1 unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP Kaio Augusto Pinto Alli A política monetária em Keynes como um conjunto de regras para a estabilização econômica ARARAQUARA – S.P. 2016 2 Kaio Augusto Pinto Alli A política monetária em Keynes como um conjunto de regras para a estabilização econômica Trabalho de Dissertação de Mestrado, apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Economia. Linha de pesquisa: Teoria econômica Orientador: Prof. Dr. Mario Luiz Possas ARARAQUARA – S.P. 2016 3 4 KAIO AUGUSTO PINTO ALLI A política monetária em Keynes como um conjunto de regras para a estabilização econômica Trabalho de Dissertação de Mestrado, apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Economia. Linha de pesquisa: Teoria econômica Orientador: Prof. Dr. Mario Luiz Possas Data da defesa: 06/09/2016 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Prof. Dr. Mario Luiz Possas/ UFRJ. Membro Titular: Prof. Dr. Mário Augusto Bertella/ UNESP Membro Titular: Prof. Dr. Giuliano Contento de Oliveira/ UNICAMP. Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara 5 Para minha família, meu pai Itamar Alli, minha mãe Marcia Alli, e minha irmã Ana Eliza Alli, que sempre estiveram do meu lado me incentivando e dando suporte para ir à busca de todos os meus sonhos; aos meus avós, Nelson Alves, Marcia Margarida, e Maria Thereza que são um exemplo de vida para mim; ao meu avô Aymar Alli, hoje ausente, que levo comigo no meu coração e sei que está hoje aqui, presente comigo neste grande momento. 6 AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Mario Luiz Possas, que me orientou neste projeto e me proporcionou um grande aprendizado em todas as nossas reuniões, sempre com bons conselhos e muita dedicação. A turma do Programa de Pós-Graduação em Economia da UNESP, que fez ser tão especial esse período em minha vida. Em especial aos amigos Gabriel Reis e Paulo Pedroso, companheiros em várias noites de estudos e lutas para chegar até esse momento. A minha namorada Tayna Botan, que sempre me deu apoio e confiou no meu potencial para esta conquista. A República Cafundó, que me acolheu na cidade de Araraquara-SP e me proporcionou grandes amigos que levarei para sempre em minha vida. 7 “O pato selvagem mergulhou até o fundo – o mais fundo que pôde chegar – e agarrou-se firmemente à vegetação, às algas e ao lodo ali existentes; seria necessário um cão extremamente hábil para mergulhar e trazê-lo de volta à superfície”. J.M. Keynes 8 RESUMO Partindo da teoria de Keynes sobre o funcionamento da economia - que é marcada pela necessidade de os agentes tomarem decisões acerca de um futuro incerto - e tendo por base o já tradicional debate regras versus discricionariedade, esta pesquisa propõe uma investigação sobre a política monetária em Keynes, tentando sugerir que esta não deve, necessariamente, ser feita de maneira discricionária pela Autoridade Monetária, ao contrário do que afirmam alguns keynesianos e pós-keynesianos. Queremos mostrar que a adoção de certas regras que possibilitam gerar confiança e credibilidade entre os agentes econômicos, em busca da estabilidade dos preços e do ambiente macroeconômico, pode ser uma orientação política compatível com a teoria keynesiana. Palavras – chave: Teoria keynesiana; Política Monetária; regras versus discricionariedade. 9 ABSTRACT Starting from Keynes’s theory of the functioning of the economy – which is marked by the need for agentes to make decisions about an uncertain future – and based on the traditional debate rules versus discretion, this study proposes a research on monetary policy sccording to Keynes and the Post-Keynesians, trying to suggest that this should not necessarily be done in a discretionary way by the Monetary Authority, contrary to what some Keynesians and post-Keynesians hold. We intend to show that the adoption of certain rules that make it possible to build trust and credibility among economic agents, in pursuit of stability both of prices and the macroeconomic environment, can be a political orientation compatible with Keynesian theory. Keywords: Keynesian Theory; Monetary policy; rules versus discretion. 10 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Equilíbrio Subótimo e Ótimo ........................................................................... 31 Figura 2 O regime monetário de metas de inflação em um modelo pós-keynesiano ..... 61 Figura 3 Modelo de regra de política monetária com a incorporação da taxa de câmbio à luz de Keynes e dos pós-keynesianos ............................................................................. 93 11 LISTA DE QUADROS Quadro 1 O jogo de Política Monetária entre a Autoridade Monetária e o agente econômico ....................................................................................................................... 32 Quadro 2 A regra no sentido de Friedman ..................................................................... 38 Quadro 4 Mecanismo de transmissão da política monetária para Economias Abertas .. 82 12 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Vantagens e Desvantagens do Regime de Metas de Inflação .......................... 45 Tabela 2 Questionamentos acerca da regra de Taylor .................................................... 49 Tabela 3 Argumentos em favor das regras ..................................................................... 52 Tabela 4 Argumentos em favor da discricionariedade ................................................... 55 Tabela 5 Os principais benefícios adquiridos ao incorporar o regime monetário de metas de inflação com o receituário teórico de Keynes e dos pós-keynesianos ....................... 62 Tabela 6 Os principais benefícios adquirirdos ao incorporar a regra de Taylor com o receituário teórico de Keynes e dos pós-keynesianos .................................................... 65 Tabela 7 Os objetivos imediatos da política monetária do arcabouço teórico de Keynes e dos pós-keynesianos ....................................................................................................... 70 Tabela 8 Os aspectos cruciais da política cambial em uma economia monetária da produção ......................................................................................................................... 73 13 SÚMARIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 15 2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DE KEYNES E A ECONOMIA MONETÁRIA DA PRODUÇÃO ................................................................................ 17 2.1 Moeda e liquidez .............................................................................................................. 19 2.2 Moeda e Investimento ..................................................................................................... 20 2.3 Incerteza e expectativa .................................................................................................... 21 2.4 Estado de Expectativa e incerteza .................................................................................. 25 3 O DEBATE REGRAS VERSUS DISCRICIONARIEDADE ............................... 29 3.1 Origens do debate regras versus discricionariedade .................................................... 29 3.1.2 O modelo de Kydland e Prescott (1977) ................................................................. 29 3.1.3 O modelo de Barro e Gordon (1983) ...................................................................... 33 3.1.4 O debate entre os pós-keynesianos.......................................................................... 34 3.2 Diferença entre Regra e Política Passiva ....................................................................... 36 3.2.1 A Regra no sentido de Friedman ............................................................................ 37 3.2.2 A ineficácia da política monetária .......................................................................... 39 3.2.3 O equívoco entre Regra e Política Passiva ............................................................. 41 3.3 O que é considerado como regra pelo mainstream na política monetária .................. 43 3.4 O regime monetário de metas de inflação ..................................................................... 43 3.4.1 Arcabouço teórico .................................................................................................... 43 3.4.2 Desenho institucional ............................................................................................... 44 3.4.3 Vantagens e desvantagens do regime monetário de metas de inflação ................ 45 3.5 Regra de Taylor ............................................................................................................... 46 3.5.1 Arcabouço Teórico ................................................................................................... 46 3.5.2 Críticas à Regra de Taylor ...................................................................................... 47 3.6 Argumentos em favor das regras ................................................................................... 49 3.7 O que é considerado como discricionariedade .............................................................. 52 3.8 Argumentos a favor da discricionariedade ................................................................... 53 3.9 Considerações Adicionais ............................................................................................... 55 4. UMA PROPOSTA ALTERNATIVA À LUZ DE KEYNES E DOS PÓS- KEYNESIANOS ........................................................................................................... 57 4.1 Metas de Inflação em uma economia Keynesiana ........................................................ 57 4.1.1 O modelo de Mark Setterfield ................................................................................. 58 4.1.2 Os principais benefícios adquiridos ao incorporar o regime monetário de metas de inflação com o receituário teórico de Keynes e dos pós-keynesianos....................... 61 4.2 Regra de Taylor pela óptica Keynesiana ....................................................................... 63 14 4.2.1 Os principais benefícios adquiridos ao incorporar a regra de Taylor com o receituário teórico de Keynes e dos pós-keynesianos ..................................................... 64 4.3 Breves considerações acerca da política monetária em Keynes .................................. 66 4.3.1 A importância das políticas econômicas para o arcabouço teórico de Keynes e dos pós-keynesianos........................................................................................................... 66 4.3.2 A política monetária no arcabouço teórico de Keynes e dos pós-keynesianos .... 67 4.3.3 Os objetivos da política monetária no arcabouço teórico de Keynes e dos pós- keynesianos ........................................................................................................................ 68 4.4 Breves considerações acerca da política cambial em Keynes ...................................... 71 4.5 A existência do elemento contra-cíclico no arcabouço teórico de Keynes e dos pós- keynesianos ............................................................................................................................ 74 4.6 A importância da coordenação entre as políticas econômicas no arcabouço teórico de Keynes e do pós-keynesianos ................................................................................................ 77 4.7 Um modelo de regra de política monetária para incorporar uma variável representativa de modificações na conjuntura internacional econômica ........................ 