UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PROFESSORES-FORMADORES EM GRUPOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA: POSSIBILIDADES E LIMITES DA PROFISSIONALIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO CLAYTON JOSÉ BUDIN Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação. Outubro - 2014 CLAYTON JOSÉ BUDIN PROFESSORES-FORMADORES EM GRUPOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA: POSSIBILIDADES E LIMITES DA PROFISSIONALIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO Orientadora: Prof.ª Dr.ª Flavia Medeiros Sarti Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação. Rio Claro - SP, Brasil 2014 Budin, Clayton José Professores-formadores em Grupos de Formação Continuada : possibilidades e limites da profissionalização do magistério / Clayton José Budin. - Rio Claro, 2014 189 f. : il., figs., quadros Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Flavia Medeiros Sarti 1. Professores - Formação. 2. Formação continuada de professores. 3. Profissionalização docente. I. Título. 370.71 B927p Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP Dedico este trabalho especialmente para Minha amada família, pelo carinho e apoio de sempre. Com muito amor e gratidão! Agradecimentos À Prof.ª Dr.ª Flavia Medeiros Sarti pela atenção despendida à minha orientação, pelo incentivo e pelas valiosas palavras dedicadas a esse trabalho. À Prof.ª Dr.ª Maria Antonia Ramos de Azevedo e a Prof.ª Dr.ª Isabel Melero Bello, pelas valiosas sugestões oferecidas na qualificação. Aos amigos do grupo do Projeto de Pesquisa CNPq intitulado “Os professores no campo da formação docente e a profissionalização do magistério” – coordenado por minha orientadora; e do grupo “Mercado de formação docente: constituição, funcionamento e dispositivos”, coordenado pelas professoras doutoras Denise Trento Rebello de Souza e Flavia Medeiros Sarti, pelas contribuições, sugestões e socialização de conhecimentos sempre muito prazerosos. Aos profissionais da SME – Coordenadora Setorial de Formação e Assessor Técnico de Currículo, e a todos os professores-formadores que se dispuseram a colaborar com essa investigação por meio das entrevistas. Aos professores do mestrado em Educação da Unesp de Rio Claro, que contribuíram para essa caminhada desde o início, com minha eterna admiração. Ao meu querido pai, mesmo que ausente em corpo, mas presente em pensamento. À minha mãe “Berna”, pelo exemplo de trabalho e perseverança, meu orgulho, meu porto seguro, pelo carinho e força de sempre. Aos meus irmãos Clóvis Henrique e Elisangela pelos momentos de alegria, descontração e palavras de carinho, Ao meu amado sobrinho e afilhado Henrique, pelo carinho. Ao meu grande amigo Leandro, pela atenção, dedicação e estímulo. À minha amiga Fabiana, pela amizade e atenção despendida a correção desse trabalho. Aos todos os amigos de Campinas, Bariri, minha “família” da Unesp de Presidente Prudente, e de Rio Claro, em especial minha companheira de trabalho e orientação Simone. Obrigado a todos vocês pela cumplicidade, amizade e momentos de incentivo, concentração e descontração. A todos os meus familiares que torceram muito por mim, nesse trabalho tão especial. À Deus, pela oportunidade, força e perseverança. Enfim, a todos que contribuíram e que estiveram ao meu lado, sempre me apoiando na fase de realização desse trabalho, minha mais profunda gratidão! RESUMO A presente pesquisa focaliza o papel e o lugar que os professores de Educação Básica têm desempenhado na formação continuada docente. Elege como referencial empírico os “Grupos de Formação” (GF) de uma rede municipal de ensino, no qual professores da educação básica exercem o papel de formadores de seus pares. A pesquisa estrutura-se em torno de três eixos principais: - o movimento de profissionalização dos professores; - o mercado de formação docente; - o lugar do professor no processo de profissionalização do magistério. Teve em vista, assim, compreender o modo como tal proposta formativa (os GF) se insere e se relaciona com a configuração atual do mercado de formação de professores. Dois procedimentos foram essenciais para a pesquisa: a análise documental e a coleta de dados por meio de entrevistas. As análises realizadas sugerem que os GF pressupõem uma valorização dos professores diretamente envolvidos no trabalho nas escolas da rede municipal de ensino, posto que os colocam em uma posição ativa na formação de seus pares, como professores- formadores. Concluímos que diversas ações são desempenhadas pelo professor- formador no sentido de ocupar um papel ativo na formação de seus pares, pois essa figura se insinua em várias iniciativas, de modo que o professor passa a ter um papel protagonista e ocupar um lugar de destaque na formação docente. Palavras-chave: Formação continuada de professores. Profissionalização docente. Professor-formador ABSTRACT This research focuses on the role and the place that teachers of Basic Education have played in the continuing education of teachers. Chooses as the empirical reference "Training Groups" (GF) of a municipal school system in which basic education teachers play the role of trainers of their peers. The research is structured around three main axes: - the move towards professionalism of teachers; - The market for teacher training; - The place of the teacher in the professionalization of the teaching process. Had in mind, so understanding how such training proposal (GF) fits and relates to the current configuration of the teacher training market. Two procedures were essential for research: a documentary analysis and collecting data through interviews. The analyzes suggest that GF presuppose a value of teachers directly involved in working in schools in the municipal schools, since it puts them in an active position in the training of their peers, as teacher-trainers. We conclude that different actions are performed by the teacher- trainer in order to take an active role in educating their peers, as this figure is suggested in a number of initiatives, so that the teacher is given a starring role and occupy a prominent place in teacher training. Keywords: Continuing education for teachers. Teacher professionalization. Teacher- trainer LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANDES - Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação ANPAE – Associação Nacional de Política e Administração da Educação ANPEd - A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação BM – Banco Mundial CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEDES - Centros de Estudos Educação e Sociedade CEFAPRO - Centros de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica CEFORTEPE - Centro de Formação e Pesquisa Educacional – “Prof. Milton de Almeida Santos” CONAE - Conferência Nacional de Educação Consed – Conselho Nacional de Secretários da Educação CSF – Coordenadoria Setorial de Formação DEPE – Departamento Pedagógico ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino FUMEC – Fundação Municipal para Educação Comunitária FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IES – Instituição de Ensino Superior INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira GF – Grupo de Formação GT – Grupo de Trabalho LDB – Lei de Diretrizes e Bases LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência Proinfo - Programa Nacional de Tecnologia Educativa REDE – Rede Nacional de Formação Continuada de professores da Educação Básica SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica SEDUT-MT - Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso SEB – Secretaria de Educação Básica SME – Secretaria Municipal de Educação UNDIME - União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESP - Universidade Estadual Paulista UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas LISTA DE QUADROS E FIGURAS Quadro 01: Modalidade de formação continuada 34 Quadro 02: Prioridades para a formação e profissionalização docente – UNESCO 2007. 68 Quadro 03: Os formadores entrevistados 81 Quadro 04: Dia da semana do GF por componente curricular 95 Quadro 05: Tempos pedagógicos em jornada integral de trabalho 100 Quadro 06: Jornada de trabalho do professor-formador 102 Quadro 07: Critérios para a seleção dos professores-formadores 104 Figura 01: Estrutura organizacional de subordinação da formação continuada na rede municipal 75 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 11 1. INTRODUÇÃO 1.1. Os Grupos de Formação: uma modalidade formativa diferenciada 14 26 2. DISCUTINDO AS MODALIDADES E PRÁTICAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO BRASIL. 3. O MOVIMENTO DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOS PROFESSORES: UM DEBATE SOBRE A IMPORTÂNCIA DESTE PROCESSO NA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA PROFISSÃO DOCENTE. 3.1. Os elementos da profissionalização docente 3.2. O conhecimento profissional docente – a produção dos saberes da profissão 3.3. Formação e valorização do professor: caminhos da profissionalização docente 29 42 43 56 60 4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: OS PASSOS DA PESQUISA. 4.1 Analisando os dados: trilhando o caminho... 70 83 5. POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DE FORMAÇÃO CONTINUADA: A CRIAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DOS GRUPOS DE FORMAÇÃO. 6. OS PROFESSORES-FORMADORES DO GF: CARACTERÍSTICAS E PAPÉIS DESTA FUNÇÃO. 86 108 CONSIDERAÇÕES FINAIS: discutindo as possibilidades e os limites do trabalho do professor-formador no campo da formação continuada docente. 161 REFERÊNCIAS ANEXO 01: Organização e Estrutura da formação continuada na SME ANEXO 02: Roteiros das entrevistas 169 183 185 11 APRESENTAÇÃO Atuo como professor de Geografia há seis anos. Trabalho nas redes de ensino municipais de Valinhos e de Campinas, ambas no interior de São Paulo. Graduado pela Unesp, campus de Presidente Prudente, sou hoje mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação pela Instituto de Biociências da Unesp, campus de Rio Claro - SP. Minha linha de pesquisa é “Formação de professores e trabalho docente”, e o estudo que desenvolvo focaliza modalidades e políticas públicas de formação continuada de professores. Nessa perspectiva, venho buscando, junto com minha orientadora Prof.ª Dr.