UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA BIANCA BORTOLAI SICCHIERI ASPECTOS DA LINGUAGEM E DO COMPORTAMENTO DE CRIANÇAS SEM MICROCEFALIA EXPOSTAS À INFECÇÃO MATERNA PELO VÍRUS ZIKA MARÍLIA 2021 BIANCA BORTOLAI SICCHIERI ASPECTOS DA LINGUAGEM E DO COMPORTAMENTO DE CRIANÇAS SEM MICROCEFALIA EXPOSTAS À INFECÇÃO MATERNA PELO VÍRUS ZIKA MARÍLIA 2021 Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências - UNESP - Campus de Marília, para obtenção do título de Mestre em Fonoaudiologia. Área de Concentração: Distúrbios da Comunicação Humana. Orientadora: Dra. Natalia Freitas Rossi Coorientadora: Dra. Patrícia Pupin Mandrá. Bortolai Sicchieri, Bianca. Aspectos da linguagem e do comportamento de crianças sem microcefalia expostas à infecção materna pelo vírus Zika/ Bianca Bortolai Sicchieri, 2021 74 f. Orientadora: Natalia Freitas Rossi Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília, 2021 Linguagem Infantil. 2. Comportamento. 3. Desenvolvimento Infantil. 4. Infecção por vírus Zika. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Filosofia e Ciências II. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. BIANCA BORTOLAI SICCHIERI ASPECTOS DA LINGUAGEM E DO COMPORTAMENTO DE CRIANÇAS SEM MICROCEFALIA EXPOSTAS À INFECÇÃO MATERNA PELO VÍRUS ZIKA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia para qualificação do mestrado em Fonoaudiologia, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista - UNESP - Campus de Marília, para obtenção do título de Mestre em Fonoaudiologia. Área de Concentração: Distúrbios da Comunicação Humana BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________________ Orientador: Dra. Natalia Freitas Rossi Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Marília, SP ____________________________________________________________________ Profª. Dra. Célia Maria Giacheti Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Marília, SP ____________________________________________________________________ Profª. Dra. Luciana Paula Maximino Universidade de São Paulo “Faculdade de odontologia de Bauru”– FOB – Bauru, SP Marilia, 22 de outubro de 2021 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus pais, Paulo e Margarete, meus maiores e melhores orientadores na vida e que sempre me incentivaram a estudar e investiram no meu futuro, oferecendo-me amor e proteção para que nenhum obstáculo me fizesse parar. Assim, demonstraram, com seus exemplos de força e muito trabalho, o melhor caminho a ser seguido. AGRADECIMENTOS À minha orientadora, Dra. Natalia Freitas Rossi, agradeço pelas contribuições teóricas que foram ímpares para o meu desenvolvimento acadêmico e com toda sensibilidade soube me apoiar nos grandes obstáculos no processo acadêmico e pessoal. À minha coorientadora, Dra. Patrícia Pupin Mandrá, que ainda na graduação me incentivou e me deu força para seguir com a pesquisa, confiando sempre no meu potencial. À Profa. Dra. Marisa Márcia Mussi Pinhata, do Núcleo de Estudos sobre Infecção Materna, Perinatal e Infantil (NEIMPI) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e coordenadora do projeto “Zika na Gestação: história natural da infecção pelo vírus Zika em gestantes e consequências para a gestação, o feto e a criança” (Estudo ZIG)” pela colaboração e incentivo na realização deste estudo. À Dra. Silvia Fabiana Biason de Moura Negrini, Gerente de Pesquisas Clínicas do Núcleo de Estudos sobre Infecção Materna, Perinatal e Infantil (NEIMPI) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto FMRP- USP pelo auxílio na consulta e levantamento de informações no banco de dados do Estudo ZIG. À Dra. Adriana Ribeiro Tavares Anastasio pelo auxílio e parceria durante toda a coleta de informações e pela disponibilidade de sempre ajudar. Às famílias do estudo, que mesmo em uma fase difícil, que está sendo a pandemia, estiveram presentes para que este estudo pudesse ser realizado. Ao Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia da UNESP de Marília, pelos auxílios e suportes dispensados durante esta pesquisa À minha família, por sempre torcer, vibrar e me apoiar nas minhas escolhas pessoais e profissionais. Ao meu noivo, Rodrigo, por todo apoio e paciência em todo esse processo. Aos meus amigos de infância, de graduação e que fiz durante o processo de pós graduação, minha gratidão por estarem do meu lado, principalmente à Pamela, que além de uma irmã, é doutorando e esteve do meu lado o tempo todo me aconselhando e me motivando. RESUMO Introdução: Os efeitos da infecção intraútero do vírus Zika sobre o cérebro em formação foram recentemente descritos, sendo a microcefalia uma das principais manifestações. Ainda dispomos de poucos conhecimentos sobre os efeitos desta infecção sobre a trajetória neurodesenvolvimental das crianças consideradas assintomáticas ao nascimento. Objetivo: Investigar aspectos da linguagem e do comportamento de crianças sem microcefalia expostas à infecção materna pelo vírus Zika (ZIKV). Método: Foi conduzido estudo observacional, transversal numa coorte de crianças nascidas em 2016, cujas mães foram infectadas pelo ZIKV na gestação. Participaram 38 crianças sem microcefalia, sendo 19 expostas ao ZIKV que foram comparadas à 19 não expostas e com histórico neurodesenvolvimental típico. Trinta minutos de interação lúdica e dialógica foi utilizado para investigar aspectos pragmáticos da linguagem e do comportamento do brincar os quais foram registros por meio do Protocolo de Observação Comportamental (PROC). O vocabulário expressivo foi investigado por meio do Teste de Nomeação Infantil (TIN) e pelo inventário de vocabulário expressivo do Questionário de Desenvolvimento de Linguagem (LDS), parte do inventário comportamental Child Behavior Checklist (CBCL) para crianças de 1.5-5 anos. O CBCL também foi utilizado para o levantamento de problemas comportamentais. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e inferencial. Resultados: Diferenças estatisticamente significantes foram encontradas entre os grupos ZIKV e Comparativo. Crianças do grupo ZIKV apresentaram desempenho inferior nos aspectos pragmáticos da linguagem, menor uso de funções comunicativas (informativa e narrativa), nível inferior de meios de comunicação verbal, de contextualização, de compreensão verbal e vocabulário expressivo quando comparadas às crianças do grupo comparativo. Também apresentaram pontuação inferior no nível de organização do brinquedo. Mais escores clínicos foram encontrados para as crianças do grupo ZIKV nas escalas individuais de problemas de atenção e agressividade, e nas escalas orientadas pelo DSM-5 de estresse, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e Transtorno Opositivo Desafiador. Correlação negativa foi encontrada entre aspectos pragmáticos da linguagem com problemas comportamentais. Conclusão: Os resultados obtidos indicaram possíveis efeitos da exposição intraútero ao vírus Zika sobre o desenvolvimento da linguagem e do comportamento das crianças neste estudo. Estudos adicionais e com amostra ampliada ainda são necessários para confirmar se as manifestações observadas constituem parte de um espectro de manifestações causadas pelo vírus Zika. Palavras-chave: Linguagem Infantil. Comportamento. Desenvolvimento Infantil. Infeção por Vírus Zika. ABSTRACT Introduction: The effects of intrauterine Zika virus infection on the developing brain have been recently described, with microcephaly being one of the main manifestations. We still have little knowledge about the effects of this infection on the neurodevelopmental trajectory of children considered asymptomatic at birth. Objective: To investigate language and behavior aspects of children without microcephaly exposed to maternal Zika virus (ZIKV) infection. Method: An observational, cross-sectional study was conducted in a cohort of children born in 2016, whose mothers were infected with ZIKV during pregnancy. Thirty-eight children without microcephaly participated, being 19 exposed to ZIKV who were compared to 19 not exposed and with typical neurodevelopmental history. Thirty minutes of playful and dialogic interaction was used to investigate pragmatic aspects of language and play behavior, which were recorded through the Behavioral Observation Protocol (PROC). Expressive vocabulary was investigated using the Child Naming Test (TIN) and the expressive vocabulary inventory of the Language Development Questionnaire (LDS), part of the Child Behavior Checklist (CBCL) behavioral inventory for children aged 1.5-5 years. The CBCL was also used to survey behavioral problems. Data were analyzed using descriptive and inferential statistics. Results: Statistically significant differences were found between the ZIKV and Comparative groups. Children in the ZIKV group showed lower performance in the pragmatic aspects of language, less use of communicative functions (informative and narrative), lower level of means of verbal communication, contextualization, verbal comprehension and expressive vocabulary when compared to children in the comparative group. They also had lower scores in the toy organization level. More clinical scores were found for children in the ZIKV group on the individual scales of attention problems and aggression, and on the DSM-5-oriented scales of stress, Attention-Deficit Hyperactivity Disorder, and Oppositional Defiant Disorder. Negative correlation was found between pragmatic aspects of language and behavioral problems. Conclusion: The results obtained indicated possible effects of intrauterine exposure to the Zika virus on the language development and behavior of children in this study. Additional studies with an expanded sample are still needed to confirm whether the observed manifestations are part of a spectrum of manifestations caused by the Zika virus. Keywords: Child Language. Behavior. Child Development. Zika Virus Infection. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 13 2. REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................................... 16 2.1. Cenário epidemiológico do vírus ZIKA........................................................... 16 2.2. Efeitos da infecção materna pelo vírus Zika na criança................................... 17 3. OBJETIVO ......................................................................................................................... 24 4. MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................ 25 4.1. Desenho do estudo e aspectos éticos da pesquisa ........................................... 25 4.2. Critérios de inclusão e procedimentos para seleção dos participantes ........... 25 4.3. Participantes .................................................................................................... 28 4.4. Procedimentos de coletas e análise dos dados ................................................ 29 4.4.1. Aspectos pragmáticos da linguagem ................................................ 30 4.4.2. Vocabulário Expressivo ................................................................... 33 4.4.3. Problemas comportamentais ............................................................. 34 4.5. Análise estatística ............................................................................................ 35 5. RESULTADOS .................................................................................................................. 36 5.1. Aspectos pragmáticos da linguagem e comportamento do brincar ................ 36 5.2. Vocabulário Expressivo .................................................................................. 43 5.2.2. Problemas Comportamentais ............................................................ 