80 4.7.1 Breve revisão de alguns modelos que incorporam a taxa de câmbio nas regras de política monetária .............................................................................................................. 83 4.7.2 . Uma tentativa de proposta alternativa de política monetária como regras para a estabilização do ciclo econômico à luz de Keynes e dos pós-keynesianos. ................. 90 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 94 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 97 15 1 INTRODUÇÃO As proposições abordadas por Keynes em seus trabalhos não podem ser vistas apenas a partir de uma consideração estanque de elementos, mas como a proposta de um modelo novo que se apresente como referência teórica para a economia, cujos comportamentos afetam o modo pelo qual as variáveis monetárias devem ser estudadas, ou seja, sua abordagem não se limita a uma situação especifica, mas busca a funcionalidade da economia em todas as suas situações relevantes. O presente trabalho tem por objetivo fazer uma releitura das ideias apresentadas acerca da política monetária de Keynes e dos pós-keynesianos, que diferentemente da visão ortodoxa, para quem a política monetária não consegue causar efeitos permanentes sobre o lado real da economia, as políticas no arcabouço teórico keynesiano, de maneira geral, buscam como principais objetivos o pleno emprego e a estabilidade. Em se tratando de política monetária, na perspectiva de Keynes e dos pós- keynesianos, pelo fato de vivermos em um ambiente econômico incerto, em que os agentes apostam no mercado sua riqueza na intenção de acumular mais dela no futuro, a política monetária deve ser operacionalizada de tal forma a direcionar e estabilizar as expectativas dos agentes privados, gerando a possibilidade de crescimento apoiado em maior incentivo ao investimento. Levaremos em consideração as características de uma “economia monetária da produção” segundo Keynes, assim como o já tradicional debate regras versus discricionariedade da política monetária. Este teve sua origem no confronto entre os bullionistas e os antibullionistas que ocorreu durante as primeiras décadas do século XIX; e na controvérsia teórica entre a Currency School (Escola do meio-circulante), a Banking School (Escola Bancária) e a Free Banking School (Escola dos Bancos Livres) por volta da terceira década do século XIX e posteriormente ganhou maior destaque com os trabalhos de Kydland e Prescott (1977) e Barro e Gordon (1983). Procuraremos mostrar que as perspectivas de Keynes e da teoria pós-keynesiana permitem a adoção de algumas regras para a política monetária, com o intuito de perseguir maior estabilidade no sistema de preços e o crescimento do nível de atividade. Assim, procuraremos mostrar que ela não deve ser pensada exclusivamente como um conjunto de ações discricionárias, como é enfatizado por boa parte dos keynesianos e pós-keynesianos, incluindo alguns autores de destaque - Tobin (1983) e Wray (2007) entre eles. De fato, a fixação de regras de política monetária deve ser feita com o intuito de alavancar um dos principais papéis da política monetária, que é a promoção de um ambiente mais estável para a formulação de expectativas e tomada de dccisões acerca do futuro. O anúncio prévio dos objetivos do governo e das ferramentas utilizadas para atingir tais objetivos não deveria sinalizar ineficácia na política, pois o comportamento dos agentes pode ser influenciado na direção do alcance de tais objetivos se forem mais claramente debatidos e entendidos. Por fim, este trabalho não pretende formular um esquema que formate o regime de política monetária para Keynes, pois isso envolve um esforço de pesquisa que vai além do escopo deste trabalho. Porém, é clara a importância de se entender melhor o funcionamento de política econômica a partir de Keynes, para que se possam (i) compreender as decisões tomadas pelos agentes; e (ii) atuar de maneira que o ambiente econômico se torne mais estável para os que nele atuam. Para cumprir o objetivo proposto, o trabalho contará com três capítulos, além desta introdução (cap. 1) e da conclusão. O capítulo 2 fornece a apresentação e discussão das premissas teóricas do trabalho, com o intuito de expor brevemente a teoria da “economia 16 monetária da produção” de Keynes, que representa uma realidade econômica inergódica, guiada pelo lado da demanda, em que os agentes se defrontam com incerteza em relação ao futuro, sendo necessário então estimular o animal spirits dos empresários para que eles tomem decisões em investimentos produtivos em lugar de buscar apenas liquidez, dessa forma aumentando a renda e o emprego da economia. Exposto o marco teórico, o capítulo 3 tratará do debate sobre regras versus discricionariedade na política monetária, compreendendo os argumentos a favor de cada um dos lados e investigando o que hoje é considerado como regra e como discricionariedade da política monetária para os policymakers. No quarto capítulo busca-se compreender se a política monetária nas perspectivas de Keynes e dos pós-Keynesianos permite a adoção de algumas regras. Esta parte se iniciará mostrando como as metas de inflação e a regra de Taylor (ou semelhante) são passíveis de ser incorporadas no arcabouço teórico de Keynes e dos pós-keynesianos. A isso vai seguir a análise da possibilidade de inclusão da taxa de câmbio nesse tipo de fórmula, o que será tratado particularmente no contexto da política monetária, inclusive para o combate da inflação. Será buscada uma forma de explicitar a conexão entre a taxa de juros e a taxa de câmbio em termos de regras para a condução da política monetária, em função do trade-off existente entre taxa de juros e taxa de câmbio na economia. Procuraremos mostrar que uma opção desse tipo é preferível a manter apenas uma meta explicita de inflação (ao lado da meta de produto) como função exclusiva da taxa de juros, e de como isso poderia eventualmente se tornar uma regra mais realista. Serão feitas ainda considerações acerca dos elementos contra-cíclicos como parte de uma regra (ou em certos casos, como regra alternativa) para a condução da política monetária e mostrar que este elemento contra-cíclico não é apenas vinculado à política fiscal, como tratado pela maior parte da literatura, mas que também pode ser proporcionado por elementos da política monetária. Finalmente, as considerações finais acerca do tema proposto discutem os resultados encontrados e futuras linha de pesquisa que podem ser derivadas desta. 17 2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DE KEYNES E A ECONOMIA MONETÁRIA DA PRODUÇÃO O modelo de economia que trataremos neste capítulo é aquele proposto por Keynes, ou seja, uma “economia monetária da produção”. Este modelo difere muito daquele proposto por Marshall e pelos autores (neo)clássicos, que retratam uma economia em que a moeda é neutra, uma economia de trocas reais. Nesse aspecto, a principal diferença entre esses dois modelos de economia está no sentido do uso da moeda. De acordo com Keynes (1933a), em uma “economia monetária da produção” justamente por não ser a moeda considerada neutra, expansões e depressões são fenômenos considerados comuns de acontecerem. Com o intuito de expor melhor a diferença entre esses tipos de economia, Keynes (1933b) argumenta que a “economia cooperativa” e a “economia neutra” são bons exemplos de modelos econômicos em que os pressupostos da teoria neoclássica são satisfeitos. Segundo Keynes (1933b), uma “economia cooperativa” tem como característica o fato de qualquer fator de produção receber como remuneração uma quantidade já estipulada do produto corrente esperado, seja em espécie ou como algo que possua o mesmo valor de troca de tal quantidade do produto. Já na “economia neutra”, o início do processo produtivo depende de um grupo de produtores adquirir os fatores de produção com moeda, visando a obter um reembolso que lhe proporcione gastar, direta ou indiretamente, na compra de seu próprio produto corrente. Ademais, Keynes (1978, p.408) sustenta que: A economia clássica é uma economia que usa o dinheiro, mas meramente como um elo neutro de transações entre coisas reais e ativos reais e que não afeta motivos ou decisões, e, por isso, pode ser chamada – na falta de melhor nome – uma economia de troca real ou neutra, cooperativa, de salário real. O que queremos dizer é que tais tipos de modelos econômicos, não representam o tipo de sociedade em que vivemos nos dias de hoje. Nossa sociedade é melhor retratada pela “economia monetária da produção”, uma economia guiada pelo lado da demanda, cujas firmas são os principais agentes econômicos e tomam a decisão de investir em um ambiente marcado pela incerteza de acontecimentos futuros. Chick (1936) mostra que a economia explicitada por Keynes é uma economia industrial, de forma capitalista, que apresenta um refinado sistema financeiro, com o intuito de ocupar o lapso existente entre a posse do capital por uns poucos e a exigência de haver uma ampla fonte de fundos para financiar essa posse. Para Garlipp (2004), o conceito de economia monetária em Keynes está vinculado a uma concepção específica da forma de atuar e compreender o funcionamento de uma economia capitalista moderna. Notaremos ao longo desde capítulo que uma economia monetária de produção é bem mais complexa do que uma economia considerada de trocas reais, pois nela a incerteza influencia não somente o modo de decisão, mas também a própria natureza deste tipo de economia. Assim, Keynes (1979) define o sistema capitalista como uma economia monetária da produção, que apresenta como uma de suas principais características o lado de a demanda atuar como guia da dinâmica econômica, ou seja, o gasto do investimento que é feito pelos empresários é capaz de criar direta e indiretamente emprego, renda e riqueza. 