ª Flávia Medeiro Sarti, investigar o papel desempenhado pelos professores de educação básica na formação docente. Esta investigação insere-se em duas pesquisas mais amplas financiadas pelo CNPq e que integraram o projeto Temático FAPESP "Programas Especiais de Formação de Professores, Educação a Distância e Escolarização: pesquisas sobre novos modelos de formação em serviço". A primeira pesquisa intitula-se “Os professores no campo da formação docente e a profissionalização do magistério” – coordenado por minha orientadora; e a segunda pesquisa é coordenada pela professora Denise Trento, da FEUSP, e tem por título “Mercado de formação docente: constituição, funcionamento, possibilidades e limites”. Para a pesquisa sobre o papel dos professores de Educação Básica na formação docente, elegemos como referencial empírico os denominados "Grupos de Formação", reconhecidos como espaços coletivos de formação continuada em uma rede de ensino municipal do Estado de São Paulo. A ideia de investigar o papel do professor como formador surgiu a partir da minha experiência vivenciada no interior do Grupo de Formação de Geografia, onde tínhamos como formadora uma colega da rede, que além de sua função de coordenar as atividades do grupo também lecionava em uma das escolas da rede municipal. Esse fato me chamou a atenção. A professora-formadora sempre nos incentivava a participar da construção dos temas para o debate, a discussão e a elaboração de propostas de trabalho para o desenvolvimento do grupo. Além 12 disso, pensávamos coletivamente em propostas de trabalho a serem realizados com os alunos, em nossas respectivas unidades escolares, ou seja, percebíamos a intenção em desenvolver atividades que alinhassem as discussões do grupo com a prática em sala de aula. Participei no Grupo de Formação (GF), nos anos de 2011 e 2012, quando tínhamos como principal atividade a discussão das Diretrizes Curriculares Municipais que haviam sido criadas em 2010. Deveríamos discutir e analisar como se daria sua implementação naquela rede de ensino. O GF funcionava da seguinte forma: nos reuníamos no espaço chamado Centro de Formação e Pesquisa Educacional “Prof, Milton de Almeida Santos” - Cefortepe, todas as quintas-feiras no período vespertino. Os encontros de formação eram esperados ansiosamente por mim, pois como eu havia ingressado há pouco tempo na rede municipal, percebia no Grupo uma oportunidade para conhecer outras experiências do município e compreender como os professores mais experientes lidavam com as dificuldades da sala de aula. Posso dizer que o GF me formava em diversos aspectos: nas questões pedagógicas em como trabalhar com os alunos; na questão burocrática, por exemplo, em como elaborar um documento referente aos saberes dos alunos (parte de nossas atribuições naquela rede); e quanto aos relacionamentos interpessoais com os membros da gestão da escola. Oferecia-me até mesmo suporte emocional, pois, nos primeiros momentos dos encontros falávamos sobre nossos problemas e dificuldades da semana, atuando como uma “terapia grupal”. Recebi também uma formação política muito significativa. Um bom exemplo sobre esse aspecto foi o debate, a discussão e o posicionamento do grupo de professores participantes do GF com relação ao movimento grevista no ano de 2011. Por meio das discussões no interior do grupo, nós decidimos nos manifestar por melhores condições de trabalho, paralisando nossas atividades nas escolas. A partir dessa decisão coletiva, nós levamos o debate para as nossas respectivas escolas. Outros momentos especiais marcaram a união dos professores participantes do grupo, quando pudemos estreitar laços de amizade e companheirismo que extrapolaram o espaço físico do GF. Gostaria de destacar 13 três momentos: a participação do grupo em dois eventos relacionados à Geografia: o VII Encontro Nacional de Ensino de Geografia: Fala professor, realizado em Juiz de Fora - MG, e no XVII Encontro Nacional de Geógrafos - ENG, em Belo Horizonte – MG. Nesses eventos pudemos apresentar trabalhos relativos à própria dinâmica do grupo, indicando qualidades dessa proposta formativa e explicando o trabalho desenvolvido pelos professores de Geografia na rede municipal. Além disso, apresentamos o trabalho que elaboramos coletivamente que foi desenvolvido com os alunos a respeito da Lei 10639/03. O mesmo foi preparado e organizado por meio de atividades didáticas desenvolvidas com os alunos do 6° ao 9° ano do ensino fundamental, e que tivemos boa repercussão em nossas escolas. O terceiro momento corresponde ao ano de 2012, quando, com apoio da Assessoria de Currículo da rede municipal, podemos realizar o I Congresso Intermunicipal de Ensino de Geografia – I Ciege. As dificuldades para organizar esse evento foram grandes devido à inexistência do Grupo de Formação no primeiro semestre de 2012, mas, diante de um convite do assessor de currículo, os professores participantes do GF no ano anterior se comprometeram em realizar o congresso. O intuito em realizar essa apresentação consiste em contextualizar o tema pesquisado, mas também indicar algumas características do Grupo de Formação de Geografia, que contribuíram para minha formação pessoal e profissional, e, portanto, me instigou a pesquisá-lo. Diante desse cenário, ressalto que tive grande dificuldade na elaboração da redação deste trabalho, de forma a evitar que o entusiasmo do professor se sobrepusesse ao trabalho rigoroso do pesquisador. Nessa tensão entre o professor e o pesquisador se desenvolveu esta pesquisa. 14 1. INTRODUÇÃO Para compreender as mudanças ocorridas na educação brasileira nos últimos anos, é necessário o entendimento do contexto das mudanças tecnológicas, políticas e sociais que marcaram o mundo pós-década de 1990, posto que o Brasil não ficou alheio a essas transformações. Em nosso país, passado o período de redemocratização pós-Ditadura Militar (1964 a 1985), inicia-se um processo de reestruturação política e econômica. Desse modo, os anos de 1990 marcam alterações importantes no cenário político brasileiro, acompanhadas por inovações trazidas pela globalização (na conjuntura de determinações do Banco Mundial e iniciativas e acordos internacionais pela ONU), principalmente por meio de políticas neoliberais (MELO, 1999; DOURADO, 2002; MAUÉS, 2003; SALLES & FIDÉLLIS, 2006; CASTRO, 2007; SILVA & ABREU, 2008; GATTI, 2010). A Educação é um dos setores sociais que também passou (e ainda passa) por diversas transformações. Assim sendo, houve a expansão do acesso à escolarização básica, iniciada nos anos 1970 e significativamente impulsionada nos anos 1990 (CASTRO, 2007). No entanto, o Brasil vem enfrentando dificuldades no que se refere à qualidade do ensino oferecido nas escolas, tendo em vista os baixos níveis de desempenho dos alunos brasileiros, no caso do ensino fundamental e médio (CUNHA, 2005). Assim, a escola não tem conseguido cumprir adequadamente sua tarefa de promover as aprendizagens esperadas. Resta, então, à sociedade brasileira, arcar com altos índices de fracasso escolar. Dessa forma, a preocupação de organismos internacionais e das políticas de Estado no Brasil assume contornos pragmáticos, voltando-se para a promoção de mudanças na educação que têm como finalidade melhorar a formação dos trabalhadores para o mercado de trabalho, por meio da formação oferecida aos alunos (MAUÉS, 2003; SALLES & FIDÉLIS, 2006). Diante deste cenário, a preocupação que tem marcado as políticas públicas educacionais no Brasil, nos últimos 20 anos (principalmente pós LDB/1996), é melhorar a qualidade da educação pública por meio da melhoria 15 na formação de professores (FREITAS, 1999, 2002, 2003, 2007; GATTI, 2008). Os professores têm sido responsabilizados (ou culpabilizados) pelo baixo desempenho de aprendizagem dos alunos, sendo a formação inicial considerada insuficiente ou incapaz de formar adequadamente os professores. Desse modo, o “argumento da incompetência” dos professores se faz presente, sustentando discursos que apregoam a necessidade da formação continuada docente para sanar as deficiências e defasagens da formação inicial (SOUZA, 2006). Neste contexto, a formação dos professores tem sido considerada uma das vias mais diretas para promover as melhorias na educação. No entanto, como insistiu tantas vezes Azanha (1995), as transformações centradas no professor não bastam para mudar as práticas escolares, havendo necessidade de mudanças mais amplas, envolvendo toda a estrutura educacional. No entanto, o discurso que impera apregoa que, mudando o professor e sua formação, teremos, certamente, mudanças (para melhor) na aprendizagem dos alunos. Portanto, o que se considera é que se deve investir na formação docente como solução (única) dos problemas educacionais. Nesse sentido, diversas políticas têm sido desenvolvidas no Brasil, tanto na esfera federal, quanto em estados e municípios, por meio do investimento na formação docente (MELO, 1999; SOUZA, 2006; GATTI, 2011) Desse modo, o presente trabalho focaliza o mercado de formação docente, principalmente o que se refere à formação continuada desenvolvida para os professores nos últimos anos. Nessa direção, o objetivo central dessa pesquisa é identificar as possibilidades do papel e o lugar que os professores de Educação Básica têm desempenhado na formação docente. Para isso, tomamos como referencial empírico uma proposta de formação continuada docente de uma rede municipal de ensino do estado de São Paulo, na qual professores da educação básica exercem o papel de formadores de seus pares por meio dos denominados “Grupos de Formação por Componente Curricular”. Tem-se em vista, assim, descrever, analisar e ponderar o modo como tal proposta formativa se insere e se relaciona com a configuração atual do mercado de formação de professores, destacando a figura do professor- formador. 16 Sendo assim, nos intrigam e instigam algumas questões relativas ao papel desempenhado pelos professores-formadores: Quem são os formadores de professores? O que fazem? Que conhecimentos possuem para tal atividade? Qual a formação desses profissionais? O que esses professores possuem que os distingue dos demais colegas? Qual o papel que eles desempenham na formação de seus pares? Enfim, buscaremos discutir estas e outras questões pertinentes ao trabalho do professor-formador. Muitas pesquisas caminham no sentido da devida valorização e atenção que deve ser dada à formação docente, (GATTI, 2008, 2010, 2011; NÓVOA, 1992, 1999; ZEICHNER, 2000). Diante desse contexto, a formação dos professores apresenta-se como via necessária e urgente para tentar promover as melhorias na educação. Mas, Nóvoa (1992) alerta que, para o bom desempenho do trabalho do professor, são necessárias duas condições básicas (e não somente uma), quais sejam: 1ª - Estabilidade profissional - clima de segurança e de continuidade, conjugado com margens de mobilidade como fator de incentivo e inovação; 2ª - Formação de pessoal - articulada com o projeto educativo da escola; formação-ação e investigação-ação que deem uma contribuição efetiva para a melhoria das escolas. Desse modo, não basta apenas o investimento na formação docente, mas em todo o aparato que envolve a Educação em sua forma mais ampla, desde questões pedagógicas às questões políticas. Nesse sentido, Cunha (2005) também aponta as transformações necessárias para melhorias na Educação, pois, segundo o autor Esse quadro que se configura na educação básica requer investimentos substanciais para sua transformação, que devem se destinar tanto à melhoria dos recursos materiais das creches e escolas de formação dos profissionais, dos quais depende a educação brasileira, como também para implementação de programas de formação continuada dos docentes em exercício, haja vista, que a formação de professores destaca-se como uma questão crucial e, sem dúvida, uma das mais importantes dentre as políticas públicas para a educação, pois os desafios colocados à escola exigem do trabalho educativo outra resposta à sociedade, muito superior à que está sendo dada hoje (CUNHA, 2005, p.4). 