44 5.3. Correlação entre aspectos da linguagem, do comportamento e trimestre da infeção pelo vírus Zika na gestação ......................................................................................... 52 6. DISCUSSÃO ....................................................................................................................... 60 7. CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 67 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 68 ANEXOS ........................................................................................................................... 73 13 1. INTRODUÇÃO A linguagem constitui um dos domínios neurodesenvolvimentais mais pesquisados nos estudos que abordam trajetórias desenvolvimentais típicas e desviantes, exatamente por ser um importante marcador do desenvolvimento e que informa sobre o funcionamento cerebral, juntamente com outros domínios como desenvolvimento: motor, social, cognitivo, comportamental e socioemocional (BISHOP, 2014). Já o comportamento da criança, sob a ótica do desenvolvimento, também tem sido pesquisado ao longo dos anos na busca pelos qualificadores (tipo) e intensificadores (frequência de ocorrência) de problemas que podem estar presentes numa determinada faixa etária e sexo, a fim de estabelecer os limiares clínicos e não clínicos desses problemas, bem como a sua relação com outros domínios do neurodesenvolvimento (EMERICH et al., 2012). Não é rara a existência de prejuízos na comunicação decorrentes de alterações no desenvolvimento da linguagem e que ocorrem em comorbidade com problemas comportamentais (HENTGES et al., 2021) e dentre os fatores considerados de risco para que tais problemas se manifestem em comorbidade no desenvolvimento da criança, a infecção viral materna no período gestacional tem sido apontada como um fator de predisposição (PATTERSON, 2002; SMITH et al., 2007; WEBER-STADLBAUER, 2017). O surto epidemiológico ocorrido no Brasil em 2015 pelo vírus Zika trouxe uma nova demanda para o sistema de saúde público e também um novo desafio para a comunidade científica nacional e internacional, requerendo esforços para o enfretamento e descrição da história natural desta nova condição clínica. Apesar da microcefalia ser considerada a principal e mais grave manifestação do fenótipo da síndrome da infeção congênita pelo vírus Zika (EICKMANN et al., 2016), a literatura têm descrito variabilidade de manifestações, o que possivelmente pode ser explicado pelas diferentes fases do período gestacional de ocorrência da infecção viral pelo ZIKV, sendo as manifestações mais brandas possivelmente decorrentes de infecções no 3° trimestre de gestação e que podem se manifestar com alterações neuroanatômicas menores e/ou alterações neurofuncionais (MOORE et al., 2016; SCHULER-FACCINI et al., 2016; LIMA et al., 2019). 14 O vírus Zika é neurotrópico e tem predileção por infectar células progenitoras corticais (TANG et al., 2016), desencadeando a destruição do tecido adjacente, causando a morte celular do sistema nervoso em desenvolvimento (VIANNA et al., 2018). Assim, uma vez reconhecido que há uma relação entre a infecção congênita pelo ZIKV e alterações do sistema nervoso central, entende- se que há a necessidade de avanços em outras direções, como a descrição do conjunto de características físicas, sistêmicas e desenvolvimentais que constituem o fenótipo Zika (RASMUSSEN et al., 2016). Para isso são nececessários estudos que permitam identificar as reais habilidades e dificuldades dessas crianças (BRUNONI et al., 2016). Até o momento não há evidências científicas para concluir sobre os possíveis efeitos deste vírus sobre as diferentes fases do desenvolvimento cerebral no período gestacional. Estudos publicados até o momento em coortes de crianças brasileiras e que nasceram sem a microcefalia mostraram até o momento dados divergentes e basicamente extraídos de um único instrumento de avaliação, a Escala Bayley-III. O estudo de GERZSON et al. (2020) não encontrou prejuízos nos domínios avaliados (motor, cognitivo e linguagem) enquanto que os estudos de Faiçal et al. (2019), Peçanha et al. (2020), Cranston et al. (2020), Abtibol-Bernardino et al. (2020) e Marbán-Castro (2021) que identificaram uma porcentagem de crianças que apresentaram prejuízos nos domínios desenvolvimentais avaliados, sendo a escala de linguagem a mais prejudicada. Deste modo, o presente estudo foi proposto a fim de investigar aspectos da linguagem e do comportamento de uma coorte de crianças sem microcefalia e que foram expostas à infecção pelo vírus Zika no período gestacional, provenientes da região de Ribeirão Preto, interior de São Paulo Ribeirão Preto foi uma das cidades do interior paulista com maior número de grávidas com infecção confirmada pelo vírus ZIKA ( MARTINS et al., 2019) e grande parte da motivação para a realização deste estudo nasceu do estudo “Zika na Gestação: história natural da infecção pelo vírus Zika em gestantes e consequências para a gestação, o feto e a criança”, Estudo ZIG” do Núcleo de Estudos sobre Infecção Materna, Perinatal e Infantil (NEIMPI) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, (FMRP-USP). Os achados deste estudo, recentemente publicados por Key et al. (2021), identificaram por meio da Escala Bayley-III um ritmo de desenvolvimento semelhante ao de crianças não expostas ao vírus, entre os 3 e 23 meses nos aspectos motor e cognitivo. Mas inferior para o desenvolvimento da linguagem de crianças normocefálicas. 15 Portanto, para a proposição deste estudo assumiu-se que a exposição intraútero à infeção pelo vírus Zika é um fator de risco para o desenvolvimento da criança. A partir disso foram elaboradas as seguintes hipóteses: (1) crianças expostas ao vírus ZIKA no período gestacional e que nasceram sem a microcefalia apresentariam desempenho inferior nos aspectos semânticos e pragmáticos da linguagem e (2) mais problemas comportamentais quando comparadas às crianças não expostas ao vírus, de mesma idade cronológica e com histórico de neurodesenvolvimental típico. 16 2. REVISÃO DE LITERATURA Neste capítulo será apresentada a revisão da literatura, iniciando com considerações sobre o cenário epidemiológico do vírus Zika passando para os efeitos da infeção materna pelo vírus Zika na criança, incluindo os estudos que investigaram crianças com a Síndrome da Infecção Congênita pelo Vírus Zika até crianças consideradas assintomáticas ao nascimento (sem microcefalia). 2.1. Cenário epidemiológico do vírus ZIKA O vírus Zika (ZIKV) foi descoberto pela primeira vez na África Oriental em 1947 pela Fundação Rockefeller durante investigações sobre a ecologia da febre amarela. A chegada deste vírus no Brasil ainda não é completamente conhecida, sendo uma das hipóteses durante a Copa do Mundo de futebol realizada no em 2014 (MUSSO, GLUBER et al. 2016). Este vírus tem como principal vetor o mosquito Aedes aegypti que é um arbovírus presente em quase todos os países das américas, exceto Canadá e Chile continental e tem como principais manifestações a ocorrência de febre baixa, erupções cutâneas (exantema maculopapular), dor da cabeça, dos nas articulações, dor muscular e conjuntivite não purulenta ao redor do segundo e sétimo dia da infecção (Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde, 2019). De França et al. (2018) apresentou a linha temporal da epidemia causada pelo vírus Zika no Brasil. O pico de notificações de casos ocorre no período de Novembro de 2015, seguida de redução até Abril de 2016 e estabilização no números de casos até o mês de Agosto de 2016. Dentre as regiões do Brasil, a região Nordeste foi a de maior número de municípios afetados, afetando 1.049 (58,5%) dos 1.794 municípios da região e a região Sudeste foi a segunda região mais afetada (20,6%). Segundo dados epidemiológicos reportados no estudo de Martins et al. (2019), a cidade de Ribeirão Preto, localizada na região nordeste do estado de São Paulo (cerca de 315 Km da capital) foi uma das cidades com maior número de grávidas com infecção confirmada pelo vírus ZIKA e que representa parte da coorte deste estudo. Segundo dados do calendário epidemiológico do Ministério da Saúde, fornecidos para a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) e Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2017, 17 entre a semana epidemiológica 1 e 22 no período de 2016 a 2017, foram reportadas um total de 26.066 mulheres grávidas com suspeita de infecção pelo vírus ZIKA, sendo destes 11.546 confirmados. Segundo dados disponibilizados no boletim epidemiológico 41 da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde publicado em outubro de 2020, até a semana epidemiológica 36, foram notificados 597 casos prováveis de Zika em gestantes, sendo 186 casos confirmados. O Espírito Santo foi o estado com maior ocorrência (39 casos), seguido do Pará (36 casos), Bahia (23 casos), Mato Grosso (21 casos) e Rio de Janeiro (13 casos). Embora o cenário atual não configure estado de epidemia, até 2020 ocorreram notificações de grávidas com confirmação pela infecção do vírus Zika, o que reforça a necessidade de manter os esforços no controle e prevenção do principal vetor. Parte desses esforços realizados e que vem sendo mantido inclui a formação de uma rede de especialistas de diferentes áreas e países, os quais se reuniram para o enfrentamento da epidemia mundial da epidemia – Rede Nacional de Especialistas em Zika e Doenças Correlatas (RENEZIKA). Esta rede tem como principais objetivos contribuir com ações de prevenção, elaboração e aperfeiçoamento de protocolos, produção de conhecimento sobre o vírus Zika e doenças correlatas, por meio de estudos multicêntricos para o acompanhamento do desenvolvimento dessas crianças nos primeiros 2 anos de vida. No entanto, é válido mencionar que há pouco esclarecimento quanto aos esforços em prol do acompanhamento de crianças que foram consideradas assintomáticas, sem o diagnóstico da Síndrome da Infecção Congênita pelo Vírus Zika. 2.2. Efeitos da infeção materna pelo vírus Zika na criança A microcefalia diagnosticada ainda intraútero é um dos principais e primeiros efeitos identificados da infecção viral materna causada pelo vírus Zika. Seguido a isso, um conjunto de manifestações foram descritas o que culminaram na denominação “Síndrome Congênita do Zika Vírus” ou “Congenital Zika Syndrome” (CZS). Nesta síndrome a microcefalia congênita é a manifestação mais grave do espectro clínico, ocorrendo conjuntamente com tensão excessiva da musculatura, irritabilidade, reação exacerbada de reflexos comuns no recém-nascido 18 (hiperexcitabilidade), choro excessivo, disfagia, crises convulsivas com aumento da frequência a partir dos três meses de vida, prejuízos auditivos e visuais, sinais de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade de do Transtorno do Espectro do Autismo (EICKMANN et al., 2016). Outras alterações em domínios desenvolvimentais (motor e comunicação) (WHEELER et al., 2018) e prejuízos significativos dos aspectos do sono (WHEELER et al., 2018; PINATO et al., 2018) também já foram descritas como parte da síndrome. Hajra et al. (2016) mencionaram que, além da microcefalia congênita, outras patologias estão associadas com a infecção do ZIKV, tais como síndrome de Guillain-Barré, mielite e meningoencefalite, sendo todas alterações neurológicas. Ribeiro et al. (2017), fizeram uma a revisão de literatura sobre os achados de tomografia craniana e ressonância magnética de crianças com CZS e os resultados indicaram uma alteração relevante no sistema nervoso central, sendo elas desproporção craniofacial com aspecto microcefálico associada, calcificações predominando na junção córtico-subcortical, malformações do desenvolvimento cortical, ventriculomegalia e anormalidades na formação do corpo caloso. Assim como no estudo anterior, os autores relatam que a microcefalia pode estar presente ou não na SC pelo vírus Zika. Lima (2017) em sua dissertação, avaliou o desempenho funcional e o sono de crianças com SCZ, entre 6 meses e 18 meses de idade. O estudo foi realizado em hospitais, serviços de reabilitação e ONGs do estado de Pernambuco, os critérios de inclusão foram casos infecção congênita por STORCH+Zika e casos de infecção congênita pelo vírus Zika e excluídas aquelas crianças com infecção congênita confirmadas para STORCH e que realizaram cirurgia para fixação articular. Os resultados mostraram atraso nas habilidades de autocuidado (alimentação e cuidado pessoal), da comunicação, na interação social e alterações de sono. Estudo realizado por Fonteles et al. (2018), com amostra de 54 crianças brasileira com SCZ provenientes de Fortaleza-CE, identificou que essas crianças apresentam frênulo lingual coberto por mucosa o que confere aparente ausência do frênulo, sendo possível observá-lo apenas com a aplicação de uma manobra para elevação das margens laterais e posteriorização da língua. Este achado foi observado em 37% das crianças avaliadas. 