UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS ANA LAURA ALBANO CONTRATOS E ASSINATURAS DIGITAIS NAS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS Uma análise da validade jurídica na era digital FRANCA 2023 Ana Laura Albano Contratos e assinaturas digitais nas transações imobiliárias Uma análise da validade jurídica na era digital Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estadual Paulista (UNESP Câmpus Franca) sob orientação do Prof. Dra. Luciana Lopes Canavez FRANCA 2023 A326c ALBANO, ANA LAURA CONTRATOS E ASSINATURAS DIGITAIS NAS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS : Uma análise da validade jurídica na era digital / ANA LAURA ALBANO. -- Franca, 2023 65 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Direito) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca Orientadora: Luciana Lopes Canavez 1. Contratos eletrônicos. 2. Assinaturas eletrônicas.. 3. Transações imobiliárias. 4. Registros eletrônicos. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. ANA LAURA ALBANO CONTRATOS E ASSINATURAS DIGITAIS NAS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS UMA ANÁLISE DA VALIDADE JURÍDICA NA ERA DIGITAL Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como parte das exigências para a obtenção de Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Civil. BANCA EXAMINADORA Presidente: _________________________________________________________________ Prof. Dra. Luciana Lopes Canavez 1ª Examinadora: _____________________________________________________________ Prof. Douglas Marques 2ª Examinadora: _____________________________________________________________ Prof. Paula Baraldi Artoni Franca, 30 de novembro de 2023. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos aos meus pais, Rosângela e Paulo, que estiveram ao meu lado durante toda essa jornada e tornaram possível a realização desse sonho. Eles se esforçaram ao máximo para que eu pudesse me dedicar aos estudos, mesmo diante das dificuldades, e para que eu continuasse na graduação. Sem o apoio deles, nada disso seria possível. Quero estender meus agradecimentos aos meus irmãos, Paula, Gabriela e André, que estiveram presentes desde os tempos de vestibular, oferecendo seu apoio. Minhas irmãs mais velhas, em particular, sempre foram uma fonte de inspiração para mim e continuam a ser modelos a seguir. Ao meu sobrinho João, que nasceu após o início da minha graduação, agradeço por ser minha motivação para me tornar uma pessoa melhor a cada dia. Não posso deixar de expressar minha gratidão à minha querida amiga, Júlia Veríssimo Barbosa, que esteve ao meu lado ao longo de toda a graduação, auxiliando-me em diversas tarefas, especialmente devido ao meu trabalho de tempo integral. Sua amizade é de imensa importância para mim, e espero tê-la sempre ao meu lado em todos os momentos da vida. Juntas, tenho certeza de que alcançaremos muitas vitórias. Agradeço também ao meu amigo Jonathan Maciel, que introduziu um novo horizonte no campo do direito e esteve ao meu lado no final da graduação. A ele, sou eternamente grata pelas portas e oportunidades que estamos abrindo juntos. A todos os meus amigos que sempre me apoiaram e acompanharam todo o processo, desde os tempos de escola até a conclusão deste trabalho. Minha sincera gratidão à minha orientadora, Dra. Luciana Lopes Canavez, que desempenhou um papel fundamental neste trabalho, assim como a coorientadora Paula Baraldi Artoni. Por fim, gostaria de agradecer a todos que fizeram parte deste processo. Sou eternamente grata a todos que contribuíram para que esta etapa fosse concluída com sucesso. "Para ter um negócio de sucesso, alguém, algum dia, teve que tomar uma atitude de coragem". Peter Ducker RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar a validade jurídica de contratos e assinaturas digitais, com ênfase nas transações imobiliárias de compra, venda e locação de imóveis. Inicialmente, realizou-se uma breve análise histórica da evolução dos contratos, levando em consideração os contextos sociais e econômicos de diferentes épocas, incluindo o setor imobiliário. Em seguida, abordou-se os requisitos de validade dos contratos à luz da doutrina brasileira, bem como a validade jurídica de contratos e assinaturas eletrônicas. Também foi examinada a evolução dos Cartórios de Registro e Notas em resposta às transformações tecnológicas, incluindo seu impacto durante a Pandemia da Covid-19, especialmente no que diz respeito ao registro de escrituras públicas em contratos com valores superiores a trinta salários mínimos. Por fim, foram analisados casos judiciais concretos que evidenciam e reconhecem a validade jurídica das assinaturas eletrônicas e dos certificados utilizados nos contratos de compra, venda e locação de imóveis. Palavras-chave: contratos eletrônicos; assinaturas eletrônicas; transações imobiliárias; Registros eletrônicos. ABSTRACT The present monograph aims to analyze the legal validity of contracts and digital signatures, with an emphasis on real estate transactions involving the purchase, sale and rental of properties. Initially, a brief historical analysis of the evolution of contracts was carried out, taking into account the social and economic contexts of different eras, including the real estate sector. Next, the validity requirements of contracts were addressed in light of Brazilian doctrine, as well as the legal validity of contracts and electronic signatures. The evolution of Registration and Notary Offices in response to technological transformations was also examined, including their impact during the Covid-19 Pandemic, especially with regard to the registration of public deeds in contracts with values exceeding thirty minimum wages. Finally, specific legal cases were analyzed that demonstrate and recognize the legal validity of electronic signatures and certificates used in property purchase, sale and rental contracts. Keywords: electronic contracts; electronic signatures; real estate transactions; electronic records. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 CAPÍTULO 1 - EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS E ASSINATURAS DIGITAIS NAS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS ............................................................................... .........11 1.1. Panorama histórico geral do uso de contratos tradicionais................................. 11 1.2. A modernização das transações imobiliárias ........................................................ 17 1.3. Os impactos da implementação das transações imobiliárias em formato digital ........................................................................................................................................... 19 1.3.1. O impacto da era digital nas atividades dos registros públicos. .................... 21 CAPÍTULO 2: VALIDADE JURÍDICA DE CONTRATOS E ASSINATURAS DIGITAIS NAS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS ............................................................ 28 2.1. A validade jurídica dos contratos digitais .............................................................. 32 2.2. Reconhecimento legal de assinaturas digitais no país ........................................... 37 2.2.1. Assinatura eletrônica simples e avançada......................................................... 42 2.2.2. Assinatura eletrônica qualificada: o uso do certificado digital ...................... 43 CAPÍTULO 3: PARTICULARIDADES E ESTUDOS JURISPRUDENCIAIS SOBRE A DIGITALIZAÇÃO DAS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS .................................... .........48 3.1. A exigência de escritura pública para constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo e o cenário pandêmico. ......................................................................... 48 3.2. Análise de precedentes judiciais envolvendo o uso de contratos e assinaturas digitais no âmbito imobiliário......................................................................................... 55 CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 61 REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 63 8 INTRODUÇÃO Nas palavras do professor Flávio Tartuce, não se pode negar que tão antigo como o ser humano é o conceito de contrato, que teve sua origem no momento em que os indivíduos começaram a se relacionar e conviver socialmente (TARTUCE, 2019, p.519). Dessa forma, a própria estrutura social decorre da ideologia de um contrato social de forma que as partes se unem com um fim em comum, renunciando a valores como a liberdade para que uma finalidade seja atingida: a vida em sociedade. Nesta perspectiva, o desenvolvimento da humanidade possibilitou o nascimento de teorias sobre o surgimento e a necessidade da existência de um contrato social entre os indivíduos que convivem em sociedade. À vista disso, Rousseau enfatiza que as cláusulas compreendidas no contrato social se resumem a uma só: a alienação total de cada parte em favor de toda a comunidade. (ROUSSEAU, 2000, p.30). Assim, as cláusulas que compõem o contrato social, embora não sejam formalmente declaradas, são amplamente reconhecidas e adotadas pelos membros em qualquer parte do mundo, como observou Jean-Jacques Rousseau. Nesse contexto, é evidente que a relação contratual está intrinsecamente entrelaçada com as interações humanas, sendo que a convivência em sociedade se fundamenta em um pacto social, cuja cláusula central envolve a renúncia das liberdades individuais em prol do bem comum. Nesta perspectiva, o contrato passou a ser instrumento de regulamentação das relações humanas, como forma de documentar as vendas e compras de propriedades privadas entre os indivíduos. Dessa forma, nas palavras do jurista Enzo Roppo: E contrato é, precisamente, o conceito que vem resumir esta realidade complexa, não linear, de progressiva captura das operações económicas por parte do direito, assim como outros conceitos jurídicos exprimem, sinteticamente, fenómenos de expansão do direito a governar outros comportamentos humanos, até então subtraídos - tal como as operações económicas - ao seu império, e assim colocadas, como se costuma dizer, num espaço vazio de direito. Se é possível afirmar, em termos de larga aproximação, que a progressiva jurisdicionalização dos comportamentos e das relações humanas - e em particular, para o que nos interessa, das operações económicas - constitui um processo que evolui conjuntamente com o desenvolvimento da civilização, já não é possível - ou pelo menos não é possível nesta sede - indagar e identificar o preciso momento histórico em que na organização social (e, consequentemente, na consciência dos homens) se afirma a ideia assinalada. Dessa forma, com o desenvolvimento da sociedade, passou-se a ter a necessidade de regulamentar as relações humanas, sendo assim não é possível dissociar o conceito de contrato da realidade prática, uma vez que existe a necessidade de realizar acordos para que se atinja o 9 bem comum. Nas palavras de Flávio Tartuce, esse é o pilar da real função dos contratos. (TARTUCE, 2019, p.519). À vista disso, à medida que a tecnologia avançou, tornou-se evidente a necessidade de adaptação por parte do mercado imobiliário para atender às demandas contemporâneas, impulsionando a automação das transações comerciais. Esse avanço tecnológico permitiu a ascensão das práticas de contratos e assinaturas digitais, transformando a maneira como negócios imobiliários são conduzidos. Consequentemente, as regulamentações legais e os cartórios de notas e registros também tiveram que se ajustar a esse novo cenário digital. O crescente uso de contratos e assinaturas digitais representa uma resposta eficaz às demandas em constante evolução do mercado imobiliário, os quais oferecem vantagens significativas, como agilidade, eficiência e redução de burocracia, tornando o processo de compra, venda e locação de imóveis mais rápido e conveniente para todas as partes envolvidas. Nesse contexto, a legislação desempenha um papel fundamental de assegurar a segurança e validade das transações eletrônicas no setor imobiliário, o que também impacta diretamente na atuação dos cartórios de notas e registros públicos, que também precisaram se modernizar para se adequarem ao ambiente digital. Para Patrícia Peck, na evolução do direito digital no sistema jurídico do Brasil, observa-se que a questão da prova em meio eletrônico está presente em grande parte dos processos judiciais, de forma que vem cumprindo um papel fundamental para a comprovação de direitos. Os magistrados enfrentam o exercício de lidar com conflitos que não encontram regulamentação e amparo na legislação específica, o que gera uma abertura para interpretações diversificadas dos julgadores. (PINHEIRO, 2021, p.47) O direito tem a responsabilidade de se adaptar às mudanças promovidas pela sociedade digital, que está em constante e acelerada transformação. Dessa forma, é imperativo que o direito, a fim de evitar a obsolescência, reformule seus conceitos e modernize seus princípios. Caso contrário, existe o risco de que os meios digitais se tornem ferramentas de poder nas mãos das grandes corporações, com potencial para um uso arbitrário desse meio. (PINHEIRO, 2021, p.47) Portanto, o presente trabalho se dedica a examinar o crescente uso de contratos e assinaturas digitais no mercado imobiliário, avaliando sua validade jurídica à luz das leis vigentes, das decisões dos tribunais brasileiros e identificando situações específicas que ainda 10 exigem a presença física de indivíduos para conferir legitimidade às transações de compra e venda. 