EXPANSÃO E CONSOLIDAÇÃO DO COMPLEXO PATOGÊNICO DO DENGUE NO ESTADO DE SÃO PAULO: DIFUSÃO ESPACIAL E BARREIRAS GEOGRÁFICAS Rafael de Castro Catão Presidente Prudente, maio de 2016 II         UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE Programa de Pós-Graduação em Geografia Área de Concentração: Produção do Espaço Linha de Pesquisa: Trabalho, Saúde Ambiental e Movimentos Socioterritoriais Expansão e consolidação do complexo patogênico do dengue no estado de São Paulo: difusão espacial e barreiras geográficas Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT/UNESP, referente às atividades desenvolvidas em nível de doutorado, sob a orientação do Professor Raul Borges Guimarães Rafael de Castro Catão Presidente Prudente, maio de 2016 III         FICHA CATALOGRÁFICA Catão, Rafael de Castro. C356e Expansão e consolidação do complexo patogênico do dengue no estado de São Paulo : difusão espacial e barreiras geográficas / Rafael de Castro Catão. - Presidente Prudente : [s.n], 2016 274 f. : il. Orientador: Raul Borges Guimarães Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Inclui bibliografia 1. Dengue. 2. Difusão. 3. Complexo patogênico. I. Guimarães, Raul Borges. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. Título. IV         V         Minha avó Imel (in memoriam) que inoculou em todos os netos a vontade de desbravar o mundo e apreende-lo com seus sabores e paisagens VI         AGRADECIMENTOS O ponto final de uma tese nos traz lembranças de toda nossa vida, em especial da jornada acadêmica, com suas reviravoltas, descobertas, dificuldades, alegrias e tristezas. Tecemos trajetórias geográficas, com suas delicias e dores, encontrando e nos afastando de amigos e parentes, conhecendo um pouco mais desse mundo. Lembramos com mais vivacidade, ao dar esse ponto final, das pessoas que entram e saem da nossa vida, em especial nesse período, e que deixaram um pouco de si em nós, e com esperança, que pudemos também dar a nossa contribuição, seja com um mapa ou com um abraço. Presidente Prudente, Barcelona e Brasília não foram apenas cidades que morei nesse período, são lugares que estão os amigos, cheios de lembranças e memórias afetivas, saudades e nostalgia, que marcaram a alma e a imaginação geográfica e que sempre carregarei comigo. Desde o calor do verão Prudentino, os ventos loucos de outono de Barcelona (Levante) ou a secura do inverno Brasiliense, mas também as jantas nas casas de amigos após as aulas e um sorvete no parque do povo, o happy hour nas terrazas das diversas ramblas após um banho de mar e a tapioca na feira da torre no domingo. Nem tampouco São Paulo, Ituiutaba, São Luís, Belo Horizonte e Rio de Janeiro foram apenas lugares de cursos, congressos e trabalhos de campo. Temos essa geografia inscrita na alma, e está presente no nosso jeito de ver, pesquisar e nos relacionar. Primeiramente agradeço minha mãe, Adriana, pelo apoio permanente e sempre acreditando e fazendo de tudo para que fosse possível essa jornada. Uma guerreira que ensinou a não fugir e a enfrentar as dificuldades da vida, não apenas com palavras, mas com exemplos e ações cotidianas. O fim da tese me transporta para 2008, quando cheguei em Prudente para fazer o mestrado. Nos sete anos que estive em Prudente pude (re)conhecer vários amigos, que formaram minha família, aliviando a saudade e o estresse cotidiano, criando laços e parcerias. O Igor que trago desde Brasília, dando sempre suporte em todos aspectos, com seu jeito objetivo e preciso falando sempre, e sem julgamento, o que necessitava ouvir. Me apresentou a Paula, com seus debates críticos de cartografia que sempre me ajudaram, e a Maria Angélica com quem pude trabalhar com a temática da violência e insegurança, me tirando da frieza das estatísticas e dos mapas. O Reginaldo também me foi apresentado pelo Igor, me mostrou a poesia contida nas paisagens, com os ritmos e temporalidades da natureza. VII         Dividindo república conheci o Cleverson e o Vitor, cada um seguiu seu caminho, hoje estão Maringá e Ituiutaba, mas sinto presente que estamos ainda na sacada, rindo e jogando conversa fora, entre um trabalho e outro, como se não houvesse distância ou passagem do tempo. Dona Marcia e Dona Leda também me integraram, tanto fazendo caldo de ervilha quanto rindo de casos antigos. Depois chegaram o Juscelino e Henrique, inicialmente colegas de república, e se agregando na minha família prudentina, acrescentando um tempero cearense à vida cotidiana no interior de São Paulo. Juscelino amigo de todas as latitudes (de Porto Alegre a Londres), o olhar mais analítico e refinado da geografia brasileira, hoje se encontra em Brasília, lecionando onde me formei. Já o Henrique, guardo os conselhos de irmão mais velho, as conversas de história da arte, cartografia e arquitetura, entre uma tapioca e um baião de dois. Ao Wagner Batella e Tati, amigos mineiros (e atleticanos) que me faziam lembrar das alterosas, com cheiro de pão de queijo e muita prosa. Não posso esquecer de Andrea, paraibana arretada, sempre agitando a calma da cidade média. O mestrado termina em 2011, a turma defende e vai trilhar outros rumos. Wagner Amorim é um dos que continuam em Prudente, agora com a Edna, um namoro que começa a distância, alcovitado e celebrado por muitos, um casal com sua simplicidade e sinceridade que agregam a todos. Com o início do doutorado chegam uma nova turma, e vamos estreitando os laços. Ficam tão estreitos que viro compadre. Juliana, com seu jeito espevitado, sorriso sincero e espontaneidade, presente em todos momentos, contribuiu e muito na leveza da tese. Já meu compadre Italo, com sua tranquilidade e serenidade, sempre leve e divertido. Eles trouxeram à vida prudentina, junto com o Marlon, uma sensação de cotidiano e serenidade. Em especial gostaria de agradecer a Raquel Arruda, que com sua perseverança e força contribuiu enormemente com o desenvolvimento dessa tese, em todos os aspectos. Agradeço ainda aos colegas do Laboratório de Biogeografia e Geografia da Saúde, os mais antigos companheiros como Nice, Lourdes, Eduardo Wernerck, Natália Cristina, e o sangue novo, Natália Henriques, Luciana, Carol, e os dois Mateus (Fachin e Oliveira). Agradeço ao Umberto pela ajuda com os dados, o Oseias pela força e opinião dos mapas, o Tiago pelo debate de cartografia e geoprocessemento, a Patrícia Sayuri, com sua expertise em geoestatística e análise espacial, os inúmeros pepinos que resolveu, e as hospedagens sempre muito agradáveis. Ao Balta pela força que deu, participando efetivamente do cotidiano, sempre disposto a ajudar e contribuir, e a Carla, pelas dicas de cartografia. Ao Archanjo, pelos debates da geografia da saúde e cartografia, por todas palavras que disse para mim e por mim. VIII         Aos membros do GAIA, em especial a Núbia pelos inúmeros debates sobre a política na academia, a Karime com o auxílio dos dados climáticos e a explicação do clima nas cidades de São Paulo e ao Ronaldo pela acolhida em São Luís e aos bons domingos em Prudente. A meu orientador Raul, que nunca duvidou das minhas possibilidades, acreditando e motivando. Orientando e desnorteando ao mesmo tempo, para que encontrasse meu rumo e trilhasse meu caminho. Aos demais Professores do PPGG, que auxiliaram no processo de produção da tese, e que construíram comigo o conhecimento de geografia, em especial a Carminha e João Lima que participaram da banca de qualificação. Aos funcionários da seção de Pós-Graduação, em especial a Cinthia com sua presteza e tranquilidade. Em Barcelona gostaria de agradecer a todos do Institut Catalá de Ciències de Clima – IC3, que me receberam e integraram na equipe, mostrando a vida de um instituto de pesquisas, com suas agendas, compromissos e debates. Mostrando o cotidiano da cidade de Barcelona, com seu conteúdo multicultural, suas tradições e especificidades. Merkel, Desi, Joan, Carlos, Anna- Lena, e em especial Eleftheria, parceira de pedal e terrazas. Minha supervisora Rachel que soube me conduzir pelos caminhos dos modelos e da estatística, o fez sem que me apavorasse, com sua calma e polidez britânica. Paula e André, casal brasiliense que me recebeu e guiou pelas ramblas e avingudas, matando a saudade do Brasil Ao pessoal da FIOCRUZ, que me recebeu em duas ocasiões, no Rio e em Petrópolis, onde pude aprender bem mais que os conteúdos de saúde pública, meu agradecimento a Marilia Sá, Osvaldo e Christovam, e aos colegas da casa amarela, Paula, Moreno, e Mariana. Aos Professores Samuel Lima, Marcia Siqueira, e Helen Gurgel, que me guiaram pelos caminhos da geografia da saúde. Maria Clara, companheira que me lembra o conto de Galeano sobre o mundo como um mar de foguinhos, em que cada ser brilha com sua luz própria, cada um com sua intensidade. Pelo apoio dado pelo Conselho Nacional de Pesquisa e desenvolvimento com uma bolsa de estudos, e pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, com duas bolsas (regular 2012/05913-1 e BEPE 2014/17676-0), sem as quais essa tese não seria possível. IX         Sumário RESUMO XII ABSTRACT XIII LISTA DE FIGURAS XIV LISTA GRÁFICOS XVI LISTA TABELAS XVII LISTA DE QUADROS XVII INTRODUÇÃO 1 PARTE I A DIFUSÃO ESPACIAL E COMPLEXOS PATOGÊNICOS: UMA PROPOSTA ANALÍTICA 14 CAPITULO 1. A DIFUSÃO NO PENSAMENTO GEOGRÁFICO 15 PARTE II - DIFUSÃO DO AEDES AEGYPTI E DO DENGUE NO ESTADO DE SÃO PAULO 77 CAPÍTULO 2. DIFUSÃO DO AEDES AEGYPTI – CONSTITUIÇÃO DA ÁREA DE TRANSMISSÃO 78 CAPÍTULO 3. O DENGUE EM SÃO PAULO 124 PARTE III COMPLEXO PATOGÊNICO DO DENGUE EM SÃO PAULO: PROPOSTA DE SÍNTESE 179 CAPÍTULO 4. O COMPLEXO PATOGÊNICO: ÁREAS NUCLEARES, FRANJAS E AS BARREIRAS 180 CONSIDERAÇÕES FINAIS 224 REFERENCIAS 229 APÊNDICES 241 X         ÍNDICE Índice ....................................................................................................................................................... X  RESUMO ............................................................................................................................................. XII  ABSTRACT ........................................................................................................................................ XIII  Lista de figuras ................................................................................................................................... XIV  Lista gráficos ...................................................................................................................................... XVI  Lista tabelas ....................................................................................................................................... XVII  Lista de quadros ................................................................................................................................ XVII  Introdução ............................................................................................................................................... 