Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Química - Câmpus de Araraquara Nicole Maria Mendes Cuenca Cotrim Estudo do Processo de Secagem de Bagaço de Malte Araraquara 2024 Nicole Maria Mendes Cuenca Cotrim Estudo do Processo de Secagem de Bagaço de Malte Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como parte dos requisitos para obtenção do título de Especialista em Tecnologia Cervejeira. Orientador: Prof. Dr. Leinig Antônio Perazolli Coorientador: Prof. Dr. Gustavo Nakamura Alves Vieira Araraquara 2024 FICHA CATALOGRÁFICA Cotrim, Nicole Maria Mendes Cuenca C845e Estudo do processo de secagem de bagaço de malte / Nicole Maria Mendes Cuenca Cotrim. – Araraquara : [s.n], 2024 36 f. : il. Trabalho de conclusão de curso (Lato Sensu – Tecnologia Cervejeira) – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Química Orientador: Leinig Antônio Perazolli Coorientador: Gustavo Nakamura Alves Vieira 1. Malte. 2. Cerveja - Indústria. 3. Resíduos sólidos. 4. Secagem. 5. Alimentos – Umidade. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Química, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Dedico este trabalho aos meus avós, Antônio Cuenca e Adirce Mendes dos Santos. AGRADECIMENTOS À minha família por todo amor, encorajamento, gestos de apoio e compreensão que foram verdadeiramente fundamentais para alcançar meus propósitos acadêmicos. Ao meu companheiro, Hugo, pelo carinho, suporte emocional e sacrifícios pessoais que suavizaram as adversidades desta jornada. Sou imensamente grata por ter você como meu parceiro de vida. À Nicole (eu mesma) por fazer todo este trabalho duro, do qual me orgulho. Por ter me permitido aceitar a oportunidade de ampliar os horizontes. Por perdoar meus erros e persistir diante de tantos desafios. Ao Instituto de Química que além de ter me proporcionado uma excelente formação acadêmica, também me ofereceu oportunidades excepcionais de desenvolvimento profissional. Ao Departamento de Engenharia, Física e Matemática, em especial ao Prof. Dr. Fábio Roberto Chavarette e aos meus colegas Telma Freitas e Alexandre Jorgetto, pela anuência e cooperação para que minha atuação técnica e acadêmica no curso de pós-graduação fosse exequível. Ao meu orientador Prof. Dr. Leinig Antônio Perazolli e ao coorientador Prof. Dr. Gustavo Nakamura Alves Vieira, por contribuírem na construção deste trabalho. A todos os meus colegas da primeira turma de Pós-Graduação em Tecnologia Cervejeira, pelos imensuráveis aprendizados. Além de toda alegria e satisfação que a convivência com vocês me presenteou. Enfim, a todos aqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho. Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar... Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar... Queria subir ao céu, Queria descer ao mar... E, no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar... Estava perto do céu, Estava longe do mar... E como um anjo pendeu As asas para voar... Queria a lua do céu, Queria a lua do mar... As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par... Sua alma subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar... - Alphonsus de Guimaraens¹ ¹GUIMARAENS, A. Melhores poemas de Alphonsus de Guimaraens / seleção de Alphonsus de Guimaraens Filho. 4 ed. São Paulo: Global, 2001. RESUMO O bagaço de malte é o mais abundante resíduo da indústria cervejeira, correspondendo a cerca de 85% do total de resíduos gerados. Devido à sua composição química, rica em fibras e proteínas, o bagaço de malte pode ter valor como matéria-prima de interesse para aplicação em diversas áreas. Contudo o alto teor de umidade torna o BSG suscetível ao crescimento de microrganismos e seu transporte custoso. As operações de secagem podem ajudar a reduzir o teor de umidade dos materiais para evitar sua deterioração e melhorar o armazenamento para facilitar o transporte. O presente trabalho teve como objetivo investigar o comportamento da secagem térmica do bagaço de malte em diferentes temperaturas (50, 60 e 80 °C) em diferentes condições (estufa sem recirculação de ar e estufa convectiva). Os dados experimentais indicaram que as taxas de secagem se apresentam maiores com o aumento da temperatura, reduzindo o tempo para alcançar a umidade de equilíbrio. A influência do fluxo gasoso no processo de secagem do bagaço de malte também foi constatada, em virtude disto, a secagem do BSG por convecção térmica caracterizou-se como mais eficiente e mais indicada. A alteração da densidade bulk do BSG provocada pela secagem foi avaliada, sendo 0,87 ± 0,02 g/cm3 para as amostras de bagaço de malte úmido e 0,017 ± 0,008 g/cm3, após os ensaios de secagem. A partir disto pode-se concluir que o processo de secagem apresenta um bom potencial para favorecimento da conversão do bagaço de malte em produtos de valor agregado. Palavras-chave: Malte; Cerveja – Indústria; Resíduos sólidos; Secagem; Alimentos – Umidade. ABSTRACT Brewer’s spent grain (BSG) is the most abundant by-product from the brewing industry, representing 85% of total generated waste. Due to its chemical composition, rich in fibers and proteins, brewer’s spent grain may have value as a raw material of interest for various applications. However, the high moisture content make it susceptible to microbial growth and transport of wet BSG can be costly. Drying operations can help in reducing the moisture content of the materials to prevent deterioration and improving storage for easy transportation. This study aimed to investigate the kinetics of drying of brewer’s spent grain at different temperatures (50, 60, and 80°C) under different conditions (oven without air recirculation and convective oven). Experimental data indicated that drying rates increase with temperature, reducing the time to reach equilibrium moisture. The influence of gas flow on the drying process of brewer’s spent grain was also verified, as a result, the drying of BSG by thermal convection was characterized as more efficient and more suitable. The change of bulk density of brewer’s spent grain caused by drying was evaluated, being 0.87 ± 0.02 g/cm3 for wet brewer’s spent grain samples and 0.017 ± 0.008 g/cm3 after drying tests. From this, it can be concluded that the drying process has good potential to favor the conversion of brewer’s spent grain into value- added products. Keywords: Malt; Beer – Industry; Solid waste; Drying; Food – Moisture. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Visão geral do processo cervejeiro............................................................................... 16 Figura 2 – Aplicações potenciais do bagaço de malte. ................................................................... 19 Figura 3 - Curva de secagem típica do teor de umidade em função do tempo. ................................. 21 Figura 4 - Curva típica de secagem de taxa de secagem por teor de umidade. ................................. 22 Figura 5 - Amostras congeladas de bagaço de malte...................................................................... 24 Figura 6 – Estufa de secagem sem recirculação de ar. ................................................................... 25 Figura 7 – Estufa de secagem com recirculação de ar. ................................................................... 26 Figura 8 – Curvas de cinética de secagem do bagaço de malte em estufa sem recirculação para diferentes temperaturas. ............................................................................................................... 28 Figura 9 – Curvas da taxa de secagem do bagaço de malte em estufa sem recirculação para diferentes temperaturas................................................................................................................................ 29 Figura 10 - Curvas de cinética de secagem do bagaço de malte em estufa com recirculação para diferentes temperaturas. ............................................................................................................... 31 Figura 11 - Curvas da taxa de secagem do bagaço de malte em estufa com recirculação para diferentes temperaturas................................................................................................................................ 32 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 12 2 OBJETIVOS ........................................................................................................................ 14 2.1 OBJETIVO GERAL ........................................................................................................ 14 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .......................................................................................... 14 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ........................................................................................... 15 3.1 PROCESSO CERVEJEIRO............................................................................................ 15 3.2 BAGAÇO DE MALTE..................................................................................................... 17 3.3 FUNDAMENTOS DE SECAGEM ................................................................................. 19 3.3.1 Definições de umidade ................................................................................................... 20 3.3.2 Curvas de Secagem ........................................................................................................ 21 4 MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................................... 24 4.1 OBTENÇÃO E ARMAZENAMENTO DAS AMOSTRAS ......................................... 24 4.2 ENSAIOS DE SECAGEM ............................................................................................... 24 4.2.1 Secagem em estufa sem recirculação ........................................................................... 25 4.2.2 Secagem em estufa com recirculação ........................................................................... 25 4.2.3 Umidade .......................................................................................................................... 26 4.3 DENSIDADE BULK ........................................................................................................ 27 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO......................................................................................... 28 5.1 UMIDADE ......................................................................................................................... 28 5.2 ENSAIO DE SECAGEM EM ESTUFA SEM RECIRCULAÇÃO ............................. 28 5.2 CINÉTICA DE SECAGEM EM ESTUFA COM RECIRCULAÇÃO ....................... 30 6 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 34 7 REFERÊNCIAS................................................................................................................... 35 12 1 INTRODUÇÃO A necessidade de redução da carga poluente gerada em processos industriais é preocupação atual, sobretudo quando se deseja aliar tratamento eficiente, disposição final adequada e custo reduzido. Seja em países desenvolvidos ou em desenvolvimento, por pressão política ou social, indústrias têm adotado políticas que evitem o desperdício, adaptando o processo produtivo com vistas à reciclagem ou reincorporação de subprodutos. Dessa forma, para muitas empresas os resíduos gerados junto à linha de produção não são rejeitos, mas matéria-prima para um novo processo (MUSSATTO et al., 2006). Neste contexto destaca-se a indústria cervejeira que anualmente produz cerca de 189 bilhões de litros da bebida alcóolica mais consumida no mundo. Sendo o Brasil o terceiro maior mercado de cerveja com produção anual de 14,7 bilhões de litros, atrás apenas de China e Estados Unidos, com 36 bilhões e 19,4 bilhões de litros, respectivamente (BARTH-HAAS, 2023). Um desafio enfrentado na indústria cervejeira é a considerável quantidade de resíduos e subprodutos gerados ao longo da produção da cerveja, sendo os principais o bagaço de malte, a levedura residual e o trub quente. O destino inapropriado destes resíduos causa uma série de inconvenientes, como alterações no pH e aumento da turbidez da água, contaminação do solo e da água por microrganismos e substâncias tóxicas (PINTO, 2020). Dentre estes resíduos citados a parte insolúvel e não degradada do grão de malte de cevada, conhecida como bagaço de malte ou BSG (sigla do inglês “brewer’s spent grain”), é o mais abundante, correspondendo a cerca de 85% do total de resíduos gerados (REINOLD, 1997). Essencialmente constituído por cascas do malte, é gerado pelas etapas de mosturação e filtração. Durante os quais são extraídos todos os compostos solúveis de interesse para constituição do mosto e o bagaço exerce importante papel como meio filtrante (TELES et al., 2023). Embora o bagaço de malte apresente variações em sua composição química, em decorrência da variedade de tipos comerciais e processos de fabricação de cerveja, em geral é predominantemente um material lignocelulósico, rico em proteínas e fibras (MUSSATTO, 2014). 