18 Outra característica evidente neste sistema é o fato de a moeda nunca ser neutra, isto se deve, por ser um ativo que os agentes demandam e pela sua habilidade de ao longo do tempo manter o poder de comando com liquidez absoluta sobre o produto social. Segundo Chick (1936), todas as transações nesta economia que são consideradas de maior relevância envolvem o uso da moeda. De acordo com Ferrari-Filho e Terra (2012), a característica fundamental de uma economia monetária está centrada no fato de que a moeda é um ativo desejado pela sua capacidade de se adaptar às alterações de expectativa por parte dos agentes, pois ela é capaz de conservar o poder de compra sobre a riqueza social ao longo do tempo, o que lhe garante liquidez absoluta para realizar as transações econômicas. Garlipp (2004) acrescenta que não é apenas a presença de dinheiro que confere uma relevante particularidade para distinguir a economia monetária das demais economias, mas sim o caráter ativo da moeda, ou seja, nesse tipo de economia a moeda não é neutra. Em outras palavras, numa economia monetária a moeda não é neutra porque, neste tipo de economia, as mudanças de prisma em relação ao futuro conseguem ter influência sobre o volume de emprego (v. Ferrari-Filho e Terra, 2012). Keynes (1985, p.140) mostra que os agentes demandam moeda para satisfazer três objetivos: o motivo transação, que é relacionado à compra e venda das mercadorias, sendo intimamente ligado ao volume de rendimento e do emprego afinal, na medida em que a produção e emprego aumentam, a massa de salários e o gasto monetário, bem como eventualmente os preços, tendem a se elevar, o que acarreta o crescimento da procura de dinheiro; o motivo precaução, que consiste no fato de as pessoas e as empresas considerarem relevante possuir uma reserva de moeda para atender eventuais necessidades; e, por fim, o motivo especulação, que vincula a demanda por dinheiro com a taxa de juros, pois este componente da preferência pela liquidez por parte dos agentes se baseia no comportamento esperado da taxa de juros. Nesse sentindo, Garlipp (2004, p.54) afirma que, “o dinheiro não pode ser visto como mero numerário, uma vez que não mantém uma correspondência unívoca com os bens, e mesmo porque as decisões são tomadas de forma descentralizada”. Vale ressaltar que, para Keynes (1985, p. 164), nas economias monetárias de produção a moeda é considerada endógena, significando que o sistema bancário é capaz de gerar moeda além das reservas que possui no momento em que fornece empréstimos para o setor privado. Além disso, Keynes mostra que o volume de moeda em circulação depende tanto da quantidade de empréstimos que o setor privado deseja obter, quanto da preferência pela liquidez dos bancos, responsáveis por definir o montante das demandas privadas por moedas que serão financiadas. Desta forma, nas circunstâncias características de uma economia monetária da produção, o dinheiro é uma garantia de reserva de poder de compra, ou seja, ele não só funciona como um numerário que facilita as trocas, mas também constituí uma reserva de valor devido a suas características (v. Garlipp, 2004). Em se tratando das propriedades da moeda nessa economia, Ferrari-Filho e Conceição (2001) afirmam que estas são fundamentais para destacar a importância que a moeda possui na economia monetária, pois elas permitem que a moeda ofereça segurança contra a incerteza, na medida em que aproxima, por meio de contratos monetários, passado, presente e futuro, possibilitando alguma coordenação da atividade econômica. 19 2.1 MOEDA E LIQUIDEZ Mas, quais seriam essas características da moeda que fazem com que a sua taxa de retorno (a taxa de juros monetária) se torne muito atraente no mercado? Keynes (1985, p. 161) cita como características: em primeiro lugar, a elasticidade de produção igual à zero, tanto no curto como no longo prazo, significando, que a moeda é um ativo que as empresas privadas não são capazes de produzir; segundo, ela possui uma elasticidade de substituição igual ou próxima de zero, por ser o principal meio de troca dessa economia, não havendo motivos para que os agentes desejem trocá-la por outro meio; finalmente, por possuir tais características, a moeda é capaz de satisfazer a preferência pela liquidez de todos os agentes. Oreiro (2011, p.292) observa nesse sentido que, para Keynes: [...] para que um complexo sistema de contratos em moeda fosse viável, seria necessário que a moeda tivesse algumas propriedades para garantir a sua sobrevivência. Essas propriedades se relacionam essencialmente às restrições quanto à sua criação pelos agentes. Para Keynes, a moeda em uma economia monetária da produção seria caracterizada por elasticidades de produção e substituição nulas ou negligenciáveis. Essas propriedades sustentariam a liquidez da moeda, isto é, sua capacidade de liquidar dívidas [...]. De acordo com Keynes (1985, p.165), é em função de os salários e as dividas serem idealizados em termos de moeda, e de se apresentarem de uma forma estável ao longo do período (curto), que a moeda possui um prêmio de liquidez tão elevado. Desta forma, segundo Garlipp (2004, p.65) o dinheiro: [...] é o único ativo que permanece “escasso” na economia monetária e empresarial mesmo quando todos os outros sejam abundantes, porque, vale insistir, é a forma para a qual tende todo o capital, na busca de realizar rendimentos esperados [...]. Assim, Andrade (1987) afirma que, em uma economia monetária, o dinheiro é como ele denomina “o refúgio do tempo”, pois é para o dinheiro que as pessoas se dirigem, buscando um porto seguro para as suas previsões acerca do futuro próximo incerto. Portanto, em uma economia monetária, é esse conjunto de fatores que torna a moeda um elemento fundamental no sistema econômico e apresente tamanha atração para os agentes, a ponto de estarem dispostos a mantê-la entesourada caso o cenário se apresente turbulento e as incertezas estejam agravadas. Diante disso, de acordo com Andrade (1987), Keynes atribuí ao dinheiro a particularidade de ser um elo sútil que conecta o presente ao futuro, ou seja, o agente por meio da posse do dinheiro busca se resguardar de toda a desconfiança e da decepção acerca das possibilidades dos acontecimentos futuros e, por isso, como riqueza em sua forma mais liquida possível constitui-se na melhor defesa contra o incerto devir econômico. Segundo Garlipp (2004), é o ambiente incerto que permite ao dinheiro a propriedade e a competência de se diferenciar de um mero meio de troca ou unidade de conta, pois o dinheiro é o esconderijo dos compromissos cruciais, é o delongador das obrigações de tomada de decisões de grande alcance por parte dos agentes. 20 2.2 MOEDA E INVESTIMENTO Como mostra Keynes (1985, p.163), a moeda também é um dos vários ativos que podem ser escolhidos no processo de investimento, em função de seu prêmio de liquidez máxima e não devido ao retorno pecuniário que oferece, pois, o mesmo é nulo. Keynes observa que a moeda se diferencia de todos os demais ativos desta economia, por possuir um prêmio de liquidez maior que o custo necessário para a sua manutenção. Porém, se depois de feita a precificação dos ativos, a moeda for considerada como a melhor opção, o que se obtém é cautela e não investimento. Para Keynes (1985, p.61), o processo de investimento se realiza em duas etapas logicamente distintas, embora não sejam separadas no tempo: primeiro é feita uma precificação dos diferentes ativos por parte do empresário, sendo este o modo pelo qual é calculada a expectativa de retorno de cada investimento; em seguida o investimento total é consolidado em certa composição do portfólio de ativos. Desta maneira, se não predominar de forma absoluta a preferência pela liquidez, o investimento se direcionará a ativos de duas naturezas: os de capital produtivo, que envolvem transações de bens e serviços provenientes da produção, e se situam na circulação industrial, de acordo com Keynes (1985, p.62); e os que envolvem a comercialização de moeda à vista por moeda futura, ou ativos financeiros, que não implicam imediatamente produção, podendo (ou não) se tornar instrumentos intermediários para financiá-la. O ponto a que queremos chegar é que, diferentemente de uma economia de trocas reais, em uma economia monetária de produção, para Keynes, a firma não possui nenhuma outra meta que não a de terminar com mais dinheiro do que quando começou o seu processo produtivo; em outras palavras, é a posse de riqueza sob forma de moeda que determina o comando sobre os recursos, o que é imprescindível às decisões de gasto do empresário com implicações sobre o emprego e renda, como também às decisões de gasto por parte dos trabalhadores. É importante destacar que, em uma economia monetária, as decisões dos agentes são descentralizadas e competitivas, sendo seu objetivo maior não a materialização da produção para o consumo próprio, mas para o mercado, tendo em vista incrementar a sua riqueza; além disso, essa economia é caracterizada pela presença de contínuas flutuações nas suas principais variáveis (v. Garlipp, 2004). Além disso, Keynes mostra que, na economia capitalista, o dinheiro garante ao empresário a possibilidade de aumentar sua riqueza mesmo quando não há aumento da produção ou do trabalho. Dillard (1984, p.423) argumenta que “o dinheiro afeta a produção diretamente porque, se os homens de negócio não podem converter a produção corrente em dinheiro, o objetivo da produção será detido e os assalariados sofrerão o desemprego”. Em suma, conforme Garlipp (2004) pode-se afirmar, fazendo uma referência a Marx, que Keynes particulariza o objetivo do agente, pela representação de que a natureza da produção na economia capitalista só seria M-D-M (mercadoria, dinheiro, mercadoria), se estivermos adotando o ponto de vista do consumidor, pois essa não é a posição do empresário cuja é descrita mais apropriadamente por D-M-D (dinheiro, mercadoria, dinheiro). Nesta economia, os empresários apostam no mercado sua riqueza na intenção de acumular mais desta riqueza no futuro, iniciando com dinheiro, por intermédio de alguma mercadoria (ou da sua produção), com o intuito de gerar mais dinheiro ao final (D’>D). 21 Portanto, em uma economia capitalista, a moeda faz com que seja possível a separação dos atos de compra e venda; em outras palavras, nem tudo o que é produzido é vendido, ou poderá ser vendido com defasagem, como decorrência do princípio da demanda efetiva. Existe um período de tempo que transcorre entre a produção e a venda, tempo esse, necessário para que haja a remuneração dos fatores de produção e para que os custos dos empresários sejam pagos e seu lucros realizados, se for o caso. Ademais, caso haja um abatimento na expectativa empresarial nesta economia, a consequência direta será o desemprego involuntário, que acompanhará o arrefecimento da produção, da renda e da riqueza (p. ex. Ferrari-Filho e Terra, 2012). Keynes (1985, cap.2, p.23) define desemprego involuntário como: Existem desempregados involuntários quando, no caso de uma ligeira elevação dos preços dos bens de consumo assalariados relativamente aos salários nominais, tanto a oferta agregada de mão-de-obra disposta a trabalhar pelo salário nominal corrente quanto a procura agregada da mesma ao dito salário são maiores que o volume de emprego existente. Assim, Ferrari-Filho e Terra (2012) destacam que o empresário depara com um árduo dilema, o de tomar a decisão de empregar a sua riqueza em um futuro desconhecido. Em suma, procuramos chamar a atenção para o fato de que a economia tratada neste trabalho, associada a seu caráter monetário, apresenta uma instabilidade intrínseca da produção que decorre do comportamento errático de investimentos que foram alicerçados em expectativas com bases precárias frente ao futuro incerto. A importância desta incerteza e do estado de expectativa de longo prazo dos agentes será investigada mais detidamente na próxima seção. Enfim, na economia monetária da produção uma das formas de aumentar a riqueza do capitalista é por meio do investimento, caracterizado pela incerteza no retorno oferecido, por não fornecer bases sólidas de informação para o empresário devido ao ambiente de incerteza, que gera uma confiança limitada e sujeita a mudanças inesperadas. 2.3 INCERTEZA E EXPECTATIVA Vimos que a economia monetária da produção – ou, mais genericamente, a economia capitalista - tem como particularidade o próprio fato de ser monetária, ou seja, a moeda não é neutra. Além disso, as firmas só abrem mão de sua liquidez na perspectiva de conseguir mais riqueza do que tinham no início do processo, e ao tomar decisões os agentes formam expectativas perante um futuro incerto, que por diversas vezes pode trazer prejuízos. De acordo com Carvalho (1988), o passado não determina o futuro em um mundo incerto; não conseguimos saber plenamente no momento presente os resultados da compra de um ativo que se espera gerar retornos por um longo período futuro. Segundo Dillard (1976), aquilo que mais chama atenção em relação ao futuro é que sabemos muito pouco ou quase nada sobre ele. As decisões relevantes nessa economia, como as de investimentos produtivos, posse da liquidez (na forma de dinheiro ou em ativos financeiros), decisões sobre inovações tecnológicas, sobre o nível de produção corrente e sobre a manutenção de estoques, ocorrem em um ambiente incerto (Garlipp 2004). Ademais, essa economia é inerentemente instável, pois as decisões dos agentes econômicos são tomadas em um ambiente incerto (Ferrari-Filho e Conceição, 2001). 