Ana Cláudia dos Santos Sistemática de Piabina Reinhardt, 1867 (Ostariophysi: Characidae) Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Biologia Animal, junto ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. Orientador: Fernando Rogério de Carvalho São José do Rio Preto, SP 2016 Santos, Ana Cláudia dos. Sistemática de Piabina Reinhardt, 1867 (Ostariophysi: Characidae) / Ana Cláudia dos Santos. -- São José do Rio Preto, 2016 198 f. : il., tabs. Orientador: Fernando Rogério de Carvalho Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas 1. Ecologia animal. 2. Peixe de água doce - Classificação. 3. Peixe de água doce - Morfologia. 4. Characiformes. 5. Lambari (Peixe) I. Carvalho, Fernando Rogério de. II. Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas. III. Título. CDU – 597 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IBILCE UNESP - Câmpus de São José do Rio Preto 2 Ana Cláudia dos Santos Sistemática de Piabina Reinhardt, 1867 (Ostariophysi: Characidae) Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Biologia Animal, junto ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de São José do Rio Preto. BANCA EXAMINADORA Dr. Fernando Rogério de Carvalho UFMS – Campo Grande/MS Orientador Prof. Dr. Luiz Roberto Malabarba UFRGS – Porto Alegre/RS Prof. Dr. Francisco Langeani Neto UNESP – São José do Rio Preto/SP São José do Rio Preto, SP 29 de fevereiro de 2016 3 Aos meus pais, José e Elena, ao meu irmão, Mateus e à minha avó, Ana (In memoriam) 4 AGRADECIMENTOS Algumas etapas em nossa vida nem sempre são fáceis de serem concluídas. A caminhada muitas vezes é difícil, pode até parecer impossível quando caminhamos sozinhos. No entanto, quando menos esperamos, pessoas iluminadas surgem para nos ajudar e foi assim no decorrer desses dois anos de trabalho (aliás, desde antes disso). Tenho a felicidade imensa de agradecer a inúmeras pessoas que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho. A lista é grande e fico muito feliz em agradecer: À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de pesquisa concedida para o desenvolvimento deste trabalho. Ao meu orientador, Fernando Carvalho, primeiramente pela coragem em orientar uma aluna que nada sabe, mas que no início sabia menos ainda. Agradeço pela oportunidade, paciência (muita paciência), confiança, empolgação, presença (ainda que a mais de 1000 km, sempre presente), ajuda financeira, psicológica e emocional; por me mostrar como se faz taxonomia, me incentivar a visitar coleções, não me deixar desanimar (sempre presente quando o desânimo surgia), me abrigar por mais de um mês em sua residência (Cuiabá); pela amizade, carinho e dedicação. Sou imensamente grata a ti, Tchê. Se não fosse tu, provavelmente eu não teria cursado o mestrado. E mesmo cursando-o, certamente não seria este mestrado, com este trabalho e muito menos, este resultado. “Sistemática de Piabina” só foi desenvolvida graças a ti. Ao professor Dr. Francisco Langeani, por abrir as portas do Laboratório de Ictiologia da UNESP de São José do Rio Preto (DZSJRP) e me aceitar no cardume. Agradeço por possibilitar o desenvolvimento deste trabalho no laboratório, com todo o apoio, desde equipamentos à discussões científicas; pelas disciplinas oferecidas antes e durante o mestrado, por contribuir na avaliação deste trabalho; pelo carinho e atenção de sempre. À toda equipe do Laboratório de Ictiologia, formada por sistematas e ecólogos (e um ex-mascotinho, Gerson), que apesar das discussões sobre “qual área é a mais legal”, formam na realidade um único laboratório, uma única equipe, uma única família (minha segunda família). Sistematas: Arieli, por toda ajuda oferecida, com osteologia, documentação e nos momentos finais, além da amizade e do carinho; Breno (véio), pela paciência para ouvir minhas lamentações e me auxiliar nos momentos finais da elaboração desta dissertação; Alaína, por me socorrer com a burocracia do mestrado; Fernanda, por auxílios diversos, desde 5 como utilizar o Photoshop até oferecer abrigo em sua casa (agradeço também ao Maurício e a pequena Beatriz); Mariana, pela ajuda com a organização das Piabina na coleção; Arturo, que chegou ao Brasil e de pronto se ofereceu para ajudar, obrigada por me ajudar com ideias, medidas, ‘papers’ e por toda amizade e paciência. Ao Douglas Ribeiro, que apesar de não residir em São José, também é membro do laboratório, obrigada pela doação de material. Ecólogos: Angélica, pelo carinho, amizade e ajuda com a impressora; Camilo, pelos ensinamentos sobre ecomorfologia e sobre a DAPC, que me explicou com tanta paciência e carinho; Gabriel, pelas conversas informais e produtivas que me auxiliaram a compreender um pouco mais sobre ecologia e pela ajuda com mapas; Carolina e Molina, pelo carinho e por tornarem a rotina do laboratório mais alegre; Cristina e Mônica, pelo carinho imenso e conversas sobre a pós-graduação (certamente ajudarão daqui para frente) e Erick Manzano, pelo carinho e apoio. Especialmente, agradeço à Jaqueline de Oliveira Zeni, pelo infinito apoio em todos os momentos desta etapa de minha vida, apoio fornecido com carinho, paciência e amizade. À Profª. Dra. Lilian Casatti, pelas considerações na qualificação, pela ajuda com a DAPC, disciplinas, conversas e carinho. À MSc. Roselene Silva Costa-Ferreira, por todos os ensinamentos, carinho, amizade e apoio na vida profissional e pessoal, antes e durante o desenvolvimento deste trabalho. Ao Prof. Dr. Luiz Roberto Malabarba, que recebeu-me com tanto carinho e possibilitou, além da análise e empréstimo de material, uma experiência de campo em ambientes por mim não conhecidos (adorei a experiência); agradeço ainda pelo auxílio com a análise filogenética e pela avaliação deste trabalho. À Dra. Maria Cláudia Malabarba, pela atenção durante a visita à UFRGS e a toda equipe do Laboratório de Ictiologia da UFRGS. À Alice Hirschmann e ao Benhur, por permitir nossa estadia em sua residência durante o período em que estivemos em Porto Alegre, RS e à Alice agradeço ainda pela ajuda imensa com a filogenia (muito obrigada). À Juliana Wingert, Andrea Thomaz e Dr. Tiago P. Carvalho, pelas informações dos lotes de Piabina depositados no exterior e ao Tiago, agradeço ainda pela solicitude em nos ajudar com as imagens do holótipo de A. paranahybae (infelizmente não realizamos a tomografia computadorizada, mas sou muito grata pela disposição em ajudar). Ao Juliano Ferrer, pelas informações fornecidas e por permitir-me ver o holótipo de A. paranahybae por Skype (foi a única oportunidade que tive de ver o exemplar). Muito 6 obrigada! À Priscilla Caroline, pelo carinho, atenção, paciência, disposição, pela aula sobre análise molecular (grande ajuda para compreender um pouquinho dessa técnica) e pelo auxílio com a análise de A. paranahybae, com medidas, imagens e desenho da dentição do holótipo (ajuda fundamental). Ao Carlos Oliveira, que também auxiliou nas análises de A. paranahybae sem ao menos me conhecer. À Sandra Raredon (Smithsonian Institution), pela atenção e ajuda com as imagens de A. paranahybae e ao Field Museum of Natural History, pelo empréstimo do holótipo ao Smithsonian, onde foram feitas as imagens. Ao Kevin Swagel (FMNH), pelas informações e imagens sobre lotes de espécimes coletados por J. D. Haseman. Ao Dr. Jørgen Nielsen (ZMUC), pela atenção e por fornecer as radiografias do lectótipo e paralectótipo de Piabina argentea e pela tradução da diagnose da espécie. Ao Marcus Krag pelas imagens do lectótipo e paralectótipo de P. argentea. Ao Christian Cramer por solicitar a tradução da descrição original de Piabina e ao Norberto Knaak e ao Peter Friese por realizarem a tradução do documento em dinamarquês para o inglês. Ao Valdener Garutti, pelos dados originais de sua análise do holótipo de A. paranahybae. Ao Prof. Dr. Oscar Shibatta, pelas imagens de A. paranahybae, empréstimo de material e pela atenção e carinho durante nossa visita ao MZUEL. Ao Prof. Dr. Fernando Jerep, pela atenção e carinho, empréstimo de material e informações concedidas sobre o material da coleção. À Profª. Dra. Lúcia Caetano, pelos esclarecimentos sobre citogenética e pelo carinho imenso com que nos tratou durante a visita à Londrina. Ao Prof. Dr. Paulo Pompeu por permitir acesso ao material da UFLA e a toda equipe do Laboratório de Ecologia da Universidade Federal de Lavras, especialmente à Daniela Fagundes, pelo apoio e disponibilidade em nos receber. À Profª Dra. Sandra Moreli, por nos receber no Laboratório de Citogenética da Universidade Federal de Uberlândia e pela doação de material. À equipe do laboratório, em especial à Tamiris Rodrigues pela atenção e solicitude. Aos curadores das coleções não visitadas que forneceram empréstimo de material: 7 Profª Dra. Ângela Zanata (MZUFBA) e Profª. Dra. Luisa Maria Sarmento-Soares (MBML). Ao Dr. Carlos Alberto de Lucena e Prof. Dr. Roberto Reis, por permitirem a visita ao MCP e pela solicitude no empréstimo de material necessário ao desenvolvimento deste estudo. Também agradeço a Dra. Margarete Lucena e a toda equipe do Laboratório de Ictiologia do Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS, Bárbara Calegari, Maria Laura Delapieve, Viviane Sant'Anna e Alejandro Burbano. Ao Prof. Dr. Edson Pereira por todo o apoio e pelos momentos de descontração durante a análise de material. Agradeço também ao Juliano Romanzini, pelo auxílio nos momentos necessários durante a visita. Ao Dr. Vinícius Bertaco por toda atenção e carinho durante nossa visita à FZB/MCN, permitindo o acesso e o empréstimo do material. Aos professores Dr. Marcelo Britto e Dr. Paulo Buckup, por permitirem o acesso ao material do Museu Nacional e o empréstimo dos exemplares necessários. Agradeço a toda equipe do Laboratório de Ictiologia do MNRJ, especialmente ao Emanuel, que esteve sempre à disposição e ao Gustavo Andrés Ferraro, por possibilitar o acesso ao material de Piabina e pela atenção durante as valiosas conversas sobre o gênero. Ao Prof. Dr. Alessio Datovo, que permitiu nossa visita ao Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Ao Dr. Osvaldo T. Oyakawa, pela atenção, paciência e solicitude durante e após o período de visita ao MZUSP, com o empréstimo de material. Agradeço a toda equipe do laboratório de peixes deste museu, em especial à Dra. Manoela Marinho e ao Fernando Dagosta, que sempre estiveram presente, com muito carinho. Agradeço imensamente ao Willian Ohara, pela confiança e estadia durante a visita ao museu, o que foi de grande ajuda nesse período. Aos professores Dr. Heraldo Britski e Dr. Naércio Menezes, pesquisadores de suma importância para a ictiologia brasileira, os quais tive o imenso prazer em conhecer, pela solicitude durante nossa visita ao Museu de Zoologia. Ao professor Heraldo e sua esposa Peny Britski, agradeço também pelo auxílio nas coletas em afluentes do rio Corumbataí e pela agradável e inesquecível tarde que passamos em Corumbataí-SP. A toda equipe do Laboratório de Ictiologia de Ribeirão Preto, Prof. Dr. Ricardo Castro, Vanessa, André, Tiago e Hertz, pela paciência, carinho e atenção. Em especial, ao Prof. Dr. Flávio Bockmann, que permitiu nossa visita na instituição e nos forneceu todo o apoio necessário para análise do material, bem como o empréstimo de alguns lotes, sempre com muita atenção. 