UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA IGCE – Instituto de Geociências e Ciências Exatas Programa de Pós-Graduação em Geografia Campus de Rio Claro ALEXANDRE CARVALHO DE ANDRADE POUSO ALEGRE (MG): EXPANSÃO URBANA E AS DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS EM UMA CIDADE MÉDIA. Rio Claro - SP 2014 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA IGCE – Instituto de Geociências e Ciências Exatas Programa de Pós-Graduação em Geografia Campus de Rio Claro ALEXANDRE CARVALHO DE ANDRADE POUSO ALEGRE (MG): EXPANSÃO URBANA E AS DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS EM UMA CIDADE MÉDIA. Tese de doutorado apresentada junto ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Geografia. Orientador: Professor Doutor Enéas Rente Ferreira Rio Claro - SP 2014 Andrade, Alexandre Carvalho de Pouso Alegre (MG): expansão urbana e dinâmicas socioespaciais em uma cidade média / Alexandre Carvalho de Andrade. - Rio Claro, 2014 299 f. : il., figs., tabs., mapas Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Enéas Rente Ferreira 1. Geografia urbana. 2. Cidades. 3. Dinâmicas espaciais. 4. Crescimento urbano. 5. Centralidades. 6. Redes Urbanas. I. Título. 910h.3 A553p Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP ALEXANDRE CARVALHO DE ANDRADE POUSO ALEGRE (MG): EXPANSÃO URBANA E AS DINÂMICAS SOCIOESPACIAIS EM UMA CIDADE MÉDIA. Tese de doutorado apresentada junto ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Geografia. COMISSÃO EXAMINADORA Prof. Dr. Enéas Rente Ferreira (Unesp/Rio Claro) Profa. Dra. Darlene Aparecida de Oliveira Ferreira (Unesp/Rio Claro) Prof. Dr. Fadel David Antônio Tuma Filho (Unesp/Rio Claro) Profa. Dra. Ana Rute do Vale (Unifal/Alfenas) Prof. Dr. José Roberto Gonçalves (Univás/Pouso Alegre) RESULTADO: APROVADO Rio Claro, 16 de janeiro de 2014 À minha mãe, Ana Márcia, um exemplo de luta, e de vida simples junto à natureza, pelo apoio incondicional em todos os momentos. AGRADECIMENTOS - Aos meus familiares, em especial meu pai José Mário de Andrade, meu irmão Eduardo Carvalho de Andrade, meu avô Francisco Pinto de Carvalho, e a minha tia Ana Roque de Jesus. - Ao Professor Doutor Enéas Rente Ferreira, pelas importantes orientações para a realização desta tese, a amizade e a confiança. - Aos professores Ana Rute do Vale, Darlene Aparecida de Oliveira Ferreira, Fadel David Antônio Tuma Filho e José Roberto Gonçalves, pelas valiosas sugestões proferidas na banca. A Professora Doutora Mina Lygia Vieira pelas orientações na Especialização e no Mestrado. - Aos meus amigos Roberto Marques Neto, Thomaz Alvisi de Oliveira, Felipe Comitre, Rafael de Mello Castro Bacha, Estevan Bartoli e Luciana Barros Pontes, pela amizade e pelas importantes discussões científicas no decorrer dos tempos. - Aos amigos Rogério e Simone pela hospitalidade em Rio Claro. - Aos alunos do curso de História da Universidade do Vale do Sapucaí, em especial aos meus amigos/orientandos Alexandre Silva Mendes, André Silva Barbosa, Artur Thales José Brandão, Diego Garcia de Carvalho, Isabel Cristina dos Santos, Matheus de Oliveira Floriano Barbosa, Miller Augusto da Costa Araújo e Thiago Matheus Ferreira. - Aos colegas do Departamento de História da Universidade do Vale do Sapucaí, em especial aos professores Juliano Hiroshi, Rubens Laraia, José Roberto Gonçalves e Ana Eugênia Nunes de Andrade, pelas importantes colaborações para a realização desta pesquisa. - Ao Museu Municipal Tuany Toledo, pela cessão de materiais fundamentais para o desenvolvimento desta tese, em especial ao historiador Fernando Henrique do Vale. - À cidade de Pouso Alegre, e aos seus moradores, que me acolheram nesta que agora também é um pouco “a minha terra”. A Cidade (Chico Science e Nação Zumbi) O sol nasce e ilumina As pedras evoluídas Que cresceram com a força De pedreiros suicidas Cavaleiros circulam Vigiando as pessoas Não importa se são ruins Nem importa se são boas E a cidade se apresenta Centro das ambições Para mendigos ou ricos E outras armações Coletivos, automóveis, Motos e metrôs Trabalhadores, patrões, Policiais, camelôs A cidade não pára A cidade só cresce O de cima sobe E o de baixo desce A cidade não pára A cidade só cresce O de cima sobe E o de baixo desce A cidade se encontra Prostituída Por aqueles que a usaram Em busca de uma saída Ilusora de pessoas De outros lugares, A cidade e sua fama Vai além dos mares E no meio da esperteza Internacional A cidade até que não está tão mal E a situação sempre mais ou menos Sempre uns com mais e outros com menos A cidade não pára A cidade só cresce O de cima sobe E o de baixo desce A cidade não pára A cidade só cresce O de cima sobe E o de baixo desce Eu vou fazer uma embolada, Um samba, um maracatu Tudo bem envenenado Bom pra mim e bom pra tu Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus Num dia de sol, Recife acordou Com a mesma fedentina do dia anterior. RESUMO Por sua importância na rede urbana brasileira atual, as cidades médias estão sendo progressivamente mais analisadas, pelas mais distintas motivações. Nesta pesquisa, a cidade de Pouso Alegre (MG) é analisada por meio da interação entre escalas temporais e espaciais, que permite evidenciar seu processo histórico de urbanização, o seu papel na rede urbana regional e as dinâmicas de seu espaço intraurbano. No período anterior a construção da rodovia Fernão Dias, Pouso Alegre estava em uma situação de estagnação econômica e demográfica, que se reverteu a partir da década de sessenta do século XX, por fatores como a melhoria dos sistemas de transportes rodoviários e a atração de empresas, que favoreceram a diversificação econômica, o crescimento populacional e a maior representatividade da cidade na rede urbana regional. Em decorrência destes processos, novas dinâmicas socioespaciais passaram a incidir no espaço urbano de Pouso Alegre, como servem de exemplos as novas centralidades. PALAVRAS-CHAVE: Cidades Médias; Dinâmicas Socioespaciais; Expansão Urbana; Centralidades; Rede Urbana. ABSTRACT Because of its importance in the current Brazilian urban network, the medium-sized cities are being increasingly analyzed, the more distinct motivations. In this research, the city of Pouso Alegre is analyzed by means of the interaction between temporal and spatial scales, which allows us to highlight its historical urbanization process, its role in regional urban network and the dynamics of their intraurbano space. In the previous period the construction of Fernão Dias highway, Pouso Alegre was in a situation of economic and demographic stagnation, which was reversed from the sixties of the twentieth century, by factors such as the improvement of road transport systems and attracting businesses, that favored economic diversification, population growth and greater representation of the city in regiona l urban network. Because of these processes, new socio-spatial dynamics began to focus on the urban space of Pouso Alegre, serves as examples of the new centralitys. KEYWORDS: Middle Cities; socio-spatial dynamics; Urban Expansion; Centralities; Urban Network . LISTA DE FIGURAS 1 Pouso Alegre em meados do século XIX...................................................................... 59 2 Centro de Pouso Alegre, visto a partir da Praça Senador José Bento, em 1880........... 61 3 Aspecto da Rua do Imperador, na área central de Pouso Alegre, em 1890.................. 61 4 Monumento de motivação religiosa na Praça Senador José Bento, no ano de 1905.... 65 5 Praça Senador José Bento e o fórum municipal, no final da década de 20................... 66 6 Inauguração do palácio episcopal, no ano de 1922....................................................... 67 7 Escola Normal Santa Dorothéa, no final da década de 20............................................ 67 8 Aspecto da Praça Senador José Bento, no final da década de 20................................. 69 9 Vista parcial da cidade de Pouso Alegre, na década de 20........................................... 70 10 Vista aérea da cidade de Pouso Alegre na década de 30............................................... 74 11 Fachada e o largo da antiga cadeia no final da década de 20........................................ 76 12 Avenida Doutor Lisboa, no início da década de 30...................................................... 78 13 Avenida Doutor Lisboa, no final da década de 30........................................................ 79 14 Avenida Duque de Caxias, área central de Pouso Alegre............................................. 80 15 Fonte Luminosa da Praça Senador José Bento, na década de 40.................................. 81 16 Espaços para práticas recreativas.................................................................................. 82 17 “Árvore Grande”, em 1939........................................................................................... 83 18 Carro de boi, no centro de Pouso Alegre, em meados da década de 30....................... 83 19 Celebração de cunho religioso, na passagem da década de 30 para a de 40................ 87 20 O obelisco do centenário, centro de Pouso Alegre, no final da década de 40.............. 89 21 Rua Comendador José Garcia, na passagem da década de 30 para a de 40.................. 90 22 Várzeas inundadas do rio Mandu no bairro São Geraldo, em 1950.............................. 93 23 Máquina utilizada na construção da rodovia Fernão Dias, na década de 50................. 99 24 A ênfase na posição geográfica de Pouso Alegre......................................................... 100 25 Vista aérea parcial da cidade de Pouso Alegre, no início da década de 70................... 106 26 Vista aérea parcial da cidade de Pouso Alegre, no início da década de 70................... 107 27 Estação rodoviária de Pouso Alegre, no início da década de 70................................... 109 28 Casas no “conjunto habitacional Jorge Andere”........................................................... 124 29 Seminário arquidiocesano de Pouso Alegre na década de 70....................................... 125 30 Seminário arquidiocesano de Pouso Alegre na década de 2000................................... 125 31 Obras para implantação da Avenida Perimetral, no início da década de 80................. 126 32 Avenida Perimetral e terminal rodoviár io de Pouso Alegre, em 2011......................... 127 33 Avenida Vicente Simões, no ano de 2011.................................................................... 128 34 Avenida Ayrton Senna, no ano de 2006............................................ ............................ 129 35 Setor leste da cidade de Pouso Alegre, no ano de 2011................................................ 130 36 Aspectos da região central de Pouso Alegre na atualidade........................................... 134 37 Bairro Fátima e a Avenida Tuany Toledo, no início da década de 1980...................... 136 38 Bairro Fátima e a Avenida Tuany Toledo, no ano de 2012.......................................... 136 39 Ruas no bairro Fátima................................................................................................... 139 40 Avenida Policarpo Campos Gonçalves......................................................................... 139 41 Colinas de Santa Bárbara.............................................................................................. 142 42 Bairro Santa Rita........................................................................................................... 142 43 Rua Silviano Brandão................................................................................................... 144 44 Bairro da Saúde...................................................................................................... 144 45 Rua Comendador José Garcia....................................................................................... 146 46 Avenida Alfredo Custódio de Paula.............................................................................. 