UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências - Bauru Beatriz Gannam Efeitos do treinamento físico-cognitivo no desempenho dos atletas profissionais de eSports: atuação do profissional de Educação Física. Bauru 2022 1 Beatriz Gannam Efeitos do treinamento físico-cognitivo no desempenho dos atletas profissionais de eSports: atuação do profissional de Educação Física. Orientadora: Paula Fávaro Polastri Zago Bauru 2022 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Bauru, para obtenção do grau de Bacharelado em Educação Física. 2 Agradecimentos Antes de qualquer coisa, agradeço ao meu noivo Mauro por ter sido a principal fonte de inspiração para começar este estudo e me fazer interessar cada vez mais pelo cenário competitivo de jogos eletrônicos, mais especificamente no cenário competitivo de League of Legends. A minha orientadora, agradeço pela paciência e disposição por enfrentar esse desafio comigo, foi um tema novo para nós duas e trabalhar esse período de um ano com ela foi de extrema importância na minha formação acadêmica e pessoal. Leticia, Giovana e Maria Luiza, obrigada por serem meu colo nos momentos complicados e por me darem as forças necessárias para seguir em frente, sou eternamente grata; Para minha avó, você foi o principal motivo ao qual eu me mantive forte. Saravá a todo povo do Axé. 3 RESUMO A interação do ser humano com os computadores aumenta a cada ano, trazendo para os usuários cada vez mais imersão e troca de informações com a máquina. Alguns estudos têm apontado que jogadores de eSports são cada vez mais vistos como atletas. No entanto, pouco se sabe sobre o papel dos profissionais da área da saúde para auxiliar na manutenção da condição física e qualidade de vida destes jogadores. A presente revisão de literatura teve como objetivo geral examinar quais as necessidades de atletas de eSports no cuidado de suas funções físicas e cognitivas e se há e qual seria a atuação do profissional de Educação Física para melhorar as condições gerais destes jogadores. Para a execução desta revisão, foram selecionados artigos em revistas especializadas, entrevistas e materiais de diferentes bases de dados com palavras-chaves que abordaram treinamentos físico-cognitivos e características e necessidades deste público-alvo. Os resultados mostraram que, apesar da importância de manter a condição física do atleta de eSports, muito pouco está sendo investigado sobre a atuação do profissional de Educação Física neste meio. No entanto, alguns países já vêm adotando rotinas de treinamento para seus jogadores de eSports com obtenção de melhores resultados quando comparados a times de vários países sem suporte técnico multiprofissional. Conclui-se, portanto, que apesar de literatura escassa, é possível encontrar evidências de que a atuação de profissionais de Educação Física em conjunto com outras áreas poderia auxiliar em melhor preparação físico- cognitiva para atletas de eSports. Palavras-chave: eSports, atletas, treinamento físico-cognitivo, jogos eletrônicos. 4 ABSTRACT The interaction of human beings with computers increases every year, bringing users more and more immersion and exchange of information with the machine. Some studies have pointed out that eSports players are increasingly seen as athletes. However, little is known about the role of health professionals in helping to maintain the physical condition and quality of life of these players. The present literature review had as general objective to examine the needs of eSports athletes in the care of their physical and cognitive functions and if there is and what would be the role of the Physical Education professional to improve the general conditions of these players. To carry out this review, articles in specialized magazines, interviews and materials from different databases were selected with keywords that addressed physical-cognitive training and characteristics and needs of this target audience. The results showed that, despite the importance of maintaining the physical condition of the eSports athlete, very little is being investigated about the performance of the Physical Education professional in this environment. However, some countries have already adopted training routines for their e-sports players with better results when compared to teams from several countries without multi-professional technical support. It is concluded, therefore, that despite the scarce literature, it is possible to find evidence that the performance of Physical Education professionals in conjunction with other areas could help in better physical-cognitive preparation for eSports athletes. Keywords: eSports, athletes, Physical-cognitive training, electronic games. 5 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................6 2. METODOLOGIA ...................................................................................................7 3. O QUE SÃO OS ESPORTS? ................................................................................7 3.1. Principais jogos ............................................................................................9 3.2. O League of Legends .................................................................................10 4. RELAÇÃO ENTRE COLETIVO X DESEMPENHO COMPETITIVO ..................13 5. PREPARAÇÃO FÍSICO-COGNITIVA DE JOGADORES DE ESPORT ..............................................................................................................................14 5.1. Controle dos movimentos durante a prática de jogos eletrônicos ..............................................................................................................................16 5.2. Prática de exercício físico para a manutenção das