8 À Profª Dra. Carla S. Pavanelli por permitir nossa visita ao NUPELIA, bem como o empréstimo de material, sempre com muita atenção; à equipe do laboratório, especialmente ao Gabriel Deprá, pelas valiosas conversas e atenção; à Renata Ota, pela atenção, carinho e apoio durante a visita e Sandra R. de Souza pela atenção e envio do material. Ao Prof. Dr. Cláudio Zawadzki pela atenção, carinho e momentos de descontração durante nossa visita ao NUPELIA. Ao Prof. Dr. Cláudio Oliveira, por permitir nossa visita ao LBP e pelo empréstimo do material; pela atenção e carinho imenso durante todo o período da visita. À equipe do Laboratório de Biologia e Genética de Peixes, especialmente ao Dr. Bruno Melo, Gabriel, Dr. Guilherme, Dr. Fábio Roxo e Jefferson pela atenção durante a visita, por me auxiliarem a compreender um pouco sobre análises moleculares e pelos momentos de descontração. Sou muito grata ao Jorge E. G. Melo pela ajuda com os dados de Bryconamericus, informações sobre lotes e pela análise molecular realizada. Ao Prof. Dr. Alexandre C. Ribeiro por permitir meu acesso ao laboratório e coleção CPUFMT durante quase dois meses, disponibilizando sua sala para realizar a análise filogenética; pela ajuda com a obtenção das imagens dos dentes e infraorbitais, pelo empréstimo de equipamentos (incluindo a cafeteira que me manteve acordada) e pela atenção e carinho durante todo o período. À Profª Dra. Katiane Ferreira, pela atenção e carinho durante a visita e pelas dicas de passeio. Ao Eliude, pela atenção e ajuda com o computador. Aos professores Dr. Paulo Venere e Dr. Liano Centofante, pelos ensinamentos sobre dados citogenéticos, pela atenção, carinho e momentos de descontração durante a visita à Cuiabá. Ao Dr. Half Britz e à Dra. Mônica de Toledo Piza Ragazzo, pela oportunidade de participar do curso de Anatomia Comparada de Peixes, de grande importância e contribuição para o desenvolvimento deste trabalho. Agradeço também à toda turma que participou da edição 2014 deste curso. Foram 15 dias de muito aprendizado, alegria e amizades. Aos professores do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Dra. Eliana Morielle, Dra. Eliane G. de Freitas, Dr. Reinaldo Feres, Dra. Maria Stela M. Castilho-Noll, que através das disciplinas, antes e durante o mestrado, ofereceram conhecimento, que foi de fundamental importância ao desenvolvimento deste trabalho. Aos meus pais, José Carlos dos Santos e Elena Maria Jordão Santos, pelo amor, carinho, atenção e paciência, que foram extremamente importante para que eu pudesse 9 continuar nessa caminhada. Agradeço por me apoiarem, mesmo sem compreender exatamente o que e para que faço, o porquê das viagens e dos finais de semana fora de casa (às vezes meses). Meus mais sinceros agradecimentos. Sem vocês nada teria sentido. Ao meu irmão, Mateus, pelo carinho e pela força durante esses dois anos e pelos momentos de felicidade e descontração, tão necessários. A todos os meus familiares, por todo amor e carinho, especialmente aos meus avós paternos: Jorge e Isabel, pela preocupação que nunca deixaram de ter e minha avó materna, Ana, pelo amor e carinho oferecido, pela preocupação e pelos ensinamentos (agradeço, mesmo que infelizmente não seja possível ver a conclusão deste trabalho). Ao meu amigo, companheiro, parceiro, namorado, Tony Carlos Martins Barão, por todo amor, paciência e compreensão, principalmente nos momentos de total desespero. Agradeço por estar sempre ao meu lado, por compreender a distância e pelo esforço em entender o que faço. Seu esforço para compreender o que faço foi tanto, que acredito que já saiba reconhecer os morfotipos de Piabina rsrs. Às minhas amigas de infância: Elimary, Ellen e Jaqueline. Às de graduação: Carla, Marielle e Arielle e amiga/prima, Verônica, por continuarem presentes em minha vida, apesar de eu desaparecer por alguns períodos. Às meninas da Rep Faroni, companheiras de casa, que muitas vezes aguentaram minhas lamentações e que sempre me apoiaram. Meus sinceros agradecimentos à Juliana, Marina, Fabi e especialmente, à Dayane Boracini Prates, que além do apoio emocional, me possibilitou um grande apoio gastronômico, desde minha chegada à São José do Rio Preto, SP, com degustação de pratos maravilhosos. Agradeço também a Bia, que ingressou na casa justo no período conclusivo desta etapa de minha vida, por apoio nos momentos de desespero. Agradeço aos Drs. Richard P. Vari e Antony S. Harold, pelo trabalho “Phylogenetic Study of the Neotropical Fish Genera Creagrutus Günther and Piabina Reinhardt (Teleostei: Ostariophysi: Characiformes), with a Revision of the Cis-Andean Species”, fonte principal de informação para o desenvolvimento deste trabalho de mestrado. Ao Dr. Richard Vari, pesquisador de importância indiscutível na ictiologia, que tanto fez por ictiólogos brasileiros, gostaria de agradecer pessoalmente e dizer sobre a importância que seus trabalhos tem em minha formação. Infelizmente isso não será possível, mas deixo aqui os meus mais sinceros agradecimentos a esse pesquisador e ser humano maravilhoso. Por fim, mas não menos importante, agradeço a Deus, Aquele que conhece meus 10 momentos de alegria e tristeza, Aquele que é meu refúgio e minha força e que não me deixa desistir, mesmo nos momentos mais difíceis. 11 “Não são as respostas que movem o mundo, são as perguntas” Albert Einstein “Vivendo e aprendendo” Provérbio Português 12 RESUMO A sistemática de Piabina Reinhardt, 1867 tem sido questionada recentemente. Espécies novas e possíveis sinônimos (e.g., Astyanax paranahybae) foram sugeridos para o gênero e a espécie-tipo, Piabina argentea, foi considerada recentemente um complexo de espécies. Diante dessas hipóteses realizamos uma revisão sistemática, incluindo análises taxonômica, filogenética e discriminante, compreendendo as espécies válidas e as supostamente novas (Capítulo I). Foi possível reconhecer quatro morfotipos intraespecíficos com base em caracteres morfológicos [Piabina argentea sensu stricto, Piabina sp. A (sensu Cardoso), Piabina sp. ‘nordeste’ e Piabina sp. ‘tiete’]. No entanto, observou-se elevada sobreposição nos caracteres morfológicos entre os morfotipos, corroborado pela análise discriminante (DAPC). Caracteres filogenéticos homoplásticos foram recobrados para as espécies e morfotipos de Piabina, encontrados em politomia no gênero. A sobreposição de caracteres morfológicos e a ausência de caracteres filogenéticos robustos às espécies e aos morfotipos impossibilitam o reconhecimento inequívoco destes como unidades biológicas distintas. Assim, Piabina é considerada um gênero monotípico, com P. anhembi e Astyanax paranahybae como sinônimos juniores de P. argentea. Piabina argentea é semelhante a outros Stevardiinae, principalmente algumas espécies de Bryconamericus e Creagrutus. Equívocos na identificação da espécie em coleções científicas motivaram a elaboração de uma chave para identificação de Stevardiinae da bacia do alto rio Paraná. A chave, que inclui 15 espécies de estevardiíneos, é uma ferramenta útil à identificação correta das espécies, especialmente as relacionadas filogeneticamente à P. argentea (Capítulo II). Palavras-chave: Astyanax paranahybae. Diversidade. Stevardiinae. Taxonomia. Variação morfológica. 13 ABSTRACT Recently, the systematic of Piabina Reinhardt, 1867 has been questioned. New species and possible synonyms (e.g., Astyanax paranahybae) were suggested to the genus and the type species, Piabina argentea, was recently considered as a complex of different species. In view of these new hypothesis, we performed a systematic review with taxonomic, phylogenetic, and discriminant data, including all valid species and the species reported as new of Piabina (Chapter I). We identified four intraspecific morphotypes based on morphological characters [Piabina argentea sensu stricto, Piabina sp. A (sensu Cardoso), Piabina sp. ‘nordeste’ e Piabina sp. ‘tiete’]. However, it was observed a significant overlapping of taxonomic characters among the morphotypes, posteriorly corroborated by the discriminant analysis (DAPC). We found homoplastics phylogenetic characters to species and morphotypes of Piabina, arranged in politomy in the genus. The overlapping of morphological characters and the lack of robust phylogenetic characters do not allow us to recognize these taxa as distinct biological units. Thus, Piabina was considered a monotipic genus, with P. anhembi and Astyanax paranahybae as junior synonyms of P. argentea. Piabina argentea is similar to other species of Stevardiinae, mainly some Bryconamericus and Creagrutus species. Mistakes in Piabina identification observed in scientific collections motivated the elaboration of an identification key to the Stevardiinae from the upper Paraná River basin. The key included 15 Stevardiinae species and represents a helpful tool to identify species correctly, especially the species phylogenetic related to P. argentea (Chapter II). Keywords: Astyanax paranahybae. Diversity. Stevardiinae. Taxonomy. Morphological variation. 14 LISTA DE FIGURAS Figura 1. A. Bryconamericus turiuba, DZSJRP 7050, 41,9 mm CP; vista ventral do pré- maxilar: caráter 393(0). B. Piabina argentea, DZSJRP 6498, 62,3 mm CP; vista ventral do pré-maxilar: caráter 393(1) ..................................................................................................... 44 Figura 2. Creagrutus varii, LIRP 4342, holótipo, 36,8 mm CP; faixa longitudinal no flanco: cárater 395(0) e mácula nos raios caudais medianos: caráter 397(1) ...................................... 