11 CAPÍTULO 1 - EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS E ASSINATURAS DIGITAIS NAS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS Primeiramente, é importante destacar que os contratos desempenharam um papel fundamental na preservação das relações comerciais e na documentação das obrigações recíprocas, visando à proteção do bem comum. Nesta perspectiva, desde as placas de argila utilizadas na antiga Babilônia para registrar a compra e venda de terras até a atual utilização de tecnologias para acessar contratos eletrônicos na rede de computadores, houve uma evolução significativa ao longo do tempo. As transformações sociais e econômicas, especialmente as ocorridas nos séculos XIX e XX com o surgimento do capitalismo, moldaram as relações contratuais e introduziram novas perspectivas, como a função social do contrato. O setor imobiliário, com foco na compra, venda e locação de imóveis, foi diretamente impactado pela evolução digital. A digitalização das operações imobiliárias é uma resposta às demandas do mercado e às inovações tecnológicas, embora ainda exista resistência por parte de consumidores conservadores que preferem o uso do papel e a necessidade de interações presenciais. Isso implica em mudanças operacionais não apenas para as empresas privadas que lidam com administração e alienação de imóveis, mas também para os cartórios de registros públicos, que precisam constantemente modernizar seus procedimentos, criando-se uma necessidade da implementação de legislação que resguarde a segurança jurídica e digital dos arquivos gerados e armazenados em formato eletrônico. 1.1. Panorama histórico geral do uso de contratos tradicionais Em primeiro plano, a vida em sociedade se fundamenta em um contrato mútuo voltado para a preservação do bem comum, mesmo que, para atingir esse propósito, seja preciso renunciar à liberdade individual. Nesse sentido, desde os primórdios da civilização, os seres humanos são instados a obedecer a normas sociais e aderir a um pacto coletivo. À medida que o desenvolvimento histórico avançou, tornou-se essencial a criação de ferramentas para documentar as obrigações assumidas em comunidade. Na antiga Babilônia, os contratos de compra e venda de propriedades imobiliárias eram elaboradas pela perspectiva do comprador, de forma que o documento em questão servia como prova de sua posse sobre o bem. No término da compra do imóvel, o comprador levava consigo uma placa de argila, a qual continha todo o texto do acordo da referida transação, para que 12 guardasse em seu arquivo. Na hipótese de conflitos, as placas serviam como comprovação de sua propriedade. (BOUZON, 1991, p.8). Quando ocorria troca de propriedades, eram feitos dois exemplares de placas de argila para documentar a transação ocorrida, sendo que cada adquirente passava a possuir uma cópia. Durante a entrega desses documentos, os vendedores também disponibilizavam os contratos de compra e venda anteriores, também feitos em argila, que estavam relacionados às propriedades em questão. Nas situações que envolviam a divisão de herança, cada herdeiro recebia suas placas que registravam a compra e venda do respectivo imóvel (BOUZON, 1991, p.8). Durante o governo de Hammurabi, observou-se uma diminuição nos registros de contratos de compra e venda de terras, ao passo que os contratos de aluguel e arrendamento de campos experimentaram um aumento notável no século XVII a.C. Em contraste com os séculos XIX e XVIII a.C., em que os contratos relacionados à venda de terras eram numericamente superiores em relação aos contratos de locação, refletindo as mudanças significativas no cenário socioeconômico que afetaram a Baixa Mesopotâmia naquela época (BOUZON, 1991, p.19). Os Romanos conceituavam as palavras "pacto" e "convenção" como semelhantes, de forma que não havia distinção quanto às suas denominações, as quais significavam, em conjunto, um acordo entre dois ou mais indivíduos quanto a um objeto determinado. No entanto, não bastava que o acordo fosse realizado para que uma obrigação jurídica fosse criada entre as partes. Era necessário que ocorresse uma solenidade, isto é, a existência de exteriorização perante os interessados era o que concebia um Contractus ( VENOSA, 2023, p.25). Posteriormente, houve o surgimento de outras denominações para os negócios pactuados, sendo eles os contratos reais, que referem-se às transações de penhor, comodato, mútuo e depósito, e os contratos consensuais, que eram atinentes às relações de vendas, mandato, arrendamentos e sociais. Todavia, não bastava comprovar a existência contratual entre as partes, uma vez que era essencial demonstrar o cumprimento da prestação, de modo que a vontade não era um elemento principal. (VENOSA, 2023, 26). Neste ínterim, o pretor1 teve papel fundamental na regulação do ordenamento da época, tendo em vista a predominância de lacunas que regulassem a matéria. Além disso, com a presença do movimento do renascimento e a influência da Igreja, passou-se a fomentar a 1 Pretor eram aqueles denominados como magistrados responsáveis por administrar a justiça em Roma. A referida atividade era voltada à administração das causas civis e de direito público, exercendo a função de interpretação, integração e correção. SCHÄFER, Gilberto. A atividade de Pretor Romano: antecedentes remotos do processo de sumularização. Revista da AJURIS-QUALIS A2, v. 40, n. 132,p.151-154. 2013. 13 obrigatoriedade dos contratos, sendo que a dizimação das relações mercantis possibilitou a simplificação das formalidades contratuais. (VENOSA, 2023, p.26). Nesse contexto, é evidente que a evolução dos contratos está intrinsecamente ligada às mudanças e às demandas das relações humanas. Por conseguinte, suas formalidades precisam, de forma inquestionável, adaptar-se aos modelos de negócios ali acordados. Em outras palavras, à medida que o comércio se expande, tornou-se imperativo simplificar as formalidades contratuais. O Código Napoleônico de 1804 foi um fator determinante para a evolução entre contratos e propriedade. Considerado como um dos primeiros códigos voltados à burguesia, foi um documento fruto da Revolução de 1789, na qual a burguesia saiu vitoriosa com as conquistas ideológicas, políticas e econômicas, o que refletiu de maneira significativa na legislação da época. (ROPPO, 1988, p.41). Neste ínterim, no Código Napoleônico, os contratos estavam interligados a propriedade, de forma que disciplinou a matéria contratualista em um livro que versava sobre os diversos tipos de aquisição de propriedade. Sendo assim, esse instituto estava subordinado intrinsecamente à propriedade, considerando os contratos, na perspectiva do legislador da época, como instrumentos para a transferência de direitos de propriedade. Essa sistemática teve grande influência do momento o qual se passava, visto que o princípio da liberdade, o poder de contratar estavam em consonância com a ideologia de quebra com vínculos do passado e de emancipação do indivíduo. (ROPPO, 1988, p.41). Os contratos, como representantes da simbologia jurídica, eram considerados como instrumentos de circulação de riqueza e, portanto, contrato e propriedade eram complementares e reflexos do momento histórico. Dessa forma, o pensamento político e jurídico da época associava a propriedade privada como o verdadeiro alicerce da liberdade e como segurança em relação ao poder público. Ao mesmo tempo, a liberdade é a essência da propriedade, na qual o indivíduo pode usá-la, gozar e aliená-la. Sem a presença da liberdade, não há propriedade. (ROPPO, 1988, p.42). Na França pós-revolucionária, no período de 1789 a 1791, o país passou por profundas transformações socioeconômicas. Houve um processo de libertação e mobilização da propriedade fundiária no qual o contrato, regulamentado pela legislação, desempenhou um papel fundamental, uma vez que a propriedade era o elemento mais importante para a sociedade da época. Nesse contexto, o capitalismo e o desenvolvimento social já não estavam alinhados 14 com o regime herdado do sistema feudal de produção, o qual limitava o uso produtivo da terra. (ROPPO, 1988, p.43-44). No sistema feudal, a propriedade era dividida entre diversos titulares, com ofícios e destinações distintas, sem que houvesse um proprietário de fato, o que era um impedimento para torná-la verdadeiramente produtiva. Foi esse fator que contribuiu para que os direitos do proprietário único se sobressaíssem, a fim de que não houvesse mais entraves para sua produção. A Assembleia Nacional, em 1789, foi a responsável por revogar os direitos feudais que existiam na época, estabelecendo a liberdade para dispor e desfrutar da propriedade plenamente. (ROPPO, 1988, p.45). No entanto, ainda era necessário que houvesse o deslocamento de recursos para a burguesia, que estavam primordialmente concentrados entre a nobreza e o clero. Após a revolução, aconteceu a transferência de recursos e venda de bens nacionais anteriormente pertencentes aos nobres e ao clero, os quais eram adquiridos pelos representantes da classe burguesa. Esse movimento gerou a necessidade de um instrumento jurídico que regulamentasse todas as transações, a fim de evitar disputas e conflitos maiores. (ROPPO, 1988, p.45). Em 1804, a legislação versou sobre a liberdade de contratar, fundamentada no consentimento das partes. Dessa forma, destaca-se que a burguesia ainda estreitava laços com as classes detentoras da propriedade, visto que a vontade era elemento essencial para a transferência de bens, o que favorecia interesses mútuos: a classe mercantil buscava a aquisição de recurso provenientes das terras, e os proprietários buscavam a segurança da propriedade. (ROPPO, 1988, p.45). O contrato se tornou o principal elemento de equilíbrio e proteção para as relações mercantis. A propriedade era considerada o elemento fundamental do processo econômico, sendo reconhecida como a principal fonte de produção e aproveitamento das vantagens econômicas. O contrato, nesse contexto, tinha uma função secundária, atuando como um instrumento facilitador na transferência dessa propriedade, não gerando riqueza por conta