22 Dequech (1999) indica a incerteza como um elemento inerente ao sistema econômico capitalista, uma vez que há falta de evidências no ambiente quanto a determinado evento futuro e o conhecimento disponível é incompleto e não confiável. Além disso, o autor enfatiza que é a existência de incerteza que faz com que o agente busque o máximo possível de informações disponíveis, com o intuito de definir seu estado de expectativa, que servirá de base para a tomada de decisões. O conceito de incerteza adotado por Keynes está associado a processos de decisão tomada em um ambiente no qual é impossível mensurar a probabilidade de ocorrência de eventos futuros, e que afeta vitalmente o funcionamento de uma economia monetária da produção. Dillard (1976) por exemplo, assinala que a falta de uma base racional e cientifica nas previsões feitas pelos agentes sob incerteza os obriga a decidir com base em conhecimento vago e incerto. O grau de incerteza dos acontecimentos varia de acordo com a característica de cada evento. Assim, as decisões consideradas cruciais, tais como as de investimento, possuem um alto grau de incerteza se comparadas a decisões rotineiras de curto prazo. De acordo com Keynes (1985, p.113), a existência de incerteza no ambiente econômico torna precária a base da informação disponível para os agentes na tomada de decisão. Há cinco fatores que contribuem para essa precariedade: o número de agentes presentes no mercado, sendo tão maior a precariedade quanto maior for o número de agentes; flutuações de curto prazo nos lucros esperados dos investimentos, ou seja, mudanças sazonais, que são mais comuns em mercados agrícolas; a psicologia das massas, que explica a tendência seguida pelo mercado, que pode sofrer alterações violentas influenciadas por repentinas mudanças de opiniões por parte dos agentes; a especulação ou a existência dos chamados investidores profissionais que tentam antecipar os resultados do mercado; e o grau de confiança depositado pelos bancos nas pessoas que buscam empréstimos. Mas, é preciso especificar melhor o tipo de incerteza de que se fala. Segundo Garlipp (2004), a incerteza da economia monetária da produção é aquela que não fornece qualquer base científica para que o agente possa fazer um cálculo probabilístico; simplesmente não conhecemos nada a respeito. Para Oreiro (2001), a incerteza nesse tipo de economia é melhor representada pela noção atribuída a Knight e Keynes, em cuja concepção os agentes são confrontados por situações tão complexas que não são capazes de formular uma distribuição de probabilidades que seja única, aditiva e completamente segura para os resultados esperados das decisões. De acordo com Dequech (2011), é necessário explicitar três delimitações distintas acerca da incerteza para que a essência do conceito seja alcançada. A primeira diferença é entre a incerteza substantiva e a incerteza processual; a segunda, entre a incerteza fraca e a incerteza forte; e por último, a distinção entre a incerteza ambígua e a incerteza fundamental. Dequech (2011) mostra que existem duas subcategorias de Incerteza fraca denominadas de “risco Knightiano” e “incerteza de Savage”. O autor mostra que o “risco Knightiano” está vinculado à ação dos agentes em situações de risco, caracterizadas por probabilidades que são objetivas e conhecidas, podendo ser alicerçadas tanto pela lógica quanto por experimentos estatísticos (frequências observadas). Quanto à “incerteza de Savage”, trata-se de uma conceituação de probabilidade como uma forma (subjetiva) de pensar o mundo real, ou seja, ela admite a possibilidade de assegurar probabilidades numéricas para qualquer tipo de evento que possa vir a ocorrer no ambiente. 23 Não é o objetivo deste trabalho aprofundar uma discussão sobre a incerteza fraca, pois o tipo de incerteza que estamos interessados em expor e que predomina em uma economia monetária da produção, conforme Keynes, é a incerteza forte. A incerteza processual, conforme Dequech (2011), está associada com a incerteza forte, pois, nos casos de ocorrência de incerteza processual, a realidade que configura o problema com o qual o agente é confrontado é habitado por pessoas que possuem capacidades mentais e computacionais limitadas, ou seja, os agentes consideram o problema da tomada de decisões complexo porque possuem limites em suas capacidades para resolvê-los. Este tipo de caracterização de incerteza considera que os seres humanos possuem capacidades mentais que podem ser muito limitadas para atuar em processos tão complexos e difíceis como tomar decisões deparando-se com um futuro incerto. Outro tipo importante de incerteza forte é a “ambiguidade” ou “equivoco”, de acordo com Dequech (1999). Neste tipo de incerteza, o agente ao tentar solucionar o problema com o qual se depara, busca informações em eventos passados que possam ser uteis para guiá-lo no futuro; porém percebe que a natureza da informação que poderia leva-lo a probabilidade do acontecimento é ambígua ou equivocada, pois existe uma informação relevante para a sua análise que está escondida e não pode ser acessada. Por fim, o conceito de incerteza fundamental é definido por Dequech (1999) como um cenário no qual pelo menos uma informação fundamental sobre algum acontecimento importante não é acessível, pois ou não existe ou não pode ser conhecida no momento da tomada de decisão. Portanto, em uma economia monetária da produção, a incerteza é do tipo forte, em que informações relevantes para o agente no momento da tomada de decisão não podem ser acessadas, mesmo que o agente recorra ao passado, uma vez que sempre existirá uma informação crucial que não estará disponível. Além disso, para tornar o ambiente mais nebuloso, as capacidades mentais dos agentes na economia podem não ser suficientes para que ele enxergue a solução de seu problema. Neste aspecto, Andrade (1987) enfatiza que sempre haverá um grupo de informações que não são identificadas no momento em que as expectativas são formadas. Um ponto, mencionado antes de passagem (na referência ao “risco Knightiano”), que vale ser ressaltado ao analisar a incerteza é a diferença entre risco e incerteza. O risco se configura no cenário em que a tomada de decisão sobre um determinado evento ocorre em um contexto no qual a distribuição de probabilidade acerca do evento é conhecida. Já a incerteza caracteriza um cenário em que a tomada de decisão acerca de um determinado evento ocorre em um contexto no qual não existe uma distribuição de probabilidade para o mesmo (p. ex. Ferrari-Filho e Conceição, 2001). Em outros termos, Oreiro (2011, pag.291) sustenta que [...] a incerteza que circunda o processo de tomada de decisão nas economias capitalistas resulta da não ergodicidade dos processos econômicos. A não ergodicidade impede o aprendizado por parte dos agentes econômicos e, portanto, que os mesmos sejam capazes de “descobrir” a distribuição de probabilidade objetiva dos eventos futuros; [...]. Diante disso, o Estado possui um importante papel na busca por reduzir a incerteza inerente ao sistema. Como mostra Dequech (2004), o Estado é capaz de fornecer informação, englobar conhecimento prático, além de influenciar na maneira em que os agentes selecionam, organizam e interpretam as informações que estão disponíveis, ou seja, o Estado não fornece apenas incentivos, mas também influencia nos diversos 24 objetivos perseguidos pelos empresários e nas metas que cada indivíduo isoladamente luta para conseguir. Para Ferrari-Filho e Terra (2012) o Estado é o único ente capaz de reunir um elevado número de informações disponíveis na sociedade, atuando, portanto, em função da coletividade e não de privilégios individuais, de forma a controlar a atividade econômica. De acordo com Dequech (2004), os contratos na economia monetária da produção, assim como outras instituições, têm a capacidade de atuar de uma forma restritiva na economia, pois limitam o comportamento dos agentes e fornecem valiosas informações acerca do ambiente, com o que os contratos conseguem afetar o comportamento desses agentes ocasionando em mudanças na avaliação do valor futuro de variáveis nominais. As mudanças tecnológicas, entre outras inovações, também são capazes de alterar a estrutura dessas economias. Dequech (2011) observa que a possibilidade de ocorrência de inovações tecnológicas é um importante exemplo de alteração da realidade social que conduz a um aumento da incerteza fundamental. De fato, algumas características do processo de inovação tecnológica contribuem para o aumento das bases do conhecimento dos agentes, e com isso a realidade social é alterada, porque os agentes agora são detentores de um novo tipo de conhecimento (tecnológico), de cuja existência não tinham noção antes. A compreensão do papel crucial da incerteza nesta economia, segundo Keynes (1985, p.145), implica perceber que se não houvesse incerteza no ambiente, a preferência pela liquidez – em particular, pelo dinheiro - como um meio de conservação não faria sentido, isto é, a incerteza é condição necessária para presença de preferência por liquidez. Vivemos em um ambiente governado pelo futuro enigmático, variavelmente concebido, que governa um presente momentâneo, nas palavras de Garlipp (2004), futuro esse que decorre tanto das ações passadas dos agentes quanto de suas avaliações. Enfim, como aponta Neves (2007), as decisões dos agentes em uma economia monetária da produção são tomadas perante a incerteza e estão associadas à construção de probabilidades de caráter subjetivo, que dependem mais das percepções, do bom senso e crença que os agentes têm acerca do futuro desconhecido do que da existência de evidências sobre este. Para Dillard (1976), frente a esta situação, as expectativas dos empresários são apoiadas sob o fio de uma navalha e os mercados de investimentos estão repletos de pânico latente. Podemos observar ao longo deste item como a incerteza possui um papel importante na economia apresentada por Keynes. Nas palavras de Minsky (1975, p.57), para se compreender Keynes “it is necessary to understand his sophisticated view about uncertainty, and the importance of uncertainty in his vision of the economic process. Keynes without uncertainty is something like Hamlet without the Prince”. A incerteza pode ser vista como a influência, por parte de algo desconhecido, sobre os acontecimentos econômicos que precisam ser prognosticados. Precisamos reconhecer a existência da incerteza neste ambiente, pois, o objetivo dos agentes nesta economia é a busca pelo aumento de sua riqueza que a incerteza, ao atuar sobre as expectativas dos empresários, se configura como um elemento endógeno de instabilidade para a economia (p. ex. Andrade, 1987). A compreensão da dinâmica da economia supõe entender a influência desempenhada pelas expectativas e respectiva confiança na tomada de decisões dos agentes econômicos. Em particular, as expectativas são um relevante canal de transmissão da política monetária (p. ex. Montes e Feijó, 2007), o que tem uma relevância especial para este trabalho. Diante disso, o próximo item estará o focalizado em compreender melhor como 25 é formado o estado de expectativa do agente e qual é o tamanho de sua importância como canal de transmissão da política monetária. 