45 Figura 3. Bryconamericus turiuba, DZSJRP 19021, 44,5 mm CP. A. Vista lateral esquerda: caráter 395(1) e 397(0). B. Vista dorsal: caráter 396(1) ......................................................... 45 Figura 4. Bryconamericus exodon, DZSJRP 9088, 31,6 mm CP (d&c); posicionamento das nadadeiras dorsal e anal: caráter 398(0) e 399(0) ................................................................... 47 Figura 5. Piabina anhembi, MZUSP 59144, parátipo, 64,2 mm CP (d&c); posicionamento das nadadeiras dorsal e anal: caráter 398(1) e 399(0) ............................................................. 47 Figura 6. Piabarchus torrenticola, CPUFMT 1639, 31,6 mm CP (d&c); posicionamento das nadadeiras dorsal e anal: caráter 398(0) e 399(1) ................................................................... 48 Figura 7. Piabina argentea: A. ZMUC 253, lectótipo, 58,8 mm CP; B. ZMUC 254, paralectótipo, 56,7 mm CP. Minas Gerais, Lagoa Santa. Imagens por Marcus Anders Krag (ZMUC) .................................................................................................................................. 54 Figura 8. Radiografias de: A. Piabina argentea, ZMUC 253, lectótipo, 58,8 mm CP; B. P. argentea, ZMUC 254, paralectótipo, 56,7 mm CP; C. Astyanax paranahybae, FMNH 54714, holótipo, 42,4 mm CP (lado direito); D. A. paranahybae (lado esquerdo). Imagens A-B por Jørgen Nielsen (ZMUC) e C-D por Sandra Raredon (USNM) ............................................... 55 Figura 9. Série infraorbital de Piabina argentea, com variação no formato do quarto osso infraorbital: A. quarto osso infraorbital ausente, DZSJRP 2898, 55,5 mm CP, lado direito; B. 15 quarto infraorbital triangular, excluído da margem infraorbital posterior, MZUSP 114970, 60,5 mm CP, lado esquerdo; C. quarto infraorbital triangular, próximo a margem posterior, DZSJRP 6642, 83,3 mm CP, lado esquerdo; D. quarto infraorbital triangular, alcançando a margem posterior, LIRP 632, 50,2 mm CP, lado esquerdo; E. quarto infraorbital longitudinalmente alongado, DZSJRP 5473, 51,7 mm CP, lado esquerdo; F. quarto infraorbital aproximadamente retangular, DZSJRP 2898, 49,9 mm CP, lado esquerdo. .................................................................................................................................................. 56 Figura 10. Variação no posicionamento dos dentes do pré-maxilar em Piabina argentea: A. DZSJRP 479, 50,0 mm CP; B. DZSJRP 8706, 74,2 mm CP; C. DZSJRP 456, 49,3 mm CP; D. DZSJRP 19494, 44,3 mm CP (pré-maxilar direito); E. DZSJRP 10462, 49,8 mm CP; F. DZSJRP 10502, 46,4 mm CP; G. DZSJRP 6498, 62,3 mm CP; H. DZSJRP 14066, 44,6 mm CP; I. DZSJRP 2898, 55,5 mm CP; J. DZSJRP 6498, 53,5 mm CP; K. DZSJRP 5429, 47,5 mm CP; L. DZSJRP 2898, 49,9 mm CP (pré-maxilar direito); M. DZSJRP 6866, 56,8 mm CP; N. DZSJRP 443, 46,23 mm CP. Imagens A-C, E-K, M-N: pré-maxilar esquerdo. .................................................................................................................................................. 58 Figura 11. Variação no número de cúspides dos dentes do pré-maxilar em Piabina argentea: A. Todos os dentes tricuspidados, DZSJRP 8706, 74,2 mm CP; B. Dentes com três a quatro cúspides, DZSJRP 456, 49,3 mm CP; C. Dentes com três a cinco cúspides, DZSJRP 7897, 40,3 mm CP ............................................................................................................................. 59 Figura 12. Distribuição geográfica de Piabina argentea. Estrelas representam as localidades- tipo: vermelho - Piabina argentea; preto - Piabina anhembi e azul - Astyanax paranahybae. Alguns símbolos representam mais de uma localidade ou lote examinado ............................ 61 Figura 13. Morfotipos reconhecidos em Piabina argentea: A. Piabina argentea sensu stricto, MNRJ 21619, 49,1 mm CP; B. Piabina sp. ‘nordeste’, MZUFBA 3280, 38,3 mm CP; C. Piabina sp. A (sensu Cardoso 2011), DZSJRP 5539, 57,7 mm CP; D. Piabina sp. ‘tiete’, DZSJRP 47,9 mm CP .............................................................................................................. 65 Figura 14. Piabina argentea sensu stricto reconhecidos na literatura como: A. Piabina 16 anhembi, MCP 30683, holótipo, 65,4 mm CP. São Paulo, Salesópolis, drenagem do rio Tietê, rio Paraitinga, na Cachoeira da Porteira (23º31’37”S 45º45’52”W). Imagem por Bárbara Calegari (MCP); B. Morfotipo 2 (sensu Ferraro 2013), MNRJ 31687, 52,0 mm CP. Minas Gerais, Piumhi, drenagem do rio Piumhi, córrego das Almas ................................................ 67 Figura 15. Astyanax paranahybae, FMNH 54714, holótipo, 42,4 mm CP, rio Paranaíba: A. lado direito do exemplar; B. lado esquerdo do exemplar. Imagens por: (A) Sandra Raredon (USNM) e (B) Oscar Shibatta (MZUEL) ............................................................................... 69 Figura 16. Árvore de consenso estrito obtida pela análise com as Novas Tecnologias do TNT, mostrando o relacionamento de Characidae com adição das espécies e morfotipos sugeridos para Piabina. Piabina e Bryconamericus thomasi destacados em negrito ............................. 71 Figura 17. Árvore de consenso estrito obtida pela análise com as Novas Tecnologias do TNT, mostrando o relacionamento de Characidae com adição das espécies e morfotipos sugeridos para Piabina, incluindo o suporte relativo de Bremer nos clados. Piabina e Bryconamericus thomasi destacados em negrito ............................................................................................... 74 Figura 18. Árvore de consenso estrito obtida pelo método de pesagem implícita, com valor de k= 11.83783, mostrando o relacionamento de Characidae e o posicionamento de Piabina argentea. Piabina e Bryconamericus thomasi destacados em negrito .................................... 78 Figura 19. Árvore de consenso estrito obtida pelo método de pesagem implícita, com valor de k= 11.83783, mostrando o relacionamento de Characidae e o posicionamento de Piabina argentea, incluindo o suporte relativo de Bremer nos clados. Piabina e Bryconamericus thomasi destacados em negrito ............................................................................................... 81 Figura 20. Agrupamentos gerados pela Análise Discriminante de Componentes Principais (DAPC): números indicam os grupos encontrados pela DAPC; pontos representam os indivíduos ................................................................................................................................ 85 Figura 21. Relacionamento entre as espécies e morfotipos [Astyanax paranahybae, Piabina 17 anhembi, P. argentea, Piabina sp. A (sensu Cardoso), Piabina sp. ‘nordeste’, Piabina sp. ‘tiete’ e Morfotipo 2 (sensu Ferraro)] (linhas) e os grupos inferidos pela Análise Discriminante de Componentes Principais (colunas). A escala representa o número de indivíduos ................................................................................................................................ 86 18 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Dados morfométricos de Piabina argentea, incluindo o lectótipo (extraídos de Vari & Harold 2001) e os tipos de Astyanax paranahybae e Piabina anhembi. N = número de espécimes; DP = desvio padrão .............................................................................................. 62 Tabela 2. Dados morfométricos dos morfotipos de Piabina argentea: Piabina argentea s.s., Piabina sp. A (sensu Cardoso), Piabina sp. ‘nordeste’, Piabina sp. ‘tiete’, Morfotipo 2 (sensu Ferraro). N = número de espécimes; DP = desvio padrão ...................................................... 63 19 LISTA DE ANEXOS Anexo I – Material examinado ............................................................................................. 101 Anexo II – Material comparativo examinado ....................................................................... 153 Anexo III – Matriz de caracteres utilizados na reconstrução filogenética ........................... 155 Anexo IV – Piabina argentea sensu stricto ......................................................................... 161 Anexo V – Piabina sp. ‘nordeste’ ........................................................................................ 162 Anexo VI – Piabina sp. A (sensu Cardoso, 2011) ............................................................... 163 Anexo VII – Piabina sp. ‘tiete’ ............................................................................................ 164 Anexo VIII – Dados merísticos de Piabina argentea apresentados de acordo com as espécies válidas na literatura: P. argentea s.s., Piabina anhembi e A. paranahybae. N = número de espécimes; i = raios não ramificados .................................................................................... 165 Anexo IX – Dados merísticos de Piabina argentea apresentados de acordo com os morfotipos reconhecidos neste trabalho: Piabina sp. A. (sensu Cardoso, 2011), Piabina sp. ‘nordeste’ e Piabina sp. ‘tiete’; e morfotipo reconhecido na literatura: Morfotipo 2 (sensu Ferraro, 2013). N = número de espécimes; i = raios não ramificados ........................................................... 166 Anexo X – Dentição do holótipo de Astyanax paranahybae: A. Figura do pré-maxilar direito de A. paranahybae. Desenho esquemático por Priscilla Caroline Silva (UFRGS); B. Imagem ventral da cabeça de A. paranahybae, destacando a dentição irregular do pré-maxilar. Imagem por Sandra Raredon (USNM) ............................................................................................... 167 Anexo XI – Astyanax paranahybae, FMNH 54714, holótipo, 42,4 mm CP: A. Descrição original (Eigenmann 1911: prancha VIII, figura 1); B. Imagem por Valdener Garutti em 2000; 20 C. Imagem do FMNH; D. Imagem por Oscar Shibatta (MZUEL); E. Imagem por Sandra Raredon (USNM); F. Radiografia do holótipo disponibilizada pelo FMNH. ...................... 168 Anexo XII – Lista das sinapomorfias de cada clado e autapomorfias de cada táxon terminal da análise filogenética com pesagem implícita de caracteres ............................................... 169 21 SUMÁRIO 1 CAPÍTULO INTRODUTÓRIO ......................................................................... 