própria, mas agilizando sua troca entre as partes. (ROPPO, 1988, p.63-64.) Durante o século XX, as estruturas contratuais, originalmente concebidas nos séculos XVIII e XIX para atender principalmente às atividades comerciais e industriais, passaram por mudanças em consonância com as tendências socioeconômicas da sociedade de massa. Nesse período, a produção em larga escala, a disseminação e a utilização de produtos e serviços eram 15 realizadas pela maior parte da sociedade, que seguia padrões de conduta padronizados. (BOBBIO, 1997 apud GOMES,2012 p.253). Apesar da evolução da indústria retratada na primeira metade do século XX com a produção em massa, denominada como fordismo, era direcionada a uma população consumista, o sistema capitalista começou a demonstrar indícios de decadência, o que desencadeou crise no sistema. Foi considerada por alguns como a mais profunda e duradoura crise deste sistema, no final da década de 1960. (GHERSI, 1996 apud GOMES, 2012, p. 254). Na transição para um Estado cuja economia é baseada no modelo pós-fordista, os contratos de trato sucessivo ganham destaque, sendo mais regulamentados devido à intervenção estatal. Esses contratos apresentam disposições mais rígidas sobre benefícios contratuais e adotam um perfil mais objetivo, similar aos contratos de adesão. Por outro lado, no Estado com uma economia concebida sob o modelo fordista, o contrato predominante nas negociações era o de compra e venda, voltado para o consumo de bens. (GHERSI, 1996 apud GOMES, 2012, p. 255-256). Cláudia Lima Marques ressalta aspectos da pós-modernidade, como o surgimento das relações virtuais, que se caracterizam por serem desmaterializadas, fluidas e instáveis. Nesse contexto, destaca-se o papel central da sociedade da informação, onde a disponibilidade e a circulação de informações desempenham um papel fundamental. Assim, a globalização é também enfatizada, especialmente na sua capacidade de nivelar as diferenças culturais, tornando culturas diversas mais parecidas devido a esse fenômeno. (MARQUES, 2004, apud GOMES, 2012, p.258). O principal dilema enfrentado pelo pensamento jurídico atual é se ele deve simplesmente ajustar-se a essa nova realidade, adaptando suas ideias tradicionais para abranger e regular as novas formas de contratos que surgem nas relações comerciais, bem como redefinir seu conceito tradicional de propriedade e proporcionar suporte aos novos modelos de parentalidade. Ou, por outro lado, se é necessário reconsiderar os princípios fundamentais que sustentam a estrutura do pensamento jurídico e reformular o próprio Direito. Portanto, a incerteza persiste, questionando se é essencial modificar as bases do sistema jurídico existente e criar algo inteiramente novo, ou se é suficiente, como na transição da era medieval para a moderna, aceitar gradualmente as mudanças e se adaptar à evolução da realidade. (XAVIER, 2006, p. 85). 16 A evolução dos contratos ao longo do tempo é notável, refletindo reclassificações, massificação, reorganização, padronização e, por vezes, uma despersonalização. À vista disso, novas formas contratuais, incluindo o contrato por adesão, surgiram como respostas às transformações na prática contratual. A influência da intervenção estatal, notadamente a partir da promulgação do Código Civil, tornou-se significativa, com o propósito de salvaguardar os interesses das partes envolvidas. (GOTTEMS, 2017, p.22). No contexto atual, a importância da função social nos contratos é inegável, conforme estabelecido no art. 421 do Código Civil, que preconiza que a liberdade de contratar deve ser exercida considerando a função social do contrato, além de observar os princípios de probidade e boa-fé, conforme delineado no art. 422 do Código Civil. Assim, os contratantes devem adotar esses princípios não apenas na celebração do contrato, mas também em sua execução. (GOTTEMS, 2017, p.22). Atualmente, além de estabelecer os direitos e obrigações entre as partes contratantes, os contratos também devem considerar a responsabilidade perante a sociedade em seu contexto. Em outras palavras, os contratos agora têm o dever de garantir que beneficiem não apenas as partes envolvidas, mas também a comunidade em geral. Dessa forma, a abordagem da dogmática contratual evoluiu, incorporando novos princípios como a justiça social, a função social dos contratos e a boa-fé dos contratantes, todos eles regulamentados pela lei em prol de um interesse maior, que é a pacificação social. (GOTTEMS, 2017, p. 22). A evolução tecnológica teve um impacto significativo no processo de negociação e na formação de contratos. Anteriormente, os contratos eram documentos físicos em papel, armazenados em arquivos e impressos com tinta. Hoje, com a proliferação dos smartphones, contratos podem ser acessados com um simples clique. Essa transformação na maneira como os contratos são estabelecidos demonstra uma mudança na prática do Direito e no processo de negociação. (MARQUETTI, 2020, p.14). É importante observar que muitas das características e requisitos que se aplicam aos contratos tradicionais também se estendem aos contratos digitais, tornando-os igualmente válidos. No Brasil, o uso de contratos digitais é amplamente difundido, sendo comumente empregado em transações como aluguéis de imóveis, onde imobiliárias e corretores aproveitam essa tecnologia para simplificar o processo de locação. (MARQUETTI, 2020, p.14). Nesse panorama, os contratos desempenharam um papel crucial na documentação e formalização de acordos entre as partes, desde as antigas placas de argila na Babilônia, que 17 serviam como prova de propriedade, até o uso dos contratos digitais. Ao longo dos séculos, as transformações sociais, econômicas e políticas moldaram a natureza dos contratos e suas funções na sociedade, refletindo a importância de adaptar as formalidades contratuais às mudanças nas relações humanas. À medida que o contexto social evoluiu, os contratos passaram a incorporar princípios como a função social, a justiça social e a boa-fé, além de se adaptarem à era digital, com contratos que podem ser acessados e assinados com apenas um clique. Assim, os contratos não apenas estabelecem direitos e obrigações entre as partes, mas também carregam uma responsabilidade perante a sociedade em geral, visando ao bem comum e à pacificação social. Logo, a contínua evolução dos contratos demonstra a capacidade do Direito de se adequar e responder às demandas da sociedade em constante transformação. 1.2. A modernização das transações imobiliárias A palavra transação2 remete ao ato de transacionar, ou seja, a uma operação comercial e negocial. Por sua vez, o termo imobiliário3 refere-se a qualquer bem imóvel, como terrenos, casas e edifícios. Portanto, entende-se as transações imobiliárias como operações que envolvem a compra, venda, locação, permuta de bens imóveis em uma relação negocial. Em primeiro plano, importante apresentar a conceituação de compra e venda e locação de imóveis, que serão objeto de análise neste trabalho. Segundo Rafael Mota Bortone Júnior, o contrato de compra e venda é um elemento fundamental nos negócios, em que uma parte se compromete a transferir a propriedade de um bem, móvel ou imóvel, e a outra parte paga um determinado valor acordado em pecúnia, disposto em um contrato consensual. (BORTONE JÚNIOR, 2017, p.22). A locação, de acordo com a abordagem de Luiz Antonio Scavone Junior, configura-se como um contrato de caráter sinalagmático, no qual locador e locatário assumem obrigações recíprocas. Nesse contexto, o locador se compromete a disponibilizar o imóvel, seja ele de natureza residencial, não residencial ou comercial, ao passo que o locatário concorda em efetuar o pagamento do aluguel previamente acordado. Essas obrigações são mutuamente dependentes, em que o locador somente concede o uso do imóvel se o locatário efetuar a devida 2 AULETE DIGITAL. Disponível em: Acesso em: 13 de outubro de 2023. 3 AULETE DIGITAL. Disponível em: Acesso em: 13 de outubro de 2023. 18 contraprestação financeira, e, reciprocamente, o locatário se compromete a efetuar o pagamento desde que o locador cumpra a sua parte no contrato. (SCAVONE JÚNIOR, 2022, p.1282). Os serviços imobiliários sofreram grandes transformações, de forma que houve a necessidade de modernizá-los para atender as demandas mercadológicas. Dessa forma, por muito tempo as transações de compra, venda, aluguéis de imóveis eram presenciais, e em determinados casos continuam necessitando que as figuras jurídicas (comprador, vendedor, locatário e locador) ratifiquem documentos de forma física, gerando custos e acúmulo de arquivos físicos. Os institutos da compra e venda e locação de imóveis passaram por transformações substanciais devido às inovações tecnológicas na era digital, exigindo adaptações das empresas imobiliárias para se manterem competitivas. Esse cenário está em conformidade com a perspectiva de Patricia Peck Pinheiro: Devemos enxergar que o Direito Digital vem atender a uma nova sociedade, a Sociedade Digital. Que a mudança comportamental é plena, nos negócios, nas relações, nos próprios Indivíduos. As mudanças não são peculiares apenas às empresas digitais ou à Internet, mas sim a todo o ordenamento jurídico. Exemplo disso é a adoção cada vez mais frequente do “Regime de Coopetição” (cooperação mais competição). Esse novo regime de negócios reflete uma necessidade das empresas de cada vez mais buscar alternativas de sobrevivência em um mundo competitivo, globalizado e, principalmente, conectado. Empresas isoladas tendem a naufragar. (PINHEIRO, 2021,p.88). O conceito de "coopetição," mencionado pela autora supracitada (PINHEIRO, 2021, p. 88), que envolve a combinação de cooperação e competição entre empresas, reflete a busca por alternativas de sobrevivência em um ambiente globalizado e conectado. Portanto, empresas que não se ajustam ao cenário do mercado digital enfrentam desafios consideráveis em meio a um mercado competitivo e, muitas vezes, predatório. Atualmente, as imobiliárias passaram a manusear as tecnologias com maior frequência, seja para marketing ou facilitação dos procedimentos de compra, venda e aluguel de imóveis. Os meios tecnológicos facilitam o processo de transação imobiliária, de forma que podem ser incrementados em diversas etapas, como na locação de imóveis, que corrobora para a comunicação entre os proprietários e os locatários, com a negociação entre as partes, bem como com as transferências bancárias. Não apenas para os participantes da relação negocial, mas também para a geração de leads, exposição de anúncios e propagação de informações (DE CASTRO, et al., 2020, p. 6). Neste ínterim, o setor imobiliário ultrapassou notáveis transformações, adotando os contratos e assinaturas digitais como forma de automatização dos processos de locação e 19 compra e venda de imóveis. Dessa forma, a implementação da tecnologia nesta seara tem desempenhado um papel essencial para a modernização das transações imobiliárias, tornando- as mais flexíveis. Isso é resultado do desenvolvimento tecnológico e da necessidade de adaptações frente ao novo mercado de consumidores. 