1  Parte I A difusão espacial e complexos patogênicos: uma proposta analítica .......................................14  Capitulo 1. A difusão no pensamento geográfico: aportes teóricos para o movimento do complexo patogênico ..............................................................................................................................................15  1.1. Desenvolvimento do conceito na geografia – a centralidade da obra de Hägerstrand ....................21  1.2. Estudo de difusão espacial de doenças na geografia da saúde ........................................................34  1.2.1. Estudos clássicos de difusão de doenças ......................................................................................34  1.2.2. Os estudos da difusão espacial do dengue ....................................................................................55  1.3. Complexo patogênico e difusão espacial: uma proposta .................................................................62  Capítulo 2. Difusão do Aedes aegypti – constituição da área de transmissão .......................................79  2.1. Existência pretérita do Aedes aegypti no estado de São Pulo – Século XIX e início do XX – o predomínio da febre amarela ..................................................................................................................79  2.2. Do combate ao Aedes aegypti à erradicação ...................................................................................88  2.3. Reinfestação do estado de São Paulo: de 1985 a 2012 ....................................................................98  2.4. Análise da difusão – superfície de tendência ................................................................................106  2.5. Fatores determinantes e a difusão do vetor ...................................................................................115  Capítulo 3. O dengue em São Paulo .....................................................................................................125  3.1. Difusão do dengue a partir das notícias.........................................................................................126  3.2. - Histórico do dengue em São Paulo .............................................................................................131  3.2.1. Tendência temporal do dengue ..................................................................................................141  3.3. Análise da difusão do dengue ........................................................................................................152  3.4. Determinantes e difusão do dengue ..............................................................................................172  PARTE III COMPLEXO PATOGÊNICO DO DENGUE EM SÃO PAULO: PROPOSTA DE SÍNTESE .................180  Capítulo 4 - O Complexo Patogênico e as barreiras do dengue ...........................................................181  4.1. Mapeamento do Complexo Patogênico do dengue em São Paulo a partir da intensidade ............184  XI         4.2. Influência da sazonalidade do clima na sazonalidade do dengue –a escala local .........................196  4.3. Complexo do dengue: barreiras, áreas nucleares e franjas ............................................................215  CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................225  REFERENCIAS .......................................................................................................................................230  Apêndices .............................................................................................................................................242  Apêndice 1 – Ajustes para elaboração do mapa temático de difusão do vetor ....................................242  Apêndice 2 – Ajustes realizados na tabela da SUCEN ........................................................................247  Apêndice 3 – Listagem dos Municípios Reinfestados .........................................................................253  Apêndice 4 – Critérios demográficos e epidemiológicos para determinação de critérios clínico epidemiológicos ...................................................................................................................................255  Apêndice 5 – Endereço eletrônico dos dados .......................................................................................256  Apêndice 6 – Mapa com a descrição do padrão de casos ....................................................................257  XII         CATÃO, Rafael de Castro. Expansão e consolidação do complexo patogênico do dengue no estado de São Paulo: difusão espacial e barreiras geográficas. 2016. Tese (Doutorado em Geografia) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente. RESUMO Trinta anos após sua reemergência o dengue se encontra presente em aproximadamente todo o país. Devido às características sociais e ambientais, quase toda a extensão território nacional é propicio ao desenvolvimento da doença. Porém, existem alguns clusters de municípios que nunca notificaram casos autóctones ou que possuem taxas e casos muito abaixo da média. Esses municípios estão aglomerados em áreas com características (sociais e ambientais) semelhantes, evidenciando algum fato geográfico que impede ou limita a expansão/consolidação da doença naquela área. Propomos denominar essas áreas de barreiras geográficas de difusão, que dificultam ou impedem a transmissão do dengue nesses referidos clusters. As barreiras seriam componentes do Complexo Patogênico do Dengue, juntamente com as áreas nucleares e franjas, conformariam essa área de transmissão estável. Os complexos patogênicos foram definidos por Max Sorre (1933) e são constituídos pela extensão estável dos entes da cadeia epidemiológica de uma doença. Definimos como recorte empírico o estado de São Paulo. Como hipótese da pesquisa, aventamos que na análise da ampliação e consolidação do complexo patogênico do dengue no estado de São Paulo as barreiras geográficas de difusão do são formadas em relação aos determinantes socioespaciais em múltiplas escalas espaciais e temporais, modulando o processo de difusão da doença. O objetivo geral consiste em compreender o processo de ampliação e consolidação do complexo patogênico do dengue no estado de São Paulo e sua relação com a difusão espacial e as barreiras geográficas. Para tanto foi mapeada a difusão de vetores, da doença e mapeado o complexo no estado de São Paulo. Palavras-chave: Dengue; Difusão espacial; Barreiras geográficas; Complexo Patogênico; Geografia da Saúde. XIII         CATÃO, RC 2016. Expansion and consolidation of Dengue Fevers Pathogenic Complex in São Paulo state: spatial diffusion and geographic barriers, Ph.D Thesis, Sao Paulo State Univ. ABSTRACT Thirty years after re-emerging dengue fever is already present in most parts of Brazil. Due to its environmental and social characteristics, almost the entire extension of national territory is propitious to the development of the disease. However, there are some municipalities’ clusters that have never notified autochthonous cases or that have rates and cases far below average. These municipalities’ clusters are in areas with similar environment and social characteristics, highlighting some geographic factor that prevents or limits the expansion/consolidation of the disease in that area. We propose nominate such areas as diffusion barriers, that difficult or blocks dengue transmission in these clusters. The barriers are components of the Dengue’s Pathogenic Complex, along with fringes and core areas, which conforms the stable transmission area. Defined by Max Sorre (1933), the Pathogenic Complex constitutes the stable spatial extension of a diseases transmission chain. We defined Sao Paulo state as the study area of the thesis. As hypothesis, we defined that in the analysis of the expansion and consolidation of the dengue fevers pathogenic complex in the Sao Paulo State the diffusion barriers are formed in relationship to the socio-spatial determinants in multiple temporal and spatial scales, modulating the diseases diffusion process. The aim of the thesis consists in comprehend the expansion and consolidation of dengue fevers pathogenic complex in Sao Paulo state and its relationship with spatial diffusion and geographical barriers. To achieve this aim we mapped and modelled the vector and the disease diffusion and propose a synthesis cartography of the pathogenic complex. Keywords: Dengue fever; spatial diffusion; geographic barriers; pathogenic complex; Geography of Health XIV         LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Municípios sem notificação entre 2001-2008 ........................................................................ 2 Figura 2- Tipologia do dengue no território nacional ............................................................................. 3 Figura 3- Tipos de Difusão.....................................................................................................................16 Figura 4 - Difusão por Expansão/Contágio e Hierárquica ....................................................................18 Figura 5 - Tipos de difusão e análise por Gráficos .................................................................................19 Figura 6 - Difusão das plantas e animais domésticos do velho mundo ..................................................22 Figura 7 - Difusão de Automóveis na Scania, Suécia – 1918 – 1924 ....................................................24 Figura 8- Centro Médio de Informação, com os valores de probabilidade atribuídos a cada célula, sobre o mapa em grade da região de estudo ...........................................................................................26 Figura 9 - Intervalos acumulados sobre o MIF ......................................................................................26 Figura 10 - Modelo descritivo de Difusão de Informação .....................................................................27 Figura 11 - Curva Logística e Curva de Distribuição Normal – Onda de Difusão no Tempo ...............28 Figura 12 - Aceitação de inovações no tempo e no espaço – ondas espaço temporais ..........................29 Figura 13 - Comunicação entre cidades com e sem barreiras – Fronteiras políticas..............................31 Figura 14 - Tipos de Barreira .................................................................................................................32 Figura 15 - Extrato do Mapa de distribuição do Cólera 1816 – 1950 ....................................................37 Figura 16 - Diagrama das subáreas da geografia da saúde .....................................................................39 Figura 17 - Mapa de difusão do Cólera - EUA 1849 .............................................................................41 Figura 18 - Gráfico tempo - rede urbana da difusão do Cólera - EUA 1849 .........................................41 Figura 19 - Mapa de difusão da Influenza na Inglaterra ........................................................................43 Figura 20 – Centrograma (centros médios) Figura 21 - Rotas de difusão ...........................43 Figura 22 - Mapa de Isolíneas da difusão da peste aviária .....................................................................44 Figura 23 - Difusão da Cólera na África Ocidental – Análise de tendência (Superfície quadrática) .....46 Figura 24 - Elipses direcionais e centros médios da difusão da varíola em Bragança Paulista .............47 Figura 25 - Área de estudo, grafos e exemplos de autocorrelação .........................................................49 Figura 26 - Epidemia de sarampo em 1950-1952 com as curvas da Islândia e sua capital Reykjavik ..50 Figura 27 - As ondas epidêmicas no espaço...........................................................................................51 Figura 28 - Difusão da AIDS em Ohio e Mapa gravitacional ................................................................54 Figura 29 - Difusão do dengue na mesorregião de São José do Rio Preto .............................................56 Figura 30 - Estratos de risco espaço temporal, São Jose do Rio Preto, 2005-2006 ...............................59 Figura 31 - Epidemias de dengue em Kaoshing e Fengshan -2001-2003 .............................................60 Figura 32 - Cidades selecionadas e Ferrovias na província de São Paulo, 1886 ....................................84 Figura 33 - Infestações pretéritas e prováveis rotas de difusão do Aedes aegypti para São Paulo, 1980 – 1985 ........................................................................................................................................................97 XV         Figura 34 - Infestação de São Paulo por Aedes aegypti ........................................................................99 Figura 35 - Análise de Superfície de Tendência ..................................................................................109 Figura 36 - Isócronas com municípios por biênio de infestação, 1985-2012 .......................................111 Figura 37 – Diferença entre o ano de infestação e as isócronas ...........................................................113 Figura 38 - Isócronas de Superfície de Análise de Tendência em relação aos Climas de São Paulo...118 Figura 39 - Isócronas de Superfície de Análise de Tendência em relação ao relevo ...........................119 Figura 40 – Isócronas de Superfície de Análise de Tendência em relação à densidade demográfica (2010). ..................................................................................................................................................120 Figura 41 - Difusão de Aedes aegypti em São Paulo ...........................................................................122 Figura 42 - Reemergência do dengue: 1987 e epidemia de 1990-1991 ...............................................133 Figura 43 - Casos de dengue por ano, 1992 - 20012 ............................................................................135 Figura 44 - São Paulo - taxa de incidencia de dengue por ano, 1992 – 2012 .......................................136 Figura 45 - São Paulo - ano de primeira notitificação do dengue por município - 1992 -2012 ...........161 Figura 46 - São Paulo ano de primeira epidemia - 1992 - 2012 ...........................................................164 Figura 47 - Indicador de permanencia – primeiros casos .....................................................................168 Figura 48 - Indicadores de tempo e permanência – primeiros casos ....................................................169 Figura 49 - Indicador de permanência – epidemias .............................................................................171 Figura 50 – Indicadores de tempo e permanência – epidemias ............................................................172 Figura 51 - Krigagem dos anos de primeiros casos ..............................................................................174 Figura 52 – Krigagem dos anos de primeira epidemia .........................................................................175 Figura 53 – Difusão do dengue e determinantes ..................................................................................177 Figura 54 - Síntese Parcial: fatores de dinamização e espaços opacos. ...............................................188 Figura 55 - Síntese Parcial: determinantes ambientais. ........................................................................189 Figura 56 - Síntese Parcial: Fatores de Barreira – ausência de Aedes aegypti .....................................191 Figura 57- Síntese Parcial: Casos, óbitos, taxas e áreas mais afetadas ................................................193 Figura 58 - Tipologia do dengue no estado de São Paulo, 2012. ........................................................195 Figura 59 - Cidade selecionadas em relação a altitude, São Paulo ......................................................199 Figura 60 – Região de Influência das cidades ......................................................................................217 Figura 61 - Região de Influência das cidades e a intensidade do dengue ...........................................219 Figura 62 - Álgebra de mapas e compartimentação do complexo no estado de São Paulo .................221 Figura 63 - Complexo Patogênico do estado de São Paulo e suas compartimentações .......................223 XVI         LISTA GRÁFICOS Gráfico 1 - Óbitos por Febre Amarela - São Paulo e cidades selecionadas - 1894 – 1906 ....................86  Gráfico 2 - Municípios infestados por Aedes aegypti no estado de São Paulo – 1985 – 2012 ..............98  Gráfico 3 - Análise da difusão por contágio .........................................................................................105  Gráfico 4 - Análise da difusão hierárquica ...........................................................................................105  Gráfico 5 - Casos notificados de dengue estado de São Paulo – 1986 – 2012 .....................................142  Gráfico 6 - Taxa de Incidência de dengue no estado de São Paulo – 1986 – 2012 ..............................144  Gráfico 7 - Internações por dengue no estado de São Paulo – 1986 – 2012 ........................................145  Gráfico 8 - Internações e formas mais graves de dengue no estado de São Paulo – 2001- 2012 .........146  Gráfico 9 - Óbitos decorrentes por dengue no estado de São Paulo – 1986 – 2012 .............................147  Gráfico 10 - Acumulado de casos por mês, São Paulo – 2001-2012 ...................................................149  Gráfico 11 - Acumulado de casos por mês, São Paulo – 2001-2012 ...................................................150  Gráfico 12 - Casos de dengue por mês, São Paulo – 2001-2012 .........................................................151  Gráfico 13 - Municípios por ano de primeiros casos em relação a distância de Ribeirão Preto ..........153  Gráfico 14 - Municípios por ano de primeira epidemia em relação a distância da origem ..................154  Gráfico 15 - Municípios por ano de primeiros casos em relação ao Log (10) da população ...............155  Gráfico 16 - Municípios por ano de primeira epidemia em relação ao Log da população ..................156  Gráfico 17 - Variação do Índice Global de Moran da Taxa de Incidência ...........................................158  Gráfico 18 - Número de municípios por ano de primeiras notificações ...............................................159  Gráfico 19 - Número de municípios por ano da primeira epidemia ....................................................163  Gráfico 20 - Municípios por número de anos com casos .....................................................................166  Gráfico 21 - Ano dos primeiros casos por número de anos com casos ................................................167  Gráfico 22 - Número de anos com epidemias por município ...............................................................170  Gráfico 23 - Ano dos primeiros casos por número de anos com casos ................................................170  Gráfico 24 - Síntese dos indicadores climáticos - Araçatuba ...............................................................202  Gráfico 25 – Síntese dos indicadores climáticos - Franca ....................................................................203  Gráfico 26 - Síntese dos indicadores climáticos – São Carlos .............................................................204  Gráfico 27 - Síntese dos indicadores climáticos - Sorocaba ................................................................205  Gráfico 28- Síntese dos indicadores climáticos - Ubatuba ...................................................................206  Gráfico 29 - Araçatuba, Modelo GAM ................................................................................................212  Gráfico 30 São Carlos, Modelo GAM .................................................................................................213  Gráfico 31 - Franca, Modelo GAM ......................................................................................................213  Gráfico 32 - Ubatuba, Modelo GAM ...................................................................................................214  XVII         Gráfico 33- Sorocaba, Modelo GAM ...................................................................................................214  LISTA TABELAS Tabela 1 - Classificação cruzada de alguns tipos Processos de Difusão ................................................20  Tabela 2 - Óbitos anuais, absolutos e percentuais do estado, de Febre Amarela no estado de São Paulo e cidades selecionadas – 1894 – 1906 ....................................................................................................87  Tabela 3 - Focos de Aedes aegypti por ano e município, São Paulo – 1980-1984 ................................94  Tabela 4 - Erro Médio Quadrático e Chi-quadrado dos Mapas de Análise de Tendência ...................108  Tabela 5 - casos mensais de dengue em São Paulo, 2001 – 2012 ........................................................148  Tabela 6 - Média dos municípios por ano de primeiros casos ............................................................157  Tabela 7 - Valor do Akaike e lags de cada variável do modelo ...........................................................208  LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Síntese dos dados de dengue .............................................................................................129  Quadro 2 - Síntese dos dados ...............................................................................................................186  Quadro 3 - síntese dos dados das cidades selecionadas .......................................................................198  Quadro 4 - Valores das classes do mapa de compartimentação ...........................................................220  1          INTRODUÇÃO A presente pesquisa decorre de algumas questões elaboradas no término da dissertação intitulada “Dengue no Brasil: Abordagem geográfica em escala nacional”, em que analisamos a reemergência dessa doença no país, relacionando-a com a produção do Meio Técnico- Científico e Informacional, tendo como finalidade apreender sua distribuição. Para compreendermos a distribuição espacial do dengue no território nacional contemporâneo, elaboramos um mapa-síntese, com base em uma metodologia ainda em desenvolvimento. Essa metodologia consiste em sobrepor camadas de informação em um Sistema de Informação Geográfica (SIG), como incidência, casos absolutos e óbitos de dengue (de um determinado período), sob as camadas dos fatores determinantes e as variáveis explicativas para a doença de acordo com nossas referências bibliográficas. Encontramos então padrões espaciais, em que a produção do espaço juntamente com aspectos ambientais modulam a transmissão e dão características distintas ao dengue. Isso fica mais claro quando observamos a Figura 1, dos Municípios sem Notificação no Brasil entre 2001 – 2008; e a Figura 2, o já referido mapa-síntese do Dengue no Brasil, nas páginas seguintes. A partir da criação desses mapas, nos deparamos com um contexto particular em determinadas áreas que nos chamaram a atenção, e podemos sumarizar da seguinte maneira: 1. A despeito de sua grande extensão no Brasil, o dengue ainda não atingiu alguns municípios; 2. Esses municípios sem a presença da doença, ou com taxas próximas a zero, formam clusters em áreas com características semelhantes (sociais e ambientais), evidenciando algum fator geográfico que impede ou limita a expansão/consolidação da doença naquela área. Isso ocorre apesar de trinta anos de circulação viral intensa no país. Evidentemente, o que nos chama atenção não é a ausência da transmissão do dengue em alguns municípios, o que é de se esperar de acordo com a diversidade de contextos socioespaciais dos municípios brasileiros, mas o fato desses municípios estarem aglomerados, formando clusters espaciais e constituindo-se numa extensão espacial expressiva, que pode ser interpretada de diversas maneiras. Uma das possibilidades seria o silêncio epidemiológico, ou seja, a não identificação, e subsequente