funções motoras e cognitivas em atletas de eSport ......................................................................19 5.3 Os Exergames .............................................................................................22 6. ABORDAGENS DE EXERCÍCIO FÍSICO PARA ATLETAS DE E-SPORT: Atuação do profissional de Educação Física .................................................23 7. CONCLUSÕES ...................................................................................................25 8. REFERÊNCIAS ...................................................................................................27 6 1. Introdução A tecnologia dos computadores vem avançando cada vez a medida em que ocorrem os avanços de conexão com a internet. Aprendemos a nos comunicar, fazer pesquisas, trabalhar e também a nos entreter quando estamos em contato com essas máquinas e elas vêm se tornado cada vez mais comuns dentro das casas. Com o passar dos anos, a indústria do entretenimento foi aumentando e os jogos eletrônicos se tornaram algo extremamente comum nos dias de hoje. Esta popularidade acabou por culminar em campeonatos e competições nacionais e internacionais, além de promover a distração e o lazer. Os esportes eletrônicos, ou eSports, se caracterizam como a prática de jogos de vídeo game de maneira competitiva na qual as competições nacionais e internacionais, levam a transmissões ao vivo com audiências maiores do que os esportes tradicionais, tais como o Futebol (Lynch,2017). No entanto, não há ainda um consenso na literatura sobre esta ser uma modalidade de competição e seus jogadores atletas de jogos eletrônicos (Wagner, 2006; Zavertiaeva, 2015; Coates, Parshakov, 2016). Por esta razão, pouco se sabe ainda como é a preparação física- cognitiva de jogadores de eSports e se neste meio há a presença do profissional de Educação Física para atuar na melhora das condições destes jogadores. A presente revisão de literatura apresenta, inicialmente, a característica competitiva dos atletas de eSports e tem como principal objetivo apontar diferentes abordagens de treinamento físico-cognitivo para os atletas profissionais de eSports que vem sendo desenvolvidas em alguns países a fim de entender as necessidades destes jogadores e apontar como profissionais de Educação Física poderiam atuar ativamente na melhora do desempenho destes atletas em períodos de competição ou treinamento. Para a realização da revisão deste tema, foram selecionados artigos em revistas especializadas, entrevistas e materiais de diferentes bases de dados com palavras-chaves que abordaram treinamentos físico-cognitivos, características e necessidades deste público-alvo. É de interesse deste estudo, gerar maior engajamento de profissionais de Educação Física neste campo de atuação possibilitando a realização de pesquisas e produção de conhecimento nesta área. 7 2. Metodologia A princípio, para a realização dessa revisão de literatura foram pesquisados artigos científicos em revistas especializadas e outros materiais como Trabalhos de Conclusão de Curso (n=19) e entrevistas. Foram selecionados 19 trabalhos para esta revisão que abordavam a temática dos eSports como a prática esportiva e treinamento físico-cognitivo para esse público ou possíveis adaptações. Após feita a leitura completa, os trabalhos selecionados foram divididos em duas categorias: artigos relacionados aos jogos eletrônicos e eSport (n=12) e abordagens de treinamento físico-cognitivo para atletas de jogos eletrônicos (n=7). Foram utilizadas as bases de pesquisa Google Scholar, PubMed e Scielo para busca dos artigos científicos e bases de dados da UNESP para Trabalhos de Conclusão de Curso. Além disto, foram consultados sites oficiais de revistas conceituadas na área (n=7) para apoiar a revisão com entrevistas e informações sobre jogos eletrônicos, eSport e treinamentos e rotinas de atletas do ambiente eletrônico. Dentre os 19 trabalhos analisados, 12 se encontram publicados em língua inglesa e sete trabalhos em português. A presente revisão foi dividida em quatro tópicos: 1) Apresentação do eSports e do jogo League of Legends como referência para os jogos eletrônicos; 2) Relação do Coletivo e o Desempenho Competitivo dentro dos jogos eletrônicos; 3) Preparação físico-cognitiva de jogadores de eSport e por fim, 4) Outras abordagens de exercício físico para atletas de e-Sports: atuação do profissional de Educação Física. 3. O que são os eSports? Quando pensamos em atletas, esporte e rendimento, a imagem que nos remete é de um indivíduo ativo, com suas capacidades físicas aptas, muitas vezes forte, e que pratique algo que exija melhorias e desenvolvimento de seu corpo. No eSport, essa imagem é completamente desconstruída quando vemos jogadores que ficam horas sentados à frente de uma máquina. Com o avanço da tecnologia e a complexidade a qual os jogos eletrônicos dispõem o jogador, estudos têm mostrado que estes praticantes começam a desenvolver as mesmas capacidades com 8 relação ao tempo de respostas aos estímulos do jogo similar ao de atletas de esportes tradicionais, trazendo consigo a mudança do conceito de jogos eletrônicos apenas para recreação, e começando a trabalhar como um âmbito competitivo e de treinamento físico (Kendall,2011). Um dos primeiros movimentos competitivos nessa área dos jogos eletrônicos data de 19 de outubro de 1972, no Laboratório de Inteligência Artificial da Universidade de Stanford, onde cerca de vinte e quatro alunos participaram de um evento de jogos eletrônicos intitulado “Olimpíadas Intergalácticas de Spacewar” jogando o “Spacewar”, um jogo multiplayer, ou seja, com vários jogadores simultâneos. Porém, um dos torneios mais conhecidos foi o realizado quando a Atari organizou o evento “Space Invaders Championship” (1980) em diversas cidades trazendo um número de dez mil participantes para jogar “Space Invaders”. Desde então, a imagem dos jogos de computador e o comportamento de seus jogadores passaram a chamar a atenção. Um dos grandes debates acerca dos e-Sports é sobre defini-lo como um esporte. O significado da palavra esporte foi adaptada muitas vezes e, atualmente, ”esporte” é definida, pelo Oxford English Dictionary (n.d), como “Uma atividade que envolve o esforço físico e habilidades a qual um indivíduo ou equipe compete um contra o outro para entretenimento” (Parágrafo 1). Já na área do desenvolvimento humano, Barbanti (2006, p.57) define esporte como “Uma atividade competitiva institucionalizada que envolve esforço físico vigoroso ou o uso de habilidades motoras relativamente complexas, por indivíduos, cuja participação é motivada por uma combinação de fatores intrínsecos e extrínsecos.” Por fim, a Confederação Brasileira de eSports (CBeS) possui uma definição mais específica para dar significado à modalidade, sendo: “competições profissionais de games que ocorrem em uma plataforma digital, envolvendo dois ou mais competidores (sejam individuais ou equipes), em partidas online ou presenciais síncronas e montadas de forma a permitir o acompanhamento de uma audiência.” Atualmente, o Brasil conta com 74,4% de jogadores ativos, segundo mostra a 7ª edição da PGB – Pesquisa Gaming Brasil, feita em 2020. A pesquisa mostra que estes jogadores (gamers) são jovens-adultos com faixa etária entre 16 a 34 anos (66,1%). Interessantemente, desde 2016, a PGB nota um aumento do público feminino do Brasil neste mundo gamer, o que representa 53,8% dos jogadores. 9 Vale lembrar que com a chegada da internet e da banda larga, a limitação física e geográfica dos participantes para a realização desses eventos diminuiu e houve um grande aumento na quantidade de competições entre os anos de 2000 e 2010. Durante esse período, os principais campeonatos foram: o World Cyber Games, o Intel Extreme Masters e a Major League Gaming. É importante ressaltar a criação da G7 Teams ou Federação G7 no ano de 2007, uma associação profissional de equipes de eSport. Originalmente foi formada por sete equipes: 4king, Fnatic,Made in Brazil, Mousesports, Ninjas in Pyjamas, SK Gaming e a Team 3D, com o objetivo de melhorar ainda mais as conexões com clubes e impulsionar a influência do eSport mundial, além de discutir quais seriam os jogos oficiais com possíveis alterações dos regulamentos em ligas. A seguir serão abordados os mais populares jogos deste ambiente virtual e suas principais características. 3.1 Principais jogos Historicamente falando, não existia uma definição objetiva dos tipos de jogos que se encaixavam na descrição de Esporte Eletrônico (eSports). Porém, atualmente, existem três tipos de jogos que caracterizam e potencializam este mercado: jogos de luta, jogos de tiro em primeira pessoa (FPS) e os jogos de estratégia em tempo real (RTS). Além desses citados, existem outras categorias e jogos que englobam o cenário competitivo tendo uma categorização bem básica dos games, porém com uma grande variedade dentro das categorias. Abaixo estão apresentados os jogos englobados em cada categoria (Tabela 1-A e Tabela 1-B). Tabela 1.A - Jogos da categoria Esporte Eletrônico . 10 Tabela 1.B - Jogos que se encaixam na categoria Esporte Eletrônico. 11 Em especial, este trabalho irá apontar as características do jogo MOBA – League Of Legends, no que diz respeito à relação do coletivo do time com o desempenho dessas equipes durante as partidas e, também, como estes atletas lidam com preparação física fora do ambiente de jogo. 3.2 League Of Legends League of Legends (LOL) foi lançado no ano de 2009, pela Riot Games, uma empresa pequena que arriscou, em um período onde jogos online garantiam renda através de sua venda, lançar o LOL de forma gratuita para os computadores. É um dos jogos mais populares da história e um dos que mais cresce com o passar do tempo. Responsável também por ter o maior cenário de eSports, ostentando uma base de jogadores de mais de 67 milhões de usuários mensais e arrecadando mais de $1 bilhão de dólares em 2014 para a Riot Games (Tassi, 2014). Este jogo é caracterizado com um jogo de estratégia em que duas equipes de 5 jogadores se enfrentam e o objetivo é destruir a base inimiga (Nexus). O jogo conta, atualmente, com 155 campeões com estilos de jogos completamente diferentes, e com o surgimento de novos campeões todos os anos. Para exemplificar a complexidade do jogo e suas características, no jogo LOL há a disponibilidade de três mapas para jogar: Howling Abyss (ARAM), Team Fight Tactics (TFT) e Summoner 's Rift, sendo o último o mais popular e utilizado nas competições oficiais e amadoras do jogo. 12 Figura 1 – Foto ilustrativa de uma imagem do jogo Howling Abyss (ARAM).” Fonte: Riot Games Brasil Figura 2– Foto ilustrativa de uma imagem do jogo Team Fight Tactics (TFT). Fonte: Riot Games Brasil 13 Figura 3– Foto ilustrativa de uma imagem do jogo Summoner's Rift. Fonte: Riot Games Brasil Como citado anteriormente, o último mapa apresentado é o utilizado nas competições oficiais do jogo. De maneira geral, neste mapa, dez jogadores competem em dois times de cinco (5x5) com personagens diferentes. As partidas duram de 20 a 50 minutos e cada participante tem sua posição e rota de jogo pré- definidas sendo: Top Lane (Topo), Jungle (Selva), Middle Lane (Meio) e Bottom Lane (Inferior) as rotas e como posição: Top Laner, Jungler, Mid Laner, Atirador e Suporte. O Mid e o Top são rotas disputadas em modo solo, 1x1 já a Bottom Lane é disputada 2x2 (Atirador e Suporte jogam juntos). O Jungler além de captar recursos na sua selva também