1.3. Os impactos da implementação das transações imobiliárias em formato digital As tecnologias facilitam e corroboram a automatização dos processos de compra, venda e locação, proporcionando inegáveis benefícios aos integrantes da relação negocial. No entanto, embora seja uma realidade para a maioria das imobiliárias, que buscam constantemente adaptar-se ao mercado e ao desenvolvimento tecnológico, ainda existe resistência por parte de um determinado público. Em pesquisa conduzida por Luíza Machado Silveira de Castro, Bernardo Henrique Leso e Marcelo Nogueira Cortimiglia revelou que, nas imobiliárias entrevistadas, o público de proprietários demonstrou ser mais conservador quanto à digitalização do processo de transação e locação imobiliária, enquanto os inquilinos manifestaram grande receptividade à proposta 100% digital. (DE CASTRO, et al., 2020, p. 5). Segundo Bianca Campani, pós-graduanda em Marketing Estratégico da Universidade do Sul de Santa Catarina, o público consumidor do mercado imobiliário passou por grandes transformações, caracterizando-se atualmente por um perfil mais jovem, com uma idade média de 30 anos, que está cada vez mais inserido na tecnologia. Neste viés, a pesquisadora ressalta que houve uma mudança no processo de compra e venda de imóveis. Antigamente, era comum os compradores visitarem plantões de vendas, enquanto hoje em dia essa prática é substituída por simples buscas na internet. (CAMPANI, 2019, p. 12). No entanto, os consumidores ainda prezam pela visita presencial do imóvel e manter contato direto com o corretor de imóveis, ou agente imobiliário. (CAMPANI, BIANCA J. 2019, p.12-13), mantendo-se o mercado tradicional ainda ativo, mesmo com a modernização dos processos. No atual cenário econômico, a tecnologia desempenha um papel fundamental no desenvolvimento das empresas, promovendo profundas mudanças em seus princípios e operações. Isso tem suscitado um crescente interesse das organizações em abraçar a transformação digital, de modo que a ascensão de modelos de negócios digitais é uma tendência 20 que abrange diversos setores, e geralmente é liderada por uma startup. (OLIVEIRA, 2020, p.10). No âmbito do setor imobiliário, as profissões associadas a essa área estão experimentando uma transformação acelerada, devido às novas demandas do mercado. Isso cria diversas oportunidades e desafios para as empresas de mediação imobiliária que precisam se ajustar a essas mudanças. Com o avanço tecnológico, a Internet se tornou um mercado transacional poderoso, onde os consumidores buscam estabelecer relacionamentos mais próximos com as marcas online, impulsionados pela crescente conectividade por meio de diferentes tecnologias. (OLIVEIRA, 2020, p. 10). Além disso, os negócios digitais demonstram alta escalabilidade, facilitando sua expansão global com estruturas organizacionais flexíveis e custos reduzidos. A transformação digital possibilita que as empresas encontrem novas formas de gerar valor e se destacar em relação às entidades tradicionais do setor imobiliário. (OLIVEIRA, 2020, p. 10). No entanto, é imperativo reconhecer o considerável atraso do setor imobiliário em relação a outras indústrias e os desafios adicionais inerentes à completa digitalização de empreendimentos imobiliários. Isso ocorre devido à necessidade de interações presenciais em certas etapas dos processos de transação, que precisa ser abordada com sensibilidade e estratégias adequadas no contexto atual. (OLIVEIRA, 2020, p.10). A transformação digital no setor imobiliário desencadeou um confronto entre a tradição e a modernidade, evidenciado pelo contraste entre gerações que encaram de forma distinta a digitalização das transações imobiliárias. O mercado tradicional, ainda sustentado por uma parcela de consumidores que valoriza a interação presencial e a orientação direta de corretores, coexiste com a revolução digital. Portanto, a digitalização das transações imobiliárias em sua completude enfrenta desafios complexos, que envolvem a convivência de diferentes perspectivas e expectativas geracionais. Em meio a essa transição, as empresas do setor imobiliário precisam adotar abordagens flexíveis e estratégias sensíveis para equilibrar as demandas diversificadas de um público que varia em termos de idade e preferências. Nesse cenário, a compreensão da dinâmica entre as gerações e a busca por um equilíbrio entre tradição e inovação se apresentam como passos cruciais para o mercado imobiliário aproveitar plenamente as oportunidades e superar os desafios impostos pela transformação digital. 21 1.3.1. O impacto da era digital nas atividades dos registros públicos. Os registros imobiliários desempenham um papel fundamental na divulgação de informações sobre situações jurídicas relacionadas a propriedades imobiliárias, tornando-as conhecidas a terceiros que não estejam envolvidos na relação negocial. Enquanto uma situação jurídica permanece restrita às partes envolvidas, seus efeitos são limitados a essas partes, e a ausência de publicidade impede que afete terceiros não informados. Portanto, a eficácia real de direitos, sejam direitos reais em si ou direitos obrigacionais com consequências reais, depende da divulgação adequada, tornando o ato público e acessível a terceiros interessados. (BRANDELLI, 2016, p.16). A publicidade é fundamental para alcançar uma eficácia que seja reconhecida perante todos os interessados, garantindo que direitos reais e obrigacionais com eficácia real sejam aplicáveis a uma gama mais ampla de pessoas. (BRANDELLI, 2016, p.16). Indubitavelmente, as transações imobiliárias têm historicamente uma forte ligação com os serviços prestados pelos tabelionatos de notas e pelas serventias de registros públicos. Isso se deve a requisitos legais que determinam que transações imobiliárias que envolvam valores superiores a trinta salários mínimos, devam ser formalizados por meio de escrituras públicas, as quais são elaboradas nos tabelionatos de notas. Além disso, a constituição efetiva do direito real de propriedade exige o registro nas serventias de registro imobiliário. Adicionalmente, em certos casos, o registro público de contratos de locação é uma opção para aumentar a segurança jurídica e garantir o exercício do direito de preferência. Portanto, as transações imobiliárias estão intrinsecamente relacionadas aos procedimentos notariais e registrais, tornando essencial a análise de como essas instituições estão se adaptando ao ambiente digital em constante evolução. Imperioso destacar os impactos das digitalizações quando abordamos os cartórios de registros públicos. Tendo em vista as transformações ocorridas socialmente, é previsível entender que os sistemas públicos e privados também necessitam se adaptar às novas demandas. Dessa forma, com o objetivo de integração no digital, o sistema SREI - Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis foi estabelecido pelo art. 37 da Lei nº 11.977/2009 (AMARAL, Márcia. 2022. p. 237). O Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis teve origem no artigo 37 da Lei 11.977/2009, que atribuiu aos registradores a incumbência de implementar esse serviço, permitindo a recepção de títulos e a disponibilização de informações e certidões em formato 22 eletrônico. O regulamento inicial foi estabelecido por meio do Provimento 47/2015 do Conselho Nacional de Justiça, que definiu diretrizes gerais e determinou que fosse criado um sistema com acesso a todos os oficiais para que as informações fossem compartilhadas (AMARAL, Márcia. 2022. p. 242). Apesar de ainda existirem registros em formato físico nas matrículas de imóveis, o sistema já aceita documentos digitais como títulos legais para a transferência e estabelecimento de direitos reais de propriedade. Em um futuro próximo, é provável que o suporte físico seja totalmente substituído, e as matrículas de imóveis serão inteiramente digitais (AMARAL, Márcia. 2022. p. 238). Essa central assumiu a responsabilidade de facilitar a comunicação de documentos eletrônicos e informações entre os cartórios de registro de imóveis, o Poder Judiciário, a Administração Pública e o público em geral. O sistema recebe solicitações e as direciona para a serventia apropriada, estabelecendo a obrigatoriedade de que todos os documentos eletrônicos sejam enviados exclusivamente por meio dessa central, proibindo qualquer outro canal de transmissão (AMARAL, Márcia. 2022. p. 243). Foram promulgadas várias leis e regulamentações posteriores para instituir e solidificar o sistema atualizado de registro de propriedades, que opera de maneira completamente eletrônica. É relevante enfatizar que, até o presente momento, essa transformação limita-se à forma de transição do meio físico para o eletrônico, sem alterar o cerne do sistema de registros, que mantém sua base em princípios fundamentais como a análise prévia dos documentos e a integridade das informações. (AMARAL, Márcia. 2022. p.237) O SAEC, conhecido como Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado, constitui uma plataforma de acesso exclusiva que disponibiliza diversos serviços associados ao registro de imóveis em todo o território nacional. Além das funcionalidades convencionais, tais como a visualização de matrículas, emissão de certificados e pesquisa de ativos, o SAEC oferece serviços especializados destinados ao setor público, englobando comunicações eletrônicas, procedimentos de penhora online e bloqueios de recursos. Adicionalmente, fornece informações abrangentes sobre os cartórios, incluindo detalhes de localização, endereços de e- mail e números de telefone, bem como a possibilidade de consultar as taxas de serviços conforme as tabelas de emolumentos de cada estado.(AMARAL, Márcia. 2022. p.246) É inegável, que as inovações tecnológicas, geraram mudanças significativas tanto no contexto social quanto regulatório, demandando uma ampla adaptação para a total integração 23 das tecnologias digitais nos serviços notariais e de registro em todo o país. Ademais, é importante destacar que a modernização tecnológica abrangeu igualmente todas as áreas dos registros especiais e notariais, sendo que, por meio das regulamentações estabelecidas pelo CNJ, centrais de serviços eletrônicos foram criadas para cada especialidade, tornando esses serviços acessíveis de forma digital para a população. (AMARAL, Márcia. 2022. p.247) O conceito de registro eletrônico traz uma inovação marcante, pois sua existência se restringe ao mundo digital, sem qualquer forma física, como o papel. Embora seja possível obter certidões que contenham o conteúdo do registro em papel, o registro em si continua a existir exclusivamente no ambiente virtual. No entanto, surgem questões significativas quando ocorre a perda da base física em papel, como em casos de catástrofes, que podem levar à completa destruição dos registros imobiliários. (KIRIHATA, 2015, p.55) A destruição do acervo resultará em um aumento significativo nos litígios judiciais, tendo em vista que a necessidade de restaurar registros perdidos pode levar a atrasos significativos nos processos legais, que podem exigir dilação probatória. Além disso, a confusão nos cadastros fiscais implicará a cobrança de impostos sobre imóveis, incluindo o IPTU, o ITR e outras taxas, uma vez que os registros imobiliários desempenham um papel crucial na manutenção desses cadastros, notificando as autoridades fiscais sobre mudanças na titularidade dos imóveis. (KIRIHATA, 2015 p.55) Adicionalmente, a falta de publicidade torna a localização e execução das propriedades que fazem parte do patrimônio do devedor uma tarefa árdua para o credor, o que pode resultar na redução da efetividade dos processos de execução em geral. Isso abre espaço para a atuação de posseiros e falsificadores que poderiam tirar vantagem da falta de controle para apropriação indevida de bens. Esse cenário resultaria na redução da liquidez dos ativos imobiliários, o que, por sua vez, pode diminuir seu valor de mercado e tornar mais desafiadora a obtenção de créditos com imóveis de garantia.