13 Em consequência do alto teor de umidade (entre 70 e 80%), o transporte do bagaço de malte úmido pode ser dispendioso, sendo esta uma razão pela qual o fornecimento aos agricultores locais como tem sido a principal saída, porém a oferta pode muitas vezes superar a demanda. Além de que a significante presença de açúcares residual e proteínas tornam o BSG instável e suscetível ao crescimento de microrganismos e, portanto, aceleram sua deterioração (LYNCH et al., 2016). Desta maneira, métodos para a conservação do BSG são necessários, como por exemplo, a secagem, que reduz sua massa e volume final e prolonga sua vida útil. Preservando suas propriedades durante a estocagem, diminuindo custos com armazenamento e transporte e garantindo sua disponibilidade e integridade para outras aplicações e conversão em produtos de valor agregado (SANCHES et al., 2023). 14 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL O objetivo desta pesquisa é investigar o comportamento da secagem térmica do bagaço de malte gerado no processo de fabricação de cerveja, a fim de diminuir seu volume e aumentar o tempo de guarda deste subproduto. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS − Realizar a secagem do bagaço de malte por convecção com ensaios em estufa com circulação forçada de ar; − Realizar a secagem do bagaço de malte por condução com ensaios em estufa sem recirculação de ar; − Determinar as curvas cinéticas de secagem. 15 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3.1 PROCESSO CERVEJEIRO A redação do Decreto nº 9.902, de 8 de julho de 2019 estabelece que cerveja é a bebida proveniente da fermentação do mosto de malte de cevada pela levedura cervejeira, submetido previamente a um processo de cocção adicionado de lúpulo. Sendo que o malte e o lúpulo podem ser substituídos pelos seus respectivos extratos e parte do malte de cevada pode ser substituída por adjuntos cervejeiros (BRASIL, 2009). A obtenção da cerveja está intrinsecamente relacionada a uma sucessão de três processos bioquímicos: ativação de enzimas do grão de cevada a partir da germinação controlada; hidrólise do amido presente no malte em açúcar justamente por essas enzimas e então, fermentação destes açúcares por levedura para formação de álcool e gás carbônico. (KUNZE; MANGER, 2006). Tais processos atualmente estão compreendidos em várias operações, que vão desde a maltagem da cevada até o envase da cerveja, sendo intensamente controladas a fim de garantir a consistência e qualidade do produto. Malte é a principal matéria prima para produção de cerveja, sendo resultante do processo de maltagem do grão de cereal, geralmente cevada (gênero Hordeum). Uma vez que possui diversas várias características que a tornam mais adequada, como alto teor de amido e enzimas, uma casca que confere proteção ao grão e atua como leito filtrante, além e conferir aroma e sabor característicos do produto (LYNCH et al., 2016; ROSA; AFONSO, 2015). Geralmente, as maltarias operam como entidades distintas, responsáveis por fornecer o malte às cervejarias (LAROUSSE DA CERVEJA, 2009). Durante a malteação é fornecido oxigênio e água aos grãos até atingir umidade de 45% em relação ao seu peso, para que a germinação seja iniciada. Ao germinar ocorre a formação da radícula e da acrospira nos grãos, precursoras da raiz e da folha, e produção das enzimas que vão quebrar o amido em açúcares e as proteínas no ponto adequado para a produção da cerveja. Em sequência a germinação é interrompida por meio da secagem, que elimina a umidade e define o paladar, o aroma e a cor do malte, conforme o grau de secagem e torrefação do mesmo (LAROUSSE DA CERVEJA, 2009). Na cervejaria, o primeiro processo é a brasagem, que consiste em uma sequência de operações que transformam o amido contido no malte em uma solução de açúcares chamada 16 mosto. As principais operações são moagem, mosturação, filtração e fervura (MORADO, 2009; ROSA; AFONSO, 2015). A Figura 1 a seguir ilustra todo o processo da fabricação de cerveja, bem como a geração de bagaço de malte. Figura 1 – Visão geral do processo cervejeiro. Fonte: Retirado de Lynch et al. (2016). O objetivo da moagem é fragmentar o malte e os adjuntos de maneira a expor seu conteúdo amiláceo (endosperma) e garantir maior rendimento de extrato durante a mosturação. Há basicamente dois tipos de moagem: moinho com rolos, na qual as cascas permanecem intactas, e moinhos de martelo, em que há redução do malte a praticamente pó. A escolha do moinho exerce influência no tipo de filtração a ser adotada (BRIGGS, 2004; MORADO, 2009). Mosturação envolve adicionar água ao malte moído e macerar esta mistura em diferentes temperaturas e proporções corretas por períodos determinados (técnica de rampas de temperatura). Isto é essencial para promover a hidrólise enzimática dos constituintes do malte, principalmente amido, e de outros componentes como proteínas e beta-glucanos, pois cada enzima atua melhor em determinada temperatura. Assim ocorre a conversão de amido em açúcares fermentescíveis e não-fermentescíveis e degradação de proteínas em polipeptídeos e 17 amino ácidos. Como resultado, obtém-se um líquido doce, denominada mosto (BRIGGS, 2004; MORADO, 2009; MUSSATTO et al., 2006). A porção insolúvel do grão de malte, conhecida