captação e alimentação do banco de dados do sistema de notificação. Neste 2          entendimento a doença estaria ocorrendo, mas não há como saber por meio de dados secundários nessa escala de análise. Outra possibilidade, que deu origem a esta tese, é a existência das barreiras geográficas que dificultam ou impedem a expansão da doença, interferindo na transmissão do dengue nesses referidos clusters de municípios. Essas barreiras foram apontadas na referida dissertação, e retomamos o tema devido à necessidade de mais investigações para compreendê-las. Entendemos que esses clusters são aglomerações espaciais não aleatórias de municípios indenes, indicando a influência do espaço geográfico e suas variáveis socioespaciais. Figura 1 - Municípios sem notificação entre 2001-2008 Fonte: Catão, 2012, p.155 3          Figura 2- Tipologia do dengue no território nacional Fonte: Catão, 2012, p.160 4          A partir desses mapas e com o auxílio das referências bibliográficas sobre o tema, concluímos que essas barreiras estão ligadas à ausência, ou baixa intensidade de fatores determinantes da doença, criando um espaço desfavorável para a expansão/consolidação do complexo patogênico naquela área, em especial dos vetores. Com essas constatações conseguimos dividir as barreiras na escala nacional em três categorias principais, e que podem ser visualizadas nas Figuras 1 e 2, nas páginas anteriores: 1ª) Barreiras de temperaturas (influenciada pela latitude e orografia. Essas últimas são divididas em barreiras principais e secundárias); 3ª) Barreiras de densidade demográfica e integração rodoviária. A temperatura média mais baixa em muitas cidades da região Sul do Brasil dificulta a instalação do vetor da doença, o Aedes aegypti, e também aumenta o tempo para a incubação dos vírus em seres humanos e em vetores. Desta forma a baixa temperatura limita a transmissão autóctone da doença e age como uma barreira à expansão do complexo patogênico do dengue. As áreas com altitudes mais elevadas, como nas serras da Mantiqueira e Espinhaço também apresentam esses clusters, podendo ser uma combinação de altitude com temperaturas mais baixas. Barcellos e Lowe (2014) conseguiram identificar por meio de modelos hierárquicos com fatores aleatórios que as áreas subtropicais de clima mesotérmico tem um risco muito inferior de desenvolver epidemias de dengue. Por fim temos também as áreas com a baixa densidade demográfica e a falta de integração rodoviária, especialmente na Amazônia Ocidental. Todas essas características (temperatura, altitude, baixa integração e densidade) agem limitando a expansão do complexo patogênico do dengue pela ausência de condições básicas (estas biológicas, ecológicas e socioespaciais). Denominamos de barreira estrutural esse tipo de barreira, ou seja, aquela em que os determinantes (ou sua ausência) demoram um longo período para se modificar (ou se modificam na escala temporal geológica), como no caso da altitude, clima e densidade demográfica a nível regional. Em contraponto, também aventamos a possibilidade de barreiras conjunturais, que atuariam em escalas geográficas mais restritas, como na local, e que tem a propriedade de se modificar com mais facilidade. Tomamos como exemplo, uma gestão bem conduzida no controle do vetor, a imunidade de grupo frente a algum sorotipo específico, ou ainda as oscilações de temperatura e pluviosidade decorrentes dos fenômenos como El Niño/La Niña (CATÃO, 2012). A partir dessas constatações decidimos investigar mais a fundo esse tema e encontramos na literatura específica da Geografia da Saúde, dentro do estudo da difusão de doenças 5          transmissíveis algumas publicações sobre barreiras geográficas de difusão. Essas barreiras desaceleram e modulam o processo de difusão (ao contrário das redes que pela sua fluidez auxiliam na difusão) e podem muitas vezes dificultar ou impedir a propagação da doença em determinados lugares (GOULD, 1969; CLIFF, et al., 1981; MEADE; FLORIN; GESLER, 1988; HAGGETT, 2000). Decidimos então analisar com mais profundidade as áreas sem a ocorrência de casos de dengue, identificadas na dissertação de mestrado, seguindo a teoria das barreiras geográficas de difusão dentro de um enquadramento teórico dos complexos patogênicos, que além de auxiliar na compreensão da ausência do fenômeno nesses lugares, insere o tema em um sistema explicativo que pressupõe o movimento, no tempo e no espaço. A noção de complexo patogênico foi desenvolvida por Max Sorre durante as décadas de 1920 e 1930, e tem grande importância no seu entendimento do espaço humano. É definido como extensão onde ocorre a inter-relação estável entre os entes da cadeia epidemiológica (vetores, agentes patológicos e o ser humano) e define a área de ocorrência de uma doença. O complexo patogênico tem seu início, desenvolvimento e extinção, além de movimentos de expansão e contração. As atividades humanas e as técnicas podem limitar a ocorrência de complexos. Um complexo de uma doença vetorial tem sua extensão delimitada pela área de abrangência de seus vetores, formando uma área potencial de transmissão. O principal vetor do dengue no mundo, e provavelmente o único no Brasil é o Aedes aegypti. Além dos agentes patogênicos do dengue, esse artrópode pode transmitir outros vírus, como o responsável pela febre amarela, Chikungunya e Zika. Esse artrópode é um excelente transmissor de doenças devido sua grande competência vetorial, alto grau de domiciliação e antropofília, além da capacidade de utilizar reservatórios artificiais como criadouros e fazer múltiplas ingestões de repasto sanguíneo em um único ciclo gonadotrófico (RODHAIN; ROSEN, 1997; CONSOLI; LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, 1994; GUBLER, 2002). Segundo Consoli e Lourenço-de-Oliveira (1994) no caso do dengue, além de ser um transmissor, este mosquito também se constitui como reservatório dos vírus. Já que uma vez infectados poderão transmiti-los a seus descendentes, o que é denominado de transmissão vertical. Aliás, como seus ovos resistem a longos períodos de seca em latência após o período embrionário, podemos conceber a importância desse estoque de vírus nos próprios Aedes aegypti, além da provável introdução de mosquitos infectados via difusão passiva em locais indenes. 6          A capacidade de viver em espaços produzidos pela sociedade, em especial no interior e ao redor de domicílios urbanos, permite com que esse vetor se associe de forma mais intensa e estável aos seres humanos (CATÃO, 2012). Além de coabitar os mesmos espaços e se utilizar de criadouros artificiais, ou naturais com atribuições humanas1, as fêmeas de Aedes aegypti têm no sangue das pessoas a fonte preferencial de proteínas para a produção dos ovos (BRASIL, 2001). Essas características permitem ao Aedes aegypti iniciar e manter ciclos endêmico/epidêmicos em áreas urbanas (GUBLER, 1997). A variação na densidade e na dispersão no interior das cidades são os principais componentes vetoriais que influenciam a incidência e magnitude de uma epidemia2 (KUNO, 1995; PAHO, 1997). A densidade vetorial e dispersão no interior de uma mancha urbana são, por sua vez, modulados no tempo e no espaço pela disponibilidade de criadouros e a ocorrência de fatores do climatológicos favoráveis, como certas faixas de temperatura, pluviosidade e umidade relativa do ar (RODHAIN; ROSEN, 1997; KUNO, 1995). Outros fatores, entendidos como macro-determinantes, como a densidade demográfica, tamanho populacional, infraestrutura de saneamento, padrão de urbanização, posição na rede urbana, volume de fluxos recebidos de outros lugares, latitude, clima e a altitude, também influenciam na ocorrência e densidade desse vetor, bem como na eclosão e manutenção da transmissão endêmico/epidêmica (PAHO, 1997; CATÃO, 2012). Esses fatores, principalmente os climatológicos, modificam também o tempo médio de duração da fase embrionária (ovo) e aquática do vetor (pupa e larva), além de diminuir o tempo médio de incubação extrínseca dos vírus. Essa diminuição de tempo altera a velocidade das epidemias e, consequentemente, sua difusão. PAHO (1997, p. 19, tradução nossa) afirma que A dinâmica de transmissão dos vírus do dengue é determinada pela interação do ambiente, do agente, da população hospedeira, e do vetor que existem juntos em um habitat especifico. A magnitude e intensidade dessa interação definirão a transmissão de dengue em uma comunidade, região ou pais. 1 Como no paisagismo que se utiliza de bromélias, árvores, rochas ou bambus. 2 Juntamente com a introdução de vírus novos em populações de suscetíveis, que passa para os componentes virais e da população. 7          Essa interação também decorre da presença, intensidade e combinação dos determinantes da doença, que propiciam o aumento de contato entre os elos da cadeia epidemiológica, sendo que o espaço geográfico age ativamente nessa interação. Os vírus compõem um complexo de quatro sorotipos virais, que apresentam imunidade específica duradoura para cada sorotipo e transitória para as demais. A infecção por um vírus do dengue pode passar sem sintomas (assintomáticas), ou com poucos sintomas específicos (oligossintomáticos) o que dificulta sua apreensão pelo sistema de saúde. Nos casos sintomáticos há uma gama de sintomas como febre, cefaleias, exantemas, pruridos até manifestações hemorrágicas. Essas manifestações podem ocorrer na dengue clássica, e são sinais de alerta para casos mais graves, que sem o tratamento adequado podem evoluir a óbito. Escolha do recorte empírico Selecionamos como recorte empírico para a pesquisa de doutorado o estado de São Paulo, uma unidade da federação que apresenta casos autóctones de dengue desde 1987, e possui algumas características que são indispensáveis para esse estudo, tais como: 1) um sistema de vigilância de vetores estruturado dentro da Superintendência de Controle de Endemias – SUCEN, e que possui uma série histórica, por município, desde a descoberta do vetor no território paulista; 2) A Secretária de Estado de Saúde de São Paulo – SES/SP, também possui uma série histórica confiável de dados notificados de dengue, desde a reemergência da doença no Estado; 3) o estado de São Paulo possui um sistema de laboratórios, da Fundação Adolpho Lutz, que faz os exames de sorologia de dengue e tem a cobertura em todo o Estado, identificando os sorotipos da doença; 4) o Estado de São Paulo apresenta clusters de municípios sem notificação de casos no estado, e que identificamos a priori como barreiras geográficas (CATÃO, 2012), são eles alguns municípios: da Serra da Mantiqueira, da Serra do Mar, do Vale do Ribeira-Alto Paranapanema e do Pontal do Paranapanema. Esses clusters apresentam características socioambientais diferentes, e parecem que possuem determinantes diferenciados para a doença, desde temperatura e altitude até baixa densidade e pouca circulação. Além disso, o estado de São Paulo possui uma diversidade de contextos espaciais que nos permite uma comparação entre os determinantes e a sua influência na doença. Por exemplo, o sul do estado tem um clima subtropical, enquanto o restante está na faixa tropical e desta forma há uma influência diferenciada dos sistemas atmosféricos. A altitude também apresentam uma grande amplitude, desde municípios próximos do mar até Campos do Jordão, a aproximadamente 1600 metros. Além dessa diferença nos fatores determinantes ambientais, há 8          também os de ordem socioeconômica, que tem grande variação no estado, desde a grande metrópole brasileira até cidades com 900 habitantes, como Borá. Apresenta regiões densas e extremamente urbanizadas como a de Campinas ou Santos até as mais rarefeitas e com população rural significativa, como a do Vale do Ribeira. Deste modo trabalharemos com o Estado de São Paulo como recorte empírico, e