transita pelas outras rotas convertendo os recursos captados para o time como um todo. Figura 4. Mapa de Summoner’s Rift com rotas especificadas (file: Map of The MOBA). https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=29443207) https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=29443207 14 Com o crescimento de seu público e, principalmente, o crescimento perante o cenário competitivo, sua visibilidade tem aumentado cada vez mais, o que tem chamado a atenção de pesquisadores no sentido de entender a relação destes atletas com o coletivo de seu time e as necessidades destes indivíduos para um bom desempenho no cenário competitivo dos jogos eletrônicos, em especial no jogo LOL. 4. Relação entre o Coletivo e o Desempenho Competitivo É possível encontrar na literatura artigos que mostram o desempenho da equipe de jogadores de eSports como um todo, ou em um jogo específico como o LOL. Em esportes coletivos, sejam eles reais ou virtuais, quando os jogadores se sobressaem nos treinamentos é, muitas vezes, um fator determinante para um bom resultado durante o período de competições. Em seu estudo, Mora-Cantallops e Ángel-Sicília (2019) testaram três hipóteses para entender a coletividade entre os atletas de jogos eletrônicos. Os autores obtiveram informações sobre 7.582 partidas disputadas por 244 times e analisaram a performance da equipe pelo número total de “ouros” obtidos pela equipe durante o campeonato. Como as partidas não tem um tempo de duração fixo, o ouro é dividido por tempo – ouro por minuto (Bertran e Chamorro, 2016). O estudo confirmou a hipótese de que o aumento na intensidade de assistências entre os jogadores durante a partida gera um aumento na captação de escores que resultam no “ouro” para a equipe em comparação à quando ocorre centralização em apenas alguns jogadores gerando um impacto negativo na partida. Em outro estudo, Matuszewski e colaboradores (2020) mostraram que os traços de personalidade dos jogadores, que são: neuroticismo, extroversão, abertura, amabilidade e consciência, tem uma relação com à coletividade e desempenho no jogo e foram aspectos decisivos para bons resultados durante as partidas. Já Costa e McCrae (1989) analisaram os traços de personalidade de 206 jogadores (18 mulheres e 188 homens), com idade entre 18 e 27 anos, que foram divididos com relação ao seu perfil de desempenho (Inferior ou Superior) nos jogos. Em discordância ao estudo anterior, os resultados mostraram que não houve relação entre o perfil dos jogadores e os resultados no jogo. No entanto, os autores atribuíram estes resultados ao fato de que os jogadores analisados eram 15 competidores amadores e que esta relação, possivelmente, estaria presente em competidores de nível profissional que demonstram capacidades de organização e níveis mais elevados de estresse e preocupação no jogo, que poderiam ter sido detectados por meio do questionário de perfil aplicado. Considerando a área de desempenho esportivo, o fator de coletividade entre os jogadores e os traços individuais da personalidade dos mesmos são aspectos importantes para alcance de bom desempenho no time (Mora-Cantallop, Sicilia, 2022). Este mesmo conceito pode ser aplicado para indivíduos que competem em jogos eletrônicos, já que treinos em equipes levam à um melhor entrosamento da equipe dentro e fora do jogo (Mora-Cantallop; Sicilia, 2022). Neste sentido, preparadores físicos e profissionais da área de saúde têm sido requisitados por atletas de eSports para prescrição de treinamentos e preparação física, coletiva e individual, para melhorar o desempenho dos jogadores tanto no âmbito do jogo quanto na aquisição de hábitos mais saudáveis e menos sedentários. Apesar da literatura ainda se mostrar bastante escassa quanto ao engajamento dos jogadores de jogos eletrônicos a programas de exercício físico com profissional especializado e o tipo de treinamento desenvolvido, é possível identificar que o profissional de Educação Física pode ter um papel fundamental neste meio. Sendo assim, a seguir será abordado como se dá a preparação física de atletas do eSports, fora do ambiente de jogo, e os tipos de treinamento aplicados a estes indivíduos. 5. Preparação físico-cognitiva de jogadores de eSports Como ponto de partida, durante as buscas nas bases de dados foi observada uma grande escassez de informações sobre treinamentos, individuais ou coletivos, com jogadores de jogos eletrônicos fora do ambiente do jogo. Porém, buscas em sites especializados nesta área apontaram relatos de jogadores e comissões técnicas sobre os resultados da efetiva implantação de treinamentos físicos e cognitivos, de forma coletiva ou individual, em alguns times de ligas nacionais e internacionais. Percebe-se, pelo relato de atletas e treinadores que a preparação física/cognitiva associada aos jogos eletrônicos vêm ganhando espaço entre os jogadores e está atrelada a melhores desempenhos nos jogos. 