como bagaço de malte, deve ser separada do mosto, através da filtração. Existem duas abordagens fundamentais para a filtração do mosto na produção de cerveja: em filtro prensa ou com emprego da tina de clarificação (ou tina-filtro) (MORADO, 2009; MUSSATTO et al., 2006). Um filtro prensa consiste em uma série de placas e molduras alternadas com um meio filtrante entre elas. A mistura é bombeada para dentro do filtro prensa e o líquido passa através do meio filtrante, deixando os sólidos retidos e proporcionando um alto rendimento. Já a filtração em tinas de clarificação utiliza um fundo falso, que funciona como uma peneira, para suportar o elemento filtrante real, que consiste nas cascas do malte. Isso requer que a moagem dos grãos seja feita com rolos para preservar a integridade das cascas (MORADO, 2009). O mosto filtrado é destinado para a etapa de fervura em que deve o aquecimento deve promover a evaporação de água e substâncias indesejadas, esterilização do mosto, inativação das enzimas, dissolução e transformação dos componentes do lúpulo adicionados, entre outras, além de estabelecer as principais características de aroma e sabor da cerveja (KUNZE; MANGER, 2006; MORADO, 2009). A fermentação é iniciada após resfriamento rápido do mosto com auxílio de trocadores de calor e aeração, de modo a fornecer condições ideais para a levedura, que é então adicionada. As leveduras consomem os açúcares fermentescíveis, produzindo principalmente gás carbônico e etanol e produtos secundários, como ésteres, ácidos e álcoois superiores que conferem propriedades organolépticas à cerveja (ROSA; AFONSO, 2015). Após a conclusão da fermentação, separa-se a maior parte da levedura por decantação (sedimentação) e inicia-se a maturação. Na qual pequenas e sutis transformações ocorrem para aprimorar o sabor da cerveja. A cerveja pronta é então estocada em tanques e depois segue para o envasamento, que inclui operação como enchimento, pasteurização e rotulação (ROSA; AFONSO, 2015). 3.2 BAGAÇO DE MALTE O principal e mais abundante resíduo sólido da indústria cervejeira é o bagaço de malte, resultante do processo de filtração do mosto após a remoção dos componentes solúveis dos 18 cereais maltados (mosturação) (MUSSATTO et al., 2006). O BSG representa aproximadamente 31% do peso original do malte utilizado na produção, sendo gerados de 14 a 20 kg para cada hectolitro de cerveja fabricado, com umidade entre 70% e 80% (MASSARDI et al., 2020). O bagaço de malte consiste basicamente nas paredes formadas por camadas de casca- pericarpo-tegumento que envolviam o grão original de cevada, sendo que alguns resíduos de lúpulo podem estar presentes, dependendo do regime de mosturação empregado, e o teor de amido é insignificante (MUSSATTO et al., 2006). Conforme a variedade de malte empregado, época da colheita, do protocolo de malteação e mosturação e da possível adição de adjuntos, a composição química do BSG pode apresentar variações. Contudo, de maneira geral seus principais constituintes são fibras (hemicelulose e celulose), proteínas e ligninas. Com base em seu peso seco, as fibras representam cerca de metade da composição do BSG, enquanto as proteínas estão presentes na faixa de 20% e as ligninas constituem de 10 a 28%. Além disso, o BSG também contém uma variedade de minerais, entre os quais silício, fósforo, cálcio e magnésio são os mais abundantes (LYNCH et al., 2016; MUSSATTO, 2014). Outrora, o BSG gerado pelas atividades cervejeiras era predominantemente descartado no meio ambiente. E atualmente as cervejarias majoritariamente comercializam este material a um baixo custo para agricultores locais, que o destinam para alimentação do gado (MUSSATTO, 2014). Contudo, devido ao seu baixo preço, plena disponibilidade durante todo o ano e à sua composição química, o bagaço de malte pode ter valor como matéria-prima de interesse para aplicação em diversas áreas. Tais como ingrediente para nutrição humana e animal, em produção de energia, em processos químicos e biotecnológicos, como ilustrado na Figura 2 (MUSSATTO, 2014; MUSSATTO et al., 2006). 19 Figura 2 – Aplicações potenciais do bagaço de malte. Fonte: Adaptado de Garbin (2022). 3.3 FUNDAMENTOS DE SECAGEM A secagem de alimentos é uma prática antiga e eficaz na conservação, envolvendo a remoção de água para prolongar a vida útil dos produtos perecíveis. Métodos tradicionais, como a exposição ao sol, foram a base para o desenvolvimento de técnicas modernas de desidratação. Esses processos reduzem o peso e volume dos alimentos, resultando em menores custos de transporte e armazenamento. A redução da água livre nos alimentos eleva a pressão osmótica, inibindo o desenvolvimento microbiano e contribuindo para sua preservação (MATOS, 2015; TADINI et al., 2016). A conversão de um material sólido com determinada umidade em um produto sólido de umidade consideravelmente mais baixa define a operação unitária de secagem. Para isso, a água do material é removida para uma fase gasosa insaturada. Tal processo implica em uma transferência simultânea de calor e massa, em que, geralmente, a remoção da água se dá pelo processo de evaporação da fase líquida da água para vapor, ao se aplicar energia térmica (FOUST et al., 1982; TADINI et al., 2016). A definição de secagem, ainda que pareça bem restritiva, contempla diversas técnicas que diferem entre si. Há vários métodos de secagem e tipos de secadores, podendo ser 20 classificadas como naturais ou artificiais, ou ainda, quanto a forma de fornecimento de calor: convecção, condução e radiação (TADINI et al., 2016). Quando a transferência de calor ocorre por convecção, ar aquecido e seco flui sobre a superfície do material úmido, fazendo com que este seja aquecido e a umidade evapore (MUJUMDAR, 2015; TADINI et al., 2016). A secagem por condução envolve contato do material úmido a uma superfície quente. Assim a transferência de calor se dá por um gradiente de temperaturas entre uma região mais quente e uma região mais fria do material a ser seco e a umidade é removida gradualmente à medida que o calor penetra no material (OLIVEIRA et al., 2009; TADINI et al., 2016). A transferência de calor também pode ocorrer por radiação, com uso de radiação térmica emitida na região do infravermelho do espectro eletromagnético (0,7 – 1000 µm) para aquecer o material (OLIVEIRA et al., 2009). 