com os municípios como menor unidade de agregação dos dados. Aplicando a compreensão dos limitantes ao estado de São Paulo, compreendemos que em grande parte das cidades do estado não há ‘limitantes absolutos’, sejam naturais ou sociais para o vetor, uma vez que a faixa de sobrevivência do vetor ultrapassa os valores mínimos encontrados no estado, pelo menos em alguma parte do ano. Há, no entanto cidades em que a baixa intensidade dos fatores determinantes combinados limita a existência do vetor, baixando sua densidade, e em algumas localidades impedindo sua existência. Hipótese Tendo em vista o exposto, delimitamos as seguintes perguntas de partida: as áreas no estado de São Paulo que não apresentam casos autóctones de dengue, ou que possuem uma taxa muito abaixo da média, podem ser consideradas como barreiras geográficas de difusão dessa doença? Como se distribui no estado de São Paulo as áreas nucleares, franjas e barreiras? Definimos então, como hipótese da pesquisa, que na análise da ampliação e consolidação do complexo patogênico do estado de São Paulo as barreiras geográficas de difusão do dengue no Estado de São Paulo são formadas com relação aos determinantes socioespaciais em múltiplas escalas espaciais e temporais, modulando o processo de difusão da doença. Objetivos O objetivo geral consiste em compreender o processo de ampliação e consolidação do complexo patogênico do dengue no estado de São Paulo e sua relação com a difusão espacial e as barreiras geográficas. Para alcançarmos o objetivo geral delimitamos como objetivos específicos: 1. Analisar a difusão dos vetores e da doença no território paulista, no período de 1987 a 2012; 9          2. Delimitar teórica e conceitualmente complexo patogênico do dengue; 3. Analisar a relação das barreiras geográficas e a difusão espacial com a estruturação e expansão dos complexos patogênicos. Justificativa e relevância do tema Pelo exposto acima, podemos pensar que a difusão do dengue em São Paulo consiste numa gama de processos que desenvolve e amplia o complexo patogênico dessa doença, aumentando sua extensão e o número de localidades afetadas. Essa difusão é multiescalar, desde a difusão intra-urbana entre os domicílios, bairros e zonas da cidade até a difusão entre as cidades e as regiões. Em cada uma dessas escalas, as barreiras operam de uma maneira diferencial. No intra-urbano, um bairro com saneamento adequado e um serviço de vigilância ativo pode criar uma barreira geográfica conjuntural importante, mas na escala da rede urbana aquela cidade pode não constituir em uma barreira de difusão. Esse processo de difusão atingiu (e ainda atinge) diferentemente as regiões. Em algumas a doença não circula endemicamente, em outras as taxas são menores e há aquelas regiões em que a doença ocorre em altas taxas. O entendimento desse processo de difusão é de suma importância para se compreender melhor essa doença, que já tem no Brasil um saldo acumulado de aproximadamente quatro milhões de notificações e dois milhares de óbitos. O estudo das barreiras geográficas também auxiliaria na compreensão da dinâmica espacial dessa doença, podendo servir de modelo para implementação de ações que visariam o combate a essa doença. Compreendendo melhor essas barreiras poderíamos, por meio da intervenção no espaço produzido, atuar com mais acurácia e eficiência contra a doença. Podemos inclusive pensar na utopia de produzir espaços com um alto grau de intencionalidade para reproduzir as barreiras geográficas conjunturais, e desta maneira, limitar a ocorrência da doença. Até mesmo para a implementação de algumas estratégias de combate, como a vacina contra os quatro sorotipos do dengue, teríamos de levar em conta as barreiras. Necessitamos identificar os locais onde não ocorre a doença, e a população que não está suscetível para podermos testar a vacina em uma população, como ocorreu com a vacina da febre amarela, que foi testada em Pouso Alegre, Minas Gerais, nos anos de 1940-41, por ser esta uma área que estava a 1.100 metros de altitude, não apresentava casos de Febre Amarela e toda a população era imune (FRANCO, 1969). Estrutura da tese A tese está estruturada em três partes e quatro capítulos. A primeira intitulada ‘a difusão espacial e complexos patogênicos: uma proposta analítica’ engloba o capítulo 1 ‘A difusão no pensamento geográfico: aportes teóricos para o movimento do complexo patogênico’. Nesse 10          capítulo destacamos as principais definições de difusão e os autores que desenvolveram o conceito. Priorizamos o debate entorno das obras de Hägerstrand, que mudaram a concepção desse processo no interior da geografia. Em seguida selecionamos alguns trabalhos para mostrar como foi o impacto dos estudos de Hägerstrand na geografia da saúde, e o esforço dos geógrafos em adaptar a teoria da difusão, que tem sua origem na geografia econômica, para os estudos de doenças transmissíveis. Nesse aspecto os estudos de Peter Haggett, Andrew Cliff e Gerald Pyle trazem contribuições para esse estudo, criando um arcabouço teórico próprio e operacionalizando-o. Deste ramo específico dos estudos de difusão de doença, selecionamos algumas pesquisas sobre a difusão do dengue. Buscamos como a difusão do dengue é trabalhada, quais são as técnicas mais utilizadas e quais são os resultados. Encontramos uma série de estudos recentes, utilizando técnicas de geoprocessamento e análise espacial que forneceram elementos que utilizamos para essa tese. Por fim utilizamos a discussão de difusão para incorporá-la nos complexos patogênicos, incluindo também outros elementos, com o intuito de atualizar e expandir essa noção. A segunda parte foi denominada ‘Difusão do Aedes aegypti e do Dengue no estado de São Paulo’ e composta por dois capítulos, o segundo ‘Difusão do Aedes aegypti – constituição da área de transmissão’ e o terceiro ‘O dengue em São Paulo’. No segundo capítulo, analisamos a partir de dados históricos a situação anterior à erradicação desse vetor no estado, relacionando os elementos mais importantes desse processo. Posteriormente, destacamos o processo de reintrodução e colonização, aplicando técnicas de mapeamento e análise espacial para identificar as rotas, os padrões e os principais determinantes que modularam esse processo. Já no terceiro capítulo focamos na doença, a partir da área de transmissão potencial criada pela colonização do vetor. Selecionamos alguns indicadores de tempo, permanência e intensidade e modelamos com auxílio da geoestatística as rotas de difusão e os padrões espaciais de difusão dessa doença. A terceira parte ‘Complexo Patogênico do Dengue em São Paulo: proposta de síntese’, tem o quarto capítulo intitulado ‘O Complexo Patogênico e as barreiras do dengue’. Esse capítulo retoma a discussão da difusão, selecionando elementos para construção da representação cartográfica do complexo patogênico, estratificando-o em barreiras, franjas e áreas nucleares. Primeiramente analisamos o complexo pela intensidade aplicando a tipologia do dengue, identificando as relações com os determinantes. Em seguida analisamos na escala local a influência do clima na sazonalidade da doença em algumas cidades selecionadas. Por fim, utilizando a conexão, as áreas com epidemias, casos graves, óbitos e os indicadores de 11          tempo, permanência e sazonalidade compartimentamos o complexo, subdividindo-o em barreiras, franjas e áreas nucleares. Notas Metodológicas Para a análise da relação espaço-temporal da difusão e barreiras, a obra de Hägestrand e as leituras feitas sobre sua obra, como Morill (1970), Brown (1981), Haggett (1973, 2000), Gould (1969, 1993) e Yuill (1965), serão utilizadas como base para a compreensão desse processo. Ao mesmo tempo, iremos nos utilizar da vasta bibliografia dos geógrafos, especialmente os anglo-saxões, que trabalharam com difusão espacial de doenças em uma perspectiva de análise e mapeamento desse processo, aplicado à área específica da saúde. Podemos citar o importante trabalho de Peter Haggett e Andrew Cliff (1981) sobre a difusão do sarampo na Islândia, o trabalho de Pyle (1969) sobre a difusão do Cólera nos Estados Unidos, Gould (1993) com a AIDS em várias escalas geográfica, entre outros. Ao propormos uma análise geográfica de uma doença como o dengue, iremos nos basear na noção desenvolvida por Maximilien Sorre – o Complexo Patogênico (SORRE, 1933, MEGALE, 1983), que analisa as inter-relações entre as doenças, o homem e o meio geográfico por ele produzido. Verificamos a necessidade de atualizar o conceito sorreano com processos atuais, como a urbanização; a expansão e intensificação da ciência, da técnica e da informação. Com base nesse enquadramento teórico e metodológico, elaboramos, primeiramente, um levantamento bibliográfico, especialmente nas duas principais temáticas – difusão espacial e o dengue – a fim de criar um estado da arte sobre o assunto e delimitar os contornos teóricos que embasaram o trabalho. Além da leitura dos clássicos da Geografia, levantaremos os referenciais bibliográficos que estão na fronteira do conhecimento do tema, para tanto iremos utilizar as bibliotecas eletrônicas de saúde Pubmed, a SCieLO Health e a Liliacs para pesquisar sobre o dengue, além de consultarmos os periódicos em geografia que tratam de difusão e Geografia da Saúde. Podemos sistematizar o levantamento realizado da seguinte maneira: a) Periódicos e livros, nacionais e estrangeiros, clássicos e contemporâneos, de Geografia, que trabalhem e conceituem a difusão, as barreiras de difusão, barreiras biogeográficas, o espaço geográfico socialmente produzido, complexo patogênico; b) Periódicos, livros e jornais, nacionais e estrangeiros, na área de Biologia, História, Medicina e Epidemiologia buscando compreender os determinantes e condicionantes da doença e os limites ecológicos e biológicos de vetores e vírus; 12          A segunda etapa consistiu na coleta de dados e informações secundárias, referentes a dois grupos: 1) Determinantes da doença, e, 2) Situação epidemiológica da doença e entomológica do vetor. As informações são disponibilizadas agregadas (por tempo e espaço), sendo as unidades espaciais mais comuns os municípios e as temporais mais comuns os meses ou anos. As informações agregadas referentes aos determinantes da doença (clima, densidade demográfica, infraestrutura urbana, renda, escolaridade, altitude, crescimento demográfico, entre outros) estão disponíveis no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, na Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE, no Ministério dos Transportes e no Instituto Nacional de Meteorologia – INMET. Já as informações agregadas referentes à epidemiologia e entomologia do vetor estão disponíveis no Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual de Saúde – CVE/SES-SP e no Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN do Ministério da Saúde; os de internação oriundos do Sistema Nacional de Internações do Ministério da Saúde – SIH/MS, e de mortalidade do Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde – SIM/MS ; e os de vetores na Superintendência de Controle de Endemias – SUCEN, respectivamente. Esses dados na sua totalidade estão disponíveis na internet. No primeiro grupo, o dos fatores determinantes agregados, coletamos dados censitários como população, população urbana, densidade demográfica; de cobertura de serviços de saúde; cobertura de infraestrutura urbana; climatológicos e altimétricos. Esses dados servirão para compor taxas e índices e analisar os determinantes (e suas ausências) para delimitarmos as barreiras. Os dados do segundo grupo, o dos fatores epidemiológicos e entomológicos agregados, são os relativos às notificações de casos de dengue, número de internações, número de óbitos, entrada e circulação de sorotipo, todos com o município e o período de infecção e notificação para trabalharmos com o tempo e o espaço. Os dados sobre o vetor do dengue serão analisados em relação ao ano de entrada em cada município paulista, além de dados sobre sua distribuição nos municípios, para delimitarmos como foi feita a colonização. Selecionamos na escala estadual o município como a unidade de agregação territorial de dados e os anos como unidade de agregação de tempo. Para algumas cidades trabalharemos 13          com unidades de agregação espaço-temporais menores, como meses. Essas unidades de agregação serão necessárias para a elaboração dos modelos. A terceira etapa os dados e informações secundárias serviram para modelar e construir um SIG para embasar a construção de um mapa-síntese, a partir da modelagem de dados. Segundo Santos e Barcellos (2006, p.67) a modelagem é uma etapa em que se “determinam quais dados entrarão no sistema (quais camadas de informação?), em qual estrutura ficarão armazenados, que maneira serão representados, quais relacionamentos terão entre si”. Essa é uma etapa necessária para a inserção dos dados no SIG e o início do mapeamento e da preparação do modelo de difusão. A quarta etapa consistirá no desenvolvimento de um modelo estatístico, assim como cartas de síntese sobre a difusão do dengue no Estado de São Paulo indicando as barreiras geográficas e seus tipos. Para tanto selecionaremos, dentro do levantamento bibliográfico os modelos e técnicas de Geoestatística e Análise Espacial mais apropriadas em relação aos dados levantados, a escala espaço-temporal trabalhada. *** Boa leitura a todos! 