23 1.1 Preâmbulo ............................................................................................................. 23 1.2 Histórico de Astyanax paranahybae Eigenmann, 1911 ..................................... 24 1.3 O gênero Piabina Reinhardt, 1867 ...................................................................... 29 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 34 2 CAPÍTULO 1 ........................................................................................................ 40 2.1 Resumo .................................................................................................................. 40 2.2 Introdução ............................................................................................................. 41 2.3 Material & Métodos ............................................................................................. 42 2.3.1 Análise Taxonômica ............................................................................................. 42 2.3.2 Análise Filogenética ............................................................................................. 43 2.3.3 Análise Discriminante .......................................................................................... 49 2.4 Resultados ............................................................................................................. 50 2.4.1 Revisão Taxonômica ............................................................................................ 50 2.4.1.1 Gênero Piabina Reinhardt, 1867 ......................................................................... 50 2.4.1.1.1 Diagnose ................................................................................................................ 51 2.4.1.2 Piabina argentea Reinhardt, 1867 ....................................................................... 51 2.4.1.2.1 Diagnose ................................................................................................................ 53 2.4.1.2.2 Descrição ............................................................................................................... 53 2.4.1.2.3 Coloração em álcool ............................................................................................. 60 2.4.1.2.4 Coloração em vida ................................................................................................ 60 2.4.1.2.5 Comentários ecológicos ........................................................................................ 60 2.4.1.2.6 Nomes populares .................................................................................................. 61 2.4.1.2.7 Distribuição ........................................................................................................... 61 2.4.1.2.8 Variação morfológica ........................................................................................... 64 2.4.1.2.9 Comentários .......................................................................................................... 66 2.4.2 Análise Filogenética ............................................................................................. 70 2.4.3 Análise Discriminante .......................................................................................... 84 2.5 Discussão ............................................................................................................... 86 2.6 Referências ............................................................................................................ 89 2.7 Anexos ................................................................................................................. 101 3 CAPÍTULO 2 ...................................................................................................... 187 22 3.1 Resumo ................................................................................................................ 187 3.2 Introdução ........................................................................................................... 188 3.3 Material & Métodos ........................................................................................... 188 3.4 Resultados ........................................................................................................... 189 3.4.1 Chave para identificação de Stevardiinae da bacia do alto rio Paraná ........ 189 3.5 Discussão ............................................................................................................. 196 3.6 Referências .......................................................................................................... 196 23 1 CAPÍTULO INTRODUTÓRIO 1.1 Preâmbulo A diversidade de formas, tamanhos, colorido e adaptações fisiológicas e comportamentais dos Actinopterygii tornou possível a ocupação de diversos hábitats aquáticos. Os ‘peixes’ constituem a maior parte dos vertebrados no mundo (NELSON, 2006), com cerca de 35644 espécies válidas, incluindo os fósseis (ZHANG, 2013); destas, mais de 600 foram descritas entre 2014 e 2015 (ESCHMEYER & FONG, 2016). O crescente aumento em descrições de espécies é um indicativo de que esse número pode estar subestimado (PELAYO-VILLAMIL et al., 2015) e é possível que haja uma diversidade taxonômica significativa ainda a ser descrita. Characiformes é uma das ordens de peixes neotropicais mais diversas, com representantes recentes encontrados na África Subsaariana, Sul da América do Norte, América Central e América do Sul (MOREIRA, 2007). A ordem é representada atualmente por cerca de 2100 espécies válidas (ESCHMEYER & FONG, 2016), conhecidas popularmente por diversos nomes, entre eles dourado, lambari, piau, traíra, piranha, pacu e piaba. Dentre as famílias de Characiformes, Characidae é a mais diversa e abundante, com cerca de 1100 espécies, representando mais da metade das espécies da ordem (ESCHMEYER & FONG, 2016). De acordo com Mirande et al. (2013), Characidae é composta por 13 subfamílias: Acestrorhynchinae, Agoniatinae, Aphyocharacinae, Aphyoditeinae, Bryconinae, Characinae, Cheirodontinae, Cynodontinae, Heterocharacinae, Iguanodectinae, Salmininae, Stevardiinae e Tetragonopterinae, além de seis clados informais: “Astyanax cladeˮ; “Astyanax paris cladeˮ; “Bramocharax cladeˮ; “Bryconamericus scleroparius clade”; “Bryconops cladeˮ e “Pseudochalceus cladeˮ. Stevardiinae (sensu Mirande, 2009) é a mais diversa, com 325 espécies, seguida por “Astyanax cladeˮ (sensu Mirande, 2009) (ESCHMEYER & FONG, 2016). Muitos gêneros e espécies de Stevardiinae (sensu Mirande, 2009), considerados previamente em Tetragonopterinae (EIGENMANN, 1917, 1927; GÉRY, 1977), foram considerados gêneros e espécies incertae sedis em Characidae por Lima et al. (2003). Simultaneamente, Malabarba & Weitzman (2003) incluíram muitos Tetragonopterinae (sensu Géry, 1977) no “clado Aˮ, juntamente com Glandulocaudinae (WEITZMAN & MENEZES, 24 1998). Posteriormente, Weitzman et al. (2005) restringiram Glandulocaudinae à Glandulocauda Eigenmann, Lophiobrycon Castro, Ribeiro, Benine & Melo e Mimagoniates Regan, considerando as demais tribos da subfamília (Corynopomini, Diapomini, Landonini, Hysteronotini, Phenacobryconini e Xenurobryconini) como Stevardiinae. Recentemente, Mirande (2009) renomeou o “clado A” (sensu Malabarba & Weitzman, 2003) como Stevardiinae e incluiu Aulixidens Böhlke e Nantis Mirande, Aguilera & Azpelicueta na subfamília. Stevardiinae (sensu Thomaz et al., 2015) é caracterizada pela presença de quatro dentes na série interna do pré-maxilar (MALABARBA & WEITZMAN, 2003; THOMAZ et al., 2015) e com exceção de Eretmobryconini (sensu Thomaz et al., 2015) os demais táxons da subfamília também podem ser caracterizados por oito ou menos raios ramificados na nadadeira dorsal (MIRANDE, 2009, 2010; MIRANDE et al., 2013; THOMAZ et al., 2015). Das 325 espécies de Stevardiinae (sensu Mirande et al., 2013), cerca de 19% foram descritas entre 2006 e 2015 (ESCHMEYER & FONG, 2016). Astyanax Baird & Girard é um dos gêneros mais diversos em Characidae, com mais de 30 espécies descritas na última década (ESCHMEYER & FONG, 2016). O gênero inclui peixes de pequeno porte até 200 mm de comprimento padrão (GARUTTI, 1999), amplamente distribuídos nas drenagens de água doce neotropicais, desde o sul dos EUA até a bacia de la Plata, na Argentina (BERTACO & LUCENA, 2006). Devido à ausência de sinapomorfias únicas que inclua todas as espécies do gênero, Astyanax é considerado não monofilético (MIRANDE, 2010; OLIVEIRA et al., 2011; MIRANDE et al., 2013). Por se tratar de um gênero numeroso em espécies e não monofilético, o reconhecimento de cada espécie é laborioso, pois os limites diagnósticos de muitas espécies não estão bem definidos (e.g. Astyanax paranahybae Eigenmann) (GARUTTI & BRITSKI, 2000; CASTRO & VARI, 2004; VARI & CASTRO, 2007). 1.2 Histórico de Astyanax paranahybae Eigenmann, 1911 Durante expedição organizada pelo ʻCarnegie Museum of Natural Historyʼ à América do Sul, entre 1907 e 1910 (SPOTTS, 2007), um aluno de Carl Eigenmann e coletor do Departamento de Ictiologia do Carnegie Museum John D. Haseman, ao passar pelo rio Paranaíba em agosto de 1908 (HASEMAN & EIGENMANN, 1911) capturou dentre os exemplares, um exemplar pequeno e anômalo popularmente conhecido por “piaba”. O 25 exemplar foi posteriormente descrito por Eigenmann (1911) como Astyanax paranahybae com as seguintes características: pré-maxilar composto por três dentes na série externa e cinco na série interna; três a quatro dentes no maxilar; todos os dentes tricuspidados; ausência de mácula caudal e uma mácula umeral tênue, passando pela quinta escama da linha lateral (EIGENMANN, 1911). A descrição sucinta da espécie foi baseada somente no holótipo, com 54,0 mm de comprimento total, com localidade referida apenas como “Rio Paranahyba” e data de coleta como “Aug. 1908” (EIGENMANN, 1911). O holótipo foi depositado na coleção de peixes do ʻCarnegie Museum of Natural Historyʼ, Pittsburgh, EUA (CM 3356 – HENN, 1928) e em 1952 foi adquirido pelo Field Museum of Natural History, Chicago (FMNH), EUA, juntamente com outros aproximadamente 500 espécimes-tipo. Posteriormente, A. paranahybae foi catalogado na coleção de peixes do FMNH (FMNH 54714 - IBARRA & STEWART, 1987). Astyanax paranahybae foi registrado também para Santa Fé, Argentina (RINGUELET et al., 1967). Embora Ringuelet et al. (1967) não tenham designado um ʻvoucherʼ, este foi o único registro da espécie fora da