3.3.1 Definições de umidade Nos estudos de secagem de sólidos, diferentes definições de umidade são empregadas para descrever o conteúdo de água presente no material. A umidade em base seca é a razão entre a massa de água (mH2O) e a massa do sólido seco (ms), sendo expressa em kg água · kg–1 de sólido seco. Logo, a umidade em base seca (X), definida pela equação abaixo, pode variar entre 0 e infinito (TADINI et al., 2016). 𝑋 = 𝑚𝐻2𝑂 𝑚𝑆 1 Enquanto umidade em base úmida é massa de água presente no material em relação à massa total do sólido úmido, sendo expressa em kg água · kg–1 total. Dessa forma, a umidade em base úmida (Xbu) pode variar entre 0 e 1 (TADINI et al., 2016). 𝑋𝑏𝑢 = 𝑚𝐻2𝑂 𝑚𝑆 + 𝑚𝐻2𝑂 2 Umidade crítica (Xc) é aquela que caracteriza o ponto em que a taxa de secagem deixa de ser constante e passa a ser decrescente, sob condições constantes de temperatura, umidade relativa e velocidade de secagem (FOUST et al., 1982; TADINI et al., 2016). Umidade de equilíbrio (Xe) corresponde ao menor teor de umidade atingível no processo de secagem, para condições pré-definidas. Nesta situação a pressão de vapor do líquido 21 presente no material se iguala à pressão de vapor da fase gasosa (FOUST et al., 1982; TADINI et al., 2016). Além disso, a umidade ligada refere-se à quantidade de água ligada física ou quimicamente a uma substância que exerça pressão de vapor menor do que a pressão de vapor da água pura, sob mesma temperatura. Em contrapartida, a umidade não ligada refere-se a toda água da substância que exerce pressão de vapor igual à pressão de vapor da água pura, sob mesma temperatura. Por fim, a umidade livre é a água da substância que excede a quantidade de água de equilíbrio com a mistura gás vapor, sob uma determinada pressão e temperatura (TADINI et al., 2016). 3.3.2 Curvas de Secagem As curvas de secagem de sólidos são representações gráficas que descrevem o mecanismo da transferência de calor e de massa na secagem. A Figura 3 representa a diminuição do teor de água do produto em função do tempo durante a secagem, sendo o formato como se obtém os dados experimentais. (FOUST et al., 1982). Figura 3 - Curva de secagem típica do teor de umidade em função do tempo. Fonte: Retirado de Tadini et al. (2016). Outra forma de se analisar o processo da secagem é através da curva de taxa de secagem em função do teor de umidade, que está representada na Figura 4. 22 Figura 4 - Curva típica de secagem de taxa de secagem por teor de umidade. Fonte: Retirado de Tadini et al. (2016). Os seguimentos A–B–C–D–E das curvas nas Figuras 3 e 4 correspondem aos períodos característicos de taxas de secagem. No período inicial (A-B), em ambos os gráficos, ocorre o equilíbrio térmico entre o meio secante e o sólido úmido, em que a temperatura do sólido e a taxa de secagem podem aumentar (A-B) ou diminuir (A’-B) até alcançarem estado estacionário. Geralmente é representado por uma inclinação acentuada no início da curva (FOUST et al., 1982; MARTINS et al., 2020). Após o equilíbrio, o segundo estágio da secagem (segmento B-C) é o período de secagem a taxa constante, no qual há a evaporação da umidade livre presente em regiões próximas à superfície do material. Usualmente caracterizado por uma reta na curva de secagem, este estado persiste até atingir o ponto C, chamado de ponto crítico, que é o instante em que o movimento do líquido do interior do sólido para a superfície é insuficiente para manter o filme contínuo sobre a superfície do sólido (FOUST et al., 1982; OLIVEIRA et al., 2009). No terceiro período de secagem (segmento C-D), observa-se decréscimo na taxa de secagem, pois a velocidade do movimento do líquido para a superfície é menor do que a velocidade de em que a massa é transferida da superfície, como ilustrado no intervalo C-D em ambos os gráficos (MARTINS et al., 2020; OLIVEIRA et al., 2009). 23 A partir do ponto D o teor de umidade é muito baixo no sólido e a secagem prossegue até um limite, representado pelo teor de umidade de equilíbrio (Xe), onde a pressão de vapor no sólido iguala-se à pressão parcial do vapor no ar de secagem (MARTINS et al., 2020). Considerando que o período de taxa constante é influenciado pelo mecanismo em que a umidade se descola das camadas internas para a superfície do sólido, é possível classificar os materiais em função do seu comportamento durante a secagem. Os sólidos granulados ou cristalinos retém a umidade nos interstícios entre as partículas ou em poros superficiais e abertos. Assim, o movimento da umidade é relativamente livre e ocorre em consequência da tensão superficial (mecanismo da capilaridade). Portanto, para estes materiais o período de taxa constante da curva de secagem é prolongado até teores de umidade mais baixos (FOUST et al., 1982). Os sólidos orgânicos, geralmente são amorfos, fibrosos ou gelatinosos, retém a umidade como parte de sua estrutura ou no interior de fibras e poros. Assim, o movimento da umidade torna-se lento e ocorre pela difusão do líquido através da estrutura do sólido (mecanismo da difusão). Caracterizando curvas de secagem com períodos de taxa constante muito curtos. Além disto, estes materiais têm sua estrutura afetada pela remoção da umidade. (FOUST et al., 1982). É importante salientar que as características das curvas de secagem podem variar dependendo do tipo de material sendo seco, das condições de secagem (temperatura, umidade relativa do ar, velocidade do ar) e do método de secagem utilizado (como secagem ao ar livre, secagem por leito fluidizado, secagem por atomização). Analisar e entender as curvas de secagem de sólidos é essencial para otimizar os processos industriais, garantir uma qualidade consistente do produto e minimizar os custos operacionais, como energia e tempo de processo. 