14          PARTE I A DIFUSÃO ESPACIAL E COMPLEXOS PATOGÊNICOS: UMA PROPOSTA ANALÍTICA 15          Capitulo 1. A difusão no pensamento geográfico: aportes teóricos para o movimento do complexo patogênico Por onde o dengue chegou e como ele se alastrou no estado de São Paulo? Quais foram os trajetos que essa doença seguiu e, ainda segue, dentro do estado? Em quais locais o dengue se instalou com maior facilidade e em quais ele não adentrou? Essas perguntas, aparentemente simples, nos dão uma direção teórica e abrem um leque de metodologias, técnicas e possibilidades. Mas elas demandam também uma análise conjunta do tempo e do espaço, numa visão integrada dessas categorias com o intuito de se compreender o conjunto de processos que engendram esse movimento. Tão importante para os geógrafos quanto esse movimento, é a compreensão do porque desse trajeto, além, é claro das outras relações espaciais que são reveladas nessa análise. Encontraremos as respostas para essas perguntas ao buscarmos uma de suas maiores tradições dentro da ciência geográfica, a teoria da difusão. No Dicionário de Geografia Humana de Gregory e colaboradores, a definição de difusão consiste no “espraiamento/espalhamento3 de um fenômeno (incluindo ideias, objetos e seres vivos) sobre o espaço e através do tempo” (GREGORY, et al., 2009, p. 160, tradução nossa). Essa definição simples já nós possibilita compreender que ao utilizarmos esse sistema explicativo, cuja definição acabamos de apresentar, iremos trabalhar para desvelar a propagação desse fenômeno no espaço e no tempo, ou seja, a propagação do dengue no estado de São Paulo desde sua reemergência na década de 1980. Contudo, essa não é a única definição. Levy e Laussant (2003, p. 260, tradução nossa) entendem a difusão como um “processo de propagação4 de objetos materiais ou ideias em um espaço dado”. Nessas duas definições prevalece a ideia da propagação de algo (um fenômeno, material ou imaterial) em ambos – tempo e espaço –, e nos traz a também a noção de processo. Haggett (1979) salienta ainda que esse processo pressupõe que as condições para a ocorrência da difusão também estejam presentes e dispersas. Para alguns geógrafos, como Gould (1969; 1993); Cliff e colaboradores (1981), Haggett (1979; 2000) e Brown (1981) a difusão é tratada na geografia de duas maneiras distintas, de acordo com a natureza dos processos. 3 “The spread of a phenomenon (including ideas, objects and living beings) over space and through time” (GREGORY, et al., 2009, p. 160). Traduzimos como espalhamento a palavra inglesa ‘Spread’ que pode ser traduzido também como propagação, disseminação ou alastramento. 4 “Processus de propagation d’objets matériel ou ideéls dans un espace donné”. Traduzimos como propagar para esse autor a palavra francesa ‘Propagation’ que pode ser traduzida também como disseminação 16          A primeira, denominada de Difusão por Expansão, corrobora com as definições já apresentadas, e teria como questão central o processo de propagação espaço-temporal de um bem, ideia ou fenômeno – material ou imaterial – (técnicas agrícolas, sementes modificadas geneticamente, tratores, doenças, estilos de moda) a partir de um, ou poucos, lugares para uma extensão maior. Nesse tipo de difusão o fenômeno difundido não deixa o lugar de origem, e geralmente intensifica sua ação nesse lugar. Esse é o tipo mais comum de difusão, e ocorre com doenças, ideias, técnicas produtivas, tendências de moda, espécies de animais ou plantas, entre outros. Podemos visualizar os tipos de difusão abordados, na figura 3, abaixo. Figura 3- Tipos de Difusão Fonte: adaptado de Haggett, 1979, p. 300-301 e Brown, 1981, p. 28 17          Esses autores apontam ainda a existência da Difusão por Realocação, que ocorre quando o fenômeno ou elemento que está sendo difundido deixa o local original e se move para uma nova área (como a migração). Uma indústria que abandona uma cidade e vai procurar áreas que ofereçam condições mais favoráveis de acumulação ou flexibilidade de leis trabalhistas, população saindo de zonas de conflito ou abandonando áreas de frentes pioneiras atrás de novas ‘bocas de sertão’. Por último, existe o tipo de difusão híbrida, que guarda características dos dois principais tipos, e foi mais bem estudado na difusão da cepa de Cólera El Thor, em meados do século XX e que causou a 7ª pandemia de cólera. Nesse tipo de difusão há a realocação da doença entre várias populações, mas o centro endêmico continua ativo e expandindo-se. A Difusão por Expansão, por sua vez, ocorre de duas maneiras diferentes: a Difusão por Contágio e a Difusão Hierárquica. O primeiro modelo pressupõe o contato interpessoal, como nas doenças contagiosas (influenza, DST/AIDS, sarampo, tuberculose), em que a distância tem um grande peso na difusão, quando mais perto maior é a probabilidade de contágio, seja uma entre regiões ou pessoas (CLIFF, et al., 1981). Esse tipo de difusão tem uma profunda relação com o espaço absoluto, nos termos de Harvey5 (1980), em que a distância é preponderante no entendimento do fenômeno, e quanto maior a fricção do espaço menor a probabilidade de contatos, e logo, de difusão. Podemos visualizar as Difusões por Expansão na Figura 4, na página seguinte. Gould (1969) nos dá um exemplo de difusão por contágio, utilizando a maneira de como um boato se espalha dentro de um colégio. Em um primeiro momento, uma pessoa inventa esse boato, conta aos amigos mais próximos, e por sua vez, contam aos outros conhecidos, e em pouco tempo todos ficam sabendo. Haggett (1979) afirma que esse tipo de difusão ocorre de forma centrífuga, saindo de uma região central, no caso do boato, de quem o inventou e a propagou. A difusão hierárquica ocorre dentro de uma lógica de “ordem, classe ou hierarquia” (HAGGETT, 1979, p. 299) em que o item ou fenômeno difundido obedece a uma rede hierárquica e possui um sentido, como uma inovação na rede urbana clássica. Muitas vezes ela pode se dar em saltos como já havia notado Hägerstrand (1968). Quando essa difusão ocorre no sentido descendente, saindo de um nível hierárquico superior para inferior, como em uma metrópole, passando em uma cidade média e chegando a 5 As definições de espaço relativo, absoluto e relacional em Harvey (1980; 2012) serão trabalhados no tópico 1.3 18          uma cidade pequena, essa difusão hierárquica é conhecida como Difusão por Cascata (CLIFF, et al, 1981; HAGGETT, 1979). Existe ainda uma difusão que começa em uma cidade média, se espalha por sua região próxima, depois atinge uma metrópole e por meio dela se difunde por toda a rede. Esse tipo de difusão ficou conhecido como padrão ‘Beatles’ em analogia a banda inglesa que começa em Liverpool e só ganha a rede urbana após chegar a Londres (HAGGETT, 1979). Figura 4 - Difusão por Expansão/Contágio e Hierárquica Fonte: adaptado de Cliff, et al., 1981, p. 6-9 19          Uma das maneiras mais comuns de se analisar os padrões de difusão é por meio de um gráfico, em que se plota o tempo (geralmente o início de um processo de difusão) em relação à distância (para difusão por contágio), e porte demográfico ou posição na rede urbana. Quando há uma predominância maior da distância influenciando o processo, como em difusão por contágio, ao passar o tempo aumenta a distância do ponto de origem do fenômeno. No caso da difusão hierárquica, com o passar do tempo evidencia-se a diminuição ou aumento da população das localidades que ‘adotaram’ a inovação, ou em que uma doença se instalou. Mostrando além do padrão geral, se está é ascendente ou descendente na rede urbana. A Figura 5, abaixo, mostra os padrões e os gráficos correspondentes. Figura 5 - Tipos de difusão e análise por Gráficos Fonte: Adaptado de Pyle, 1969, 65-70; Cliff, Haggett, 2004, p.96 20          Gould (1969) propõe uma visão diferente dos tipos de difusão. Ele coloca a expansão e a realocação em relação ao contágio e hierarquia, criando uma tabela. Desta forma, ele relaciona esses padrões, criando quatro classes com características bem nítidas, inclusive qualificando melhor as difusões por realocação. Podemos ver essa proposta na Tabela 1, abaixo. Tabela 1 - Classificação cruzada de alguns tipos Processos de Difusão Contágio Hierárquica Expansão Ideias e Inovações no nível local; doenças; cooperativas. Ideias, inovações, novidades através da estrutura de lugares centrais e rede urbana Realocação Ondas de migrações; Hollow frontier (tipos específicos de frentes pioneiras como a paulista, que abandonava as áreas recentemente ocupadas para abrir novas áreas) Movimento de acadêmicos em universidades, transferência de estudantes; migração por etapas migratórias Fonte: Adaptado de Gould, 1969, p. 6, tradução nossa Essa tabela nos mostra algumas relações que passaram despercebidas em outros autores, e possibilitam criar novas classes como as referentes à difusão por realocação. Embora muito utilizada ainda hoje, essa tipologia necessita de um pequeno parêntese. Devemos ter criticidade para essa análise, uma vez que foi elaborada numa época em que as tecnologias da informação e a rede de transportes, e por consequência os fluxos, eram menos intensos e mais seletivos. Hoje tanto a difusão por contágio como a hierárquica sofreram alterações significativas devido à maior fluidez da informação no espaço atual e a maior velocidade e alcance dos transportes. A rede urbana atual não possui a rigidez da rede urbana da década de 1960 ou 1970, assim como os sistemas técnicos e objetos geográficos estão mais dispersos no território, possibilitando uma conexão maior entre os diversos locais. As redes de transportes também estão mais difusas no território e os meios de transportes mais rápidos e com alcance maior. Devemos pensar que analisar a difusão no espaço atual (que de acordo com Santos (2004) seria o Meio Técnico-Científico e Informacional), tem algumas diferenças, como no caso da Hetaraquia, nos termos de Catelan (2012), o aumento do fluxo e a intensidade de viagens, especialmente as de avião, e por fim, mas não menos impactante a internet e as novas 21          tecnologias da informação e comunicação (TICs) que tornaram mais fluída a movimentação de alguns tipos de informação. 