unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO HUMANO E TECNOLOGIAS “NO OLHO DO FURACÃO” Reconfigurações laborais e produção de subjetividade na “Era do Acesso”. BRUNO STRAMANDINOLI MORENO RIO CLARO – SP 2021 BRUNO STRAMANDINOLI MORENO RA – DHT170331 NO OLHO DO FURACÃO Reconfigurações laborais e produção de subjetividade na “Era do Acesso” RIO CLARO – SP 2021 Tese apresentada ao Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Rio Claro, como parte dos requisitos para obtenção do título de DOUTOR, pelo Programa de Pós-Graduação em DESENVOLVIMENTO HUMANO E TECNOLOGIAS. Orientador: Prof. Dr. Carlos José Martins Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada Moreno, Bruno Stramandinoli M843n No “Olho do furacão” – reconfigurações laborais e produção de subjetividade na “Era do Acesso”/ Bruno Stramandinoli Moreno. – Rio Claro, 2021. 364p. :il, tabs, fotos, mapas Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientador: Carlos José Martins. 1. Desenvolvimento humano tecnologias 2. Subjetividade laboral 3. Reconfigurações climáticas 4. Reconfigurações laborais 5. Máquina sinóptica. I. Título. Instituto de Biociências - Câmpus de Rio Claro - Avenida 24-A n. 1515, 13506900 CNPJ: 48.031.918/0018-72. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Rio Claro CERTIFICADO DE APROVAÇÃO TÍTULO DA TESE: “NO OLHO DO FURACÃO” Reconfigurações laborais e produção de subjetividade na “Era do Acesso” AUTOR: BRUNO STRAMANDINOLI MORENO ORIENTADOR: CARLOS JOSE MARTINS Aprovado como parte das exigências para obtenção do Título de Doutor em DESENVOLVIMENTO HUMANO E TECNOLOGIAS, área: Tecnologias nas Dinâmicas Corporais pela Comissão Examinadora: Prof. Dr. CARLOS JOSE MARTINS (Participaçao Virtual) Departamento de Educação Física / UNESP - Instituto de Biociências de Rio Claro - SP Prof. Dr. SYLVIO DE SOUSA GADELHA COSTA (Participaçao Virtual) Departamento de Fundamentos da Educação / Universidade Federal do Ceará - Fortaleza / CE Prof. Dr. PAULO ROBERTO DE CARVALHO (Participaçao Virtual) Departamento de Psicologia Social e Institucional / Universidade Estadual de Londrina - PR Profa. Dra. SUSANA OLIVEIRA DIAS (Participaçao Virtual) Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo Científico / UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas / SP Prof. Dr. SERGIO AMADEU DA SILVEIRA (Participaçao Virtual) Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas / Universidade Federal do ABC - Santo André / SP Rio Claro, 29 de julho de 2021 DEDICATÓRIA À minha esposa Regina, pela cumplicidade, carinho e companheirismo inquestionáveis e inigualáveis; por estar sempre torcendo pelas minhas conquistas e me apoiando em minhas derrotas. Pelo apoio e incentivo incondicional. Essa vitória é tão sua quanto minha. Sou eternamente grato! Aos meus filhos, Pedro e Maria Luísa, que a cada dia me desafiam a ser alguém melhor e mais consciente de minhas responsabilidades e capacidades. Sejam tudo aquilo que quiserem e desejarem! Aos meus pais, Aldo e Sônia, que me oportunizaram ser quem eu sou – agir como ajo, a pensar como penso – para a realização deste sonho. Em toda a vitória que consegui, sua influência, contribuição, apoio e amor são notórios. Muitíssimo obrigado! A Deus, Ele sabe o porquê. Obrigado! AGRADECIMENTOS Tão desafiador quanto escrever uma tese é descrever todas as pessoas que, de um modo ou de outro, contribuíram e que fizeram parte deste pedaço da minha vida, que se materializa nesta tese. No que se refere ao âmbito profissional e acadêmico, um agradecimento: ... ao meu orientador, por todas críticas, apontamentos, insistências e persistências, sua “obsessão” com os detalhes e sua “fina arte” de “cortar palavras”, fizeram este trabalho possível; ... à Profª. Drª. Diane-Gabriele Tremblay, da Teluq University, por acreditar em meu projeto e pela abertura junto a seu laboratório; ... aos colegas do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais – CEMADEN: Wesley Nogueira Barbosa (pela parceria e apoio nos momentos mais “ansiosos”) e Dr. Eduardo Fávero Pacheco Luz (pelo apoio e orientação nos entendimentos técnicos e tecnológicos); .... à Profª Drª Cynthia Yukiko Hiraga pela compreensão com as dificuldades da vida. No que se refere ao âmbito pessoal, um agradecimento: ... à minha família, razão de todo o esforço e sacrifício; ... aos amigos mais próximos, que de maneira indireta ofereceram ânimo em momentos em que a saúde mental não estava das melhores... ... à Deus, por seus agenciamentos em minha vida! 1010100 1010010 1000001 1000100 1010101 1011010 1001001 1010010 101101 1010011 1000101 100000 100000 1010 1010101 1101101 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 1100100 1100101 100000 1101101 1101001 1101101 100000 1010 11101001 100000 1110100 1101111 1100100 1101111 100000 1101101 1110101 1101110 1100100 1101111 111010 100000 1010 1101111 1110101 1110100 1110010 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 11101001 100000 1101110 1101001 1101110 1100111 1110101 11101001 1101101 111010 100000 1010 1100110 1110101 1101110 1100100 1101111 100000 1110011 1100101 1101101 100000 1100110 1110101 1101110 1100100 1101111 101110 100000 100000 1010 1010 1010101 1101101 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 1100100 1100101 100000 1101101 1101001 1101101 100000 1010 11101001 100000 1101101 1110101 1101100 1110100 1101001 1100100 11100011 1101111 111010 100000 1010 1101111 1110101 1110100 1110010 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 1010 1100101 1110011 1110100 1110010 1100001 1101110 1101000 1100101 1111010 1100001 100000 1100101 100000 1110011 1101111 1101100 1101001 1100100 11100011 1101111 101110 100000 100000 1010 1010 1010101 1101101 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 1100100 1100101 100000 1101101 1101001 1101101 100000 1010 1110000 1100101 1110011 1100001 101100 100000 1110000 1101111 1101110 1100100 1100101 1110010 1100001 111010 100000 1010 1101111 1110101 1110100 1110010 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 1010 1100100 1100101 1101100 1101001 1110010 1100001 101110 100000 100000 1010 1010 1010101 1101101 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 1100100 1100101 100000 1101101 1101001 1101101 100000 1010 1100001 1101100 1101101 1101111 11100111 1100001 100000 1100101 100000 1101010 1100001 1101110 1110100 1100001 111010 100000 1010 1101111 1110101 1110100 1110010 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 1010 1110011 1100101 100000 1100101 1110011 1110000 1100001 1101110 1110100 1100001 100000 100000 1010 1010 1010101 1101101 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 1100100 1100101 100000 1101101 1101001 1101101 100000 1010 11101001 100000 1110000 1100101 1110010 1101101 1100001 1101110 1100101 1101110 1110100 1100101 111010 100000 1010 1101111 1110101 1110100 1110010 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 1010 1110011 1100101 100000 1110011 1100001 1100010 1100101 100000 1100100 1100101 100000 1110010 1100101 1110000 1100101 1101110 1110100 1100101 101110 100000 100000 1010 1010 1010101 1101101 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 1100100 1100101 100000 1101101 1101001 1101101 100000 1010 11101001 100000 1110011 11110011 100000 1110110 1100101 1110010 1110100 1101001 1100111 1100101 1101101 111010 100000 1010 1101111 1110101 1110100 1110010 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 101100 100000 1010 1101100 1101001 1101110 1100111 1110101 1100001 1100111 1100101 1101101 101110 100000 100000 1010 1010 1010100 1110010 1100001 1100100 1110101 1111010 1101001 1110010 100000 1110101 1101101 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 1010 1101110 1100001 100000 1101111 1110101 1110100 1110010 1100001 100000 1110000 1100001 1110010 1110100 1100101 100000 1010 10000000010100 100000 1110001 1110101 1100101 100000 11101001 100000 1110101 1101101 1100001 100000 1110001 1110101 1100101 1110011 1110100 11100011 1101111 100000 1010 1100100 1100101 100000 1110110 1101001 1100100 1100001 100000 1101111 1110101 100000 1101101 1101111 1110010 1110100 1100101 100000 10000000010100 100000 1010 1110011 1100101 1110010 11100001 100000 1100001 1110010 1110100 1100101 111111 1010 TRADUZIR-SE Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem. Traduzir uma parte na outra parte — que é uma questão de vida ou morte — será arte? Adaptado de GULLAR (2004, p.335), convertido para linguagem binária. MORENO, B.S. No olho do furacão. Reconfigurações do trabalho e produção de subjetividade na “Era do Acesso”. [Tese de Doutorado em] Desenvolvimento Humano e Tecnologias. Rio Claro (SP): Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências; 2021. RESUMO A temática da produção de subjetividades localizada no cruzamento entre a intensificação de reconfigurações laborais e climáticas contemporâneas sinaliza o surgimento de novas práticas laborais. Interroga-se se tais movimentos produzem uma forma diferente de trabalhador. Parece-nos mais fecundo considerar o problema sob o pano de fundo da emergência de um contexto transitório, entre aquilo que se denomina como “Sociedades Disciplinares” e o que se tem sinalizado como “Sociedades de Controle”. Neste sentido, buscou-se refletir sobre esta nova governamentalidade produzida pela presença dos dispositivos algorítmicos na produção de subjetividade laboral contemporânea. Especialmente, quanto aos desdobramentos políticos no modo como tais dispositivos se agenciam à vida humana, modulando-a. Enquanto parâmetro metodológico, a pesquisa pautou-se pela perspectiva qualitativa, de inspiração genealógica e cartográfica. Como recurso de coleta de dados utilizou-se a pesquisa documental (Relatórios, estudos, manuais e pesquisas) com o intuito de identificar as interseções entre os impactos gerados pela ação humana e os tipos de práticas laborais humanas agenciadas por dispositivos algorítmicos. Como problemática foram analisadas as práticas laborais prescritas e vivenciadas, por equipes de trabalho frente a situações geradas por eventos oriundos de reconfigurações climáticas (desastres naturais). Como estratégia metodológica adotou-se o expediente do Estudo de Caso a fim de se circunscrever a singularidade atrelada e produzida por práticas laborais de um grupo específico de trabalhadores de um Centro de Pesquisa Governamental Brasileiro, que opera sob estas condições. O levantamento feito buscou cartografar um pull de relatórios, manuais, comunicações e documentos, emitidos pelo Governo Federal Brasileiro, pela própria organização e por instituições e organizações parceiras que atuam no gerenciamento de riscos de desastres naturais. De modo que foram mapeados elementos intervenientes produtores das “práticas laborais de acesso” de Tecnologistas que atuam em uma Sala de Situação. A fim de melhor compreender como são agenciados estes trabalhadores, buscou-se, complementarmente, identificar e enunciar falas e explanações a partir dos próprios “sujeitos dos dados”. Enquanto tal, estes estão, constantemente, conectados a um assombroso volume de dados, que operam em fluxos de alta velocidade e que articulam uma rede diversificada de atores e agências. Uma condição que, ao mesmo tempo, constitui um tipo de subjetividade, a partir de práticas laborais singulares. E que se balizam na produção de um modo de vida calcado tanto pela dispersividade e fragmentação, quanto pela incerteza, pela complexidade e, principalmente, pela probabilidade de eventos e tomadas de decisão. Palavras-chave: Produção de Subjetividade Laboral. Governamentalidade algorítmica. Reconfigurações climáticas. Reconfigurações do trabalho. Sociedades de Controle. Era do Acesso. MORENO, B.S. In the hurricane’s eye. Work reconfigurations and subjectivity in the “Access Age”. [Doctoral Thesis in] Human Development and Technologies. Rio Claro (SP): São Paulo State University (Unesp), Biosciences Institute; 2021. ABSTRACT The theme of the production of subjectivities located at the crossroads between the intensification of work reconfigurations and contemporary climate signals the emergence of new work practices. He wonders if such movements produce a different form of worker. It seems to us more fruitful to consider the problem against the background of the emergence of a transitory context, between what is called “Disciplinary Societies” and what has been signaled as “Control Societies”. In this sense, we sought to reflect on this new governmentality produced by the algorithmic's presence devices in the production of contemporary work subjectivity. Especially, regarding the political developments in the way such devices are assembled to human life, modulating it. As a methodological parameter, the research was used the qualitative approach, of genealogical and cartographic inspiration. As a data collection resource, we used the documental survey (Reports, studies, manuals and researches) in order to identify the intersections between the impacts generated by human action and the types of human labour practices interfered by algorithmic devices. As problematic were analyzed, under a genealogical perspective, the labour practices prescribed and experienced by work teams facing situations generated by events arising from climate reconfigurations (natural disasters). As a methodological strategy, we adopted the Case Study expedient in order to circumscribe the singularity tied to and produced by labour practices of a specific group of workers of a Brazilian Governmental Research Centre, which operates under these conditions. The survey sought to map a pull of reports, manuals, communications and documents issued by the Brazilian Federal Government, by the organization itself and by partner institutions and organizations working in natural disaster risk management. In this way, the intervening elements that produce the "access work practices" of Technologists who work in the Situation Room were mapped. In order to better understand how these workers are intervented, it was sought, in addition, to identify and enunciate speeches and explanations from the "data subjects" themselves. As such, they are constantly connected to a staggering volume of data, operating in high-speed streams and articulating a diverse network of actors. A condition that, at the same time, constitutes a type of subjectivity, from singular work practices. And which are based on the production of a way of life-based both on dispersion and fragmentation, as well as uncertainty, complexity and, especially, the probability of events and decision-making. Keywords: Production of work subjectivity. Algorithmic governmentality. Climate reconfigurations. Work reconfigurations. Societies of control. Access Age. Lista de figuras Figura 1 – Dimensão de impactos em razão de eventos climáticos extremos no ano de 2019 ao redor do mundo ............................................................................................................................. 32 Figura 2 – Ocorrências por tipos de Desastres Naturais – comparação entre 2019 e o período de 2009-2018 ........................................................................................................................ 33 Figura 3 – Clepsidra de Amenófis III ............................................................................................... 37 Figura 4 – A Clepsidra de rodas dentadas de Ctésibio ................................................................ 37 Figura 5 – O Olho do furacão ........................................................................................................... 54 Figura 6 – Sala de Situação .............................................................................................................. 66 Figura 7 – Instrução do processo de leitura de um QR Code via dispositivo móvel ................ 67 Figura 8 – Modelo de Escala na "Sala de Situação" ..................................................................... 70 Figura 9 – Reconhecimento facial utilizado pelo DENATRAN .................................................... 91 Figura 10 – Modelos climáticos complexos entre 1970 e 2000 ................................................ 124 Figura 11 – Estrutura conceitual do teletrabalho ......................................................................... 142 Figura 12 – Mapa de Desastres em 2015..................................................................................... 178 Figura 13 – Registro do total de desastres no Brasil entre os anos 1991 e 2012 .................. 187 Figura 14 – Competências mapeadas sobre “Desastres” ao redor do mundo ....................... 189 Figura 15 – Eixos de um Sistema de Alerta ................................................................................ 191 Figura 16 – Histórico de Centros de Monitoramento de Desastres no Brasil ......................... 192 Figura 17 – Eixos estruturantes de uma Sistema de Alerta – entradas, processamento e saída ................................................................................................................................................... 194 Figura 18 – Identidade Visual do CEMADEN ............................................................................... 196 Figura 19 – Subsídios para a construção da missão do CEMADEN ....................................... 201 Figura 20 – Organograma do CEMADEN ..................................................................................... 208 Figura 21 – Mapa Estratégico do Cemaden - 2019-2022 .......................................................... 211 Figura 22 – Sistema Nacional de Monitoramento e Alertas ....................................................... 214 Figura 23 – Sistema de monitoramento e alerta no Brasil ........................................................ 215 Figura 24 – Arranjo Institucional do CEMADEN .......................................................................... 216 Figura 25 – Sistema Nacional de Informação, Monitoramento e Alerta .................................. 218 Figura 26 – Radares Meteorológicos no Brasil até 2014 ........................................................... 220 Figura 27 – Fluxo de trabalho para emissão do Alerta ............................................................... 224 Figura 28 – SALVAR - Sistema de Alerta e Visualização de Áreas de Risco......................... 225 Figura 29 – Matriz de níveis de Alertas ......................................................................................... 227 Figura 30 – SIADEN – Sistema integrado de Alertas de Desastres Naturais ......................... 228 Figura 31 – Versão Compreensiva de Horita (2017) sobre o processo decisório de emissão do alerta ............................................................................................................................................. 232 Figura 32 – A decisão de abrir o Alerta ......................................................................................... 233 Figura 33 – Complexo do CEMADEN ........................................................................................... 234 Figura 34 - Alerta 1 ........................................................................................................................... 235 Figura 35 – Alerta 2 .......................................................................................................................... 236 Figura 36 – Alerta 3 .......................................................................................................................... 237 Figura 37 – Desastres Monitorados e a interação entre as áreas operacionais .................... 238 Figura 38 – Exemplo de Alerta emitido ......................................................................................... 240 Figura 39 – Mapa Interativo do CEMADEN .................................................................................. 258 Figura 40 – Integração dos sistemas operacionais do CEMADEN .......................................... 260 Figura 41 – Distribuição da Rede Observacional ........................................................................ 261 Figura 42 – PCDs e Radares Meteorológicos .............................................................................. 262 Figura 43 – Rede de Radares Meteorológicos (CEMADEN e parceiros) ................................ 262 Figura 44 – Rede Observacional própria do CEMADEN............................................................ 262 Figura 45 – Rede de Telefonia Celular – Um dos fluxos que alimentam o Sistema de Alertas ............................................................................................................................................................. 264 Figura 46 – Fatores que influenciam a tomada de decisão em salas de controle para monitoramento de risco de desastres e alerta antecipado. ....................................................... 267 Figura 47 – Registro de Inundações e Deslizamentos - REINDESC (2016-2020) ................ 271 Figura 48 – Visão da tela de trabalho do SIADEN ...................................................................... 274 Figura 49 – Síntese dos dados e atores que circulam na governança do sistema de alerta de risco ..................................................................................................................................................... 278 Figura 50 – Painel estatístico de envio de Alertas entre o período de 2011 a 2020 ............. 303 Lista de Gráficos Gráfico 1 – Potencial de teletrabalho versus necessidade de contato face a face, por setor de atividade.......................................................................................................................................... 87 Gráfico 2 - Evolução da temperatura entre 1860 e 2020 ........................................................... 119 Gráfico 3 – Número de empregos automatizados através do tempo ....................................... 130 Gráfico 4 – Evolução do número de aparelhos celulares vendidos no Brasil entre 1993 e 2012 .................................................................................................................................................... 147 Gráfico 5 – Frequência de acessos a notícias ............................................................................. 154 Gráfico 6 – Transformação dos postos de trabalho entre 1850 e 2015 ................................... 160 Gráfico 7 – Comparação entre servidores de agências reguladores federais atuando em modelo de teletrabalho (antes e depois da Covid-19) ................................................................ 176 Gráfico 8 – Evolução da quantidade de decretos por ano (2003-2018) .................................. 181 Gráfico 9 – Evolução no aumento (progressivo) de Desastres Naturais no Brasil entre 1991 e 2012 .................................................................................................................................................... 181 Gráfico 10 – Evolução histórica dos desastres registrados no Brasil ...................................... 181 Gráfico 11 – Comparativo de ocorrências entre as décadas de 1990 e 2000 ........................ 182 Gráfico 12 – Aumento de registros de ocorrência (por tipo) entre as décadas de 1990 e 2000 ............................................................................................................................................................. 183 Gráfico 13 – Porcentagem de Pessoas afetadas (por tipo de desastre) ................................. 183 Gráfico 14 – Distribuição (porcentagem) de mortos por tipo de desastre ............................... 