24 4 MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 OBTENÇÃO E ARMAZENAMENTO DAS AMOSTRAS A matéria-prima empregada na realização dos experimentos foi bagaço de malte, obtido na planta cervejeira do curso de Tecnologia Cervejeira do Instituto de Química, na cidade de Araraquara, Estado de São Paulo. A coleta das amostras ocorreu consecutivamente à filtração do mosto para produção da cerveja estilo Viena, contendo os maltes do tipo Pilsen, Caramelo e Preto. Foram coletados cerca de 6 kg de bagaço de malte, diretamente da tina filtro, acondicionados em recipientes plásticos previamente higienizados e congelados a temperatura de -4°C em freezer. Figura 5 - Amostras congeladas de bagaço de malte. Fonte: elaborado pela Autora (2024). 4.2 ENSAIOS DE SECAGEM Neste trabalho optou-se por realizar ensaios de secagem em estufa sem recirculação e em estufa com circulação e renovação de ar, de modo a identificar o comportamento da secagem com aquecimento predominantemente por condução térmica e por convecção, respectivamente. 25 Em ambas as condições as temperaturas avaliadas nos ensaios de secagem foram de 50 °C, 60 °C e 80 °C. 4.2.1 Secagem em estufa sem recirculação O processo de secagem do BSG por condução térmica foi realizado em estufa equipada com um controlador de temperatura, ilustrada na Figura 6. Figura 6 – Estufa de secagem sem recirculação de ar. Fonte: elaborado pela Autora (2024). O procedimento consistiu em pesar uma determinada massa de BSG em placas de Petri, de maneira a preenchê-las completamente, e levar à estufa, com a temperatura de operação especificada. A variação de massa da amostra foi registrada em intervalos de tempo com uma balança semianalítica com precisão de ± 0,01 g. Este procedimento foi realizado até obter massa constante da amostra e as determinações foram realizadas em triplicata. 4.2.2 Secagem em estufa com recirculação O processo de secagem do BSG por convecção térmica foi realizado em estufa com circulação e renovação de ar equipada com um controlador de temperatura, ilustrada na Figura 7. 26 Figura 7 – Estufa de secagem com recirculação de ar. Fonte: elaborado pela Autora (2024). O procedimento consistiu em pesar uma determinada massa de BSG em placas de Petri, de maneira a preenchê-las completamente, e levar à estufa, com a temperatura de operação especificada. A variação na massa da amostra foi registrada em intervalos de tempo com uma balança semianalítica com precisão de ± 0,01 g. Este procedimento foi realizado até obter massa constante da amostra e as determinações foram realizadas em triplicata. 4.2.3 Umidade Após o fim da secagem, atingindo-se peso constante, todas as amostras foram levadas para a estufa a 105 °C durante 24h para remoção completa da umidade. Dado este período, pesou-se as amostras com a finalidade de determinar massa da amostra seca (ms) e mensurar a umidade, de acordo com as técnicas descritas pelo Instituto Adolfo Lutz (2008). A partir dos dados experimentais foi possível calcular a razão de umidade (RU), com a seguinte expressão: 𝑅𝑈 = 𝑋(𝑡) − 𝑋𝑒 𝑋𝑖 − 𝑋𝑒 3 27 Sendo: Xe corresponde à umidade de equilíbrio, Xi corresponde à umidade inicial do sólido e X(t) corresponde à umidade a cada tempo de secagem. 4.3 DENSIDADE BULK A densidade bulk (ρb) é a razão da massa de partículas (mp) e o volume do leito (Vp), conforme equação 4 abaixo. Esta propriedade foi determinada para o bagaço de malte úmido e após a secagem, em triplicata. A densidade bulk empacotada (ρbe) foi determinada após compactação, batendo-se a proveta 50 vezes sobre bancada, medindo-se o volume ocupado por uma massa conhecida de BSG com auxílio de uma proveta graduada. 𝜌𝑏𝑒 = 𝑚𝑝 𝑉𝑝 4 28 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 UMIDADE A partir dos ensaios de secagem foi possível determinar que o teor inicial de umidade em base úmida (Xbu) do bagaço de malte empregado foi de 82,8% ± 0,757. Este teor de umidade se alinha com outros relatadas na literatura (GOMEZ-DELGADO et al., 2023; MASSARDI et al., 2020). 5.2 ENSAIO DE SECAGEM EM ESTUFA SEM RECIRCULAÇÃO A secagem condutiva foi realizada em estufa sem recirculação de ar. Os valores médios de teor de umidade de equilíbrio (Xe) em base úmida, foram de 70,1; 32,2 e 4,5% para as temperaturas de 50, 60 e 80 ºC, respectivamente. Desta forma, pode-se notar que a Xe foi inversamente proporcional à temperatura de secagem. A partir dos dados de razão de úmida (UR), em função do tempo do processo foi possível determinar a curva de cinética de secagem do bagaço de malte nas condições de temperatura estabelecidas (50 °C, 60 °C e 80° C), conforme representado na Figura 8. Figura 8 – Curvas de cinética de secagem do bagaço de malte em estufa sem recirculação para diferentes temperaturas. Fonte: elaborado pela Autora (2023). 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 0 100 200 300 400 500 600 700 R az ão d e um id ad e U R ( ad m en si o na l) Tempo (min) 50 °C 60 °C 80 °C 29 A Figura 9 representa as curvas da variação da taxa de secagem, nas condições de temperatura estabelecidas (50 °C, 60 °C e 80° C), obtidas a partir da derivação das respectivas curvas de secagem em função de umidade. Figura 9 - Curvas da taxa de secagem do bagaço de malte em estufa sem recirculação para diferentes temperaturas. Fonte: elaborado pela Autora (2023). O tempo de equilíbrio é definido como o momento em que a massa da amostra não varia no tempo. De acordo com isso, para a amostra seca a 80 °C, o tempo de equilíbrio foi alcançado aos 410 min, para 60 °C aos 540 min, enquanto a 50 °C, o tempo de equilíbrio levou 630 min. Com base na Figura 8, observa-se que com o aumento da temperatura, a inclinação da curva torna-se maior, indicando que a umidade do BSG atinge equilíbrio em tempos mais curtos. Estudos anteriores confirmam os resultados obtidos. Garbin (2022) ao estudar a secagem do bagaço de malte em estufa sem recirculação de ar, averiguou que para 60°C, 70°C, 81°C e 102°C, os tempos de secagem foram, respectivamente, 1230, 660, 498 e 295 minutos. Concluindo que o aumento da temperatura durante a secagem provocou um aumento no fornecimento de energia em forma de calor que diminuiu o tempo para o material atingir o equilíbrio dinâmico. 