravitacional, responsável pelo mo- vimento das estrelas. Quanto mais matéria, © a n d re a d an ti Foto da Via Láctea vista do hemisfério sul; o círculo azul no centro ilustra onde haveria matéria escura, de acordo com o estudo de Iocco. Física UnespCiênCia24 © s h u tt er st o ck © n a sa maior a velocidade de rotação. Recentemente esse fenômeno foi compro- vado também entre o Sol e o centro da Via Láctea. O trabalho foi feito por Fabio Iocco, do IFT/Unesp e do ICTP-SAIFR, em colabo- ração com pesquisadores europeus. “Há uma possibilidade de a matéria escura não existir, mas, para mim, ela é atualmente a melhor explicação, pois descreve o proble- ma para diferentes escalas e corpos astronô- micos”, diz Iocco. “Não sabemos exatamente o que ela é, mas sabemos que é matéria, por gerar força gravitacional, e que não interage com luz. Acredito que nosso trabalho contri- buirá com estudos que buscam compreender o que a matéria escura realmente é e como ela está distribuída no universo”. Outra anomalia é a aceleração de expan- são do universo. Para a Relatividade Geral o universo não poderia estar acelerando, pois a matéria como a conhecemos atrai outros cor- pos, o que desaceleraria a expansão. Os físi- cos atribuem a aceleração à chamada energia escura, que continua a ser um mistério para a ciência. Ondas GRavitaCiOnais Uma das previsões corretas da Relatividade Geral são as ondas gravitacionais. Antes da teoria, acreditava-se que o efeito da gravida- de era instantâneo. Para isso, a velocidade de propagação da força teria que ser infinita. Em sua Teoria da Relatividade Especial, contudo, Einstein previu que nada viaja em velocida- des superiores à da luz. A gravidade teria que se propagar através das ondas gravitacionais. Por interagirem muito fracamente com a matéria, essas ondas são difíceis de detectar. A comprovação de que elas existiam foi feita em 1974 por Russell Hulse e Joseph Taylor, ao notarem que a órbita de duas estrelas de nêutrons, que giravam uma ao redor da outra, estava diminuindo. O sistema estava perdendo energia, que era liberada na forma de ondas gravitacionais. Atualmente, grandes experimentos, co- mo o Virgo, na Itália, e o LIGO, nos Estados Unidos, tentam fazer a detecção direta dessas ondas. Como elas causam uma perturbação no espaço ao se propagar, é possível notar seu efeito em um sistema preciso de lasers e es- pelhos – a onda alteraria a distância entre os espelhos, em cerca de um milionésimo de um bilionésimo de metro, e o tempo para o laser completar o circuito mudaria. “A detecção direta de ondas gravitacionais seria importante por diversos motivos”, diz Ric- cardo Sturani, pesquisador do ICTP-SAIFR e membro da colaboração LIGO. “Poderíamos ver corpos que não emitem luz, mas que emitem ondas gravitacionais, e poderíamos comparar as ondas observadas com as previstas pela Re- latividade Geral para verificar se a teoria está realmente correta.” Relatividade espeCial e GeRal A Teoria da Relatividade Especial foi formu- lada por Einstein e outros pesquisadores em 1905 e revolucionou a Física por mudar a for- ma como vemos o tempo e o espaço. “Na física newtoniana esses conceitos eram absolutos”, diz o físico Alberto Saa, da Uni- camp. “Ou seja, independentemente de você estar parado ou em movimento, o tempo pas- sa de forma igual e o espaço é o mesmo. Já a Relatividade Especial, como o próprio nome diz, mostrou que o tempo e o espaço são rela- tivos – eles dependem do observador e de sua velocidade. Quanto mais alta a velocidade de um corpo, mais devagar o tempo passará para ele, e mais o espaço se contrairá à sua frente”. Depois, com Teoria da Relatividade Geral, a gravidade deixou de ser vista como uma in- teração entre corpos e passou a ser vista como uma deformação no espaço-tempo. A massa de um corpo é responsável por causar uma Física UnespCiênCia 25 paRa a RelaTividade geRal, o univeRso não podeRia esTaR aceleRando, pois a maTéRia como a conhecemos aTRai ouTRos coRpos, o que desaceleRaRia a expansão órbita, o fenômeno foi comprovado experimen- talmente. Sem os ajustes que a teoria propõe, o GPS não funcionaria. OUtRas teORias A Relatividade Geral explica fenômenos de escalas macroscópicas, porém não se sabe como aplicá-la em escalas subatômicas. Para estudar esses fenômenos, a Mecânica Quân- tica é usada. A conciliação entre as duas é um grande desafio para a Física, e algumas teorias, formuladas ao longo do último século, caminham nessa direção. A Gravitação Teleparalela, ou Teleparalelis- mo, é uma delas. Criada na década de 1950, ela descreve a gravitação através da torção do universo, e não através da curvatura, como a Relatividade Geral. O Teleparalelismo se encaixa dentro do esquema das Teorias de Gauge, que explicam, por relações de simetria, as demais interações da natureza – a eletromagnética, a Força Fraca e a Força Forte. “Uma das principais características do te- leparalelismo é que, diferente da Relativida- de Geral, ele permite separar a gravitação de efeitos inerciais”, diz José Geraldo Pereira, pes- quisador do IFT/Unesp que, junto com Ruben Aldrovandi, contribuiu para a consolidação da teoria e escreveu o primeiro livro dedicado exclusivamente a ela, Teleparallel Gravity: An Introduction, publicado em 2012. “Podemos, assim, definir inequivocamente a energia do campo gravitacional, o que é impossível com a Relatividade Geral. O teleparalelismo tam- bém parece ser mais apropriado para estudar fenômenos gravitacionais na escala quântica.” A Teoria das Cordas também é bastante estudada e tenta complementar a Relativida- de Geral para explicar a gravitação na escala quântica. Elaborada na década de 1970, ela também é baseada em simetrias e prevê que as