146 47 Bairro do Cascalho........................................................................................................ 147 48 Vista aérea da cidade de Pouso Alegre, em 2012......................................................... 148 49 Estabelecimentos comerciais na Avenida Prefeito Olavo Gomes de Oliveira............. 150 50 Aspecto de uma via no bairro São Carlos..................................................................... 150 51 Avenida Prefeito Olavo Gomes de Oliveira, no ano de 2013....................................... 151 52 Conjunto Habitacional Santo Expedito......................................................................... 154 53 Rua no bairro Jatobá...................................................................................................... 154 54 A cidade de Pouso Alegre, e ao fundo os bairros Belo Horizonte e o Cidade Jardim.. 155 55 Bairro Cidade Jardim.................................................................................................... 156 56 Ocupação em áreas com topografia acidentada no bairro São João............. ................ 158 57 Conjunto habitacional no bairro São João.................................................................... 158 58 Vila Nossa Senhora Aparecida, no bairro Faisqueira................................................... 160 59 BR-459, o bairro Faisqueira, e as várzeas inundadas do rio Sapucaí Mirim................ 161 60 Rua sem calçamento no São Geraldo............................................................................ 162 61 Esgoto a “céu aberto” no bairro São Geraldo............................................................... 163 62 Enchente no bairro São Geraldo, em 2011.................................................................... 163 63 Charge depreciativa sobre o bairro São Geraldo........................................................... 164 64 Construção da avenida “Dique 2”................................................................................. 165 65 As cidades sulmineiras na rede urbana nacional............................................ ............... 169 66 Agências bancárias na Praça Senador José Bento e na Avenida Doutor Lisboa.......... 225 67 Espaços para práticas recreativas e desportivas do Condomínio “Gran Royalle”........ 242 68 Shopping Center Serra Sul............................................................................................ 242 69 Eventos na Praça João Pinheiro.................................................................................... 245 70 Eventos na Praça Senador José Bento........................................................................... 246 71 Artistas internacionais em Pouso Alegre..................................................................... 246 LISTA DE MAPAS 1 Localização de Pouso Alegre..................................................................................... 15 2 Caminhos e povoações do século XVIII.................................................................... 54 3 Emancipações municipais a partir do território de Pouso Alegre........................ ...... 56 4 Rede Urbana de Minas Gerais no século XIX............................................................ 58 5 Rede Urbana de Minas Gerais no século XIX............................................................ 58 6 Trajeto da Estrada de Ferro Sapucaí no ano de 1898................................................. 63 7 Avenida Doutor Lisboa, início da década de 30......................................................... 77 8 Plano Nacional de Estradas do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem.... 95 9 Posição dos municípios sulmineiros na rede urbana nacional e regional................... 97 10 Centros industriais do Sul de Minas e de áreas do entorno........................................ 103 11 Expansão urbana de Pouso Alegre (1933 - 1971)...................................................... 105 12 Expansão urbana em Pouso Alegre (1933 – 1971 – 2010)......................................... 122 13 Rendimentos dos moradores e valor dos imóveis em bairros de Pouso Alegre......... 132 14 Zoneamento urbano de Pouso Alegre (2008)............................................................. 138 15 Municípios pertencentes às regiões de influência das cidades do Sul de Minas........ 171 16 População dos municípios da rede urbana do Sul de Minas (2010)........................... 174 17 Principais cidades da rede urbana do Sul de Minas e o PIB por municípios............. 177 18 Área de influência de Pouso Alegre no contexto do Sul de Minas............................ 179 19 Rede de estradas e as cidades da área de influência de Pouso Alegre........................ 181 20 Eixo da Fernão Dias “Sul”......................................................................................... 183 21 Eixo da Fernão Dias “Norte”...................................................................................... 186 22 Eixo da MG-179......................................................................................................... 189 23 Eixo da MG-290......................................................................................................... 192 24 Eixo da BR-459 “Noroeste”....................................................................................... 195 25 Eixo da BR-459 “Sudeste”......................................................................................... 198 26 Megalópole brasileira e as áreas de expansão populacional e econômica................. 213 27 Espaços culturais na cidade de Pouso Alegre.................................................... ......... 220 28 Instituições e órgãos públicos na cidade de Pouso Alegre......................................... 221 29 Estabelecimentos de saúde e educação na cidade de Pouso Alegre........................... 223 30 Agências bancárias na cidade de Pouso Alegre.......................................................... 224 31 Hipermercados e lojas de departamento na cidade de Pouso Alegre......................... 228 32 Concessionárias de veículos em Pouso Alegre....................................... .................... 233 33 Comércio e serviços voltados à agropecuária em Pouso Alegre................................ 235 34 Unidades industriais em Pouso Alegre....................................................................... 237 35 Condomínios residenciais, shopping centers e o subcentro da região sul.................. 241 LISTA DE TABELAS 1 Crescimento populacional no município de Pouso Alegre, entre 1940 e 1960.......... 93 2 Crescimento populacional no município de Pouso Alegre, entre 1960 e 1970.......... 104 3 Unidades industriais em funcionamento em Pouso Alegre........................................ 113 4 População com mais de 10 anos, ocupada, por setores econômicos.......................... 116 5 Crescimento populacional em Pouso Alegre, no período entre 1970 e 2010............. 118 6 Migrantes em Pouso Alegre, no período entre 1970 e 2010...................................... 120 7 Aspectos econômicos e demográficos das regiões de influência das cidades............ 173 8 Aspectos econômicos e demográficos dos eixos da área de influência de P. Alegre. 182 9 PIB, migrantes pendulares e ocupação (PEA) do eixo Fernão Dias “Sul”................. 184 10 Aspectos demográficos e socioeconômicos do eixo Fernão Dias “Sul”............. ....... 185 11 PIB, migrantes pendulares e ocupação (PEA) do eixo Fernão Dias “Norte”............. 187 12 Aspectos demográficos e socioeconômicos do eixo Fernão Dias “Norte”................ 188 13 PIB, migrantes pendulares e ocupação (PEA) do eixo “MG-179”............................. 190 14 Aspectos demográficos e socioeconômicos do eixo da “MG-179”........................... 191 15 PIB, migrantes pendulares e ocupação (PEA) do eixo “MG-290”............................. 193 16 Aspectos demográficos e socioeconômicos do eixo “MG-290”................................ 194 17 PIB, migrantes pendulares e ocupação (PEA) do eixo BR-459 “Noroeste”.............. 196 18 Aspectos demográficos e socioeconômicos do eixo BR-459 “Noroeste”.................. 197 19 PIB, migrantes pendulares e ocupação (PEA) do eixo BR-459 “Sudeste”................ 199 20 Aspectos demográficos e socioeconômicos do eixo BR-459 “Sudeste”.................... 202 21 Intensidade da influência de Pouso Alegre e condições socioeconômicas por eixos 205 22 Aspectos socioeconômicos e demográficos dos municípios com “alta intensidade de influência” de Pouso Alegre, agrupados por eixos................................................ 208 23 Aspectos socioeconômicos e demográficos dos municípios com intensidade de influência de Pouso Alegre “média alta”, agrupados por eixos................................. 211 24 Aspectos socioeconômicos e demográficos dos municípios com intensidade de influência de Pouso Alegre “média baixa”, agrupados por eixos............................... 214 25 Aspectos socioeconômicos e demográficos dos municípios com intensidade de influência de Pouso Alegre “baixa”, agrupados por eixos......................................... 215 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................. 14 1 - Procedimentos metodológicos e discussões teóricas e conceituais ....... 21 1.1 - Procedimentos metodológicos........................................................................... 21 1.1.1 - Processo de urbanização......................................................................... ..................... 21 1.1.2 - A cidade na escala de uma rede urbana.................................................. ...................... 24 1.1.3 - Espaço intraurbano........................................................................ ............................... 28 1.2 - Cidades médias: questões teóricas e conceituais............................................... . 33 1.2.1 - Industrialização, migração e urbanização concentrada................................................ 33 1.2.2 - As cidades médias e as cidades de porte médio............................. .............................. 38 1.2.3 - As redes urbanas e o papel das cidades médias............................... ............................. 41 1.2.4 - O espaço urbano das cidades médias............................................................................ 46 2 - A formação da cidade de Pouso Alegre.................................................. 53 3 - O desenvolvimento e a modernidade como discursos........................... 73 4 - Novos caminhos de uma cidade que cresce............................................ 95 4.1 - A construção da Fernão Dias.............................................................................. 95 4.2 - A economia pousoalegrense começa a se diversificar e a cidade cresce........... 102 5 - Pouso Alegre, uma cidade média............................................................ 111 5.1 - As novas dinâmicas econômicas e populacionais............................................. 111 5.2 - A expansão urbana e a fragmentação do espaço................................................ 122 6 - Pouso Alegre, uma capital regional no Sul de Minas............................ 168 6.1 - A rede urbana do Sul de Minas.......................................................................... 168 6.2 - A área de influência de Pouso Alegre................................................................ 179 6.2.1 - Eixo Fernão Dias “Sul”.......... ...................................................................................... 183 6.2.2 - Eixo Fernão Dias “Norte”............................................................................................. 186 6.2.3 - Eixo MG-179................................................................................................................ 189 6.2.4 - Eixo MG-290................................................................................................................ 