184 Gráfico 15 – Comparativo entre ocorrências de Desastres e mortos por milhão de habitantes ............................................................................................................................................................. 184 Gráfico 16 – Mortos e afetados por Região Brasileira ................................................................ 184 Gráfico 17 – Relação entre Demografia e número de mortos (por milhão) em decorrência de desastres naturais. ........................................................................................................................... 185 Gráfico 18 – Ocorrência mensal de desastres por região (levantamento entre as décadas de 1990 e 2012)...................................................................................................................................... 186 Gráfico 19 – O "fator humano" no processo decisório de emissão de alerta .......................... 265 Lista de Quadros Quadro 1 – Evolução da Comunicação........................................................................................... 38 Quadro 2 – Dados contemporâneos ................................................................................................ 41 Quadro 3 – Dispositivos por pessoas .............................................................................................. 42 Quadro 4 – Divisão das Equipes de Trabalho, por especialidade, na Sala de Situação do CEMADEN ........................................................................................................................................... 67 Quadro 5 - Principais transformações do Regime Industrial para o Regime Informacional ... 79 Quadro 6 – Elementos centrais na rede de vigilância .................................................................. 95 Quadro 7 – Conceituações sobre o fenômeno da Tecnologia .................................................. 112 Quadro 8 – Riscos climáticos, aquecimento global e impactos prováveis. ............................. 120 Quadro 9 – Mudanças nas práticas laborais ................................................................................ 137 Quadro 10 – Centros de Pesquisa envolvidos com a agenda dos Desastres ........................ 190 Quadro 11 – Diferentes níveis de alertas adotados pelos principais centros de Monitoramento no Brasil .................................................................................................................. 192 Quadro 12 – Relação de produtos desenvolvidos pelo Cemaden ............................................ 208 Quadro 13 – Frentes de atuação na articulação CGPDXCGOM .............................................. 210 Quadro 14 – Parcerias Nacionais Vigentes .................................................................................. 219 Quadro 15 – Parcerias Internacionais Vigentes .......................................................................... 219 Quadro 16 – Matriz de níveis de Alertas ....................................................................................... 227 Quadro 17 - Elementos da estrutura conceitual da decisão de emissão do alerta ................ 269 Lista de QRCodes QRCode 1 – Estrutura e funcionamento da Sala de Situação .................................................... 66 QRCode 2 – O trabalho na Sala de Situação I .............................................................................. 70 QRCode 3 – O trabalho na Sala de Situação II ............................................................................. 72 QRCode 4 – Produção coletiva ........................................................................................................ 73 QRCode 5 – Reconfigurações climáticas ....................................................................................... 80 QRCode 6 – Sistema Nacional de Informação, Monitoramento e Alerta................................... 84 QRCode 7 – Funcionamento e aplicações dos algoritmos .......................................................... 99 QRCode 8 – Radares e emissão de alerta ................................................................................... 100 QRCode 9 – 2001 – Uma Odisseia no Espaço ........................................................................... 104 QRCode 10 – Tendência de aquecimento de Longo Prazo – 1880-2015 ............................... 106 QRCode 11 – população de áreas de risco no Brasil ................................................................. 116 QRCode 12 – O teletrabalho na Administração Federal ............................................................ 175 QRCode 13 – A concepção do CEMADEN I ................................................................................ 198 QRCode 14 – A concepção do CEMADEN II ............................................................................... 203 QRCode 15 – A relação entre Pesquisa e Operação I ............................................................... 205 QRCode 16 – A relação entre Pesquisa e Operação II .............................................................. 209 QRCode 17 – Por que há calmaria no olho do furacão? ............................................................................. 222 QRCode 18 – O trabalho na Sala de Situação II ......................................................................... 229 QRCode 19 – Nuances do trabalho na Sala de Situação .......................................................... 238 QRCode 20 – A emissão do Alerta ................................................................................................ 239 QRCode 21 – Nuances do trabalho II ........................................................................................... 241 QRCode 22 – Integração dos sistemas operacionais do CEMADEN ...................................... 259 QRCode 23 – Dados e modelos que cadenciam o trabalho...................................................... 263 QRCode 24 – Integração dos sistemas operacionais do CEMADEN ...................................... 270 QRCode 25 – REINDESC e sua concepção ................................................................................ 272 QRCode 26 – Alertas e ações decorrentes .................................................................................. 301 Lista de Tabelas Tabela 1 – Número de telefones celulares no Brasil entre 1990 e 2006 ................................. 146 Tabela 2 – Nível de penetração percebida da Internet no cotidiano ........................................ 153 Tabela 3 – Classificação Brasileira de Desastres (COBRADE) ................................................ 180 Lista de Abreviaturas e Siglas A ALERTAGEO.......................Riscos e Desastres Associados a Movimentos de Massa ALERTAHIDRO......................Riscos e Desastres Associados a Eventos Hidrológicos ALERTASECA...............................................Riscos e Desastres Associados à Secas ANA..................................................................................Agência Nacional das Águas C CDMHA………….……Center for Disaster Management and Humanitarian Assistance CEMADEN..........Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais CENAD.............................Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres CENAPRED............................................Centro Nacional de Prevenção de Desastres CEPREDENAC....Centro de Coordenação para a Prevenção dos Desastres Naturais na América Central CGOM ou CGOPE.............................Coordenação-Geral de Operações e Modelagem CGPD ou CGPDE..........................Coordenação-Geral e Pesquisa e Desenvolvimento CGRH........................................................Coordenação Geral de Recursos Humanos CIIFEN..................Centro Internacional para a Investigação do Fenômeno do El Niño CLAMED........................................Centro Latino-americano de Medicina de Desastre CNDS…………………………...…………………….Centre for Natural Disaster Science CNM...................................................................Confederação Nacional de Municípios COBRADE.............................................................Codificação Brasileira de Desastres CPRM..................................................Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais CTI.......................................................................Centro de Tecnologia da Informação D DECEA....................................................Departamento de Controle do Espaço Aéreo DENATRAN...........................................................Departamento Nacional de Trânsito DRC......................................................................................Disaster Research Center E EM–DAT………………………………….…………The International Disaster Database EMI......................................................................Exposição de Motivos Interministerial ENCTI......................................Estratégia Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação F FCPE......................................................Funções Comissionadas do Poder Executivo I IA.....................................................................................................Inteligência Artificial IBGE........................................................Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICT..............................................................................Instituto de Ciência e Tecnologia IIS............................................................................................Índice Integrado de Seca ILO............................................................................International Labour Organization IN....................................................................................................Instrução Normativa INAMHI................................................Instituto Nacional De Meteorologia e Hidrologia INMET....................................................................Instituto Nacional de Meteorologia INPE..............................................................Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais IPCC…………………………………..……Intergovernmental Panel on Climate Change ISV….........………………………………………………….Índice de Saúde da Vegetação ISACV.................................Índice de Suprimento de Água para o Crescimento Vegetal M MAPA............................................Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MCEER…………………Multidisciplinary Center for Earthquake Engineering Research MCID OU MCIDADES................................................................Ministério das Cidades MCT............................................................................Ministério de Ciência Tecnologia MCTI...................................................Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovações MCTIC.........................Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações MD.................................................................................................Ministério da Defesa ME.............................................................................................Ministério da Economia MEC...........................................................................Minstério da Educação e Cultura MI.............................................................................................Ministério da Integração MMA..................................................................................Ministério do Meio Ambiente MME................................................................................Ministério de Minas e Energia MP.......................................................................................Ministério do Planejamento MPDG.....................................Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão MS..................................................................................................Ministério da Saúde MT.......................................................................................Ministério dos Transportes N NDPTC.............................................National Disaster Preparedness Training Center O OIT...................................................................Organização Internacional do Trabalho P PCD..............................................................................Plataforma de Coleta de Dados PPC.............................................................................Pluviômetros nas Comunidades R RDC...................................................................................Research Disasters Center REINDESC..........Registro dos Eventos de Inundação e Deslizamento do CEMADEN S SALVAR......................................Sistema de Alerta e Visualização de Áreas de Risco SEPED.............Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento SGP................................................Secretaria de Gestão e Desempenho Institucional SGRP.....................................................Sistema de Gerenciamento Remoto de PCDs SIADEN.........................................Sistema Integrado de Alerta de Desastres Naturais SNIMA................................. Sistema Nacional de Informação, Monitoramento e Alerta T TI...........................................................................................Tecnologia da Informação TIC..............................................................Tecnologia da Informação e Comunicação TST.................................................................................Tribunal Superior do Trabalho W WEF………………………..………………………………………..World Economic Forum WGIIFAR……...……………………Working Group II to the Fourth Assessment Report WWW...................................................................................................Word Wide Web 22 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 24 NOTAS PRELIMINARES ......................................................................................... 30 1.1 “RECALCULANDO A ROTA” ............................................................................. 31 1.2 REVERBERAÇÕES DO CONTEMPORÂNEO ................................................... 35 1.3 QUESTÕES METODOLÓGICAS ....................................................................... 45 1.3.1 Agenciamentos coletivos sob o regime informacional. ............................... 46 1.3.2 A problemática em tela. ................................................................................. 51 1.3.3 Práticas de pesquisa no “Olho do furacão”. ..................................................... 53 1.3.4 Da coleta dos dados. ..................................................................................... 55 1.3.5 A estratégia de análise dos dados ................................................................... 60 1.3.6 Ressalvas, limites e considerações sobre o universo da pesquisa ................. 63 1.3.7 Os “sujeitos dos dados” ................................................................................. 65 2 CARTOGRAFIAS DO PRESENTE ....................................................................... 74 2.1 AS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS: PRÁTICAS DE CONTROLE, DE DESEMPENHO E DE ACESSO ............................................................................... 89 2.2 AS TECNOLOGIAS E AS E PRÁTICAS CONTEMPORÂNEAS ...................... 102 2.2.1 Mas de que tecnologias estamos falando, afinal? ......................................... 109 2.3 A SUBJETIVIDADE E SUA CONDIÇÃO PROCESSUAL ................................. 113 2.4 RECONFIGURAÇÕES CLIMÁTICAS E A PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADES ............................................................................................................................... 118 2.5 RECONFIGURAÇÕES LABORAIS E SUAS PRÁTICAS DE SUBJETIVAÇÃO 126 2.5.1 As reconfigurações do Trabalho .................................................................... 140 2.5.1.1 O primeiro tipo de Teletrabalho: o Home Office ......................................... 143 2.5.1.2 O segundo tipo de Teletrabalho: o Mobile Office ........................................ 145 2.5.1.3 O terceiro tipo de Teletrabalho: o Virtual Office .......................................... 150 2.5.2 Quais os desdobramentos disso para a produção de subjetividade? ............ 158 3. ENTRE RECONFIGURAÇÕES LABORAIS E CLIMÁTICAS: particularidades e sistematizações .................................................................................................... 168 3.1 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL BRASILEIRA E AS RECONFIGURAÇÕES CONTEMPORÂNEAS EM SUAS PRÁTICAS LABORAIS 169 3.2 O FENÔMENO DOS DESASTRES NATURAIS ............................................... 177 3.3 A SISTEMATIZAÇÃO DOS “DESASTRES NATURAIS”: PESQUISA, MONITORAMENTO E EMISSÃO DE ALERTAS ................................................... 188 4 A ERA DO ACESSO: O SINÓPTICO QUE MONITORA ATENTO E CONSTANTE ............................................................................................................................... 195 5 NO “OLHO DO FURAÇÃO” ............................................................................... 222 5.1 A EMISSÃO DE ALERTAS ............................................................................... 224 23 5.2 A TOMADA DE DECISÃO: EMITIR OU NÃO O ALERTA? .............................. 229 6 AGENTES HUMANOS E AGENTES COMPUTACIONAIS ................................ 242 6.1 AS PRÁTICAS LABORAIS DO ACESSO SÃO ORGANIZADAS DE MANEIRA DISPERSIVA .......................................................................................................... 244 6.2 AS PRÁTICAS LABORAIS DO ACESSO SÃO ORGANIZADAS EM FUNÇÃO DA PERSISTÊNCIA NA CARREIRA ............................................................................ 246 6.3 AS PRÁTICAS LABORAIS DO ACESSO SÃO ORGANIZADAS DE FORMA COMPLEXA E MULTINÍVEL .................................................................................. 251 6.4 AS PRÁTICAS LABORAIS DO ACESSO NA SALA DE SITUAÇÃO................ 256 7 TEMPORALIDADES LABORAIS E SUBJETIVIDADES ALGORÍTMICAS ....... 281 7.1 SOB O IMPÉRIO DOS DADOS ........................................................................ 284 7.1.1 O Big Data ..................................................................................................... 287 7.1.2 Modulações algorítmicas ............................................................................... 290 7.1.3 Política de dados: reconfigurações laborais e climáticas ............................... 296 7.2 A PRODUÇÃO DA SUBJETIVIDADE LABORAL: PRÁTICAS DE ACESSO DIVIDUAIS .............................................................................................................. 304 7.2.1 “Trabalhadores do acesso”, “sujeitos dos dados” e suas subjetividades ....... 307 7.2.2 Subjetividades laborais algorítmicas.............................................................. 310 8 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 319 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 324 Livros e Artigos ....................................................................................................... 324 Documentos Internos: ............................................................................................ 341 Planos governamentais, relatórios, manuais, notas técnicas, apresentações e notícias ................................................................................................................... 343 Teses, Dissertações, Monografias e trabalhos apresentados em congressos ....... 349 Legislação brasileira, estrangeira e tratados Internacionais ................................... 351 Metodologia Científica ............................................................................................ 354 Sites de internet, Mídias digitais, vídeos e imagens pesquisados .......................... 356 24 INTRODUÇÃO O uso de georreferenciamento e a divulgação de dados sobre homens e populações, a partir de dispositivos computacionais, como modo de ações governamentais, tem se estruturado e assumido nuances cada vez mais complexas e intensas. Sejam elas pacíficas ou não, a coexistência entre agentes humanos e não-humanos, agentes algorítmicos, atores computacionais, Big Data etc. tem delimitado novos modos de organizar a vida. Novas percepções, novos valores, novas determinantes ambientais, políticas, econômicas, sociais e tecnológicas são moduladas a partir de formas multifacetadas de intervenção. Não se trata, tão somente, de um modo de atuação social, pessoal, coletivo, privado ou público. Mas sim, de um espaço social, em que colidem e coexistem, se sobrepõe, maneiras dispares de organizar e determinar a conduta das pessoas. Convergências de regimes que norteiam as pessoas em suas práticas cotidianas, no trabalho, no estudo, na militância, na vida privada, na vida em sociedade, na vida, na natureza, etc. Como bem advertiu o filósofo francês Giles Deleuze (1996) trata-se do crepúsculo de um regime, um orientado pelas Sociedades Disciplinares; para a emergência de um outro regime, um modulado pelas Sociedades de Controle. Os caminhos “embrenhados” nesta tese, fizeram uso, inicialmente, de algumas “rotas” já empreendidas por outros autores. Debates que dão uma perspectiva, mais analítica, à temática da “subjetividade”, ao conceberem e descreverem como estas “trilhas” operam. Neste sentido, pretendeu-se inquirir conceitos como “práticas laborais de acesso”, “subjetividades algorítmicas”, “políticas de dados”, “reconfigurações climáticas” e “reconfigurações laborais”, a partir de debates como a “modulação deleuziana”, “biopolítica foucaultiana”, “governamentalidade algorítmica” e “agenciamento tecnológico”. O campo de problemática recortado nesta tese, por assim dizer, tem seus limites em três elementos do arcabouço conceitual acima descrito: reconfigurações climáticas, reconfigurações laborais e a produção de subjetividade. Particularmente, nos enunciados de subjetivações agenciados na repetição mutante da noção de “agenciamento tecnológico” das esferas sociais 25 mais atuais. De todo modo, parece útil distinguir um interesse central: um tipo de subjetivação enunciado através de práticas laborais específicas. E, também, um interesse periférico de pesquisa (os enunciados das práticas humanas e das práticas algorítmicas). Deste afunilamento metodológico, diga-se a transição entre os dois regimes, a presente pesquisa, propôs algumas trilhas que delineassem um campo problemático específico. Para tanto o recorte desenhado considerou a emergência de reconfigurações climáticas, sociais e laborais que, no limite, produzem novos tipos de práticas laborais; produzem um certo tipo de trabalhador e, por conseguinte; produzem um certo tipo de subjetividade. Não se pretende, aqui, discutir um ente isolado (indivíduo, trabalhador) que exista fora de um campo social, mas sim, um agente humano que seja produzido por este ou por aquele modelo social, ou pelos dois. Daí, a necessidade de se traçar linhas que identificassem esta transição. Circunscrito por diferentes tipos de reconfigurações (Políticas, Econômicas, Climáticas e Tecnológicas), abarcado pelo social e atravessado por práticas sociais, o trabalhador é um artefato social. Produzido diferentemente em momentos sócio-históricos diferentes. Logo, é deste trabalhador que se pautou o estudo. Fez-se pertinente mapear distintos modelos laborais e condicionantes que delimitam as práticas humanas na atualidade. Práticas estas que produzem um “trabalhador” diferente de outros tempos. *** O itinerário pretendido