partículas são espécies de cordas unidi- mensionais que estão em constante vibração. “Atualmente, a Teoria das Cordas é o mo- delo mais bem aceito para unir a Relatividade Geral com a Mecânica Quântica”, diz Nathan Berkovits, diretor do ICTP-SAIFR e pesqui- curvatura que afeta o movimento de outros corpos, atraindo-os para perto de si. Quanto maior a massa, maior a deformação. Além disso, para Newton, a força gravita- cional não influenciava a luz. Já para Einstein, massa e energia são equivalentes – como diz sua famosa equação, energia é igual a massa multiplicada pela velocidade da luz ao qua- drado, ou E = mc2. Assim, a trajetória de um feixe de luz pode ser alterada pela gravidade. Uma importante aplicação dessas teorias está nos Global Positioning Systems, os GPSs. Como os satélites que estão em órbita da Terra estão sujeitos a uma força gravitacional dife- rente da nossa, a teoria de Einstein prevê que seus relógios andariam mais rápido. Quando o primeiro satélite de GPS foi colocado em a TeoRia das coRdas TenTa complemenTaR a RelaTividade geRal paRa explicaR a gRaviTação na escala quânTica Física UnespCiênCia26 © k o ya 97 9 © 3 60 b aTualmenTe, a TeoRia das coRdas é o modelo mais bem aceiTo paRa uniR a RelaTividade geRal com a mecânica quânTica sador do IFT/Unesp. “Com ela conseguimos prever o espalhamento de ondas gravitacionais, incluindo os efeitos quânticos.” Para Dodelson, a unificação das teorias é um problema teórico, pois não há observa- ções que exijam que elas sejam conciliadas. O pesquisador acre- dita que ao longo da próxima década, com experimentos em es- calas maiores, obte- remos mais dados e alguns modelos serão eliminados. A busca por uma “teoria de tudo” continuará. “Um grande triunfo da Física é sua habi- lidade de explicar uma abrangente gama de fenômenos com algumas poucas leis”, diz ele. “Esse reducionismo atingiria o seu limite se todas as leis pudessem ser unificadas em uma única teoria. O problema é que, na maioria dos casos, a unificação de ideias é difícil, quando não é impossível, de se testar”. Em Física, a Relatividade Geral, publicada em 1915 por Albert Einstein, é a generalização da Teoria da gravitação de Newton. A nova teoria leva em consideração as ideias descobertas na Relatividade restrita sobre o espaço e o tempo e propõe a generalização do princípio da relatividade do movimento para sistemas que incluam campos gravitacionais. Esta generalização tem implicações profundas no nosso conhecimento do espaço-tempo, levando, entre outras conclusões, à de que a matéria (energia) curva o espaço e o tempo à sua volta Física UnespCiênCia 27 © 3 60 b Dossiê México A morte dos 43 estudantes normalistas en Ayotzinapa, en Iguala, Estado de Guer- rero, tem provocado grande indignação no país. É um episódio a mais nas constantes ondas de desaparecimentos, assassinatos, sequestros e massacres que, de maneira tão lamentável, têm corroído a imagem do México nos últimos anos. O desaparecimento de 43 pessoas em 26 de setembro de 2014 já se manifestava como um fato vergonhoso e angustiante; porém, a confirmação das mortes e do grau de cruel- dade envolvido (com o assassinato do grupo, a queima dos corpos e o despejo dos restos em um rio), decorrente da ordem de autoridades locais, como o ex-prefeito de Iguala, José Luis Abarca, sua esposa, María de los Ángeles Pine- da, além de policiais locais e grupos criminais como os Guerreros Unidos, tem comovido e indignado ainda mais a nação. Os protestos por justiça já transcenderam o local, e as manifestações se fazem cada vez maiores em ruas e praças públicas do país, inclusive nas mais importantes e simbólicas da Cidade do México. As multidões que se concentram são testemunhas da dor, da indig- nação e da impotência frente à impunidade de milhares de mexicanos diante de tal barbari- dade. Diversos setores, entre eles estudantes secundaristas e de outras instituições educativas do país, professores, organizações civis, entre outros, têm feito sua a tragédia das 43 famílias e traduzem a dor de um México cuja situação atual se lastima profundamente. Também as redes sociais se mobilizam para expressar o mal-estar e sua inconformidade. Ademais, Ayotzinapa se converteu em una imagem triste e de indignação em nível internacional. O massacre dos estudantes evidencia um Ayotzinapa ¡Por un México que tiene que despertar! Sandra Flores Gutiérrez é Mestranda em Relações Internacionais pela Universidade Nacional Autônoma do México. Encontra-se no Brasil para fazer intercâmbio junto ao Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Unesp – Marília. Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 14 de novembro de 2014. © S o rt ic a UnesPCiênCiA28 Dossiê México © P et ro h sW Estado severamente afetado, com um tecido social que já não confia em suas rachadas instituições, que não cumpre as funções para as quais foi criado e está amplamente corroí- do pelos grupos criminais. O narcotráfico se encontra estreitamente vinculado com a es- trutura política do governo. Ambos se aliam e se torna cada vez mais difícil encontrar os limites que separam um do outro. Desta forma, a autoridade federal (prefeitos, governadores e mesmo o presidente; além da organização institucional) perdeu toda credi- bilidade ante a população, cujos direitos hu- manos mais básicos têm sido constantemente violentados, cuja tranquilidade e liberdade desde há muito tempo têm sido subtraídas. Desculpas, negligências, contradições, irres- ponsabilidades e desorganização são o que até este momento têm as autoridades com suas investigações pouco eficientes frente ao desaparecimento de 43 pessoas. A efervescência de diferentes grupos nos ensina que o México está ansioso