192 6.2.5 - Eixo BR-459 “Noroeste”.............................................................................................. 195 6.2.6 - Eixo BR-459 “Sudeste”................................................................................................ 198 6.3 - As interações entre Pouso Alegre e sua área de influência................................ 204 7 - Novas centralidades no espaço urbano de Pouso Alegre...................... 218 7.1 - O centro de Pouso Alegre e as novas centralidades........................................... 239 Considerações Finais..................................................................................... 250 Referências..................................................................................................... 256 Anexos............................................................................................................ 273 14 INTRODUÇÃO O processo de urbanização no Brasil ocorreu de forma mais acentuada a partir da década de 40 do século XX, quando a migração de habitantes do campo para a cidade colaborou para o crescimento econômico e demográfico de diversos centros urbanos. As cidades, em especial as metrópoles, eram concebidas como locais propensos às ascensões socioeconômicas, e também onde propagavam modernidades, seja por meio de sua paisagem, ou do modo de vida de seus moradores. Todavia, o rápido crescimento populacional, a ausência de planejamento e as desigualdades socioeconômicas, fizeram com que, ao mesmo tempo em que as regiões metropolitanas constituíssem espaços de concentração produtiva, se efetivassem consideráveis impactos socioambientais, principalmente nas áreas ocupadas pelas populações com menores rendimentos (RIBEIRO, 2000; MARICATO, 2003; TORRES et al 2007). As cidades médias, neste contexto, passaram a ser relacionadas como locais propícios para o desenvolvimento econômico, atrelado a melhor qualidade de vida de seus moradores, em especial a partir da década de 70. Esta situação é evidenciada por meio das políticas públicas municipais, estaduais ou nacionais, dos investimentos do setor privado, das matérias veiculadas nos meios de comunicação, e dos estudos acadêmicos (AMORIM FILHO & SERRA, 2001; BESSA, 2005; DAMIANI, 2006; SPOSITO, 2006a; CORRÊA, 2007; WHITACKER, 2007; CONTE, 2013). Em consequência destes fatores, as cidades médias tiveram êxito na atração de afluências de migrantes e de investimentos econômicos, que favoreceram a maior representatividade destes locais na rede urbana regional e nacional. Em um país com grande extensão territorial, como é o caso brasileiro, as dinâmicas produtivas e populacionais apresentam expressivas diversidades, e isto reflete nos espaços urbanos e rurais, e em suas inter-relações nas redes geográficas que estão inseridos. Assim, o recorte da presente pesquisa, o município de Pouso Alegre, localizado no estado de Minas Gerais (mapa 1), possui certas similaridades com outras cidades médias brasileiras, como o contingente populacional, o papel intermediário na rede urbana nacional, a atração de moradores das localidades e espaços rurais circunvizinhos, e mesmo as dinâmicas socioespaciais que incidem no seu espaço intraurbano. Entretanto, as características do meio físico, as sucessivas ações dos agentes sociais que se materializaram na cidade, e as interações com os espaços regionais, consolidam as peculiaridades próprias a cada lugar. 15 Mapa 1 – Localização de Pouso Alegre. Fonte: IBGE, 2010 (modificado pelo autor). Tendo em vista a importância dos veículos automotores para os deslocamentos de pessoas e mercadorias pelos espaços urbanos e regionais brasileiros, tive a oportunidade de perceber, antes mesmo da realização desta pesquisa, por meio de referenciais bibliográficos, fotografias, reportagens nos meios de comunicações, e por distintas vivências1 no município de Pouso Alegre e na região do Sul de Minas, que a implantação da Fernão Dias2, e a sua posterior duplicação, contribuíram para fomentar o desenvolvimento econômico e o crescimento populacional da cidade de Pouso Alegre, e, em consequência, que houve o aumento de sua importância na rede urbana regional e a consolidação de novas dinâmicas no espaço urbano pousoalegrense. 1 Em v iagens, de “passagem”, na década de 80, já que residia em Itajubá, cidade localizada a 60 quilômetros de Pouso Alegre; para visitar familiares na década de 90 e início dos anos de 2000; em ativ idades acadêmicas e científicas desde 2010, e na condição de morador a partir de 2012. 2 BR-381, ligação entre São Paulo e Belo Horizonte. 16 As reflexões a respeito destas transformações que ocorreram em Pouso Alegre, e que também incidiram em diversas outras cidades médias brasileiras, me levaram a questionar, o que efetivamente mudou na cidade? Como era a cidade no período anterior a esta rodovia? De quais maneiras estas mudanças incidiram no espaço urbano local e em suas partes? Qual o papel da cidade na rede urbana regional? Que novas dinâmicas socioespaciais se efetivam no espaço municipal na atualidade? Estes questionamentos foram motivadores para a realização desta tese, em especial pelo fato de Pouso Alegre se constituir atualmente como uma cidade média, passar por consideráveis transformações socioespaciais, econômicas e populacionais, e que, assim mesmo, ainda é um município pouco estudado no âmbito acadêmico. Com o desenvolvimento desta pesquisa, algumas evidências nos levaram a formular a seguinte hipótese: que no período anterior ao início da construção da rodovia Fernão Dias (1950), Pouso Alegre se encontrava em significativa estagnação econômica e demográfica, e que, com a sua inauguração, ocorreu uma reversão neste processo, e a área de estudos gradativamente se consolidou como uma cidade média que exerce significativa polarização na rede urbana regional. O objetivo desta tese, portanto, é evidenciar estas transformações que ocorreram no espaço urbano de Pouso Alegre, em decorrência da implantação e posterior duplicação da rodovia Fernão Dias, e as novas dinâmicas econômicas, demográficas e socioespaciais que se sucederam e coexistiram na cidade a partir de então. Para isto, optamos pela definição de escalas temporais e espaciais, que inter-relacionadas, permitiram enfatizar estas transformações por meio de distintos procedimentos metodológicos. A relação entre a escala temporal e a definição da escala espacial norteia distintas concepções sobre um dado objeto de análise, seja pelas próprias dinâmicas concretas do local/regional, ou mesmo pela forma de abordagem (LEPETIT, 2001). A delimitação de escalas espaciais e temporais na análise das cidades médias brasileiras possibilita demonstrar como se sucederam as mudanças que ocorreram em seus espaços urbanos, mas, também, como estes locais são utilizados nos dias atuais, pelas mais diversas motivações. Devido a isso, nos estudos sobre cidades médias estas relações espaciais e temporais constituem parâmetros para definições de seus papeis na rede urbana, das ações dos agentes sociais, das desigualdades socioespaciais, das morfologias urbanas, dos eixos de expansão, da consolidação de novas centralidades, dentre outras temáticas que tiveram como campo de análise este grupo de cidades (SOARES, 1999; AMORIM FILHO & RIGOTTI, 2002; BESSA, 2005; DAMIANI, 2006; SILVA, 2006a; SOBARZO, 2006; SPOSITO, 2006a; 17 CORRÊA, 2007; WHITACKER, 2007; OLIVEIRA JÚNIOR, 2010; ZANDONADI, 2011; SCHIMIDT, 2012; CONTE, 2013). De acordo com Corrêa (2003), o “urbano” pode ser analisado por meio de três linhas de investigação: o processo de urbanização; a cidade na escala de uma rede urbana; e o espaço intraurbano. Assim, optamos em enfatizar as transformações que ocorreram na cidade de Pouso Alegre, por meio destas três condições espaciais, mas que são também temporais, na medida em que o processo histórico de urbanização, e as ações que se sucedem e coexistem no local, resignificam as relações na rede urbana em que a cidade se insere, e refletem nas próprias dinâmicas de seu espaço intraurbano. Para se evidenciar as modificações que ocorrem em uma cidade média, é necessária a articulação entre períodos, que permitem reconhecer tempos que são relevantes do ponto de vista histórico de cada lugar (SPOSITO, 2006b). No caso do processo de urbanização de Pouso Alegre, foram estipulados quatro recortes temporais, divididos em dois períodos que norteiam esta tese, o antes e o depois da implantação da rodovia Fernão Dias. No primeiro deles, que se estende do século XVIII até o fim da década de 20 do século passado, em que a cidade se consolidou como unidade política-administrativa, e teve a formatação de alguns espaços da atual região central que perduram até os dias atuais. No segundo recorte, que abrange o período das décadas de trinta e quarenta do século XX, a cidade de Pouso Alegre passou por expressivas modificações socioespaciais, em especial para a valorização do centro, mas se encontrava em uma condição de estagnação econômica e populacional. O terceiro começa na década de cinquenta, com a construção da Fernão Dias, e se estende até meados dos anos setenta, quando as primeiras indústrias de maior porte são implantadas na cidade. O quarto, e último, perfaz o recorte que vai do final da década de setenta do século XX aos dias atuais, em que as transformações econômicas, demográficas, socioculturais e espaciais incidem com maior efetividade na área de estudos. Entretanto, é necessário enfatizar que, como afirma Abreu (1998, p.88), “a história de um lugar é o resultado da ação, em um determinado momento e sobre um determinado espaço”. Devido a isso, os referidos recortes temporais foram estipulados a partir das modificações que incidiram efetivamente no espaço urbano de Pouso Alegre, resultados de agentes sociais locais, mas, também, das interferências externas que atuam na cidade, por motivações políticas, econômicas e socioculturais. Na concepção das escalas espaciais, “tão importante como saber que as coisas mudam com o tamanho é exatamente saber o que muda e como” (CASTRO, 2000, p. 121). As dinâmicas socioespaciais existentes no interior de uma cidade média e as inter-relações desta 18 com as localidades e espaços rurais circunvizinhos, são retroalimentadas por fluxos de pessoas, mercadorias, capitais e inovações, que se organizam por intermédio das redes. Estas interações espaciais, por sua vez, são resultados de processos históricos, mas, especialmente pelo que Santos (2002) denominou como “tempo dentro do tempo”, em que o espaço atua como coordenador das diversas “organizações do tempo” cotidiano, por meio dos deslocamentos e dos usos de determinados locais para funções laborais, socioculturais, recreacionais, dentre outros, que envolvem os moradores da cidade, os procedentes dos municípios de sua área de influência, e demais visitantes. Na atualidade, Pouso Alegre se consolidou como uma cidade média, pois possui todas as características comumente estipuladas para esta categoria de cidades, tais como o contingente populacional, a posição geográfica, o papel intermediário na rede urbana nacional, a função de provedora de produtos e serviços para as localidades e áreas rurais circunvizinhas, e a diversidade de usos do solo em seu espaço intraurbano (SOARES, 1999; AMORIM FILHO & RIGOTTI, 2002; SPOSITO, 2006a; CORRÊA, 2007). Estas condições evidenciam a necessidade de se avaliar as cidades médias por meio de duas escalas espaciais, a da rede urbana que ela está inserida, e do seu espaço intraurbano, pois são situações que se inter-relacionam por razões econômicas, políticas e socioculturais, e cooperam para a consolidação de novos arranjos espaciais em uma cidade média, como a formação e consolidação de novas centralidades. Quanto a organização desta tese, em primeiro momento, optamos por evidenciar as transformações históricas que ocorreram na cidade de Pouso Alegre, e em especial para demonstrar o “antes” e o “depois” da inauguração da rodovia