17 Dada a importância da formação docente estabelecida pelo grande número de políticas públicas, de pesquisas acadêmicas, e pela própria reinvindicação profissional dos professores, isto nos leva a pensar sobre qual modelo de formação tem sido oferecida (ou imposta) aos professores nos últimos anos. Seriam essas práticas formativas de qualidade para refletirem no processo de ensino/aprendizagem? Que modelo ou prática de formação seria mais viável para dotar os professores com as capacidades necessárias ao desempenho do seu trabalho? Que papel tem sido dado aos professores na elaboração das políticas educacionais, ou mesmo, na ação formativa dos novos professores e dos professores já atuantes? Segundo Nóvoa (2009), a formação de professores deve estar marcada por um princípio de responsabilidade social, favorecendo a comunicação pública e a participação profissional no espaço público da educação. Diante disso, destacamos a autoridade do professor diante da responsabilidade na formação de cidadãos reflexivos e críticos, uma vez que o objetivo da educação é possibilitar o conhecimento e estabelecer relações com a sociedade e o meio em que vivem. Sendo assim, destaca-se a relevância da formação de professores em sua fase inicial e, posteriormente, em uma formação continuada com a ação dos professores como profissionais reflexivos e críticos. Parece, então, importante lembrar da advertência feita por Paulo Freire (1996): ensinar não é uma tarefa fácil e simplesmente executável, pois ela exige rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, sendo estes alguns exemplos das diversas exigências e atribuições do professor. De acordo com Salles (2004), as estratégias de formação continuada devem ser aquelas realizadas em serviço, e espera-se que os professores constituam-se como sujeitos do próprio processo de produção do conhecimento e de sua formação, de modo que haja a valorização dos saberes da prática docente. Nesse sentido, como ressalta Nunes (2001), a formação do professor deve basear-se em sua valorização, ocorrendo de forma articulada aos saberes desses docentes, suas práticas pedagógicas e experiências acumuladas ao longo dos anos no trabalho docente. Considerando que essas práticas não se 18 desvinculam das teorias por eles apreendidas, que lhes permitem teorizar seu trabalho. Dessa forma, resgata a importância de se considerar o professor em sua própria formação, num processo de auto- formação, de reelaboração dos saberes iniciais em confronto com sua prática vivenciada. Assim seus saberes vão-se constituindo a partir de uma reflexão na e sobre a prática. Essa tendência reflexiva vem-se apresentando como um novo paradigma na formação de professores, sedimentando uma política de desenvolvimento pessoal e profissional dos professores e das instituições escolares (NUNES, 2001, p. 30). Em uma entrevista à revista “Formação Pedagógica” (2000), o professor Zeichner aponta que “os professores não são apenas pessoas que têm uma prática, no sentido restrito, mas pessoas que produzem conhecimento sobre educação e que influenciam políticas” (p.11). O autor fala do contexto estadunidense, mas que se faz presente também no caso brasileiro, afinal, como demonstram pesquisas de Cunha (2005) e Nunes (2001), os professores pouco têm sido ouvidos (ou ouve-se apenas o que é conveniente ao Estado) na implementação de políticas educacionais. A formação docente deve favorecer uma aproximação reflexiva com a prática docente, como forma de reconstrução permanente de uma identidade pessoal e profissional em interação mútua com a cultura escolar, com sujeitos do processo e com os conhecimentos acumulados pela experiência de cada um sobre a área da educação, ou seja, o trabalho do professor-reflexivo que se afina com o que fora proposto por Donald Schön. De acordo com Pimenta (2002), o americano Doland Schön, em sua obra The Reflective Practitioner: How professionals think in action (O profissional reflexivo, 1983) Propõe uma formação profissional baseada na epistemologia da prática, ou seja, na valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimento, através da reflexão, análise e problematização desta, e o reconhecimento do conhecimento tácito, presente nas soluções que os profissionais encontram em ato (PIMENTA, 2002, p. 19). 19 O conhecimento tácito é aquele que o indivíduo adquiriu ao longo da vida, pela experiência, difícil de ser compreendido por outros, pois se trata mais de um conhecimento subjetivo, próprio do ser, do que objetivo, capaz de ser aprendido por outros. Esse conhecimento é produzido pelos profissionais no seu ato de trabalho cotidiano. O mesmo se dá com os professores, que acumulam os conhecimentos no seu trabalho em sala de aula. Assim, os professores são “chamados a desenvolver vários níveis de reflexão que transcendem a prática educacional normal. Os profissionais terão de aprender a refletir sobre suas próprias teorias tácitas” (SCHÖN, 2000, p. 237). Porém, esse conhecimento tácito é insuficiente para transformações na prática, daí a necessidade de outros momentos de reflexão. Com base em Schön, Pimenta (2002, p. 19) aponta que “esse conhecimento não é suficiente. Frente a situações novas que extrapolam a rotina, os profissionais criam, constroem novas soluções, novos caminhos, o que se dá por um processo de reflexão na ação”. A partir desse momento de reflexão na ação, o trabalhador estabelece um acúmulo de conhecimentos práticos, por ele vivenciados. No entanto, esses conhecimentos ainda não são suficientes para a resolução de problemas que fogem da sua rotina, daí a necessidade que Schön aponta que é “uma busca, uma análise, uma contextualização, possíveis explicações, uma compreensão de suas origens, uma problematização, um diálogo com outras perspectivas” (Pimenta, 2002, p. 19). Esse movimento de parar e refletir sobre sua ação, prevendo novas situações de dilemas e embates no seu trabalho, é que o profissional é capaz de realizar o que Schön denomina de reflexão sobre a reflexão na ação (PIMENTA, 2002). Os professores seriam encorajados a refletir sobre as formas pelas as quais eles concebem sua própria prática de ensino em um ambiente que pode, muitas vezes, ser hostil à reflexão-na- ação, para que pudessem observar e explicar como outros professores e administradores comportam-se no sistema da escola. Eles seriam ajudados a imaginar e a fazer experimentos com intervenções destinadas a ampliar suas liberdades, dentro da escola, de usar novas abordagens de ensino e 20 aprendizagem. Seriam, ainda, encorajados a pensar em adaptar-se ou conviver com a vida da escola como sendo um componente de sua prática igual, em importância, ao seu trabalho com as crianças (SCHÖN, 2000, p. 235). Portanto, pensamos que o professor tem de refletir sobre suas próprias ações nas suas práticas pedagógicas, a fim de aperfeiçoar o que ‘deu certo’ e refletir, repensar e reagir sobre o que ‘deu errado’ na sua ação de ensino/aprendizagem (ação-reflexão-ação). Tal reflexão é possível por meio de um trabalho sistemático de teorização de suas práticas, pois, segundo Schön (2000), um profissional reflexivo deve estar atento aos acontecimentos padrões, sendo capaz de “descrever o que observa, e a propor modelos ousados” (p.234). De acordo com Imbernon (2011), a formação docente deve ter como base “uma reflexão dos sujeitos sobre sua prática docente, de modo a permitir que examinem suas teorias implícitas, seus esquemas de funcionamento, suas atitudes” (p. 51), que lhes permita, por meio da reflexão, fazer uma auto avaliação sobre seu trabalho e, principalmente, fazer uma proposta de ação crítica às intervenções na educação (IMBERNON, 2011). Seguindo esta ideia, Nunes (2001) nos aponta que a concepção da formação de professores que se tinha foi revista e substituída por uma nova abordagem, “enfatizando a temática do saber docente e a busca de uma base de conhecimento para os professores, considerando os saberes da experiência” (Nunes, 2001, p. 38). Portanto, verifica-se nesse processo de reconhecimento dos saberes docentes, a articulação da teoria com a prática, podendo contribuir na formação do professor de forma contínua e coletiva, utilizando a prática pedagógica como instância de problematização, significação e exploração dos conteúdos da formação teórica (NUNES, 2001). Estudos como estes têm destacado a importância do desenvolvimento de pesquisas, em nossa realidade, que busquem identificar e analisar os saberes docentes numa perspectiva de contribuir para a ampliação do campo e para a implementação de políticas que envolvam a questão da formação do professor, a partir da ótica dos próprios sujeitos envolvidos (NUNES, 2001, p. 31) (grifos nossos). 21 A tradicional separação entre formação de professores e a prática docente, assim como a ideia de que os professores são meros implementadores de projetos pensados por outros e não produtores de conhecimento, está sendo repensada. É preciso superar a visão historicamente dominante do professor como mero técnico e executor de práticas educativas (ZEICHNER, 2000). Desse modo, o exercício profissional do professor se baseia no desenvolvimento profissional por meio da formação inicial e continuada, onde a reflexão sobre sua prática aparece como algo primordial e não apenas complementar, sendo necessário o espaço de trocas de experiências e saberes entre os professores. De acordo com Zeichner (2000), a Formação de Professores “não recebe a importância devida para que se façam as coisas que precisam ser feitas, que podem ser feitas” (p.14). O autor aponta que este não é só um problema de governo ou de políticas, mas também não há espaço para fazer o que deve ser feito. Embora, nos últimos anos, no Brasil, houvesse uma considerável quantidade de políticas formativas (GATTI, 2008), as mesmas não têm sido suficientes para atender às necessidades dos professores (GATTI, 2010). Assim sendo, a formação do professor (inicial e continuada) e a valorização deste profissional são pressupostos essenciais para o anseio de alcançar a qualidade na educação e a superação dos problemas da aprendizagem. Além das questões pertinentes à formação do professor, observa-se no discurso educacional atual uma ênfase na necessidade de buscar a profissionalização do professor, um conceito chave para a atuação categórica deste profissional, que não tem vivido uma real valorização de seu trabalho. Diversos autores internacionais têm debatido a questão da profissionalização docente como um processo via ao fortalecimento da identidade do professor como um profissional (ALTET, PASQUAY, PERRENOUD, 2003). No Brasil, também se verifica a importância dada a esse processo de profissionalização desde a promulgação da Lei 9394/1996, chamada Nova-LDB, que dispõe sobre a formação e o trabalho docente (GATTI, 2008). Richter e Garcia (2006) advogam que a profissionalização docente é condição necessária para uma prática respeitável do professor, destacando que 22 a “preocupação em demonstrar a necessidade fática dessa profissionalização, para o professor e para a sociedade, passa pela instância do papel de um novo professor: um profissional emancipado” (p. 1). Desse modo, segundo os autores, entendemos: Profissionalização do professor como princípio de mudanças estruturais no próprio Estado, dado que a sua emancipação, num processo de interação dialética com o social, tanto é importante para o profissional que passará a ocupar um espaço sistemicamente delimitado como, ao mesmo tempo, adquire um caráter de essencialidade para a sociedade que terá definida as competências de um profissional que intervém no processo de formação dessa sociedade (RICHTER & GARCIA, 2006, p. 1). Ainda de acordo com os mesmos autores, os docentes necessitam da sistematização de suas atividades, da regulamentação sobre suas funções, o que os distingue das outras classes profissionais. Além disso, “o processo identitário de classes pressupõe uma organização sistêmica onde o Direito (e a sua produção simbólica) possui um papel decisivo” (RICHTER & GARCIA, 2006, p. 5) para a identidade docente. O processo de profissionalização docente será abordado de forma mais sistemática no terceiro capítulo dessa dissertação. No que diz respeito à formação do professor, passa por ela também, a questão da identidade profissional adquirida por este trabalhador, de modo que a luta por seus interesses seja algo sistêmico e consoante às suas condições de trabalho. Essa luta pressupõe a superação da percepção do ensino como doação ou caridade, representação que interfere nas discussões sobre os direitos e deveres de formação e atuação profissional dos professores. Nessa direção, Cunha (2005) nos aponta que o desenvolvimento profissional dos professores envolve a formação inicial e continuada, sendo que a segunda ocorre com o professor no exercício de suas atividades. Porém, segundo o autor, o modelo convencional de formação continuada dos professores vem sendo bastante questionado nos últimos anos, por ser considerado ineficaz à qualificação e avanços do trabalho docente. A discussão 23 das modalidades mais comuns de formação continuada atualmente em curso será realizada no capítulo 2. Tendo em vista o cenário discursivo acima exposto, essa pesquisa orientou-se por meio de três eixos principais: - o mercado de formação docente: a investigação sobre as tendências, modalidades e dinâmicas na formação continuada de professores; - o movimento de profissionalização dos professores: um questionamento sobre a importância deste processo de constitucionalização e valorização da profissão docente; - o lugar do professor no processo de profissionalização do magistério: de modo a enfatizar a relevância dos saberes dos professores e identificar a sua representação e seu papel na formação docente. Deste modo, a presente pesquisa focaliza aspectos relativos ao funcionamento do mercado formativo dirigido aos professores (Nóvoa, 1999; Maués, 2003; Souza e Sarti, 2009, 2014) que se encontra aportado, sobretudo, em trocas simbólicas que dinamicamente constituem o campo educacional (BOURDIEU, 2005). Segundo Souza e Sarti (2014) o mercado formativo de professores se configura como um mercado de bens simbólicos que são “produzidos, disputados e consumidos e, no qual, atos econômicos são transfigurados em atos simbólicos, legitimados por aqueles que detêm capitais considerados mais valiosos no campo educacional” (p. 96). Dessa forma, quem detém maior poder simbólico sendo mais valioso no campo da formação é o responsável por ela (Universidade), e quem possui o menor poder (professores), consome essa formação como forma de legitimar sua atuação profissional. O campo da formação docente tem se apresentado como um grande filão econômico em meio à abundância de políticas e programas de formação continuada, tendo em vista as políticas, programas e discursos para sanar as deficiências da formação inicial e/ou capacitar os professores em exercício por meio da formação continuada. 