16 De acordo com os relatos encontrados, no início do cenário competitivo brasileiro de LOL, as equipes se mantinham no modelo de Game House, sendo que os jogadores treinavam e moravam no mesmo espaço. Além de ser totalmente inadequado, estes jogadores não recebiam qualquer apoio psicológico e, muito menos, algum tipo de acompanhamento para atividades físicas fora do jogo, levando uma vida completamente sedentária. O avanço da popularidade destes jogos e a exigência de melhores desempenhos nos campeonatos trouxe a necessidade da implantação de métodos específicos de apoio físico e psicológico para todos os jogadores da organização tendo como base, exemplos de jogadores com experiências bem sucedidas em ligas internacionais, como a League of Legends European Championship (LEC). Assim, atualmente, a maioria das organizações do eSports trabalham com o modelo de Game Office, no qual os jogadores moram em suas próprias casas e vão para o escritório da equipe para os treinamentos e campeonatos, onde contam com apoio do psicólogo, técnico, analista de jogo e, em alguns casos, do preparador físico e fisioterapeuta durante um determinado período. Em média, este período varia de oito a nove horas por dia, podendo ser até mais se a equipe estiver em momentos decisivos do campeonato. Muitas vezes, cabe ao jogador manter o engajamento nestas atividades físicas proposta quando se encontra fora do jogo. Apesar de ainda ser pouco disseminado, o trabalho do profissional de saúde, em especial, do profissional de Educação Física, junto ao jogador do eSports é muito importante e vem ganhando espaço. Sem um acompanhamento físico, com o passar do tempo, os jogadores passam a apresentar uma série de lesões e problemas de saúde. Segundo o Médico do Hospital das Clínicas de São Paulo, Felipe Hardt, jogadores de League of Legends tendem a ter lesões assimétricas, já que o movimento das mãos é desigual pois uma executa os comandos do jogo no teclado e outra no mouse. Para evitar esses tipos de lesões é sugerido a realização de alongamentos antes do início dos treinos, bem como nas pausas entre um jogo e outro. Além disto, levantar da cadeira e realizar uma breve caminhada para evitar dores relacionadas a problemas articulares e posturais, também, são métodos adotados por preparadores físicos e fisioterapeutas (Hardt, 2019). 17 A literatura (na sua maioria, entrevistas em revistas de entretenimento) mostra que alguns jogadores além de fazer o acompanhamento com sua equipe, fazem atividades físicas extras, que visam treinar alguns atributos exigidos no jogo. Felipe Noronha ‘YoDa’, ex-jogador profissional de League of Legends, relatou que além do trabalho realizado dentro do escritório de suas equipes, o mesmo fazia prática regular de natação há mais de sete anos. Muitos treinadores atribuíam a energia apresentada por ele nos jogos virtuais à prática dos exercícios físicos regulares (Noronha, 2019). No cenário internacional, algumas equipes têm apostado na contratação de profissionais na área da saúde para seus jogadores de eSports. Por exemplo, a equipe dinamarquesa que compete na LEC (League of Legends Europe Championship), em 2019, fez a contratação de Kasper Hvidt, antigo capitão da seleção dinamarquesa de handebol masculino para o cargo de diretor de esportes. Este profissional instituiu uma rotina de prática de exercícios, além de uma alimentação saudável e boa rotina de sono para a equipe de jogadores. Foi criada uma equipe com preparador físico, psicólogo do esporte, massagista, médico e nutricionista. Com isto, houve uma importante mudança de rotina na vida dos jogadores, dentre as quais: o uso regular de bicicleta no deslocamento para o local de treino e aulas de condicionamento físico e ioga. Em adição, foram estabelecidos treinos com exercícios de fortalecimento da articulação do punho com faixas elásticas, exercícios de flexão e extensão dos dedos, além de exercícios posturais, sendo o preparador físico destes atletas, o renomado Mikkel Hjuler – profissional atuante com atletas olímpicos. Além da preparação física, aspectos comportamentais e cognitivos envolvidos no treinamento de jogadores de eSports têm sido atualmente investigados e, portanto, serão abordados a seguir. 5.1. Controle dos movimentos durante a prática de jogos eletrônicos: Integração entre componentes sensoriais e motores. Além de todos os benefícios físicos que a prática de exercícios fora do ambiente de jogo pode trazer ao jogador, não podemos deixar de lado o fato de que 18 estes atletas também utilizam muito de seus recursos cognitivos para executar, de forma precisa, as ações motoras requeridas em jogo (Alves, 2005). Em especial, no eSports, temos um processo cíclico de linguagem durante o jogo e, também, de construções de novas sinapses a partir de uma linguagem que é apresentada por meio da máquina (Maturana, 2001). Alves (2005) sugere que crianças, adolescentes e adultos se beneficiam quando interagem com os jogos eletrônicos, tendo em vista que podem descobrir novas formas de conhecimento, que hoje ocorrem por meio da simulação de novos mundos com regras que se reorganizam constantemente. Além destes aspectos, são observadas alterações físicas nos praticantes de jogos eletrônicos, profissionais ou amadores, quando agindo dentro da linguagem do jogo. Por exemplo, em jogadores profissionais ocorre variação dos batimentos cardíacos que está associada a liberação de adrenalina no sangue quando o jogador experiencia situações de medo dentro do jogo (Pellanda 2009, p. 89). Portanto, assim como em situações de aprendizagem e treinamento, durante jogos eletrônicos há muitas situações de estímulo e resposta, quando os jogadores reagem rapidamente às situações do ambiente virtual fazendo com que o cérebro seja constantemente desafiado, o que resulta em ações cada vez mais complexas (Pellanda, 2009) Assim como as atividades físicas, os jogos eletrônicos demandam uma complexa interação entre sistemas eferentes (por exemplo, sistema musculoesquelético) e aferentes (por exemplo, sistemas sensoriais – visual, somatossensorial, vestibular, auditivo, etc.), funções dos centros superiores (por exemplo, córtex cerebral) e inferiores (por exemplo, medula espinhal) do sistema nervoso. Entender e explorar a integração de funções específicas de determinadas estruturas do sistema nervoso central decorrente da prática dos jogos eletrônicos é fundamental para entender o controle preciso de movimentos finos, principalmente das partes distais dos membros superiores, o controle ocular no momento da partida, o