Fernão Dias, quanto aos aspectos espaciais, econômicos, demográficos e socioculturais. Entretanto, após elucidarmos estes processos históricos, optamos por analisar a fragmentação do espaço urbano, o papel da cidade na rede urbana regional, e as novas centralidades, por meio das dinâmicas que ocorrem nos dias atuais. Refletindo esta necessária inter-relação entre as escalas espaciais e temporais, além desta seção introdutória, a presente tese se organiza em outros sete capítulos. O primeiro capítulo, intitulado Procedimentos metodológicos e discussões teóricas e conceituais, é dividido em duas partes. Na primeira são demonstrados os procedimentos utilizados para o desenvolvimento desta tese, sendo dividido de acordo com a proposta de Corrêa (2003) para as linhas de investigação do urbano: processo de urbanização; a cidade na escala de uma rede urbana; e o espaço intraurbano. Na segunda, inicialmente é demonstrada a relação entre industrialização, migração e urbanização concentrada. Posteriormente se 19 evidencia a diferença entre os conceitos de “cidade de porte médio” e de “cidade média”, para, em seguida, demonstrar o papel intermediário de uma cidade média em uma rede urbana. Por fim, são elucidadas algumas características da organização do espaço em uma cidade média e a formação de novas centralidades. A formação da cidade de Pouso Alegre é o título do segundo capítulo, que tem como recorte temporal o período que se inicia no século XVIII e se estende até o final da década de vinte do século passado. Nele são elucidados os processos históricos de formação do povoado do “Pouso do Mandu”, a emancipação política, as formas de circulação entre Pouso Alegre e outras localidades, a implantação de edificações que apresentaram consideráveis importâncias para a paisagem e o cotidiano do local, e a existências de expressivas desigualdades sociais e espaciais que coexistiam na cidade no início do século XX. No terceiro capítulo, denominado O desenvolvimento e a modernidade como discursos, é demonstrado como o poder público local, aliado a agentes sociais, como a Igreja, o Exército e a elite financeira da época, tinha o interesse pelo “embelezar a cidade” por meio de discursos progressistas e modernizantes, e que se materializaram nos espaços centrais de Pouso Alegre nas décadas de trinta e quarenta. Todavia, apesar destes discursos e ações, o município atravessava um período de certa estagnação econômica e demográfica, e mesmo sendo ainda pouco populoso, no seu espaço urbano já se presenciava uma expressiva desigualdade entre as áreas centrais e os bairros periféricos. Novos caminhos de uma cidade que cresce é o título do quarto capítulo, que é dividido em duas partes. Na primeira, é demonstrado o processo de construção de rodovias em âmbito regional, durante as décadas de 50 e 60, com destaque para Fernão Dias, o que levou a uma expressiva euforia por parte dos habitantes locais, com a possibilidade de desenvolvimento econômico, em especial atrelado a atração de investimentos industriais. Na segunda parte, é evidenciada a ocorrência de certa diversificação econômica em Pouso Alegre, e as mudanças que incidiram em seu espaço urbano, decorrentes de sua expansão, e/ou da alteração em seus espaços públicos por meio de ações políticas que objetivaram modernizá- los. Pouso Alegre, uma cidade média, é o título do quinto capítulo, que também se organiza em dois subcapítulos. Inicialmente é enfatizado o processo de crescimento e diversificação econômica no município, que motivou a afluência de migrantes para Pouso Alegre, e um aumento em seu contingente populacional no período entre os anos setenta e os dias atuais. Posteriormente, será enfatizada a importância das avenidas no direcionamento da expansão urbana, e a fragmentação da cidade de acordo com as condições econômicas dos moradores e investidores que se apropriam de seus espaços. 20 O sexto capítulo, intitulado como Pouso Alegre, uma capital regional, é dividido em três partes. Primeiramente, a rede urbana do Sul de Minas, e as condições locacionais, populacionais e econômicas de seus municípios são demonstradas, tendo ênfase na hierarquia urbana regional. Em seguida, é evidenciada a área de influência de Pouso Alegre, por meio da distribuição dos municípios por eixos, neste caso as rodovias que atravessam ou partem da capital regional. Por fim, são elucidadas as interações entre Pouso Alegre e os municípios de sua área de influência, de acordo com as intensidades da polarização, e as dinâmicas socioespaciais destes locais. No sétimo capítulo, que tem o título de Novas centralidades no espaço urbano de Pouso Alegre, a divisão foi feita em dois subcapítulos. Inicialmente, por meio de materiais cartográficos, é confirmada a existência de novas dinâmicas socioespaciais na cidade de Pouso Alegre, em que os diversos setores produtivos se apropriam dos espaços de acordo com as suas potencialidades para a geração de lucro, o que resulta na formação de novas centralidades. Em segundo momento, é evidenciada a situação atual da região central com estas transformações recentes que incidem no espaço urbano, e que são consequências de fatores econômicos, socioculturais e políticos que coexistem em âmbito municipal e regional. A opção por distintas escalas espaciais e temporais, que possibilitou a utilização de variados procedimentos metodológicos, fez com que a análise das transformações no espaço urbano de Pouso Alegre tenha ocorrido por meio da inter-relação entre estes condicionantes, fundamentais para se compreender os processos históricos de urbanização, o papel da capital regional em sua área de influência, e o espaço intraurbano da área de estudos. 21 1 – Procedimentos metodológicos e discussões teóricas e conceituais 1.1 – Procedimentos metodológicos As relações entre as escalas temporais e espaciais motivaram as definições dos procedimentos metodológicos, que tiveram como eixo estruturante as três linhas de análise do “urbano”, que foram elucidadas por Corrêa (2003): o processo de urbanização; a cidade na escala de uma rede urbana; e o espaço intraurbano. 1.1.1 – Processo de urbanização A análise do processo histórico de urbanização teve como referenciais as colocações de Goodey (2002) e Sposito (2008). No primeiro caso, o autor delimita os “marcos” da história e da organização espacial de uma cidade, e que possibilitam compreender seu processo de formação e os usos de seus espaços, como: a “água”, devido a sua importância para o abastecimento e o transporte, que possibilitou a formação de povoados e de caminhos; os “cruzamentos de rotas”, constituídas por caminhos, ferrovias, rodovias e hidrovias no espaço da cidade e do seu entorno; os “lugares sagrados”, por suas relevâncias arquitetônicas e simbólicas; os “locais de encontros sociais”, devido as suas funções históricas e para a cidade atual; o “mercado”, pela sua importância ao comércio e as práticas sociais; a “administração pública” e a sua materialização por meio de edificações e monumentos; os “espaços de diversão”, como teatros, cinemas, salas de concertos, campos e quadras para práticas desportivas; os “locais de moradia”, com seus tipos e as divisões por classe sociais; e os “espaços de modernidades”, representados por estabelecimentos comerciais e de prestações de serviços que denotam os processos de crescimento e de mudanças que incidem no lugar (GOODEY, 2002). Esta análise será realizada por meio de fotografias antigas e atuais, matérias em jornais, relatos de memorialistas, narrativas orais, e por trabalhos de campo em espaços de maior relevância para avaliar empiricamente as diferenciações no uso e ocupação do solo na cidade de Pouso Alegre. 22 De acordo com Sposito (2008), o crescimento de uma cidade ocorre de três maneiras, que são complementares e se inter-relacionam: “populacional, horizontal e vertical”. Ou seja, populacional na medida em que há o aumento do contingente demográfico da cidade; horizontal quando ocorre a expansão do espaço urbanizado; e vertical, em que a cidade passa a apresentar maior número de edificações com mais de dois pavimentos, para funções residenciais, comerciais ou de prestação de serviços. Neste caso, os censos demográficos, as fotografias e os mapas serão fundamentais para elucidar estes processos de crescimento na cidade de Pouso Alegre. Como um processo histórico de urbanização se constitui pelas transformações socioespaciais, que se sucederam no decorrer do tempo e se materializaram nos espaços geográficos, procuramos utilizar de procedimentos metodológicos que permitiram avaliar os “marcos” da cidade, proposto por Gooddey (2002), e também as formas de crescimento apontadas por Sposito (2008). Para isto, primeiramente foram analisados os referenciais de memorialistas, que por terem vivenciado o local em tempos pretéritos, relatam as suas características fisionômicas, produtivas, a vida cotidiana, e os espaços para práticas religio sas, econômicas, políticas e recreacionais; além destes, os trabalhos acadêmicos, desenvolvidos por autores de diversos campos da ciência3, e que abordaram a cidade de Pouso Alegre e a região do Sul de Minas, contribuíram para melhor compreender e evidenciar as dinâmicas populacionais, econômicas, políticas e socioculturais que se sucederam nestes espaços geográficos. As fotografias, a partir de sua interpretação e da percepção do pesquisador, permitem “qualificar” uma cidade (PESAVENTO, 2007). Porém, é importante levar em conta que a seleção de imagens do lugar, em especial as históricas, por muitas vezes fica limitada devido aos interesses de quem as produziu (BORGES, 2003; SPOSITO, 2006b), que podem ser mercadológicos, políticos, pessoais, dentre outros. Nesta tese as fotografias tiveram as funções de ilustrar aspectos da cidade de Pouso Alegre em distintos tempos e espaços, permitindo comprovar o crescimento vertical e horizontal da cidade, e as mudanças em sua fisionomia advindas de ações com motivações econômicas, políticas e socioculturais. O uso de matérias veiculadas nos meios de comunicação de Pouso Alegre, mas também que atuam em contextos regional, estadual e nacional, teve serventia nesta pesquisa por duas razões. Em primeiro lugar, devido ao fato que, por meio do modo de funcionamento do discurso na (e da) cidade, se pode compreender a constituição do sujeito urbano com suas 3 Geógrafos, historiadores, demógrafos, cientistas sociais, urbanistas e economistas. 23 formas de manifestação e a maneira com que vive, resiste, transforma, e irrompe com novas formas de sociabilidades e discursos (ORLANDI, 2004); nesta pesquisa, as notícias veiculadas nos meios de comunicações possibilitaram elucidar os discursos dos agentes sociais locais, em distintos períodos históricos, acerca de aspectos espaciais, econômicos, políticos e socioculturais. Em segundo lugar, os jornais e as revistas, se selecionados adequadamente, podem constituir uma importante fonte para se evidenciar os acontecimentos históricos de um local (CRUZ & PEIXOTO, 2007), como são os casos da construção e posterior duplicação da rodovia Fernão Dias, e da implantação de unidades industriais no município de Pouso Alegre. Tendo em vista a dificuldade para obter informações em jornais, livros de memorialistas e fotografias acerca dos bairros periféricos da cidade de Pouso Alegre, em especial no período anterior a década de 50, foi necessária a utilização de narrativas orais, que estão presentes na obra de Beraldo & Reis (2012). De acordo com Abreu (1998), a história oral pode oferecer registro das lembranças das pessoas e atingir “momentos” que já passaram e formas urbanas que desapareceram; ademais, é importante mencionar que, enquanto as obras memorialísticas, as fotografias e os documentos oficiais recorrentemente enfatizam a “história das elites”, as narrativas orais permitem lidar com as memórias dos “cidadãos comuns”, em seus conflitos e experiências pessoais (KHOURY, 2000). Portanto, por meio destas narrativas foi possível compreender e ilustrar a formação das áreas periféricas e depreciadas da cidade, no período anterior a década de cinquenta do século XX. O crescimento populacional de Pouso Alegre foi verificado por intermédio de dois procedimentos, que refletem os períodos históricos a serem evidenciados nesta pesquisa. No primeiro momento, que perdurou da formação do povoado até 1940, o contingente demográfico da cidade foi demonstrado a partir de relatos de memorialistas e de pesquisas científicas, que na maior parte das vezes tiveram como fontes as contagens realizadas pelo município e pelas paróquias. A partir de então, os censos demográficos do IBGE constituíram as fontes para avaliar o ritmo de crescimento populacional na cidade e no município, assim como a entrada de migrantes e a distribuição da população economicamente ativa por setores econômicos, nestes casos entre 1970 e 2010; a opção por esta fonte se deve por permitir a comparação entre unidades espaciais distintas, mas especialmente para comprovar a evolução temporal da população de Pouso Alegre. Esta possibilidade de comparar unidades espaciais e tempos diversos motiva a utilização de indicadores demográficos e econômicos em estudos geográficos que abordam distintas escalas (GERARDI & SILVA, 1981), e para evidenciar as mudanças que ocorrem em uma dada sociedade (RICHARDSON, 2008). 