19 Leal et al. (2018) conduziram estudo descritivo e resctropectivo de uma série de casos de 9 crianças com a síndrome congênita do vírus Zika que apresentavam microcefalia. Por meio de Videofluoroscopia da Deglutição os autores identificaram a presença de disfagia com alterações importantes na fase oral da deglutição, levando à aspiração de líquido. O estudo chamou a atenção para a necessidade de avaliação objetivas da deglutição dos casos com a síndrome congênita do vírus Zika e recomenda o seguimento clínico interdisciplinar com nutricionista, gastroenterologista, fonoaudiólogo e otorrinolaringologista. Estudo realizado por Pinato et al. (2018) investigou aspectos do sono por meio do inventário “Brief Infant Sleep Questionnaire” aplicado a 136 crianças com SCZ e comparadas à crianças com desenvolvimento típico não expostas ao vírus. Resultados indicaram que 34,1% das crianças com SCZ apresentaram problemas relacionados ao sono, sendo que 15% delas permaneciam acordadas durante longos períodos a noite e 24% dormiam menos de 9 horas por noite. O tempo total de sono noturno dessas crianças também se encontrava reduzido. Carvalho et al. (2019) relataram o caso de duas crianças que apresentaram hidrocefalia após o primeiro ano de vida. Também observaram tendência ao atraso na erupção da primeira dentição, postura linguagem inadequada e encurtamento do frênulo labial e lingual. A dissertação de mestrado de Bicas (2019) investigou 30 crianças de seis a 38 meses de vida com microcefalia e provável CZS. O estudo analisou o potencial evocado auditivo cortical e mostrou que o complexo de componentes P1-N1-P2-N2-P3 esteve presente nas crianças, sinalizando a capacidade para decodificarem estímulos sonoros pelo córtex cerebral, embora não seja possível confirmar que o padrão de decodificação sonora e associação auditivo-linguística é o mesmo que o de crianças típicas. Teixeira et al. (2020) realizaram uma revisão de literatura para analisar o conceito de Síndrome Congênita pelo Zika Vírus, para isso utilizaram duas perguntas norteadoras: 1) o conceito de Síndrome congênita pelo Zika vírus? 2) Quais as características que possam auxiliar na identificação da Síndrome congênita pelo Zika vírus? Realizaram uma busca através dos bancos de dados, MeSH e Decs, em dezembro de 2016 até janeiro de 2017, utilizaram as seguintes palavras chaves, Anormalidades Congênitas and Microcefalia and Infecção pelo Zika vírus; Microcefalia and Infecção pelo Zika virus; Anormalidades Congênitas and Infecção pelo Zika 20 vírus. Foi realizada análise conceitual de Walker e Avant. Os critérios de inclusão foram, artigos completos, manuais do ministério da saúde e manuais da Organização mundial de Saúde., foram excluídos aqueles que não estavam na íntegra. Os resultados encontrados mostram que todas as crianças com síndrome congênita pelo Zika vírus apresentam calcificação intracraniana, ventrículomegalia, volume cerebral diminuído, podendo causar alterações neurológicas, motoras, visuais, auditivas ou oculares. O estudo concluiu que a Síndrome Congênita pelo Zika Vírus pode vir associada a microcefalia ou não, sendo um alerta para a síndrome, mas não um fator determinante. Ao final enfatizaram que o olhar dos profissionais deveria ir além da presença de microcefalia. O impacto nas famílias de crianças afetadas pela infecção congênita do vírus Zika têm sido investigados pelos pesquisadores. Mendes et al (2020) pesquisaram as implicações sociais da síndrome congênita do vírus Zika (SCVZ) para as famílias. O estudo qualitativo contou com a participação de 15 mães que responderam uma entrevista semiestruturada. Os resultados demonstram a dificuldade do acesso às políticas públicas, o preparo dos profissionais da saúde para acolher e informar as famílias sobre o diagnóstico e as incertezas de uma nova doença, o estudo mostra os efeitos positivos da troca de experiência das mulheres que passam por isso e a religiosidade se torna um acalento as famílias. Garbin et al. (2021) analisaram o conhecimento e a atitude de gestantes de alto risco sobre o Zika. O estudo transversal, quantitativo foi realizado no Ambulatório Médico de Especialidades (AME) de Araçatuba, com 201 gestantes de alto risco, que responderam um instrumento auto administrado, de múltipla escolha, relacionado ao tema conhecimento e atitude gestante de alto risco, com base em questionários da OMS. Os resultados indicaram que o grupo de gestantes não tinha conhecimento sobre a doença sua prevenção. Assim, concluíram que há necessidade de disseminação das políticas públicas e de informações sobre o ZIKA através de mídias sociais. Costa et al. (2021) investigaram a percepção da qualidade de vida das mães de crianças portadoras de microcefalia associada ao Zika vírus. Foi realizado um estudo qualitativo no Hospital Universitário Materno-Infantil da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA) e na Casa de Apoio Ninar, participaram 10 mulheres que realizaram uma entrevista semiestruturada. Os 21 resultados mostraram precariedade do cuidado, baixa qualidade de vida, falta de tempo livre, e sem perspectiva para o futuro. De acordo com Niemeyer et al. (2017), a ausência de microcefalia ou de achados de neuroimagem não deveriam excluir a possibilidade da ocorrência da CZS. Teixeira et al. (2020) afirmaram que o conceito da CZS ainda está sendo construído pela comunidade científica, a medida em que os estudos avançam e o conhecimento vem sendo disseminado. Segundo dados levantados pelos autores, basicamente é possível encontrar três modelos clínicos: mãe infectada na gestação e o bebê com microcefalia ao nascimento, mãe infectada na gestação e a criança com perímetro cefálico normal ao nascimento e mãe assintomática e bebê com microcefalia ao nascimento. Poucos estudos se detiveram a investigação de aspectos do neurodesenvolvimento de crianças assintomáticas que foram expostas ao vírus ZIKV na gestação. Todos os estudos encontrados utilizaram o mesmo instrumento de avaliação, sendo para isso utilizada a Escala Bayley-III. Gerlzson et al. (2019) avaliou o desenvolvimento cognitivo, de linguagem e motor de uma coorte de 37 crianças do Estado do Mato Grosso do Sul, sendo 17 infectadas, mas sem microcefalia e 20 crianças do grupo controle, com idade entre 18 meses a 29 meses. Os autores realizaram uma entrevista semiestruturada e aplicaram a Escala Bayley de Desenvolvimento Infantil e Infantil (Bayley III). Os autores não encontraram diferenças estatisticamente significante entre os dois grupos em relação ao desenvolvimento cognitivo, de linguagem e motor e que, mas enfatizaram a necessidade de estudos com maior número de participantes. Faiçal et al. (2019) avaliaram uma coorte de 29 de crianças não microcefálicas e que foram expostas à infecção pelo vírus Zika. As crianças eram provenientes da cidade de Salvador- Ba. No estudo foram realizados exames de neuroimagem, avaliação do desenvolvimento pela Escala Bayley-III e avaliação audiológica. Todas as crianças apresentavam audição normal e o desempenho na Bayley identificou que 10 (34%) das crianças apresentaram ao menos um domínio desenvolvimental prejudicado, sendo na linguagem o desempenho pior. Analisando de forma mais detalhada os dados, os autores verificaram que os prejuízos de linguagem foram mais evidentes na escala de linguagem expressiva. 22 O estudo de Peçanha et al. (2020) avaliaram uma coorte de 84 crianças brasileiras, assintomáticas e que foram expostas intraútero a infecção materna pelo vírus ZIKV. Essas crianças foram acompanhadas ao longo de 2 anos por meio da Escala Bayley-III. Os resultados mostraram que mais da metade das crianças (N=42) apresentaram atraso em um dos três domínios desenvolvimentais, dessas 42 crianças, 4 apresentaram atraso no domínio cognitivo, 31 na linguagem e 20 no desempenho motor. O estudo concluiu que uma proporção muito elevada de crianças assintomáticas e expostas ao vírus ZIKV na gestação apresentaram prejuízos neurodesenvolvimentais, sendo a área de linguagem a mais prejudicada. Cranston et al. (2020) investigaram o desenvolvimento de 162 crianças do Rio de Janeiro que nasceram sem microcefalia e foram expostas à infecção materna pelo vírus Zika. Neste estudo os pesquisadores realizaram o acompanhamento audiológico das crianças (3 e 6 meses de vida) e desenvolvimental por meio da Escala Bayley-III. Os resultados indicaram que 26,8% apresentaram desempenho abaixo 1o desvio padrão em pelo menos um dos domínios desenvolvimentais e 8,9% abaixo do 2o desvio. Neste estudo não foram excluídas crianças que apresentavam alterações menores em achados de neuroimagem, assim como crianças nascidas prematuras ou com baixo peso ao nascimento. Abtibol-Bernardino et al. (2020) descreveram uma série de casos de 26 crianças não micocefálicas que tiveram exposição intraútero à infecção pelo vírus Zika. As crianças eram provenientes de Manaus, capital do estado do Amazonas. Todas as crianças foram avaliadas por meio da escala Bayley-III nos domínios de cognição, linguagem e motor. Os resultados indicaram que 34,6% das crianças apresentaram prejuízos no desenvolvimento, sendo a escala de linguagem a mais prejudicada. Neste estudo os autores não excluíram os casos que apresentavam alterações neurológicas estruturais, outras infecções como HIV e toxoplasmose. Dentre os casos com prejuízos mais acentuados nas escalas desenvolvimentais, uma criança foi diagnosticada com perda auditiva neurosenssorial bilateralmente associada a mutação do gene GJB2 e outra criança apresentava hemiparesia espástica. Dois casos foram diagnosticados com Transtorno do Espectro do Autismo, sendo que um dos casos teve exposição à infecção pelo vírus Zika e HIV e o outro ao Zika e Toxoplasma Gonddi. 