foco atencional do jogador, utilização da memória, a importância da aprendizagem e dos aspectos comportamentais e motivacionais, bem como os mecanismos de controle motor em geral (Guyton,2008). Estão listados abaixo, áreas do sistema nervoso, suas funções e como elas se aplicam à execução dos movimentos, inclusive, na área dos eSports e o por que 19 seria interessante buscar pela prática de exercícios físicos para estimular tais mecanismos e, consequentemente, alcançar melhores resultados nos jogos. Córtex e tronco cerebral: responsável pelo controle generalizado nas ações voluntárias, envolvendo ora padrões de funções nas áreas neurais inferiores (envolvendo centros motores), ora conexões praticamente diretas com neurônios motores anteriores da medula, fundamentalmente para o controle de movimentos finos, que exigem grande precisão e destreza, como é o caso de funções necessárias para praticantes de eSports. É o caso do trato córtico-espinhal, que une o córtex cerebral aos neurônios motores da medula, com controle inibitório e excitatórios das porções distais dos membros superiores (movimento independente dos dedos). O córtex motor primário apresenta grande relevância através de sua organização somatotrópica, na qual mais da metade do córtex motor primário está relacionado ao controle dos músculos da mão e da fala. Não obstante, a área pré- motora auxilia no controle de movimentos por dicas externas, controlando também padrões musculares complexos de atividades coordenadas, como a posição dos membros e sua precisão. Ainda na área pré-motora, existe uma região denominada área para habilidades manuais. E a área motora suplementar auxilia a atividade em questão através do aprendizado de movimentos (necessidade de atenção), age juntamente com o córtex motor primário auxiliando no planejamento da ação, no controle de movimentos não automatizados e na postura necessária para realização da ação principal (Guyton,2008). Tronco encefálico: este apresenta função primordial de estabilização e manutenção postural durante a posição sentada presente em todas as partidas dos jogos eletrônicos (no caso de partidas oficiais em campeonatos de League of Legends, podem ser cinco partidas de 20 a 50 minutos cada), exigindo bom controle postural bem como o controle dos movimentos oculares. Tais funções são exercidas através da ação dos Núcleos Pontinos e Reticular Bulbares, e também pelos núcleos vestibulares que modula a ação excitatória e inibitória dos dois núcleos citados anteriormente (Guyton,2008). Cerebelo e núcleos da base: estas estruturas apresentam íntima integração com as estruturas supracitadas (córtex cerebral e trato cortico-espinhal). O cerebelo auxilia no envio de feedbacks sobre as ações realizadas, informações sobre planejamento, 20 envolvidos na aprendizagem, outro fator de fundamental importância nos jogos eletrônicos para a organização de jogadas específicas ensaiadas bem como possíveis respostas para eventos adversos aos esperados. E os núcleos da base trabalham com uma complexa relação entre aferências (vias sensoriais) e eferências (vias motoras) do córtex motor (através do tálamo), podendo utilizar informações de memórias internas, outro fator fundamental na prática dessa atividade em questão. De acordo com GUYTON (2008), os núcleos da base atuam juntamente com os impulsos provenientes das vias córtico-espinhais para controlar padrões complexos de atividade motora, cuja capacidade é fortemente exigida nos jogos eletrônicos (habilidade motora). Em suma, assim como em outros movimentos complexos, várias áreas cerebrais e estruturas sub-corticais participam do controle dos movimentos durante a execução de jogos de e-Sports e necessitam de atenção e treinamento para um melhor desempenho. A seguir, serão abordadas práticas e treinamentos personalizados para jogadores de eSports. 5.2. Prática de exercício físico para a manutenção das funções motoras e cognitivas em atletas de eSport. Sabe-se que o exercício físico tem um efeito positivo no funcionamento cognitivo. Vaynman et al. (2004) apontou que o exercício aeróbio eleva os níveis de BDNF (Brain derived neurotrophic fator) que é uma neurotrofina encontrada em grandes concentrações no hipocampo e córtex cerebral, sendo considerada molécula-chave na manutenção da plasticidade sináptica e na sobrevivência das células neuronais, sendo essa plasticidade dependente da intensidade do exercício. Foi demonstrado que o exercício físico também afeta os sistemas de neurotransmissores (Lista, Sorrentino, 2010) bem como a prática pode aumentar o fornecimento de oxigênio e nutrientes para o cérebro, melhorando as funções cerebrais. Herold et. al. (2018) apontou em seu estudo de revisão que incorporar exercícios físicos com componentes de atividades cognitivas visando trabalhar ambos de forma simultânea é um aspecto benéfico para o desempenho de movimentos complexos. Fissler et al. (2013) e Bamidis et al. (2014) sugeriram que 21 os exercícios cognitivos orientam as mudanças neuroplásticas e o exercício físico vem como um agente facilitador para o acontecimento desses processos. De forma mais clara, é apresentado no estudo de Herold et al., 2018 uma estrutura de “facilitação de plasticidade guiada” mostrando a relação dessa combinação de exercícios cognitivos e exercícios físicos. Figura 5: Ilustração esquemática da Estrutura de Facilitação de Plasticidade Guiada. Figura adaptada do texto “Progress in Computer Gamming and Esports: Neurocognitive and Motor Perspectives” de Herold et al.2018. Neste estudo, a combinação de exercícios físicos-cognitivos teve efeitos sinérgicos positivos. Esses efeitos veem dos “efeitos de facilitação” e dos efeitos de orientação” dos exercícios (Figura 5). Os efeitos de facilitação