bacia do alto rio Paraná. O registro para a região foi mantido por autores subsequentes (LOPES et al., 2003; LIOTTA, 2005). No entanto, Mirande & Koerber (2015) afirmaram que o registro de A. paranahybae para a Argentina é um equívoco e que o espécime analisado por Ringuelet et al. (1967) provavelmente pertence a uma espécie de Bryconamericus. Garutti & Britski (2000), ao analisarem o holótipo de A. paranahybae, notaram assimetria nos dentes da série interna do pré-maxilar, com cinco dentes do lado direito e quatro dentes do lado esquerdo, três dentes no maxilar direito e quatro no esquerdo; todos os dentes tricuspidados, além de iii,7 raios na nadadeira dorsal. Estes caracteres não são comumente encontrados em Astyanax. Além destas informações, Garutti & Britski (2000) sugeriram que a localidade-tipo de A. paranahybae seria “aproximadamente 34 km acima da ponte de Araguari, MG”, a partir das informações encontradas no itinerário de Haseman & Eigenmann (1911) referente à coleta realizada por Haseman no dia 14 de agosto de 1908. Na descrição de Bryconamericus turiuba Langeani, Lucena, Pedrini & Tarelho- Pereira, 2005, Langeani et al. (2005) compararam B. turiuba com A. paranahybae. Através de comunicação pessoal de Langeani com Garutti, Langeani et al. (2005) sugeriram que apesar da espécie ter sido descrita em Astyanax, ela provavelmente seria membro de Bryconamericus. Vari & Castro (2007) também questionaram a alocação genérica de 26 Astyanax paranahybae, com evidências de que o número reduzido de raios ramificados na nadadeira dorsal, adicionado a presença de quatro dentes na série interna do pré-maxilar, indica que a espécie possa não ser um membro de Astyanax, pertencendo a um dos gêneros do Clado A (sensu Malabarba & Weitzman, 2003), provavelmente Bryconamericus ou Piabina, pois estes apresentam a forma da cabeça e do corpo semelhante a do holótipo de A. paranahybae. A partir da análise de exemplares de Stevardiinae coletados próximos à provável localidade-tipo de A. paranahybae mencionada por Garutti & Britski (2000), Tavares (2007) encontrou que grande parte dos exemplares da área por ele examinados pertenciam à Piabina, com o formato do quarto osso infraorbital triangular. Dessa maneira, Tavares (2007) considerou que o holótipo de A. paranahybae poderia pertencer ao gênero Piabina ao invés de Bryconamericus. De acordo com Mirande (2010), “Astyanax clade” tem como sinapomorfia o osso maxilar sem dente ou com um único dente. Este caráter, diferente do encontrado em Astyanax paranahybae (três e quatro dentes no maxilar direito e esquerdo, respectivamente), reforça que a espécie não seja membro de Astyanax. Ao analisar o holótipo da espécie, Carvalho (2011) notou que A. paranahybae apresenta caracteres relacionados a Stevardiinae (e.g., ii,8 na nadadeira dorsal e quatro dentes na série interna do pré-maxilar), corroborando as hipóteses previamente levantadas de que A. paranahybae seria membro de Stevardiinae. Frente às dúvidas e inconsistências a respeito do posicionamento taxonômico de Astyanax paranahybae, averiguamos a informação apresentada por Haseman & Eigenmann (1911) a fim de obter mais esclarecimento sobre a localidade-tipo da espécie e capturar possíveis topótipos para uma definição genérica. Para a coleta realizada no rio Paranaíba, a informação original do ponto é “bridge twenty-one miles above Araguary [sic]” (HASEMAN & EIGENMANN, 1911), em tradução livre “ponte a 33,8 km acima de Araguari”. Eigenmann (1915) apresentou um mapa com a rota de John Haseman e nele é possível verificar uma ponte sobre o rio Paranaíba, na divisa entre os estados de Minas Gerais e Goiás, em uma rota partindo de Araguari, MG (Figura 1). 27 Figura 1. Mapa da América do Sul com a rota de John Haseman durante a expedição realizada pelo Carnegie Museum, mostrando a rota de Araguari/MG à uma ponte localizada no rio Paranaíba (“Paranahyba Bridge”). Modificado de Eigenmann (1915). Apesar do itinerário e do mapa apresentarem uma única localidade relacionada ao rio Paranaíba, uma busca pelas localidades do material coletado por J. D. Haseman em agosto de 1908, depositado no FMNH, mostrou que “rio Paranaíba, ponte a 33,8 km acima do rio Araguari” não foi a única localidade e que as coletas nas proximidades de Araguari/MG foram realizadas durante três dias (13-15 de agosto de 1908). Os dados para o dia 13 de agosto de 1908 (FMNH 54583) mostram que Haseman coletou em um riacho cerca de 19 km ao Norte de Araguari/MG (ʻCreek 12 miles N. of Araguaryʼ). Em 14 de agosto, as informações encontradas referem-se à “Rio Paranahyba, bridge at Goyaz [sic]” (FMNH 54627); “Rio Parahyba [probably R. Paranahyba = Paranaíba] into Rio Parana. Bridge 21 miles above Araguary [sic]” (FMNH 99157) e “Rio Paranahyba at bridge 20 miles above Araguary [sic]” (FMNH 93009), todas coincidindo com a informação apresentada no itinerário para o dia 14 de agosto. As informações para o dia 15 de agosto são “Rio Paranahyba Bridge [sic]” (FMNH 56891); “Rio Parahyba, into Rio Parana [sic]” (FMNH 77293) e apenas “Rio Paranahyba [sic]” (FMNH 54767). Conforme as informações dessas localidades de coleta, pode-se constatar que no dia 13 de agosto de 1908 Haseman coletou em riachos ao Norte de Araguari/MG e nos dias 14 e 15 de agosto coletou, de fato, na localidade apresentada no itinerário de Haseman & 28 Eigenmann (1911). Considerando que a descrição original de A. paranahybae traz como localidade-tipo “Rio Paranahyba [sic]” e que não há informação sobre o dia exato da coleta do holótipo da espécie, sugerimos que o holótipo de A. paranahybae foi, provavelmente, coletado no dia 15 de agosto de 1908, no rio Paranaíba, próximo a ponte rodoferroviária Engenheiro Bethout [nome em homenagem ao engenheiro da ferrovia (= Bethout) que faleceu no local da construção (HERBETTA, 2008)], que conectava os estados de Minas Gerais e Goiás. Embora a inauguração do trecho de Araguari/MG à ponte Engenheiro Bethout tenha sido realizada em 1911, os trilhos da linha tronco E. F. Goiaz estavam em Araguari desde 1896 (GIESBRECHT, 2015). No final da década de 70, a ponte e o trecho ferroviário foram desativados devido a construção da Usina Hidrelétrica de Furnas, em Itumbiara/GO, que alagou pontos do trecho no rio Paranaíba (GIESBRECHT, 2015). Entre os dias 15-16 de agosto de 2014 coletou-se no rio Paranaíba nas proximidades das ruínas da antiga ponte Engenheiro Bethout, margens direita, município de Anhanguera/GO (18º20ʼ36.9”S 48º13’36.5”W) e esquerda do rio, município de Araguari/MG (18º20ʼ47.0”S 48º13’40.2”W) (Figura 2). Dentre as espécies capturadas, coligiu-se três Stevardiinae: Bryconamericus stramineus Eigenmann (DZSJRP 20026), Knodus cf. moenkhausii (Eigenmann & Kennedy) (DZSJRP 20023) e Piabina argentea Reinhardt (DZSJRP 20022). Os dados de A. paranahybae foram comparados com as espécies coletadas, além de B. turiuba e Creagrutus varii Ribeiro, Benine & Figueiredo, estevardiíneos com registro para a drenagem do rio Paranaíba. Astyanax paranahybae diferencia-se de Bryconamericus spp. e Knodus cf. moenkhausii por apresentar dentes tricuspidados e robustos e de C. varii por apresentar maior número de escamas acima da linha lateral que abaixo desta e 20 raios ramificados na nadadeira anal (vs. número de escamas acima da linha lateral menor do que o número de escamas abaixo e 15-17 raios ramificados na nadadeira anal, respectivamente). Em relação à Piabina argentea, não foram observados caracteres notadamente distintivos com A. paranahybae. 29 Figura 2. Localidade-tipo de Astyanax paranahybae: Minas Gerais, Araguari, rio Paranaíba, nas proximidades da antiga ponte Engenheiro Bethout - divisa de Araguari/MG e Anhanguera/GO (18º20ʼ47.0”S). Em destaque, os pilares da antiga ponte Engenheiro Bethout. 1.3 O gênero Piabina Reinhardt, 1867 Piabina Reinhardt, 1867 foi reconhecida pela primeira vez pelo dinamarquês Johannes T. Reinhardt durante uma viagem ao estado de Minas Gerais, Brasil. Naquela viagem, Reinhardt capturou dois exemplares em um riacho afluente do rio das Velhas, nos arredores do município de Lagoa Santa, MG. De acordo com Lütken (2001), P. argentea foi encontrada apenas no rio das Velhas e em alguns tributários deste rio, como o córrego Bebedouro, antiga conexão entre a lagoa de Lagoa Santa/MG e o rio das Velhas. Atualmente, o córrego Bebedouro encontra-se canalizado e a ictiofauna local está ameaçada (POMPEU & ALVES, 2003). Os síntipos de P. argentea, semelhantes em tamanho, foram considerados pelo autor como próximo aos Tetragonopterus, porém com a dentição do pré-maxilar disposta em três séries (REINHARDT, 1867). Este caráter, além de dentes tricuspidados, poucos dentes no maxilar e abertura branquial ampla, foram utilizadas por Reinhardt para diagnosticar Piabina. A etimologia do gênero foi atribuída como um diminutivo de “piaba”, nome popular atribuído aos Tetragonopterus pelos pescadores da região. Piabina argentea Reinhardt, 1867, espécie- tipo por monotipia, foi diagnosticada por apresentar focinho arredondado, pré-maxilar deslocado à frente do dentário e maxila inferior com lábio mais espesso que o da maxila superior (REINHARDT, 1867). 