23 Recentemente estudo publicado por Marbán-Castro (2021) investigou uma coorte de 28 crianças espanholas potencialmente expostas ao ZIKV durante a gestação, quando suas mães viajaram para áreas endêmicas (Bolívia, Brasil, Colômbia, Honduras, Tailândia, Guiné Equatorial, Equador e El Salvador). Das 28 crianças, apenas quatro tiveram a confirmação laboratorial de infecção materna pelo vírus ZIKV. As demais foram consideradas potencialmente prováveis por terem apresentado as proncipais manifestações clínicas da infecção (rash cutâneo, febre, mialgia, atalgia, conjuntivite). Das 28 crianças que realizaram o seguimento, estudo identificou que 21 crianças apresentaram prejuízo no domínio de linguagem da Escala Bayley-III. Coutinho et al. (2021) estudaram uma coorte de 511 mulheres infectadas com o Zika vírus na região de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Neste estudo foram acompanhadas 470 crianças consideradas assintomáticas ao nascimento e que realizaram seguimento oftalmológico, neuroimagem e screening auditivo. Os resultados mostraram que 1,3% apresentaram alguma alteração oftálmica, 8,0% algum sinal de alerta na avaliação neurológica clínica, 0,5% alterações estruturais observadas em ultrassom de crânio e nenhum caso com perda auditiva. O estudo concluiu que alterações mais graves foram observadas nas crianças em que a infecção viral ocorreu abaixo da 11a semana gestacional. Os efeitos neurodesenvolvimentais e longitudinais da exposição à infeção pelo vírus Zika na gestação em crianças sem microcefalia foram publicados recentemente por Key et al. (2021). Numa coorte de 194 crianças provenientes da região de Ribeirão Preto e que foram acompanhadas entre 3 e 24 meses de vida por meio da Escala Bayley-III, os pesquisadores verificaram que os ganhos desenvolvimentais observados no domínio motor grosso e específico, bem como no cognitivo foram semelhantes aos ganhos observados em crianças típicas, no entanto, diferente para os ganhos observados no domínio da linguagem. 24 3. OBJETIVO O objetivo do estudo foi investigar aspectos da linguagem e do comportamento de crianças sem microcefalia expostas ao vírus Zika (ZIKV) na gestação. A partir do objetivo geral propôs-se como objetivos específicos: a) analisar e comparar crianças sem microcefalia expostas ao vírus Zika (ZIKV) na gestação e crianças não expostas ao vírus, de mesma idade cronológica e sexo, com histórico de trajetória neurodesenvolvimental típica nos aspectos pragmáticos da linguagem (habilidades comunicativas e compreensão verbal para ordens em função do contexto), b) analisar e comparar as ações e jogos simbólicos pelo comportamento do brincar (manipulação do objeto, simbolismo e organização do brinquedo); c) analisar e comparar o vocabulário expressivo; d) analisar e comparar os tipos de problemas comportamentais reportados pelos pais; e) e explorar possíveis correlações entre aspectos da linguagem e do comportamento com o período gestacional em que ocorreu a infecção pelo vírus ZIKV. 25 4. MATERIAL E MÉTODO Neste capítulo serão apresentadas as informações referentes ao desenho do estudo e aspectos éticos da pesquisa, critérios de inclusão e procedimentos para seleção dos participantes e descrição dos procedimentos de coleta e análise estatística dos dados. 4.1. Desenho do estudo e aspectos éticos da pesquisa Trata-se de um estudo observacional de corte transversal e prospectivo realizado numa coorte de crianças nascidas em 2016, cujas mães foram expostas à infecção pelo vírus ZIKA (ZIKV) no período gestacional. O presente estudo é parte de um estudo mais amplo denominado “Linguagem e funcionamento cerebral em trajetórias neurodesenvolvimentais típicas e desviantes: contribuições para o fenótipo Zika” e foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, campus de Marília (CAEE no. 89565718.0.3003.5406 – Anexo 1) e pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FMRP-USP (CAEE no. 89565718.0.0000.5440 – Anexo 2). Os pais dos participantes foram convidados a participarem do estudo. Os objetivos da pesquisa foram apresentados e aqueles que manifestaram interesse em participar foi realizada leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Assentimento para as crianças. Todos os participantes tiveram sua participação autorizada de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde – CNS 466/12 sobre Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. 4.2. Critérios de inclusão e procedimentos para seleção dos participantes Os participantes do grupo amostral (Grupo ZIKV) foram selecionados a partir do banco de dados do projeto “Zika na Gestação: história natural da infecção pelo vírus Zika em gestantes e consequências para a gestação, o feto e a criança” (Estudo ZIG)” do Núcleo de Estudos sobre Infecção Materna, Perinatal e Infantil (NEIMPI) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, 26 (FMRP-USP). De uma coorte de 501 crianças que fazem parte do estudo ZIG, foram identificadas 470 que apresentavam perímetro cefálico (pré e pós-natal) dentro dos padrões de normalidade, segundo curva padrão internacional do crescimento do recém-nascido – International Fetal and Newborn Growth Consortium for the 21st Century (INTERGROWTH-21st – Figura 1, Anexo 1 a 2), adotados pela Organização Mundial da Saúde e pelo Ministério da Saúde. Dessas 470 crianças, foram identificadas 179 consideradas candidatas à participarem deste estudo, por atenderem aos seguintes critérios de inclusão: (a) História positiva para exposição ao ZIKV durante a gestação com sorologia materna positiva para IgM específicos contra o ZIKV. (b) Sorologia negativa para outras infecções maternas no período gestacional (e.g., citomegalovírus, HIV, toxoplasmose, dengue, chicungunya). (c) Perímetro cefálico dentro dos padrões de normalidade (sem microcefalia), INTERGROWTH-21st. (d) Ausência de qualquer outra alteração física ou neuroanatômica estrutural, detectada por meio de ultrassonografia de crânio ou alteração oftalmológica. (e) Nascimento com idade gestacional maior ou igual a 37 semanas. (f) Peso ao nascimento maior ou igual a 2.500 gramas. (g) Não apresentar síndrome genética (h) Não apresentar história de uso de álcool ou drogas no período gestacional. (i) Investigação audiológica dentro dos padrões de normalidade. (j) Não ter realizado ou estar realizando intervenção fonoaudiológica no momento da avaliação. 27 Figura 1 – Representação da curva padrão internacional do crescimento do recém-nascido – International Fetal and Newborn Growth Consortium for the 21st Century (INTERGROWTH-21st), gerada a partir dos dados de nascimento do P1 do grupo ZIKV. Das 179 crianças que atendiam aos critérios de inclusão deste estudo, 30 foram selecionadas ao acaso para que fosse realizado contato telefônico com os pais a fim de apresentar os objetivos do estudo e convidá-los para participarem. Destes 30 convidados, 20 aceitaram participar do estudo e um caso foi excluído por apresentar histórico de uso de álcool e drogas no período gestacional. Os participantes do grupo comparativo (GC) foram recrutados na comunidade do município de Ribeirão Preto, localizado no interior de São Paulo, seguindo os critérios de inclusão especificados a seguir: (a) História negativa para exposição pré-natal ao ZIKV e para outras infecções maternas no período gestacional (e.g., citomegalovírus, HIV, toxoplasmose, dengue, chicungunya). (b) Histórico de trajetória neurodesenvolvimental típica para a idade nos principais marcos neurodesenvolvimentais (motor, fala e linguagem). (c) Idade cronológica, sexo e estrato socioeconômico semelhante aos participantes 28 do grupo ZIKV. Os demais critérios de inclusão foram os mesmo adotados para o grupo ZIKV (nascimento com idade gestacional maior ou igual a 37 semanas, perímetro cefálico dentro dos padrões de normalidade segundo curva INTERGROWTH-21st, peso ao nascimento maior ou igual a 2.500 gramas, não apresentar síndrome genética ou outra condição médica associada a Transtorno do Neurodesenvolvimento, não apresentar histórico de uso de álcool ou drogas no período gestacional e audição dentro dos padrões de normalidade. Os dados foram obtidos por meio de anamnese com a mãe. Para definição do estrato socioeconômico foi utilizado o Critério de Classificação Econômica Brasil (ABEP, 2018). 4.3. Participantes No total foram selecionadas 38 crianças com idade entre 2 anos e 5 meses a 4 anos e 11 meses, de ambos os sexos e pertencentes ao estrato socioeconômico B1, B2 e C1 (ABEP, 2018). Das 39 crianças, 19 crianças com história de exposição pré-natal à infecção pelo vírus Zika (Grupo ZIKV) compareceram para avaliação, sendo 7 da faixa etária de 2 anos e 12 da faixa etária de 4 anos (6 do sexo feminino e 13 do sexo masculino) e que não apresentavam microcefalia ou outras alterações físicas ou sistêmicas sugestiva da Síndrome Congênita do Zika Vírus. As outras 19 crianças compuseram o grupo de crianças sem exposição pré-natal ao ZIKV e com histórico neurodesenvolvimental típico (Grupo Comparativo), sendo 7 da faixa etária de 2 anos e 12 da faixa etária de 4 anos (9 do sexo feminino e 12 do sexo masculino). Na Tabela 1 estão as informações das 19 crianças que compuseram o grupo ZIKV, incluindo dados quanto à idade, sexo, período gestacional da infecção pelo ZIKV, dados do nascimento (idade gestacional, peso, estatura, perímetro cefálico) e resultado do exame audiológico realizado durante a execução do estudo ZIG no segundo ano de vida. 29 Tabela 1 – Caracterização das crianças que compuseram o grupo ZIKV quanto ao sexo, idade, trimestre da infeção pelo ZIKV, dados de nascimento e audição. Participante Sexo IC Trimestre infecção ZIKV Nascimento Audição IG PN (Kg) Estatura (cm) PC P1 M 2a.5m 1 41,5 3975 51 36 normal P2 M 2a.6m 3 40,4 3510 50 34 normal P3 M 2a.6m 1 37,5 2725 48 35 normal P4 M 2a.9m 2 39,1 3655 35 33,5 normal P5 M 2a.9m 2 38,5 2945 47,5 33,5 normal P6 M 2a.9m 3 39,5 3410 47 35 normal P7 F 2a.10m 3 38 2810 44,5 33 normal P8 F 4a.3m 1 38,3 3250 47,3 34 normal P9 M 4a.4m 3 39 3250 50 34 normal P10 F 4a.4m 1 40,6 3315 50,5 34 normal P11 M 4a.4m 3 39,3 3420 50 35 normal P12 F 4a.5m 2 38,2 3350 48 35 normal P13 F 4a.6m 2 39,1 3310 50,5 35 normal P14 M 4a.7m 2 40,1 3375 49 35,5 normal P15 F 4a.8m 3 39,1 4000 51 34 normal P16 M 4a.8m 3 38 3300 48 34 normal P17 M 4a.9m 3 40,1 3440 51 36 normal P18 M 4a.9m 2 38 3320 50 34 normal P19 M 4a.10m 2 38,4 3360 48 35 normal Legenda: IC= idade cronológica; IG= idade gestacional; PN= peso ao nascimento; PC= perímetro cefálico. Fonte: banco de dados do estudo “Zika na Gestação: história natural da infecção pelo vírus Zika em gestantes e consequências para a gestação, o feto e a criança”, Estudo ZIG” do Núcleo de Estudos sobre Infecção Materna, Perinatal e Infantil (NEIMPI) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, (FMRP-USP). 4.4. Procedimentos de coleta e análise dos dados A figura 2 representa o fluxograma do estudo desde a seleção dos participantes até a aplicação dos procedimentos previstos neste estudo, bem como o número de participantes em cada um dos procedimentos. 30 Figura 2 – Fluxograma do estudo para seleção da amostra e coleta de dados Fonte: Elaborada pela autora A coleta de dados foi realizada em três sessões com duração de aproximadamente 40 minutos a 1 hora (cada). Os procedimentos foram aplicados em sala de atendimento silenciosa que dispunha de mesa, cadeiras e materiais (brinquedos) adequados para a população infantil. 