(KIRIHATA,2015 p.56). Diante as circunstâncias suscitadas, as corregedorias locais têm incorporado às suas regulamentações a orientação estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça, como ilustrado pelo caso do Provimento nº 74/2018. CONSIDERANDO a competência do Corregedor Nacional de Justiça de expedir provimentos e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos serviços notariais e de registro (art. 8º, X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça); CONSIDERANDO a obrigação dos notários e registradores de cumprir as normas técnicas estabelecidas pelo Poder Judiciário (arts. 37 e 38 da Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994); 24 CONSIDERANDO o avanço tecnológico, a informatização e a implementação de sistemas eletrônicos compartilhados e de sistema de registro eletrônico que possibilita a realização das atividades notariais e de registro mediante o uso de tecnologias da informação e comunicação; CONSIDERANDO a necessidade de se uniformizar a manutenção de arquivos eletrônicos/mídia digital de segurança dos livros e documentos que compõem o acervo dos serviços notariais e de registro, bem como de se imprimir eficiência a esse procedimento; CONSIDERANDO os resultados obtidos nas inspeções realizadas, em 2016, 2017 e 2018, pela Corregedoria Nacional de Justiça nos serviços notariais e de registro do Brasil, tais como vulnerabilidade e situação de risco das bases de dados e informações afetas aos atos praticados; CONSIDERANDO os estudos técnicos realizados pela Corregedoria Nacional de Justiça sobre a proteção da base de dados, os sistemas, as condições financeiras e o perfil de arrecadação dos serviços de notas e de registro do Brasil; A contextualização apresentada nos "Considerandos" do mencionado provimento evidencia a necessidade de implementar regulamentações voltadas para o aprimoramento das atividades nos serviços notariais e de registro. Além disso, enfatiza a importância da padronização dos procedimentos e da proteção das bases de dados, reconhecendo a urgência de adaptação aos avanços tecnológicos e à informatização, com o propósito de garantir a segurança e eficácia dos serviços de notas e registros em todo o território brasileiro. O Artigo 1º do Provimento nº 74 de 31 de julho de 2018 estabelece a importância de definir padrões mínimos de tecnologia da informação para garantir a segurança, integridade e disponibilidade dos dados nos serviços notariais e de registro em todo o Brasil. Dessa forma, é fundamental estabelecer diretrizes que assegurem que as informações contidas nesses serviços sejam protegidas contra ameaças, como perda de dados, acesso não autorizado e interrupções no funcionamento dos serviços. A definição de padrões mínimos nesse contexto visa criar um alicerce tecnológico sólido que sustente as operações desses serviços de forma confiável e eficiente. O Artigo 2º do provimento estabelece a obrigação dos serviços notariais e de registro de adotar políticas de segurança da informação. Essas políticas devem abranger a confidencialidade, disponibilidade, autenticidade e integridade das informações, bem como incluir mecanismos preventivos de controle físico e lógico. Além disso, o parágrafo único do Artigo 2º exige a elaboração de um plano de continuidade de negócios, que preveja situações adversas que possam afetar o funcionamento regular dos serviços notariais e de registro, assegurando que exista estratégias de recuperação em vigor para manter a continuidade das atividades, mesmo diante de incidentes imprevistos. O Artigo 3º do Provimento nº 74 de 31 de julho de 2018 estabelece diretrizes fundamentais para o arquivamento e preservação dos registros eletrônicos nos serviços notariais 25 e de registro. De acordo com este artigo, é imperativo que todos os livros e atos eletrônicos sejam armazenados de maneira que assegurem a segurança e integridade de seu conteúdo. Para cumprir essa determinação, o provimento estipula que cópias de segurança (backups) desses registros devem ser realizadas em intervalos não superiores a 24 (vinte e quatro) horas, garantindo a rápida recuperação de informações em caso de falhas. Além disso, dentro desse período de 24 (vinte e quatro) horas, devem ser geradas imagens ou cópias incrementais dos dados, permitindo uma recuperação precisa de informações até pelo menos 30 (trinta) minutos antes da ocorrência de eventos que possam comprometer a base de dados. Essas cópias de segurança devem ser armazenadas tanto em mídia eletrônica de segurança quanto em serviços de cópia de segurança na internet (backup em nuvem), garantindo redundância e proteção contra perdas. Para reforçar a segurança, a mídia eletrônica de segurança deve ser mantida em um local distinto da instalação da serventia, observando medidas de segurança física e lógica necessárias. O Artigo 5º do Provimento nº 74, estabelece diretrizes específicas relacionadas à segurança e rastreabilidade dos atos praticados nos serviços notariais e de registro por meio de sistemas informatizados. Esse artigo enfatiza a importância de ter um sistema informatizado com uma trilha de auditoria própria, permitindo a identificação do responsável pela criação ou eventual modificação dos atos, juntamente com informações como data e hora da efetivação. As ações realizadas dentro do sistema, como a criação de documentos ou modificações nos registros, devem ser registradas de forma a possibilitar a identificação de quem as executou e quando ocorreram. O Artigo 6º trata da adoção dos padrões mínimos definidos no anexo do provimento pelos serviços notariais e de registro. O parágrafo único do artigo aborda a licença de software, destacando a necessidade de todos os componentes de software utilizados pelos serviços estarem devidamente licenciados para uso comercial. Além disso, admite a possibilidade de utilizar software de código aberto ou de livre distribuição, desde que estejam em conformidade com as diretrizes estabelecidas. Isso incentiva a legalidade e conformidade na utilização de software, garantindo que os serviços notariais e de registro operem de acordo com as normas e regulamentações relevantes. O Artigo 7º do Provimento nº 74 estabelece a necessidade de adotar uma rotina que permita a transmissão de todo o acervo eletrônico da serventia, incluindo banco de dados, softwares, atualizações, senhas e dados necessários para acessar esses programas. O objetivo 26 de assegurar que, em caso de transição ou sucessão dos serviços, a prestação dos serviços seja contínua, adequada e eficiente, sem interrupções significativas. O Artigo 8º destaca a importância da atualização contínua dos padrões mínimos definidos no anexo do provimento, de forma que é atribuído ao Comitê de Gestão da Tecnologia da Informação dos Serviços Extrajudiciais (COGETISE), que deve realizar atualizações anuais. A atualização dos padrões mínimos é vital para manter os serviços notariais e de registro alinhados com as tecnologias e práticas mais recentes, bem como para garantir que as diretrizes de segurança e eficiência estejam atualizadas e relevantes. O Artigo 9º do Provimento nº 74 estabelece que o não cumprimento das disposições contidas no documento por parte dos serviços notariais e de registro resultará na abertura de procedimentos administrativos disciplinares, sem prejuízo da possibilidade de responsabilização cível e criminal, visando garantir que tais serviços operem em conformidade com as diretrizes estabelecidas e em estrita observância das normas legais e regulamentares. Os artigos do provimento estabelecem diretrizes para a proteção de informações, incluindo a necessidade de políticas de segurança, planos de continuidade de negócios e o uso de cópias de segurança em mídia eletrônica e na nuvem. Tais medidas são fundamentais para garantir a confiabilidade e a eficácia dos serviços prestados, bem como a segurança dos registros eletrônicos em todo o Brasil. No contexto do registro de imóveis, Renan Kirihata ressalta a necessidade de manter registros de forma perpétua, enfatizando a importância de escolher tecnologias de preservação de dados seguras a longo prazo. Ele observa que, apesar dos avanços na informática, ainda não foi encontrada uma solução completamente satisfatória que permita a substituição dos métodos tradicionais. (KIRIHATA, 2015, p.58) A microfilmagem é considerada o método mais seguro para a conservação duradoura de documentos nos dias de hoje, enquanto o uso do papel também é reconhecido como uma tecnologia confiável para esse fim. O desafio da informática, embora seja uma virtude notável, reside na sua constante evolução, o que entra em conflito com a ideia de preservação perpétua. Isso levanta a questão de como garantir a recuperabilidade de documentos criados com os padrões tecnológicos atuais daqui a 30 anos, lançando luz sobre um tópico crucial de reflexão no âmbito do registro imobiliário. (KIRIHATA, 2015, p.58) A existência do sistema de registro imobiliário desempenha um papel fundamental na garantia da segurança jurídica e na prevenção de conflitos, contribuindo significativamente para 27 a estabilidade social. Cada organização busca agregar valor, e o sistema de registros públicos não é exceção, uma vez que sua ausência causaria mais inconvenientes do que benefícios. Além disso, é importante notar que os registros físicos em papel exigem cuidados especiais para garantir sua preservação e possibilitar uma rápida recuperação em situações de perda. No entanto, vale ressaltar que o registro eletrônico ainda enfrenta desafios consideráveis, particularmente em relação à sua durabilidade ao longo do tempo, o que demanda atenção contínua e soluções inovadoras para sua consolidação e eficácia a longo prazo. (KIRIHATA, 2015, p.67). Em suma, a proteção de registros imobiliários é essencial para a estabilidade social, a prevenção de conflitos e o funcionamento eficaz da economia. Isso enfatiza a necessidade de equilibrar a tradição com a inovação, garantindo que as práticas de registro se adaptem às demandas da sociedade e aos avanços tecnológicos. Essas considerações refletem a complexidade e a relevância contínua do sistema de registro imobiliário, que deve continuar evoluindo para atender às necessidades do presente e do futuro. Por fim, nota-se que, com a evolução digital, não somente a utilização de contratos e assinaturas digitais afeta os sujeitos da relação negocial, mas também as legislações e os sistemas de registros públicos, que estão em constante modernização. Dessa forma, observa-se que a seara de transações imobiliárias está passando por transformações que, futuramente, poderão se tornar inteiramente digitais. 28 CAPÍTULO 2: VALIDADE JURÍDICA DE CONTRATOS E ASSINATURAS DIGITAIS NAS TRANSAÇÕES IMOBILIÁRIAS A validade jurídica de determinado negócio jurídico, para que produza efeitos, isto é, a modificação, aquisição e/ou extinção de direitos, está condicionada ao preenchimento de certos requisitos. Na hipótese de ausência de um desses requisitos, o negócio jurídico não produzirá o efeito pretendido, o que acarretará sua nulidade ou anulabilidade. (GONÇALVES, 2023, p.16). Os contratos, exigem elementos fundamentais condicionantes para que sejam considerados juridicamente válidos. Por sua vez, os referidos requisitos podem ser classificados em espécies, sendo a ordem geral, o qual abrange a redação do art.104 do Código Civil de 2015: o objeto lícito, capacidade do agente, determinado ou determinável, possível, forma prescrita ou não defesa em lei, e de ordem especial, que consiste na vontade e o consentimento mútuo dos contratantes. (GONÇALVES, 2023, p.16). Neste ínterim, os requisitos para configuração de validade jurídica do contrato podem ser divididos em requisitos subjetivos, requisitos objetivos e requisitos formais. Os requisitos subjetivos são classificados entre capacidade genérica, aptidão específica para contratar e o consentimento. (GONÇALVES, 2023, p.16). A capacidade genérica, é um dos principais elementos da validade jurídica dos contratos. Se uma das partes for incapaz, seja de forma absoluta ou relativa, o contrato pode ser nulo ou anulável, nos termos do art.166, inc. I, e art.171, inc.I, do Código Civil a menos que a representação ou assistência seja aplicada conforme as disposições dos artigos 1.634, inc. V, art.1.747, inc.I, e 1.781 do Código Civil. No caso de pessoas jurídicas, é necessário que alguém indicado em estatuto, ou contrato social, atue como representante legal, tanto em processos judiciais quanto extrajudiciais (GONÇALVES, 2023, p.16). Essa capacidade geral de agir pode ser afetada por fatores como a menoridade, embriaguez habitual, dependência de tóxicos, incapacidade temporária ou permanente de manifestar a vontade e prodigalidade.