24 Desse modo, os professores são o alvo de uma produção mercadológica designada ao consumo dos produtos ofertados pelos programas e modelos de formação continuada, por meio de cursos (de especialização, aprimoramento, aperfeiçoamento, reciclagem, entres outros), palestras, eventos, materiais pedagógicos e outros instrumentos e dispositivos afins, produzidos pelas Universidades públicas e privadas, por Editoras, consultorias e sistemas de ensino. Ao mesmo tempo se tornam produtos para os agentes formadores, que “vendem” a necessidade da formação desses professores às Secretarias de Educação, por meio de seus programas de formação continuada (SOUZA e SARTI, 2014). O mercado formativo é aquecido por meio do fomento à formação continuada e novos dispositivos educacionais que, segundo Souza e Sarti (2014) Essas estratégias têm como objetivo central melhorar a competência profissional dos (das) professores (as), tomando como pressuposto a inadequação ou insuficiência da formação inicial. Esta se tornou uma prática sistemática desenvolvida pelas Secretarias de Educação enquanto estratégia básica de melhorar a qualidade do ensino e lidar com o fracasso da educação pública (SOUZA & SARTI, 2014, p. 101). No entanto, tal mercado tem sido alvo de críticas contundentes, pois, segundo Nóvoa (2011), a maioria dos programas de formação é de pouca utilidade para os professores, visto que, de maneira geral, são cursos generalistas voltados para o professor enquanto indivíduo, apenas como uma ‘atualização’ profissional, de maneira que não têm contemplado práticas baseadas no trabalho docente coletivo ou condizentes com a realidade escolar de cada professor. Críticas como as realizadas por Zeichner (2000), Cunha (2005), Nunes (2001) e Salles (2004), e apontadas aqui sobre a formação continuada tradicionalmente oferecida aos professores nos instigam a conhecer experiências alternativas a esse respeito. De acordo com Zeichner (2000), o desenvolvimento e implementação de políticas públicas educacionais que enfoque a formação do professor é 25 necessário e urgente. Nesse mesmo sentido, Nóvoa (2011) afirma que ações mais efetivas de formação de professores são aquelas organizadas pelos próprios docentes, por meio de um trabalho coletivo, com partilha e diálogo a respeito de suas práticas. Embora os autores falem de contextos diferenciados, Estados Unidos e Portugal, respectivamente, a mesma leitura pode ser feita no contexto brasileiro. Desse modo, há a necessidade de pensarmos a questão do lugar que os professores vêm ocupando na formação docente, uma vez que, nos modelos atuais de formação, os próprios docentes têm tido um lugar menor, ficando em segundo (ou terceiro) plano acerca de sua formação. A esse respeito, Sarti (2012) propõe uma forma de análise do cenário atual da formação dos professores por meio de um esquema de triangulação, que a autora denomina como triângulo da formação docente. Cada um dos três vértices desse triângulo é ocupado por agentes específicos: professores de Educação Básica; Universidades (especialistas formadores de professores); e o poder público (Estado como provedor e regulador das políticas de formação docente). Segundo Souza e Sarti (2013) Destaca-se o papel assumido pela universidade no mercado de formação docente, no âmbito do qual ela desempenha funções cada vez mais centrais, tendo em vista a elevação dos níveis de formação docente e a sofisticação teórica dos discursos a ela vinculados (p. 100). Nesse modelo de formação, um “estreitamento das relações entre poder público e universidade para a formação docente revela-se, por exemplo, nos programas especiais de formação de professores em serviço” (SARTI, 2012, p. 330). Ou seja, verifica-se um maior destaque e proximidade entre os vértices do triângulo composto pelo Estado e pela Universidade: o primeiro criando as políticas formativas de professores, e o segundo, fornecendo o conhecimento e legitimando a formação direta aos professores (certificação), havendo muitas vezes, uma parceria entre Estado e Universidade na oferta da formação, 26 cabendo aos professores de carreira uma participação mais tímida, de inércia no âmbito da formação docente. Diante do exposto, destacamos a importância em pesquisar modelos de formação que se diferenciem dos convencionais, buscando propostas que focalizam os professores como protagonistas na formação de seus pares, para que, dessa forma, estes possam assumir uma posição de destaque na formação continuada e serem também formadores. 1.1. Os Grupos de Formação: uma modalidade formativa diferenciada Faz-se necessária uma breve apresentação e contextualização dos GFs, de modo que as características da modalidade formativa ocorrida no interior no GF, bem como a atuação do professor-formador e dos demais professores serão analisadas no capítulo 6 deste trabalho. Os “Grupos de Formação” são uma iniciativa formativa que apontam para uma valorização dos professores diretamente envolvidos no trabalho nas escolas da rede municipal de ensino. Esses grupos apresentam características de uma formação continuada em serviço já que, segundo o documento da SME/FUMEC n°02/2012, os objetivos propostos referem-se à melhoria na capacitação dos professores, na possibilidade de trocas de experiências entre os mesmos, na possibilidade de discussões teóricas sobre a educação e sobre os conteúdos disciplinares. Os documentos a respeito do projeto enfatizam a importância da relação entre teoria e prática, entendida como via de considerar e valorizar os saberes dos professores e dos educandos para contribuir para o ensino/aprendizagem. O Grupo de Formação (GF) de professores tem como membros participantes um professor-formador pertencente ao quadro efetivo de professores municipais, e professores de cada componente curricular que desejam compartilhar dos encontros de formação. O professor que almeja participar do grupo deve ter, em seu horário de trabalho, resguardado as horas para tal atividade sendo que, desta forma, não estaria na escola e sim reunido com o grupo. 27 Como esclarece a resolução SME/FUMEC n°02/2012, os GFs funcionam em horários preestabelecidos, em um determinado dia da semana. A atividade é remunerada correspondente a quatro horas/aulas. Durante as reuniões semanais do grupo, espera-se que sejam realizadas reflexões e discussões acerca dos dilemas e das dificuldades da prática pedagógica e da problemática da educação, através da troca de experiências. Além disso, propor ações de trabalho e atuação didático-pedagógica, com temas e conteúdos de aula, metodologias, trabalhos interdisciplinares, além de incentivar a discussão além do grupo, levando para o ambiente escolar de cada professor. Ressaltamos o trabalho do professor realizado no interior desses grupos, como formador de seus pares, de modo que essa proposta formativa distingue- se das modalidades mais convencionais de formação continuada docente, com as quais tivemos contato pela literatura pesquisada. Esses Grupos de Formação (GFs) mostram-se interessantes à medida que professores da rede de ensino são os coordenadores das atividades nele desenvolvidas, assumindo, assim, a responsabilidade pela formação de seus colegas. Diante dessa proposta formativa, os Grupos de Formação mostram-se como uma modalidade de formação continuada diferenciada, presente no mercado de formação para professores. Ressaltamos como principal diferencial o fato de colocar em uma posição mais ativa e privilegiada os professores de educação básica na formação de seus pares. Para apresentação e sistematização dos dados da pesquisa, o trabalho segue estruturado em duas partes, além da introdução e das considerações finais. A primeira parte do trabalho, referente à discussão dos conceitos e temas da pesquisa, está dividida em dois capítulos: o primeiro – Discutindo modalidades e práticas de formação continuada de professores no Brasil; e o segundo – O movimento de Profissionalização dos Professores. A segunda parte do trabalho, referente à análise dos dados da pesquisa, se divide em três capítulos: o terceiro capítulo aborda os procedimentos metodológicos – os passos da pesquisa; o quarto capítulo trata das políticas públicas municipais de formação continuada – a criação e o desenvolvimento dos Grupos de Formação por Componente Curricular; e o quinto capítulo trata da análise das entrevistas 28 realizadas pelo pesquisador, com os professores-formadores, e com os responsáveis pela seleção desses professores, intitulado “Os professores- formadores dos GFs: características e papéis desta função”. E por fim, as considerações finais: discutindo possibilidades e limites do trabalho do professor-formador na formação continuada docente. 