4.4.1. Aspectos pragmáticos da linguagem Para análise dos aspectos pragmáticos da linguagem e do nível de desenvolvimento cognitivo foram utilizados 30 minutos de filmagem realizada com as crianças em situação de atividade lúdica e dialógica com o avaliador. Para registro dos dados foi utilizado o Protocolo de Observação Comportamental (PROC), de Zorzi e Hage (2004) que permite observar os seguintes aspectos que compreendem parte das habilidades pragmáticas da linguagem: - Habilidades comunicativas: As habilidades dialógicas ou conversacionais incluem a Banco de dados “Projeto ZIG” N=501 crianças Critérios de inclusão do presente estudo N=179 Seleção ao acaso N=30 Anamnese N=20 (1 excluído) Sessão 1 Anamnese e questionário parental - Child Behavior Checklist (CBCL 1.5-5 anos) N=19 Sessão 2 Protocolo de Observação Comportamental - PROC N=19 Sessão 3 Teste de Nomeação Infantil N=12 31 intenção comunicativa, conversação/interação, resposta ao interlocutor, aguarda o seu turno e atividade dialógica. Atribui-se pontuação de 0 à 3, sendo 0 se a habilidade estiver ausente, 2 presente raramente e 3 habilidade presente. No item de funções comunicativas são analisadas a ocorrência de uso de função: instrumental, protesto, interativa, nomeação, informativa e heurística e narrativa, atribuindo-se pontuação 0 se a habilidade estiver ausente, 1 se estiver presente raramente e 2 se a habilidade presente frequentemente. Quanto aos meios de comunicação deve-se verificar os meios não verbais, atribuindo-se 0 ponto para ausência de vocalizações, 1 ponto para vocalizações não articuladas e 2 pontos para vocalizações não articuladas e articuladas com entonação da língua (jargão). Para os meios não verbais (gestos) atribui-se 1 ponto para gestos não simbólicos elementares, 2 pontos para gestos não simbólicos convencionais e 5 pontos para gestos simbólicos. Para os meios verbais (palavras, frases e discurso), atribui-se 7 pontos para palavras isoladas, 9 pontos para enunciados de 2 palavras, 11 pontos para frases com 3 ou mais palavras, telegráficas ou não, 13 pontos para relato de experiências imediatas contendo frases com 5/6 palavras e 15 pontos para relato de experiências não imediatas. O último, item das habilidades comunicativas é o nível de contextualização da linguagem. Atribui-se 5 pontos quando a linguagem refere-se somente a situação imediata e concreta, 10 pontos quando a linguagem referencia passado ou futuro imediato, sem ultrapassar o contexto imediato e 15 pontos quando a linguagem vai além da situação imediata, referindo-se a eventos mais distantes no tempo (passado e futuro). A pontuação total possível para este item são 70 pontos. O item subdivide-se em habilidades dialógicas ou conversacionais, funções comunicativas, meios de comunicação e níveis de contextualização. - Compreensão verbal: A parte destinada à compreensão verbal do PROC destina-se ao registro da resposta da criança frente ao uso da linguagem por parte do avaliador e leva em consideração para esta análise desde a não resposta à linguagem até a compreensão de ordens, solicitações ou comentários. Ao final, uma análise descritiva desta resposta também leva em consideração a compreensão dessas ordens frente ao contexto comunicativo (imediato ou não ligado ao contexto imediato). Sendo assim, este item também foi considerado parte dos aspectos pragmáticos observado neste estudo.A pontuação total para este item são 60 pontos. Atribui-se 0 ponto quando a criança não apresenta resposta à linguagem, 10 pontos quando responde não sistematicamente a uma solicitação, comentário ou quando chamada, 20 quando atende ao ser chamada, 30 pontos compreende ordens situacionais com uma ação acompanhadas de gestos, 40 32 pontos quando compreende ordens situacionais com uma ação não acompanhadas de gestos, 50 pontos quando compreende duas ordens não relacionadas e 60 pontos quando compreende ordens com 3 ou mais ações, solicitações ou comentários. O PROC também inclui o registro do comportamento do brincar da criança, informando assim sobre as ações e jogos simbólicos da criança, os quais estão contemplados neste protocolo no item de “Aspectos do desenvolvimento cognitivo”, descrito a seguir. - Aspectos do desenvolvimento cognitivo: Avalia-se inicialmente as formas de manipulação dos objetos, atribuindo-se 0 ponto quando não se interessa pelos objetos ou quando desiste da atividade mediante algum obstáculo, 1 ponto quando explora objetos por meio de poucas ações ou explora os objetos de modo rápido e superficial ou explora os objetos um a um de modo repetitivo. Atribui-se 2 pontos quando persistem na atividade mediante algum obstáculo ou atua de modo repetitivo sobre dois ou mais objetos ao mesmo tempo relacionando-os ou explora os objetos um a um de modo diversificado. Atribui-se 5 pontos quando explora objetos de maneira diversificada e 10 pontos quando atua de maneira diversificada sobre dois ou mais objetos ao mesmo tempo relacionando-os. Em relação ao nível de desenvolvimento do simbolismo atribui-se 0 ponto quando não apresenta condutas simbólicas, somente sensório-motoras, 1 ponto quando faz uso convencional dos objetos, 2 pontos quando apresenta esquemas simbólicos no próprio corpo, 3 pontos quando usa bonecos ou outros parceiros no brinquedo simbólico, 4 pontos quando organiza ações simbólicas em uma sequência, 5 pontos quando cria símbolos fazendo uso de objetos substitutos ou gestos simbólicos para representar objetos ausentes ou faz uso da linguagem verbal para relatar o que está acontecendo na situação de brinquedo. Em relação ao nível de organização do brinquedo atribui-se 0 ponto quando manipula objetos sem organização dos mesmos, 1 ponto quando organiza as miniaturas em pequenos grupos, reproduzindo situações parciais, mas sem uma organização de todo o conjunto ou faz pequenos agrupamentos de dois ou três objetos, 2 pontos quando enfileira os objetos, 3 pontos quando organiza os objetos distribuindo-os de modo a configurar os diversos cômodos da casa, 4 quando agrupa os objetos em categorias definidas, formando classes ou seria os objetos por tentativa e erro e 5 pontos seria os objetos de acordo com as diferenças, seguindo um critério. Na imitação gestual, atribui-se 0 ponto quando não reage a solicitações, 1 ponto quando faz imitação de gesto visíveis no próprio corpo e 3 pontos para imitação de gestos não visíveis no próprio corpo. Na imitação sonora atribui-se 0 ponto quando não reage, 2 pontos para imitação de sílabas, 3 pontos para imitação de onomatopeias, 5 pontos 33 para imitação de palavras e 6 pontos para imitação de frases. A pontuação total para este item são 70 pontos. este item inclui as formas de manipulação do objetos, nível de desenvolvimento do simbolismo, nível de organização do brinquedo e imitação. 4.4.2. Vocabulário expressivo Para investigação do vocabulário expressivo foram utilizados dois procedimentos, sendo um de observação indireta por meio de inventário parental e outro por meio de observação direta da criança. O inventário parental utilizado para levantamento do vocabulário expressivo foi o questionário de desenvolvimento de linguagem para idade de 18 a 35 meses (LDS) foi aplicado para verificar o vocabulário expressivo das crianças, segundo a percepção dos pais. Este questionário faz parte do Child Behavior Checklist (CBCL) 1.5-5 anos (ACHENBACH; RESCORLA, 2000), versão traduzida de Linhares et al. (2010) e foi aplicado individualmente com as mães das crianças. O questionário é composto por 310 palavras organizadas nas seguintes categorias: alimentos, ambiente, animais, partes do corpo, meios de transporte, ações, objetos pessoais, lugares, modificadores, roupas, pessoas e outros. As mães foram solicitadas a identificar quais palavras eram produzidas espontaneamente pela criança (sem considerar erros fonológicos). Para este estudo contabilizou-se o número total de palavras identificadas pela mãe. O Teste Infantil de Nomeação (TIN), versão reduzida, de Seabra et al., (2012) foi aplicado para verificar o desempenho em vocabulário expressivo. O teste é composto por 60 figuras alvo dispostas duas a duas numa folha retangular, preto e branco em que a criança deveria nomear cada uma delas, atribuindo-se um ponto para cada item-alvo nomeado corretamente, independente dos processos fonológicos. O escore bruto foi obtido realizando-se a pontuação direta dos itens nomeados corretamente e posteriormente convertidos em escore padrão, a partir das tabelas de conversão por idade, segundo dados normativos para a crianças brasileiras com idade entre 3 e 14 anos. O escore padrão médio previsto no teste é de 100, com desvio padrão de maios ou menos 15. A classificação do desempenho no teste foi estabelecida a partir do escore padrão, segundo normas de interpretação do instrumento: <70=muito baixa, entre 70 e 84=baixa, 85 e 114=média, 115 e 129=alta e maior ou igual a 130=muito alta (Trevisan et al., 2012). 34 4.4.3. Problemas Comportamentais Para o levantamento dos problemas comportamentais foi utilizado o Child Behavior Checklist para a idades de 1 ano e meio a 5 anos (CBCL-1.5-5) de Achenbach e Rescorla (2000), versão traduzida de Linhares et al. (2010). Este instrumento é um inventário comportamental que visa obter informações sobre problemas comportamentais de crianças com idade entre 1 ano e meio e cinco anos e 11 meses, segundo a percepção dos pais. O inventário está organizado em afirmações sobre problemas comportamentais. Para cada afirmação foi solicitado ao informante escolher numa escala de Likert de três pontos qual a resposta que melhor representava a afirmação sobre o comportamento do seu filho(a): 0=não é verdadeira, 1=um pouco verdadeira e 3=muito verdadeira. No total são 99 afirmações, sendo a centésima destinada ao registro de qualquer outro problema comportamental observado pela família. O inventário foi aplicado de forma individual e com o auxílio do pesquisador. Neste estudo todos os informantes eram mães. A frequência de problemas comportamentais informada pelos pais são agrupados em 7 escalas síndromes (Reatividade Emocional, Ansiedade, Queixas Somáticas, Retraimento, Problemas com o Sono, Problemas de Atenção e Problemas com Agressão) e 6 escalas individuais orientadas pelas categorias diagnósticas do DSM-5 (APA, 2013): Problemas de Estresse, Problemas de Depressão, Problemas de Ansiedade, Problemas de Transtorno do Espectro do Autismo, Problemas de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e Problemas de Transtorno Opositivo Desafiador. As respostas foram analisadas quanto a frequência total de afirmações agrupadas por escala comportamental e também foi realizada a conversão destas em escores padronizados (Escores T) para informar a faixa que sujeito se encontra (normal, limítrofe ou clínico). Os escores padronizados foram gerados a partir de um conjunto de normas multiculturais por meio do software ADM (ASEBA Brasil) a fim de permitir a comparação entre sujeitos nas diferentes faixas etárias entre 1 ano e meio e 5 anos e 11 meses e também para informar se a classificação do mesmo corresponde a faixa de normalidade, limítrofe ou clínica, sendo as duas últimas indicativos de mais problemas comportamentais em relação ao esperado para a faixa etária da criança. Os valores de referência do escore T para as escalas individuais sindrômicas e orientadas 35 pelo DSM-5 são os mesmos; a saber: <65=normal, entre 65 e 70=limítrofe e >70=clínico. Para as escalas internalizante, externalizante e total de problemas comportamentais os valores de referência do escore T nos são: <60=normal, entre 60 e 64=limítrofe e >64=clínico. 4.5. Análise estatística Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e inferencial. A estatística descritiva foi utilizada para obter os valores de média, mediana, desvio padrão, valores mínimo e máximo de cada variável analisada, sendo os dados apresentados em tabelas e figuras. A distribuição dos dados para cada uma das variáveis estudadas e obtidas a partir dos procedimentos aplicados – Protocolo de Observação Comportamental (PROC), Teste Infantil de Nomeação (TIN) e Child Behavior Checklist (CBCL) 1.5-5 anos – foi testada individualmente para aderência à normalidade. Para isso foi utilizado o teste Shapiro-Wilk, recomendado para amostras menores que 30 sujeitos (MIOT, 2017). Para comparação entre duas amostras independentes (Grupo ZIKV e Grupo Comparativo) com distribuição normal foi utilizado o t de Student e para distribuição não normal foi utilizado o teste não paramétrico de Mann Whitney. Para análise de correlação entre duas variáveis contínuas foi utilizado o teste de Pearson e a correlação de Spearman entre variáveis ordinais. O nível de significância adotado no estudo foi de 5% (0,05). A análise dos dados foi realizada utilizando o programa Minitab 1.6. 