24 Com os sucessivos progressos tecnológicos, e que refletem nos procedimentos metodológicos e em suas aplicações, a cartografia apresenta considerável relevância para os estudos espaciais, uma vez que permite demonstrar as características e as transformações que incidem em um determinado ambiente, e representá- las espacialmente (JOLY, 1997). No caso específico desta tese, os recursos cartográficos apresentam uma função ilustrativa, mas também constituem um procedimento metodológico que possibilita confirmar o processo histórico de crescimento horizontal da cidade de Pouso Alegre. O primeiro grupo é formado por mapas que foram adaptados da versão original, e que ilustram, por exemplo, os sistemas de transportes regionais, e a fragmentação político-administrativa do município. Porém, por meio do cruzamento das áreas urbanizadas em 1933, 1971 e 2010, obtidas em cartas topográficas (1933 e 1971) e imagem de satélite (2010), foram produzidos, com o uso do Microsoft Windows Paint, dois mapas que comprovam o crescimento horizontal da cidade de Pouso Alegre, nos períodos entre 1933 e 1971, e 1971 e 2010. Apesar do enfoque da presente tese ser analisar as transformações que ocorreram na cidade de Pouso Alegre, é necessário considerar as interferências que os moradores das localidades pertencentes a sua área de influência exercem na organização do espaço urbano municipal. Isto se deve pela afluência de habitantes destes locais para Pouso Alegre, devido a motivações como a aquisição de produtos e serviços, as práticas laborais, educacionais e socioculturais, e tal situação reflete a própria função de uma cidade média em uma rede urbana. 1.1.2 – A cidade na escala de uma rede urbana Nesta tese, a análise da cidade na escala de uma rede urbana se pautará em duas condições, uma temporal, e a outra espacial. Primeiramente, a partir das classificações de Rodarte (1999) acerca da centralidade das cidades mineiras no século XIX, de Geiger & Davidovich (1961) a respeito da rede urbana brasileira no final da década de 50 do século XX, e dos estudos das “Regiões de Influência das Cidades”, desenvolvidos pelo IBGE em 1966, 1978, 1993 e 2007, será confirmada a oscilação na importância de Pouso Alegre na rede urbana regional nestes referidos períodos. Esta análise temporal tem o objetivo de evidenciar como Pouso Alegre apresentava expressiva representatividade na rede urbana sulmineira no final do século XIX, perdeu influência na primeira metade do século XX, e, após a inauguração da rodovia Fernão Dias, e o crescimento 25 econômico e populacional que ocorreu no município, voltou a ter significativa importância na rede urbana regional. Posteriormente, após confirmar esta oscilação temporal da importância de Pouso Alegre na rede urbana regional, será dada ênfase na área de influência da cidade na atualidade. De acordo com Egler et al (2011), constituem “bases referenciais” para a análise da questão urbana no Brasil, três classificações, que são: “Caracterização atual e tendências da rede urbana do Brasil” (IPEA; IBGE; UNICAMP, 2001), “Estudo da dimensão territorial para o planejamento” (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2008), e “Regiões de Influência das Cidades” (IBGE, 2007). Contudo, apesar de todas elas terem os mesmos referenciais teórico-conceituais4, e buscarem identificar os polos regionais na estrutura urbana brasileira, há uma notória diferença entre os recortes espaciais de análise destas classificações, pois, enquanto a primeira estipula os centros de maior posição hierárquica no contexto de uma mesorregião, a segunda tem como parâmetro as microrregiões, e, por sua vez, a última tem o município como referência metodológica e analítica (EGLER et al, 2011). Segundo Corrêa (2013, p.211), “a seleção de uma determinada rede como objeto de estudos deriva preponderadamente da problemática que construímos”. Por ser objetivo da presente tese a análise das transformações no espaço urbano de Pouso Alegre, optamos por utilizar a classificação das “Regiões de Influências das Cidades” para demonstrar a posição do município na rede urbana regional. A motivação desta escolha se deu pelo fato desta classificação ter no município o seu referencial metodológico e analítico, o que permite estipular a área de influência de Pouso Alegre, e o alcance espacial e as intensidades desta polarização em âmbito regional. Refletindo a sua condição de cidade média, Pouso Alegre5 apresenta uma posição intermediária na rede urbana nacional, pois, ao mesmo tempo em que é polarizada por São Paulo, polariza municípios vizinhos, localizados no Sul de Minas. Portanto, tendo como parâmetro a última classificação das “Regiões de Influências das Cidades” (IBGE, 2007), quatro situações foram analisadas: 1 – as regiões de influências das cidades sulmineiras; 2 – a delimitação da área de influência de Pouso Alegre; 4 “Teoria dos lugares centrais” de Walther Christaller (1933); “Modelo da rede urbana” de August Losch (1957); e “Teoria dos polos de crescimento” de François Perroux (1978). 5 A cidade de Pouso Alegre foi considerada uma “capital regional C” pelo REGIC 2007. Isto a coloca em posição hierárquica inferior a das metrópoles global, nacional e regional, e das capitais regionais “A” e “B”, porém acima dos centros sub-regionais “A” e “B”, dos centros de zona “A” e “B” e dos centros locais. Na figura 65 são demonstrados alguns dos principais municíp ios do Sudeste brasileiro de acordo com esta classificação, e a situação de Pouso Alegre. 26 3 – a intensidade da polarização da capital regional sobre municípios da sua área de influência; 4 – as inter-relações entre Pouso Alegre e sua área de influência de acordo com as condições locacionais, econômicas e demográficas dos municípios. A espacialização das “regiões de influência das cidades” do Sul de Minas teve o intuito de evidenciar a posição de Pouso Alegre no contexto da macrorregião em que se situa, e, também, a disposição espacial dos municípios com maior relevância econômica, populacional e na hierarquia urbana regional. Para isto, foram produzidos mapas por meio do Microsoft Windows Paint, e que tiveram como base cartográfica o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (IPEA, FJP, IPEA, 2003). As informações demográficas e socioeconômicas tiveram como fontes o censo demográfico do IBGE (2010), e a posição hierárquica dos centros urbanos do Sul de Minas foi obtida no próprio REGIC (IBGE: Região de Influência das Cidades, 2007). A “área” de influência de Pouso Alegre abrange uma superfície espacial mais ampla que a “região de influência” e compreende o “alcance máximo”6 da polarização do município. Isto ocorre porque na “região” são inclusos apenas os municípios que a cidade desempenha uma influência primaz; por sua vez, no que é definida como “área”, inclui a “região de influência da cidade”, de acordo com o REGIC (IBGE: Região de Influência das Cidades, 2007), que é acrescida de localidades onde Pouso Alegre exerce distintas intensidades de influência, mas que são secundárias, já que a principal polaridade sobre estes locais é do município onde elas estão incluídas na “região de influência da cidade”. A delimitação da “área de influência” se deu por meio das “ligações entre centros urbanos” do REGIC, que foi espacializada em um mapa que leva em conta, também, a intensidade de influência de Pouso Alegre sobre estes municípios. As cidades que são polarizadas por um dado centro urbano, mas que seus moradores desenvolvem interações “quase diárias”, atreladas ao trabalho e ao estudo, são as que possuem vínculos mais efetivos com o polo regional (VILLAÇA, 1997). Sessenta e três municípios pertencem a “área de influência de Pouso Alegre”, com condições demográficas, econômicas e locacionais distintas, e que também desenvolvem vínculos em outras redes urbanas e produtivas. 6 De acordo com Egler et al (2011, p. 32): “o conceito de limite máximo (círculo maior) define o alcance do entorno do núcleo urbano, definindo uma área de mercado ou região de influência (externalidades) de determinado polo”. 27 Com o intuito de evidenciar a intensidade de influência de Pouso Alegre em âmbito regional, optamos por utilizar das frequências de ligações entre centros urbanos e entre “centros de gestão do território”, e os volumes de fluxos destas ligações, que foram obtidos no próprio REGIC (IBGE: Região de Influência das Cidades, 2007). Assim: -Para definir as “regiões de influência das cidades”, e a relação entre os centros urbanos de uma rede, os parâmetros utilizados pelo REGIC foram: as ligações entre moradores dos municípios de uma região de influência e a cidade polo para “aeroporto, compras, cursos, lazer, saúde”, e os fluxos destas ligações. Portanto, os que apresentam ligações com Pouso Alegre por 4 ou 5 motivações foram estipulados como de “alta influência”, por 3 como de “média alta”, por 2 como de “média baixa”, e, por fim, os que possuíam apenas 1 motivação foram considerados como de “baixa influência”. -Quanto aos “centros de gestão do território7”, de acordo com o REGIC, as ligações se dão por três motivações: “gestão federal, gestão empresarial, e internações”. Os que apresentam ligações por 3 motivações com Pouso Alegre foram considerados de “alta influência”, por 2 como de “média alta”, e por 1 como de influência “média baixa”. A espacialização dos municípios pertencentes a “área de influência de Pouso Alegre” foi realizada de três maneiras: 1 – por um mapa com a delimitação municipal e das regiões de influências de cidades do Sul de Minas, que permitiu demonstrar o “limite máximo” da polarização de Pouso Alegre e a sua intensidade; 2 – por um mapa com a disposição das cidades em relação às principais rodovias que cortam o município de Pouso Alegre, que serviram de parâmetros para a definição de seis “eixos”, BR- 381 (Norte e Sul), BR-459 (Noroeste e Sudeste), MG-179 e MG-290; 3 – por mapas de cada um dos referidos eixos, que foram complementados com tabelas que demonstram os indicadores demográficos e socioeconômicos dos municípios da “área de influência de Pouso Alegre”, e informações obtidas em pesquisas acadêmicas, e em análises empíricas amparadas por trabalhos de campo pela região. Delimitada a “área de influência de Pouso Alegre”, e a sua organização pelos “eixos rodoviários”, passamos então a analisar as inter-relações entre Pouso Alegre e sua hinterlândia de acordo com a intensidade de influência, e das condições demográficas, socioeconômicas e locacionais dos municípios. Segundo Corrêa (2013, p.200), uma rede geográfica constitui “o 7 Municípios que interagem “órgãos de gestão federal”, e possuem sedes de empresas que atuem em outros locais (REGIC, 2007). Na área de influência de Pouso Alegre são os municíp ios de Alfenas, Andradas, Cambuí, Extrema, Itajubá, Jacutinga, Ouro Fino, Poços de Caldas, Santa Rita do Sapucaí e Três Pontas . 