(GONÇALVES, 2023, p.16). Além da capacidade genérica, a lei também pode exigir capacidade específica para contratar em determinados tipos de contratos, como doações, transações e alienações onerosas. Em alguns casos, pode ser necessário obter a outorga conjugal (permissão do cônjuge) ou o consentimento de descendentes e cônjuge do alienante. Esses critérios não se relacionam 29 diretamente com a capacidade geral, mas sim com a legitimação para realizar certos tipos de negócios. (GONÇALVES, 2023, p.16). O consentimento, o terceiro requisito subjetivo, compreende-se como o acordo mútuo de vontades, que deve ser de forma livre e espontânea, visto que, na hipótese de coerção ou influência externa, poderá ser um fator que invalide o contrato devido a vícios como coação, erro e dolo. O consentimento deve fundamentar-se em três critérios: o acordo sobre a natureza do contrato, o objeto, e a aceitação das cláusulas que irão compor o documento em questão. Sem acordo mútuo desses aspectos, não há contrato. (GONÇALVES, 2023, p.17). O consentimento pode ser expresso, através de comunicação verbal, escrita, gestual ou mimética inequívoca, ou tácito, quando a lei não exige que seja realizada expressamente, como determina o art.111, do Código Civil, em que o silêncio poderá resultar-se em anuência, quando as circunstâncias autorizarem, e não houver disposições da lei em contrário. Em alguns casos, a lei exige que o consentimento seja documentado por escrito, como na Lei nº 8.245/91, a Lei do Inquilinato, que exige em determinados casos o consentimento do Locador por escrito. (GONÇALVES, 2023, p.17). No entanto, não é permitida a existência de autocontratos, onde uma parte celebra um contrato consigo mesma. No entanto, poderá ocorrer dupla representação, onde ambas as partes são representadas pelo mesmo representante, ou o representante pode atuar em duas capacidades distintas no mesmo contrato. Ou, nos casos da existência de mandado de causa própria, em que é concedido ao mandatário realizar determinados poderes como vender bens para si próprio ou a terceiros. (GONÇALVES, 2023, p.17). Além disso, o parágrafo único do artigo 117 do Código Civil aborda casos em que o contrato consigo mesmo pode ocorrer de forma indireta, quando o representante age em nome próprio e também representa outra parte através de um substabelecimento. Nesses casos, o negócio é considerado celebrado pelo representante, e sua validade depende das condições estabelecidas pela lei ou pelo representado. (GONÇALVES, 2023, p.17). Em segundo plano, os requisitos objetivos dos contratos são aqueles que obedecem às determinações do art.104, inc. II, do Código Civil, ou seja, para que seja considerado válido, é necessário que primordialmente, o objeto do contrato deverá ser lícito, possível, determinado ou determinável. (GONÇALVES, 2023, p.18). Um objeto lícito é aquele que não contraria as normas legais, princípios morais ou padrões éticos. No contexto de um contrato, o objeto imediato do acordo é sempre uma ação ou 30 obrigação a ser cumprida por uma das partes, como dar, fazer ou não fazer algo, enquanto o objeto mediato, podem ser considerados a prestações ou os bens que irão refletir a relação obrigacional. (GONÇALVES, 2023, p.18). Nas hipóteses em que o objeto do contrato seja considerado imoral, existe a aplicação do princípio jurídico que proíbe que alguém se beneficie de sua própria má-fé é relevante. Ou seja, os tribunais podem recusar a proteção legal a contratos que envolvam comportamentos imorais, como previsto no art. 150 do Código Civil, que trata de situações de dolo ou torpeza bilateral, ou no art. 883 do Código Civil, que nega direito à repetição de pagamentos destinados a fins ilícitos, imorais ou proibidos por lei. (GONÇALVES, 2023, p.18). Além disso, é crucial que o objeto do contrato seja possível, tanto fisicamente quanto juridicamente, uma vez que considerado impossível, nos termos do art.166, inc.II, o negócio jurídico é nulo. Essa impossibilidade, incluindo-se a incompatibilidade do objeto com as leis naturais e físicas, deve ser absoluta, afetando todos de maneira igual, para que o contrato seja nulo. No entanto, a impossibilidade relativa, que afeta apenas o devedor e não terceiros, não impede a validade do negócio, conforme estipula o artigo 106 do Código Civil. (GONÇALVES, 2023, p.18). A impossibilidade jurídica do objeto se manifesta quando a legislação proíbe explicitamente a realização de transações envolvendo certos ativos, como, por exemplo, a herança de indivíduos ainda vivos, conforme art.426 do Código Civil, ou de venda de imóveis que estão submetidos a cláusula de inalienabilidade. Por outro lado, a ilicitude do objeto abrange um espectro mais amplo, abarcando cenários em que a natureza da transação viola os padrões éticos e morais estabelecidos. (GONÇALVES, 2023, p.18). Em relação à determinação do objeto do contrato, é fundamental que esse elemento seja explicitamente especificado ou, no mínimo, passível de ser especificado no momento da execução do acordo. Isso implica que o objeto possa ser identificado por características específicas ou que sua identificação seja factível no momento de execução do contrato. Neste contexto, é aceitável a inclusão de contratos que envolvem a venda de bens incertos e alternativos, desde que esses bens sejam indicados, pelo menos, por meio de categorias genéricas e quantidades específicas, conforme estipulado pelo artigo 243 do Código Civil. A doutrina brasileira, ainda que não expresso em lei, considera como quesito de validade que os contratos tenham valor econômico. (GONÇALVES, 2023, p.18). 31 No contexto dos requisitos formais para a validade de um negócio jurídico, a forma desempenha um papel crucial, sendo o meio pelo qual a vontade das partes é expressa e revelada. A forma deve estar de acordo com as prescrições legais ou não estar expressamente proibida por lei, de forma que deverá ser observado dois requisitos para sua validade: o consensualismo e o formalismo, naqueles casos em que a lei exige forma específica (GONÇALVES, 2023, p.18). Inicialmente, tanto o direito romano quanto o alemão eram estritamente formalistas, mas evoluíram para adotar o princípio da liberdade de forma, influenciados pelo cristianismo e pelas necessidades do intenso comércio durante a Idade Média. No direito brasileiro, é possível que a forma seja livre, ou seja, as partes têm a liberdade de celebrar um contrato por escrito, público ou particular, ou até mesmo verbalmente, a menos que a lei exija expressamente uma forma escrita, pública ou particular para dar mais segurança e seriedade ao negócio. (GONÇALVES, 2023, p.18). O artigo 107 do Código Civil estabelece que a validade da manifestação de vontade não estará condicionada a uma forma específica, a menos que a lei a exija expressamente, sendo assim, a forma poderá ser uma exceção, enquanto o consensualismo é indispensável. (GONÇALVES, 2023, p.18). Imperioso destacar que um negócio jurídico poderá ser declarado nulo quando não se conforma à forma exigida pela legislação ou quando não atende a uma solenidade que a lei considere fundamental para sua eficácia, de acordo com o disposto no artigo 166, IV e V, do Código Civil. (GONÇALVES, 2023, p.18). Nesse contexto, o formalismo pode ser categorizado em três tipos: forma livre, forma especial ou solene e forma contratual. No âmbito do direito brasileiro, a forma livre é a mais comum, incluindo qualquer método de expressão da vontade que não seja compulsório por lei, como palavras escritas ou faladas, escrita pública ou particular, gestos, mímicas e outros meios similares. (GONÇALVES, 2023, p.18). Por outro lado, a forma especial ou solene é imposta pela legislação como um requisito fundamental para a validade de determinados tipos de negócios jurídicos, visando assegurar preservar a livre manifestação de vontade das partes e verificar a autenticidade desses negócios. Enquanto a forma especial pode ser singular, ou seja, não admitindo substituição por outra forma conforme estabelecido pela lei, ou plural, o que possibilita ao interessado escolher entre várias formas igualmente reconhecidas para a realização do ato.(GONÇALVES, 2023, p.18). 32 Por último, a forma contratual é estipulada pelas partes que participam do negócio jurídico, assim como preconiza o art. 109 do Código Civil, que nos casos em que um contrato contenha uma cláusula que condicione sua validade à utilização de um instrumento público, tal documento se torna essencial para conferir validade e eficácia ao contrato. (GONÇALVES, 2023, p.18). Em algumas situações, a forma pode ser categorizada como ad substantiam, isto é da substância do ato, o que significa que a forma é crucial para a validade intrínseca do ato, por exemplo, a exigência de uma escritura pública na aquisição de imóveis, onde a forma é inerente à validade do ato em si. Ou ainda como ad probationem tantum, quando a forma tem como principal objetivo facilitar a comprovação do ato, que ajudam a estabelecer a existência do ato. (GONÇALVES, 2023, p.18). Infere-se que a validade de um negócio jurídico está condicionada ao cumprimento de requisitos subjetivos, objetivos e formais, sendo que, em resumo, os requisitos subjetivos envolvem a capacidade das partes e o consentimento mútuo. Os requisitos objetivos relacionam-se ao objeto do contrato, que deve ser lícito, possível e determinado ou determinável. Por fim, os requisitos formais referem-se à forma de manifestação da vontade das partes, que pode ser livre, especial ou contratual. Portanto, a compreensão e estrita observância desses requisitos desempenham um papel fundamental, especialmente quando se trata de contratos e assinaturas digitais em transações imobiliárias, uma vez que são critérios cruciais para determinar a validade jurídica e a eficácia dos acordos celebrados no contexto legal. 