36 5. RESULTADOS Neste capítulo serão apresentados os resultados das análises descritivas e inferenciais realizadas para fins de comparação entre os grupos ZIKV e Comparativo nos aspectos da linguagem (pragmáticos e semânticos) e do comportamento (comportamento do brincar e problemas comportamentais). Na sequência serão apresentados os resultados das análises de correlação entre variáveis da linguagem e do comportamento e por fim, dessas com o trimestre gestacional em que ocorreu a exposição à infecção pelo vírus Zika. 5.1. Aspectos pragmáticos da linguagem e comportamento do brincar A tabela 2 apresenta os valores descritivos e a comparação dos grupos ZIKV e Comparativo quanto aos aspectos pragmáticos da linguagem e que foram registrados por meio do Protocolo de Observação Comportamental (PROC): Habilidades Comunicativas (habilidades dialógicas/conversacionais, funções comunicativas e meios de comunicação e nível de contextualização da linguagem); Compreensão Verbal e do comportamento do brincar, registrado no item de Desenvolvimento Cognitivo (formas de manipulação dos objetos, nível de desenvolvimento do simbolismo, nível de organização do brinquedo e imitação). O teste de Mann Whitney foi utilizado para a comparação entre os grupos, ZIKV e Comparativo. Conforme mostrado na tabela 2, diferenças estatisticamente significantes foram encontradas nas habilidades comunicativas, mais especificamente nas funções comunicativas, meios de comunicação e níveis de contextualização da linguagem. Nas funções comunicativas, o grupo ZIKV apresentou raramente as funções comunicativas do tipo “informativa” e “narrativa” enquanto que o grupo comparativo utilizou frequentemente essas funções comunicativas a interação dialógica e conversacional. Quanto ao meio de comunicação verbal de crianças de 4 anos do grupo ZIKV verificou-se que ainda há o uso predominante de frases (2 crianças) e relato de experiências imediatas (4 crianças), enquanto que no grupo comparativo de mesma idade, todas as crianças já utilizam relatos de experiências não imediatas. No nível de contextualização da linguagem, verificou-se que todas as crianças com 2 anos do grupo ZIKV apresentaram o primeiro nível de contextualização (linguagem que refere somente a situações imediatas e concretas), sendo este mesmo nível observado em apenas 1 criança de 2 anos do grupo Comparativo. O primeiro nível também foi observado em 1 criança de 4 anos do 37 grupo ZIKV e em nenhuma criança de 4 anos do grupo Comparativo. Já o segundo nível de contextualização da linguagem (descreve ação realizada e faz referência ao passado e/ou futuro no contexto imediato), foi utilizado pela maioria das crianças de 2 anos do grupo Comparativo (4 de 5 crianças). Este mesmo nível ainda aparece nas crianças do grupo ZIKV de 4 anos (5 de 12 crianças) e em nenhuma criança do grupo Comparativo de 4 anos. Todas as crianças do grupo Comparativo de 4 anos utilizaram o último nível de contextualização da linguagem (linguagem vai além da situação imediata, referindo-se a eventos futuros. 38 Tabela 2 – Comparação dos grupos ZIKV e Comparativo nas habilidades comunicativas Habilidades Comunicativas ZIKV Comparativo P M Md DP Min.- Max. M Md DP Min.- Max. 1a. Hab. Dial./Conv. Intenção comunicativa 3,8 4 0,6 2-4 4,0 4 0,0 4-4 0,187 Inicia conversação 3,2 4 1,4 0-4 3,7 4 0,7 2-4 0,365 Responde interlocutor 3,3 4 1,0 2-4 3,8 4 0,6 2-4 0,170 Aguarda turno 2,8 2 1,0 2-4 3,5 4 0,9 2-4 0,099 alterna turno 2,9 2 1,0 2-4 3,6 4 0,8 2-4 0,099 Total 1a 16,0 16,0 3,9 10-20 18,5 20,0 2,5 12-20 0,455 1b. Funções Comunicativas Intrumental 1,9 2,0 0,2 1-2 2,0 2,0 0,0 2-2 1,000 Protesto 1,8 2,0 0,4 1-2 2,0 2,0 0,0 2-2 1,000 Interativa 1,8 2,0 0,5 0-2 2,0 2,0 0,0 2-2 1,000 Nomeação 1,9 2,0 0,3 1-2 2,0 2,0 0,0 2-2 1,000 Informativa 0,9 1,0 0,7 0-2 1,9 2,0 0,2 1-2 0,000** Heurística 1,4 1,0 0,5 0-2 2,0 2,0 0,0 2-2 1,000 Narrativa 0,6 0,0 0,8 0-2 1,7 2,0 0,5 1-2 0,000** Total 1b 10,1 10,0 2,3 6-14 13,7 14,0 0,6 12-14 0,000** 1c. Meios de Comunicação Gestual 4,7 5,0 0,9 2-5 5,0 5,0 0,0 5-5 1,000 Verbal 12,4 11,0 1,9 9-15 13,9 15,0 1,92 9 9-15 0,021* Total 1c 17,0 16,0 2,5 11-20 18,9 20,0 1,9 14-20 0,017* 1d. Nível de Contextualização da Linguagem Total 1d 7,9 5,0 3,8 5-15 13,4 15,0 2,9 5-15 0,000** Total Habilidades Comunicativas 50,8 50,0 8,7 37-67 64,6 69,0 6,0 47-69 0,000** Teste de Mann Whitney p<0,05* p<0,01** Legenda: M=Média; DP=Desvio Padrão; Md=Mediana; Mín.=Mínimo; Máx.=Máximo Na classificação descritiva referente às características gerais das habilidades comunicativas, segundo o Protocolo de Observação Comportamental (PROC), verificou-se que todas as crianças apresentaram comunicação por meio de atividade dialógica. 39 Dentre as características dialógicas observadas, das 19 crianças do grupo ZIKV, 16 (84,2%) apresentaram linguagem referenciando passado e/ou futuro no contexto imediato, enquanto somente 5 crianças (26,3%) do grupo comparativo apresentaram esta característica e predominantemente nas crianças mais novas. No grupo comparativo das 19 crianças, 14 (73,7%) apresentaram linguagem referindo a situações de contexto não imediato, o que foi observado somente em 3 crianças (15,8%) do grupo ZIKV (Figura 3). Figura 3 – Distribuição dos participantes nos descritores qualitativos das características gerais das habilidades comunicativas, quanto ao contexto (imediato e não imediato) na atividade dialógica. A Tabela 3 apresenta os valores descritivos e a comparação dos grupos ZIKV e Comparativo quanto às ações e jogos simbólicos observados no comportamento do brincar, parte do Desenvolvimento Cognitivo do Protocolo de Observação Comportamental (PROC): formas de manipulação dos objetos, nível de desenvolvimento do simbolismo, nível de organização do brinquedo e imitação). Conforme mostrado nesta tabela 3, diferença estatisticamente significante foi encontrada no Nível de Organização do Brinquedo. No grupo ZIKV, a maioria das crianças de 2 anos, 6 de 7 crianças não agruparam objetos formando classes, o que foi realizado por todas as crianças do grupo Comparativo de 2 anos. Já as crianças de 4 anos do grupo ZIKV apresentaram mais dificuldade para organização do conjunto de brinquedos em suas categorias e classes, o que não foi observado no grupo comparativo de 4 anos. 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 ZIKV Comparativo Imediato Não Imediato 40 Tabela 3 – Comparação dos grupos ZIKV e Comparativo quanto as ações, jogos simbólicos e imitação. Comportamento do Brincar ZIKV Comparativo p M Md DP Min.-Max. M Md DP Min.-Max. Man. Objetos 7,0 10,0 3,4 2-10 8,7 10,0 2,3 5-10 0,166 Simbolismo 15,0 15,0 4,7 10-20 18,1 20,0 3,4 10-20 0,056 Org. Brinquedo 11,0 11,0 2,8 7-15 18,5 20,0 2,8 11-20 0,000** Imitação Gestual 4,0 4,0 0,0 4-4 4,0 4,0 0,0 4-4 0,189 Verbal 15,8 16,0 0,4 15-16 16,0 16,0 0,0 16-16 0,175 Total 53,0 5 56,0 8,7 38-65 62,1 66,0 8,4 42-69 0,001 Teste de Mann Whitney p<0,05* p<0,01** Legenda: M=Média; DP=Desvio Padrão; Md=Mediana; Mín.=Mínimo; Máx.=Máximo Verificou-se na classificação descritiva do Desenvolvimento Cognitivo do Protocolo de Observação Comportamental (PROC), que ambos os grupos, ZIKV e Comparativo, apresentaram maior número de crianças na fase representativa, porém no grupo ZIKV, das 19 crianças, 8 crianças (42,1%) estão na transição sensório motor para representativo, em que a criança está transferindo a brincadeira concreta para a mental e 11 crianças (57,9%) estão na fase representativa, ou seja, realizam eventos mentalmente, como o faz de conta. Já no grupo comparativo, das 19 crianças, 2 crianças (10,5%) estão na fase de transição sensório motor para representativo e 17 crianças (89,5%) estão na fase de representativo (figura 4). 41 Figura 4 - Distribuição dos participantes nos descritores qualitativos das características gerais do desenvolvimento cognitivo (ações e jogos simbólicos). Quanto à Compreensão Verbal foi possível observar diferença estatisticamente significante entre os grupos ZIKV e Comparativo (tabela 4). A pontuação das crianças do Grupo ZIKV foi inferior a obtida pelas crianças do grupo Comparativo. Dentre os níveis de complexidade de resposta à linguagem previsto no PROC (sete níveis), verificou-se que no grupo Comparativo as crianças pontuaram para os dois últimos níveis mais complexos (ordens com 3 ou mais ações, solicitações e comentários no contexto imediato e não imediato, penúltimo e último nível respectivamente). As crianças do grupo ZIKV de 2 anos pontuaram para o penúltimo nível (4 de 7 crianças), mas também para nível intermediário (3 de 7 crianças - ordens com até duas ações), e as crianças de 4 anos a maioria para o nível mais complexo (8 de 12), mas também pontuaram para os níveis inferiores. Tabela 4 – Comparação do nível de compreensão verbal das crianças do grupo ZIKV e Comparativo. Legenda: M=Média; DP=Desvio Padrão; Md=Mediana; Mín.=Mínimo; Máx.=Máximo 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 ZIKV Comparativo Transição sensório motor e representativo Representativo p M Md DP M Md 42,1 50 10,8 54,7 60 0,001** 40-60 Teste de Mann Whitney p<0,05* p<0,01** Compreensão Verbal ZIKV Comparativo Min.-Max. DP Min.-Max. 30-60 9,1 42 Na classificação descritiva das características gerais da compreensão da linguagem oral do Protocolo de Observação Comportamental (PROC), verificou-se que nenhuma crianças de ambos os grupos, ZIKV e Comparativo não demostrou compreensão de ordens. Foi possível verificar que das 19 crianças do grupo ZIKV, 3 crianças (15,8%) foram capazes de compreender ordens com uma ação ligada ao contexto imediato, sendo este nível mais baixo não observado no grupo Comparativo. As crianças do grupo ZIKV que apresentaram este nível de compreensão eram da faixa etária de 2 anos. Também, 5 das 19 crianças (26,3%) do grupo ZIKV foram classificadas no nível de compreensão de duas ações ligadas ao contexto imediato, sendo que quatro crianças tinham 2 anos e uma 4 anos. No grupo Comparativo todas as 5 crianças deste nível de compreensão eram da idade de 2 anos. A compreensão de três ou mais ações ligadas ao contexto imediato foi observado apenas para o grupo ZIKV em 3 das 19 crianças (15,8%), sendo elas da idade de 4 anos. Por sua vez, todas as crianças do grupo Comparativo com idade de 4 anos apresentaram o nível descritivo mais complexo, com compreensão para 3 ou mais ações ligadas ao contexto não imediato. Este nível foi apresentado por 8 das 19 crianças do grupo ZIKV (42,%1), também com 4 anos de idade (Figura 5). Figura 5 – Distribuição dos participantes nos descritores qualitativos das características gerais da compreensão da verbal, quanto ao contexto (imediato e não imediato) em que ocorrem as ações ou comentários. 0 2 4 6 8 10 12 14 16 ZIKV Comparativo 1 ação (imediato) 2 ações (imediato) 3 ou mais ações (imadiato) 3 ou mais ações (não imediato) 43 5.2. Vocabulário expressivo As pontuações totais obtidas no questionário de desenvolvimento de linguagem para idade de 18 a 35 meses (LDS) das crianças do grupo ZIKV e Comparativo foram comparadas utilizando- se o teste de Mann Whitney. Na tabela 9 é possível observar diferença estatisticamente significante entre as medianas dos grupos, com valor inferior no número de palavras identificadas pelas mães das crianças do grupo ZIKV em relação ao número de palavras pertencentes ao vocabulário expressivo das crianças do grupo Comparativo. Tabela 5 – Comparação número de palavras no inventário de vocabulário expressivo (LDS) realizado com as mães dos grupos ZIKV e Comparativo M (DP) Md Mín.–Máx. P Palavras ZIKV 277,0 (36,7) 290,0 171 – 308 0,000** Comparativo 303,9 (5,64) 305,0 290 – 310 Teste de Mann Whitney p<0,05* p<0,01** Legenda: M=Média; DP=Desvio Padrão; Md=Mediana; Mín.=Mínimo; Máx.