29 2. DISCUTINDO AS MODALIDADES E PRÁTICAS DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO BRASIL. Podemos definir o termo formação como um processo de aprendizagem que “requer compreender as múltiplas relações dos diversos conhecimentos nas dimensões ideológicas, políticas, sociais, epistemológicas, filosóficas e/ou da área específica do conhecimento que se quer aprender” (ALVARADO-PRADA, FREITAS e FREITAS, 2010, p. 369). A formação dos sujeitos ocorre no âmbito de constituir-se em todos os sentidos relativos à formação humana, e ainda, a vida social, por meio das aprendizagens diversas que ele realiza na interação com o contexto em que vive. Todas essas aprendizagens competem para a constituição de sua atuação como profissional. A formação, como um caminho de diversas possibilidades, permite às pessoas que o transitam desenvolver-se, construir as relações que as levam a compreender continuamente seus próprios conhecimentos e os dos outros e associar tudo isso com suas trajetórias de experiências pessoais. Assim, a formação docente é uma contínua caminhada dos profissionais da educação, em cujo caminhar atuam todas as suas dimensões individuais e coletivas de caráter histórico, biopsicossocial, político, cultural, próprias de seres integrais e autores de sua própria formação (ALVARADO-PRADA, FREITAS e FREITAS, 2010, p. 370). Quando falamos especificamente da formação de professores, nos remetemos a um grupo de pessoas que iniciaram sua formação para atuação em seu campo de trabalho desde a idade escolar, ou seja, desde o momento em que eram estudantes. Porém, o início de fato de sua profissionalização se dá quando essas pessoas, ao ingressarem na universidade, irão adquirir conhecimentos e uma titulação que lhes possibilitarão e permitirão desenvolver suas atividades laborais como professores. Neste sentido, a formação de um profissional constitui-se como um processo que se inicia mesmo antes da formação inicial e prossegue ao longo da sua atuação profissional, portanto, revelando-se como um processo em 30 movimento. A ideia de que a formação ocorre ao longo da vida vem ganhando destaque nos últimos tempos e vem se impondo como um paradigma para a formação profissional e, neste sentido, também para a formação de professores (SARTI, 2013). Para privilegiar a discussão sobre os aspectos e características da formação continuada docente, iremos nos ater às modalidades e práticas mais comuns no Brasil. Nos últimos anos, têm surgido diversos cursos e programas de formação continuada docente em diversas instituições no Brasil (ALVARADO- PRADA, 2007; GATTI, 2008). Essas modalidades de formação – cursos de capacitação, reciclagem, aprimoramento, aperfeiçoamento ou especialização – a cada momento histórico, recebiam uma denominação no intuito de promover algo que faltava aos professores na formação inicial e que, considerava-se, gerava a ineficácia em seu trabalho (MARIN, 1995). O que se percebe na proposição desses cursos, é que, muitas vezes, desconsideram os saberes dos professores. Em grande parte dos casos, outros profissionais (consultores universitários, psicólogos, fonoaudiólogos, entre outros profissionais) são os responsáveis por elaborar e implementar a formação (ALVARADO-PRADA, FREITAS e FREITAS, 2010, HYPOLITTO, 2000). Um resgate histórico sobre o movimento da formação continuada no Brasil é necessário, pois reconhecemos que a formação continuada de professores corresponde a um processo construído ao longo de anos, por meio de políticas estatais, pesquisas acadêmicas e reivindicações dos professores, conforme aponta Gatti (2008). Importante considerar que as políticas públicas de formação continuada de professores no Brasil têm sido atreladas à ideia de uma pretensa má formação inicial docente e fazem ecoar o "argumento da incompetência" dos professores, sendo eles responsabilizados pelos baixos desempenhos escolares dos alunos (SOUZA, 2006). Isso também é destacado por Gatti (2008), apontando que a educação continuada é o “suprimento de uma formação precária pré-serviço” (p. 58) e no intuito de melhor formar o professor em sua atuação devido à “precariedade da formação de professores em nível de graduação” (p. 58). Além disso, partem do discurso de que “os cursos de formação básica dos professores não vinham (e não vêm) propiciando adequada 31 base para sua atuação profissional” (p. 58). Desse modo, é necessário criar medidas compensatórias, e não exatamente de aperfeiçoamento, para a execução de trabalho docente de maneira eficaz (GATTI, 2008). A fim de sanar a problemática da formação docente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDBEN), estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dentre elas define como deverá ser a formação dos profissionais da Educação e, ainda, a promoção da formação inicial, continuada, a capacitação e o aperfeiçoamento dos profissionais do magistério. Essa foi uma importante política que se tornou “um divisor de águas” na formação de professores (LDB n°9394/1996; BORGES, AQUINO & PUENTES, 2011; MAUÉS, 2004). A LDBEN/96 previa ainda um regime de colaboração entre a União, os Estados e Municípios quanto à promoção da formação docente. Desse modo, diversas políticas estaduais e municipais têm sido implementadas no Brasil, alguns modelos mais eficazes, outros nem tanto (GATTI, 2008). Gatti (2008), ao analisar as principais políticas implementadas no Brasil entre 1996 e 2006, verificou a intenção em promover a formação continuada em dois sentidos: primeiro, a reformulação ocasionada pelas inovações tecnológicas; segundo, pelos problemáticos desempenhos escolares de grande parte da população. Desse modo, “políticas públicas e ações políticas movimentam-se, então, na direção de reformas curriculares e de mudanças na formação dos docentes, dos formadores das novas gerações” (GATTI, 2008, p. 62). Ainda, segundo a pesquisadora, um novo fator aparece nas preocupações das ações governamentais quanto à formação docente. Com a intenção de formar os professores de uma forma mais aligeirada e abrangendo um número maior deles, a formação à distância têm sido um mecanismo muito utilizado (GATTI, 2008). No entanto, o que se questiona atualmente é a qualidade dos cursos de formação continuada que se proliferaram nos últimos anos no Brasil. Além disso, a preocupação voltada aos formadores de professores: que tipo de formação têm tido os responsáveis por formar professores? 32 Outra pesquisa coordenada por Gatti (2011) apresenta um relatório das ações e modalidades de formação continuada de professores mais desenvolvidas por estados e municípios brasileiros nos últimos vinte anos, desde a década de 1990 até o ano de 2010. A pesquisadora enfatiza que, de modo geral, as políticas educacionais brasileiras consideram os professores como agentes fundamentais na construção de conhecimento na sociedade, mas, para que isso ocorra, partem da ideia de que é preciso melhorar a formação dos professores e dos formadores de professores. Neste sentido, Davis et. al (2011) sinaliza que, nas últimas décadas, muitos programas de formação continuada tornaram-se objetos de pesquisa devido ao seu enorme desenvolvimento por parte das políticas educacionais. Considerando, portanto, a formação continuada como um dos temas de debate na universidade, muita resistência ainda permanece na ação de formar professores. Porém, há o reconhecimento de que mudanças têm sido realizadas nas políticas e práticas de formação, e que é preciso conhecê-las para compreender em que medida essas novas ações avançam, ou se restringem com a relação à formação continuada de professores (IMBERNÓN, 2010). A esse respeito, Pontuschka et. al.(2009) destaca que a questão do reconhecimento de mudanças necessárias na formação continuada para o trabalho docente é fundamental na Educação. Desse modo, a formação continuada de professores tem sido objeto dos atuais debates acadêmicos e também contemplada nas reformas educacionais, “impondo um aprofundamento da reflexão acerca da natureza e dos objetivos dos cursos de formação desses profissionais” (p. 89). Ainda, destacamos que, segundo Pontuschka (2009), as novas abordagens que se centram na concepção da formação como um processo permanente, marcado pelo desenvolvimento da capacidade reflexiva, crítica e criativa, podem conferir ao professor maior autonomia na profissão, elevando seu estatuto profissional. A respeito da formação continuada docente no Brasil, Cunha (2005) aponta que “o desenvolvimento profissional continuado a que todos os educadores têm direito envolve formação inicial e continuada, sendo que a segunda ocorre com o professor no exercício de suas atividades” (p. 09). Porém, o autor demonstra que o modelo mais convencional de formação continuada dos 33 professores tem sido bastante questionado nos últimos anos, por ter se mostrado ineficaz ao trabalho docente na medida em que pouco considera a prática do professor. As ações voltadas para a formação continuada têm se constituído mais como uma forma de sanar as deficiências da formação inicial, considerada muitas vezes como precária e responsabilizada como uma das mazelas da educação. Deste modo, propostas mais eficazes no sentido de contribuir de fato para o trabalho docente, pouco tem sido efetivadas (DAVIS et. al., 2011). De acordo com Alvarado-Prada (2007), para ser adequada e condizente com o trabalho docente, a formação continuada deve valorizar os saberes dos professores, levando em consideração os objetivos e anseios destes durante o processo de formação e, ainda, deve ser inserida em seu campo de atuação de modo a fazer parte da sua carga ou jornada de trabalho, ou seja, uma formação continuada em serviço (ALVARADO-PRADA, 2007). Bottega (2007) destaca dois modelos divergentes de formação continuada. Um primeiro modelo mais tradicional, orientado por “cursos esporádicos aos professores” (p. 175) com a dimensão de ‘dar-lhes algo’, de modo a ensinar algum procedimento pedagógico. O segundo modelo seria um “projeto de formação continuada” (p. 175) desenvolvido em médio ou longo prazo, no âmbito do qual o docente teria uma maior participação e envolvimento com a realização de atividades práticas relacionadas ao cotidiano. Esse segundo modelo seria realizado em etapas, favorecendo a reflexão e a discussão do fazer pedagógico. Segundo a pesquisa realizada por Davis et. al. (2011), as modalidades de formação continuada mais convencionais oferecidas aos professores também se dividem em dois grandes grupos: o primeiro centra a atenção no sujeito professor; o segundo “não mira o desenvolvimento do professor individualmente considerado, e sim aquele das equipes pedagógicas” (p.15) decorrentes do interior das escolas (ver quadro 02). Contudo, a pesquisadora enfatiza que essas duas modalidades não são excludentes. 34 Quadro 01: Modalidade de formação continuada – Org. BUDIN, 2014. Para Davis et. al. (2011) o primeiro modelo apresenta o enfrentamento de problemas e crises pessoais dos professores, e políticas públicas que melhor organizem a adaptação a carreira docente. Portanto, os projetos de formação continuada precisam contemplar diversos fatores para que possam oferecer múltiplas soluções aos problemas detectados. A respeito desse modelo, Davis (et. al.) destaca que ele tem se orientado com a ideia de que a formação continuada deve ser útil ao professor, de modo a oferecer oportunidades de desenvolvimento profissional, mas também pessoal. No entanto, esse modelo centrado no professor não possibilita a troca entre os docentes, portanto, impede a transformação da cultura docente, uma vez que suas ações incidem de maneira individual e não coletiva (DAVIS, et. al., 2011). No que se refere à segunda abordagem de formação continuada, ela explica que algumas políticas públicas de formação têm transferido para as escolas partes fundamentais do desenvolvimento profissional do professor. Para Davis (et. al. 2011) “há processos de formação continuada de professores que consideram outros aspectos, como a atenção ao clima de colaboração entre os professores” (p. 25) e, além disso, destaca que a participação dos professores pode e deve acontecer durante todo o processo formativo, afinal “isso implica considerar as opiniões dos professores e, sobretudo, ouvi-los falar dos problemas que enfrentam quando se veem diante Modalidade de formação continuada - DAVIS, NUNES e ALMEIDA (2011) 1. As que centram na figura do professor: Como forma de preencher os déficits da formação inicial. Regulada pelo ciclo de vida profissional. 2. As que centram no desenvolvimento de equipes escolares: O coordenador pedagógico como principal responsável. Legitimar e fortalecer a escola como lócus da formação contínua e permanente. 