0 0,005 0,01 0,015 0,02 0 1 2 3 4 5 6 T ax a d e se ca ge m ( g ág ua / g só lid o s ec o ∙m in ) Umidade em base seca (g água/ g sólido seco) 50 °C 60 °C 80 °C 30 No início da curva, a inclinação positiva indica um curto período de aumento da taxa de secagem. Esse aumento refletiu o aquecimento do material até equilíbrio térmico com o meio secante (segmento A-B das Figuras 3 e 4), uma vez que o bagaço foi armazenado sob refrigeração. Promovendo o processo de evaporação da água da superfície das partículas. Deve- se notar que esse período se tornou menor à medida que a temperatura estudada aumentou. Ao igualarem esta temperatura, deu-se início ao período de taxa decrescente (segmento C-D-E das Figuras 3 e 4), que ocorreu até o final do processo. O período de taxa decrescente apresentou uma predominância maior para a secagem do material em estudo, em vista disso, a maior parte do tempo gasto para a secagem foi para a retirada de umidade interna presente na amostra. Nota-se ausência de um período definido à taxa constante (segmento B-C das Figuras 3 e 4). De acordo com Garbin (2022) tal comportamento significa que o bagaço de malte tem sua temperatura aumentada, para entrar em equilíbrio com o meio de secagem, porém suas características capilar, porosa e não higroscópica associadas à difusividade interna atuam de maneira a tornar a secagem mais lenta. Com base na Figura 9, é evidente que as taxas de secagem dos ensaios de secagem em estufa sem recirculação apresentam-se maiores com o aumento da temperatura. Além de que nestas condições, as temperaturas de 50 e 60 °C se mostraram ineficientes para remoção da água do bagaço de malte, pois mesmo em taxas de secagem nulas, apresentaram significativos teores de umidade. O que é ratificado pelos altos valores de teor de umidade de equilíbrio (Xe) determinados após o fim da secagem. 5.2 CINÉTICA DE SECAGEM EM ESTUFA COM RECIRCULAÇÃO A secagem convectiva foi realizada em estufa com recirculação de ar. Os valores médios de teor de umidade de equilíbrio (Xe) em base úmida, foram de 24,2; 3,4 e 1,5% para as temperaturas de 50, 60 e 80 ºC, respectivamente. Desta forma, confirma-se que a Xe foi inversamente proporcional à temperatura de secagem. A partir dos dados de razão de úmida (UR), em função do tempo do processo foi possível determinar a curva de cinética de secagem do bagaço de malte nas condições de temperatura estabelecidas (50 °C, 60 °C e 80° C), conforme representado na Figura 10. 31 Figura 10 - Curvas de cinética de secagem do bagaço de malte em estufa com recirculação para diferentes temperaturas. A Figura 11 representa as curvas da variação da taxa de secagem nas condições de temperatura estabelecidas (50 °C, 60 °C e 80° C), obtidas a partir da derivação das respectivas curvas de secagem em função de umidade. 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 0 50 100 150 200 250 300 350 400 R az ão d e um id ad e U R ( ad m en si o na l) Tempo (min) 50 °C 60°C 80 °C 32 Figura 11 - Curvas da taxa de secagem do bagaço de malte em estufa com recirculação para diferentes temperaturas. Os resultados dos ensaios em estufa com convecção demonstram comportamento similar aos ensaios em estufa sem recirculação de ar, em que aumento da temperatura favoreceu a transferência de massa, diminuindo a umidade de equilíbrio dinâmico e o tempo de secagem. No entanto, os tempos necessários para atingir as umidades de equilíbrio nas respectivas temperaturas são, consideravelmente menores, em relação à secagem por condução. Para 50 °C, 60 °C e 80 °C os tempos de equilíbrio foram, respectivamente, 360 minutos, 270 minutos e 210 minutos. Apontando que a eficiência da secagem por convecção é cerca de 52% maior. Segundo Garbin (2022) o decréscimo nos tempos de secagem é justificado pelo aumento da quantidade de calor proporcionada pela velocidade do ar seco, ao bagaço de malte, que potencializa a troca simultânea de calor e massa por convecção e os processos difusivos internos, que predominam nos instantes finais da operação de secagem. As curvas de taxa de secagem para a secagem convectiva apresentam sua forma mais bem definida quando comparada com a secagem em estufa sem recirculação de ar. Mantém a coerência, indicando maiores valores de taxa de secagem para as maiores temperaturas. Além de que mesmo para a temperatura de 50 °C foram obtidas maiores taxas de secagem e menores valores de umidade em base seca em relação à secagem condutiva. No entanto para esta 0 0,01 0,02 0,03 0,04 0,05 0,06 0 1 2 3 4 5 6 T ax a d e se ca ge m ( g ág ua / g só lid o s ec o ∙m in ) Umidade em base seca (g água/ g sólido seco) 50 °C 60 °C 80°C 33 temperatura, a secagem também se caracteriza como ineficiente, pois mesmo em taxa de secagem nula apresentou significativo teor de umidade. O que é ratificado pelos valores de teor de umidade de equilíbrio (Xe) determinados após o fim da secagem. Neste ensaio verifica-se que o período inicial de aumento da taxa de secagem não é acentuado, indicando que um menor período foi necessário para equilíbrio térmico entre o bagaço de malte e o ar secante. Além disto, a curva é composta por uma sequência de taxas crescentes, sem um período de taxa constante, seguida de taxa decrescente até que o bagaço alcance a umidade de equilíbrio para valores próximos de zero. Como não foi observado um período de secagem a taxa constante, ratifica-se que o bagaço de malte pode ser classificado como um material de características capilar, porosa e não higroscópica (GARBIN, 2022). Ressalta-se o fato de que em sólidos fibrosos ou de estrutura amorfa, o movimento do líquido através do sólido é devido à difusão, e como a velocidade de difusão é muito menor que a velocidade decorrente do mecanismo de capilaridade ou de gravidade, os sólidos em que o movimento do líquido é difusivo, tem um período de taxa constante menor, ou ainda pode se secar o material sem passar por esse período. Os dados obtidos experimentalmente evidenciaram a influência do fluxo gasoso no processo de secagem do bagaço de malte, visto que a desidratação com recirculação de ar na estufa obteve maiores taxas de secagem, além de alcançar menores umidades de equilíbrio. 