são desencadeados através de mecanismos neurofisiológicos promovendo a neuroplasticidade (Fissler et al., 2013), tendo um aumento na liberação de fatores neurotróficos, como o BNDF (Knaepen et al., 2010). Como o BNDF está associado a neurogênese, pode 22 promover assim uma melhora na cognição (Cotman et al., 2007). Com base na literatura, sabemos que há um aumento dos níveis de BDNF 60 minutos após o interrompimento de uma sessão aguda de exercícios (Knaepen et al., 2010; Piepmeier e Etnier, 2015; Dinoff et al., 2017). Considerando além das melhorias específicas nos âmbitos físicos e cognitivos, a prática regular de exercício físico pode auxiliar na melhora de outros sistemas, como o sistema cardiovascular com exercícios aeróbios, sistema músculo esquelético com exercícios de força muscular, além de auxiliar nas habilidades de coordenação motora e manutenção do equilíbrio (Ciolac e Rodrigues-da-Silva, 2016). Diferentes tipos de treinamento físico-cognitivo têm sido aplicados em jogadores de e-Sports (Herold et al., 2018; Tait et al., 2017). Dentre eles, Herold et al. (2018) apresenta duas abordagens específicas: o Treinamento Motor-Cognitivo sequencial/subsequente e o Treinamento Motor-Cognitivo simultâneo. a) Treinamento Motor-Cognitivo Sequencial/Subsequente Neste modelo de intervenção, o treinamento motor e o treinamento cognitivo são realizados de forma separada, seja no mesmo dia em sessões diferentes ou em dias separados de treino. Não exige uma ordem correta para a execução dos treinos. (Tait et al., 2017). Ex: Andar de bicicleta por 20km e em seguida resolver um teste de aritmética. b) Treinamento Motor-Cognitivo Simultâneo ou Treinamento Motor Cognitivo de dupla tarefa Neste modelo de intervenção, o treino físico é feito na mesma sessão de treinos de tarefas cognitivas (Lauenroth et al., 2016). Este treinamento, ainda, pode se classificar pelas demandas cognitivas exigidas nas tarefas, sendo: - Treinamento motor-cognitivo com tarefas cognitivas adicionais: o treinamento com tarefa adicional tem uma abordagem semelhante as abordagens “clássicas” de dupla tarefa, onde a tarefa secundária pode ser usada como uma distração para o componente motor, não sendo um pré-requisito relevante para completar a tarefa 23 cognitiva motora (Schott,2015). Ex: caminhar e resolver uma tarefa aritmética ou pensar enquanto se move. - Treinamento motor-cognitivo em tarefas cognitivas incorporadas: quando a tarefa cognitiva é incorporada ao componente motor, ela se torna extremamente relevante para se obter um resultado de sucesso em tarefas motoras-cognitivas. Ex: executar uma coreografia previamente ensaiada em um espetáculo de dança. Para Herold et. al (2018), combinar tarefas cognitivas e tarefas motoras é mais benéfico em termos de estabilização dos efeitos da neuroplasticidade do que simplesmente usar o componente cognitivo como um agente distrator sendo esta proposta mais próxima das situações da vida diária. 5.3 Exergames Uma abordagem muito utilizada para treinamentos em jogadores de e-Sports é o uso de Exergames. Martin-Niedecken e Schattin (2020) sugeriram que a combinação de exercícios físicos-cognitivos com a utilização de exergames ou Jogos de Realidade Virtual seria uma forma de treinamento inovadora e eficiente para os jogadores de eSports. Exergames são jogos que “combinam o videogame e a atividade física, permitindo que a ludicidade e a fascinação envolvidas nos games seja aproveitada para realização de exercício físico (Lam et al., 2011)”. A plataforma utilizada para jogar deve possuir um sensor de movimento, podendo fazer com que o jogador tenha que interagir fisicamente para executar a ação no jogo. Atualmente, as plataformas mais usadas são Nintendo Wii, Sony Move ou o Microsoft Kinect do Xbox. A tecnologia dos jogos de realidade virtual permite ao usuário a sensação de teletransporte a diferentes ambientes através da utilização de óculos e headsets que transmitem efeitos visuais e sonoros para total imersão à experiência. A realidade virtual funciona a partir das informações recebidas dos órgãos sensoriais e enviadas ao cérebro (visão, audição e tato) que processa e interpreta criando a compreensão e percepção do ambiente ao redor (Bohil et al., 2011). Os exergames são jogos conhecidos por combinar componentes lúdicos e tarefas desafiadoras tanto físicas - fazendo os praticantes executarem saltos, 24 agachamentos e deslocamentos laterais - quanto tarefas cognitivas, fornecendo assim um treinamento em domínio duplo. Quando falamos do cognitivo, estes jogos trazem opções de treino de funções como: inibição e flexibilidade, funções de atenção (seletiva e dividida) por meio dos estímulos multissensoriais. Permitem adaptações em tempo real ao praticante quando se fala do campo cognitivo e é desafiador contemplando as individualidades de cada jogador. Os exergames podem servir como uma ferramenta de avaliação de desempenho de habilidades dos jogadores de eSports, porém deve se prestar atenção, pois nem todo jogo de Realidade Virtual pode ser utilizado como uma ferramenta de treino para estes atletas. Para que haja benefício são necessários jogos que contemplem as necessidades específicas de treino de cada indivíduo. Atualmente, alguns exergames reúnem vários dos requisitos mencionados para um treinamento de um atleta de eSport. Nestes jogos podem ser executados treinamentos funcionais de corpo inteiro, de moderada à alta intensidade. Estes jogos em ambiente virtual requerem não só habilidades motoras-cognitivas finas, mas também certos níveis de esforço físico. Na Figura 6 são apresentados alguns exemplos de exergames: (A) Echo Arena, (B) Beat Saber (C) Hado AR, (D) Icarace e (E) ExerCube. Figura 6: Tecnologias de realidade aumentada, virtual e mista. 