35 de práticas inovadoras” (p. 25) e que portanto, o apoio por parte dos pares é fundamental. Deste modo, Davis (et. al., 2011) ressalta que, em oposição ao primeiro modelo que centra na figura do professor (uma formação mais individualizada), existem os modelos nos quais a formação continuada é concebida sempre em termos coletivos, ou seja, as ações e práticas se realizam em grupo. A autora denomina essa atividade como colaborativa, na qual os professores reúnem-se para diversas atividades atinentes ao seu trabalho, como pesquisar, estudar, propor modificações nos conteúdos trabalhados, elaborar planos de ensino/aprendizagem, refletir sobre metodologias de trabalho e avaliações dos alunos, entre outros temas. Essa modalidade de formação continuada assume que há, por parte dos professores, questionamento constante acerca de sua prática pedagógica, de modo que privilegia a interação nos próprios locais de trabalho. É aí que o corpo docente deve, em conjunto, definir o tipo de formação que almeja, especificando sua finalidade e sua forma de implementação. Desse modo, a formação continuada deve ocorrer primariamente nas instituições de ensino ou nas demais dependências do sistema educacional (DAVIS, et. al., 2011, p. 25). Por fim, Davis (et. al., 2011) conclui que há uma gama de programas de formação continuada para os professores, que vão desde ações para o espaço da sala de aula até o universo mais amplo da educação no âmbito social, político e econômico. Ressalta que o campo da formação continuada docente está longe de ser bem desenhado, pois nele atuam uma diversidade de atores, com ideologias que “defendem modelos que privilegiam aspectos muito diversos da profissão” (p. 27). Desse modo, com o que apresentamos até ao momento, temos como panorama diversas práticas e modalidades de formação continuada, contudo, as mais frequentes têm sido aquelas pontuais, em curto período, e que desconsideram os professores no processo formativo. Porém, destacamos que têm emergido várias expectativas em modalidades alternativas de práticas de 36 formação contínua por parte de pesquisadores e professores no sentido de oportunizar outros modelos (ALVARADO-PRADA, 2007, BOTTEGA, 2007, DAVIS et. al., 2011). Neste sentido, Leão (2007) afirma que “os sistemas devem priorizar a oferta de formação continuada dentro da lógica do projeto educacional e não de forma esporádica e fragmentada, como ocorre atualmente” (p. 20). Críticas a esse processo de formação continuada tradicionalmente oferecida aos professores são realizadas por diversos autores como Mendes (2002), Cunha (2005), Prada (2007) e Nóvoa (2011); e nos instigam a conhecer experiências alternativas a esse respeito. Seguindo o propósito de Salles (2004), apresentamos autores que remetem a essa ideia de valorização do professor e de sua prática docente. Salles (2004), neste sentido, aponta a impossibilidade de separar a prática docente da formação continuada em serviço. Deste modo, é necessário analisar os diferentes aspectos relacionados à prática educativa, além da efetivação de políticas públicas educacionais que possibilitem concretizar uma formação diferenciada e específica, afinal, nenhuma prática educativa é generalista, portanto, não se justifica ser realizada fora do seu contexto político e ou social. Nessa mesma direção, Nunes (2001) ressalta que a formação do professor deve basear-se na valorização do mesmo, devendo partir dos saberes desses docentes, como as práticas pedagógicas e as experiências acumuladas. Embora essas práticas não se desvinculem das teorias por eles apreendidas e refletidas, é por meio de uma releitura e de adequação das diversas teorias, que os professores realizam o seu trabalho no cotidiano escolar. Assim sendo, uma atitude fundamental para o exercício profissional docente é a formação continuada, como caminho para melhorar a prática pedagógica por meio da busca de novos conhecimentos. Para que para a formação docente seja permanente, e tenha em vista um trabalho social e humanizado, é preciso desenvolver pesquisas e novas políticas a esse respeito (DASSOLER & LIMA, 2012). O que observamos nos estudos realizados sobre a formação docente é que, como Zeichner (2000) já havia ressaltado, ela “[...] não recebe a importância devida para que se façam as coisas que precisam ser feitas, que podem ser 37 feitas” (p. 14). Além disso, para o autor, a formação docente não é só um problema de governo ou de políticas, mas também o fato da ausência de espaços para realizar a formação, ou seja, espaços e momentos reservados para a formação continuada atrelados ao trabalho docente. Nessa direção, o desenvolvimento de políticas públicas de formação continuada com estratégias que enfoquem o educador é urgente e fundamental. Nesse sentido, Nóvoa (2011) nos ajuda a refletir sobre formação ao afirmar que o trabalho docente é complexo e exige mais que uma somatória das competências individuais de cada professor, sendo, portanto, necessário pensar num trabalho coletivo de fato, onde os professores formem uma equipe pedagógica. As experiências mais interessantes de formação estão organizadas em torno de professores fortemente comprometidos com a profissão. São professores que querem evoluir e que se juntam com os colegas para refletirem sobre o seu trabalho. As sessões de formação são coordenadas por profissionais competentes e prestigiados, que merecem o respeito de todos. [...] A bagagem essencial de um professor adquire-se na escola, através da experiência e da reflexão sobre a experiência. O que dá sentido à formação é o diálogo entre os professores, a análise rigorosa das práticas e a procura coletiva das melhores formas de agir (NOVOA, 2009, p.72) [Grifo do autor]. Alvarado-Prada (2007) enfatiza que, para que isso aconteça, é preciso que a formação continuada de professores se dê em serviço. Este é outro aspecto referente a estratégias alternativas para a formação continuada docente, também apontado por Salles (2004), pois, à medida que a formação continuada ocorre em serviço, espera-se que os professores se constituam como sujeitos no próprio processo de construção de conhecimentos sobre e para o ensino. Ou seja, o professor parte da sua ação prática cotidiana para relacioná-la com os conhecimentos adquiridos em momentos oferecidos pela formação continuada. Segundo Alvarado-Prada (2007), a formação continuada dos profissionais da educação é uma necessidade para atender às exigências do cotidiano de seu exercício profissional, para “construir conhecimentos sobre ela, e transformar as práticas cotidianas dos professores” (p.5). Mas, para tanto, “requer-se a criação 38 de espaço para o estudo, análise e socialização da formação continuada entre os próprios docentes” (p. 5). Autores como Nóvoa (2011) sinalizam que esses espaços de formação podem ser a própria escola. Mas, também, espaços que oportunizam aos professores o trabalho em grupo, o trabalho coletivo, como espaço de debates, socialização dos trabalhos e discussão a respeito da educação em geral (ALVARADO-PRADA, 2007). Às vezes, se esse espaço se configurar exclusivamente como o espaço da escola, ele pode ser também limitador, ao passo que reúne somente os profissionais que trabalham naquele local, conhecem aquela realidade, mas não conseguem vislumbrar outras possibilidades de trabalho, de relação com os colegas e com os alunos (ALVARADO-PRADA, 2007). Quando os professores têm contato com professores de outras escolas, de outras realidades, isso lhes pode proporcionar reflexões até então não imaginadas; possibilita-lhes conhecer novos e outros modelos de trabalho que podem ser aplicados à sua realidade, mas que estavam desconhecidos. Alvarado-Prada (2007) enfatiza que os professores, no cotidiano escolar, “rotinizam suas práticas, sendo necessário, para transformá-las, construir novas relações de espaços, tempos, pessoas e conhecimentos” (p. 5). Assim, faz-se necessário, também, retirar o professor do 'isolamento' da escola e trazê-lo para o trabalho em equipe, de forma a proporcionar-lhe momentos de reflexão coletivos, para que possam refletir, mediante a discussão dos conhecimentos derivados das experiências de cada um (ALVARADO- PRADA, 2007). Segundo Costa (2004), as modalidades de formação continuada mais recentes têm considerado o professor reflexivo como eixo da formação. Schön (1992) aponta para essa necessidade do professor refletir sobre sua prática, e o local atribuído a essa reflexão tem sido o próprio espaço escolar. Tal perspectiva rompe com a concepção clássica de formação continuada muitas vezes concebida como um meio de acumulação de cursos, conhecimentos ou técnicas. É entendida como um trabalho reflexivo da prática docente, como uma forma de reconstrução permanente de uma identidade pessoal e 39 profissional em interação mútua com a cultura escolar, com sujeitos do processo e com os conhecimentos acumulados sobre a área da educação (COSTA, 2004, p. 70). No entanto, Alvarado-Prada (2007) ressalta que o tempo que os profissionais gastam em sua formação acaba sendo mais um dever do que um direito e, ainda, se trata mais de uma exploração como trabalhadores, em horas a mais de trabalho, do que de uma valorização do magistério; o que é contrário do previsto em lei (LDBEN, 1996), pregado por políticas públicas e defendido por inúmeros discursos de pesquisadores e de instituições acadêmicas. Por fim, de acordo com Alvarado-Prada (2007), Propomos a formação continuada de professores em serviço entendida como uma formação contínua, no e a partir do cotidiano profissional docente e que seja realizada no local de trabalho, ou seja, na instituição escolar, onde acontecem e mudam as relações dos diversos componentes da instituição escolar; sejam tomados como conteúdos de formação situações do cotidiano profissional, constituídas em objetos de pesquisa- formação; sejam realizadas no tempo de trabalho docente e, em consequência, remuneradas (ALVARADO-PRADA, 2007, p. 115). Para Alvarado-Prada (2007) esta modalidade de formação não exclui outras formações externas, como cursos, oficinas, palestras, seminários, congressos, que também são capazes de favorecer a elaboração de novos conhecimentos por parte dos professores. Mas alerta que “esta formação continuada em serviço implica novos pensamentos que transformam concepções e práticas políticas, acadêmicas e de construção de conhecimentos” (p. 115), que tem como intuito a socialização dos saberes e experiências docentes e o fortalecimento da valorização do contexto escolar e do trabalho docente. Finalizando, destacamos uma questão muito importante para o debate da formação docente atrelada à profissionalização do magistério. No documento “O Desafio da profissionalização docente no Brasil e na América Latina” (BALZANO, 2007), os representantes dos vários órgãos e instâncias que participaram do 40 Seminário Internacional sobre Políticas de Profissionalização Docente (promovido pelo Consed, MEC e UNESCO, no Rio de Janeiro em 2006), juntamente com os representantes de professores e pesquisadores da Educação, apresentaram sete principais desafios para a valorização da profissão docente a serem enfrentados pelo Brasil nos próximos anos. Destacamos o primeiro: “construção coletiva de uma política nacional de profissionalização dos educadores que contemple: • qualidade nos programas de formação inicial e continuada” (p. 52). Desse modo, conforme o apontado, as políticas públicas educacionais devem priorizar a valorização e a formação de professores, refletindo sobre as melhorias na formação inicial para que a formação continuada não seja fadada a ser uma forma de sanar uma formação inicial deficiente, e sim, faça parte de um processo de desenvolvimento profissional do docente. O que queremos destacar é que a formação de professores constitui-se com um movimento de exigências e aspirações para melhorias no trabalho docente. É por meio de pesquisas acadêmicas, reivindicações dos professores e criação de políticas públicas que se poderá atingir as melhorias almejadas para a Educação de forma geral. Porém, sabemos que A legislação não nasce do nada, como inspiração ou insight momentâneo, por desejo deste ou daquele; é resultante de um processo histórico em que ações se desenvolvem e criam impasses e questionamentos pela forma como são praticadas, o que pode gerar movimentos de vários segmentos sociais, movimentos que são levados aos órgãos reguladores, que se podem mostrar mais ou menos atentos ou interessados nas questões levantadas, e que, em situação de negociação em contexto político, procuram criar balizas onde elas não existiam ou reformular orientações quando estas parecem não mais atender às condições de qualidade pensadas para as atividades desenvolvidas (GATTI, 2008, p. 68). Desse modo, a formação continuada de professores faz sentido quando esta se realiza na intenção de possibilitar o desenvolvimento profissional docente, ou seja, possibilite uma ampliação dos conhecimentos teóricos, estabelece uma relação com a prática cotidiana, e se faz presente em “novas” ou “outras” posturas e ações do professor na atuação pedagógica, concebendo 41 a escola como um espaço formativo e valorizando os saberes docentes com capacidades de produzir e gerar conhecimento por meio do trabalho em equipes do corpo docente. Caso contrário, serão de pouca utilidade os programas e modelos de formação continuada que continuem a ver o professor de maneira isolada, incapaz, reprodutor de técnicas de ensino, sanando as dificuldades da formação inicial e capacitando-os para lidar com os dilemas da educação. Assim sendo, são necessários o suporte e o acompanhamento aos professores em programas de educação continuada por parte do Estado (GATTI, 2008). E um maior investimento e atenção aos programas de formação inicial de professores, devendo estes serem mais qualificados e condizentes com a prática educativa (GATTI, 2008, 2010, 2011; SOUZA, 2006), ficando para a formação continuada o que é de dever: o aperfeiçoamento da prática e a especialização dos saberes. Desse modo, fica evidente a importância da formação contínua em serviço, afinal, “a formação de professores profissionais para a educação básica tem que partir de seu campo de prática e agregar a este os conhecimentos necessários selecionados como valorosos” (GATTI, 2010, p. 1375). 