5.4 DENSIDADE BULK Os valores da densidade bulk obtidos foram 0,87 ± 0,02 g/cm3 para as amostras de bagaço de malte úmido e 0,017 ± 0,008 g/cm3, após os ensaios de secagem. Nota-se que a densidade do bagaço seco é apenas 19% do valor da densidade do material úmido. Estes valores evidenciam uma grande diminuição da densidade bulk do BSG em virtude do encolhimento e perda da massa de água do processo de secagem. 34 6 CONCLUSÃO Em conformidade com o desenvolvimento desse estudo pôde-se realizar a secagem condutiva e convectiva do bagaço de malte. A cinética de secagem do BSG em diferentes temperaturas foi obtida, sendo possível comprovar que para ambas as técnicas de secagem, a temperatura exerceu influência nas cinéticas e taxas de secagem. Assim, à medida que a temperatura aumenta, há uma redução na umidade final do produto obtido, assim como diminuição do tempo de secagem. Sendo mais evidente para a secagem por convecção térmica em estufa com recirculação de ar. A influência do fluxo gasoso no processo de secagem do bagaço de malte também foi constatada, visto que a secagem com recirculação de ar obteve maiores taxas de secagem, além de alcançar menores umidades de equilíbrio em períodos mais curtos, quando comparada com a secagem em estuda sem recirculação. Em virtude disto, a secagem do BSG por convecção térmica caracterizou-se como mais eficiente e mais indicada. A redução de densidade do bagaço seco para apenas 19% do valor da densidade do material úmido foi satisfatória e a partir disto pode-se concluir que o processo de secagem apresenta um bom potencial para favorecimento do transporte e estoque do bagaço de malte e por consequência, da minimização de resíduos da indústria cervejeira. Como sugestões de trabalhos futuros, após o processo de secagem pode-se realizar a caracterização físico-química e nutricional do bagaço de malte, a fim de viabilizar sua aplicação em outro processo e agregar valor ao produto. 35 7 REFERÊNCIAS ADOLFO, LUTZ. Métodos Físico-Químicos para Análise de Alimentos. Núcleo de Informação e Tecnologia - NIT /IAL, IV edição 1ª Edição Digital, São Paulo, 2008. BARTH-HAAS. Report 2022/2023. Disponível em: https://www.barthhaas.com/resources/barthhaas-report. Acesso em: 7 abr. 2024. BRASIL, Decreto nº 9.902, de 8 de julho de 2019. Brasília, DF, jul 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D9902.htm. Acesso em: 25 mar. 2024. BRIGGS, D. E. Brewing: science and practice. Boca Raton: CRC Press, 2004. FOUST, A. S. A. S.; WENZEL, L. A.; CLUMP, C. W.; MAUS, Louis.; ANDERSEN, L. Bryce.; MACEDO, Horácio. Princípios das operações unitárias. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1982. GARBIN, Eudes Adan. Estudo exploratório da secagem térmica de resíduo de cervejaria bagaço de malte. 2022. Dissertação (Mestado em Engenharia Civil) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Curitiba, 2019. GOMEZ-DELGADO, E.; MEDINA-JARAMILLO, C.; LOPEZ-CORDOBA, A. Analysis of drying kinetic of brewer´s spent grains: effect of the temperature on the physical properties and the content of bioactive compounds. Vitae, v. 30, n. 2, p. 1-17. Aug. 2023. KUNZE, Wolfgang. Tecnología para cerveceros y malteros. Berlin: VLB, 2006. MORADO, R. Larousse da cerveja. São Paulo: Lafonte, 2009. LYNCH, K. M.; STEFFEN, E. J.; ARENDT, E. K. Brewers’ spent grain: a review with an emphasis on food and health. Journal of the Institute of Brewing, v. 122, n. 4, p. 553–568, out. 2016. MARTINS, F. P.; BOSCH NETO, J. C.; SILVA, A. J. O.; SIQUEIRA, A. M. de O. Secagem: uma revisão. The Journal of Engineering and Exact Sciences, v. 6, n. 4, p. 0600–0607i, out. 2020. MASSARDI, M. M.; MASSINI, R. M. M.; SILVA, D. de J. Caracterização química do bagaço de malte e avaliação do seu potencial para obtenção de produtos de valor agregado. The Journal of Engineering and Exact Sciences, v. 6, n. 1, p. 0083–0091, 2020. MATOS, S. P. de. Operações Unitárias - Fundamentos, Transformações e Aplicações dos Fenômenos Físicos e Químicos. 1. ed. São Paulo: Érica, 2015. 2015. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788536520018. Acesso em: 25 mar. 2024. MUJUMDAR, A. S. Handbook of industrial drying. book. 4.ed. Boca Raton: CRC Press, 2015. MUSSATTO, S. I. Brewer’s spent grain: A valuable feedstock for industrial applications. Journal of the Science of Food and Agriculture, v. 94, n. 7, p. 1264–1275, 2014. 36 MUSSATTO, S. I.; DRAGONE, G.; ROBERTO, I. C. Brewers’ spent grain: generation, characteristics and potential applications. Journal of Cereal Science, v. 43, n. 1, p. 1–14, jan. 2006. OLIVEIRA, W. P. de; FREITAS, L. A. P. de; FREIRE, J. T. Secagem de produtos farmacêuticos. Em: FENÔMENOS DE TRANSPORTE EM SISTEMAS PARTICULADOS: FUNDAMENTOS E APLICAÇÕES. Universidade Federal de São Carlos. Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia. Departamento de Engenharia Química, 2009. PINTO, G. H. A. Avaliação da secagem convectiva de resíduos da indústria cervejeira. 2020. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2020. REINOLD, M. R. Manual Prático de Cervejaria. São Paulo: ADEN Editora e Comunicações Ltda, 1997. ROSA, N. A.; AFONSO, J. C. A Química da Cerveja. Química Nova na Escola, v. 37, n. 2, p. 98-105, 2015. SANCHES, M. A. R.; AUGUSTO, P. E. D.; POLACHINI, T. C.; TELIS-ROMERO, J. Water sorption properties of brewer’s spent grain: A study aimed at its stabilization for further conversion into value-added products. Biomass and Bioenergy, v. 170, mar. 2023. TADINI, C. C.; TELIS, V. R. N.; MEIRELLES, A. J. de A.; FILHO, P. de A. P. Operações Unitárias na Indústria de Alimentos - Vol. 2. 1. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2016. 2016.v. 2. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788521632689. Acesso em: 25 mar. 2024. TELES, T. B.; LUIZ, M. R.; TOMAZ, J. L. F.; DE ALMEIDA, M. M.; DE SOUZA, N. C.; DE LIMA, C. V. A.; OLIVEIRA, T. da S. Avaliação do processo de secagem de resíduo de malte. Brazilian Journal of Development, v. 9, n. 2, p. 7698–7712, 2023. 62bccadc93e0d671d371761cf4849018aef63ecff110c030118161aced85776e.pdf Sanchez, Andrea Imagem 62bccadc93e0d671d371761cf4849018aef63ecff110c030118161aced85776e.pdf