28 conjunto de localizações articuladas entre si, por meio de vias e fluxos”, e neste contexto a rede urbana é a mais complexa, por interagir as práticas produtivas, educacionais e socioculturais, que se estruturam em diferentes escalas espaciais e temporais. Os moradores dos municípios da área de influência de Pouso Alegre, em intensidades distintas, obtêm produtos e serviços na capital regional que não são encontrados em seus locais de origem. Esta situação contribui para haver consideráveis modificações na organização do espaço intraurbano de Pouso Alegre, em especial por motivar a formação e a consolidação de novas centralidades, fenômenos este crescente na cidade. 1.1.3 Espaço intraurbano Para a análise do espaço intraurbano de Pouso Alegre na atualidade, além do levantamento bibliográfico e de indicadores demográficos e socioeconômicos, dois procedimentos tiveram maior relevância: os trabalhos de campo e a investigação e produção de recursos cartográficos. Segundo Sposito (2006b), a valorização do empírico, no sentido de contato direto com o espaço urbano e seus distintos usos, é amplamente necessária no desenvolvimento da análise de uma cidade média. Como elucidado anteriormente, procuramos evidenciar o processo histórico de urbanização de Pouso Alegre desde o início da formação do povoado, no século XVIII, até os dias atuais. Para esta investigação sobre as condições socioespaciais de Pouso Alegre na atualidade, utilizamos de dois produtos cartográficos como referenciais para estruturar os trabalhos de campo, e para ilustrar as diferenciações entre os diversos setores da cidade: o zoneamento urbano municipal, contido no plano diretor (Prefeitura Municipal de Pouso Alegre, 2008), e um mapa com os rendimentos dos moradores e o valor dos imóveis dos setores da cidade. Todavia, pelo fato de residir no município, e de exercer atividades laborais que, em certa medida, apresentam relações com a própria pesquisa 8, além de outras vivências 8 No período entre 2010 e 2013, dentre outras atividades desenvolvidas, como do cente na Universidade do Vale do Sapucaí, está ministrar a disciplina de “Cidade e Cultura”, e nesta foram realizados trabalhos de campo com alunos, e frequentes discussões acerca do espaço urbano de Pouso Alegre e do contexto regional. Também, foram/são orientadas pesquisas de iniciação científica em temát icas como crescimento urbano, condições socioambientais, usos dos espaços para práticas recreativas e laborais, marg inalização de grupos sociais, e migração pendular. Entre 2012 e 2013 ocorreram encontros do “Grupo de Estudos Urbanos do Vale do Sapucaí”, com alunos e professores dos cursos de História e Jornalismo, que na análise/discussão de textos “teóricos”, a cidade de Pouso Alegre frequentemente foi usada como “referencial” nas discussões. Por fim, na condição de representante da universidade no “Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano”, participei de reuniões que foram abordados/votados aspectos como crescimento urbano, moradias populares, sistema de transportes, dentre outros. 29 na área estudos, optamos em utilizar das análises empíricas para a construção de mapas que evidenciam as novas centralidades que se estruturam na cidade de Pouso Alegre. Portanto, em primeiro momento, os trabalhos de campo foram subsidiados pelas informações cartográficas, e no segundo, o empírico que condicionou a produção cartográfica. Os trabalhos de campo possibilitam ao pesquisador pensar a problemática de um dado território, tendo como ponto de partida a realidade local (SANTOS, 1999). O trabalho de campo com contato próximo, direto e prolongado com grupos, comunidades e segmentos sociais permite captar os significados de ações sociais, e perceber as “visões de mundo” que se associam às identidades e desempenhos sociais do grupo estudado, constituindo, assim, uma investigação que transpõe a superficialidade e a análise apenas das aparências (VELHO, 2002). Nesta conjuntura, a “observação participante” é um recurso de notória validade para os estudos ligados as questões socioespaciais, afinal permite ao pesquisador interpretar, a partir de suas vivências e relações sociais, os interesses e as necessidades dos moradores do ambiente a ser estudado (BRANDÃO, 2006). Tendo a clareza dos objetivos da pesquisa, e um prévio conhecimento das condições locais, práticas como frequentar os espaços cotidianos dos moradores, vivenciar suas atividades produtivas, recreacionais e ritualísticas, dialogar com os habitantes, observar as interações entre as pessoas e destas com os espaços, possibilitam ao pesquisador realizar suas descrições e interpretações pessoais acerca do lugar (BRANDÃO, 2007). Todavia, é válido mencionar que em uma metrópole, e mesmo em uma cidade média, como é o caso de Pouso Alegre, há significativas descontinuidades entre o “mundo do pesquisador”, e o ambiente e os grupos estudados. Assim, é possível visualizar os movimentos humanos, certos símbolos e características locais, mas não familiarizar com todas as suas características sociais e culturais; e isto se deve porque, mesmo que uma dada paisagem social nos seja “familiar”, por observá- la com certa frequência, o conhecimento da realidade pode ser comprometido pela própria rotina do pesquisador, e mesmo por sua interpretação pessoal (VELHO, 2013). Isto fez com que optássemos em enfocar, com maior rigor, as relações de grupos que nos são mais familiares em Pouso Alegre, por uma questão de afinidade e de ter maior contato, como as migrações pendulares de estudantes universitários, a formação de territórios por apreciadores de rock’n roll e hip hop, e os usos dos espaços públicos para práticas artísticas e culturais; e, tendo em vista que o objetivo desta pesquisa é elucidar as transformações que ocorreram em Pouso Alegre, a presença destes grupos sociais 30 e suas dinâmicas socioespaciais, nos possibilitaram evidenciar as novas práticas culturais e de usos dos espaços que coexistem na cidade atualmente. As pessoas observam e percebem a cidade à medida que nela se deslocam e os outros elementos que a constituem se organizam e se relacionam ao longo das vias (LYNCH, 1960). Desta maneira, o próprio ato de vivenciar um espaço urbano já permite formular interpretações e percepções acerca de seus espaços, dos discursos, das paisagens, e das práticas sociais de seus moradores e visitantes (WAINBERG, 2001; ORLANDI, 2004; ARENDT, 2012). Segundo Milton Santos (1996), a paisagem é “transtemporal”, e reflete as formas criadas em distintos momentos históricos, e que coexistem no momento atual. Nesta concepção, a paisagem é vista como um sistema “material”, e o espaço um sistema de valores, que se transforma permanentemente. “No espaço, as formas de que se compõe a paisagem preenchem, no momento atual, uma função atual, como resposta às necessidades atuais da sociedade” (SANTOS, 1996, p.67). As fotografias são indícios explícitos de um dado objeto que, acrescidos de informações de natureza científica, podem colaborar para evidenciar uma determinada realidade pesquisada (FERRARA, 1999; MENEZES, 2002; KOSSOY, 2004), como são exemplos as características da paisagem de um lugar, suas variações temporais, os usos dos espaços, dentre outros aspectos. A paisagem constitui um “espaço percebido” (COLLOT, 1990), e tal razão levou a seguinte indagação, o que deve ser evidenciado com relação aos aspectos paisagísticos de Pouso Alegre na atualidade? Por esta imensa possibilidade de usos das fotografias, decidimos estipular certos parâmetros para o que “ilustrar” das condições socioespaciais de Pouso Alegre, e da diversidade de usos do seu espaço urbano. Neste caso, a percepção e a interpretação do pesquisador foram norteadas por uma sistematização dos locais a serem retratados, com base em dois mapas: o zoneamento urbano, que é integrante do plano diretor municipal, e um mapa com os rendimentos dos moradores e o valor dos imóveis de setores da cidade. Porém, foi necessária a delimitação destes espaços que são elucidativos para ilustrar a realidade local. E, para isto, havia o mapa com a distribuição dos rendimentos dos moradores da cidade de Pouso Alegre, dividido pelos setores censitários do IBGE, e uma tabela com os valores dos imóveis urbanos, de acordo com os setores da cidade 9, pela divisão da prefeitura municipal. Assim, optamos por manter as informações presentes no mapa produzido por 9 Na delimitação da prefeitura, os bairros “principais” englobam bairros menores da circunvizinhança. 31 Miranda et al (2013), referente aos rendimentos dos moradores, e nele inserir as informações relativas aos custos dos imóveis, divididos em três grupos, de alta, média e baixa valorização. Com base nestas informações, foram realizados trabalhos de campo em bairros de Pouso Alegre, considerados representativos para ilustrar os diversos usos do espaço na cidade. A apresentação destas áreas, por sua vez, foi ordenada pelo zoneamento urbano municipal. O início da descrição e ilustração dos espaços da cidade se deu pela região central (Zona Mista Central), setor este que sofreu consideráveis transformações econômicas, socioespaciais e paisagísticas decorrentes do crescimento urbano municipal. Em seguida, foram abordadas as áreas eminentemente residenciais (Zona Mista 1), caracterizadas por abrigarem populações com alto rendimentos, residências unifamiliares, e com expressiva valorização imobiliária. Posteriormente, foram enfocadas as áreas de “usos mistos” (Zona Mista 2), que no contexto de Pouso Alegre englobam desde bairros de ocupação mais antigas, com considerável adensamento de construções nas proximidades da região central, até bairros periféricos e de ocupação recente. Por fim, foram descritas e analisadas as zonas especiais de interesse social (ZEIS), que congregam as áreas de maior precariedade socioambiental da cidade. Não nos prendemos, entretanto, em definir regiões da cidade de acordo com suas características, mas, sim, de evidenciar as diferenças socioespaciais que existem em seu interior, como consequência de seu processo histórico de urbanização, e os condicionantes naturais, econômicos e políticos que favorecem esta fragmentação. A constituição de novas centralidades é um processo bastante recente em Pouso Alegre, e advêm de fatores como o crescimento econômico, a expansão urbana, as dinâmicas existentes entre a capital regional e os municípios de sua área de influência, os interesses e valores socioculturais da sociedade, e a realização de investimentos em locais que se constituem como atrativos para os moradores de determinados setores da cidade, e de localidades e espaços rurais circunvizinhos. Portanto, é válido mencionar que o centro de uma cidade é uma construção sociocultural, mas também material, já que existe uma perenidade em sua localização e até de suas formas e funções que dão sentidos às certas práticas, todavia, as centralidades são resultados dos fluxos e deslocamentos realizados pelos moradores de uma cidade e de seus espaços circunvizinhos, com distintas motivações (WHITACKER, 2007). A utilização de recursos cartográficos para evidenciar a formação e consolidação de centralidades em um espaço urbano é fundamental, na medida em que permite não só estipular as suas características, como analisá-las no conjunto de uma cidade e na rede urbana que ela se insere (SILVA, 2006a; WHITACKER, 2007; ZANDONADI, 2011; MIYAZAKI, 2013). A formação e consolidação de novas centralidades é um fenômeno relativamente 32 recente nas cidades médias brasileiras, e ganhou impulso na década de noventa do século XX, em especial com a implantação de shopping centers e o desenvolvimento dos subcentros terciários em certos espaços destes centros urbanos (SPOSITO, 2006a). Durante o desenvolvimento desta pesquisa, percebemos duas