na tese ambicionou articular como agenciamentos tecnológicos, ambientais e laborais perpassam e produzem práticas humanas e não–humanas (algorítmicas). A primeira parte desta tese buscou, como leitura contextualizada, apresentar algumas NOTAS PRELIMINARES que auxiliem na delimitação do campo problemático em tela. Não se buscou tomar como dado a existência de um determinado consenso. Ao contrário, a premissa foi apresentar alguns caminhos já trilhados que pudessem auxiliar no posicionamento e no “cálculo” das rotas a serem “desbravadas”. Assim, são apresentados elementos metodológicos de carácter qualitativo que, de inspiração genealógico- cartográfica, sobrepesaram no empreendimento investigativo implementado na 26 tese. Especificamente, quanto à escolha das formas de coleta e análise dos dados, suas ressalvas e limites considerados. A fim de se pensar os modos como as reconfigurações já aventadas operam erigiu-se o debate CARTOGRAFIAS DO PRESENTE. Através de algumas trilhas já perscrutadas procurou-se cartografar meandros, singularidades e tensões que delimitem e circunscrevem alguns modos de atuação laborativa contemporâneos. Neste sentido, parece salutar tomar como exemplo diferentes tipos de trabalhadores produzidos, em contraponto uns aos outros, nas sociedades disciplinares e nas sociedades de controle. E, por extensão, descrever como tais modos operam a produção de diferentes práticas, humanas e não-humanas. Nas sociedades disciplinares, por exemplo, o trabalhador é administrado, prescrito em seus comportamentos, por grandes meios de confinamento (a fábrica, a indústria, a escola, a família, o hospital etc.). De modo que, enquanto trabalhador, é circunscrito em espaços onde é treinado e moldado para atuar sob formas e dispositivos que o contém (instituições). Ao passo que a atividade laboral, nestas sociedades, é permeada e localizada na delimitação da função ou do cargo, ou mesmo pelo conjunto de atribuições que este indivíduo exerce: o operário, o professor, o gerente, o vendedor. O trabalho, a família, a igreja, o descanso, o lazer, a esbornia, são exemplos de espaços e momentos sob os quais cindem ora a vida pública, ora a vida privada. Já nas Sociedades de Controle, o trabalho passa a operar sob uma dinâmica diferente. A partir de diversos atores (humanos ou não), para além das paredes da Fábrica, do Escritório, da Escola, etc. E que, ao mesmo tempo, controlam, sutilmente, a atividade laboral humana. Uma atividade que, sob uma aparente autogestão, agencia o próprio trabalhador, através de suas práticas, mas que opera e atua sob o atravessamento de outra agência não-humana (algorítmica). Como enfatiza o sociólogo inglês Nikolas Rose (2001b), tem emergido modos de se organizar o trabalho que envolvem e conectam, enunciam e produzem um trabalhador a partir de diferentes conhecimentos e práticas laborais. De modo muito mais amplificado, intenso, imperceptível e complexo. Mudanças operadas na forma de atuação, de organização, de gestão do tempo, do local e na forma do trabalho ocorrer. O processo laboral, não mais se configura, apenas, por uma cadeia de 27 ação, por uma linearidade, em que o trabalhador atua de forma especializada e descontinuada: com começo, meio e fim. Nas sociedades de controle a atuação laboral é arquitetada e reconfigurada como um fluxo contínuo, em que, de forma conectada, diversas informações deste processo são então geridas sob e a partir da ação humana. A dimensão humana de processos como estes passa a ser produto de uma atmosfera em que não se distingue mais lazer de labor. Nas Sociedades Disciplinares o trabalho, ainda delimita quando, onde e como o trabalhador precisa atuar. Ao passo que nas Sociedades de Controle emerge uma indiferenciação entre os momentos, entre as formas e as temporalidades com que trabalhador estará disponível e será demandado a atuar. Para os filósofos políticos, o norte-americano Michael Hardt e o italiano Antônio Negri (1994), há que se perguntar: em que ponto se deu “[…] a passagem de uma concepção político-formal da constituição material para uma concepção substancialista [...]” acerca do fenômeno do trabalho? Será esta transição, descrita no campo das ciências sociais como “[...] um desenvolvimento comum a vários contextos diversos? Em que lapso temporal?” (p.66). Questionamentos como estes auxiliaram na pontuação de um quadro complexo e entranhado sob o qual a produção de subjetividade, em especial a laboral, se apresenta. Um cenário em que estão em curso a produção não apenas de um modo de vida, mas de vários. Uma pluralidade de relações e de encontros, com amplas variações, rupturas e interferências inesperadas. Intensas transformações que submetem aos trabalhadores, novas condições de atuação e existência. E é sob esta premissa que se propõe o debate intitulado ENTRE RECONFIGURAÇÕES LABORAIS E CLIMÁTICAS: PARTICULARIDADES E SISTEMATIZAÇÕES. Em que são apresentadas e arguidas questões específicas dos sujeitos-alvo da pesquisa. Elementos que transitam entre fenômenos e eventos (climáticos, políticos e laborais) muito singulares e suas articulações entre si. Como tais articulações e singularidades se entremeiam? Como tais situações se produzem e se regulam? Talvez um modo de lidar com isso possa ser oportunizado sob a perspectiva daquilo que o historiador francês Paul Veyne (1998) apresenta como trama. Trata-se de um corte transversal dos diferentes ritmos temporais, como uma análise espectral. Próximo do que destacam a filósofa 28 Déborah Danowski e o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (2014) quanto a uma história humana, permeada e engendrada por crises, singularidades e ameaças. Os dois momentos ao qual a tese segue, ERA DO ACESSO – O OLHO QUE MONITORA ATENTO E CONSTANTE e “NO “OLHO DO FURAÇÃO”, foram delineados com vistas a considerar, de modo mais objetivo e empírico, elementos que explicitem a trama de um tipo diferente de produção laboral e organização da vida. Um tipo em que são descritos e esmiuçados enunciados e práticas laborais específicas. Procedimentos e modelos de trabalho que circunscrevem a atuação humana num contexto em que aglutinam práticas produzidas na convergência de reconfigurações e agenciamentos tecnológicos, ambientais, políticos e sociais. Com especial destaque aos processos que englobam diferentes tipos de condições e delineamentos: mudanças climáticas, teletrabalho, “desastres naturais”, sistemas computacionais, Big Data, insustentabilidade e vulnerabilidade social, etc. Neste sentido são pormenorizados os processos e fluxos que se produzem e se retroalimentam, tornando o cenário caracterizadamente incerto. Ou como aponta o químico russo, Ilya Prigogine (1996), há a emergência de fenômenos cada vez mais complexos e paradoxais. É com este intuito que este debate se empenha em descrever os processos que produzem uma trama instável, dinâmica e processual única. Práticas laborais no seio da convergência dos regimes, Disciplinar e de Controle, na figura de um dispositivo sinóptico único. Um dispositivo que, diferentes daqueles “laborais fabris”, reconfigura e traz à baila problemáticas que agora passam a exprimir "possibilidades e não mais certezas": subjetividades de uma outra espécie. As trilhas mapeadas e delimitadas nesta tese, possibilitaram o “embrenhamento” de outros caminhos sobre os modos de compreender a dinâmica laboral. Para tanto foi preciso descrever a maneira como são arquitetados e desenhados sistemas e agentes (humanos e computacionais). E foi neste sentido que os dois momentos seguintes foram alinhavados na tese. Num primeiro momento, as discussões se pautaram buscando compreender como se dá a trama entre determinados AGENTES HUMANOS E AGENTES COMPUTACIONAIS no seio de uma “Rede Observacional”. De modo a construir entendimentos, de como se articulam tais agentes, buscou-se descrever e significar como aspectos políticos 29 e operacionais da atuação profissional de trabalhadores de um centro de pesquisa e monitoramento de eventos climáticos extremos do governo federal brasileiro operam. O itinerário investigativo intentou estabelecer análises e diálogos que viabilizassem produzir um ponto de inflexão (entre tantos possíveis) das densas e complexas trilhas aqui internadas. Neste sentido é que se propôs um debate mais analítico que engendrasse TEMPORALIDADES LABORAIS e SUBJETIVIDADES ALGORÍTMICAS, enquanto trama. Uma discussão que envolveu reconfigurações laborais, reconfigurações climáticas e produção de subjetividades. Três eixos que, com certas reservas e ponderações, foram contendidos, e que possibilitaram: de um lado, se debruçar sobre formas múltiplas e historicamente situadas de agenciamentos entrelaçados, interpenetrados ou indiferenciados, e; de outro, estremar como se anuviam e se produzem práticas, trabalhadores e subjetividades. Entre cartografar os tipos de eventos climáticos extremos, os códigos de programação e os procedimentos laborais, buscou-se construir um tipo de genealogia de subjetividades laborais, expressa num tipo de governamentalidade muito própria das sociedades de controle: a “algorítmica”. Ao final, à guisa de conclusões parciais, o itinerário aqui trilhado buscou apontar elementos para pensar um tipo de subjetividade laboral produzida em um entroncamento singular: agenciamentos tecnológicos, algorítmicos, humanos, políticos e climáticos. As descrições e análises aqui construídas propõe um viés alternativo para pensar – não uma pós-humanidade nem somente uma humanidade das tecnologias políticas, mas também – os processos de agenciamento humanos contemporâneos. Pelo menos, no que se refere aos fluxos de forças que delimitam e circunscrevem como são produzidas as subjetividades humanas em contextos vivenciados por trabalhadores que atuam e monitoram situações e ambientes climáticos complexos. 30 NOTAS PRELIMINARES NOTAS PRELIMINARES Os fatos não existem isoladamente, no sentido de que o tecido da história é o que chamaremos de uma trama, de uma mistura muito humana e muito pouco "científica" de causas materiais, de fins e de acasos; de uma fatia da vida isolada segundo uma dada conveniência, em que os fatos têm seus laços objetivos e sua importância relativa [...]. A palavra trama tem a vantagem de lembrar que um objeto de estudo, como a subjetividade, é tão humano quanto um drama ou um romance, [...] enredos que podem passar de um plano para outro. Uma passagem que, em muitos casos, coloca em choque diferentes esquemas de pensamento, diferentes aspirações, diferentes enunciados, a partir de problemáticas e referências singulares. A trama pode se apresentar como um corte transversal dos diferentes ritmos temporais, como uma análise espectral: ela será sempre trama porque será humana, porque não será um fragmento de determinismo. Uma trama não é um determinismo, uma vez que os detalhes tomam, nesse caso, a importância relativa que exige o seu bom andamento. – Adaptado de VEYNE. Como se escreve a história. Foucault revoluciona a história. 