30 Posteriormente, Piabina peruana Steindachner foi descrita para Monterico, Peru. Após revisão por Steindachner (1878), a espécie foi transferida para Creagrutus Günther [= Creagrutus peruanus (Steindachner)]. É encontrada nas bacias dos rios Apurimac e Urubamba, no Peru. Creagrutus foi descrito por Günther (1864) por apresentar dentre os caracteres diagnósticos, três séries de dentes no pré-maxilar. Apesar da similaridade entre os gêneros, Creagrutus não foi mencionado na descrição de Piabina por Reinhardt (1867), provavelmente por Reinhardt não conhecer o trabalho de descrição de Creagrutus (VARI & HAROLD, 2001). Eigenmann & Eigenmann (1891) consideraram Piabina como sinônimo júnior de Creagrutus, embora não tenham feito comentários sobre a decisão. O gênero foi revalidado por Eigenmann (1910), mas novamente sem identificar os caracteres que o levou à conclusão. Na revalidação do gênero, Eigenmann (1910) citou Piabina piquira, com localidade em Piracicaba/SP, bacia do alto rio Paraná, na lista de espécies do gênero. Entretanto, P. piquira não foi formalmente descrita e foi considerada nomen nudum por Eigenmann & Myers (1929). Eigenmann et al. (1914) notaram a semelhança em relação a posição da boca entre Creagrutus e Piabina, mas observaram que o número de raios da nadadeira anal era maior em Piabina. Eigenmann & Myers (1929) utilizaram esse caráter como diagnose para Piabina (20 ou mais raios na nadadeira anal e Creagrutus com até 16 raios). Eigenmann (1914) descreveu Piabina analis a partir de exemplares do alto rio Paraguai, em São Luís de Cáceres, MT (= Cáceres, MT). Posteriormente, a espécie foi transferida de gênero por Myers (1928), elegida como espécie-tipo de Piabarchus Myers, passando a ser tratada como Piabarchus analis (Eigenmann). A espécie tem distribuição nas drenagens do alto rio Paraguai e rio Amazonas (ESCHMEYER & FRICKE, 2016). Piabina beni Pearson foi descrita para o rio Popoi, alto rio Beni, na Bolívia por apresentar mais espaço entre a primeira e a terceira séries de dentes do pré-maxilar em relação à P. argentea. Géry (1977), ao comparar P. beni com P. argentea, notou que a separação das séries de dentes do pré-maxilar de P. beni era mais semelhante ao grupo de Creagrutus beni (Eigenmann) do que a P. argentea, entretanto, manteve a espécie como válida. Mahnert & Géry (1988) ao encontrarem exemplares de P. argentea e P. beni com 17 e 16 raios ramificados na nadadeira anal, respectivamente, e espécies de Creagrutus com até 15 raios ramificados, consideraram que a diferença no número de raios da nadadeira anal não representava uma diferença significativa para distinguir os gêneros. Mahnert & Géry (1988) 31 retomaram a sinonímia subjetiva de Piabina a Creagrutus. Dessa forma, P. beni tornou-se um homônimo júnior, pois Creagrutus beni Eigenmann já estava pré-ocupado. Assim, em homenagem ao autor de P. beni, foi proposto o nome substituto Creagrutus pearsoni Mahnert & Géry, espécie com distribuição para o alto rio Madeira (ESCHMEYER & FRICKE, 2016). As propostas de Piabina como sinônimo júnior de Creagrutus foram realizadas com base em caracteres morfológicos (e.g., dentário reduzido e número de raios ramificados na nadadeira anal), entretanto, uma análise filogenética para Creagrutus e Piabina foi desenvolvida pela primeira vez por Vari & Harold (1998). A partir da análise filogenética, Vari & Harold (1998) observaram que Creagrutus e Piabina compartilhavam sete sinapomorfias: 1- superfície dentígera do pré-maxilar aproximadamente triangular em vista ventral; 2- margem anterior do dentário distintivamente posterior ao limite anterior do pré- maxilar; 3- ângulo-articular verticalmente alongado; 4- ectopterigoide e quadrado não em contato; 5- processo anterior do mesetmoide expandido ventralmente; 6- ligamento entre o ângulo póstero-ventral do pré-maxilar e a superfície anterior da maxila bem desenvolvido; 7- fossa hiomandibular visível lateralmente. Na revisão sistemática de Creagrutus e Piabina, Vari & Harold (2001) corroboraram Piabina como espécie-irmã de Creagrutus e apresentaram como caracteres autapomórficos para Piabina o quarto osso infraorbital triangular, excluído da margem posterior da série infraorbital e ausência do processo em forma de anel formando a borda anterior do forame escapular. Assim, Piabina foi revalidada e considerada espécie-irmã de Creagrutus. De acordo com as autapomorfias, Vari & Harold (2001) mantiveram Piabina como gênero monotípico, que pode ser reconhecido ainda por um distinto espaço entre os dois primeiros dentes da série principal do pré-maxilar. A série principal de dentes do pré-maxilar faz parte de um conjunto de três séries de dentes apresentado por Harold & Vari (1994) para Creagrutus. As três séries são compostas por uma série principal, com até sete dentes, disposta de forma sigmoide; uma tríade formada por três grandes dentes medialmente a série principal e uma série lateral, formada por um ou dois dentes de tamanho similares aos da série principal, localizados lateral a esta série (HAROLD & VARI, 1994: fig. 1). Embora P. argentea apresente o espaço entre os dois primeiros dentes da série principal, outras espécies de Creagrutus [e.g., C. maracaiboensis (Schultz); C. melanzonus Eigenmann; C. muelleri (Günther); C. nigrostigmatus Dahl; C. ouranonastes Vari & Harold; C. peruanus 32 (Steindachner) e C. runa Vari & Harold] compartilham esse caráter, mas distinguem-se de P. argentea por apresentar 9-12 raios ramificados da nadadeira anal (vs. 15-18 em P. argentea). Em análises filogenéticas morfológicas recentes, P. argentea foi sustentada como espécie-irmã de Creagrutus (VARI & HAROLD, 1998, 2001; SIMIELE, 2008; MIRANDE, 2009, 2010; CARVALHO, 2011). No entanto, Mirande et al. (2013) ao incluírem Carlastyanax aurocaudatus (Eigenmann) na análise de Mirande (2010), recobraram P. argentea como espécie-irmã do clado formado por Carlastyanax aurocaudatus mais as espécies de Creagrutus, contrapondo a monofilia do clado Piabina mais Creagrutus (sensu Vari & Harold, 1998). Piabina anhembi Silva & Kaefer tem como diagnose dente anterior da tríade parcialmente inserido entre os dois primeiros dentes da série principal (vs. dente anterior da tríade não inserido entre os dois primeiros dentes da série principal em P. argentea), além do comprimento da cabeça e a largura da boca em relação ao comprimento padrão menores (vs. maiores em P. argentea). A localidade-tipo da espécie é o rio Paraitinga, alto rio Tietê, no município de Salesópolis/SP (SILVA & KAEFER, 2003). Piabina anhembi, P. argentea e P. thomasi (Fowler) são as espécies válidas no gênero, no entanto, morfotipos foram sugeridos recentemente em Piabina, tanto em análises morfológicas (CARDOSO, 2011; FERRARO, 2013) como em moleculares (CARDOSO, 2011; PEREIRA et al., 2011; PAZIAN et al., 2012; PEREIRA et al., 2013). Isto sugere P. argentea como um complexo de espécies. Cardoso (2011) sugeriu uma espécie nova de Piabina para as drenagens dos rios Ivaí e Paranapanema (bacia do alto rio Paraná), caracterizada por apresentar dente anterior da tríade parcialmente inserido entre o primeiro e o segundo dentes da série principal, maior altura corporal e lobo inferior da nadadeira caudal enegrecido. Além disso, foi observada distância genética (K2P) entre a espécie nova e P. argentea e P. anhembi de 6,7%. Entretanto, a espécie ainda não foi formalmente descrita. Análises moleculares de Pereira et al. (2011, 2013) sugeriram um complexo de espécies em P. argentea. Pereira et al. (2011) encontraram a formação de sete clados em Piabina, sendo um deles representado por P. anhembi e os demais contidos em P. argentea. Foi encontrada variação de até 1% na distância genética dentro dos clados e mais de 2% na distância genética entre os clados. De acordo com Ward (2009), 2% é um valor significativo para diferenciar táxons a nível específico em peixes e aves. Ao analisar os ʻvouchersʼ dos 33 trabalhos de Pereira et al. (2011, 2013), Ferraro (2013) verificou que o clado A (sensu Pereira et al., 2011), com maior distância interespecífica (5,6% entre os clados A e C, por exemplo), representa a possível espécie nova sugerida por Cardoso (2011), passando a tratar o táxon como Piabina sp. A. Ao estudar a variação populacional em Piabina, Ferraro (2013) observou distribuição do gênero em oito drenagens independentes (bacia do alto rio Paraná, rio Itapemirim, rio Itapicuru, rio Jequitinhonha, rio Paraguaçu, rio Paraíba do Sul, rio Ribeira de Iguape e rio São Francisco). Ferraro (2013) ampliou a distribuição de Piabina sp. A (sensu Cardoso, 2011) para as drenagens dos rios Grande, Paranaíba e Tietê (bacia do alto rio Paraná), reconhecendo a espécie nova mencionada por Simiele (2008) como a espécie nova sugerida por Cardoso (2011). Além disso, Ferraro (2013) reconheceu um morfotipo novo (= Morfotipo 2), com distribuição na Serra da Canastra e Serra do Salitre, caracterizado por menor altura corporal em relação a P. argentea, P. anhembi e Piabina sp. A (sensu Cardoso, 2011). Apesar de reconhecer espécies e morfotipos, incluindo P. anhembi, Ferraro (2013) afirmou que o reconhecimento inequívoco entre eles é tênue em virtude da sobreposição de caracteres. Thomaz et al. (2015) encontraram Carlastyanax aurocaudatus como espécie-irmã de Creagrutus, corroborando a análise morfológica de Mirande et al. (2013). Entretanto, Thomaz et al. (2015) apresentaram C. aurocaudatus mais Creagrutus spp. pertencendo a tribo Creagrutini, enquanto Piabina na tribo Diapomini, tribo-irmã de Creagrutini. Nesta análise, Piabarchus analis foi encontrado como espécie-irmã de Piabina, Bryconamericus thomasi Fowler foi considerado espécie-irmã de P. argentea e um táxon com identidade específica não determinada (Piabina sp.) foi inserido na análise. Ao verificar os ʻvouchersʼ utilizados por Thomaz et al. (2015) notamos que Piabina sp. é representada por espécimes de Morfotipo 2 (sensu Ferraro) (MNRJ 31744) e P. argentea sensu stricto (s.s.) (=Morfotipo 1, sensu Ferraro) (MNRJ 31804). Assim Piabina abriga atualmente três espécies válidas: P. argentea, P. anhembi e P. thomasi (Fowler) e duas possíveis espécies novas: Piabina sp. A (sensu Cardoso, 2011) e Morfotipo 2 (sensu Ferraro, 2013)], não descritas até o momento. As hipóteses de espécies novas em Piabina e A. paranahybae Eigenmann como membro do gênero, devido ao compartilhamento de caracteres dentários, instigaram, em um contexto de análise filogenética, uma avaliação incluindo as espécies e morfotipos assinalados para Piabina, a fim de compreender e definir o gênero, reavaliando seus caracteres diagnósticos. 34 REFERÊNCIAS BERTACO, V. A.; LUCENA, C. A. S. Two new species of Astyanax (Ostariophysi: Characiformes: Characidae) from eastern Brazil, with a synopsis of the Astyanax scabripinnis species complex. Neotropical Ichthyology, Porto Alegre, v. 4, n. 1, p. 53-60, 2006. CARDOSO, L. F. Q. Estudos morfológicos e moleculares em populações de Piabina Reinhardt (Characidae: Stevardiinae) das bacias do alto rio Paraná e rio São Francisco, incluindo a descrição de uma nova espécie. 2011. 51 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais) Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2011. CARVALHO, F. R. 