=Máximo Na Tabela 6 estão os valores descritivos do escores bruto e padrão do grupo ZIKV e do grupo Comparativo no Teste de Nomeação Infantil (TIN). Foi possível verificar que na comparação entre o grupo por meio do teste estatístico de Mann Whitney foi encontrada diferença estatisticamente significante, tanto entre os escores bruto quanto escores padrão, com escores inferiores para o grupo ZIKV. Tabela 6 – Escores bruto e padrão no Teste Infantil de Nomeação (TIN) do grupo ZIKV e Comparativo. Escores M (DP) Md Mín.–Máx. P Bruto ZIKV 17,6 (4,3) 5,5 8 – 26 0,047* Comparativo 17,7 (4,4) 13,5 6 – 20 Padrão ZIKV 105,0 (11,7) 105,0 84 – 122 0,008** Comparativo 118,6 (11,7) 122,0 98 – 138 Teste de Mann Whitney p<0,05* p<0,01** Legenda: M=Média; DP=Desvio Padrão; Md=Mediana; Mín.=Mínimo; Máx.=Máximo 44 Quanto a classificação de desempenho dos participantes dos grupos ZIKV e Comparativo no Teste de Nomeação Infantil (TIN), verificou-se que a maioria dos sujeitos do grupo ZIKV recebeu classificação média, enquanto que os sujeitos do grupo Comparativo receberam classificação alta. Não houve no grupo ZIKV classificação muito alta, assim como não houve no grupo Comparativo classificação baixa (Figura 4). Figura 6 – Número de sujeitos por classificação de desempenho no Teste de Nomeação Infantil dos grupos ZIKV e Comparativo 5.2.2. Problemas comportamentais Foi calculada a frequência de problemas comportamentais relatados pelos pais das crianças do grupo ZIKV e Comparativo para cada escala comportamental do CBCL-1.5-5 (Tabelas 2 e 3). Dentre os problemas comportamentais mais frequentemente percebidos pelas mães das crianças do grupo ZIKV estão os problemas relacionados que se agrupam nas escalas de agressividade (M=14,3; DP=7,1), seguido pelos problemas comportamentais de atenção (M=4,1; DP=1,8). Nas escalas orientadas pelo DSM-5, os problemas relacionados com TDAH (M=7,0; DP=2,5) e TOD (M=4,7; DP=2,6) foram os mais frequentes (Tabela 7). Também houve uma maior ocorrência de problemas externalizantes (M=18,5; DP=8,1). 45 Tabela 7 – Frequência de problemas comportamentais agrupados por escala no CBCL 1.5-5 do grupo ZIKV. Escalas individuais M (DP) Md Mín.–Máx. Reatividade Emocional 3,5 (2,3) 3,0 0 – 9 Ansiedade / Depressão 3,3 (2,2) 3,0 3 – 8 Queixas Somáticas 1,5 (2,0) 1,0 0 – 8 Retraimento 1,9 (1,2) 2,0 0 – 4 Problemas com o Sono 2,8 (2,6) 2,0 0 – 9 Problemas de Atenção 4,1 (1,8) 4,0 1 – 8 Problemas com Agressividade 14,3 (7,1) 12,0 4 – 34 Escalas Totais Internalizante 10,3 (5,5) 9,0 3 – 24 Externalizante 18,5 (8,1) 17,0 5 – 41 Total de Problemas 43,0 (19,0) 43,0 13 – 94 Escalas orientadas pelo DSM-5 Problemas de Estresse 3,6 (1,8) 3,0 1 – 8 Problemas de Depressão 2,8 (1,5) 3,0 1 – 6 Problemas de Ansiedade 3,6 (2,4) 4,0 0 – 8 Problemas de TEA 2,7 (2,1) 2,0 0 – 7 Problemas de TDAH 7,0 (2,5) 7,0 3 – 12 Problemas de TOD 4,7 (2,6) 4,0 1 – 11 Legenda: M=Média; DP=Desvio Padrão; Md=Mediana; Mín.=Mínimo; Máx.=Máximo; TEA=Transtorno do Espectro do Autismo; TDAH=Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade; TOD=Transtorno Opositivo Desafiador Assim como no grupo ZIKV no grupo Comparativo observou-se que os problemas comportamentais mais frequentemente percebidos pelas mães foram os problemas que se agrupam nas escalas de agressividade (M=3,5; DP=4,2), seguido pelos problemas de atenção (M=1,0; DP=1,6). Nas escalas orientadas pelo DSM-5, os problemas relacionados com TDAH (M=1,8; DP=2,6) e TOD (M=1,5; DP=1,8) também foram os mais frequentes (Tabela 8). Também houve uma maior ocorrência de problemas externalizantes (M=18,5; DP=8,1). 46 Tabela 8 – Frequência de problemas comportamentais agrupados por escala no CBCL 1.5-5 do grupo Comparativo. Escalas individuais M (DP) Md Mín.–Máx. Reatividade Emocional 0,4 (0,7) 0,0 0 – 2 Ansiedade / Depressão 0,6 (1,0) 0,0 0 – 3 Queixas Somáticas 1,1 (2,1) 0,0 0 – 9 Retraimento 0,1 (0,3) 0,0 0 – 1 Problemas com o Sono 0,8 (1,1) 0,0 0 – 4 Problemas de Atenção 1,0 (1,6) 0,0 0 – 6 Problemas com Agressividade 3,5 (4,2) 2,0 0 – 16 Escalas Totais Internalizante 2,3 (2,7) 1,0 0 – 9 Externalizante 4,5 (5,2) 2,0 0 – 19 Total de Problemas 10,0 (9,0) 6,0 1 – 28 Escalas orientadas pelo DSM-5 Problemas de Estresse 1,1 (1,5) 1,0 0 – 5 Problemas de Depressão 0,5 (0,9) 0,0 0 – 3 Problemas de Ansiedade 0,9 (1,2) 0,0 0 – 4 Problemas de TEA 0,1 (0,3) 0,0 0 – 1 Problemas de TDAH 1,8 (2,6) 1,0 0 – 9 Problemas de TOD 1,5 (1,8) 1,0 0 – 7 Legenda: M=Média; DP=Desvio Padrão; Md=Mediana; Mín.=Mínimo; Máx.=Máximo; TEA=Transtorno do Espectro do Autismo; TDAH=Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade; TOD=Transtorno Opositivo Desafiador. Foi realizada a comparação entre os grupos ZIKV e Comparativo quanto a frequência de problemas comportamentais nas escalas do CBCL 1.5-5. Para isso foi utilizado o teste estatístico t de Student. O resultado desta análise indicou diferenças estatisticamente significantes entre os grupos ZIKV e Comparativo, com médias superiores para o grupo ZIKV em todas as escalas comportamentais, exceto de queixas somáticas (Tabela 9). 47 Tabela 9 – Comparação entre a frequência de problemas comportamentais agrupados por escala no CBCL 1.5-5 do grupo ZIKV e grupo Comparativo. Escalas individuais ZIKV Comparativo t P M (DP) M (DP) Reatividade Emocional 3,5 (2,3) 0,4 (0,7) 5,64 0,000* Ansiedade / Depressão 3,3 (2,2) 0,6 (1,0) 4,72 0,000* Queixas Somáticas 1,5 (2,0) 1,1 (2,1) 0,54 0,595 Retraimento 1,9 (1,2) 0,1 (0,3) 6,35 0,000* Problemas com o Sono 2,8 (2,6) 0,8 (1,1) 3,01 0,006* Problemas de Atenção 4,1 (1,8) 1,0 (1,6) 5,51 0,000* Problemas com Agressividade 14,3 (7,1) 3,5 (4,2) 5,68 0,000* Escalas Totais Internalizante 10,3 (5,5) 2,3 (2,7) 5,66 0,000* Externalizante 18,5 (8,1) 4,5 (5,2) 6,28 0,000* Total de Problemas 43,0 (19,0) 10,0 (9,0) 6,82 0,000* Escalas orientadas pelo DSM-5 Problemas de Estresse 3,6 (1,8) 1,1 (1,5) 4,42 0,000* Problemas de Depressão 2,8 (1,5) 0,5 (0,9) 5,54 0,000* Problemas de Ansiedade 3,6 (2,4) 0,9 (1,2) 4,36 0,000* Problemas de TEA 2,7 (2,1) 0,1 (0,3) 5,20 0,000* Problemas de TDAH 7,0 (2,5) 1,8 (2,6) 6,07 0,000* Problemas de TOD 4,7 (2,6) 1,5 (1,8) 4,33 0,000* Teste t de Student; *p<0,05 **p<0,01 Legenda: M=Média; DP=Desvio Padrão; TEA=Transtorno do Espectro do Autismo; TDAH=Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade; TOD=Transtorno Opositivo Desafiador A estatística descritiva referente aos escores T obtidos nas escalas comportamentais do Child Behavior Checklist (CBCL-1.5-5) do grupo ZIKV e Comparativo está apresentada nas Tabelas 10 e 11, respectivamente. 48 Tabela 10 – Escores T das crianças do grupo ZIKV nas escalas comportamentais do CBCL 1.5-5 Escalas individuais M (DP) Md Mín.–Máx. Reatividade Emocional1 57,0 (6,4) 52,0 29 – 70 Ansiedade / Depressão1 55,0 (6,0) 55,0 50 – 69 Queixas Somáticas1 53,3 (6,0) 52,0 50 – 72 Retraimento1 55,8 (4,3) 50,0 50 – 63 Problemas com o Sono1 54,3 (6,0) 56,0 50 – 70 Problemas de Atenção1 58,8 (6,7) 51,0 50 – 73 Problemas com Agressividade1 57,8 (10,0) 57,0 50 – 91 Escalas Totais Internalizante2 53,7 (7,7) 53,0 41 – 69 Externalizante2 57,2 (9,6) 56,0 40 – 85 Total de Problemas2 55,3 (8,6) 57,0 39 – 75 Escalas orientadas pelo DSM-5 Problemas de Estresse1 60,7 (7,8) 58,0 51 – 78 Problemas de Depressão1 55,8 (4,9) 56,0 51 – 67 Problemas de Ansiedade1 54,9 (5,2) 54,0 50 – 67 Problemas de TEA1 54,6 (5,7) 51,0 50 – 68 Problemas de TDAH1 58,3 (7,4) 57,0 50 – 76 Problemas de TOD1 56,3 (7,8) 52,0 50 – 77 Legenda: M=Média; DP=Desvio Padrão; Md=Mediana; Mín.=Mínimo; Máx.=Máximo; TEA=Transtorno do Espectro do Autismo; TDAH=Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade; TOD=Transtorno Opositivo Desafiador 1Escalas individuais sindrômicas e orientadas pelo DSM-5: <65=normal, entre 65 e 70=limítrofe e >70=clínico. 2Escala internalizante, externalizante e total de problemas comportamentais: <60=normal, entre 60 e 64=limítrofe e >64=clínico. 49 Tabela 11 – Escores T das crianças do grupo Comparativo nas escalas comportamentais do CBCL 1.5-5 Escalas individuais M (DP) Md Mín.–Máx. Reatividade Emocional1 50,1 (8,9) 50,0 30 – 51 Ansiedade / Depressão1 50,3 (0,5) 50,0 50 – 52 Queixas Somáticas1 52,2 (5,9) 50,0 50 – 74 Retraimento1 50,1 (0,3) 50,0 50 – 51 Problemas com o Sono1 50,6 (1,4) 50,0 50 – 56 Problemas de Atenção1 51,4 (4,1) 50,0 50 – 67 Problemas com Agressividade1 50,5 (2,0) 50,0 50 – 59 Escalas Totais Internalizante2 36,5 (7,7) 33,0 29 – 53 Externalizante2 37,9 (8,2) 35,0 28 – 58 Total de Problemas2 35,6 (6,8) 33,0 28 – 48 Escalas orientadas pelo DSM-5 Problemas de Estresse1 52,6 (5,3) 51,0 50 – 67 Problemas de Depressão1 50,8 (1,8) 50,0 50 – 56 Problemas de Ansiedade1 50,2 (0,9) 50,0 50 – 54 Problemas de TEA1 50,0 (0,2) 50,0 50 – 51 Problemas de TDAH1 51,2 (3,4) 50,0 50 – 64 Problemas de TOD1 51,0 (3,2) 50,0 50 – 64 Legenda: M=Média; DP=Desvio Padrão; Md=Mediana; Mín.=Mínimo; Máx.=Máximo; TEA=Transtorno do Espectro do Autismo; TDAH=Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade; TOD=Transtorno Opositivo Desafiador 1Escalas individuais sindrômicas e orientadas pelo DSM-5: <65=normal, entre 65 e 70=limítrofe e >70=clínico. 2Escala internalizante, externalizante e total de problemas comportamentais: <60=normal, entre 60 e 64=limítrofe e >64=clínico. A partir dos escores T nas escalas comportamentais foi calculada a porcentagem de crianças que apresentaram escores com classificação na faixa normal, clínica e limítrofe para ambos os grupos, ZIKV e Comparativo (Tabelas 12 e 13). 50 Nota-se pela distribuição de sujeitos que há mais crianças do grupo ZIKV nas faixas “limítrofe” e “clínica” quando comparado às crianças do grupo Comparativo. No grupo ZIKV, todas as escalas apresentaram crianças com classificação limítrofe ou clínica, exceto as escalas “Retraimento” e “Problemas de TEA”. Tabela 12 – Frequência e porcentagem de crianças do grupo ZIKV com escores nas faixas: normal, limítrofe e clínica no CBCL 1.5-5 por escala comportamental. Escalas individuais Normal N (%) Limítrofe N (%) Clínica N (%) Reatividade Emocional 16 (84,2) 3 (15,7) 0 (0) Ansiedade / Depressão 17 (89,4) 2 (10,5) 0 (0) Queixas Somáticas 18 (94,7) 1 (5,2) 0 (0) Retraimento 19 (100) 0 (0) 0 (0) Problemas com o Sono 17 (89,4) 2 (10,5) 0 (0) Problemas de Atenção 16 (84,2) 2 (10,5) 1 (5,2) Problemas com Agressividade 16 (84,2) 2 (10,5) 1 (5,2) Escalas Totais Internalizante 15 (78,9) 2 (10,5) 2 (10,5) Externalizante 14 (73,6) 2 (10,5) 3 (15,7) Total de Problemas 16 (84,2) 1 (5,2) 2 (10,5) Escalas orientadas pelo DSM-5 Problemas de Estresse 13 (68,4) 4 (21,0) 2 (10,5) Problemas de Depressão 18 (94,7) 1 (5,2) 0 (0) Problemas de Ansiedade 18 (94,7) 1 (5,2) 0 (0) Problemas de TEA 19 (100) 0 (0) 0 (0) Problemas de TDAH 16 (84,1) 1 (5,2) 2 (10,5) Problemas de TOD 16 (84,2) 1 (5,2) 2 (10,5) 51 No grupo Comparativo, não houveram crianças com classificação clínica. Uma criança recebeu classificação limítrofe na escala “Problemas de Atenção” e duas na escala orientada pelo DSM-5 “Problemas de Estresse” (Tabela 13). Tabela 13 – Frequência e porcentagem de crianças do grupo Comparativo com escores nas faixas: normal, limítrofe e clínica no CBCL 1.5-5 por escala comportamental. Escalas individuais Normal N (%) Limítrofe N (%) Clínica N (%) Reatividade Emocional 19 (100) 0 (0) 0 (0) Ansiedade / Depressão 19 (100) 0 (0) 0 (0) Queixas Somáticas 19 (100) 0 (0) 0 (0) Retraimento 19 (100) 0 (0) 0 (0) Problemas com o Sono 19 (100) 0 (0) 0 (0) Problemas de Atenção 18 (94,7) 1 (5,2) 0 (0) Problemas com Agressividade 19 (100) 0 (0) 0 (0) Escalas Totais Internalizante 19 (100) 0 (0) 0 (0) Externalizante 19 (100) 0 (0) 0 (0) Total de Problemas 19 (100) 0 (0) 0 (0) Escalas orientadas pelo DSM-5 Problemas de Estresse 17 (89,4) 2 (10,5) 0 (0) Problemas de Depressão 19 (100) 0 (0) 0 (0) Problemas de Ansiedade 19 (100) 0 (0) 0 (0) Problemas de TEA 19 (100) 0 (0) 0 (0) Problemas de TDAH 19 (100) 0 (0) 0 (0) Problemas de TOD 19 (100) 0 (0) 0 (0) 52 5.3. Correlação entre aspectos da linguagem, do comportamento e trimestre da infeção pelo vírus Zika na gestação Para explorar possíveis associações entre as variáveis da linguagem (aspectos pragmáticos e vocabulário expressivo), do comportamento do brincar com os problemas de comportamentais foi realizada análise de correlação por meio do teste de Pearson. A força da relação encontrada para as análises realizadas com o grupo ZIKV foi negativa, indicando direção oposta entre as variáveis testadas. Os resultados indicaram correlação estatisticamente significante entre variáveis que compreendem parte das habilidades pragmáticas e do comportamento do brincar (ações e jogos simbólicos). Não foram encontradas correlações estatisticamente significantes entre as medidas de vocabulário expressivo (inventário e nomeação) e problemas comportamentais (Tabela 14). Na análise dos dados do grupo Comparativo a força da relação foi positiva, mas sem correlação estatisticamente significante entre as variáveis da linguagem (aspectos pragmáticos e vocabulário expressivo), do comportamento do brincar com os problemas de comportamentais. 