1998, p.44 – 31 1.1 “RECALCULANDO A ROTA” A atividade humana sobre o globo tem sido alvo de debates intensos e cada vez mais tensos. Articulados aos ciclos naturais e políticos do planeta, suas implicações não se limitam, apenas, a aspectos locais ou pontuais, em termos microgeográficos. Todavia, elas fluem em escala global e bastante diversificada na dinâmica mundial. O ser humano hoje é impactado tanto em termos de qualidade e sustento da vida, logística e efeitos econômicos, quanto em termos identitários, políticos e laborais. O cerne de determinadas, senão a maioria, destas discussões contemporâneas passa pelo debate de problemas relacionados a degradações ambientais, dentre os quais se encontram aquelas ocasionadas por mudanças climáticas. Como constatado em estudos, tal qual os listados pelo meteorologista e especialista em direito ambiental, o brasileiro Dionis Mauri Penning Blank (2015), o Planeta Terra já foi acometido por diversos ciclos naturais de aquecimento e resfriamento. Movimentações constituídas por intensa atividade geológica. Conforme descreveu o historiador egípcio Erick Hobsbawn (2000) a emergência de atividades industriais, por exemplo, entre o final do século XVIII e todo o século XIX, e sua explosão no início do século XX, coincide com a intensificação de mudanças no modo de vida ao redor do globo. Para Blanck (2015) é justamente neste período que mais se identifica o clima terrestre sendo afetado, no que tange sua variação “natural”. Isto evidencia que a atividade humana tenha sua parcela de contribuição para parte da problemática das mudanças climáticas, hoje em tela. Ao se debruçar atenção sobre as denominadas “mudanças climáticas” traz- se à baila um denso conjunto de relações, sob as quais se articulam diversas disciplinas e áreas de conhecimento. Saberes que até então tratavam alterações climatológicas, indiretamente, de maneira desarticulada: os seres vivos, os oceanos, a atmosfera, o clima, os solos mais ou menos férteis. Conforme destacado pela filósofa belga Isabelle Stengers (2015), é preciso considerar o modo como se articulam e são catalisados as relações, os vetores e as forças deste fenômeno. Ou seja, há um enquadramento, globalmente estável, das histórias e cálculos que sobre ele empenha atenção. Um movimento que se expressa dotado, não apenas desta ou 32 daquela história, doravante, de um regime de atividades próprio. Um modo que resulta dos inúmeros e emaranhados processos constituintes, que se configuram e reconfiguram, articulados entre si. Tais processos comportam envergadura e amplitude tal que uma simples oscilação repercute em múltiplos desdobramentos nos outros. Um denso conjunto de relações que articula um rol de saberes científicos que se prestam a discutir a articulação entre os seres vivos, os oceanos, a atmosfera, o clima, os solos, a sociedade etc. Mas como materializar uma discussão tão densa, tão ramificada e, ao mesmo tempo, tão abstrata, como esta? Talvez antes de se dar esta guinada para esta ou aquela proposta, seja interessante trazer alguns números que auxiliem no dimensionamento dos fluxos vetoriais que, congregados, possibilitem compreender as singularidades dos regimes vigentes que têm “reconfigurado” o planeta. Figura 1 – Dimensão de impactos em razão de eventos climáticos extremos no ano de 2019 ao redor do mundo1 Fonte: Kihl (2019, p.3). A jornalista belga Lorraine Kihl (2020) apresentou, em um artigo intitulado Les catastrophes climatiques ont affecté près de 98 millions de personnes2, números 1 Adaptado de Kihl (2019). Tradução livre: Inundações; tempestades; Deslizamentos de terra; Temperaturas extremas; Incêndios; Estiagens. Mortos; milhões de euros em danos de danos (dos quais 47 estavam segurados) 33 elaborados pelo Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) do Institute Health and Society – UClouvain3 com uma avaliação provisória das catástrofes naturais de 2019 (Figura 1). Figura 2 – Ocorrências por tipos de Desastres Naturais – comparação entre 2019 e o período de 2009-20184 Fonte: CRED (2019, p.5). 2 Tradução: As catástrofes climáticas têm afetado mais de 98 milhões de pessoas. 3 Tradução: Centro de Pesquisa na Epistemologia de Desastres – Instituto de Saúde e Sociedade da Universidade de Clouvian. 4 Tradução livre: Ocorrência por tipos de desastres: 2019 comparada à média anual de 2009-2018. Seca, terremoto, temperaturas extremas, inundação, deslizamento de terra, movimento de massa, tempestade, atividade vulcânica, incêndios. 34 Inundações, ciclones, deslizamentos de terra e ondas de calor mataram quase 8.500 pessoas. Entre catástrofes, mortes e pessoas afetadas, para se ter uma noção mais clara da dimensão que eventos desta ordem tomam, e de seu incremento nos dias atuais, é interessante compará-los em termos mais longitudinais. O mesmo CRED atualizou os números anteriormente mencionados (referentes à 2019), de modo a compará-los com o histórico das ocorrências na década anterior, entre os anos de 2009 e 2018. A Figura 2 exemplifica esta comparação. Tais números suscitam enfrentar questões como: quais condições, regimes e modos de vida emergem da ocorrência de eventos catastróficos oriundos das chamadas “mudanças climáticas” e seus efeitos? Que tipos e sujeitos são produzidos a partir disso? Neste sentido, Stengers (2015) salienta a necessidade de convocar uma abordagem que não se reduza ao debate de fenômenos naturais, apenas. Adicionalmente, é preciso colocar em perspectiva a ação humana em relação ao meio ambiente. De modo que seja possível demonstrar como os catalisadores que produzem “mudanças climáticas” se relacionam à vida em sociedade, às culturas e às construções contemporâneas. Ou mesmo nos modos como se engendram, se retroalimentam e se reconfiguram. Sejam tais elementos relacionados ao uso humano indiscriminado e irracional de recursos naturais numa velocidade desproporcional em relação a sua reposição. Sejam àqueles envolvidos com o aumento desordenado em termos populacionais e atividades econômicas e industriais, com grande impacto sobre o globo. De um modo ou de outro, ou dos dois, parece incontornável considerar o condicionamento e a emergência de novos fatores determinantes. Catalisadores que impliquem à espécie humana e a reconfigurações, sejam elas climáticas, sociais ou humanas, quanto ao grau de influência de tais fluxos sobre estas questões cruciais. Stengers (2015) destaca que as mudanças climáticas, enquanto fenômeno complexo, estão envoltas em incertezas de ordem geopolítica, demográfica, ecológica, físico-química, legal, sociopolíticas, culturais, econômicas e humanas, tanto quanto ambientais. Portanto, assumem um caráter, necessariamente, transdisciplinar, uma vez que não podem ser vislumbradas, exclusivamente, sob a ótica de uma única área de saber. Algo que tem demandado, no âmbito científico, 35 uma pluralidade de entendimentos sobre mecanismos e dinâmicas, implicações e efeitos, acerca da vida humana em geral. Ao se pautar pela premissa de Veyne (1998) sobre as tramas da vida humana, aparentemente, seria mais interessante, para os fins deste debate, “recalcular a rota” e problematizar, não fatos e ocorrências de “Mudanças Climáticas”, mas sim, a trama que reverbera a partir de “Reconfigurações Climáticas”. Uma vez que seus desdobramentos reconfiguram as diferentes searas de sua constituição. Um debate oportuno que, ainda insuficientemente explorado, este viés possibilita alcançar, é como tais reconfigurações, em suas nuances e concretudes, relacionam-se à produção de subjetividades. 1.2 REVERBERAÇÕES DO CONTEMPORÂNEO Até a publicação da “Uber die Spezielle und die Allgemeine Relativitatstheorie5, do físico alemão Albert Einstein, em 1916, duas concepções eram amplamente compartilhadas: uma, referente a dos algarismos hindu-arábicos (do 0 ao 10) e, outra, a respeito do calendário. Nas sociedades contemporâneas, um contingente grande de atores sociais, partilham o mesmo calendário6. Bem como suas subdivisões: dia em 24 horas; a hora em 60 minutos, o minuto em 60 segundos. Como bem lembra o economista norte-americano Edward Wolff (2012), as “24 horas de um dia”, por exemplo, vem da astronomia babilônica e tem mais ou menos 3.500 anos. Logo, o “tempo”, em termos de experienciação, apresenta-se como algo criado pelo homem. Uma invenção social! Pois, como salienta o filósofo francês Paul Virilio (1998), o tempo é vivido a seu modo por cada sociedade. Nada tem de natural. Há algo de econômico, algo de social, algo de político no modo como 5 Tradução: “Teoria da Relatividade Especial e Geral”. Segundo o astrofísico brasileiro Carlos Alexandre Wuensche (2005), para Einstein o movimento dos objetos ocorreria, não em termos da ação de forças, como na mecânica clássica, mas em termos de trajetórias descritas sobre a superfície do espaço-tempo. Isto implica que o espaço e o tempo não seriam estruturas absolutas e estáticas como na teoria newtoniana, mas objetos físicos em si, gerados pela matéria do Universo. Esta perspectiva compreende que, para qualquer evento no espaço-tempo, em qualquer direção, haverá somente uma linha de mundo correspondente a um evento causado por um vetor singular: a força gravitacional. 6 Segundo físico brasileiro Orlando Moura (2011, p.15) um “[...] calendário é um sistema, definido por regras, para designar o ano, e dividi-lo em unidades menores, os dias, e atribuir a essas unidades, também, a determinação das datas dos feriados civis e religiosos. [...] A sociedade [contemporânea] exige que o mesmo calendário civil deva ser usado em todo o mundo”. 36 o tempo é pensado e vivido. Prigogine (1996), exemplifica esta situação quando descreve o modo como a construção de "leis da natureza" – entre elas aquelas que medem o tempo – trouxe uma condição única à existência humana: a descrição de mudanças de movimentos, de eventos, de situações e condições, que ocorriam dentro de uma temporalidade. Paradoxalmente, também estabeleceu um modo de controle, em que o “enunciado explicativo” do “postulado legal” circunscreve e controla sobre e o que ocorre. Mesmo que o antes e o depois variem (passado, presente e futuro: o tempo), a “lei natural” que os explica denota uma condição invariante. Pois a partir dos cálculos, dela provenientes, considera-se ser possível estabelecer os estados seguintes, bem como aqueles que os precedem. Antes de uma naturalidade, aparece um regime social que “naturaliza” o contexto e, por conseguinte, o tempo nele vivido. Para tanto, são produzidos dispositivos que mobilizam, e são mobilizados, a fim de produzir uma lógica e organizar as práticas a serem empreendidas em uma dada sociedade. Dispositivos que, cada qual ao seu modo, reconfiguram as informações sobre o mundo e a relação do ser humano com ele (VIRILIO, 1998). Assim como a pólvora reconfigurou o movimento. Assim como o papel reconfigurou a memória. Assim como a bússola reconfigurou a compreensão humana sobre o espaço. O relógio mecânico reconfigurou o tempo (WOLFF, 2012). Pelo menos, o entendimento social sobre ele. Como descreve o físico brasileiro Orlando Moura (2011), os primeiros instrumentos tecnológicos que apareceram para medir e controlar o tempo na humanidade, surgem, principalmente, em civilizações que começam a demandar uma temporalidade diferente. Os egípcios e, sobretudo, os gregos, perceberam que medir o tempo a partir do aparecimento do sol e da noite não era suficiente. Fazia-se necessário medir o tempo numa outra dimensão: na explanação dos oradores, no momento da acusação, da defesa etc., no tempo da palavra. Então, para medir este tempo, surge uma invenção denominada “clepsidra” (Figura 3 e Figura 4). 