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Para avaliar e definir as espécies do gênero realizamos revisão sistemática, com análise taxonômica, filogenética e discriminante, incluindo as espécies válidas e as supostamente novas. Foi possível reconhecer quatro morfotipos intraespecíficos com base em caracteres morfológicos [Piabina argentea sensu stricto, Piabina sp. A (sensu Cardoso), Piabina sp. ‘nordeste’ e Piabina sp. ‘tiete’]. No entanto, observou-se sobreposição nos caracteres morfológicos, com tendência a maior diferença na altura corporal e comprimento da cabeça. A análise filogenética com as novas tecnologias do TNT recobrou Piabina como um clado monofilético. Caracteres filogenéticos homoplásticos foram recobrados para as espécies e morfotipos de Piabina, que foram encontrados em politomia no gênero. A análise discrimintante (DAPC) demonstrou sobreposição entre os táxons pré-definidos, corroborando o resultado da análise taxonômica. A sobreposição de caracteres morfológicos e a ausência de caracteres filogenéticos às espécies e aos morfotipos sugeridos como novos impossibilitam o reconhecimento inequívoco destes como unidades biológicas distintas. Assim, Piabina é considerada um gênero monotípico, com P. anhembi e Astyanax paranahybae sinônimos juniores de P. argentea. Palavras-chave: Astyanax paranahybae. Morfotipo. Stevardiinae. Taxonomia. Variação morfológica. 41 2.2 Introdução Piabina Reinhardt inclui três espécies válidas: Piabina argentea Reinhardt (espécie- tipo), Piabina anhembi Silva & Kaefer e Piabina thomasi (Fowler) (sensu Thomaz et al. 2015). Espécies nominais em Piabina que foram transferidas para outros gêneros: Piabina peruana Steindachner (= Creagrutus peruanus), Piabina analis Eigenmann (= Piabarchus analis) e Piabina beni Pearson (= Creagrutus pearsoni Manhert & Géry), além de Piabina piquira, um nomen nudum (Eigenmann & Myers 1929). O gênero foi considerado sinônimo júnior de Creagrutus Günther (Eigenmann & Eigenmann 1891; Mahnert & Géry 1988) devido ao compartilhamento de caracteres morfológicos (e.g., mandíbula reduzida e dentição pré-maxilar) (Eigenmann et al. 1914; Eigenmann 1917; Eigenmann & Myers 1929; Géry 1977; Vari & Harold 1998, 2001). Vari & Harold (1998, 2001) realizaram análise filogenética com ambos os gêneros e revalidaram Piabina, propondo o gênero como grupo-irmão de Creagrutus. Recentemente outras espécies foram sugeridas em Piabina com análises morfológicas (Cardoso 2011; Ferraro 2013) e moleculares (Cardoso 2011; Pereira et al. 2011; Pazian et al. 2012; Pereira et al. 2013). Cardoso (2011) sugeriu uma espécie nova para as drenagens dos rios Ivaí e Paranapanema, bacia do alto rio Paraná, por apresentar maior altura corporal e distância genética (K2P) de 6,7% em comparação com P. argentea e P. anhembi. Ferraro (2013) também sugeriu uma provável espécie nova ao avaliar a variação populacional do gênero e reconheceu quatro morfotipos: Morfotipo 1 (= P. argentea), Morfotipo 2 (provável espécie nova para a Serra da Canastra e Serra do Salitre, MG), P. anhembi e Piabina sp. A (sensu Cardoso 2011). Pereira et al. (2011, 2013) encontraram P. argentea como um complexo de espécies. Pereira et al. (2011) obtiveram sete clados em Piabina, um representado por P. anhembi e os demais, um complexo de espécies em P. argentea. Em recente análise molecular de Stevardiinae, Thomaz et al. (2015) reconheceram Bryconamericus thomasi Fowler como pertencente a Piabina. Assim Piabina abrange atualmente três espécies válidas (P. anhembi, P. argentea e P. thomasi) e duas possíveis espécies novas [Piabina sp. A (sensu Cardoso 2011) e Morfotipo 2 (sensu Ferraro 2013)]. Astyanax paranahybae Eigenmann, descrito apenas do holótipo, foi sugerido como membro de Piabina por compartilhar caracteres dentários (e.g., quatro dentes na série interna do pré-maxilar esquerdo; 3-4 dentes no maxilar e dentes tricuspidados) (Garutti & Britski 42 2000; Langeani et al. 2005; Tavares 2007; Vari & Castro 2007). Frente as hipóteses de um complexo de espécies em Piabina argentea e possíveis sinônimos, procedeu-se uma análise sistemática do gênero, incluindo as espécies válidas e as supostamente novas sugeridas, em reavaliação dos caracteres diagnósticos do gênero. 2.3 Material & Métodos 2.3.1 Análise Taxonômica Medidas e contagens seguiram Harold & Vari (1994), exceto o comprimento do pedúnculo caudal, a altura do corpo e o comprimento do maxilar, que seguiram Fink & Weitzman (1974) e a largura da boca, segundo Silva & Kaefer (2003). As medidas são apresentadas como porcentagens do comprimento padrão (CP) ou do comprimento da cabeça (CC). Todas as medidas foram feitas com paquímetro digital, de ponto a ponto, do lado esquerdo dos exemplares, sempre que possível, e com aproximação de décimos de milímetros. A contagem do número de escamas entre a origem da nadadeira dorsal e a linha lateral não incluiu as escamas da série pré-dorsal; a contagem das escamas entre a origem da nadadeira pélvica e a linha lateral não incluiu a escama que se estende abaixo da nadadeira pélvica, eventualmente presente. O pré-maxilar, composto por três séries de dentes, é apresentado de acordo com a nomenclatura de Harold & Vari (1994): uma tríade formada por três grandes dentes medialmente a série principal; a série principal, entre a região da sínfise e a região posterolateral do pré-maxilar, formada por até sete dentes, dispostos de forma sigmoide e a série lateral, formada por um ou dois dentes de tamanho similares aos da série principal. Na descrição, as contagens são seguidas pela frequência entre parênteses. Contagens do número total de vértebras incluíram as quatro vértebras modificadas do aparelho de Weber e o centro terminal da placa hipural foi contado como um único elemento. Vértebras, supra-neurais, rastros branquiais, raios procurrentes dorsais e ventrais, raios não ramificados da nadadeira anal e cúspides dos dentes, bem como todos os caracteres osteológicos para a análise filogenética foram examinados em exemplares diafanizados e corados (d&c), preparados de acordo com Taylor & van Dyke (1985) e por radiografias obtidas do material-tipo. Imagens digitais dos dentes foram obtidas de exemplares diafanizados e corados em estereomiscroscópio. Os padrões de posicionamento dentário de A-F e G-H correspondem aos 43 padrões 1-6 e 9-10 encontrados por Ferraro (2013). Asterisco (*) representa dados do lectótipo de P. argentea. No material analisado (Anexo I-II), as acronímias das instituições são seguidas pelo número total de exemplares, número de exemplares medidos e contados entre parênteses e a variação de CP dos exemplares do lote (quando disponíveis), respectivamente. Os exemplares diafanizados e corados são representados por (d&c). As acronímias das instituições seguem Reis et al. (2003), com adição das seguintes instituições: Coleção de Peixes da Universidade Federal de Mato Grosso (CPUFMT), Cuiabá; Coleção Ictiológica da Universidade Federal de Lavras (CI-UFLA), Lavras; Coleção Zoológica da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (ZUFMS), Campo Grande; Departamento de Biologia Animal e Vegetal, Universidade Estadual de Londrina, Museu de Zoologia da Universidade Estadual de Londrina (MZUEL), Londrina; Departamento de Zoologia e Botânica, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, câmpus de São José do Rio Preto (DZSJRP), São José do Rio Preto; Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre; Laboratório de Biologia de Peixes, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, câmpus de Botucatu (LBP), Botucatu e Núcleo de Pesquisa em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura, Universidade Estadual de Maringá (NUP), Maringá. 2.3.2 Análise Filogenética A fim de recobrar caracteres que suportassem a validade das espécies e dos morfotipos sugeridos na literatura para Piabina procedeu-se análise filogenética no programa TNT, versão 1.1 (Goloboff et al. 2008). A análise foi desenvolvida utilizando as novas tecnologias do programa TNT, recomendadas para análises de grande conjunto de dados (i.e., matrizes acima de 100 táxons) (Goloboff 2002). Para encontrar a árvore mais parcimoniosa foi realizada uma análise combinada com os parâmetros: memória para 10000 árvores; “Sectorial Search”, “Ratchet”, “Tree Drift” e “Tree fusing”; “Find minimum lengh - five times” e “collapse trees after search”. Os demais parâmetros seguiram o “default” do programa. Após a análise, foi obtido o consenso estrito das árvores mais parcimoniosas. A matriz (Anexo III) foi elaborada no programa Mesquite 3.04 (Maddison & Maddison 2015) e inclui 399 caracteres e 248 táxons terminais, sendo 392 caracteres e 231 táxons de Mirande et al. (2013) e sete caracteres adicionados à matriz: 44 393. Superfície ventral do pré-maxilar: (0) aproximadamente retangular (largura da margem posterior do pré-maxilar até 1,3 vezes na largura da margem anterior); (1) triangular (margem posterior do pré-maxilar de 1,4 a 2,0 vezes no tamanho da margem anterior) (modificado de Vari & Harold 2001: 12, caráter 1). Em muitos Characidae o pré-maxilar apresenta formato retangular, com as porções anterior e posterior aproximadamente do mesmo tamanho (estado 0; Figura 1A, B. turiuba Langeani, Lucena, Pedrini & Tarelho-Pereira), enquanto Piabina apresenta formato aproximadamente triangular, com a porção anterior, na sínfise, maior que a posterior (estado 1; Figura 1B). O estado 1 também é encontrado em Creagrutus spp., com reversão em C. maxillaris (Myers). Figura 1. A. Bryconamericus turiuba, DZSJRP 7050, 41,9 mm CP; vista ventral do pré- maxilar: caráter 393(0). B. Piabina argentea, DZSJRP 6498, 62,3 mm CP; vista ventral do pré-maxilar: caráter 393(1). Escala: 1 mm. 394. Cúspides nos dentes da série interna do pré-maxilar: (0) apenas dentes tricuspidados; (1) dentes com três a cinco cúspides; (2) seis ou mais cúspides. A presença de dentes multicuspidados é um caráter presente na maioria dos Characidae. Todos os dentes da série interna do pré-maxilar tricuspidados (estado 0) é encontrado na maioria das espécies de Creagrutus, em Carlastyanax aurocaudatus (Eigenmann) e Bryconamericus maromba (Malabarba & Malabarba). Dentes com três a cinco cúspides (estado 1) são encontrados em muitas espécies de Bryconamericus. Seis ou mais cúspides (estado 2) é encontrado em espécies como Knodus e Bryconamericus. Piabina argentea apresenta os estados 0 e 1 e o caráter foi codificado como polimórfico para a espécie. Caráter não aplicável às espécies com dentes molariformes, cônicos/caninos e com uma série de dentes no pré-maxilar. 45 Figura 2. Creagrutus varii, LIRP 4342, holótipo, 36,8 mm CP; faixa longitudinal no flanco: cárater 395(0) e mácula nos raios caudais medianos: caráter 397(1). 