25 6. Outras abordagens de exercício físico para atletas de eSports: atuação do profissional de Educação Física Como mencionado, sabe-se que o exercício físico pode gerar melhorias na atenção, memória de longo prazo, aprendizagem e habilidades de aquisição de habilidades motoras, por exemplo, após o exercício agudo (Chang Y. et al., 2012; Etnier JL. et al., 2016; Winter B., 2007; Statton MA., 2015; Cheng S.T., 2016; Heiz et al., 2017). Toth et al (2020) constatou em seu estudo de revisão o importante papel do exercício físico na melhora das habilidades cognitivas necessárias para atletas de e-Sports. Porém os autores observaram que este é um assunto que não recebe tanta atenção. Neste sentido, profissionais de Educação Física poderiam contribuir com o treinamento específico de atletas do eSports. Conhecimento de como a cognição poderia ser afetada pelo tipo de exercício - aeróbio ou anaeróbio, dinâmico ou estático, bloqueado ou variado – passa a ser essencial para se trabalhar com estes jogadores. Por exemplo, Pontifex et al. (2009) indicaram que o exercício aeróbio agudo melhora de forma significativa o tempo de reação durante uma tarefa de memória de trabalho. No entanto, esses efeitos já não são apresentados após exercícios de resistência. Em particular, Toth et al., (2020) revisaram estudos que destacaram habilidades cognitivas consideradas importantes para os atletas de eSports e o efeito de diferentes tipos de exercícios para cada habilidade. Dezessete dos 26 estudos que contaram com 1.185 participantes (média = 45,6, DP = 44,7), com idade média de 22,89 anos (DP = 2,74) concluíram que o exercício melhora a atenção dos jogadores. O efeito positivo na atenção estava associado à prática de exercícios aeróbicos (70,59%). O tempo médio de exercícios aeróbios aplicados para melhora da atenção foi de 10 a 187 minutos a cada sessão. Outros estudos apontaram que uma única sessão de exercícios aeróbios, de 10 a 60 minutos, variando a intensidade de baixa à alta, alcançou resultados positivos também para a memória destes jogadores. Toth et al. (2010) afirmaram que exercícios aeróbios contribuem em 75% na capacidade de memória dos atletas de eSports. Em adição, foi observado que o processamento de informações melhora significativamente após sessões agudas de exercícios aeróbios com duração de 10 a 35 minutos. Legrand et al. (2018) mostraram que 30 minutos de exercício aeróbio 26 (e.g. corrida) melhoram o desempenho dos jogadores em tarefas de troca de precisão por velocidade (Lei de Fitts). A partir destes resultados, Toth et al., (2020) sugerem que os exercícios aeróbios melhoram as capacidades cognitivas de jogadores de e-Sports, sendo a atenção em 65%, a memória em 28% e o processamento de informações em 37%. Os autores acrescentam ainda que atividades mais intensas são mais benéficas para tarefas de ação complexa do que atividades menos intensas, podendo-se também implementar a execução de exercícios de coordenação. Embora a maioria dos estudos revisados tenham examinado o efeito do exercício aeróbio como ferramenta para a melhora da função cognitiva, alguns outros investigaram exercícios de resistência, intervenções de sessão única (20 minutos) ou sessões múltiplas (seis vezes de 12 a 24 minutos) e concluíram que os mesmos também auxiliam em um melhor desempenho na função cognitiva (Toth et al., 2020). 7. Conclusões A partir de todas as informações lidas e coletadas pelos estudos apresentados nesta revisão, podemos concluir que os jogadores de jogos eletrônicos desempenham muitas funções similares à atletas de modalidades esportivas tradicionais e, portanto, merecem atenção no que diz respeito à prática de exercício físico na melhora do desempenho físico-cognitivo-motor, principalmente, daqueles que se envolvem no âmbito competitivo. Muito se questiona ainda sobre esses indivíduos serem considerados atletas ou não. Porém, os estudos revisados trazem evidências que estes jogadores apresentam necessidades específicas que exigem de seus corpos assim como os atletas comuns. Deste modo, é possível ver a necessidade da inserção maior de profissionais de Educação Física neste meio e de pensar em abordagens de treinamento para que haja uma manutenção do desempenho físico-cognitivo-motor desses atletas. Assim, tanto o componente físico, advindos a prática de atividade física quanto o componente cognitivo devem ser trabalhados devido sua alta demanda em partidas. Lembrando que estes jogos e as interações entre o jogador e a máquina/jogo dependem de ações e plasticidades neurofisiológicas que geram 27 ações de estímulo e resposta. Assim, deve-se complementar os treinamentos físicos com tarefas cognitivas e exercícios que promovam melhora e manutenção de componentes específicos da prática de jogos online. O principal objetivo desta revisão foi demonstrar a necessidade da inserção de profissionais da área da saúde na preparação de jogadores para treinamento e competição em jogos eletrônicos e produzir conhecimento que possa auxiliar profissionais de Educação Física a atuar com estes tipos de jogadores/atletas. Implantar a prática de exercícios físicos no cotidiano desses atletas, alcançar bons resultados em ligas competitivas dentro e fora do país e, futuramente, abrir portas para a implementação oficial da presença de um profissional de Educação Física junto a equipes competitivas de eSports, sejam amadoras ou profissionais, pode valorizar o trabalho do profissional de Educação Física e trazer novas áreas de atuação. 28 REFERÊNCIAS ALVES, Lynn Rosalina G. Game over: Jogos eletrônicos e violência. Programa de pós-graduação em Educação, Universidade Federal da Bahia, p. 1-121, 2004. 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