2.4 ESTADO DE EXPECTATIVA E INCERTEZA Pelo que foi argumentado até aqui, a incerteza é uma variável crucial na economia capitalista. Ter em mente o seu papel e o quanto influencia na tomada de decisões por parte dos agentes é essencial para compreender o comportamento destes. Pretendemos mostrar neste item como são formadas as expectativas de longo prazo dos agentes e qual a sua relevância para a política monetária em Keynes. Keynes (1985, p.109) sustenta que a formulação de expectativas é centrada nos eventos atuais e em eventos futuros que, apesar de incertos, podem ser previstos com um maior ou menor grau de confiança. Para os agentes, as análises de séries estatísticas ou as crenças justificadas no passado não são suficientes nas escolhas de suas ações futuras. Eles sabem que as decisões são tomadas no contexto de ambientes de verdadeira incerteza, e isso fara com que se tornem muito cautelosos ao fazerem escolhas. Em razão dos cenários necessariamente incertos construídos neste tipo de ambiente, Dequech (1999) enfatiza o fato de o agente individual não conseguir alcançar o pleno conhecimento, e como alternativa usar, além das informações disponíveis, o seu conhecimento tácito acerca das instituições que regulam o ambiente econômico para que a tomada de decisão seja feita. Cada agente nesta economia age com base em suas expectativas sobre um futuro incerto e, tendo isso em mente, tomará a decisão de reter o seu poder de compra na forma de moeda ou transformá-lo em demanda. Além disso, o empresário sabe que uma vez feita a escolha, ele não poderá voltar atrás em sua decisão e ela poderá causar a perda de seu poder de comando sobra o produto/renda. Assim, o grau de confiança do agente nas condições do ambiente econômico torna-se um elemento crucial, para a tomada de decisão de investir, pois as informações disponíveis não serão o bastante para assegurar plenamente as expectativas formadas. Keynes (1985, p.110) indica que o grau de confiança é definido por dois fatores: a aversão à incerteza, sendo esse fator subjetivo e psicológico, dado que é subordinado ao otimismo; a percepção da incerteza, derivada do conhecimento adquirido pelo agente durante a sua vida. Quanto maiores a percepção e a aversão à incerteza, maior será a tendência dos agentes em não tomarem iniciativas relacionadas ao longo prazo. Note-se que o tempo é um componente essencial a ser levado em consideração pelos agentes, pois quanto maior o horizonte de tempo, ceteris paribus, mais incertos e instáveis serão os prognósticos realizados pela firma para uma certa data no futuro. Diante disso, um ponto importante a ser explicitado é a diferença entre expectativas de curto prazo e de longo prazo. Para Keynes as expectativas de curto prazo são voltadas para a produção, ou seja, fazem referência ao preço que um empresário pode cogitar receber por seu produto acabado no momento em que está disposto a começar o processo que irá gerar esse produto; enquanto as expectativas de longo prazo estão ligadas às formulações de planos de investimentos, voltadas para o quanto o empresário pode esperar ganhar em retornos futuros ao comprar um ativo como um incremento para o seu equipamento de capital (v. p. ex. Carvalho, 1988). Sendo assim, as decisões quanto à produção são alicerçadas nas expectativas de curto prazo e estão vinculadas basicamente ao preço a ser cobrado e a 26 quantidade a ser vendida, ao passo que as expectativas de longo prazo têm seu foco nas decisões de investimento, ou seja, nos retornos esperados para os novos investimentos. É notável que, por existirem diversas alternativas para a aplicação de recursos em investimento e devido ao seu horizonte temporal maior de realização, as expectativas de longo prazo são por natureza mais instáveis ou voláteis do que as expectativas de curto prazo. Por não terem bases concretas para guiá-los no momento em que formulam suas expectativas de longo prazo, os agentes ficam reféns de projeções alicerçadas apenas naquilo que eles considerem ser o mais provável de acontecer – e essa probabilidade é inteiramente subjetiva - e da sua confiança nessas projeções. Carvalho (1988) mostra que as expectativas de curto prazo se configuram como um processo de descoberta por parte dos agentes daquilo “que realmente é”, mesmo com a presença de um certo nível de incerteza, e por isso são consideradas menos instáveis e possuem um maior grau de confiança, ao passo que, as expectativas de longo prazo são um processo de descoberta por parte dos agentes de “o que poderia ser”, e é isto que as faz ser tão temerárias na concepção do agente econômico. Keynes (1985, p.110) retrata que, “as expectativas de longo prazo baseiam-se, em parte em fatos conhecidos com mais ou menos certeza e, em parte, em eventos futuros em que se detém um maior ou menor grau de confiança”. Assim, para que o empresário tome a decisão de investir, é necessário que as suas expectativas de longo prazo sejam tão animadoras que superem tanto a sua desconfiança com relação aos resultados futuros de suas projeções no presente, quanto o ganho proporcionado por ativos financeiros com taxas de juros predeterminadas. Fica claro que, nesta economia, o desafio das empresas é tomar decisões tanto de produzir quanto de investir, com base em expectativas acerca da demanda futura de seus produtos e quanto maior for o horizonte temporal desta decisão, mais complexa e difícil ela se torna. Keynes (1985, p.118) salienta que o otimismo espontâneo influencia muito mais nossas atividades do que algum tipo de expectativa matemática, ou seja, se não houver entusiasmo por parte dos agentes e suas decisões ficarem dependentes apenas de expectativas matemáticas, o investimento tem grandes chances de não ocorrer. O autor ressalta o fato de que decisões humanas com relação ao futuro, sejam elas de caráter político, social ou econômico, não podem depender estritamente de cálculos matemáticos, pois não é possível obter bases objetivas para esse cálculo. Além disso, justamente por ser um contexto marcado pela incerteza em que a formação das expectativas não consegue uma base solida na qual se apoiar, as decisões tomadas pelas demais firmas num mercado se tornam uma valiosa informação para o empresário, pois podem indicar a tendência assumida ao longo do tempo pelas variáveis relevantes para a tomada de decisão. Por tudo isso ao perceber que está cercado por adversidades, o agente tentará buscar proteção adotando comportamentos e desenvolvendo instituições que minimizem a incerteza e os danos advindos dela. Keynes sustenta que a adoção de convenções por parte dos agentes é uma das formas de estes se protegerem do ambiente incerto, sendo justificada pela sua praticidade e simplicidade diante a incerteza. As convenções tornam as decisões mais simples reduzindo a complexidade inerente ao processo de decisões (v. Oreiro, 2000). O objetivo dos agentes ao adotarem convenções, ou qualquer outro tipo de rotina comportamental, é encontrar um resultado que seja considerado satisfatório e que reduza erros de previsões em meio à incerteza. 27 Além disso, a reputação da firma também está em jogo quando o empresário toma decisões; a firma que adotar com frequência julgamentos errados acerca do mercado muito provavelmente perdera credibilidade frente aos seus consumidores, o que pode incorrer em perdas financeiras e tornar sua sobrevivência nesse ambiente mais difícil. Oreiro (2000) afirma ainda que, em geral, é melhor do ponto de vista da reputação para o “especulador profissional”, enquanto tomador de decisões, errar com os outros do que acertar sozinho, e essa percepção tende a aumentar conforme cresça a aversão ao risco. Isso ocorre porque, tendo em vista a dificuldade em acertar previsões neste ambiente, caso o “especulador profissional” tome uma decisão errada e os demais agentes também percorram este mesmo caminho, é muito provável que a avaliação do mercado, em relação a credibilidade dele, não seja influenciada por este episódio, ao passo que, se o “especulador profissional” errar sozinho, ele perderá posição competitiva e terá sua reputação depreciada no mercado. Assim, as convenções se apresentam como uma solução parcial encontrada pelos agentes para lidar com a incerteza quando avaliam seu estado de confiança, uma saída que, apesar de proporcionar um certo alento ao agente, não consegue eliminar de forma definitiva a incerteza. Em síntese, Keynes (1985, p. 111) aponta que Os homens de negócio fazem um jogo que é uma mistura de habilidade e de sorte, cujos resultados médios são desconhecidos pelos jogadores que dele participam. Se a natureza humana não sentisse a tentação de arriscar, nem de sentir a satisfação (excluindo-se o lucro) de construir uma fábrica, uma estrada de ferro, de explorar uma mina ou uma fazenda, provavelmente não haveria muitos investimentos como mero resultado de cálculos frios. Em suma, o papel das expectativas em Keynes é essencialmente diferente de outras abordagens porque as decisões de investimento, para ele, são baseadas em expectativas que remetem a um futuro distante e repleto de incerteza. Pode-se dizer que, provavelmente, a característica mais relevante desse sistema é a presença da incerteza. Algumas informações de que os agentes necessitam para tomar decisões com mais segurança não estão disponíveis, de forma que, para tomar uma decisão de investir, os agentes tentam coletar o máximo de informação disponível para formar suas expectativas, mesmo sabendo que serão insuficientes. A confiança nas expectativas e o entusiasmo (“animal spirits”) determinarão o estado de expectativa que servirá como base para a tomada de decisão, o que torna o ambiente muito instável, pois um colapso da confiança pode encaminhar a economia para uma recessão. Assim, devemos voltar nossas atenções para políticas que são capazes de restaurar a confiança dos agentes, elas são a chave que o governo possui na busca por tentar reestabelecer a atividade e o emprego, e assim evitar que a lógica do capital rentista especulativo se sobrepunha a do capital produtivo. Diante disso, qual seria o papel da Autoridade Monetária nesse ambiente? De acordo com Montes e Feijó (2007), ela desempenha importante papel, pois por meio da política monetária busca aumentar ao máximo o conhecimento disponível para os agentes e, assim, contribuir para o aumento do grau de confiança nas suas expectativas, que se tornam um canal de transmissão crucial da política monetária. Assim, somente se os 28 agentes confiarem nas ações efetivadas ou anunciadas pela Autoridade Monetária ela terá esse efeito desejado de orientar, influenciar e às vezes formar as expectativas, o que torna a gestão da política monetária uma variável determinante na busca pela estabilização do estado de expectativas. A política monetária deve fornecer sinais para o setor privado que indiquem cenários futuros mais seguros e reduzam a incerteza inerente ao sistema. Tal atitude afetará os agentes, provocando uma queda na preferência pela liquidez e, como consequência, um aumento do investimento. Num ambiente assim instável, os agentes precisam de algo sólido para aumentar a confiança em suas expectativas. Ao fornecer sinais que conduzam os empresários para tomarem decisões de investimento mais confiáveis, a Autoridade Monetária em princípio poderia conseguir atenuar a percepção de incerteza em relação aos resultados futuros dos investimentos. Carvalho (1994) enfatiza que a política monetária envolveria a manipulação do estoque de moeda (e, vale acrescentar, da taxa de juros) com a finalidade de alterar a taxa de juros sobre os ativos líquidos e, assim, pelo efeito sobre os portfolios dos agentes privados, levar a movimentos de troca das formas de riqueza, diminuindo ou aumentando a renda agregada na produção de novos itens. Em outras palavras, a política monetária em Keynes age basicamente na circulação financeira, mas para obter efeitos na circulação industrial, impactando-a por meio do investimento. Portanto, uma política monetária eficiente é aquela que consegue o terreno para que os agentes tomem decisões que sejam favoráveis ao estímulo da demanda efetiva, pelo que ela deve emitir sinais que mostrem a direção mais provável para o retorno dos investimentos. Quanto mais nítidos forem consideradas esses sinais, mais confiante e seguro será o processo de decisão dos agentes, incentivando a realização de mais investimentos. Enfim, a política monetária tem o importante papel de fazer com que os agentes tomem decisões consistentes com suas expectativas, em vez de se deterem diante da incerteza destas. Em um ambiente incerto, com relação aos resultados futuros, a política monetária pode ser o norte capaz de conduzir os agentes para o encontro de expectativas mais confiáveis para realizarem decisões de longo prazo. No próximo capítulo será abordada a política monetária sob a óptica do debate de regras versus discricionariedade. 