395. Faixa negra longitudinal no flanco: (0) estendendo-se do focinho ao pedúnculo caudal; (1) estendendo-se da vertical que passa pela região posterior do opérculo até o pedúnculo caudal. Figura 3. Bryconamericus turiuba, DZSJRP 19021, 44,5 mm CP. A. Vista lateral esquerda: caráter 395(1) e 397(0). B. Vista dorsal: caráter 396(1). 46 Alguns Characidae apresentam faixa longitudinal no flanco com pigmentação conspícua desde o focinho ao pedúnculo caudal, como em Creagrutus varii Ribeiro, Benine & Figueiredo (estado 0; Figura 2). Outros Characidae apresentam a faixa longitudinal conspícua após o opérculo (e.g., Bryconamericus stramineus Eigenmann) ou ainda, após a mácula umeral (quando presente), como em Piabina argentea (estado 1; Figura 3A, B. turiuba). 396. Faixa negra dorsal estendendo do espinho do supra-occipital ao pedúnculo caudal, com área hialina na base da nadadeira adiposa: (0) ausente; (1) presente. A maioria dos Characidae apresentam faixa na região dorsal do corpo de forma homogênea, do espinho do osso supra-occipital ao pedúnculo caudal (estado 0). Bryconamericus turiuba e Bryconamericus sp. ‘canastra’ apresentam uma área hialina na base da nadadeira adiposa, formando um “gap” na faixa dorsal do corpo nesta área (estado 1; Figura 3B, B. turiuba). Creagrutus varii apresenta condição considerada intermediária para o caráter, com áreas hialinas pequenas na base das nadadeiras dorsal e adiposa. Entretano, não há “gap” da faixa dorsal do corpo como nas espécies com o estado 1. Para C. varii o caráter foi codificado como polimórfico (0&1). 397. Listra negra sobre os raios medianos da nadadeira caudal: (0) com cromatóforos uniformemente distribuídos ao longo da extensão dos raios caudais medianos; (1) com cromatóforos mais conspícuos no terço anterior dos raios medianos caudais. (modificado de Carvalho 2011: 114, caráter 385) Em algumas espécies a pigmentação nos raios caudais medianos pode ser uniformemente distribuída, formando uma faixa longitudinal na região mediana da nadadeira caudal (estado 0; Figura 3, B. turiuba). Em outras espécies, a pigmentação pode ser restrita ao terço anterior da nadadeira caudal, assemelhando-se a uma mácula arredondada (estado 1; Figura 2, C. varii). 398. Margem posterior da base do último raio da nadadeira dorsal: (0) distintamente posterior à linha vertical sobre a base do maior raio não ramificado da nadadeira anal; (1) anterior ou na mesma vertical sobre a base do maior raio não ramificado da nadadeira anal (modificado de Ferreira et al. 2011: 295; caráter 45). Algumas espécies apresentam a base do último raio da nadadeira dorsal posterior ao início da nadadeira anal (estado 0; Figuras 4, 6, B. exodon e Piabarchus torrenticola Mahnert 47 & Géry). Outras espécies apresentam o final da nadadeira dorsal posicionado anterior ou na mesma vertical que a origem da nadadeira anal (estado 1; Figura 5, P. anhembi). Figura 4. Bryconamericus exodon, DZSJRP 9088, 31,6 mm CP (d&c); posicionamento das nadadeiras dorsal e anal: caráter 398(0) e 399(0). Figura 5. Piabina anhembi, MZUSP 59144, parátipo, 64,2 mm CP (d&c); posicionamento das nadadeiras dorsal e anal: caráter 398(1) e 399(0). 399. Linha vertical sobre o maior raio não ramificado da nadadeira anal, em relação a posição da nadadeira dorsal: (0) posterior à ou na metade posterior da nadadeira dorsal; (1) anterior ou até o terço anterior da nadadeira dorsal (modificado de Ferreira et al. 2011: 295, caráter 44). Algumas espécies apresentam a origem da nadadeira anal marcadamente posterior ao final da nadadeira dorsal (estado 0; Figura 5, P. anhembi) outras apresentam a origem da 48 nadadeira anal posicionada na vertical que passa pela metade ou posterior à metade da nadadeira dorsal (estado 0, Figuras 4, B. exodon Eigenmann) e outras apresentam a origem da nadadeira anal na vertical que passa anterior ou até o terço anterior da nadadeira dorsal, sendo estas, algums vezes, alinhadas verticalmente (estado 1; Figura 6, Piabarchus torrenticola). Figura 6. Piabarchus torrenticola, CPUFMT 1639, 31,6 mm CP (d&c); posicionamento das nadadeiras dorsal e anal: caráter 398(0) e 399(1). Os caracteres adicionados à Mirande et al. (2013) não foram codificados para os Characidae não-Stevardiinae. Dezessete táxons terminais foram adicionados à Mirande et al. (2013), sendo seis representantes do grupo interno (P. anhembi, P. argentea s.s. (sensu stricto), Piabina sp. A (sensu Cardoso), Piabina sp. ‘nordeste’, Piabina sp. ‘tiete’ e Morfotipo 2 (sensu Ferraro) e 11 do grupo-externo [Bryconamericus exodon, B. iheringii ʻAPʼ (da bacia do alto rio Paraná), B. pinnavittatus Dagosta & Netto-Ferreira, Bryconamericus sp. ‘canastra’, Bryconamericus sp. ʻParaguayʼ, Bryconamericus sp. ‘shibatta’, B. stramineus Eigenmann (sensu Eigenmann, 1908), B. turiuba, Creagrutus varii, Bryconamericus maromba e Piabarchus torrenticola]. Os caracteres de B. pinnavittatus foram obtidos através da literatura (Dagosta & Netto-Ferreira 2015). Devido a homoplasticidade dos caracteres autapomórficos obtidos para as espécies e os morfotipos sugeridos para Piabina foi realizada uma segunda análise filogenética. A análise reuniu os estados de caracteres codificados para as espécies e morfotipos de Piabina em um único táxon terminal, P. argentea, totalizando 243 táxons na matriz final (Anexo III). A fim de seguir o mesmo procedimento adotado por Mirande et al. (2013), procedemos a análise com pesagem implícita de caracteres (PI), que diminui o peso dos caracteres 49 homoplásticos, otimizando os caracteres com grau menor de homoplasticidade (cf. Goloboff 1993; Mirande 2009, 2010). O método de PI seguiu os procedimentos propostos por Mirande (2009, 2010) e Mirande et al. (2013) e “script” proposto por Mirande et al. (2013) com 21 valores de k. Os valores da constante k foram calculados a partir da fórmula “K=(FS)/(1-F)”, onde F (fit) é representado por números fixos, referentes ao ajuste de um caráter médio relativo ao ajuste de um caráter perfeitamente hierárquico. Esses valores variam de 0,5 a 0,9, onde 1 representaria um caráter não homoplástico e abaixo de 0,5 um caráter altamente homoplástico (cf. Mirande 2009) e S (número de passos homoplásticos). O número total de passos e o número mínimo de passos do cladograma, utilizados para obter o valor de S, foram obtidos com os mesmos procedimentos utilizados na análise com as novas tecnologias do TNT. Para encontrar a árvore mais estável foram realizadas comparações entre as 21 árvores de consenso, duas a duas (de acordo com cada valor de K), através do cálculo de distância SPR (Subtree Prune and Regraft distance). A distância SPR avalia o número mínimo de mudanças necessárias para transformar uma árvore em outra (Goloboff 2008). A árvore mais estável foi a que apresentou número menor de mudanças no conjunto geral (somatório das distâncias SPR entre as árvores comparadas). O número de passos, índices de consistência e de retenção dos caracteres e cladogramas foram obtidos através do programa Winclada 1.00.08 (Nixon 2002). O suporte de Bremer foi calculado a partir de árvores subótimas até 15 passos adicionais, com máximo de 10000 árvores na memória. 2.3.3 Análise Discriminante Para verificar o agrupamento entre as espécies e os morfotipos sugeridos para Piabina foi realizada uma Análise Discriminante de Componentes Principais (DAPC) (Jombart et al. 2010) com o pacote “adegenet 1.3-4” no Programa R (R Development Core Team 2011). Foram utilizadas 13 variáveis morfométricas padronizadas com média 0 e desvio padrão 1 para 300 indivíduos [A. paranahybae (holótipo e topótipos, quatro exemplares), P. anhembi (37 exemplares), P. argentea s.s. (107 exemplares), Piabina sp. A (sensu Cardoso) (64 exemplares), Piabina sp. ‘nordeste’ (10 exemplares), Piabina sp. ‘tiete’ (46 exemplares) e Morfotipo 2 (sensu Ferraro) (32 exemplares)]. 50 A análise discriminante DAPC consiste em uma Análise de Componentes Principais (PCA) realizada com as variáveis apresentadas (dados morfométricos), seguida por uma análise discriminante nos componentes principais (PCs) retidos da PCA. Foram definidos sete grupos, a fim de verificar se os agrupamentos obtidos pela DAPC corresponderiam aos grupos reais assinalados para Piabina (espécies válidas e morfotipos). Para formar os agrupamentos foi utilizada a função “find.clusters”, que executa valores “k-means” sequencialmente, aumentando os valores de k e gerando agrupamentos diferentes dos grupos reais previamente conhecidos. Os componentes principais (PCs) foram selecionados de acordo com a função “a.score” e as funções discriminantes claramente visíveis foram selecionadas de acordo com Jombart (2012). 2.4 Resultados 2.4.1 Revisão Taxonômica 2.4.1.1 Gênero Piabina Reinhardt, 1867 Piabina Reinhardt, 1867: 49 (Piabina argentea Reinhardt, 1867: 50, espécie-tipo por monotipia. Gênero feminino; volume datado de 1866, mas com data de publicação em 1867, de acordo com Nielsen 1974: 45, 112); -Eigenmann & Eigenmann 1891: 56 (Piabina como sinônimo júnior de Creagrutus Günther); -Eigenmann 1910: 435 (Piabina revalidada); - Mahnert & Géry 1988: 7 (Piabina como sinônimo júnior de Creagrutus); -Vari & Harold 2001: 38, 223-224, fig. 17 (Piabina revalidada, com dados filogenéticos); -Lima et al. 2003: 154 (catálogo); -Malabarba & Weitzman 2003: 75 (Piabina em Clado A); -Simiele 2008: 67- 69, 73, 82, fig. 1 (Piabina em análise filogenética morfológica); -Mirande 2009: 8 (Piabina em Stevardiinae); -Oliveira et al. 2011: 16, fig. 12 (Piabina espécie-irmã de Piabarchus Myers em filogenia com dados moleculares); -Pereira et al. 2011: 91-97 (em parte; vouchers do Clado F de Piabina constituído de exemplares de B. stramineus e B. turiuba); -Pazian et al. 2012: 329-338 (análise molecular e citogenética de Piabina); -Ferraro 2013: 17-146 (variação populacional); -Thomaz et al. 2015: 8, 16-17, figs 3, 10 (Piabina em Diapomini). 51 2.4.1.1.1 Diagnose. Piabina difere dos demais Characidae por apresentar como autapomorfia não exclusiva o espinho esfenótico deslocado anteriormente em relação à margem anterior do hiomandibular [car. 11 (1), ic: 0,14; ir: 0,45] e a margem posterior do cleitrum marcadamente côncava, quase formando um ângulo reto [car. 235 (1), ic: 1; ir: 1]. Piabina pode ainda ser distinguida dos demais Stevardiinae (exceto Creagrutus spp. e Carlastyanax aurocaudatus) por apresentar dentes arredondados em seção transversal, projeção ventral do mesetmoide formando uma