1.1. Desenvolvimento do conceito na geografia – a centralidade da obra de Hägerstrand A teoria da difusão espacial possui uma longa história de formulação, que data do período anterior ao da instituição da Geografia como disciplina científica autônoma. Santos (1979, p. 29) afirma que “não falta à ‘pré-história’ da geografia estudos empíricos sobre propagação de raças, linguagens, religiões, plantas cultivadas, animais domésticos, modos de vida, novas técnicas e todas as outras características distintivas das civilizações”. Esses estudos empíricos continuaram na geografia acadêmica, já com status de ciência autônoma, e influenciaram um dos pais fundadores da geografia moderna, o alemão Friedrich Ratzel (1844-1904). Este alemão foi precursor da teoria difusionista na antropologia/etnografia influenciando uma geração de cientistas sociais e arqueólogos (MORAES, 1990). Já o americano Carl Sauer (1889-1975), um dos fundadores da escola de Berkeley, no seu “Prefácio a geografia histórica” indica que os estudos de difusão de traços culturais foi fundado por Ratzel, no segundo volume do Antropogeografia, e que teria balizado os estudos da antropologia por mais de meio século (SAUER, 1941). Esse geógrafo americano tem como obra principal o ‘Agricultural Origins and Dispersal’ de 1952 na qual tenta recompor as rotas de difusão dos principais gêneros alimentícios (como milho, sorgo, soja, porcos, ovinos, etc) e como esses alimentos alteraram a paisagem cultural. Podemos visualizar na Figura 6, na página seguinte, o mapa de difusão das plantas e animais domésticos do Velho Mundo. O mapa intitulado ‘Plantas e Animais Domésticos do Velho mundo’ mostra as áreas nucleares de agricultura (hearts of domestication), a extensão inicial dessas culturas, os principais gêneros alimentícios e as rotas de difusão (lines of dispersal). Haggett (1992) cita como fundamental as ideias de Sauer na compreensão do processo de difusão de doenças emergentes e reemergentes, relacionando as premissas básicas que Sauer utilizou na análise da origem e difusão da agricultura. 22          Figura 6 - Difusão das plantas e animais domésticos do velho mundo Fonte: Sauer, 1952, Prancha 01 O sociólogo americano Everett Rogers6 (1983), que trabalha numa perspectiva que não tem implicitamente o espaço geográfico, liga os primeiros estudos de difusão no seu campo do conhecimento ao francês Gabriel Tarde e suas leis de imitação, no princípio do século XX. Ele liga o desenvolvimento da teoria aos difusionistas culturais (especialmente arqueólogos), contudo, não incorpora o pensamento de Ratzel nesse processo. A difusão, nesse período, não tinha um embasamento teórico consistente, e pode ser entendido como uma noção. Era trabalhado como uma descrição dos lugares e os relacionamentos que os caracteres culturais detinham entre locais do mundo. O termo também era utilizado na saúde para descrever o processo de propagação de doenças. Apesar de constar em Ratzel e Carl Sauer, entre outros contemporâneos, essa teoria foi utilizada com mais intensidade durante as décadas de 1950-1980 pela corrente da Nova Geografia, que desenvolveu técnicas e modelos para interpretação desse processo, especialmente se tratando de difusão de inovações, quando assume um status teórico mais denso. 6 Para este pesquisador o conceito de difusão de inovações não tem implícito a difusão espacial, apenas ressaltando o caráter da difusão entre membros de um sistema social, para ele: “Diffusion is the process by which an innovation is communicated through certain channels over time among the members of a social system”. ROGERS, 1983, p.5 23          Brown (1981, p.15, tradução nossa) explica que “enquanto os geógrafos estudaram os processos de difusão por quase todo esse século [XX], o foco desse esforço foi mudando com o tempo, espelhando as maiores preocupações da disciplina como um todo”. Ainda segundo esse autor, essas mudanças dentro da geografia explicariam a diferença entre os primeiros estudos de difusão dentro de uma perspectiva cultural na Geografia Tradicional, para os estudos que focam a difusão de inovações com viés econômico, ancorados nos métodos e técnicas da Geografia Neopositivista. No interior da ciência geográfica o principal marco divisório dessa mudança são os estudos desenvolvidos por Torsten Hägerstrand na década de 1950. Brown (1981) relaciona os primeiros trabalhos de Hägerstrand com os dos geógrafos Friedrich Ratzel e Carl Sauer, que analisavam a difusão de traços culturais e as subsequentes transformações nas paisagens culturais a partir da difusão desses elementos. Foi a partir da tradução para língua inglesa dos estudos de Torsten Hägerstrand sobre modelos de difusão de inovações, com o artigo ‘The propagation of innovation waves’, de 1952[1962], seguido da tese ‘Spatial Diffusion as an Innovation Process’ de 1953[1968] que esse tema teve uma penetração maior na geografia. Graças a esses estudos que o tema da difusão espacial foi exaustivamente trabalhado nesse período. Este geógrafo sueco, e seu grupo na Universidade de Lund, conseguiram modelar o processo de difusão de inovações, dando um olhar espacial e um embasamento matemático e estatístico. Posteriormente, devido ao enfoque econômico e locacional essa obra aporta na Escola de Washington nos Estados Unidos, no final da década de 1960, contando com uma grande aceitação e sendo incorporada na Nova Geografia. A importância dos trabalhos de Hägestrand após várias análises de processos de difusão (como de carros, tratores, telefones e técnicas agrícolas), consiste na: 1) conceituação do processo de difusão de inovação; 2) criação de um arcabouço teórico e metodológico para essa análise e 3) identificação de regularidades empíricas da difusão de inovações (BROWN, 1981). Hägerstrand entende que uma inovação poderá ser originada pela mídia ou uma pessoa, e adotada por outra pessoa via contato interpessoal. Essa informação pode apresentar tanto facilidades na sua adoção, como algumas resistências (barreiras, como a língua, por exemplo). Todo esse ciclo pode ser entendido como “a transformação da população de uma com baixa proporção de adotantes para uma com alta proporção de adotantes por meio de disseminação através da mídia e contato interpessoal” (Brown, 1981, p.19, tradução nossa). No estudo The propagation of innovation waves’ de 1962, por exemplo, Hägerstrand analisa a difusão do rádio e do automóvel na província de Scania, Suécia, nas primeiras décadas 24          do século XX. Na figura 7, abaixo, podemos observar o mapeamento da difusão dos automóveis na área estudada. Nesse estudo, ele aplica algumas técnicas cartográficas avançadas e quantificação dos fenômenos, chegando a resultados que embasaram o progresso de sua obra, como os estágios do processo de difusão. Figura 7 - Difusão de Automóveis na Scania, Suécia – 1918 – 1924 Fonte: Hägerstrand, (1962) Com base nesse enquadramento teórico, a obra de Hägerstrand caminha para a análise estatística e a modelagem. No trabalho de 1953 são desenvolvidos e aplicados três modelos de difusão, com base na “simulação de Monte Carlo sob condições isotrópicas” com o intuito de prever quais as possíveis rotas dessa difusão e os padrões segundo a distribuição da população (Gould, 1969, p.31, tradução nossa). Silva (1995, p. 29) indica que esse modelo possui alguns pressupostos: a) apenas uma pessoa da população adotou a inovação no começo do processo b) a adoção não ocorrera enquanto a resistência não for superada através da recepção repetida; de informações privadas de pessoas que aceitaram previamente a inovação; c) a informação é sempre transmitida depois de um intervalo constante 25          Hägerstrand desenvolve a partir desses pressupostos uma análise utilizando uma matriz ou grade de dados denominado de MIF – Mean Information Field ou Campo Médio de Informação7 que calcula as probabilidades de adoção da informação, a partir de um emissor sobre uma determinada área, representada também por um mapa com uma grade. Segundo Catita e colaboradores cada indivíduo cria um campo de informação, que pode poderemos decompor em privado e em público. É muito difícil, senão impossível, definir e quantificar o campo de informação a partir de toda informação emitida e recebida. É necessário recorrer a substitutos ou indicadores-resumo. Hägerstrand considerou as migrações e as chamadas telefônicas [de sua região de estudo na Suécia] como bons elementos definidores do campo de informação privado. (Catita, et al., 1981, p.262-263) A partir desses dados ele criou uma grade de 5 células por 5 células (com 5 km por 5 km), representando ao todo 25 células, em que cada uma teria a probabilidade de contato estimada a partir dos dados empíricos. O emissor da informação está na célula central e emite a informação nova. Como a soma de toda a probabilidade do MIF é igual a 1, é certo que a informação caia dentro dessa grade. Contudo, há uma grande contingência da distância, observada nos dados empíricos, e denominada de fricção da distância que atrapalha a fluidez da informação interpessoal, possuindo um decaimento com a distância (distance decay) significativo (GOULD, 1969). Inicia-se a simulação do modelo a partir da informação dada, que é calculado seguindo as probabilidades do MIF e as formulas do modelo de Monte Carlo onde irá cair essa informação. Podemos ver o MIF e a divisão de probabilidades associadas na Figura 8, na página seguinte. Na figura 9, na próxima página, podemos ver o adotante no centro do MIF, com o gradiente de probabilidades distribuídos. 7 Cf. Catita, et al., 1981 para mais informações na língua portuguesa. 26          Figura 8- Centro Médio de Informação, com os valores de probabilidade atribuídos a cada célula, sobre o mapa em grade da região de estudo Fonte: Gould 1969, p.30 Gould (1969) indica que essas células tem um intervalo de números de quatro dígitos que são referentes as probabilidades cumulativas, que são calculadas com base em 10 mil tentativas. Podemos ver os valores acumulados na Figura 9, abaixo. Figura 9 - Intervalos acumulados sobre o MIF Fonte: Gould 1969, p.30 27          Essa distribuição acumulada inicia-se na parte superior esquerda. A cada célula foi escolhido um valor relacionado à probabilidade de acontecimento, deste modo, na célula superior esquerda, nos temos um intervalo de 0000 – 0095, ou 96 números de quatro dígitos [...]. A próxima tem atribuído os números 0096 – 0235, dando a ele 140 números correspondentes esse número de chances dentre 10.000 de receber a mensagem. Este processo cumulativo continua até que se atinja a ultima célula no canto inferior direito com os números 9903-9999. (Gould, 1969, p.28) De acordo com Silva (1995) o funcionamento do modelo ocorre quando o MIF é colocado sobre o primeiro adotante, que passará a informação da inovação para outras células, depois da unidade de tempo discreto determinada. A célula será escolhida de acordo com uma tabela de números aleatórios e a que for selecionada será plotado na célula correspondente ao valor, expresso pelo intervalo acumulado. Após o início do processo o segundo adotante terá também um MIF, aumentando o número de células com a inovação. No final teremos as áreas mais afetadas por esse fenômeno. Podemos ver esse processo com o auxílio da Figura 10, abaixo. Figura 10 - Modelo descritivo de Difusão de Informação Fonte: Silva, 1995, p.30 28          Por fim, a obra de Hägerstrand é um marco também devido à sistematização de algumas regularidades empíricas encontradas. São três as principais de acordo com Brown (1981). A primeira é o gráfico em forma de ‘S’ ou curva logística quando plotado com o tempo e a frequência cumulativa de adotantes de determinada inovação. Essa forma é decorrente do processo de difusão e é recorrente em vários estudos, sendo identificado por outros pesquisadores de difusão de inovações8. Podemos observar na Figura 11, abaixo, a curva logística em formato de ‘S’ que mostra o acúmulo de uma inovação (eixo Y) frente ao tempo (eixo X). Na parte inferior está uma curva de distribuição normal e os estágios, evidenciando a proporção de adotantes no tempo. Figura 11 - Curva Logística e Curva de Distribuição Normal – Onda de Difusão no Tempo Fonte: Gould 1969, p.28 No primeiro estágio, ou Estágio Primário as inovações são introduzidas e poucos adotantes, chamados de inovadores, têm a inovação. Em seguida ocorre a Fase de Difusão onde há um crescimento acelerado e os adotantes desse período são chamados de Maioria Inicial. 