por uma ver- dadeira transformação social, com a reforma de suas instituições políticas e, acima de tudo, para que se abra um caminho de luta pela tão desejada e cada vez mais esquecida justiça, ¡por un México que tiene que despertar! CoMentário Sobre o MASSACre no MéxiCo RICARDO MOnTEAGUDO no dia 2 de outubro de 1968, no contexto de manifestações estudantis e populares que se espalharam em todo o mundo no “ano que não terminou”, houve um protesto em Tlatelolco, um bairro operário próximo à Cidade do México. Com provável anuência da CIA, naquele ano preocupada em conter o guevarismo na América Latina, os manifestantes foram cruel- mente massacrados pela polícia e por grupos paramilitares. Alguns falam em 300 ou 400 mortos, outros em mil, nenhum liberalismo ou cristianismo mesmo o mais conservador recusaria a vergonha que foi para toda a hu- manidade o que lá ocorreu. Eis que no dia 26 de setembro de 2014, em Iguala, no México, uma manifestação estudantil, talvez seme- lhante às que desencadearam as Jornadas de Junho pela redução no preço das passagens no Brasil, foi brutalmente reprimida pela po- Ricardo Monteagudo é professor do Departamento de Filosofia da Unesp de Marília. Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 11 de novembro de 2014. © S o rt ic a UnesPCiênCiA 29 Dossiê México Foi A grAnDe rePerCuSSão Do CASo eM toDo o MunDo que PreSSionou Por AlguMA iniCiAtivA e PoSiCionAMento MAiS eFetivo Do governo Do MéxiCo © J es si ca l an g e/ D iv u lg aç ão © M íd ia n in JA lícia, que prendeu dezenas de estudantes. Em seguida, 46 pessoas desapareceram. Sobrevi- ventes dizem que foram entregues pela polícia a grupos paramilitares vinculados a traficantes de drogas. O governo da Província de Guer- rero não autorizou a manifestação e por isso justificou a repressão policial, parece não ter se preocupado especialmente com o resulta- do da repressão. Foi a grande repercussão do caso em todo o mundo que pressionou por al- guma iniciativa e posicionamento mais efetivo do governo do México. Em seguida, novas e agora bem motivadas manifestações políticas contra a violência policial e pela solução dos desaparecimentos se espalharam por todo o México, agora sob os olhares atentos da co- munidade internacional. Observamos governos progressistas em qua- se toda a América Latina e a reação de elites conservadoras incomodadas com as poucas mudanças, aliás dentro do espírito da redução da desigualdade. Vemos no Brasil a preocupa- ção de poucos, porém poderosos, causada pelo Bolsa Família, que concede menos do que 10% do salário mínimo para ajudar as famílias na educação e no futuro de seus filhos, ou seja, no futuro do Brasil. Este pequeno avanço mudou o Brasil, retirou milhões de pessoas da linha da miséria, algo de que nos orgulhamos. Mes- mo assim parte menor da elite brasileira mais conservadora se manifestou, após as eleições, em defesa da interrupção institucional e do não reconhecimento do governo eleito, favorável à volta dos militares ao poder e ao encerramento do processo democrático no Brasil. Ora, o agu- çamento do conflito político entre progressistas e conservadores na América Latina, que chegam ao ponto de defender a violência para a manu- tenção de alguns privilégios e ainda colocam até a democracia liberal a prêmio. Querem uma democracia sem povo e uma eleição sem urnas. Caso não haja punição exemplar a todos os casos de violência política na América Latina, corremos o risco de ter uma re- gressão histórica ir- recuperável. Ocuparíamos a parte obscura e envergonhada do mundo, nossos filhos seriam incapazes de exercer a cidadania e autonomia, premidos pelo império do dinheiro e pela dis- ciplina militar. Há contudo uma novidade no cenário da globalização liberal: a internet. É esta força digital que forma a nova opinião pública que não admite mais formas de violência em defesa de privilégios inconfessáveis e injusti- ficáveis. Província de Iguala, cuidado!, somos hoje todos mexicanos. UnesPCiênCiA30 Dossiê México © J es si ca l an g e/ D iv u lg aç ão A exposição de fotografias de Jessica Lan- ge inaugurada em 10/2, no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, SP, tem um segmento dedicado ao México. Vale a visita por ser uma caminhada muito pessoal a um país mágico. Estão ali, sempre em preto e branco, os esqueletos, na forma de pessoas com o corpo pintado, e muitas máscaras celebrando o Dia dos Mortos e o Carnaval. São infinitas personagens que se multiplicam num desfile de impressões. O trabalho de Jessica não nos deixa indi- ferentes, creio, muito menos pela luz e muito mais pela dramaticidade das cenas. Há sensi- bilidade em captar as nuances entre o belo, o bizarro, o grotesco e o amedrontador. Tudo se mescla, por exemplo, quando máscaras de Car- naval abandonadas surgem em caixotes velhos que guardam alimentos ou ainda na oposição de imagens com excessivo número de elemen- tos e a sobriedade de um grupo de militares. Um ícone no percurso é uma criança jun- to a uma santa. Estão aí reunidas a pureza do acreditar e a crueza do existir; o amor intenso e a violência. Surgem seres paralisados, a um ponto de quebrar limites. A mesma atmosfera ganha o primeiro plano em um grafite. Curvas intensas com imagens de caveiras, corujas e dezenas de figuras alimentam nosso imaginário. O carnaval mexicano de Jessica Lange Oscar D’Ambrosio é doutor em Educação, Artes e História da Cultura e Assessor- -chefe de Comunicação e Imprensa da Unesp. Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 13 de fevereiro de 2015. De novo, paixão e tensão, mistério. Rifles de brinquedo repousando numa barraca de parque de diversões funcionam como metá- fora perfeita de um México pronto a explodir em diversos aspectos por suas tensões internas. Cada uma daquelas armas pode a qualquer momen- to se tornar violência cristalizada. O potencial está lá, basta detoná-lo. Falta um motivo, uma desculpa, para a situação transbordar. Os desfiles de Carnaval acentuam o clima de permissividade. A negação da proibição tu- do legitima, mesmo aquilo que nunca poderia acontecer. Assim, matar ou ser morto podem ser faces de uma mesma e pérfida moeda. O homem mascarado que segura entre os braços uma criança ilustra o sentimento com que saímos da exposição. Ele gera percepções, várias, é natural, mas uma das principais está na ambiguidade. O homem de rosto escondido, ativo na ação, está brincando ou assustando? E quem está passivo? Aproveita o momento, sofre com medo ou nada compreende da situação? A conclusão do Carnaval mexicano que Jes- sica Lange transforma em fotografias parece ser a de que a pureza ainda existe em cada recanto da festa, mas atos de todo tipo podem violentá- la num piscar de olhos. Assim, o mistério se pereniza. E nos encanta. UnesPCiênCiA 31 Design P rojeto de concepção e realização exclusiva da Origem Produções com apoio da ADP – Associação dos Designers de Produto, a Mos- tra Jovem Designers, voltada para estudantes de design de produtos de todo o Brasil, com orien- tação de professores das instituições que repre- sentam, busca estimular a formação de novos talentos e difundir a cultura do design no país. A Mostra já percorreu sete Estados brasi- leiros – São Paulo, Distrito Federal, Minas Gerais, Pernambuco, Paraíba, Paraná e San- ta Catarina – e também levou a criatividade do Brasil para o exterior em uma itinerância internacional em Milão, na Itália. Nesta quinta edição, o projeto tem o patro- cínio da Deca, e agenda de exposições pro- gramadas para o primeiro semestre de 2015 nas cidades de São Paulo (SP) e Florianópolis (SC). Seis produtos selecionados também par- ticiparão do Salão Satélite, em Milão, na Itália. Em São Paulo, a mostra teve abertura no dia 12 de fevereiro, no Museu da Casa Brasi- leira. A visitação ficou aberta até 29 de março. Durante o período, foi oferecido trabalho edu- cativo para grupos agendados, além de ciclo de palestras e oficinas relacionadas ao projeto. Parcerias Toda edição, a Mostra Jovens Designers convi- da os maiores prêmios de design do país para participarem da exposição, indicando seus estudantes premiados. A mostra tem presença confirmada do Prêmio Tok&Stok de Design Universitário, do Prêmio Alcoa de Inovação em Alumínio, Prêmio Idea/Brasil, Prêmio Design MCB, Desafio de Design Odebrecht Braskem, Salão Design Movelsul, Prêmio Sebrae Minas Design, Prêmio ABRE e Talento Volkswagen Design 2013 – Soapbox Gran Prix. Entre os 40 projetos que integraram a Mos- tra, em São Paulo, SP, sete foram elaborados por graduandos da Faculdade de Arquitetu- ra, Artes e Comunicação (Faac) da Unesp de Bauru. São os seguintes. Dos 40 Projetos selecionaDos na quinta eDição, sete são De alunos Da unesP De Bauru Mostra Jovens Designers © V iv ia n i ak i Mesa Oriente Paula Larissa de souza Cruz, orientação de Cláudio roberto y Goya. Mesa no estilo oriental formada por seis peças que também se transformam em banquinhos Mais informações www.jovensdesigners. com.br UnesPciência32 Design © V iv ia n i ak i LOna DiLiGente naiane Quirino de Biagi e Jéssica Fateiga Câmara, orientação de Paula Landim Lona para piscinas que também serve de cobertura contra o sol. Facilita o manuseio e a limpeza, e é segura contra acidentes com crianças. Prêmio alcoa de inovação em alumínio BanCO HiPODÂMiCO Daniel esteban P. L. Fidelis, orientação de tomas Queiroz Ferreira Barata Com assento dividido em quatro módulos independentes, o banquinho faz menção ao traçado urbano organizado em tabuleiro (quarteirões), característica do trabalho do arquiteto grego Hipódamo. UnesPciência 33 Design © V iv ia n i ak i eMBaLaGeM Para BeBiDa LÁCtea Bruno Borges da silva e rodolfo nucci Porsani, orientação de Luis Carlos Paschoarelli Projeto ergonomicamente elaborado para proporcionar conforto, fácil manuseio e atração estética. embalagem remete ao úbere, com referência à origem do leite e à vida no campo. Mesa UFO Cicero Felix de Oliveira Junior, orientação de tomás Queiroz Ferreira Barata Mesa com número reduzido de componentes e de fácil armazenamento. tampa flutuante de MDF laqueado e pés de eucalipto. altura de 75 cm. Prêmio tok&stok UnesPciência34 Design © V iv ia n i ak i CUBO tOteM Felipe estevan ribeiro, orientação de tomás Queiroz Ferreira Barata Mobiliário com peças articuladas que permitem diversos formatos de acordo com a necessidade do usuário. Prêmio tok&stok C.a.B.e. (Conjunto de abas Baseado em escada) Karina sayuri nakata, orientação de Cláudio roberto y Goya estante dobrável, baseada no conceito das escadas dobráveis. Pode ser empilhada e justaposta, formando um novo conjunto. UnesPciência 35 Relações Públicas R ealizar atividades de ensino baseadas em metodologia ativa, que se interliguem com a extensão e a pesquisa, que sejam inter e transdisciplinares, que estabeleçam laços concretos com o mercado de trabalho, e, ainda, que gerem processos de internacionalização. Essa meta do ensino universitário enfrenta de- safios, todos eles vencidos, com a realização do projeto “De la clase a la cuenta – Da classe ao mercado”, uma parceria entre a Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac) da Unesp de Bauru e a Universidade de Sevilha (Espanha), cuja primeira edição foi finalizada no dia 29 de janeiro. O projeto chega à Unesp depois de 19 anos de atividade na universidade espanhola. A pro- posta é montar, com alunos das universidades envolvidas, agências de comunicação que terão