42 3. O MOVIMENTO DE PROFISSIONALIZAÇÃO DOS PROFESSORES: UM DEBATE SOBRE A IMPORTÂNCIA DESTE PROCESSO NA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA PROFISSÃO DOCENTE. “(...) um professor não pode se tornar competente naquelas facetas sobre as quais não tem (….) ou não pode tomar decisões e elaborar juízos arrazoados que justifique suas intervenções” (Gimeno Sacristán, 1989) Com o propósito de discutir o lugar que os professores de educação básica ocupam ou podem ocupar atualmente no campo educacional, especialmente no que se refere à formação docente, elaboramos uma discussão a partir de alguns autores que exploram temáticas relativas à profissionalização docente. A profissionalização tem sido considerada por diversos autores como caminho de fortalecimento do magistério e, portanto, como possibilidade para que os professores assumam um lugar mais ativo na formação de seus pares, em que pesem possíveis contradições presentes nesse processo (GOODSON, 2008; NÓVOA, 2009, 2011; IMBERNÓN, 2010, LÜDKE & BOING, 2004, TARDIF, 2013; SARTI, 2013). O movimento de profissionalização do magistério, segundo Shiroma e Evangelista (2010, p.1) refere-se ao desenvolvimento profissional dos professores, por meio de processos de formação inicial e continuada, resultando na construção de sua identidade profissional. A profissionalização docente vem sendo discutida a partir de duas perspectivas. A primeira considera a profissionalização como processo de formação profissional do professor, ou seja, como algo inerente ao desempenho profissional docente, que requer uma sólida formação inicial e uma continuidade formativa ao longo de sua atuação; já a segunda mostra-se mais atenta ao processo histórico de construção da docência, identificando as transformações sofridas pelos docentes e suas lutas por melhores condições de trabalho diante da precarização sofrida ao longo do tempo (SHIROMA E EVANGELISTA, 2010). Segundo Goodson (2008) “no campo da educação, podemos investigar o poder de reestruturação das práticas de ensino e das atividades dos grupos 43 profissionais a vários níveis” (p. 209) compreendendo, desta forma, as ações práticas dos professores como um campo de pesquisa. Ainda de acordo com o autor, entende-se o processo de profissionalização docente, como a maneira pela qual se busca o reconhecimento e status para o grupo profissional dos professores, por exemplo, por meio do projeto de “academização” dos profissionais de ensino e a valorização das atividades desenvolvidas por eles. Neste texto, a discussão sobre a profissionalização docente será dividida em dois momentos: primeiro, realizaremos a discussão sobre o processo da profissionalização docente, reunindo a perspectiva apresentada por diversos autores que focalizam a contribuição da profissionalização para a atuação e desenvolvimento profissional do professor. Caracterizaremos algumas das ações que legitimam as profissões e o modo como a docência se afina com essas características profissionais. No segundo momento, proporemos uma discussão referente aos saberes e conhecimentos profissionais dos professores, que são pressupostos para a profissionalização, afinal este conhecimento específico é o que distingue os professores de educação básica de outros profissionais da educação. Além disso, faremos a apresentação e o posicionamento a respeito da profissionalização docente no Brasil e o papel dos professores neste movimento de profissionalização, como ele tem sido impulsionado por meio de políticas públicas, pela pesquisa acadêmica e pelos movimentos de lutas de melhores condições de trabalho pelos próprios professores. 3.1. Os elementos da profissionalização docente O movimento de profissionalização docente tem sido alvo de um número crescente de pesquisas nos últimos anos (WEBER, 2003; EVANGELISTA E SHIROMA, 2003, 2010; LÜDKE & BOING, 2004; FREITAS, 2002; GOODSON, 2008; IMBERNÓN, 2010; NÓVOA, 2011; SARTI, 2013; TARDIF, 2013). 44 O conceito de profissão assume significados diferentes em determinados contextos. A tradição anglo-saxônica enfatiza a distinção entre uma profissão e um simples ofício, posto que o desempenho da primeira exige conhecimentos específicos e mais elaborados, como, autonomia e controle sobre seu trabalho, gerenciado e organizado em equipes, além de um código de ética profissional que regularize a atuação profissional (FREIDSON, 1998; ALTET, PAQUAY e PERRENOUD, 2003). Com a proposta de fazer uma análise a respeito do que diversos pesquisadores vêm debatendo sobre profissionalização docente, realizamos uma pesquisa por meio dos estudos de Contreras (2002), Goodson (2008), Imbernón (2010), Nóvoa (2011). A partir desse estudo, destacamos cinco características entendidas como condições essenciais para a profissionalização dos professores: a autonomia profissional, o controle do trabalho, a detenção de um conhecimento específico, o trabalho coletivo dos professores, o credenciamento e criação de um código de ética. A discussão a respeito da profissionalização docente dar-se-á por meio da identificação do que os autores entendem como elementos característicos das profissões. No entanto, essas características profissionais são entrelaçadas, como por exemplo, a autonomia e o controle sobre o trabalho; e devido a esse estreitamento, torna-se difícil a segmentação das características. Porém, a tentativa de, por ora, separá-las é para melhor sistematizar e auxiliar na compreensão do que se percebe a respeito destes atributos profissionais que o grupo de professores deve possuir. De acordo com Imbernón (2010), historicamente, a profissão docente caracterizava-se pelo estabelecimento de alguns traços em que predominava o conhecimento objetivo, das disciplinas. O saber era o suficiente para a capacidade de ensinar. Porém, no decorrer das mudanças na sociedade global, apenas o conhecimento formal e o ato reprodutivo do professor ao ensinar seus conhecimentos não bastam para exercer essa ocupação. Passou a ser preciso desenvolver uma série de mecanismos que se relacionam ao bom andamento de uma aula, dentre estes a autonomia para tomar decisões. Neste sentido, “para ser um profissional é preciso ter autonomia, ou seja, poder tomar decisões sobre os problemas profissionais da prática” (IMBERNÓN, 2010, p. 13). 45 Ainda segundo Imbernón (2010) podemos entender A profissão como uma exigência da redefinição da contribuição da produção, como um meio para adquirir maior identidade social, como um critério de redistribuição de poder, como um processo para aumentar a qualidade produtiva, como um pressuposto para a proteção do coletivo, como um processo de constante mudança profissional, como obtenção da proteção da lei... (IMBERNÓN, 2010, p. 27). As situações apresentadas por Imbernón (2010) são necessárias aos professores, e algumas delas já vivenciadas por eles, como o trabalho em grupo e uma busca constante de mudança e aperfeiçoamento profissional. No entanto, os atributos mencionados, como o poder e a uma maior identidade social são essenciais para a profissionalização docente, mas ainda não foram adquiridos pelos professores de educação básica. Tendo como referência Goodson (2008), observa-se que na profissionalização docente é necessária a transposição do profissionalismo clássico (centrado no conhecimento teórico acadêmico) e do profissionalismo prático (situado nas práticas pedagógicas cotidianas) para um profissionalismo em princípios (que una as práticas profissionais e os estudos teóricos). Desta maneira, o profissional docente que se baseia em princípios seria dotado de sete componentes: 1° - Discussão dos propósitos sociais e morais, e do valor daquilo que se ensina; 2° - Responsabilidade sobre os alunos; 3° - Culturas de colaboração para resolver os problemas da prática profissional; 4° - Heteronomia ocupacional, de modo que os docentes trabalhem com autoridade, mas de forma aberta e colaborativa; 5° - Cuidado ativo, reconhecendo as dimensões emocionais do ensino; 6° - Aprendizagem contínua realizada com o próprio saber especializado e com os padrões da prática profissional; e, 7° - Reconhecimento da complexidade das tarefas, do status e das recompensas (GOODSON, 2008). Assim sendo, o professor de educação básica pode ocupar um lugar mais expressivo na formação docente, a fim de que se possa possibilitar o desenvolvimento dessa ocupação em uma profissão. A seguir, faz-se uma 46 discussão mais demorada acerca dos cinco elementos por nós considerados como necessários para a profissionalização docente, entre os quais aparecem permeados os sete componentes propostos por Goodson (2008). A autonomia profissional dos professores De acordo com os estudos realizados referentes à profissionalização (FREIDSON, 1998; ANGELIN, 2010; DASSOLER & LIMA, 2012), a autonomia profissional é considerada como a principal característica de um grupo profissional. Afinal, os profissionais são capazes de definir e delimitar suas funções e estabelecer os atributos e qualificações necessários para desempenhar seus papéis. Na medida em que os profissionais conseguem ter autonomia em seu trabalho, isto torna a sua ocupação, não um mero desempenho técnico e físico, mas uma concepção intelectual e reflexiva acerca do seu trabalho (DASSOLER e LIMA, 2012). A autonomia profissional atua como um poder da ocupação para atribuir ao trabalhador um status profissional (FREIDSON, 1998), ou seja, uma ocupação constitui-se como uma profissão quando ela possui saberes legitimados por aqueles que a desenvolvem, e desta forma, o controle do conhecimento e dos atributos profissionais são partilhados pelos que realizam o trabalho. Essa leitura faz-se também ao grupo dos professores. Quando os professores tiverem autonomia sobre o seu trabalho, poderão tornar-se, de fato, um grupo profissional. As funções desenvolvidas pelos professores, muitas vezes seguem padrões e determinações do Estado ou dos pesquisadores e grupos acadêmicos. Essa situação de dependência reflete-se na atuação profissional do professor, sendo este entendido com um técnico que executa o trabalho pré-determinado, não sendo considerado capaz de produzir e desenvolver as competências, habilidades e atributos necessários para sua função (LÜDKE e BOING, 2004). De acordo com esta visão, o professor é tratado como um simples