53 Tabela 14 – Correlação entre as variáveis da linguagem (aspectos pragmáticos e vocabulário expressivo), do comportamento do brincar com os problemas de comportamentais. Problemas Comportamentais Escalas Totais Habilidades Pragmáticas Desenvolvimento Cognitivo (Brincar) Vocabulário Expressivo Habilidade Comunicativa Compreensão Verbal Inventário Nomeação Internalizante -0,458 -0,532 -0,444 -0,208 -0,144 0,049* 0,019* 0,059 0,393 0,656 Externalizante -0,47 -0,426 -0,413 -0,319 -0,361 0,042* 0,069 0,079 0,182 0,249 Total de Problemas -0,486 -0,475 -0,483 -0,361 -0,313 0,035* 0,041* 0,036* 0,129 0,321 Escalas Orientadas pelo DSM-5 Problemas de Estresse -0,222 -0,112 0,071 -0,072 -0,089 0,362 0,647 0,772 0,771 0,784 Problemas de Depressão -0,173 -0,202 0,108 -0,212 -0,192 0,48 0,407 0,661 0,383 0,549 Problemas de Ansiedade -0,252 -0,283 -0,207 -0,139 0,005 0,299 0,24 0,397 0,571 0,989 Problemas de TEA -0,318 -0,619 -0,583 -0,397 0,144 0,185 0,005** 0,009** 0,093 0,656 Problemas de TDAH -0,463 -0,289 -0,216 -0,256 -0,055 0,046* 0,23 0,374 0,290 0,864 Problemas de TOD -0,305 -0,323 -0,341 -0,351 -0101 0,205 0,177 0,153 0,140 0,756 Foi realizada análise de correlação por meio do teste de Spearman entre as variáveis da linguagem (aspectos pragmáticos e vocabulário expressivo), comportamentais (brincar e problemas de comportamento) e o trimestre gestacional em que ocorreu a exposição da criança ao vírus Zika. Não foi encontrada correlação estatisticamente significante. Na análise exploratória dos dados apresentados nas Figuras 7 a 9, levando em consideração a idade cronológica da criança, o trimestre gestacional da infeção e as variáveis da linguagem e comportamento nota-se que as crianças que tiveram infeção no segundo, mas principalmente no terceiro trimestre gestacional tendem a apresentar melhores pontuações nas habilidades comunicativas (Figura 7), de compreensão verbal (Figura 8), no nível de desenvolvimento cognitivo - comportamento do brincar (Figura 9) e no vocabulário expressivo, inventário parental 54 (Figura 10) e nomeação (Figura 11). Figura 7 – Pontuação nas habilidades comunicativas em relação à idade da criança e o trimestre gestacional que ocorreu a infeção materna pelo vírus Zika Grupo Etário trimestre infecção 42 321321 60 50 40 30 20 10 0 H a b il id a d e s C o m u n ic a ti va s 1 2 3 infecção trimestre 55 Figura 8. Pontuação do Nível de Compreensão Verbal em relação à idade da criança e o trimestre gestacional que ocorreu a infeção materna pelo vírus Zika Figura 9. Pontuação do Nível de Desenvolvimento Cognitivo em relação à idade da criança e o trimestre gestacional que ocorreu a infeção materna pelo vírus Zika Grupo Etário trimestre infecção 42 321321 60 50 40 30 20 10 0 N ív e l d e C o m p r e e n s ã o V e r b a l 1 2 3 infecção trimestre Grupo Etário trimestre infecção 42 321321 60 50 40 30 20 10 0 N ív e l d e D e s e n vo lv im e n to C o g n it iv o ( C o m p o r ta m e n to d o B r in c a r ) 1 2 3 infecção trimestre 56 Figura 10 - Pontuação do Vocabulário Expressivo (Inventário LDS) em relação à idade da criança e o trimestre gestacional que ocorreu a infeção materna pelo vírus Zika. Figura 11- Pontuação do Vocabulário Expressivo (Nomeação) em relação à idade da criança e o trimestre gestacional que ocorreu a infeção materna pelo vírus Zika. Grupo Etário trimestre infecção 42 321321 300 250 200 150 100 50 0 V o c a b u lá r io e x p r e s s iv o ( in ve n tá r io L D S ) 1 2 3 infecção trimestre Grupo Etário Trimestre Infecção 4 321 16 14 12 10 8 6 4 2 0 V o c a b u lá r io E x p r e s s iv o ( n o m e a ç ã o ) 1 2 3 Infecção Trimestre 57 Quanto aos problemas comportamentais, pela distribuição dos dados em função da idade cronológica e trimestre da infeção materna pelo vírus Zika nota-se que em relação aos problemas Internalizantes, as mães das crianças de 2 anos apresentaram mais relatos de problemas as que foram expostas no segundo trimestre, em seguida as que foram expostas no primeiro trimestre e por fim as que foram expostas no último trimestre. Já as o grupo de crianças de 4 anos, verifica-se que o grupo que apresenta relato de maiores problemas são as crianças expostas no segundo semestre, posteriormente as expostas no último semestre e as que apresentaram menor número de problemas Internalizantes foram as expostas no primeiro semestre. Em relação aos Problemas Externalizantes, verificou-se que as crianças de 2 anos, expostas no segundo semestre obtiveram maior número de problemas, seguindo das expostas no primeiro semestre e por fim as expostas no terceiro trimestre. No grupo de crianças de 4 anos, verificou-se que as crianças expostas no primeiro semestre tiveram maiores problemas externalizantes, em seguida as exposta no segundo trimestre e por fim as expostas no terceiro trimestre. Na figura 12 de modo geral, observamos que as crianças do grupo de 2 anos tiveram um Escore-T no CBCL aumentado tanto para os problemas internalizantes para o externalizante e para o total de problemas. Em relação ao trimestre da infecção, observa-se um discreto rebaixamento do escore em relação ao primeiro e ao segundo trimestre nas três escalas individuais (Internalizante, Externalizante e Total de Problemas). Nota-se que as crianças expostas no segundo trimestre tiveram escore superior nas três escalas individuais em ambas as faixas etárias (2 e 4 anos), exceto na escala Externalizante para o grupo de 4 anos, onde o escore foi semelhante ao das crianças expostas no terceiro trimestre. 58 Figura 12. Escore-T nas escalas individuais do CBCL em função da idade cronológica e do trimestre gestacional em que ocorreu a infeção materna pelo vírus Zika A figura 13 mostra a distribuição dos Ecores-T do CBCL nas escalas orientadas pelo DSM-5 em relação à idade cronológica das crianças e trimestre gestacional de exposição ao vírus Zika. Nesta figura foi possível observar que das 6 escalas orientadas pelo DSM-5 (estresse, depressão, ansiedade, TEA, TDAH e TOD) na escala de problemas de TEA as crianças de 4 anos expostas no terceiro trimestre de gestação apresentaram escore semelhante ao crianças expostas no primeiro e segundo trimestre. Nas demais escalas, as crianças expostas no terceiro trimestre tendem a ter um rebaixamento no escore-t em relação aos dois primeiros trimestres gestacionais. Nota-se também que as crianças da faixa etária de 2 anos, principalmente expostas no primeiro e segundo trimestre de gestação apresentaram score superiores as crianças da faixa etária de 4 anos, exceto na escala de depressão 42 321321 80 60 40 20 0 Grupo Etário trimestre infecção 42 321321 80 60 40 20 0 Internalizante Externalizante Total de Probkemas 1 2 3 infecção trimestre 59 Figura 13 – Escore-T nas escalas orientadas pelo DSM-5 em função da idade cronológica e do trimestre gestacional em que ocorreu a infeção materna pelo vírus Zika. 42 321321 80 60 40 20 0 Grupo Etário trimestre infecção 42 321321 80 60 40 20 0 42 321321 Estresse Depressão A nsiedade TEA TDA H TO D 1 2 3 infecção trimestre 60 6. DISCUSSÃO O presente estudo investigou aspectos da linguagem e do comportamento numa coorte de crianças sem microcefalia, cujas mães foram infectadas pelo vírus Zika (ZIKV) no período gestacional. Essas crianças são provenientes de uma região do interior de São Paulo, Ribeirão Preto, que foi uma das cidades com maior número de grávidas com infecção confirmada pelo vírus ZIKA, conforme mostrou o estudo epidemiológico realizado por Martins et al. (2019). Conforme apresentado, neste estudo assumiu-se que a exposição intraútero à infeção pelo vírus Zika seria um fator de risco para o desenvolvimento da criança. As diferenças observadas nas habilidades pragmáticas, mais especificamente nas funções comunicativas (informativa e narrativa), no meio de comunicação verbal, no nível de contextualização da linguagem, bem como na compreensão verbal e nas habilidades semânticas investigadas pelo vocabulário expressivo sugerem que um dos efeitos da exposição à infeção pelo vírus Zika pode ser a capacidade da criança desenvolver algumas habilidades da linguagem, confirmando a hipótese deste estudo. Especificamente sobre o aspecto da linguagem não temos como realizar uma comparação mais direta com dados da literatura, uma vez que estudos nesta direção ainda não foram realizados com crianças não microcefálicas e expostas à infecção materna pelo vírus Zika. No entanto, nossos dados corroboram a presença de diferenças no desenvolvimento da linguagem, conforme apontado em estudos realizados com a Escala Bayley (FAIÇAL et al., 2019; PEÇANHA et al., 2020; CRANSTON et al., 2020; ABTIBOL-BERNARDINO et al., 2020 e MARBÁN-CASTRO, 2021; KEY et al., 2021). As habilidades pragmáticas estão na dimensão da linguagem oral que se refere ao uso intencional da linguagem em contextos de comunicação (ACOSTA et al., 2003). Para registro e sistematização das observações a partir da interação lúdica e dialógica foi utilizado neste estudo o Protocolo de Observação Comportamental (PROC). Segundo Hage, Pereira e Zorzi (2012) o PROC permite verificar dentre os aspectos do desenvolvimento comunicativo da criança, as habilidades mais especificamente relacionadas com os aspectos da pragmática da linguagem e da compreensão verbal em contexto discursivo e aspectos da ação simbólica da criança. Conforme apresentado nos resultados deste estudo não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes nas habilidades dialógicas ou conversacionais, o que indica que as crianças do grupo ZIKV apresentaram desempenho semelhante aos seus pares quanto à intenção comunicativa, iniciação da conversa/interação, resposta ao interlocutor e participação da atividade 61 dialógica. No entanto, as crianças expostas à infeção pelo vírus Zika na gestação apresentaram menor pontuação nos itens de habilidades comunicativas total do PROC, sendo tal desempenho justificado pelo uso pouco frequente das funções comunicativas informativa e narrativa, que seriam esperadas principalmente para as crianças da faixa etária de 4 anos. Para essas duas funções comunicativas, informativa e narrativa, há a necessidade do uso da linguagem por meio de frases de modo que o uso da palavra de forma isolada não é capaz de sustentar interações comunicativas mais complexas, havendo a necessidade da criança tanto dominar os aspectos estruturais da linguagem (sintaxe e fonologia), quanto de conteúdo (semântica) e uso (pragmática). E a partir dos 2-3 anos de idade a conversação assume o principal meio de intercâmbio comunicativo, requerendo o domínio de certas regras específicas como a organização formal dos turnos, a capacidade para manter o