clientes reais. Nesta edição, as agências bra- sileiras tiveram como cliente a Raízen, joint venture criada a partir da junção de negócios da Shell Brasil e da Cosan. A Raízen tem o quinto maior faturamento do Brasil (R$ 58,5 bilhões) e cerca de 40 mil funcionários. É a principal produtora de etanol de cana-de- -açúcar do país. O desafio colocado aos estudantes foi conso- lidar a imagem da Raízen como uma empresa única e tornar clara a sua atuação, junto aos diferentes segmentos de públicos. Para isso, foi solicitado que eles planejassem e executassem ações online e off-line com três públicos da organização: as comunidades do entorno das unidades da Raízen; os funcionários e a mídia. O prOcessO Para a concretização do planejamento, foram montadas agências com alunos de cursos da Faac – Artes, Design, Jornalismo, Rádio e TV e Relações Públicas –, que tiveram que unir conhecimentos para apresentar os resultados. “Ter grupos com formação distinta significava riqueza de opiniões. Porém, havia desafios, como o fato de nem todos terem conhecimentos espe- cíficos da comunicação organizacional”, aponta Célia Retz, coordenadora do projeto no Brasil. Desta forma, optou-se pela realização de um curso de extensão com duração de oito meses, no qual se buscou uma metodologia de ensino diferenciada. “Trocamos o viés ‘con- teudista’ por uma metodologia ativa, baseada na resolução de problemas, ou seja, foram poucas oficinas e vários atendimentos volta- dos a ajudar as agências com a resolução do briefing”, diz Célia. Os alunos, primeiro, montaram as agências, com missão, visão, valores, identidade visual e seus próprios instrumentos de comunicação. Posteriormente, receberam o briefing com o desafio e tiveram oportunidade de conversar com os gestores da Raízen, estratégia durante a reunião de contra-briefing. Os passos seguin- tes foram a concepção da estratégia, a elabo- ração do planejamento e a criação das peças comunicativas. Também precisaram preparar uma apresentação pública, que resumisse to- da a proposta. PRojeto desenvolvido Pela UnesP BaURU em PaRceRia com a UniveRsidade de sevilha PRomove ações inéditas de inteRnacionalização e metodologia inovadoRa comunicação e criatividade Roseane andRelo Aurus: agência vencedora, com os alunos (da esq. para dir.) Klaus Aires Alves, Lucas Quinelato Cavalcante, Caio Cerigatto Libânio, Lucas Murback e Ranier Ribeiro Rocha. Roseane Andrelo é professora da graduação e da pós-graduação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp de Bauru. Unespciência36 Relações Públicas O Festival de criatividade e cOmUnicaçãO Duas agências de comunicação chegaram à reta final – a Pastifici e a Aurus Criação. Os resultados foram apresentados durante este evento, que teve como objetivo, além de pre- miar o trabalho dos participantes, promover uma ampla programação cultural. Entre a apresentação das agências, houve shows de hip hop; capoeira; chorinho; blues, finalizando com a Naumteria, bateria da Unesp de Bauru. O voto do júri, composto por membros da academia, do mercado e com a presença da professora Ana Cortijo, da Universidade de Se- vilha, definiu a Aurus Criação como a grande vencedora, que terá parte de suas ações implan- tadas pela Raízen, e fará uma visita à sua sede, onde acontecem os trabalhos de comunicação organizacional. A empresa também cedeu in- gressos para a Stock Car, de quem é patroci- nadora. Além disso, os alunos receberam um prêmio surpresa: cinco passagens aéreas para Sevilha, patroci- nadas pela Proex (Pró- Reitoria de Extensão). Além do voto dos jurados, foi dado à Aurus o Prêmio de Empreendedorismo, patrocinado pelo Sebrae e escolhido pelo público. Todo o processo foi permeado por ações de comunicação intercultural, uma vez que as agências brasileiras tinham contato com as espanholas. Além disso, o evento foi transmiti- do ao vivo, com tradução simultânea em espa- nhol, pela FAAC WebTV. A experiência gerou o projeto de pesquisa que, entre os objetivos, visa pesquisar aspectos cognitivos, relacionais e comportamentais que envolvem o diálogo intercultural entre estudantes da Unesp e da Universidade de Sevilha a partir de recursos educacionais abertos, voltados à coaprendizagem. A parceria já resultou em quatro visitas técnicas, duas da professora espanhola Ana Cortijo à Unesp e outras duas das professo- ras Célia Retz, Maria Eugênia Porém, Raquel Cabral e Tamara Brandão Guaraldo, do curso de Comunicação Social: Relações Públicas e da comissão gestora do projeto à Universidade de Sevilha. Uma das visitas foi realizada com recursos do edital do Programa da Graduação Inovadora/ Programa de Melhoria da Gradua- ção. O projeto contou ainda com recursos de Fapesp, Prograd, Arex, Proex e Faac, além de patrocínio de Raízen, Sebrae e Fundeb. os alUnos montaRam as agências, com missão, visão, valoRes, identidade visUal e seUs PRóPRios instRUmentos de comUnicação Comissão organizadora Apresentação de capoeira Unespciência 37 Dossiê Cinema © D iv u lg aç ão a utilizar, e aprimorar, essa máquina que du- rante a II Guerra Mundial foi utilizada pelas forças armadas do governo alemão. Alan Tu- ring e sua equipe levaram quase um ano para desenhar e construir a máquina Bomba, que tinha o tempo de resposta reduzido graças a algumas frases que os nazistas usavam cons- tantemente e ao fato da máquina Enigma não substituir uma letra por ela mesma. No intuito de preservar o segredo da deco- dificação das mensagens, antes de um ataque às forças nazistas, um avião de reconhecimen- to era enviado ao local para que os inimigos pensassem que “por acaso” tinham sido des- cobertos pelas forças aliadas. A decodificação dessas mensagens mudou o curso da história da Segunda Guerra