funcionário que desempenha as funções estabelecidas por outros. Lüdke e 47 Boing (2004) denominam essa situação como sendo de “funcionarização” dos professores, onde a autonomia docente é retirada e posta em “xeque” a profissão docente, uma vez que seu trabalho é controlado pelas instâncias superiores de ensino (Secretarias, Diretorias, Supervisores, entre outros). Em oposição a essa visão que fragiliza a posição dos professores, muitos pesquisadores (como TARDIF & LESSARD, 2008; TARDIF, 2010, GAUTHIER, 1998; MONTEIRO, 2001; IMBERNÓN, 2010) têm apresentado os saberes docentes como predicados para o desenvolvimento do trabalho profissional do professor e colocado os professores de educação básica como foco de suas pesquisas, demonstrando que eles são capazes de produzir conhecimento e de tomar as decisões a respeito do seu trabalho. Contreras (2002) propõe uma discussão sobre a importância da profissionalização docente, indicando os traços do profissionalismo e apresenta a docência com indicativos de uma sub-profissão. O autor destaca duas características primordiais para a profissionalização docente: o controle sobre o conhecimento e a autonomia sobre o profissionalismo. O profissionalismo, como reivindicação para o trabalho do professor, parte do pressuposto de que os professores têm direitos sobre seu próprio trabalho, no sentido de uma “autonomia profissional”. Desta maneira, os próprios professores devem reconhecer-se como profissionais capazes de reivindicar melhores condições de trabalho, sem “estranhos” nas decisões a atuações profissionais (CONTRERAS, 2002). Deste modo, os professores de educação básica são capazes de atuar na definição do que lhes é próprio em seu trabalho, suas metas e procedimentos relativos à docência. Outro destaque apresentado por Contreras (2002, p.57), com base em Hoyle (1980), é que “é essencial ao profissional ter a liberdade para realizar seus próprios juízos com respeito à prática apropriada”. O que nos remete aos saberes profissionais dos docentes, de modo que os professores são capazes de desenvolverem os procedimentos mais apropriados para cada situação e contexto em que se inserem. Ideias relativas aos saberes docentes serão retomadas mais detalhadamente na parte seguinte deste trabalho. 48 Além do que foi indicado por Contreras (2002), uma característica interessante apresentada por Freidson (1998) é a autorregulação, que se apresenta como meio de conferir autonomia e conhecimento específico para cada profissão, uma vez que o próprio grupo de profissionais é capaz de gerir e controlar o seu próprio trabalho. Sendo assim, os professores também devem possuir esta autorregulação, ou seja, poder regular seu trabalho sem a interferência e ação externa, estabelecendo e averiguando suas próprias ações no ensino/aprendizagem. Ainda sobre a autonomia docente, Nóvoa (2011) propõe ser "preciso passar a formação de professores para dentro da profissão” (p. 18). Deste modo, os professores teriam um lugar predominante na formação dos seus colegas, o que lhes conferiria uma maior independência na formação e no exercício da profissão docente. Afinal, os professores seriam capazes de atuar na formação de seus pares, de acordo com as necessidades específicas da profissão, aproximando os conhecimentos pedagógicos acadêmicos dos conhecimentos da prática profissional. Sendo assim, o distanciamento entre os discursos e as práticas pedagógicas só será superado se houver um campo profissional autônomo, suficientemente rico e aberto, onde os professores exercem um papel fundamental e não passivo, no desenvolvimento profissional (NÓVOA, 2011). Controle sobre o trabalho docente O controle sobre o trabalho é parte indissociável da autonomia, afinal, uma vez que o grupo profissional goza de autonomia para regular o seu trabalho, fica definido também o domínio sobre ele. Portanto, sob tal perspectiva, todo profissional deve exercer a autoridade sobre a função e serviço que desempenha, de modo que não devam seguir as determinações de outros e por eles serem controlados. Desta forma, faz-se a mesma leitura para o trabalho docente. Uma importante questão a ser debatida é a respeito do controle ou não que os professores exercem na elaboração dos planos de ensino e aprendizagem, 49 como por exemplo, na proposta curricular ou, ainda, no que se refere às práticas de ensino. Entendemos que, muitas vezes, o Estado ou a Academia é que determinam o que será ensinado e como será, de modo que o professor é passivo a essas determinações e atua apenas como um técnico executor (GOODSON, 2008). Sendo assim, a autonomia e o controle do trabalho profissional docente não são alcançados, e os professores de educação básica não adquirem o status de um grupo profissional. Esse ponto, como já destacado, está atrelado à questão anterior relacionada à autonomia. Uma vez que o professor não tem autonomia sobre a execução do próprio trabalho, ele perde o controle sobre seu planejamento e sua prática. Portanto, distinguir o controle da profissão sobre a organização social e econômica do trabalho e o controle sobre a definição do seu conteúdo e avaliação técnica são condições para a profissionalização docente (FREIDSON, 1998). A intenção não é rejeitar a importância dos programas e projetos pedagógicos do Estado ou a produção acadêmica a respeito da Educação. O que se pretende é redimensionar o lugar e significância do trabalho desenvolvido pelo professor de educação básica, assumindo um papel mais ativo no processo de profissionalização do magistério. No entanto, de acordo com Nóvoa (2011, p.20), temos um paradoxo importante, pois, “quanto mais se fala da autonomia dos professores, mais sua ação surge controlada por instâncias diversas, [...] diminuindo das suas margens de liberdade e de independência”. Ou seja, a ênfase, nos discursos, sobre a intenção de autonomia docente é acompanhada por um aumento nos dispositivos de controle exercidos sobre os professores. Os docentes são atraídos e repreendidos o tempo todo, por discursos que dizem como eles devem agir para que sejam mais eficazes e perfeitos em seu ofício. Ou seja, diferentes políticas e formas de controle sobre a ação docente acabam impondo aos professores determinadas situações, definindo como devem agir e qual o projeto formativo que necessitam (GARCIA; HIPÓLITO, e VIEIRA, 2005). 50 Mais uma vez, ressaltamos que cabe ao coletivo de professores uma participação mais expressiva na definição sobre o modo que devem agir em seu trabalho, participando também ativamente na elaboração de políticas educacionais. Portanto, a autonomia sobre o trabalho docente é relativa à estrutura e desenvolvimento do seu trabalho pedagógico, afinal, é o professor que conhece a realidade de sua comunidade escolar e os objetivos de aprendizagens de seus alunos. Porém, no caso da formação docente, é possível que o Estado forneça uma formação (tanto inicial quanto continuada) mais condizente com os anseios dos professores, de modo que lhes caiba uma participação mais ativa na formação do grupo profissional. Conhecimento específico pedagógico Para definir uma profissão, segundo Freidson (1998), devem-se levar em conta alguns critérios que fazem parte do processo de profissionalização. Um deles é a necessidade de educação superior por parte daqueles que pleiteiam o ingresso na profissão. Assim, o nível educacional dos sujeitos que exercem a ocupação é assumido com um pré-requisito para sua profissionalização. Desse modo, identifica-se que, para se estabelecer um grupo profissional, é imprescindível a qualificação e formação específica e especializada. Para os professores segue-se o mesmo padrão, há a necessidade de uma formação própria de profissionais qualificados para o exercício do magistério. De acordo com Imbernón (2010), hoje, a profissão do professor não se limita à transmissão de um conhecimento acadêmico, ela adquire outras funções, como a inclusão, as relações sociais, a motivação dos alunos, o respeito, a participação, entre outras. E tudo isso exige uma nova formação para a atuação profissional, tanto inicial quanto permanente. Por meio da qualificação recebida na formação inicial docente realizada no âmbito acadêmico, e também de uma formação contínua ao longo do exercício profissional, espera-se que o professor seja capaz de desenvolver um conhecimento específico: o conhecimento pedagógico da prática. Esse 51 conhecimento prático não é um conhecimento voltado somente para a execução das tarefas prescritas, mas seria uma práxis reflexiva, a respeito das teorias e metodologias de ensino e aprendizagem, desenvolvidos e aplicados pelos professores de acordo com o contexto em que se inserem. Ou seja, o professor não seria então um mero técnico executor de tarefas, mas produtor de um conhecimento específico pedagógico a respeito do ato de ensinar, cujo conhecimento não é produzido na academia e sim, na sua atuação profissional no “chão” da sala de aula, ou seja, no ambiente escolar. Além deste conhecimento prático reflexivo, podemos entender também o conhecimento específico como os saberes docentes. De acordo com Gauthier (1998) As inúmeras pesquisas realizadas nos últimos anos, com o objetivo de definir um repertório de conhecimentos para a prática pedagógica, podem ser interpretadas como uma série de incentivos para que o docente se conheça enquanto docente, como uma série de tentativas de identificar os constituintes da identidade profissional e de definir os saberes, as habilidades e as atitudes envolvidas no exercício do magistério (GAUTHIER, 1998, p. 18). [Grifo do autor] Ainda segundo Gauthier (1998), os professores possuem um repertório de conhecimentos específicos ao ensino, e a reflexão sobre esse repertório é condição fundamental para a profissionalização do ensino. Afinal, de acordo com o autor, toda profissão deve formalizar os saberes necessários à execução de suas tarefas específicas. De acordo com Contreras (2002), “a profissionalização encontrou seu processo mais forte de legitimação na posse de conhecimento científico” (p. 61), o que significa que tal legitimidade é encontrada na exclusividade e no arcabouço de um conhecimento especializado. Dessa forma, na profissionalização, os trabalhadores encontram estratégias para controlar o exercício profissional impedindo que outros agentes possam controlar o conhecimento acerca do seu trabalho. Desta maneira, o exercício de uma profissão requer a capacidade dos integrantes do grupo profissional a possibilidade de controlar uma área do 52 conhecimento. Na profissionalização docente, esse controle refere-se ao conhecimento pedagógico e aos saberes docentes. Contreras (2002), baseado em Hoyle (1980), mostra que o conhecimento adquirido pela experiência é importante, porém não suficiente, de modo que os profissionais devem possuir também um “corpo de conhecimento sistemático”. Desta forma, os professores, ao sistematizarem os seus conhecimentos, acabam por validar os que lhe são próprios da sua profissão. Além disso, Hoyle (1980, apud Contreras, 2002) afirma que “a aquisição deste corpo de conhecimentos e o desenvolvimento de habilidades específicas requer um período prolongado de educação superior” (p. 56). Ou seja, a formação é essencial para o estabelecimento de um profissional. Sendo assim, uma boa formação inicial e contínua do professor é imprescindível para o fortalecimento deste ofício como uma atividade profissional, afinal, os professores seriam dotados de conhecimentos suficientes para refletirem, designarem, e executarem o seu trabalho. Outro aspecto importante atrelado ao conhecimento específico pedagógico, segundo autores como Tardif (2000) e Nóvoa (2011), refere-se à incorporação do conhecimento profissional ao conhecimento de vida pessoal (um autoconhecimento). Desta forma, o sentido da profissão não é apenas técnico ou científico, mas algo que está no cerne da identidade profissional docente, a pess