37 Figura 3 – Clepsidra de Amenófis III Fonte: Moura (2011, p.18). Figura 4 – A Clepsidra de rodas dentadas de Ctésibio Fonte: Moura (2011, p.19). Trata-se de um antigo instrumento usado para medir o tempo com base na velocidade de escoamento da água. A “Clepsidra de Ctésibios” (Figura 4), datada entre os anos 285 e 242 a.C., era constituída por dois cones que se comunicavam pelo ápice (sendo um deles cheio de água) do cone superior para o inferior. Entretanto, como explica Moura (2011), essa lógica, de modo mais rudimentar, já havia sido pensada pelos egípcios, mais de mil anos antes dos gregos. A “Clepsidra de Amenófis III” (Figura 3) funcionava como um paralelepípedo com um orifício na parte inferior, no qual fluía a água. Com marcações na parede interna, ela marcava gradualmente o escoamento do tempo. Entretanto, em ambos os casos, houve uma exigência política e social que permitiu uma nova convencionalidade do tempo: uma nova “lei natural” que o delimitava e o estabelecia. Em oposição ao tempo “natural”, que era muito mais evidente, mas, inconvenientemente, desigual e impreciso, o tempo “social”, era sempre igual. A partir do “Tempo” das Clepsidras há, como descreve Moura (2011), a invenção de uma imensa variedade de mecanismos que buscavam capturar o tempo: a “Ampulheta”, o “Relógio de Azeite”, o “Relógio de Vela”, os “Relógios de Fogo”, o “Relógio de Corda com Nós”, o “Relógio de Fogo Despertador”. Para tão- somente, no século IX, aparecer um dispositivo “altamente complexo”, pois conglomera a lógica de todos os seus predecessores: o relógio mecânico. Um dispositivo que implementa, exatamente, a ideia de unicidade ao tempo, mas de um 38 modo muito mais preciso. Ou seja, uma sucessiva união de pedaços idênticos. Da mesma maneira que se pega uma régua e um sarrafo e os divide em pedaços iguais, e que, ao se juntar, eles mediriam, necessariamente, o mesmo tamanho. Uma “reinvenção” da “Clepsidra de Amenófis III” (Figura 3), pois, a partir dela o tempo é tratado como uma sucessão de pedaços iguais, a qual se expande em alcance e precisão: séculos, anos, meses, dias, horas, minutos, segundos. Ao juntar estes pedaços tem-se um período mais ou menos extenso, todavia, muito mais preciso. O dia passa a ter 24 horas fixas. Logo, altera-se o momento em que o nascer e o pôr do sol ocorrem à conveniência social vigente. Uma prática corrente em muitos países, ao redor do mundo, é o chamado “Horário de verão”. Uma mudança operada no fuso horário oficial do território a fim de atender a uma demanda socioeconômica: a escassez energética e a otimização de recursos, por exemplo. Eventos e acontecimentos vivenciados, por cada cultura, cadenciam o modo como o tempo será percebido: mais ou menos extenso, mais ou menos acelerado, mais ou menos aproveitado. Wolff (2012), quando analisa a evolução do processo comunicacional contemporâneo (Quadro 1), demonstra o modo como o tempo e sua vivência foram “aprimorados”. Sua gestão, em termos de extensão e densidade, cada vez mais, intensifica e acelera mudanças sociais. A emergência de novas tecnologias, novas máquinas, novos dispositivos, torna-se mais e mais intensificada, acelerada. O que faz pensar que o tempo está cada vez mais precioso, porque se tem, cada vez, menos tempo para se adaptar a cada mudança operada no contexto em que se transita. Quadro 1 – Evolução da Comunicação 400 ANOS FOI O TEMPO QUE a imprensa precisou para fazer parte da dinâmica cotidiana; 50 ANOS o telefone precisou para chegar a um público em massa; 7 ANOS o celular demorou para se consolidar; 3 ANOS as redes sociais levaram para se efetivar Fonte: Adaptado de Wolf (2012). A miríade de dispositivos contemporâneos que baseiam seus funcionamentos na premissa da temporalidade mecânica, como destaca Virilio 39 (1998), funcionam como “motores” que “escandiam e organizam” a história humana. Em especial o filósofo francês identifica, neste sentido, cinco tipos diferentes de motores: Primeiro, o motor a vapor, na ocasião de uma revolução da informação e da criação da primeira máquina, ou seja, da máquina que serviu à revolução industrial [...]. O segundo motor, o motor à explosão, propiciou o desenvolvimento do automóvel, do avião. [...] O terceiro motor, o elétrico, deu origem à turbina e favoreceu a eletrificação, permitindo, por exemplo, uma visão da cidade à noite. [...] O quarto motor é o motor-foguete que permitiu ao homem escapar da atração terrestre [e ao lançamento de] satélites que servem à transmissão do sistema de segurança. [...] O último motor é o motor informático, é o motor da inferência, é o motor da lógica, aquele do software, que vai favorecer a digitalização da imagem e do som [...] (pp.127-128) Isto instiga dizer que, simultaneamente, a cada “aceleração” do tempo que se vive, há a emergência de uma dada tecnologia, que se estabelece. Logo, a percepção do modo como se pratica a vida é alterado. Ou seja, o contexto e o modo como as pessoas se comportam, como pensam, como sentem, como percebem e como significam o espaço e o tempo em que vivem é demarcado pelos regimes sociais e políticos que as circunscrevem. Por conseguinte, também o é, o modo como as tecnologias singularizam esta ambiência. Na mesma medida que tais tecnologias são, por tal sociedade e modos de vida, produzidos. Como aponta Prigogine (1996), sob esta lógica, ao se representar a natureza a partir da abstração físico-matemática derivada do estudo dos corpos em movimento limita-se atribuir uma condição de instabilidade ou não. Segundo o autor, isto se evidencia, e ganha novas dimensões quando pensados sistemas e fenômenos complexos. Visto que a instabilidade impõe uma reformulação das “leis fundamentais” que delimitam o tempo, tanto em níveis micro quanto macroscópicos. Mas como fica a vida quando o espaço e tempo desaparecem? Ou pelo menos sua percepção? Para se locomover de um ponto a outro do Estado de São Paulo, por exemplo, ia-se de cavalo, de bicicleta, de carro, de ônibus, de avião, num dado tempo, com um dado gasto energético, financeiro etc. Agora é possível ir de ponta a ponta do Estado, em instantes. Pelo menos sua percepção, quando da realização de uma “videochamada”, por exemplo. Isto significa que a adoção de um tipo de modelo explicativo que problematize, em outros termos, sistemas instáveis e complexos reconfigura, radicalmente, a maneira de descrever a natureza 40 (PRIGOGINE, 1996) e, por conseguinte, o tempo. Isto pois, ao modificar a forma de descrevê-lo, modifica-se os modos de apreendê-lo e de intervir no meio. Se até os tempos do relógio mecânico o tempo era descrito enquanto articulações e discriminações, trajetórias e funções. Como propõe Virilio (1993), a percepção dos fenômenos está atrelada à velocidade como estes surgem. A emergência de um cenário envolto em instabilidades e incertezas reconfigura o modo de descrever e explanar a realidade em termos de estimativas, aproximações, estatísticas e probabilidades. Se o tempo era medido pela descrição do “segundo”, agora o é pela percepção do “instante”. Com a emergência de dispositivos e máquinas cada vez mais poderosas, o espaço e o tempo são produzidos em outros termos. Para Virilio (1998) a emergência do “[...] motor informático [modifica] totalmente a relação com o real, na medida em que permite duplicar a realidade através de uma outra realidade, que é uma realidade imediata, funcionando em tempo real, live” (p.128, grifo do autor). Não há mais o tempo! Pelo menos a percepção sobre ele é intensamente alterada. Neste sentido, as dinâmicas sociais da atualidade se caracterizam pelo “instante”. Tal qual a emergência de dispositivos antigos (clepsidras, calendários, relógios mecânicos) precisavam a percepção do tempo linear, a emergência de dispositivos digitais produz novas concepções e percepções sobre espacialidades e temporalidades. As novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) são um exemplo claro disto. A velocidade com que as pessoas conseguem trocar signos, caracteres e símbolos é tão grande que a interação não demanda mais de um tempo “uniforme” e “preciso”, como nos tempos das Clepsidras (Figura 3 e Figura 4). Há um novo elemento mobilizador: a simultaneidade de vários espaços, ao mesmo tempo, vividos e experimentados, praticados e suportados, instantaneamente. Isto significa que as tecnologias informacionais possibilitam ao homem viver, experimentar e praticar diversos eventos e situações quase que – senão – ao mesmo tempo, na medida do “instante”7. 7 Para o físico brasileiro Marcelo Costa Lima (2011) o “instante” pode ser definido como um “[...] continuum [...] no qual formulamos a descrição das leis físicas: o espaço-tempo [grifos do autor]”. Ou seja, o modo como os agentes humanos entendem o momento em que estão e vivem, “[...] isto é, o conjunto de atributos que lhe imputamos [...]” (p.31, grifos do autor). 41 Enquanto nas temporalidades das Sociedades Disciplinares, tal como destaca o filósofo francês David Lapoujade (2010), vigia um tempo de fábricas, de indústrias, de escolas, de hospitais, de lares; o tempo do Relógio cadenciava: a “hora do descanso”, a “hora do trabalho”, a “hora do estudo”, de modo linear. Mas e quando emergem as temporalidades dos novos dispositivos digitais, qual lógica espaço-temporal se estabelece? A lógica da temporalidade “mecânica” foi subvertida a um ponto em que a distinção de noite-dia, fica anuviada. 24 horas que estabelecem um carácter cíclico, começam a tomar outros delineamentos. A forma como jogadores de Exergames se atocaiam 15, 20 dias, em bunkers, jogando on- line, ininterruptamente – tal como descreveu o educador físico brasileiro Guilherme Bagni (2020) – demonstra isto. Lapoujade (2010) destaca ainda que há nas temporalidades informacionais um controle contínuo, um levantamento de informações e comunicações instantâneas. Há, pois, um cenário, ou melhor vários cenários que, infinitamente, se engendram e se estendem a diversas “formações sociais”, máquinas, dispositivos de produções cibernéticas do homem, do empreendimento, do controle etc. O que permite que os atores sociais (humanos ou não) sejam capazes de saber, uns dos outros, a todo instante, sobre o que é feito, sobre o que é consultado, sobre o que é comprado. São produzidos “centros de interesse”, gostos, situações financeiras, vida íntima, familiar etc., incontáveis possibilidades de ambiência social. Em janeiro de 2021, as agências Hootsuite/We are socia (KEMP, 2021), realizaram um levantamento de alguns números que dimensionam a extensão desta dinâmica (Quadro 2). Números como estes sinalizam uma rede de pessoas, constante, instantânea e simultaneamente conectadas, como destaca Virilio (1998), sob um “tempo mundial”. Quadro 2 – Dados contemporâneos 7,8 B IL H Õ E S população global aproximada de seres humanos; dos quais 56,4% vivem em urbanizações 5,2 o número (estimado) de pessoas, ativamente, conectadas à um dispositivo mobile. aproximadamente 66,6% da população mundial 4,7 de pessoas utilizam as redes sociais (algo em torno de 59,5% de todo a população mundial). sendo que 4,2 bilhões são usuárias de mídias sociais (cerca de 53,6% da população mundial 42 Fonte: Adaptado de Kemp (2021). Um quantitativo que evidencia, ou pelo menos sinaliza para, as diferentes maneiras com as quais os diferentes fluxos planetários produzem e delimitam a existência. Temporalidades produzidas, a partir de um tipo de valoração, tanto econômica quanto política e, através de fluxos ininterruptos de informações, que atravessam as pessoas, enquanto usuários e consumidores. Pessoas que tem seu modo de vida afetado diretamente em sua temporalidade e espacialidade. O crepúsculo “[...] do aqui e agora concreto, que se refere ao estar junto concretamente, sem intervalo de espaço e tempo” (VIRILIO, 1998, p.131). Quadro 3 – Dispositivos por pessoas 97,1% Mobile phone (de qualquer tipo) 96,6% Smartphones 9% Mobile phone (não smartphone) 64,4% Notebooks ou Computadores pessoais 34,3% Tablets 14,4% SmartTVS (com tecnologia streaming) 21,4% Console de jogos eletrônicos 12,3% Dispositivos ligados à Smarthomes (casas inteligentes) 23,3% Smartwatchs e wristbands (dispositivos vestíveis) 4,4% dispositivos de realidade virtual Fonte: Adaptado de Kemp (2021). Ainda, segundo o relatório da We are Social, estima-se que a distribuição do volume de tráfego por dispositivo de conexão, smartphones, laptops e desktops, Tablets e outros dispositivos (de consoles de jogo, videogames a equipamentos de monitoramento corporal), ocorre como destacado no Quadro 3. Isto possibilita, ou pelo menos instiga, a dizer que as formas sociais de confinamento começam a se tornar mais “porosas”. Mesmo instituições totais como prisões, manicômios e conventos/mosteiros, tornam-se cada vez menos confinantes8. Diferentemente dos 8 A questão recorrente da entrada clandestina de aparelhos celulares em presídios brasileiros, “[...] (via, por exemplo, funcionários corruptos, familiares, ou outras formas) possibilita