29 3 O DEBATE REGRAS VERSUS DISCRICIONARIEDADE 3.1 ORIGENS DO DEBATE REGRAS VERSUS DISCRICIONARIEDADE A instituição de regras sempre foi um tema que gerou muita controvérsia na sociedade. A vida em sociedade impõe a necessidade de buscar uma maneira de compatibilizar os interesses individuais, incluindo a de proteger cada membro da sociedade das injustiças ou opressões dos outros membros. As regras, então, surgem com o intuito de impor limites e estabelecer a ordem entre as pessoas, para que as suas necessidades de segurança e proteção sejam atendidas. Nos dicionários, “regra” tem definições como: norma, preceito, princípio e método. Regras servem para nortear; podem ser um costume, ou leis, impondo a todo homem em sociedade certas obrigações. No que diz respeito à literatura econômica, o debate, mais especificamente acerca da condução da política monetária, por meio de regras versus discricionariedade (ausência de regras), é antigo. Desde a existência do padrão ouro, o assunto era levado para os encontros de discussão de teoria e política econômica. Existem relatos de que os primórdios deste debate derivam de dois momentos históricos: o primeiro é o confronto entre os bullionistas e os antibullionistas que ocorreu durante as primeiras décadas do século XIX; e o segundo é a controvérsia teórica entre a Currency School (Escola do meio-circulante), a Banking School (Escola Bancária) e a Free Banking School (Escola dos Bancos Livres) por volta da terceira década do século XIX. Porém, o maior destaque recente para esse debate veio com os trabalhos de Kydland e Prescott, que oferecem novos elementos para a discussão de regras versus discricionariedade. Vejamos alguns destes elementos no próximo item, com uma breve ilustração daquilo que Kydland e Prescott enfatizaram com o seu modelo. 3.1.2 O modelo de Kydland e Prescott (1977) Kydland e Prescott (1977) argumentaram que a melhor forma de conduzir a política monetária seria dar-lhe maior credibilidade, evitando o problema de inconsistência temporal, o que deveria ser realizado por meio da adoção de regras. Assim, surtos inflacionários tenderiam a ocorrer por causa da falta de confiança dos agentes no governo; ao optar por políticas discricionárias, haveria a possibilidade da produção pelo governo de um viés inflacionário. A política monetária é considerada temporalmente inconsistente quando uma ação da Autoridade Monetária, vinculada a um plano supostamente ótimo em determinado período de tempo, deixa de ser ótimo nos períodos seguintes, mesmo que nenhuma informação adicional tenha surgido no período em questão (v. Modenesi, 2005:164). Em outras palavras, considerando-se que a variável chave da inflação é o estoque de moeda, o problema da inconsistência dinâmica está relacionado ao fato de as variações inflacionárias serem resultado do trade-off entre inflação e desemprego. Essa visão hegemônica da credibilidade traz consigo a aceitação de pressupostos da teoria novo clássica, os quais, por sua vez, consideram que o sistema econômico é intrinsecamente estável e que políticas econômicas conduzidas pela discricionariedade são nocivas para o ambiente econômico. Observe-se que essa corrente de pensamento adota um modelo de equilíbrio geral com expectativas racionais. Assim, quando a Autoridade Monetária confia na adoção de uma 30 regra de condução para a política, ela consegue aperfeiçoar a performance econômica, pois qualquer política econômica ativa teria apenas efeito sobre o nível de preço, já que elas seriam antecipadas e anuladas pelos agentes. E, uma vez que os agentes ajustam as suas expectativas com base na política ativa praticada pela Autoridade Monetária, a economia voltaria para o ponto de equilíbrio, porém com um nível de inflação maior do que antes. Assim, o único efeito proporcionado por uma atitude discricionário seria o viés inflacionário. Modenesi (2005, pag.166) oferece uma didática explicação do modelo desenvolvido por Kydland e Prescott. Segundo o autor, o modelo parte de uma Curva de Phillips aceleracionista como a da equação: ∪𝑡=∪𝑛 +∝ (�̇�𝑡 𝑒 − �̇�𝑡), ∝> 0 (1) cujas varáveis são definidas como: ∪𝑡 = nível de desemprego no período t; ∪𝑛 = taxa natural de desemprego; �̇�𝑡 𝑒 = expectativa de inflação; �̇�𝑡 = nível de inflação verificada no período t. Além disso, o autor (p.167) destaca que, neste modelo, as decisões tomadas pela Autoridade Monetária são racionalizadas por uma função bem-estar social (S): 𝑆 = 𝑆(�̇�𝑡(�̇�𝑡),∪𝑡) (2) em que: �̇�𝑡 = estoque monetário referente ao período t. Ressalta-se ainda que o estoque monetário é função direta da taxa de inflação e que a função bem-estar social (S) é decrescente com o desemprego e com a taxa de inflação: 𝑑�̇�𝑡(�̇�𝑡) 𝑑�̇�𝑡 > 0, 𝜕𝑆 𝜕�̇�𝑡 < 0, 𝜕𝑆 𝜕∪̇𝑡 < 0 (3) Dito de outra forma, a Autoridade Monetária leva em consideração, ao tomar suas decisões, que o bem-estar da sociedade é melhorado quando os níveis de inflação e desemprego diminuem. 31 Assim, o problema da Autoridade Monetária, ao formular a sua política, consiste em determinar um valor para a taxa de crescimento de estoque de moeda (�̇�𝑡) que maximize o bem-estar social (S), sujeita a uma restrição dada pela Curva de Phillips aceleracionista (v. Modenesi, 2005:167): 𝑚𝑎𝑥 �̇� 𝑡 𝑆 = 𝑆(�̇�𝑡(�̇�𝑡),∪𝑡) (4) 𝑠. 𝑎. ∪𝑡=∪𝑛 +∝ (�̇�𝑡 𝑒 − �̇�𝑡) (5) Figura 1 Equilíbrio Subótimo e Ótimo Fonte: Kydland e Prescott (1977:479) 32 Quadro 1 O jogo de Política Monetária entre a Autoridade Monetária e o agente econômico Fonte: Modenesi (2005:172) A figura 1 apresenta algumas curvas de Phillips e curvas de indiferença. O ponto “C” representa o equilíbrio subótimo que é caracterizado quando a curva de indiferença é tangente a curva de Phillips ao longo da linha vertical. Neste ponto, os agentes apresentam expectativas racionais e os formuladores de política fazem a melhor escolha, dentre as possíveis, na situação corrente. O ponto “O” representa o equilíbrio ótimo e é caracterizado por possuir uma curva de indiferença mais alta do que o ponto de equilíbrio subótimo. O quadro 1 ilustra bem os fatos apresentados no modelo de Kydland e Prescott e na figura 1. Conforme o quadro acima, o ponto ‘C’ representa um equilíbrio subótimo que é marcado por um nível elevado de inflação e o desemprego no mesmo patamar da taxa natural, enquanto o ponto ‘O’ é um equilíbrio ótimo e nele a economia possui baixa inflação com o desemprego no mesmo patamar da taxa natural. O ponto ‘A’ representa a tentação por parte do governo em estimular a economia. Nele, a inflação é elevada e o desemprego fica abaixo do patamar da taxa natural. Além disso, é um ponto insustentável no longo prazo, pois quando os agentes identificarem que foram enganados, as suas expectativas serão ajustadas e a economia voltará para o ponto ‘C’. O ponto ‘B’ simboliza uma Autoridade Monetária sem credibilidade que cumpre o que anuncia; neste ponto, devido à falta de credibilidade, os agentes ajustam suas expectativas de inflação para baixo e assim a economia terá uma baixa inflação com o desemprego acima do patamar da taxa natural. Como essa situação é indesejável para a Autoridade Monetária, ela não irá cumprir o que anunciou e a economia voltará para o ponto ‘C’. Em síntese, quando a Autoridade Monetária conduz sua política econômica com discricionariedade, ela tem um incentivo a trapacear para aproveitar o trade-off de curto prazo entre inflação e desemprego. Neste contexto, o ponto ‘O’ passa a ser inconsistente, ou seja, com o intuito de aumentar o bem-estar social a Autoridade Monetária não implementará a política econômica anunciada, para acionar o viés inflacionário. Observa-se que, no modelo de Kydland e Prescott, ocorre na economia um jogo dinâmico de características forward-looking entre a Autoridade Monetária e o agente econômico. 33 Neste jogo, a Autoridade monetária atua como uma espécie de líder que anuncia o seu movimento. Após o anuncio ter sido feito, o agente pode ajustar suas expectativas com base no anunciado ou não, ao passo que quando as expectativas dos agentes estiverem formalizadas, a Autoridade Monetária deve analisar se irá cumprir ou não com o que foi anunciado (v. Modenesi, 2005:171). O problema deste jogo para a Autoridade Monetária é que ela não está jogando contra a natureza, mas com um agente racional. Em outras palavras, os agentes reconhecem que a discricionariedade abre janelas para exploração do viés inflacionário e assim a credibilidade da Autoridade Monetária fica comprometida, caso ela conduza a sua política com discricionariedade. Verifica-se, portanto, a necessidade do surgimento de mecanismos e instituições que sejam responsáveis por garantir, para o agente econômico, que a Autoridade Monetária cumpra o que havia prometido. Afinal, as implicações no modelo sinalizam que a Autoridade Monetária deva preferir as regras ao invés da discricionariedade, uma vez que a condução da política monetária por meio de discricionariedade resulta em equilíbrios subótimos e instabilidade econômica (v. Kydland e Prescott, 1977). O modelo de Kydland e Prescott foi um importante passo inicial para retomar o debate de regras versus discricionariedade com um enfoque mais analítico. E a existência de um viés inflacionário na ausência de regras foi um dos principais resultados desse modelo para o estudo dos regimes monetários. Outros autores, como Barro e Gordon, também ofereceram contribuições para o debate. Tais autores buscavam em suas análises reduzir a importância do viés inflacionário na condução da política monetária e enfatizar a questão da reputação, ou seja, o compromisso que a regra é capaz de fornecer para a Autoridade Monetária perante o agente econômico. Uma breve exposição do modelo de Barro e Gordon será feita no próximo item. 3.1.3 O modelo de Barro e Gordon (1983) Barro e Gordon sustentaram que a perda de reputação da Autoridade Monetária perante os agentes econômicos, resultante da discricionariedade, poderia ser um mecanismo relevante para induzir o uso de regras na condução da política monetária. O compromisso que as regras fornecem para os agentes é algo de grande relevância para os defensores de tal regime. O assim chamado “Equilíbrio Reputacional”, desenvolvido por Barro e Gordon (1983a e 1983b), resultou de um jogo em que ocorrem repetidas partidas entre a Autoridade Monetária e o agente econômico. De acordo com Modenesi (2005, p.176), no jogo característico do “Equilíbrio Reputacional” de Barro e Gordon o payoff intertemporal pode ser representado pela seguinte equação: ∑ 𝑢𝑡 (1+𝑟)𝑡 ∞ 𝑡=0 (6) cujas varáveis são: 𝑢𝑡= o valor dos payoffs em cada período t. 