Mundial, pondo fim a esse Vítima Da preConCeituosa soCieDaDe inglesa Da époCa SIlvIA MArIA GIulATTI WINTEr O filme O Jogo da Imitação relata a história do matemático inglês Alan Turing, enfatizando o período em que trabalhou no Parque Blechtley, nos arredores de londres – precisamente na Cabana 8 (“HuT 8”), junto a um grupo de en- genheiros e matemáticos. A árdua tarefa des- se grupo consistia em decifrar as mensagens codificadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Essas mensagens eram cripto- grafadas utilizando uma máquina denominada Enigma, construída em 1918 pelo alemão A. Scherbius. Em 1926 o exército alemão passou Filmes com indicações ao Oscar são analisados por especialistas de diversas áreas do conhecimento o filme o Jogo Da imitação relata a história Do matemátiCo inglês alan turing, interpretaDo pelo ator BeneDiCt CumBerBatCh Turing se submete a tratamento que culmina em suicídio, deixando sem resposta a pergunta sobre o que mais ele poderia ter feito pela ciência da computação UnespCiênCia38 Dossiê Cinema © D iv u lg aç ão Valdemir Pires é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara. Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite, de 18 de fevereiro de 2015. pesadelo quase dois anos antes do esperado, salvando milhões de vidas. O nome do filme faz menção a um dos legados de Turing, seu trabalho intitulado “Computação Maquinária e Inteligência”. O “jogo da imitação”, teste pro- posto por Turing, é um jogo simples em que perguntas são feitas a um ser humano e a uma máquina, na tentativa de identificar, através das respostas, qual deles seria o ser humano. Alan Turing foi pioneiro na ciência da com- putação e na inteligência artificial. Nascido em 1912 em londres, Turing e seu irmão mais velho foram deixados aos cuidados de uma família de amigos enquanto seus pais retor- naram à Índia. Aos treze anos foi enviado a um internato, período este que será marcan- te durante toda a sua vida. Foi nesse período que Turing se apaixonou por C. Morcom, um amigo do internato que morre tragicamente devido à tuberculose. Em 1954, Alan Turing morre vítima da pre- conceituosa sociedade inglesa da época. Após ser julgado e condenado por indecência, Turing é submetido a injeções de hormônio. Ainda pairam dúvidas sobre sua morte, se esta foi proposital (assassinato ou suicídio) ou aci- dental. Em dezembro de 2013, Alan Turing foi agraciado com o perdão real, embora um pedido de desculpas fosse mais apropriado. soBre gênios, guerras, CiênCia e Conflitos pessoais vAldEMIr PIrES O jogo da imitação é um belo tributo a Alan Turing (1912-1954), o inglês a quem devemos os feitos primordiais da computação moderna, em que as máquinas “pensam” por nós, tornando difícil imaginar como foi a vida sem elas. Tri- buto facilitado pela biografia do homenageado, marcada por ousadia e persistência incomuns, pela arrogância talvez involuntária, por boa dose de genialidade, pela homossexualidade reprimida – num tempo (anos 1940-50) e lugar (Inglaterra) de intolerância com o diferente – e finalizada pelo suicídio aos 41 anos. Com roteiro atraente (Graham Moore), di- reção primorosa (Morten Tyldum) e desempe- nho notável de Benedict Cumberbatch como personagem principal, o filme explora o am- biente competitivo entre cientistas nos esfor- ços pela vitória na Segunda Guerra Mundial, em cujo contexto foi inventada a “máquina de Turing”, utilizada para decifrar as mensagens em código com que os comandantes alemães transmitiam suas ordens às forças de combate. A conhecida relação entre avanço tecnológico e esforço de guerra é apresentada com lances dramáticos, que incluem Turing se mantendo no comando do laboratório por ordem direta de Churchill e à revelia dos comandantes imedia- tos do petulante cientista: ciência versus poder fora e dentro do laboratório. A genialidade de Turing é contraposta às suas dificuldades de relacionamento, por não dominar o mínimo da sensibilidade e do traquejo para a vida social e afetiva – o gênio focado, cuja vida se limita àquilo que o faz genial, provocando nos outros admiração (e inveja) e comiseração (e riso). Como se trata de uma cinebiografia, im- possível um final feliz: perseguido pela sua homossexualidade, Turing se submete a tra- tamento que culmina em suicídio, deixando sem resposta a pergunta sobre o que mais ele poderia ter feito pela ciência da computação. Impossível também – e aí está um grande mé- rito do filme – não sair da sala de projeção sem questionar a intolerância contra a orientação sexual não convencional. Impossível, por fim, não ter a mente e o coração agitados pela tra- ma que, insistentemente, faz suspeitar que a genialidade tem a ver com algum tipo de fuga a tormentos pessoais e frustrações acumuladas ou mesmo defeitos mentais. Claro, uma nota não poderia deixar de ser registrada acerca do amor desajeitado e subli- me que a trama atribui ao casal Turing-Joan Clarke (Keyra Knightley): “às vezes a solução vem de onde menos se espera” (Turing a Joan, e depois Joan a Turing, em passagens belíssi- mas do filme). Mas de Christopher (o amigo, primeiro; a máquina que o homenageia, de- pois) Turing esperava mais. Silvia Maria Giuliatti Winter é licenciada em Física pela Unesp, mestre em Engenharia Aeronáutica e Mecânica pelo ITA e doutora em Dinâmica Orbital pela School of Mathematical Sciences – QMWCollege – Universidade de Londres, professora do Departamento de Matemática da Faculdade de Engenharia da Unesp de Guaratinguetá e colaboradora do programa de pós-graduação em Engenharia e Tecnologias Espaciais do INPE. UnespCiênCia 39 Dossiê Cinema Stephen Hawking, interpretado no filme A teoria de tudo por Eddie Redmayne, que recebeu o Oscar pelo