que os prisioneiros se comuniquem diretamente com o exterior. [...] No caso da prisão, rapidamente os bloqueadores recém-instalados tornam-se obsoletos, assim que outras frequências para transmissão dos sinais dos celulares são incorporadas aos novos telefones à venda no mercado, cujos sinais também chegam às prisões” (ZOMIGHANI JÚNIOR, 2015, 2019). Mesmo sendo proibido o uso de telefones, as 43 tempos disciplinares, nos tempos das sociedades de controle, tendencialmente, trabalha-se em casa (home office), goza-se o lazer no trabalho (svago creativo). A todo o momento busca-se aprender a manter-se informado (notificações, posts, e- mails, mensagens, tweets etc.). Não se vive a temporalidade social mais na dualidade ordenada massa-indivíduo. Mas sim, de modo errático, instantâneo e caótico. É possível saber, instantaneamente, se houve um terremoto na Bolívia e se ele teve repercussões sísmicas em São Paulo e Curitiba. Se dois ex-presidentes de continentes diferentes são condenados e presos por corrupção é possível saber de maneira imediata. Mas é preciso não confundir as coisas. Ter acesso à informação não significa que se é capaz de decodificá-la de forma plena. As tecnologias e saberes são produzidos, configurados e reconfigurados de modo que, como destaca Wollf (2012), a forma com que as pessoas interagem umas com as outras, se alterou, tanto espacial quanto temporalmente, de modo significativo. Aquilo que se gosta, que se faz e o modo como se atua não é o mesmo ao longo da história. Se antes, dicotomicamente, havia o separado e o junto, o próximo e o distante, há agora o conectado e desconectado. A expressão que bem ilustra esta reverberação contemporânea é apresentada por Virilio (1998): “se reunir à distância”. São tantas as correntes, são tantos os ventos, são tantas as ondas, são tantos os fluxos – e que mudam com uma frequência absurdamente constante – que, mais do que uma orientação precisa, gera-se uma sensação de desorientação frequente. Como destaca o sociólogo italiano Domenico De Masi (2014), o homem entra num estado de desorientação em que tudo se confunde. A tal ponto que fica difícil: identificar categorias como o bom em oposição ao ruim; diferenciar o bonito do feio, o esquerdo do direito, o honesto do desonesto, o homem da mulher, o vivo do morto. Para a estudiosa sobre mídias digitais Taina Buscher (2012) as redes sociais, tais como Facebook, Twitter e Linkedin (dentre outras tantas Bigtechs), impelem seus usuários a produzir conteúdo, em seu tempo livre. Estes são tomados como força de trabalho gratuita, que fornecem materiais numa proporção gigantesca, e que em algum momento serão revertidos em lucro para estas autoridades tem se desdobrado, incessantemente, buscando impedir o contato dos sujeitos ali confinados nas penitenciárias, com o mundo externo. 44 empresas, as quais ditam, apenas, os fluxos. Uma vez que os meios de produção, são dos próprios usuários, que não se dão conta disto. Lazer, trabalho, educação, saúde etc. são açambarcados e se confundem, se misturam, e, com efeito, desorientam. O pesquisador americano em estudos digitais e algorítmicos, John Cheney-Lippold (2017), entende que esta desorientação significa que “pedaços”, “fragmentos” do próprio indivíduo são “deixados para trás”. A cada novo acesso à rede digital, instantaneamente, conecta-se a uma infinidade de lugares, de pessoas, de momentos. As lembranças podem ser revividas, vividas e sonhadas, no passado, no presente e no futuro. Todos os dias este “ente fragmentado” é impelido a rever as bases dos sistemas de valores que o referenciam. Em retrospecto, ao se analisar o volume de informações que o “cidadão do relógio mecânico” precisava lidar para tomar uma dada decisão, não fica difícil imaginar uma dada quantidade, mais ou menos, cognoscível. Assim, viajar, contrair um empréstimo, comprar um carro, ou mesmo a espessura do jornal que ele leria configuravam-se enquanto ações em que o nível de atualização ocorria, no máximo, a cada nova edição do jornal (24 horas). Será que estas mesmas decisões no contexto atual, seriam mais fáceis ou mais difíceis de se empreender? Aparentemente, deveriam ser mais fáceis, uma vez que o volume de informações que se dispõem hoje, para tanto, é absurdamente maior9 e facilmente acessível, na velocidade de atualização impressionante de um click. Mas, a complexidade para que a decisão seja tomada e proferida, também o é. Pois, ao processar um conjunto “descomunal” de informações em instant update, o ser humano, para Cheney-Lippold (2017), vivencia uma experiência fragmentada e de difícil lida. Uma experiência que proporciona e produz vivências humanas rasas, tanto do ponto de vista prático quanto estético. As pessoas leem, se informam e experenciam, em estado constante, modos instantâneos e indefinidos. Sempre de forma sucinta e superficial, os processos psicológicos têm sido levados a patamares nunca antes vistos. O processo da aprendizagem, por exemplo, transmuta das paredes da sala de aula para um modo mais fluido e constante: a formação 9 Segundo o relatório We are social (KEMP, 2021) o volume mensal de tráfego de dados, através de dispositivos móveis, entre os anos de 2015 e 2020, aumentou em mais de 15 vezes. Algo em todo de 15.000.000.000.000.000.000 de Bytes. 45 permanente (DELEUZE, 1996), que só opera sob o dimensionamento de minutas e resumos da realidade. Seja ela virtual ou física, síncrona ou assíncrona, ela produz reverberações na produção de subjetividades, no passo que altera, por exemplo, as relações interpessoais. Nas sociedades disciplinares há um humano “unificado” que guia suas práticas sob a égide da hierarquia. Já os humanos produzidos a partir de intensos e volumosos fluxos de dados, estão inseridos em uma horda que não reconhece a hierarquização da vida como prática de referência. O que há é a horizontalização das relações interpessoais, seja na família, seja no trabalho, seja na escola. Em espaços não mais tão bem delimitados, em que não há uma hierarquização clara, estas temporalidades se invadem mutuamente, horizontalizando e desorientando formas de interação. Não se fala mais de um espaço escolar e ou de um tempo da Escola, mas sim, no fluxo da Educação, que está conectada, não com a temporalidade do Trabalho, mas com fluxos de Mercado, que está conectado, não mais com o espaço-tempo do Hospital, mas com o problema da Saúde, e assim por diante. 1.3 QUESTÕES METODOLÓGICAS Bem se sabe, a cada tipo de sociedade (como apresenta DELEUZE, 1996), a cada tempo social (como destaca VIRÍLIO, 1998), a cada tipo de cultura (como compreende o historiador americano David NYE, 2006), há um correspondente tecnológico. Há um tipo de máquina que a/o expressa. Sejam elas simples (como as Sociedades Pastoris) ou dinâmicas (como as Sociedades de Soberania), energéticas (como as Sociedades das Disciplinares), ou informacionais (como as Sociedades de Controle), tais máquinas operam e são operadas em, e por, agenciamentos coletivos dos quais são parte constituinte. Assim, é possível assumir que os fenômenos sociais e humanos são governados através de uma significativa gama de tecnologias. Entretanto, como alerta Deleuze (1996), um “[...] agenciamento não é jamais tecnológico [...]” (p.84). Ao contrário, as tecnologias, as máquinas, os procedimentos, as ferramentas, as técnicas (e todo o aparato e maquinário) pressupõem sempre um social. A técnica permanece marginal sem que seja antes selecionada e empregada por um regime social, em um modelo econômico, em um programa político. Um agenciamento refere-se a uma 46 constelação que conjuga um pull10 de relações com e entre os indivíduos, grupos, entre nações, com o trabalho, com o clima, com as ciências, com o lazer, com a vida privada, com a vida pública, com o corpo. Em cada sociedade há um regime social, político e econômico vigente que produz uma reedição, uma reinvenção de saberes, de técnicas, de procedimentos, de práticas das sociedades que a antecedeu. De um modo ou de outro são reconfigurados os dispositivos, as tecnologias e as máquinas e, por conseguinte, os próprios seres humanos e os contextos (e suas esferas sociais, políticas e ambientais). Nas Sociedades Disciplinares, por exemplo, a relação homem-máquina é pautada pela unilateralidade. Homem que usava a máquina, aplicava uma tecnologia e assim, produziam-se novas práticas sociais. Entretanto, com a emergência de um outro tipo de regime, estas relações são reeditadas para um outro tipo de produtividade. As máquinas informacionais da atualidade atuam diferentemente, de modo menos pontual e mais generalizado. As tecnologias informacionais, tal como apontam Deleuze e psicanalista francês Félix Guattari (1997) produzem um outro tipo muito específico de problema, de dinâmica social. Antagonicamente, a partir de novas práticas e enredos sociais, há a intensificação de um agenciamento não-humano na relação homem-máquina. Uma reedição das relações produtivas, em que Robots, algoritmos e Inteligências Artificiais assumem, tendencialmente, um protagonismo cada vez maior e mais imperceptível. Este é o caso do dispositivo algorítmico no agenciamento modulatório das subjetividades laborais contemporâneas, objeto desta investigação. 1.3.1 Agenciamentos coletivos sob o regime informacional.11 10 Em terminologia computacional o pull designa uma ação de extrair informações da rede (internet). 11 As discussões e proposituras aqui apresentadas são, em parte, fruto de debates travados no desenvolvimento do projeto de pesquisa Working practices in the Digital Economy: an exploratory study about the contemporary worker actuation, realizado pela parceria UNESP-TELUQ, e que se materializaram na apresentação Methodological issues on researches in digital environment. Notes about the articulation between subjectivity production and contemporary work practices, como parte da mesa redonda intitulada Community engagement, Stakeholder analysis, do Workshop on conducting field research in methodologically challenging settings, realizada em 2 de outubro de 2020. 47 Nesta hodierna sobreposição tecno-político-social têm emergido novas formas de atuar, de existir um ser humano enquanto ator social, ao mesmo tempo ativo e passivo. Em especial, aqueles que atuam em ambiências digitais, tem experenciado a catalisação de complexas práticas de subjetivação. Com efeito, um tipo diferente de ser humano tem sido produzido. Mais conectado a práticas de acesso, em que predomina um volume incomensurável de dados, em carácter contínuo, fluido e instantâneo. A dinâmica vivencial atual (laboral, econômica, social e ambiental) tem se caracterizado pela multiconectividade através de práticas do acesso a contextos digitais de alta complexidade e mediados por um outro tipo de máquina: o algoritmo (CHENEY-LIPPOLD, 2017). Mais do que uma evolução natural das tecnologias, os dispositivos algorítmicos, ao mesmo tempo, materializam e refletem, aquilo que Deleuze (2001; 1996) já sinalizava como um “agenciamento coletivo”, próprio dos tempos das Sociedades de Controle. Trata-se de um poderio tecnológico, como destaca Deleuze e a jornalista Claire Parnet (1998), arquitetado para calcular a vida cotidiana dos seres humanos, posicionando o algoritmo em uma problemática que vai além de uma condição técnica. Pensadores mais recentes, tais como o estudioso de tecnologias, o bielorrusso Evgeny Morozov (2018), e o cientista político Sérgio Amadeu Silveira (2018), destacam que tais dispositivos extrapolam o âmbito procedimental do digital. Enquanto instrumental, tais dispositivos estão posicionados, sim, nesta seara, mas também coadunam e concatenam outros sistemas tais como “[..] sociais, políticos e econômicos que são viabilizados ou inviabilizados, ampliados ou atenuados”, de modo a modular as “[...] opções e [os] caminhos de interação e de acesso [...]” (MOROZOV, 2018, p.