𝑟 = o fator de desconto. 34 Observa-se que, de acordo com a equação (6) o equilíbrio do jogo será definido com base no valor do fator de desconto do formulador de política. Desta forma, quanto mais alto for o fator de desconto, maior será a preocupação da Autoridade Monetária com os resultados imediatos de suas decisões, acionando assim o viés inflacionário, ponto C na Figura 2.1. Ao passo que um fator de desconto baixo implica uma Autoridade Monetária mais preocupada com os resultados futuros de suas decisões, não acionando assim o viés inflacionário, como no ponto O na Figura 2.1 (v. Modenesi, 2005:177). 𝑟 ≅ 1 → Autoridade Monetária se comporta de forma não cooperativa (ponto C). 𝑟 ≅ 0 → Autoridade Monetária se comporta de forma cooperativa (ponto O). Segundo Barro e Gordon (1983), o objetivo da Autoridade Monetária é reflexo das preferências de um agente “representativo” privado, e muitas vezes este pode preferir abrir mão de benefícios de curto prazo provenientes de choques de inflação em troca de uma baixa taxa média de inflação no longo prazo. Do ponto de vista desses autores, o que a Autoridade Monetária deveria ter em mente é se os custos da inflação para a sociedade são maiores do que os benefícios que podem ser alcançados ao permitir que ocorra inflação1. Quando os agentes compreenderem as atitudes tomadas pela Autoridade Monetária, eles serão capazes de ajustar as suas expectativas inflacionárias e, assim, anular os benefícios advindos de uma inflação de surpresa; ou seja, tais benefícios serão vistos como de curto prazo. Em outras palavras, a Autoridade Monetária deve colocar em uma balança os benefícios adquiridos por abrir mão do compromisso com as regras e os custos provenientes de um processo inflacionário. Ao fazer isso, ela irá perceber que a perda de reputação resultante da discricionariedade pode ser muito onerosa, pois os agentes, em sua maioria, tendem a considerar que a inflação possui um custo muito elevado, implicando que para eles o atual nível de inflação é preferível ao seu crescimento. Em síntese, o número elevado de partidas no jogo entre a Autoridade Monetária e o agente econômico motivará a adoção de regras na condução da política monetária, pois é preferível para os envolvidos no jogo uma inflação baixa e crescimento moderado no longo prazo do que os benefícios advindos de choques inesperados no curto prazo (v. Barro e Gordon, 1983). Portanto, o Governo tende a preferir as regras em lugar de discricionariedade, porque na ausência de erros sistemáticos não existe nenhuma vantagem em agir diferente disso. Enfim, a lógica do modelo de Barro e Gordon indica que, em um jogo cujas partidas são disputadas repetidas vezes, a estratégia baseada na consistência será aquela que fornecerá os melhores resultados para os jogadores. 3.1.4 O debate entre os pós-keynesianos Até agora mostramos uma síntese da origem do debate regras versus discricionariedade com autores que corroboram com postulados da economia novo 1 Os benefícios de uma inflação de surpresa estão centrados no incremento da atividade econômica por meio de uma imprevista expansão monetária e pelo ganho de receitas governamentais através de um financiamento inflacionário: ver Barro e Gordon (1983). 35 clássica, relacionados à “inconsistência dinâmica de planos ótimos” (Kydland e Prescott, 1977). Apesar da oposição entre novos clássicos e keynesianos, não devemos concluir que este debate não possa ser estendido para a ótica de Keynes e dos pós-keynesianos, que enfatizam em suas análises os argumentos da endogeneidade e da não neutralidade da moeda. Esses autores afirmam que a discussão de regras para os novos clássicos deixa de fazer sentindo quando se abandona o fato de que a política monetária só surte efeito quando é inesperada, e se levarmos em conta a criação endógena de moeda e seus efeitos tanto no curto quanto no longo prazo; ou seja, consideram que a política monetária é capaz de causar efeitos no lado real da economia e não apenas no nível de preços, como supõem os novos clássicos. Do ponto de vista pós-keynesiano, a política monetária deve estabilizar a economia e criar condições para que os agentes econômicos possam alocar da melhor maneira possível seus recursos no futuro. Para isso, eles defendem tanto a intervenção do governo na economia quanto a existência de um grau de discricionariedade na condução da política econômica, que seja capaz de solucionar eventuais situações indesejáveis que o futuro possa proporcionar. Vale ressaltar que essa corrente teórica descarta o pressuposto da existência de um único ponto de equilíbrio na economia; desta forma, a estabilidade do ambiente econômico é proveniente do ataque em diversas frentes do problema das causas da instabilidade, via coordenação das políticas monetária, fiscal e cambial. Neste contexto, o ativismo monetário de Keynes é justificado por um governo esclarecido e qualificado, aliado ao fato de uma intervenção estatal que não ultrapasse os limites da liberdade individual (v. Carvalho,1994). Sendo assim, cabem aqui algumas considerações: Em primeiro lugar, James Tobin (1983 e 1998) foi um dos autores keynesianos de maior destaque na defesa da discricionariedade perante as regras na condução da política monetária. Segundo Tobin, a adoção de uma regra fixa para a política monetária é algo incompatível com a economia em que vivemos, pois nela há uma grande variedade de tipos de choques econômicos, tornando essenciais reformulações das políticas adotadas no decorrer do tempo com o intuito de fornecer uma resposta às alterações do estado corrente da economia (v. Tobin, 1983). Porém, não seria certo descartar o fato de que, se a promoção de cenários futuros mais seguros é uma das intenções da política monetária, então o debate e a compreensão, por parte dos agentes, dos objetivos traçados pela Autoridade Monetária pode ser uma forma de direcionar o comportamento do público de uma maneira positiva. Em segundo lugar, parte dos pós-keynesianos consideram que adotar algo como uma regra reativa de política monetária para a economia também não seria uma maneira eficaz de buscar seus objetivos, pois vivemos em um mundo inergódico, ou seja, não existe a possibilidade de se prever com precisão quando e como os choques atingirão a economia. De acordo com Davidson (2003), não existe modelo matemático capaz de prever com precisão os resultados futuros das variáveis na economia, pois o ambiente em que as suas séries históricas são geradas é marcado por circunstâncias inergódicas. Contudo, o anúncio das medidas que serão tomadas, as normas e as regras da sua condução, não devem ser vistas como algo ineficaz; pelo contrário, elas podem aumentar a eficácia da política monetária por mostrarem para os agentes econômicos os valores (metas) que serão perseguidos pela Autoridade Monetária. Afinal, é certo de que as expectativas dos agentes econômicos são um relevante canal de transmissão da política 36 monetária, criando a necessidade de a Autoridade Monetária compreender o comportamento desses agentes, com o intuito de verificar o grau de influência desempenhado pelas expectativas e a confiança na tomada de decisões dos agentes econômicos. Em terceiro lugar, como os pós-keynesianos consideram impossível antecipar todos os eventos futuros do ambiente econômico, a ocorrência de erros nessas previsões é inevitável, e assim a adoção de qualquer tipo de regra seria insuficiente. Para Tobin (1983), somente a discricionariedade consegue ser verdadeiramente reativa, sem nenhuma restrição formal para estabelecer mudanças perante os acontecimentos futuros desconhecidos. Entretanto, a adoção de certas normas para a condução da política monetária talvez possa evitar algumas ações erráticas por parte dos policymakers, ao prevenir que eles tentem adivinhar o comportamento imprevisível de variáveis ao longo do tempo. Observa-se que, apesar de parte dos pós-keynesianos serem a favor da discricionariedade monetária, essa opinião não é unânime entre eles, pois a existência da incerteza preocupa os agentes nesta economia e uma regra de política monetária pode ser capaz de contribuir para reduzi-la, contribuindo para fazer convergir as expectativas e evitar que a Autoridade Monetária incorra em erros sistemáticos. Enfim, o debate de regras versus discricionariedade na condução da política monetária vem, ao longo dos anos, levantando grandes questionamentos nas várias correntes de pensamento atuantes na política econômica. Nas seções a seguir será investigado, no debate regras versus discricionariedade, o que hoje é considerado como regra e como discricionariedade da política monetária para os policymakers, além de serem expostos os argumentos de cada um dos lados. 3.2 DIFERENÇA ENTRE REGRA E POLÍTICA PASSIVA Algo que precisa ficar bem evidenciado antes de expor os argumentos de cada um dos lados no debate regras versus discricionariedade é que conduzir a política monetária por meio de uma regra não implica, necessariamente, que a política monetária deva ser passiva. Este equívoco surge, em grande parte, devido à confusão entre dois conceitos: o primeiro é a regra no sentido de Friedman; e o segundo é a proposição de que a política monetária é ineficiente. Os fundamentos teóricos em que estes conceitos estão baseados induzem a acreditar que o único efeito de uma política monetária ativa é o aumento da inflação, e assim, sendo a política monetária ineficiente, seria melhor não utilizá-la. Porém existem outras correntes teóricas, como a de Keynes, que consideram possível, embora limitada, a capacidade de a política monetária afetar o lado real da economia. Desta forma, adotar uma regra para a condução da política monetária não implica que ela deva ser passiva, pois pode servir de grande apoio para o alcance dos fins estipulados. O objetivo dos próximos tópicos é tentar esclarecer esse equívoco. Será feita uma breve exposição acerca dos conceitos de regra no sentido de Friedman e de ineficácia da política monetária, para, em seguida, evidenciar a diferença entre regra e política monetária passiva. 37 3.2.1 A Regra no sentido de Friedman Milton Friedman é considerado como um dos principais precursores do monetarismo do tipo I (movimento teórico com origens na Universidade de Chicago e que ganhou destaque a partir de meados da década de 1960). O monetarismo do tipo I possuí como uma das principais hipóteses a existência de uma taxa natural de desemprego2. Esta, por sua vez, é composta por dois elementos principais: o desemprego voluntário, que acontece quando uma pessoa decide não trabalhar por achar que o salário real não está em um nível considerado satisfatório; e o desemprego friccional, que surge quando os agentes estão temporariamente desempregados, ou seja, de passagem de um emprego para outro (v. Modenesi, 2005:56). Vale aqui chamar a atenção para o fato de que o conceito de taxa natural de desemprego desconsidera a existência de um tipo de desemprego muito enfatizado por Keynes e seus seguidores, o desemprego do tipo involuntário. Este desemprego ocorre quando os agentes consideram o nível de salário vigente satisfatório e estão dispostos a trabalhar, porém não há vagas disponíveis na economia3 Keynes (1985, p.23). Ressalte-se ainda que a taxa natural de desemprego não é imutável ao longo dos anos. Ela pode sofrer alterações em função, por exemplo, de alterações na preferência dos agentes na economia quanto às horas que devem ser dedicadas ao trabalho e as horas dedicadas ao lazer, ou então mudanças em fatores institucionais como melhorias nas condições de trabalho (p. ex. Carvalho et al. 2007:114). Em suma, a taxa natural de desemprego integra as características institucionais e estruturais do mercado de trabalho e do mercado de bens e serviços. Assim, quando os valores da taxa natural de desemprego são iguais aos valores da taxa de desemprego vigente na economia, é sinal de que todos os agentes estão conseguindo satisfazer suas necessidades, quer estejam desempregados ou não (v. Friedman, 1968). Observa-se que a taxa natural de desemprego é nada menos que uma nova versão do pleno emprego dos fatores de produção, um dos conceitos mais debatidos ao longo da história da literatura econômica. Outro aspecto fundamental dessa corrente teórica é o fato de os agentes na economia formarem expectativas do tipo adaptativas ou backward looking, ou seja, os agentes determinam suas expectativas baseando-se em informações do passado (v. Modenesi, 2005:66): �̇�𝑡 𝑒 = �̇�𝑡−1 (7), em que: �̇�𝑡 𝑒= A expectativa de inflação no período t. �̇�𝑡−1= A inflação no período t-1. 