importantes novas centralidades em Pouso Alegre, um “subcentro terciário” que se forma na região sul da cidade, e um shopping center inaugurado no presente ano de 2013, próximo ao cruzamento entre as rodovias Fernão Dias e BR-459, a leste do espaço urbano. Mas, ao mesmo tempo se observou, em vivências pela cidade, que outros locais eram atrativos para distintos deslocamentos pelo espaço urbano e regional, e isto nos motivou a estabelecer oito “grupos” representativos para a nossa análise, que são: espaços culturais; instituições e órgãos públicos; estabelecimentos de ensino e hospitais; agências bancárias; hipermercados e lojas de departamento; concessionárias; comércio e prestação de serviços voltados à agropecuária; e indústrias. Estes locais, em maior ou menor intensidade, motivam o deslocamento de moradores da cidade e dos municípios da área de influência de Pouso Alegre por distintos espaços, e a formação de novas centralidades. Em trabalhos de campo levantamos as localizações destes estabelecimentos, que foram espacializados por meio do Microsoft Windows Paint, sobre uma base cartográfica que abrange todo o espaço urbano. Para evidenciar o processo de dispersão de certas práticas produtivas, e a consolidação de novas centralidades, foi delimitada a região central da cidade de Pouso Alegre (Zona Mista Central pelo zoneamento urbano municipal), pois esta área tradicionalmente abrigou a maior parte das atividades comerciais, de prestações de serviços e de práticas socioculturais, e atualmente enfrenta a concorrência destas novas espacialidades. Nas cidades médias brasileiras, a consolidação de novas centralidades ocorre concomitante a difusão dos condomínios residenciais fechados (SOBARZO, 2006; SPOSITO, 2006a). Com isto, os centros originais passam a enfrentar a concorrência de outros espaços, por motivações como a moradia, o consumo de produtos e serviços, e o entretenimento. Para ratificar esta situação na cidade de Pouso Alegre, foi produzido um mapa com a localização dos condomínios, shopping centers e do subcentro da região sul. Este procedimento, associado com os trabalhos de campo, permitiu enfatizar as mudanças que ocorrem na região central da cidade, e os usos de seus espaços por distintos grupos sociais, em decorrência da consolidação destas novas centralidades. 33 1.2 – Cidades médias: questões teóricas e conceituais 1.2.1 – Industrialização, migração e urbanização concentrada No último quarto do século XVIII, os recursos econômicos advindos do comércio e da exploração de recursos naturais nas colônias, propiciaram a formação de uma base industrial na Inglaterra. Com o desenvolvimento capitalista, houve, por ordem parlamentar, a intensificação do cercamento das propriedades rurais no reino, fato este que culminou em milhares de agricultores desalojados de suas antigas terras, e que passaram a migrar em direção às áreas urbanas. Como as cidades, em especial Londres, necessitavam de mão de obra para a indústria e para a construção civil, houve considerável deslocamento de pessoas do espaço rural em direção aos centros urbanos, que, a partir da passagem dos séculos XVIII para o XIX, tiveram intenso crescimento populacional (WILLIANS, 2011). A Inglaterra do século XIX apresentou significativo processo de urbanização, sendo que metade da sua população residia nas cidades em 1850, proporção esta que atingiu três quartos no final do século, estando Londres como a de maior destaque. As cidades industriais, como Manchester, Liverpool, Leeds, dentre outras, apresentaram rápido crescimento populacional e novas dinâmicas produtivas e espaciais, porém em Londres havia maior diversidade econômica, fato este que contribuiu para uma maior complexidade profissional e socioespacial. Nesta metrópole foram construídas edificações, vias e monumentos que materializaram o seu progresso econômico, porém, isto foi mais evidente na West London, que recebeu as principais melhorias paisagísticas e de infraestrutura, enquanto na East London prevaleciam as classes pauperizadas, em um ambiente notoriamente mais insalubre (WILLIANS, 2011). De acordo com Lefebvre (1978), a grande cidade oferecia opções mais numerosas que a pequena cidade ou o povoado, por possibilitar ascensões socioeconômicas ou mesmo para o convívio social. Para ele, uma metrópole, como Paris, tem uma pujante “individualidade coletiva” e proporciona aos seus habitantes o máximo de possibilidades de práticas econômicas ou socioculturais. No século XIX houve um contínuo processo de “desruralização” das cidades europeias, que motivou a realização de amplas modificações em suas fisionomias, em especial nas áreas centrais, que receberam investimentos em 34 infraestruturas e no paisagismo, como são exemplos as cidades de Barcelona e Paris10 (LE GOFF, 1998). É válido mencionar que a concentração populacional, econômica e de poder político nas metrópoles de Londres e de Paris, que se estabeleceu desde o fim da idade média, contribuiu efetivamente para a formulação de políticas públicas de desconcentração em meados do século XX. Almejava-se, ao mesmo tempo, fortalecer economicamente outras regiões inglesas e francesas, reduzir a afluência de migrantes a estas metrópoles, e assim, melhorar as condições sociais e econômicas de seus moradores (CORRÊA, 2007). Com o advento das ferrovias, as cidades passaram por uma nova estruturação espacial e funcional, pois, ao mesmo tempo em que as estações atraiam passageiros com as mais diversas motivações, novos galpões foram implantados para fins industriais e de armazenamento, sendo os trilhos seus ordenadores (WILLIANS, 2011). Com as ferrovias foram estabelecidas novas relações socioculturais e econômicas entre os lugares, modificando a divisão espacial do trabalho, e favorecendo novas afluências de pessoas e mercadorias pelos mais diversos territórios. Em 1872, apenas três cidades brasileiras possuíam mais de 100 mil moradores: o Rio de Janeiro, a capital, com 275 mil era a mais populosa, e completavam a lista Salvador e Recife (RIBEIRO, 1995). Com uma população que somava 9,9 milhões de habitantes, o Brasil no final do período imperial ainda era majoritariamente rural e de economia agroexportadora. Porém, de acordo com Graham e Holanda Filho (1984), o crescimento do movimento abolicionista, e a posterior abolição da escravatura, aliada a expansão econômica e a necessidade de mão de obra, incentivaram a afluência de imigrantes para o Brasil, especialmente no período entre 1870 e 1940. Nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro os imigrantes representavam, em 1920, 35,4% e 20,7% da força de trabalho respectivamente (GRAHAM & HOLANDA FILHO, 1984). Na última década do XIX, e na primeira do século XX, também foi expressiva a afluência de moradores dos espaços rurais em direção às cidades, onde havia maiores perspectivas econômicas, em especial em atividades relacionadas a construção civil, ao comércio e a prestação de serviços, porém, na maior parte das vezes, em ocupações de menor 10 Barcelona, na década de 1850, por intermédio do projeto concebido pelo engenheiro urbano Ildefons Cerdà, se expandiu para além da então recém-demolida muralha que a envolvia, com um “projeto arrojado na infraestrutura sanitária, no sistema viário e no desenho de quarteirões integrados ao espaço urbano em praças internas” (MONTE-MÓR, 2006, p. 62). Paris, através das reformas urbanas de Haussmann na década de 1860, foi div idida em quatro partes pelas vias largas e retilíneas. Para isso, houve a necessidade de destruir bairros inteiros, remover pessoas e “construir avenidas transformadas em monumentos de poder da burguesia, inauguradas como se fossem estátuas” (RAMINELLI, 1997, p. 197). 35 remuneração, neste caso principalmente para os negros recém-libertos do regime escravocrata que perdurou no Brasil até 1888 (SINGER, 1970; HOLANDA, 1995; RIBEIRO, 1995). Neste momento histórico, as cidades progressivamente foram avançando sobre espaços anteriormente rurais, sendo a cidade de São Paulo um relevante exemplo. No período entre 1890 e 1920, a população paulistana cresceu de 64.934 para 579.003 habitantes, e isto promoveu expressivas mudanças nas relações socioespaciais na cidade, o que refletiu em sua paisagem e nas condições de vida de seus moradores (CARPINTÉRO, 2008; SAAD, 2011). Com o fim da República Velha, e a crise de 1929, que afetou a economia global, e, por consequência os preços do café no mercado mundial, o principal produto de exportação do Brasil no período, se deu início a uma nova fase na economia, na política, na organização espacial e nas relações socioculturais no país. Havia a necessidade eminente de romper com a imagem de um país agrário e rural, e, portanto, transformá-lo em industrial, urbano, e moderno. Neste período histórico, da República Nova, sob a gestão de Getúlio Vargas, foram impulsionadas as indústrias de bens de consumo para substituição de importações, no intuito de reduzir a dependência de nosso mercado interno das oscilações da economia global, e, especialmente, a formação de uma indústria de base, sendo neste caso a implantação da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda (RJ), no ano de 1943, o principal marco (OLIVEN, 1982). A expansão da produção para o mercado interno e a existência de certa base industrial voltada ao abastecimento das cidades, foram fatores que contribuíram para o crescimento da produção de artigos manufaturados no Brasil da década de trinta (FURTADO, 1976). No período posterior a referida década, a imigração internacional perde impulso no Brasil, e a migração interna passa a ter significativa relevância, sendo o êxodo rural e os deslocamentos inter-regionais marcantes para a nova estruturação da população nacional a partir de então (GRAHAM & HOLANDA FILHO, 1984). Os processos que incidiram no Brasil, e que contribuíram para o êxodo rural, foram: 1 – as precárias condições de vida no campo, que motivaram os jovens a rumarem para as cidades em busca de melhores empregos; 2 – a pressão demográfica em determinadas áreas rurais, em decorrência da redução da mortalidade, e a prevalência das altas taxas de natalidade; 3 – a atração que as cidades exerciam sobre as populações rurais, através, inclusive, da difusão das imagens e valores urbanos pelos meios de comunicação de massa (OLIVEN, 1982). Com isso, as cidades brasileiras passaram a apresentar consideráveis êxitos na atração de afluências migratórias, em especial São Paulo, devido ao rápido crescimento industrial, e o Rio de Janeiro, por suas funções administrativas, turísticas e de prestação de 36 serviços; em 1940, estas cidades apresentam população superior a um milhão de habitantes (IBGE: Censo Demográfico). Como baluartes do desenvolvimento urbano brasileiro, as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, e também os municípios situados em seus arredores, receberam afluências de migrantes provenientes das mais diversas localidades brasileiras, em especial dos espaços rurais e das pequenas cidades. Os locais mais valorizados destas metrópoles passaram, inclusive, a representar o contexto de modernização e da “boa vida” presente nestas cidades, como são evidenciados nas pesquisas de Gilberto Velho (1973) sobre Copacabana no Rio de Janeiro, e de Antônio Augusto Arantes Neto (2000) a respeito do centro de São Paulo. As edificações suntuosas e os luminosos presentes nos espaços públicos, as modernidades cotidianas advindas dos cinemas, dos bailes dançantes e dos deslocamentos por veículos, eram aspectos que ilustravam o cosmopolitanismo destes locais, em um país que buscava progredir, se modernizar. Apesar do processo de urbanização acelerado no decorrer das décadas de 40 e de 50, o Brasil adentra os anos sessenta ainda com a maioria da população habitando nos espaços rurais (IBGE: Censos Demográficos). Neste momento histórico, as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro passam dos três milhões de habitantes, e já se consolida a conurbação com os municípios