2.1. A validade jurídica dos contratos digitais As intervenções tecnológicas no cenário jurídico têm desempenhado um papel fundamental na redefinição dos fundamentos contratuais tradicionais. Nesse contexto, a declaração de vontade, que eram expressas por meio de palavras, escrita, gestos ou sinais, agora encontram novas formas de manifestação em um ambiente digital. E com isso, a ascensão dos contratos e assinaturas digitais desafia as concepções convencionais de como os acordos são formados, executados e autenticados. (PECK, 2016, p.3). O contrato eletrônico é definido pela combinação de dois elementos fundamentais: o momento e o meio utilizados para sua formação. De acordo com Newton de Lucca, o contrato telemático é um tipo de acordo jurídico bilateral que se baseia na utilização do computador e 33 de uma rede de comunicação como suporte essencial para sua celebração. Nesse contexto, a celebração do contrato ocorre por meio da interação digital mediada por computador e rede de comunicação (NEWTON apud REBOUÇAS, 2018, p.25). Ricardo Luis Lorenzetti também apresenta sua perspectiva sobre o contrato eletrônico, enfatizando que este é caracterizado pelo meio utilizado, que independe do momento da sua celebração ou no cumprimento do contrato. De acordo com Lorenzetti, o contrato eletrônico pode ser celebrado, cumprido ou executado por meios digitais, abrangendo uma ou todas as etapas, de forma total ou parcial. Por exemplo, as partes podem trocar declarações de vontade por meio de e-mail, comunicação digital interativa, ou apenas uma das partes pode utilizar o meio digital para formular sua declaração e, em seguida, assinar um documento recebido por e- mail. (LORENZETTI apud REBOUÇAS, 2018, p.27). A questão da autenticidade dos contratos digitais é um tema amplamente debatido, especialmente em relação à sua admissibilidade como prova. os contratos eletrônicos devem atender a requisitos fundamentais para terem validade probatória, sendo estes a autenticidade e a integridade. No contexto brasileiro, não existem normas legais específicas que abordem essa questão, no entanto, também não há qualquer impedimento à aceitação de documentos eletrônicos como meios de prova. (PECK, 2021, p.190). No contexto tradicional, o contrato é definido como um acordo de vontades celebrado entre duas ou mais partes com o propósito de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos. No entanto, no âmbito do Direito Digital, os contratos eletrônicos apresentam características peculiares que demandam uma análise mais profunda de questões que raramente surgem em contratos convencionais. (PINHEIRO, 2021,p.317). Nesta Perspectiva, o Código Civil Brasileiro, quando se trata de contratos considerados atípicos, incorporou artigos que refletem o princípio da liberdade contratual: Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código. Na categoria dos contratos atípicos, que são contratos que não possuem regulamentação legal específica, a liberdade contratual se destaca como um de seus princípios fundamentais. Nos contratos atípicos, as partes detêm considerável liberdade contratual e expressam seu princípio de autonomia da vontade, de modo que são livres para estipular as 34 cláusulas contratuais, contanto que estas estejam em conformidade com os princípios fundamentais do direito, respeitando a integridade, a honestidade, a equidade e a moral, além das normas de ordem pública. Os contratos eletrônicos, como uma subcategoria de contratos atípicos, se destacam especialmente em termos de terminologia e formato, pois a natureza desses contratos implicam em considerações e características distintas a serem explorada. (PINHEIRO, 2021,p.317). Patrícia Peck enfatiza a importância de incluir um glossário no início do contrato, definindo os termos técnicos usados no acordo, uma vez que tem o propósito de minimizar a possibilidade de interpretações ambíguas ou equívocas na compreensão das cláusulas contratuais. Essa prática se torna de suma importância no contexto dos contratos na era digital, não apenas devido à constante evolução e introdução de novos termos, mas também porque muitas palavras adquirem significados particulares que podem diferir de suas definições convencionais, exigindo, assim, uma abordagem mais precisa e abrangente para a compreensão mútua das partes envolvidas. (PINHEIRO, 2021,p.317). No contexto do Direito Comercial e Societário Digital, é imperativo definir de modo preciso as obrigações das partes envolvidas em relação à tecnologia, segurança, conteúdo, produtos, entregas, bancos de dados e informações disponibilizadas, bem como sua manutenção e atualização. Os contratos digitais devem conter cláusulas específicas que definam com precisão o grau de responsabilidade atribuído a cada uma das partes em relação a esses aspectos, incluindo a proteção dos direitos dos consumidores, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor é plenamente aplicável no âmbito digital, abrangendo as relações de consumo online. (PINHEIRO, 2021,p.318). Um terceiro ponto de destaque diz respeito à importância de cuidar da veracidade e atualização das informações compartilhadas na internet, pois a rede mundial mantém registros de mensagens indefinidamente, mesmo quando os autores as retiram. Em uma relação comercial, informações incorretas ou desatualizadas podem causar prejuízos significativos, sendo essencial estabelecer regras claras sobre a responsabilidade por esses dados e evitar possíveis danos decorrentes de informações perdidas ou imprecisas. (PINHEIRO, 2021,p.318). Outra questão suscitada por Patrícia Peck, é a importância de incorporar cláusulas arbitrais nos contratos digitais, visto a necessidade de assegurar celeridade, especialização, expertise e confidencialidade na resolução de questões inerentes ao âmbito do Direito Digital. É válido destacar que os contratos eletrônicos se enquadram em duas categorias distintas. De 35 um lado, encontram-se os contratos-tipo, nos quais uma das partes impõe todas as cláusulas, sem espaço para negociações individuais. Por outro lado, temos os contratos específicos, elaborados sob medida para cada situação, levando em consideração o status das partes envolvidas e a natureza do contrato em questão.(PINHEIRO, 2021,p.318). No contexto jurídico brasileiro, a inexistência de uma legislação específica gera dúvidas quanto ao valor probatório de provas obtidas por meios digitais, documentos eletrônicos, assinaturas digitais e transações de comércio eletrônico. O Artigo 10, Seção 1, da Medida Provisória nº 2.200/2002 aborda exclusivamente o valor probatório de documentos digitais, enfatizando o princípio da veracidade das declarações em relação aos seus autores (MARQUETTI, 2020, p. 18). Dessa forma, nos termos da Medida Provisória nº2.00/2002, art.10, §2º: Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória. § 1o As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil. § 2o O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento. É importante ressaltar que o §2º da Medida Provisória exprime o princípio da liberdade contratual, uma vez que autoriza as partes a utilizarem meios de comprovação distintos dos certificados ICP-Brasil, que será melhor detalhado em tópicos posteriores, para documentos eletrônicos, desde que haja concordância mútua sobre a validade dessas alternativas. Há uma diversidade de cenários, abrangendo desde contratos totalmente eletrônicos até aqueles que optam pela forma digital somente na etapa de execução. Importante destacar que a legislação geral não contemplou a regulamentação das transações de comércio eletrônico, atribuindo essa tarefa a regulamentos específicos que disciplinam o emprego das novas tecnologias nesse contexto (MARQUETTI, 2020, p. 18). De acordo com a especialista Patrícia Peck, é fundamental destacar que a executividade de contratos, especialmente quando se trata de títulos extrajudiciais, já apresenta precedentes em que o Poder Judiciário reconheceu a validade legal de assinaturas digitais de duas testemunhas. Esse reconhecimento foi constatado tanto em instâncias judiciais de primeira instância quanto de segunda instância. No entanto, é crucial ressaltar que, para garantir a integridade do documento, é essencial que essas testemunhas tenham utilizado o mesmo método de assinatura digital adotado pelas partes envolvidas (PECK, 2021, p.190). 36 Os contratos eletrônicos não devem ser considerados uma nova categoria de contrato, mas sim uma evolução tecnológica na formação contratual, como tem entendido o Poder Judiciário Brasileiro, conforme demonstra a decisão do relator Spencer Almeida Ferreira na Apelação Cível nº 0027833-36.2013.8.26.0196. A especificidade dos contratos eletrônicos decorre do fato de serem celebrados por meio de computadores interconectados, e, portanto, qualquer contrato, seja ele convencional ou atípico, é considerado eletrônico quando estabelecido por essa via. Nesta perspectiva, não há requisitos substancialmente diferentes para a validade desses contratos, e sua aceitação como meio de prova no campo jurídico não implica em inovações significativas: Os contratos eletrônicos não devem ser considerados um novo tipo ou uma nova categoria autônoma de contrato, mas tão-somente uma nova tecnologia de formação contratual. Sob tal perspectiva, não haveria qualquer inovação substancial pertinente aos requisitos de validade dos contratos eletrônicos e à sua aceitação jurídica como meio de prova. Sua especificidade advém apenas do fato de a contratação se efetivar mediante o uso de computadores interligados em rede e, por assim ser, qualquer contrato, seja ele típico ou atípico, será considerado eletrônico, bastando que, para isso, tenha sido efetivado eletronicamente. Sob este prisma, podemos ter contratos eletrônicos de compra e venda, contratos eletrônicos de mútuo, contratos eletrônicos de comodato, contratos eletrônicos de prestação de serviço, dentre outros, desde que sejam celebrados por meio de uma rede de computadores. (TJSP; Apelação Cível 0027833-36.2013.8.26.0196; Relator (a): Spencer Almeida Ferreira; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro de Franca - 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 28/05/2014; Data de Registro: 28/05/2014). No âmbito dos contratos digitais, a validade jurídica é uma questão levantada, uma vez que a legislação brasileira carece de regulamentações específicas para esse contexto. Contudo, o princípio da liberdade contratual se revela como um alicerce fundamental, permitindo concluir que contratos em formato digital são válidos desde que cumpram os requisitos básicos de validade, com destaque para o consensualismo como um elemento chave nesse processo. Logo, as partes detêm considerável autonomia na configuração das relações contratuais digitais, e o sistema legal demonstra flexibilidade para a evolução tecnológica. 2.2. Reconhecimento legal de assinaturas digitais no país Na formalização de um contrato ou acordo legal, a obtenção do consentimento das partes é um requisito primordial, conforme estabelecido pelo Código Civil. O consentimento implica na expressão de vontade das partes em concordar com os termos e cláusulas que regerão a relação jurídica em questão. A evolução da sociedade e do mercado trouxe consigo uma transformação na maneira como esse consentimento é manifestado, substituindo a tradicional 37 assinatura em papel pela assinatura digital como um meio contemporâneo de validação desses acordos (SILVA, et al, 2021, p.157). As assinaturas digitais simplificaram as interações tanto para indivíduos quanto para empresas. Esse novo formato para ratificar documentos representam uma manifestação de vontade à distância também servem como meio de verificação da autenticidade dos contratos, o que resulta em economia de custos e maior segurança nas transações comerciais. As assinaturas digitais englobam qualquer procedimento eletrônico que denota a aceitação de um contrato ou registro, realizando-se por meio de uma autenticação eletrônica, que pode ser desde um simples e-mail ou um usuário corporativo, até um código PIN específico fornecido por uma entidade (SILVA, et al, 2021, p.158). Para compreender a Certificação Digital, é essencial começar pelo conceito subjacente à criptografia. A origem da certificação digital ocorreu com a criação de uma tecnologia de codificação patenteada em 1983 por professores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) nos Estados Unidos. A criptografia não é estranha ao nosso ordenamento jurídico nem ao cotidiano das pessoas, pois a utilização de algum tipo de codificação ou cifragem na comunicação, inclusive a simples troca de letras em anotações pessoais para preservar a privacidade contra leitores indesejados a criptografia desempenha um papel fundamental. (PINHEIRO, 2021, p. 156) Do ponto de vista técnico, a criptografia representa uma ferramenta de codificação usada para garantir a segurança na transmissão de mensagens em ambientes eletrônicos. Na esfera da internet, a tecnologia de criptografia utiliza um formato assimétrico, o que significa que as informações são codificadas com duas chaves distintas – uma pública e outra privada – para decodificação, e esse conjunto de chaves funciona como a assinatura eletrônica do documento (PINHEIRO, 2021, p. 156). Conforme observado por Patrícia Peck, a assinatura eletrônica se configura como uma chave privada, um código exclusivo e pessoal, intransponível contra riscos de fraude e falsificação. No contexto do direito digital, essa chave criptográfica implica que o conteúdo transmitido somente é decifrável