2 O termo natural está associado ao sentido wickselliano e visa a diferenciar, na determinação do nível de emprego, as forças reais da economia das forças monetárias. Friedman queria enfatizar que a taxa natural de desemprego é determinada por variáveis reais e, desta forma, a taxa natural irá se igualar com o nível de desemprego na economia se não houver interferência de fatores monetários. Para maiores detalhes, ver Friedman (1968). 3 Para saber mais sobre o desemprego involuntário e suas implicações na economia, ver Keynes (1985:23). 38 A expectativa do tipo adaptativa está intimamente ligada com o conceito de ilusão monetária, que para Friedman é um erro expectacional capaz de fazer com que o nível de desemprego na economia se posicione abaixo da taxa natural de desemprego. A ilusão monetária acontece quando, por exemplo, a Autoridade Monetária promove um aumento do estoque de moeda e esse aumento faz com que a taxa de inflação ultrapasse o nível esperado pelos agentes, ou seja, é o fato de os agentes não conseguirem diferenciar as alterações no nível geral de preços das alterações nos preços relativos que caracteriza a ilusão monetária (v. Modenesi, 2005:67). Ademais, o principal resultado da junção destas duas hipóteses do monetarismo do tipo I – taxa natural do desemprego e expectativas do tipo adaptativo – é a neutralidade da moeda no longo prazo, pois alterações no estoque de moeda não são capazes de manter, sistematicamente, o nível de desemprego abaixo do nível natural (v. Friedman, 1968). Neste contexto, fica evidente que para o monetarismo do tipo I a política monetária é eficaz apenas no curto prazo, já que no longo ela somente causa variações no valor nominal de variáveis como, por exemplo, os preços e os salários (v. Modenesi, 2005:101): �̇�𝑡 > �̇�𝑡 𝑒 ↔ 𝑈𝑡 < 𝑈𝑁 (8) �̇�𝑡 < �̇�𝑡 𝑒 ↔ 𝑈𝑡 > 𝑈𝑁 (9) �̇�𝑡 = �̇�𝑡 𝑒 ↔ 𝑈𝑡 = 𝑈𝑁 (10) Portanto, uma regra no sentido de Friedman é aquela que leva em consideração os fundamentos teóricos do monetarismo do tipo 1: a neutralidade da moeda; a existência da chamada taxa natural do desemprego; e expectativas do tipo adaptativo. Quadro 2 A regra no sentido de Friedman Fonte: Modenesi (2005:101) O quadro 2 indica que os dois principais argumentos contra o ativismo monetário para Friedman são: o fato de a ilusão monetária causar uma queda no nível de satisfação dos agentes na economia; e as defasagens presentes na condução da política monetária4. 4 As defasagens existentes na política monetária podem ser agrupadas em duas categorias: a primeira é a defasagem interna que é o período de tempo que a Autoridade Monetária leva para perceber a ocorrência de um choque e tomar as medidas necessárias; a segunda é a defasagem externa, ou seja, o tempo necessário para o surgimento dos efeitos provenientes das medidas tomadas. Ver Modenesi (2005:75). 39 Para esta corrente de pensamento, o fato de a Política Monetária ser um mecanismo de gestão macroeconômica limitada faz com que, para a Autoridade Monetária, seja mais adequado adotar uma regra que leve em consideração tais pressupostos e que mantenha a política monetária passiva. Afinal, como a única função plausível para a política monetária é a de tentar não ser um motivo adicional de distúrbios para o ambiente econômico, Friedman é contrário ao seu uso. 3.2.2 A ineficácia da política monetária A proposição da ineficácia da política monetária surgiu com Thomas Sargent e Neil Wallace (1981a e 1981b), autores que fazem parte de um grupo denominado novo- clássico, fortemente contrário ao uso de qualquer tipo de política monetária ativa por parte da Autoridade Monetária. A corrente novo-clássica traz consigo influência de hipóteses monetaristas. Basicamente, o que difere nessas duas vertentes é a maneira pela qual os agentes formam suas expectativas acerca do ambiente econômico para a tomada de decisões. Para os novo- clássicos, diferentemente dos monetaristas, as expectativas dos agentes na economia são do tipo racional, ou seja, eles consideram que os agentes, ao formularem suas expectativas, não olham unicamente para trás (backward-looking), mas também olham para os acontecimentos que ainda estão por vir (forward-looking). Mais especificamente, agentes racionais segundo esse modelo conseguem absorver todo tipo de informação presente na economia. Além disso, o seu modo de compreender o que está acontecendo no ambiente corresponde exatamente à forma de operação da economia e, assim, a única forma de a política monetária surtir efeito no lado real da economia seria surpreendendo o agente econômico. Observa-se que a proposição da ineficácia da política monetária nega a existência de um trade-off entre inflação e desemprego por considerar que a política monetária é inócua mesmo no curto prazo, e assim políticas discricionárias são indesejadas, ou seja, a moeda nesta economia é superneutra: políticas monetárias sistemáticas não são capazes de influenciar as variáveis reais da economia (p.ex. Modenesi, 2005:158). Utilizaremos a formulação simplificada apresentada por Carvalho et al. (2007) do modelo desenvolvido originalmente por Thomas Sargent e Neil Wallace (1975) em seu artigo Rational Expectations and the Theory of Policy, para mostrar a construção feita pela teoria novo-clássica de que a política monetária não consegue atingir as variáveis reais na economia. Considere-se a seguinte versão modificada da função de oferta de Lucas: 𝑈𝑡 = 𝑈𝑛 − 𝛼(�̇�𝑡 − �̇�𝑡 𝑒) + 𝛽 𝛼 > 0 (11), cujas variáveis são: 𝑈𝑡 = desemprego corrente; 𝑈𝑛 = desemprego natural; 𝛼 = um parâmetro positivo; �̇�𝑡 = inflação no período t; �̇�𝑡 𝑒 = inflação esperada para o período t; 𝛽 = todos os fatores não monetários que são capazes de afastar o desemprego corrente do desemprego natural. 40 De acordo com a equação 11, quando as expectativas inflacionárias dos agentes são confirmadas, o desemprego corrente se iguala ao nível natural de desemprego. Supondo- se que os agentes formam expectativas do tipo racional: �̇�𝑡 𝑒 = 𝐸(�̇�𝑡 𝐼𝑡−1⁄ ) (12). Observa-se que, na equação 12, a expectativa de inflação para o período t está levando em consideração todas as informações, I, conseguidas até o período anterior, t-1. Se os agentes processam a informação com base no modelo que, segundo os novo-clássicos, afeta os preços numa economia: �̇�𝑡 = �̇�𝑡 + 𝑑𝑡 (13). em que: �̇�𝑡 = a variação de estoque de moeda; 𝑑𝑡 = um aumento não esperado do produto no período t. Verifica-se, então, que as expectativas de variação do nível de preços e as expectativas de variação do estoque monetário estão intimamente ligadas: �̇�𝑡 𝑒 = �̇�𝑡 𝑒 (14), sendo que: �̇�𝑡 𝑒 = variação esperada do estoque monetário para o período t. Portando, as equações 12, 13 e 14 mostram que, se considerarmos 𝑑𝑡= 0, fica impossível haver decepção de expectativas quanto aos preços, pois os agentes nesta economia tem pleno conhecimento da regra de variação do estoque monetário. Substituindo 13 e 14 na versão modificada da função de oferta de Lucas, temos: 𝑈𝑡 = 𝑈𝑛 − 𝛼(�̇�𝑡 − �̇�𝑡 𝑒) (15) Em suma, qualquer política de expansão do estoque monetário adotada pela Autoridade Monetária não conseguirá afetar o lado real da economia; seu único efeito será um aumento do nível de preços equivalente ao aumento do estoque monetário (v. Carvalho et al. 2007:128). Verifica-se que, como as expectativas são do tipo racional, a única maneira de a política monetária afetar o lado real da economia é por meio de algum choque de demanda que seja inesperado pelos agentes. De acordo com Carvalho et al. (2007), para uma política monetária causar surpresa aos agentes basta que ela admita a seguinte função: 41 �̇�𝑡 = 𝜓(𝑈𝑡−1 − 𝑈𝑛) + 𝜙 (16), cujas variáveis são: 𝜓 = parâmetro positivo; 𝜙 = elemento de política monetária conhecido apenas pelos governantes. Pela hipótese de os agentes adotarem expectativas racionais, a formação de suas expectativas quanto à variação do estoque monetário ocorre com base na função a seguir (p. ex. Carvalho et al. 2007): �̇�𝑡 𝑒 = 𝜓(𝑈𝑡−1 − 𝑈𝑛) (17) Rearranjando 16 e 17 em 15, temos: 𝑈𝑡 = 𝑈𝑛 − 𝛼𝜙 , 𝛼 > 0 (18) A equação 18 mostra que o desemprego corrente não será igual ao nível natural somente quando os governantes acionarem o elemento 𝜙, pois assim as previsões dos agentes em relação à variação do estoque monetário não seriam realizadas (v. Carvalho et al. 2007:129). Enfim, verifica-se que, na proposição da eficácia da política monetária de Thomas Sargent e Neil Wallace (1981a e 1981b), a eficácia da política monetária fica condicionada à criação sistemática de surpresas inflacionárias, pois somente erros expectacionais dos agentes são capazes de afastar o desemprego corrente da taxa natural. 3.2.3 O equívoco entre Regra e Política Passiva Os trabalhos desenvolvidos por autores, como Milton Friedman, Robert Lucas, Thomas Sargent e Neil Wallace promoveram uma revolução na literatura econômica entre as décadas de 60 e 70. Tais trabalhos foram capazes de conquistar uma legião de seguidores ao longo dos anos propagando, como observado nos tópicos anteriores, uma aversão em relação à discricionariedade e ao ativismo monetário. Esses autores viram a instituição de regras na condução da política monetária como o antídoto mais eficaz, para a Autoridade Monetária, no combate aos males provenientes do ativismo monetário. O argumento da vertente teórica desses autores está centrado em dizer que quem sabe pouco deve fazer pouco, para que assim seja possível evitar possíveis desconfianças futuras do público e não criar um ambiente de expectativas inflacionárias que terão como resultado a própria inflação. Observa-se que as regras podem ser interpretadas, nesses trabalhos, como algo similar às políticas passivas; no entanto, isso não deve ser generalizado. Examinando a sua essência, uma regra implica para a Autoridade Monetária a perseguição de um objetivo, para cujo alcance ela necessariamente terá que usar seus instrumentos. Assim, a própria necessidade de a Autoridade Monetária usar seus instrumentos para conseguir cumprir com a regra já desvincula em grande parte o conceito de regra do de políticas passivas. 42 O que estamos querendo enfatizar é que, apesar de estes autores terem proposto regras que têm por objetivo a restrição na atuação da política monetária, esses não são os únicos tipos de regras existentes. Uma regra reativa ou de feedback é um dos mais conhecidos exemplos de regras que estão associadas com a política monetária ativa. Nela a Autoridade Monetária possui objetivos reais, ou nominais, e para atingir suas metas expande (contrai) o seu estoque monetário se constatar que o desemprego vigente no período anterior está maior (menor) do que o seu nível natural. Verifica-se que, para evitar este equívoco, d