papel, vizinho em Cambridge, em 1993, do professor Mauro Galetti, da Unesp de Rio Claro, que ali realizou seu doutorado © D iv u lg aç ão stephen hawking: meu ilustre Vizinho MAurO GAlETTI Está nos cinemas de todo o mundo e concorreu ao Oscar o filme A teoria de Tudo, que conta a história do famoso físico inglês Stephen Ha- wking. Assistindo ao filme esta semana, não pude deixar de me emocionar e relembrar do meu vizinho ilustre. Isso mesmo, Stephen Hawking foi meu vizinho em Cambridge em 1993, quando na época eu era aluno de doutorado. Numa época em que não existiam e-mail, celular, selfies e as únicas celebridades com que os paparazzi se importavam eram a real família britânica, era comum encontrar cientistas famosos nas ruas de Cambridge. Atualmente com 88 prêmios Nóbeis nas mais diversas áreas, Cambridge é uma uni- versidade que ainda mantém tradições cente- nárias. A universidade nasceu antes mesmo da cidade. Em 1209 alguns professores que divergiram da cúpula acadêmica da universi- dade de Oxford decidiram rebelar-se e fundar a universidade de Cambridge, que viria a ser uma das universidade mais famosas do mun- do. A universidade de Cambridge tem hoje 18.000 alunos e é composta por 31 Colleges e 150 departamentos. Nos Colleges é onde os professores e alunos estão afiliados, residem e socializam-se. Cada College tem suas cores, tradições, influência e cada um escolhe seus próprios alunos. A universidade de Cambridge abrigou e ainda abriga uma grande parte dos maiores cientistas do mundo. Foi nessa universidade que William Harvey descreveu pela primei- ra vez a circulação sanguínea, Isaac Newton estudou, lecionou e escreveu seu famoso livro sobre a gravidade (Principia), Watson e Crick desvendaram a estrutura do dNA. Não apenas grandes cientistas estudaram em Cambridge, mas 15 Primeiros-ministros da Inglaterra, além de John Harvard (fundador da universidade de Harvard nos Estados unidos) e Charles darwin. Outros ex-alunos famosos incluem david Attenborough, Príncipe Charles, Hugh laurie (ator de House), Emma Thompson, e muitos atores de Hollywood. Cheguei na universidade de Cambridge na Inglaterra em setembro de 1992 logo após ter defendido meu mestrado, numa época politi- camente turbulenta no Brasil que acarretou o impeachment do então presidente Fernando Collor. Estranho pensar que essa época pa- rece ter voltado. Nunca havia estudado fora do Brasil e minha intenção era aproveitar ao máximo a chance que o governo brasileiro (através de bolsa do CNPq) havia me concedido com um bolsa de doutorado para estudar na mais prestigiosa uni- versidade do mundo. Tornar-me um cientista antropófago, como Oswald de Andrade bem colocou em seu Manisfesto antropofágico de 1928. Absorver tudo o que é de melhor, digerir e aí produzir uma ciência brasileira. Em Cambridge, meu quarto no robinson College era espartano, cabia apenas uma ca- ma e uma pequena escrivaninha. Era o menor UnespCiênCia40 Dossiê Cinema quarto de Cambridge e certamente o mais ba- rato. Eu pagava 100 libras esterlinas por mês, uma pechincha. Mas, diferente da maioria das universidades do mundo, a arte e a ciência se misturam nas amizades e nas conversas de pubs. Sempre acordava tarde pois passava a noite lendo e escrevendo meus trabalhos. depois de um café instantâneo, pegava minha bi- cicleta e seguia rumo ao meu departamen- to. Quase sempre frio e uma chuva fina me acompanhavam. No meu caminho era recorrente encontrar o Professor Stephen Hawkins saindo de seu pequeno apartamento acompanhado de sua enfermeira e segunda esposa. Seu apartamento ficava em um College para pós-graduandos em uma rua pacata. O nosso bairro era afastado do centro e numa área cercada de macieiras e campos de rúgbi. Hawkins, que já era famoso entre os leigos pelo livro Uma breve história do tempo, desco- briu ter esclerose múltipla quando era aluno de doutorado de Cambridge. Ia dirigindo sua cadeira de rodas lentamente pelas ruas de Cambridge e sua enfermeira ia a pé ao seu lado. Ninguém o importunava, nunca vi nin- guém parar para tirar sua foto. uma vez parei no sinal e ao meu lado lá estava Hawking indo trabalhar, também esperando o sinal abrir. Eram épocas mais simples, em que o respeito e a admiração eram guardados para si mesmo. Assim como Hawking, Cambridge me pro- porcionou assistir a palestras de prêmios No- béis (como a de Francis Crick) e outros cien- tistas que viriam a ser famosos. Cambridge me fez entender que uma universidade deve ser a melhor experiência acadêmica na vida de um aluno. Assistindo o filme da vida do Professor Ha- wking no cinema fiquei feliz que a vida de um cientista tenha chegado ao grande públi- co. Hoje, numa época em que celebridades são criadas e destruídas em minutos, ainda existe espaço para ouvir a história de quem realmente importa. BoyhooD: pequenas e fragmentaDas histórias De uma geração rOdrIGO CzAJKA A premiação anual do Oscar sempre traz con- sigo calorosos embates entre defensores e de- tratores das obras cinematográficas que estão em julgamento, e neste ano de 2015 não seria diferente. Num caso, em particular, uma pro- dução chamou atenção não apenas da crítica, mas do grande público que se mostrou sen- sível ao projeto do diretor richard linklater. Trata-se de Boyhood (lançado no Brasil com o título Da infância à juventude), um filme que tem dividido opiniões sobre os recursos e argumentos utilizados pelo diretor na pro- dução desse longa-metragem de duas horas e quarenta minutos de duração.A notabilidade alcançada pelo filme, num primeiro momen- to, foi pelo fato de o trabalho de linklater ter sido o resultado de 12 anos de produção. Ou seja, as filmagens transcorreram num período de 12 anos, acompanhando a transformação Mauro Galetti é professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro. Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 23 de fevereiro de 2015. Rodrigo Czajka é professor de Sociologia da Cultura do Departamento de Sociologia e Antropologia da Unesp de Marília. Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 23 de fevereiro de 2015. UnespCiênCia 41 Dossiê Cinema dos atores que, por sua vez, confunde-se com a transformação dos personagens. um filme que, rodado em segredo durante tanto tempo, lançou sobre si certa aura que o transformou num trabalho único. dentre muitos outros aspectos, talvez esse tenha servido apenas e unicamente como elemento publicitário dos objetivos de linklater. Contudo, o que mais representa a obra na sua totalidade não foi suficientemente evi- denciado. O filme, na verdade, é um exercício narrativo que procura dar conta dos dilemas de uma geração que amadureceu à sombra da primeira década do século XXI. Por mais que uma euforia tomasse conta daquela ju- ventude que adentrava o novo século, com promessas de uma nova sociedade, de uma nova ordem global – o filme no seu início estampa o atentado ao World Trade Center, em NY – uma névoa de melancolia e de in- certezas povoou o imaginário daqueles que lentamente amadureciam na compulsória agilidade e na fluidez das transformações po- líticas, sociais, culturais e econômicas vividas pela sociedade norte-americana. A narrativa, apesar de representar uma linearidade, ela própria se desgarra como se quisesse captar o desajustamento de uma geração consigo mesma. Mason (interpretado por Ellar Col- trane) não é só um personagem juvenil, mas um elemento que representa e sintetiza uma visão de mundo inacabada e que sente sau- dades de um passado que ele não pode viver – sobretudo aquele passado vivido pelo pai (Ethan Hawke), majestosamente alegorizado na antologia que criou para o filho, com as canções do Beatles, intitulada curiosamen- te The Black Album – em referência ao The White Album (1968). Boyhood não é um filme diletante e se fosse deixaria de cumprir seu papel. Também não é filme político, ainda que impasses ideoló- gicos transpareçam em muitos diálogos. Seu núcleo narrativo está centrado na simplici- dade, nos elementos óbvios que compõem a história e a memória dos indivíduos. Talvez resida aí a dificuldade em lidarmos com uma obra dessa natureza. Boyhood não é um gran- de épico nem conta uma grande história, por isso mesmo não levou a estatueta de melhor filme. Pelo contrário, define-se pelo acúmu- lo de memórias num beco escuro, à espera de alguém que venha desvelar as pequenas e fragmentadas histórias de uma geração. O filme Boyhood, drama dirigido por Richard Linklater, ganhou notoriedade por ter demorado 12 anos para ser concluído, tornando-se uma das mais longas produções da história do cinema. © D iv u lg aç ão UnespCiênCia42 TRECHO “Em 1415, o infante d. Henrique, “o Navegador”, participou da captura da cidade muçulmana de Ceuta no Marro- cos, marcando o início de uma presença portuguesa formal fora da Europa conti- nental. Em 1822, o Brasil declarou sua independência de Portugal. Nos séculos decorridos nesse ínterim, navegadores portugueses rumaram para o norte até o Círculo Polar Ártico e para oeste até a Groenlândia e o Mar do Labrador, além de desbravar as passagens sul e sudoeste do Oceano Atlântico ao Índico e o Pacífico, respectivamente. A Coroa portuguesa reivindicou soberania sobre os arquipélagos atlânticos e os territó- rios às margens do Atlântico na África continental e na América do Sul. Mer- cadores criaram redes de comércio ao norte no Mar Báltico e ao sul de Ben- guela e no Rio da Prata. Os portugue- ses colonizaram ilhas e continentes às margens do Atlântico e estabeleceram vilas, cidades e instituições. O portu- guês tornou-se a língua europeia mais falada na região atlântica. Ao expô-los ao cristianismo e à escravidão, os portu- gueses transformaram a vida de milhões de ameríndios e africanos.” P roduzidos em diferentes momentos da carreira de John Russell-Wood, os nove ensaios desta coletânea, intitulada ‘Histórias do Atlântico português’ (Editora Unesp, 404 páginas, R$ 54), constituem uma amostra bastante representativa da obra do historia- dor, um dos mais proeminentes entre os de língua inglesa. Demonstrativos do ecletismo e algumas ve- zes da inovação de suas temáticas de pesquisa, metodologia e perspectiva analítica global da historiografia do império português, os textos, selecionados pelo próprio autor em 2010, meses antes de sua morte, foram escritos entre 1977 e 2009. Alguns são clássicos com potencial de renovação da pesquisa acadêmica sobre certos temas da História atualmente muito investi- gados, como o das instituições de governo lo- cal, dos funcionários régios e das formas de mobilidade social de negros africanos e mes- tiços na sociedade hierárquica luso-brasílica. A coletânea, contudo, também inclui textos inéditos em língua portuguesa, que prometem contribuir para o estudo e a investigação sobre a ciência e as técnicas náuticas, bem como sistemas portuários, além da reflexão sobre o processo de constituição de uma civilização do Atlântico português, cujas raízes também se estendiam até a Ásia. Acessível e interessante inclusive para não especialistas, o livro coloca o leitor curioso acerca da formação do mundo de língua por- tuguesa diante dos movimentos humanos que se deram entre os continentes ao longo dos séculos, bem como das histórias deixadas por aquelas trajetórias. Histórias do Atlântico português AUTOR, JOHN RUSSELL-WOOD, É UM DOS MAIS IMPORTANTES HISTORIADORES INGLESES Sobre o autor Anthony John R. Russell-Wood (1940- -2010), nasceu no País