vizinhos, constituindo regiões metropolitanas. Nas décadas seguintes, este processo se adensa nestas referidas cidades, e também passa a incidir em outras capitais, como Belo Horizonte, Recife, Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Curitiba, fazendo com que as regiões metropolitanas apresentassem crescente participação no conjunto da população brasileira (BREMAEKER, 2000). Em 1960 é inaugurada a cidade de Brasília, fato que tem considerável representatividade para a mentalidade desenvolvimentista e modernizante do Brasil da época, e que se materializou em sua nova capital. Segundo Harvey (1989), a cidade no modernismo é positivista, tecnocêntrica e racionalista, e é identificada com a crença no progresso linear, e no planejamento racional de ordens sociais ideais. Assim, em um país que almejava modernizar, Brasília fora concebida para servir, de acordo com Ribeiro (1995, p. 184), como “polo ordenador da vida brasileira”. Se Brasília representava o racionalismo na produção do espaço urbano, bairros como Copacabana, no Rio de Janeiro, retratado por Velho (1973), simbolizavam a “boa vida”. O autor descreveu que as propagandas das décadas de 40 a 60 associavam o bairro ao “bem estar”, ao “paraíso”, enaltecendo a necessidade do morar em Copacabana. O residir no local também significava ter status, o que motivou a atração de pessoas de outros bairros do Rio de 37 Janeiro, mas também de outras cidades e países, que optaram pelo local devido a sua diversidade paisagística, ao seu comércio, ao seu modo de vida cosmopolita e “livre”, na proximidade da praia (VELHO 1973). Este imaginário da “boa vida”, da necessidade do cidadão vivenciar as relações sociais das ruas e praças das cidades, onde os encontros são favorecidos pela espontaneidade dos locais e de seus frequentadores, é defendido por Lefebvre, em “O direito á cidade”. O autor descreve que o urbano é o todo das relações entre a população e o espaço, e não formas “pré-concebidas” das cidades racionalizadas (LEFEBVRE, 2006). Porém, entre o racionalismo e a frieza das formas da cidade planejada a partir de núcleos monofuncionais, ou a espontaneidade dos bairros multifuncionais, os centros urbanos brasileiros, e de outros países em desenvolvimentos, atraiam afluências de migrantes devido às suas oportunidades profissionais, que são resultados das nítidas diferenças socioeconômicas existentes em seus territórios (TORRES, 1982). Neste contexto, mesmo apresentando certos problemas advindos da falta de planejamento urbano, e de suas desigualdades sociais internas, as cidades são os locais onde os migrantes adquiriram melhores condições de saúde, renda ou educação (GÜELL, 1997). No período entre os anos de 1950 e 1980, os progressos econômicos das metrópoles poderiam viabilizar os processos de mobilidade espacial e de mobilidade social para milhões de brasileiros provenientes dos espaços rurais e das pequenas cidades (BRITO, 2009). De acordo com o autor, mesmo que a princípio estas pessoas atravessassem dificuldades de adaptação econômica e sociocultural nas metrópoles, estes locais poderiam propiciar condições para o progresso financeiro não encontrado nas áreas emissoras de migrantes, em especial na região nordestina. Apesar disto, o cenário não foi plenamente promissor para considerável parcela dos migrantes, que, por fatores econômicos, de organização do espaço urbano, e mesmo socioculturais, ficaram notoriamente marginalizados nas periferias urbanas, em empregos informais e/ou de baixa remuneração, com uma precária condição de vida. Se por um lado a vida na cidade trouxe abundâncias para alguns, por outro, vários brasileiros continuaram em uma situação de miséria, antes no campo e depois nas periferias metropolitanas. Mesmo com o rápido crescimento industrial, na década de 60 já começava a delinear um processo de reversão da polarização industrial em São Paulo, que chegou a apresentar 58% da produção brasileira do setor em 1970 (DINIZ, 2001). Neste período foram implantadas importantes rodovias no interior do país, e estipulados programas de desenvolvimento regional, que motivaram a criação da SUDENE (Superintendência para o 38 Desenvolvimento do Nordeste) e da SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), com o intuito de reduzir as desigualdades socioeconômicas existentes no território nacional (DINIZ, 2001; DULCI, 2002). Em plano global, Harvey (1989) salientou que nos países desenvolvidos houve, na década de 60, um crescimento dos empregos no setor de serviços e a redução dos postos de trabalho nas indústrias. A acumulação flexível se amparava nas flexibilidades dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo, o que contribuiu para uma maior mobilidade geográfica das empresas, e para criar conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas, em especial nos países de industrialização recente (HARVEY, 1989). De acordo com Castells (1999), os avanços tecnológicos dos transportes e das comunicações propiciaram condições para que a sociedade e a economia passassem a se estruturar em redes, e, com isto, se estruturou uma nova divisão internacional do trabalho. Nesta conjuntura, países como o Brasil se tornaram atraentes para os investimentos industriais, devido à disponibilidade de mão de obra e de recursos naturais, os incentivos governamentais, e a relativa infraestrutura, em especial nas regiões mais desenvolvidas do Sudeste e do Sul. A partir da década de setenta do século passado, teve início uma mudança espacial do deslocamento migratório brasileiro, que passou a se dirigir também para as cidades médias localizadas em regiões de dinamismo econômico. O desenvolvimento e o aumento nas vagas de empregos nestas localidades, assim como a relativa estagnação econômica e a queda na qualidade de vida nas metrópoles, foram fatores que contribuíram para a diversificação das áreas receptoras de migrantes no Brasil, e na consequente maior importância das cidades médias (MATOS, 2003). 1.2.2 – As cidades médias e as cidades de porte médio É propagada na mídia, e mesmo em estudos acadêmicos, a qualidade de vida dos moradores das cidades médias se comparada a das metrópoles, e são associadas como causas o menor índice de violência, a melhor fluidez do trânsito, o custo de vida mais baixo, e a existência de “áreas verdes” e com menos poluição. Em contrapartida, para os moradores de áreas rurais e pequenas centros urbanos dos arredores, a cidade média é associada como local com possibilidade de empregos, com boa infraestrutura, acesso a informações, e que oferece recursos educacionais, fatores estes que podem favorecer a ascensão material e intelectual 39 (AMORIM FILHO & SERRA, 2001). Portanto, mesmo sendo subjetivos os limites demográficos e conceituais, no imaginário dos moradores metropolitanos e interioranos, em partes, as cidades médias seriam aquelas “nem tão pequenas, a ponto de limitar as possibilidades de crescimento econômico e intelectual de seus habitantes, e nem tão grandes, a ponto de onerar e até pôr em risco a vida da maioria de seus moradores” (AMORIM FILHO & SERRA, 2001, p. 1). Esta posição de intermediária, em uma dada rede urbana, contribuiu para que as cidades médias fossem associadas como campos de possibilidades por políticas de planejamento urbano e regional, como é o caso da aménagement du territoire, na França dos anos 50 do século XX, em que este grupo de cidades era considerado promissor para a desconcentração econômica e demográfica do pais, em um período que já se presenciava a perda da qualidade de vida na aglomeração urbana de Paris. No Brasil, na década de 70, as cidades médias passaram a ser vistas como locais que poderiam absorver investimentos econômicos, e por consequência receber afluências migratórias que se deslocariam para as regiões metropolitanas. E isto ganhou maior relevância com o “Projeto Especial Cidades de Porte Médio”, desenvolvido a partir de 1977 pelo Ministério do Interior, que teve como princípio o fortalecimento da infraestrutura de cidades e aglomerados urbanos com potencialidades para contribuir com o desenvolvimento nacional (AMORIM FILHO & SERRA, 2001; BESSA, 2005; DAMIANI, 2006; CORRÊA, 2007; CONTE, 2013). Ao contrário dos espaços metropolitanos, estipulados pela presença de conurbações, contingentes populacionais mínimos, e mesmo pelas definições por órgãos governamentais, como as regiões metropolitanas no caso brasileiro, as definições referentes às cidades médias exibem consideráveis diversidades, de acordo com os objetivos e os interesses dos pesquisadores, e pelas diferenças de desenvolvimento entre as regiões de um país, as condições socioeconômicas dos centros urbanos, e as relações externas com as redes que se inserem (AMORIM FILHO & SERRA, 2001). Inclusive para as políticas públicas as definições são bem “elásticas”, como serve de exemplo o “Projeto Especial Cidades de Porte Médio”, que dentre os 140 centros urbanos elencados, havia cidades com menos de 50 mil moradores, e que representavam aproximadamente a metade do contingente demográfico municipal, até outras com população em torno de 600 mil habitantes, e com urbanização superior a 90% (CONTE, 2013). As escalas também devem ser levadas em conta para a definição das cidades médias, de acordo com cada realidade estadual, regional, nacional e global, e isto se deve ao fato que um centro urbano com 600 mil habitantes pode ser considerado uma “cidade média” na rede 40 urbana nacional, e uma “macrocefalia urbana” em sua realidade estadual, como Corrêa (2007) elucidou com a situação de Aracaju no Brasil e em Sergipe. Além disso, o contingente populacional permite que se estipule a condição de uma “cidade média” de acordo com cada período histórico, pois um centro urbano com 100 mil moradores constituía uma situação no Brasil de 1940 e outra completamente distinta na realidade de 2000, fazendo com que a cidade “média” possa vir a ser um estágio transitório (CORRÊA, 2007). O tamanho das “cidades médias” pode variar de acordo com cada país, e mesmo em suas regiões. Isto ilustra o fato que por critérios eminentemente demográficos se podem estipular as “cidades de porte médio”, pois, no contexto das cidades médias, as suas funções de intermediação dentro de uma rede urbana e a sua posição geográfica são tão ou até mais importantes que seus tamanhos populacionais (AMORIM FILHO & RIGOTTI, 2002). Em termos globais, os contingentes demográficos são consideravelmente distintos, como por exemplo: a Organização das Nações Unidas (ONU) considera como cidades médias aquelas que possuem entre 100 mil e três milhões de habitantes, o VII Congresso Ibero Americano de Urbanismo considerou médias todas as cidades com 20 a 500 mil habitantes, enquanto a Comissão Europeia define como sendo cidades médias aquelas que possuem entre 100 e 250 mil habitantes. (CONTE, 2013). No Brasil, estes centros urbanos, ao mesmo tempo em que se caracterizam por possuírem certas similaridades demográficas, apresentam consideráveis diferenças devido às suas condições locacionais e político-administrativas, como ocorrem com as cidades de “porte médio” pertencentes às regiões metropolitanas, e as cidades médias “não metropolitanas”. Estes espaços urbanos se distinguem pelos contextos geográficos, socioeconômicos, culturais e ambientais que estão inseridos (ANDRADE & SERRA, 1999; AMORIM FILHO & RIGOTTI, 2002). Nas cidades “de porte médio”, por fazerem parte de uma conurbação urbana composta por vários municípios, em que há uma importante participação do núcleo metropolitano nas relações socioeconômicas e culturais, suas dinâmicas socioespaciais sofrem enormes influências de fatores exógenos ao território municipal, e que fazem com que haja relevante diversidade de funções das cidades periféricas, sejam elas produtivas ou de moradia, assumindo neste caso o papel de “cidade dormitório”, situação esta favorecida pela migração pendular intrametropolitana (HOGAN, 1990; MATOS, 2005; OJIMA et al, 2010; ZANDONADI, 2011). Assim, os processos de cre