8 Cf. Rogers (1983) 29          Vemos com a curva normal que ao final dessa fase a metade da população terá adotado a inovação. Em seguida inicia o Estágio de Condensação em que a Maioria Tardia entra e obtém a inovação, a curva logística começa a diminuir o ritmo do processo. Por último ocorre o Estágio de Saturação, chegando assim no final em que os retardatários obtém a inovação (HAGERSTRAND, 1952; GOULD, 1969). Esta regularidade empírica nos permite compreender a dinâmica temporal, que também é observada no espaço. Os lugares que adotam primeiramente a inovação agem como centros difusores, que segundo Hägerstrand (1952) ocorre centrifugamente atingindo as áreas mais próximas. Morill (1968), se apoiando nas ideias de Hagerstrand (1967), elabora ainda algumas combinações de ondas de difusão espaço-temporal, mostrando como seriam essas ondas entre os lugares, em que a distância influenciaria no tempo de recebimento da informação e a posterior adoção entre os lugares. A Figura 12, abaixo, mostra essa influência da distância na proporção de adoção de uma inovação. Figura 12 - Aceitação de inovações no tempo e no espaço – ondas espaço temporais Fonte: Morrill, 1968, p.4 A segunda regularidade empírica é denominada de Efeito de Hierarquia e “no sistema urbano, a difusão é esperada a proceder dos centros grandes para os pequenos” (BROWN, 1981, p.21, tradução nossa). O efeito de Hierarquia está presente em vários estudos de difusão, que as cidades maiores e com hierarquias urbanas mais elevadas recebem as inovações primeiro e as difundem na rede urbana. A conexão entre as metrópoles de ordem hierárquica mais alta em todo mundo permite a circulação dessas inovações primeiramente nesse circuito, apesar de que 30          atualmente já temos outras formas de ligação entre centros, com menos rigidez que na década de 1950. Se pensarmos essas duas regularidades juntas, podemos imaginar que no início da curva logística as cidades maiores e mais centrais na rede urbana irão ser as primeiras a ter adotantes, já as cidades menores e áreas rurais estariam no final do processo. A terceira regularidade consiste no Efeito de Vizinhança ou de Contágio, em “uma hinterland ou uma única cidade a difusão é esperada proceder em uma forma de onda para fora do centro urbano primeiro atingindo lugares próximos ao invés de distantes” (BROWN, 1981, p.21, tradução nossa). Essas contribuições de Hägerstrand são essenciais para o pensamento geográfico, e aportam uma década depois de formulada nos Estados Unidos, com a tradução e publicação em 1967 da sua tese de 1953. Esse livro chega à geografia anglo-saxã em um momento em que a geografia estava sendo reestruturada, inserindo aportes matemáticos e estatísticos em uma tentativa de acompanhar o positivismo lógico que queria unificar a ciência. Nos Estados Unidos e na Inglaterra os estudos de difusão floresceram na crescente Nova Geografia (New Geography), especialmente na escola de Washington, e a base para esses estudos foi a obra de Hägerstrand (JOHSTON, 1986). Releituras foram feitas e novas técnicas e análises implementadas. Uma grande contribuição posterior foi o desenvolvimento do conceito de barreira de difusão, já presente na obra de Hägerstrand. Os processos de difusão não se movem, tanto no tempo como no espaço, de maneira homogênea. Eles são modulados por barreiras que estão presentes no espaço que podem mudar a direção, diminuir a velocidade ou até mesmo cessar uma onda de difusão. Meade, Florin e Gesler (1988, p.235, tradução nossa) afirmam que as barreiras “desaceleram e modulam o processo de difusão” ao contrário das redes que auxiliam esse processo. Essas barreiras para Gould (1969) podem ser físicas (montanhas, rios), culturais (tradição, hábitos, valores), religiosas (restrição a alguns alimentos) e políticas (leis, fiscalização, normas). Podemos adicionar também as barreiras técnicas (tipos de rodovias, ferrovias) e as barreiras de densidade (baixas densidades demográficas ou densidades técnicas) (CATÃO, 2012). Segundo Haggett (1979) a noção de barreiras geográficas surge com o trabalho de Hägerstrand, mas são desenvolvidas por Richard Yuill em um estudo elaborado em 1965, e denominado “A simulation study of barriers effects in spatial diffusion problems”. Nessa obra 31          este autor trabalhou com alguns efeitos de barreiras sobre as ondas de difusão propostas por Hägerstrand aplicando alguns modelos matemáticos. Gould (1969) seleciona várias situações descritas na literatura sobre as barreiras, como o exemplo da barreira imposta pelo idioma ou fronteiras políticas, como podemos observar na Figura 13, abaixo. Figura 13 - Comunicação entre cidades com e sem barreiras – Fronteiras políticas Fonte: Adaptado de Gould, 1969, p. 15 Na situação exemplificada acima podemos observar que a barreira política limita o número de contatos entre as cidades, modificando a estrutura da comunicação da rede urbana. Yuill ao expor a questão das barreiras afirma que se o efeito de uma barreiras é para ser compreendido, então este efeito deverá ser visto dentro do contexto de atividade no qual a barreira é supostamente um impedimento. A barreira pode então, na realidade, ser definida em termos de sua atividade; numa relação funcional. Esse conceito de processo dinâmico parece ser crucial para o estudo das barreiras em um contexto espacial. Se as barreiras são estudadas apenas em relação a distribuição estática, então toda as característica das barreiras podem ser facilmente mal interpretadas ou distorcida. (Yuill, 1965, p. 3, grifos do autor, tradução nossa). 32          Essas funções às quais Yuill se refere, são todas espaço-temporais, e dentre todas as múltiplas possibilidades funcionais de uma barreira, ele destaca apenas algumas características essenciais. “Desde que uma barreira é criada a partir de um processo espacial dinâmico suas funções também devem ser definidas em termos de processos. Esses efeitos abrangem três categorias gerais: barreiras absorventes, refectivas e permeáveis” (YUILL, 1965, p.6, tradução nossa). Podemos observar abaixo, na Figura 14, as formas mais comuns de Barreiras. As barreiras absorventes param a onda de difusão, absorvendo toda a energia da difusão. Meade, Florin e Gesler (1988) aplicando essa barreira dentro da geografia da saúde, utilizam como exemplo uma população imune que não cria as condições para que uma doença se instale em uma determinada região. Ela pode ser superabsorvente, quando absorve todo o fenômeno, ou ter níveis de absorção. Figura 14 - Tipos de Barreira Fonte: Adaptado de Yuill, 1965, p.8 As barreiras reflexivas são aquelas que diferentemente das barreiras absorventes elas não afetam o total de energia, apenas mudam a direção da difusão, ou seja, “canalizam e intensificam o impacto local de um processo de difusão enquanto bloqueiam sua dispersão para outros locais” (MEADE; FLORIN; GESLER, 1988, p.237, tradução nossa); Por último, temos as barreiras permeáveis que permitem a difusão continuar, mas desaceleram o processo. Podemos dar como exemplo uma área com baixa densidade de pessoas, 33          em que a transmissão do dengue é mais lenta, modulando um processo de endemia e epidemias esporádicas. Além dessas características das barreiras já citadas existiriam ainda algumas combinações entre as barreiras. Yuill teceu ainda mais algumas considerações sobre a forma das barreiras e seu impacto nas ondas de difusão, os quais não serão de menor importância para esta pesquisa. Após essas considerações iniciais esse autor inicia a análise das barreiras a partir da técnica de difusão utilizando o método estocástico Monte Carlo, criando uma série de simulações. Os resultados baseados nas simulações podem auxiliar em algumas formulações, mas eles levam em consideração a importação de fenômenos físicos (uma onda). Seu uso em fenômenos socioespaciais deve ser utilizada com ressalvas, e a transposição direta entre a onda física e as ondas de difusão de fenômenos sociaespaciais deve ser evitada. Além dessa acepção de barreiras dentro da teoria de difusão de inovações, também encontramos na biogeografia o termo. Ele é utilizado como um fator no processo de especiação, em que uma barreira física, seja uma cordilheira, um rio, um deserto separa uma mesma espécie, e durante a longa escala da evolução, essa mesma espécie vivendo em hábitats diferentes se tornam espécies diferentes. As barreiras geográficas criam ainda espécies endêmicas, que são circunscritas a determinadas localidades e não tem a capacidade de migração ou deslocamento, por isso são diferenciadas das demais por existirem somente naquela localidade. Essa acepção também está imbuída no movimento, no tempo e no espaço, e de alguma forma em processos de difusão. Essa noção da biogeografia pode auxiliar na compreensão da espacialidade de algumas espécies, como do Aedes aegypti, vetor do dengue, que possui ecótopos definidos devidos à sua adaptação ao meio, e que ao se deparar com situações que estão fora do seu optimum biológico não se consolida. A obra de Hägerstrand foi um marco para a geografia, e os estudos que vieram posteriormente incluíram metodologias e técnicas matemáticas mais sofisticadas para a análise (como fractais e modelagens matemáticas), sem, contudo, modificar a estrutura da teoria. Na Geografia da Saúde, essa teoria foi e grande valia para compreensão de como processos epidêmicos se propagavam no espaço e no tempo, e quais as relações com os determinantes geográficos. Muito esforço, principalmente de geógrafos, foi feito em adaptar a teoria da difusão, com um arcabouço econômico, para compreender processos de difusão de doenças. Dentro da Geografia, essa área é ainda uma das que mais se utiliza dessa teoria. No 34          próximo tópico abordaremos como a difusão de doenças tem sido trabalhada na geografia da saúde e quais os principais aportes técnicos, especialmente os cartográficos, foram utilizados para realizar estudos nessa área do conhecimento. 1.2. Estudo de difusão espacial de doenças na geografia da saúde 1.2.1. Estudos clássicos de difusão de doenças A difusão espacial de doenças infecciosas constitui um tema importante da geografia da saúde desde seu princípio. Podemos dividir em dois grandes períodos os estudos de difusão de doenças, um anterior e outro posterior ao trabalho de Hägerstrand na década de 1950, com a incorporação da modelagem estatística e uma delimitação teórica mais aprofundada. A difusão foi abordada no primeiro volume do Manual de Patologia Geográfica e Histórica, de August Hisrch, publicado em 1862, um dos marcos do nascimento dessa área do conhecimento. No mesmo período, os médicos também pesquisavam a difusão de doenças, que anteriormente a teoria microbiana, tinha outros contornos teóricos e metodológicos. O médico britânico James Christie, a serviço do sultão de Zanzibar, publicou o trabalho “On epidemics of dengue fever: their diffusion and etiology” em 1881, listando a propagação de epidemias de doenças com sintomas semelhantes aos do dengue. Todavia, de acordo com Halstead (2015), as pandemias que Christie estava realmente analisando era, na verdade, a doença a qual nos referimo