pelo destinatário que detenha a chave correspondente, sendo reconhecida com a mesma legitimidade da assinatura convencional (PINHEIRO, 2021, p. 156). A evolução contínua da tecnologia tem como objetivo principal aprimorar a segurança no ambiente digital, que, em tese, supera a segurança do mundo real, onde a falsificação de assinaturas é mais comum. É fundamental destacar que a assinatura eletrônica é mais segura do 38 que a assinatura física, uma vez que é certificada e autenticada em tempo real por meio de um sistema de duas chaves. Em contrapartida, as assinaturas tradicionais frequentemente não passam por verificação imediata e, em muitos casos, permanecem sem qualquer autenticação, como ocorre com cheques e cartões de crédito (PINHEIRO, 2021, p. 156). A assinatura digital não se limita apenas a identificar a origem de um ato, mas também permite reconhecer um usuário autorizado em transações específicas. Isso encontra aplicação corriqueira em ambientes empresariais que utilizam redes de computadores interligados, onde senhas de segurança são empregadas para restringir ou permitir o acesso de funcionários a áreas específicas da empresa. Por analogia, é como se apenas alguns funcionários possuíssem as chaves de determinados locais na sede física da empresa, mas, no contexto digital, estamos tratando da proteção de dados e informações (PINHEIRO, 2021, p. 156). Recentemente, um dos marcos significativos no avanço do Brasil em direção à transformação digital foi a promulgação do Decreto nº 10.278/2020. Esse decreto estabeleceu as diretrizes técnicas e requisitos necessários para a digitalização de documentos, tanto públicos quanto privados, de modo a conferir a esses documentos a mesma validade legal que tinham em formato físico. (PINHEIRO, 2021, p. 157). O Artigo 4º do Decreto nº 10.278/2020 desempenha um papel fundamental no cenário da digitalização de documentos físicos, estabelecendo diretrizes cruciais para garantir a eficácia e segurança desse processo. Primeiramente, ele enfatiza a importância de preservar a integridade e a confiabilidade dos documentos digitalizados, assegurando que o conteúdo original seja mantido com precisão e protegido de ameaças. Além disso, o artigo destaca a necessidade de rastreabilidade e auditabilidade dos procedimentos de digitalização, o que significa que todas as etapas do processo devem ser registradas e verificadas, promovendo a transparência e a capacidade de auditoria, aumentando a confiança no processo. Em terceiro lugar, o artigo aborda a qualidade da digitalização, enfatizando o uso de padrões técnicos que garantam a qualidade da imagem, legibilidade e usabilidade dos documentos digitalizados. Isso é crucial para assegurar que os documentos possam ser facilmente utilizados e compreendidos. O Artigo 5º estabelece requisitos essenciais para a digitalização de documentos em transações que envolvem entidades públicas. Essas diretrizes têm como objetivo equiparar documentos digitalizados a documentos físicos em termos legais e na comprovação de atos perante entidades de direito público interno. Para cumprir esses requisitos, os documentos 39 digitalizados devem seguir três condições fundamentais: primeiro, devem ser assinados digitalmente utilizando certificação no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), garantindo a autoria da digitalização e a integridade tanto do documento digital quanto de seus metadados. Em segundo lugar, a digitalização deve estar em conformidade com os padrões técnicos mínimos estabelecidos no Anexo I do decreto, assegurando a qualidade e consistência do processo de digitalização, a fim de tornar o documento digital aceitável perante as entidades públicas. Por fim, os documentos digitalizados devem conter, no mínimo, os metadados especificados no Anexo II, fornecendo informações descritivas essenciais que facilitam a identificação, classificação e recuperação desses documentos, tornando-os acessíveis e indexados de forma eficaz. Essas diretrizes são vitais para garantir a legalidade, autenticidade e integridade dos documentos digitalizados em transações com entidades públicas, promovendo a segurança e a confiabilidade nesse contexto específico. O Artigo 6º estabelece requisitos para a digitalização de documentos que envolvem relações entre particulares, permitindo flexibilidade na escolha de métodos de comprovação da autoria, integridade e confidencialidade dos documentos digitalizados. No caso de falta de acordo prévio, o artigo remete ao disposto no Artigo 5º, que estabelece diretrizes mais rigorosas para a digitalização de documentos em transações com entidades públicas. Além disso, essa medida visava simplificar o armazenamento de informações, possibilitando o descarte dos documentos físicos após a digitalização, com exceção daqueles com valor histórico. Esta transição para o formato digital não se trata apenas de uma questão de eficiência e economia, mas também aponta para o uso crescente de tecnologias de identificação pessoal como biometria e reconhecimento facial que oferecem vantagens significativas, mas também exigem a definição de normas para proteger a privacidade, a segurança e a individualidade (PINHEIRO, 2021, p. 157). O Artigo 7º do Decreto nº 10.278/2020 trata da digitalização de documentos por pessoas jurídicas de direito público interno, estabelecendo que essa digitalização deve ser precedida de uma avaliação dos conjuntos documentais, com base em tabelas de temporalidade e destinação de documentos, a fim de identificar previamente quais documentos devem ser encaminhados para descarte. O Artigo 8º aborda a responsabilidade pela digitalização, afirmando que o processo pode ser realizado pelo possuidor do documento físico ou por terceiros. No entanto, o possuidor 40 do documento físico é responsável perante terceiros pela conformidade do processo de digitalização com as diretrizes estabelecidas no decreto. No caso de contratação de terceiros pela administração pública federal, o contrato deve estabelecer a responsabilidade do contratado perante a administração e a responsabilidade solidária e ilimitada em relação a terceiros prejudicados por culpa ou dolo. Além disso, o contrato deve abordar requisitos de segurança da informação e proteção de dados, de acordo com a legislação vigente. O Artigo 9º trata do descarte de documentos físicos após o processo de digitalização, permitindo que o documento físico seja descartado, com exceção daqueles que contenham conteúdo de valor histórico. Isso promove a redução do acúmulo de papel e a otimização do espaço de armazenamento. Finalmente, o Artigo 10 enfatiza a necessidade de proteger o documento digitalizado contra alteração, destruição, acesso e reprodução não autorizados, bem como a importância da indexação de metadados para possibilitar a localização, gerenciamento e conferência do processo de digitalização. A digitalização de documentos, conforme prevista na norma supra, tem como objetivo simplificar o armazenamento de informações permitindo a eliminação dos documentos físicos, com exceção dos que detêm valor histórico. No entanto, esse processo não se limita à questão da eficiência e economia, mas também aborda a crescente utilização de tecnologias de identificação pessoal, como a biometria e o reconhecimento facial, que, embora ofereçam vantagens significativas, demandam a definição de regulamentações para salvaguardar a privacidade, segurança e individualidade das pessoas. Além disso, a regulamentação estabelece requisitos para documentos digitais em transações entre particulares, enfatizando a necessidade de acordo entre as partes ou aceitação pela parte contrária. Para entidades públicas, o processo de digitalização deve ser precedido por avaliação de conjuntos documentais seguindo critérios de temporalidade e destinação de documentos. A responsabilidade pela digitalização recai sobre o possuidor do documento físico, e, em caso de terceirização desse processo, o contrato deve definir responsabilidades. Após a digitalização, os documentos físicos podem ser descartados, exceto os de valor histórico. Para garantir a integridade e segurança dos documentos digitalizados, o armazenamento deve protegê-los contra alterações não autorizadas e incluir metadados para facilitar a localização e o gerenciamento. 41 A busca pela eficácia e redução de custos tem impulsionado a migração de procedimentos anteriormente presenciais, realizados em papel, para o meio digital. Esta transição requer atenção especial às questões de proteção de dados, privacidade e segurança, pois o uso de tecnologias de identificação pessoal, como biometria e reconhecimento facial, embora vantajoso, demanda a criação de regulamentações para garantir a privacidade, a segurança e a unicidade das identidades digitais, bem como regras que assegurem a neutralidade das tecnologias utilizadas (PINHEIRO, 2021, p. 157). Patrícia Peck enfatiza a impossibilidade de alcançar uma garantia absoluta de segurança, seja no mundo físico ou virtual. Para ilustrar essa questão, ela faz referência aos golpes em caixas eletrônicos bancários, destacando que a tecnologia oferece meios para aprimorar a segurança, mas ressalta a importância da colaboração individual na proteção das senhas como parte essencial na prevenção de práticas criminosas cada vez mais comuns (PINHEIRO, 2021, p. 157). Na evolução dos contratos e acordos legais, a assinatura digital se destaca como uma alternativa contemporânea à tradicional assinatura em papel, oferecendo segurança adicional. No entanto, o uso crescente de tecnologias de identificação pessoal, como biometria e reconhecimento facial, exige regulamentações para garantir a privacidade e a segurança do usuário, como exemplo a Lei 14.063, de 23 de setembro de 2020, que dispõe sobre o uso das assinaturas eletrônicas. A lei nº 14.063/2020, de acordo com o seu art. 1º, estabeleceu diretrizes para o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, atos de pessoas jurídicas e questões de saúde. Isso visa proteger as informações pessoais e sensíveis dos cidadãos, além de garantir eficiência e segurança nos serviços públicos, especialmente em contextos eletrônicos. Para atingir esses objetivos, a lei classificou as assinaturas digitais e eletrônicas com base no grau de autenticação. 2.2.1. Assinatura eletrônica simples e avançada A sessão II, da Lei nº 14.063/2020, dispõe sobre a classificação das assinaturas eletrônicas, de forma que o inc. I, trata-se das assinaturas consideradas como simples: Art. 4º Para efeitos desta Lei, as assinaturas eletrônicas são classificadas em: I - assinatura eletrônica simples: a) a que permite identificar o seu signatário; b) a que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário; 42 A plataforma Clicksign, uma empresa especializada em autenticação de documentos e assinaturas digitais, esclarece que a assinatura eletrônica mencionada no inciso I do artigo 4 da referida legislação envolve uma autenticação menos robusta do signatário. Em outras palavras, essa modalidade de assinatura utiliza métodos menos sofisticados para identificar o signatário, tais como o uso de e-mail, rastreamento do IP do computador ou a determinação da geolocalização do próprio signatário (REIS, 2023). No inciso II, do artigo 4º da Lei nº 14.063/2020, é apresentada a categoria da "assinatura eletrônica avançada", que descreve um método de validação de documentos em formato eletrônico. Essa categoria de assinatura eletrônica se distingue pela utilização de certificados que não foram emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP- Brasil) ou por outro meio reconhecido para comprovar a autoria e a integridade de documentos eletrônicos. No entanto, para que essa assinatura seja considerada válida, ela deve ser aceita pelas partes envolvidas no processo ou pela pessoa a quem o documento é apresentado. A assinatura eletrônic